Roberto Interpretativa
Roberto Interpretativa
Roberto Interpretativa
Diabo
FICHA TÉCNICA
centro.amm@gmail.com
http://ceamm.no.sapo.pt
1. Versões existentes no CEAMM
Em terras orientais
De palácios encantados
Porque o povo só gosta
De romances colossais.
Deste auto encontram-se no Arquivo de António Maria Mourinho quatro exemplares, todos
cópias uns dos outros. O primeiro está em papel vegetal, dactilografado a duas colunas. O segundo é
uma cópia, feita a papel químico, à qual falta a primeira página. O terceiro está também dactilografado,
a uma coluna, faltando-lhe igualmente algumas páginas. O quarto encontra-se já em computador, a
uma coluna e com o texto disposto quadras.
Para a versão interpretativa seguimos esta edição confrontando-a com duas outras e
acrescentando algumas notas que, em nosso entender, podem ajudar na compreensão do texto: a
editada pelo GEFAC1, recolhida em Avelanoso, e outra que veio de Caçarelhos e foi representada em
Sendim2.
É possível que o nosso texto tenha vindo de Vilar Seco. Contudo, numa primeira análise, ele
parece mais próximo do de Avelanoso, do que do de Sendim. Mas isso só com um trabalho
comparativo, mais profundo, se poderia saber, descobrindo e mostrando igualmente outros caminhos
por onde andaram, durante séculos, as muitas cópias e versões representadas nestas terras: Derivam
todas da mesma? Esse “casco” era a tradução do castelhano ou da edição portuguesa? Quem foram os
“regradores” que modificaram e acrescentaram palavras, versos ou até personagens?
2. Origens
As origens da história levam-nos directamente para a Normandia francesa, onde nasceu, a partir
de fontes diversas, a fama de Roberto do Diabo. Segundo Câmara Cascudo3 essas fontes são três: a
narrativa histórica Chroniques de Normandie; um drama religioso intitulado “Miracle de Notre dame de
Robert le Diable” e um romance, em forma de poema, do século XIII, de autor normando
desconhecido. Este foi depois transfomado em prosa e publicado pela primeira vez em Lyon, em
1496, com o título La Vie du Terrible Robert le Diable, lequel après fut nommé lomme dieu (in-4º, gótico,
impresso por P. Marechal). Os mercadores espanhóis, nas suas viagens entre Castela, a França e a
Flandres trouxeram-na para Espanha, onde foi traduzida e impressa em Burgos, em 1509, com o
título: La espantosa y Admirable Vida de Roberto el Diablo, así al principio llamado, hijo del duque de Normandía,
el cual después, por su santa vida, fué llamado hombre de Dios4. A primeira edição portuguesa, de onde saíram
1
Teatro Popular Mirandês – Textos de Cariz Profano, Almedina, Coimbra, 2002.
2
Esta cópia foi-nos facultada pelo Dr. Telmo Ramos, que fez o papel de Anunciador.
3
Luís da Câmara Cascudo, Cinco livros do Povo, Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1953.
(Agradecemos à Dr.ª Luciana Leal que nos enviou este livro do Brasil, comprado num alfarrabista ou “sebo”,
como lá se diz).
4
Ver Júlio Caro Baroja, Ensayo sobre la literatura de cordel, ISTMO, Madrid, 1990, p. 384.
todas as outras, é de 1732, de Lisboa, traduzida por Jerônimo Moreira de Carvalho, com o título
História do grande Roberto, duque de Normandia, e Emperador de Roma, em que se trata da sua conceição,
nascimento, e depravada vida, por onde mereceu ser chamado Roberto do Diabo; e do seu grande arrependimento e
prodigiosa penitência...
Outro problema que se coloca perante este texto é o da sua historicidade. Segundo Câmara
Cascudo, nenhum estudo, e há muitos, prova a identidade de Roberto do Diabo com um personagem
histórico. A verdade é que houve muitos duques da Normandia que seguiram caminhos semelhantes e
capazes de merecer o epíteto de “Diabo”5. Começando por Hrolf Rollon, que morreu em 931, valente,
ganancioso, fundou o seu império à força da espada, do fogo e da morte, tão selvagem como os
bandos de guerreiros que o acompanhavam. Mas depois o guerreiro baptizou-se, tornou-se súbdito do
Rei da França Charles-le-Simples, que lhe deu a mão da sua filha, a princesa Giselle, em casamento.
Temos depois Roberto I, o Magnífico, Duque da Normandia, filho de Ricardo II. Matou, envenenou o
pai, arrasou, desonrou. Também este se arrependeu. Para cumprir a sua penitência foi a Jerusalém.
Morreu em Nicéia, em 1035. Terrível foi também o Duque Roberto Court-Heuse (1058-1134). Bateu-
se contra o pai (Guilherme o Conquistador), os irmãos, matou e mandou matar, feroz, interesseiro,
terrífico. Seja como for, a verdade é que o nome Roberto se encontra documentado, na Normandia,
desde o século X, havendo ainda outros que mereceram esta alcunha de “Diabo”. A façanhas de uns e
outros, a influência católica que levou alguns ao arrependimento, o papel dos trovadores que a partir
daqui criaram e espalharam os seus romances, as cadeias de transmissão oral que ajudaram a difundir o
nome desta personagem que talvez não tenha lugar na História, mas com assento garantido nas
tradições de muitos povos, civilizações e continentes.
Nestes cinco séculos de selvajaria, as aventuras de Roberto do Diabo passaram o mar e foram
levadas para o Brasil onde tiveram reimpressões quase anuais6. Na Terra de Miranda ficaram também
os ecos do seu nome e até dos seus companheiros pois Roberto e Forminante (Fulminante) ainda hoje
podem ser ouvidas e ambos significam “mau”.
Sabemos de onde veio, algumas voltas que deu, alguns caminhos que percorreu, a fama que teve,
mas o que não sabemos é a razão pela qual estas histórias foram tão bem recebidas e conservadas na
Terra de Miranda. Parece-nos difícil de entender como é que estas aventuras passadas em terras tão
distantes, afastadas quer do ponto de vista histórico quer cultural, foram tão bem recebidas pelo povo
que as representou e assistiu a elas. É verdade que a Terra de Miranda foi, desde tempos quase
imemoriais, um espaço onde se abrigaram muitos povos e culturas, uma encruzilhada que deixou
marcas bem fundas no ser e no sentir das suas gentes. Mas para explicar este fenómeno seriam
necessários outros estudos sócio-culturais que, por ora, não temos. Por isso, ficamos com algumas
suposições, mais ou menos teóricas e sem fundamentos muito sólidos.
Segundo Caro Baroja, a fama de Roberto do Diabo resulta do facto das suas aventuras se
conformarem com os passos dos heróis populares: primeiro capitão de bandidos, que depois se
arrepende, fazendo penitência, apresentando-se como tonto e aproveitando tal facto para atacar e
zurzir nos judeus infiéis, num percurso que parece condizer com muitas outras histórias e tradições
5
Luís da Câmara Cascudo, Cinco livros do povo, Op. cit., pp. 181-183.
peninsulares.
Talvez haja nestas histórias uma certa identificação do povo com os heróis cavaleirescos. Tal
como em alguns contos tradicionais, elas poderão responder à eterna necessidade de fugir do
quotidiano, quanto mais longe, mais fundo ou mais alto melhor. Poderíamos dizer que certas histórias
encerram formas de ser exemplares e comunicam virtudes capitais, mas não servem como modelos
práticos para a vida. Por isso, só poderão ser úteis como escape para as frustrações: perante inimigos
demasiado fortes e impossíveis de vencer, a fantasia arquitecta rivais imaginários que serão derrotados
um a um. É, sem dúvida, uma forma de vingança interior contra todos os males exteriores, e quanto
mais grandes sejam os males mais grande terá de ser o inimigo: um gigante, um dragão, uma pessoa
com a força de mil homens ou, porque não, milhares de homens armados até aos dentes. E esta
desmesura imaginária tem ainda mais razão de existir e de se conservar quando a miséria é maior e as
dificuldades são mais prementes.
Mas neste auto não podemos deixar de nos referir também ao papel da mulher. É ela quem
entrega o filho ao diabo, como promessa para conseguir ter um filho. Ora, numa sociedade patriarcal
quem tem o poder são os homens, mas quem o dá são as mulheres. E no mundo rural, uma família
sem filhos, sem braços para ajudar, está condenada a morrer à fome. Uma mulher que não pode ter
filhos é, por isso, desprezada.
Mas como não ver também aqui uma crítica aos casamentos arranjados e preparados? À falta de
liberdade das mulheres, obrigadas a casar por interesses alheios ou por obediência? A esterilidade é
“natural” ou é castigo pelo “pecado” de se casar sem amor? Assim o confessa a Imperatriz:
Eu não fui quem o causei
Este nosso casamento
Nem por si o meu senhor
Sem grande consentimento.
Os vossos embaixadores
A meu pai é que falaram
Eles e os mais senhores
Contentes todos ficaram.
No final, a filha do Imperador, muda, sem fala, será quem decifra o enigma. Prometida pelo pai
ao guerreiro que o ajudou na batalha, não se deixa enganar pelo Almirante falsário e oportunista,
escolhendo Roberto e recuperando a fala. O equilíbrio está conseguido, o Amor triunfará sobre o caos.
Em conclusão, diga-se igualmente que há neste auto um profundo sentimento da justiça.
Roberto fez muitas mortes e maldades. Mas acaba por ser condenado, sofrendo e penando os seus
“pecados”. Durante sete anos, número da plenitude e da mudança ao qual se seguirá um novo ciclo,
Roberto do Diabo ficou mudo, fez penitência, até alcançar o perdão dos pecados. De uma forma
simbólica, e de certa compensatória, assim se vê que a justiça existe e, às vezes, é praticada.
6
Luís da Câmara Cascudo, Literatura oral no Brasil, São Paulo, Global Editora, 2006, p. 212.
3. Representações
Roberto do Diabo foi uma das “comédias” mais conhecidas e representadas nesta região até à
segunda metade do século XX. Como se pode ler numa nota manuscrita de António Mourinho, que se
encontra no seu Arquivo, todos a queriam representar e cada qual o melhor.
Dessas múltiplas representações temos notícia de ter subido ao tablado em Avelanoso, em 1927,
em Vilar Seco (aldeia que hoje pertence ao concelho de Vimioso mas onde se fala mirandês), em 1934
e ainda noutra data desconhecida7, em Caçarelhos, em data também desconhecida, e em Sendim, em
1943 e no dia 9 de Junho de 2002.
7
Ver António Maria Mourinho, “Teatro rural em Trás-os-Montes”, in Ocidente, Volume LI, Lisboa, 1956,
pp. 181-191.Acrescenta, depois, numa nota manuscrita que se encontra nesta mesma página da cópia
existente no CEAMM que o autor dramático mirandês Basílio Rodrigues lhe disse que tinha sido ele mesmo
quem traduziu este texto do castelhano.
Pessoas que falam
O Duque Alberto
Um Embaixador
Duquesa, sua mulher
Roberto, seu filho
Uma dama da duquesa
Um 1° Sargento
Um 2° Sargento
Um Médico
Um Ermitão
Um Professor
Um Anjo
Pontífice
Imperador de Roma
Jesus, figura de pastor
Júlia, pastora
A filha do Imperador muda
A Dama de muda
Um Embaixador do Imperador
Um Secretário do Imperador
Almirante Pagão
Marto, salteador
Fulminante, salteador
Lusbel
Rogério
Profecia
PROFECIA Com rapidez o menino traidor
“Respeitável” auditório Crescia e ninguém o podia aturar;
A vossa atenção implora Chegou a idade de ir estudar
A minha fraca pessoa O pai entregou-o a um professor.
Para vos dizer agora.
Pensando que assim seria melhor,
As passagens desta obra Para ver se o rapaz assim emendava;
Que do Roberto é chamada Mas o pai nisto também se enganava,
A maldade praticada Porque fazia cada vez pior.
E a sua cruel manobra.
Chegou a matar o seu professor
Em tempos remotos havia na França Porque uma vez o repreendeu;
Um ducado que ainda existe, é certo, Aos seus condiscípulos a morte lhe deu
O seu soberano chamava-se Alberto Sem ter paixão, nem dor, nem temor.
Que os seus maiores lhe dão por herança.
Era uma fera que acusava horror
O povo estimava a sua pessoa Destruía a igreja quebrava os altares;
Chegado o tempo que havia nascer Zombava de tudo, fazia esgares,
Manda a Borgonha a duquesa falar Aos seus superiores perdeu-lhe o temor.
Para haver herdeiro a sua coroa.
O pai se afligia por este traiçoeiro,
A duquesa aceitou aquela embaixada Seu filho fazendo tanto mal no ducado;
Com satisfação e contentamento, Manda chamar o moço estragado,
Dezassete anos depois do seu casamento Para o armar e fazer cavalheiro2.
A duquesa era estéril e não fecundava.
Depois de na cinta ter já a espada
Com muita tristeza e desconsolação Que os cavalheiros lhe estão a cigir;
Vivia a mulher e também seu marido Desembainhou-a e pegou à estucada,
Porque o senhor não era servido E a asembleia deitou a fugir.
De lhe dar herdeiro para a sua sucessão.
O pai desde que vê a desobediência
Em conversa amorosa um dia estava E a bravesa daquele leão;
Cumprindo o dever aquele matrimónio Retira da corte fazer penitência,
A duquesa entregou a obra ao demónio, E Roberto para o monte fazer-se ladrão.
E este aceitou aquela palavra.
Sabendo seu pai esta profissão,
Para seu castigo ficou fecundada, Mandou-o chamar por homens da corte
E no palácio renasce a alegria; Tira-lhes os olhos e não lhes dá morte
Sem pensarem que a criança seria Por lhes fazer mais grande traição.
De condição tão velhaca e danada.
Vendo seu pai crescer tanto mal,
Toda a nobreza se encheu de ventura, Já que por bem não quer emendar;
Quando souberam que havia sucessão; Manda uma força com seu general,
No dia do parto estrondeia o trovão Para o prender a mandá-lo matar.
Com relistros1 e raios se faz noite escura.
Prossegue o traidor por seu génio
Então aparece uma tal criatura infernal,
Que pela grandeza parecia já moço; Fazendo destroços por toda a nação;
Para mais tarde fazer o destroço Vem Júlia pastora cantando canção,
O Diabo lhe deu tamanha figura. Como aos outros lhe dá sorte igual.
Peço a desculpa dos erros que dei Ó meu Deus, ó santos céus
E com a licença de vós povo honrado Que desconsolado me vejo
Eu me retiro e depois voltarei Por não se poder cumprir
A dar conclusão ao meu razoado. O meu ardente desejo.
ALBERTO DUQUEZA
Fui a uma caçaria Isso que tenho falado
Muito me adivirti Que seja por ele aceite
Mas o meu triste coração Quero conceber o diabo
Estava pensando em ti. Ou ao Diabo entrego o peito.
Não demoreis meu senhor A dama não faz caso e Rogério com tirania diz
Em o baptismo lhe dar
Que a criança é tão forte Olha o que vai de imperial
Que me custa a sujeitar. Por levar aquele duquito
Que o não quis amostrar
Diz para o menino Há-de ser um bom facanito
Em começando a andar!...
Está quito meu menino,
Não sejas tão desenquieto, Vai-se
Recebe o santo baptismo
Que é o dote mais perfeito. ERMITÃO
Em minha vida olhei
ERMITÃO Criança tão adiantada
Ajoelhai senhora Que não podia pensei
À porta da ermida Ser por mim baptizada.
Para eu baptizar
Essa criança atrevida. É como um homem senhor
De tanta disposição
Recebe criança É como uma fera horrível
O baptismo que lhe dou E tem instintos de cão.
É o primeiro sacramento
Que a igreja deliberou. Triste e mal formada
Foi a mãi que o pariu
EMBAIXADOR Cousa tão mal formada
Esteja quieto menino Nunca no mundo se viu.
Não seja tão desenquieto
Que tem que ser baptizado Templos ele não quer
Por ordem de Deus supremo. Quando aqui chegou a entrar
Destas portas para dentro
O Ermitão faz que o baptiza e deita-lhe a água e Parecia um cão a ladrar.
diz o ermitão
Parece uma horrível fera
Em nome do Padre e do Filho Que no campo se gerou
E do Espírito Santo Sagrado Com um mau filho o duque
Ide em paz meu menino O senhor o castigou.
Que já estais baptizado.15
Nove meses a duquesa
Vai-se a dama com o menino, ficando o ermitão No seu ventre o trazia
com o embaixador. Ao encontro vem Rogério e diz Senhor estou a pensar
Não sei como o teria.
ROGÉRIO16
Ó senhora madrinha, Nem como teve poder
Faz favor de me mostrar Nem valor para sofrer
A cara desse menino Uma criança tão forte
Jesus não lhe deu o ser.
15 Esta intervenção do Ermitão, que na edição do
GEFAC é chamado Frade, só se encontra nesta Não quero falar eu mais
versão.
16 O personagem Rogério não se encontra no texto de Que se o chega a saber
Avelanoso, editado pelo GEFAC. O vocabulário O Duque castigará-me
indica que se trata de um acrescento mirandês: facanito, Para isso tem poder.
por exemplo, não significa apenas pequenino, mas
alguém endiabrado, traquinas, e é uma palavra
mirandesa.
EMBAIXADOR ROBERTO
A Borgonha quero que torne Qual será o que apanho
O Duque da Normandia Que lhe tiro os chiadeiros.
A levar outra embaixada
De grande empenho e valia. ROGÉRIO
O que fugir mais ligeiro
Um filho teve a duquesa É o que menos apanha.
E como o teve não sei
Que eu fiquei pasmado Vão-se todos menos Rogério que continua
Quando para ele olhei. falando
EMBAIXADOR 2° SARGENTO
A embaixada levei Ainda o senhor ministro
Ao Duque de Borgonha Se não lhe falei o melhor
Desde que a viu logo disse Se não que lhe fale também
Isto é má cousa. O senhor embaixador.
Chama 1° SARGENTO
Ó senhor Roberto do Diabo! O revólver tão bem queira
Venha aqui que o chama o padre!... Permita que lho ponha eu.
Jesus que medo eu tenho
Que me morda e não me ladre. 2°SARGENTO
O seu chapéu com licença
Sai Roberto muito contente e coloca-se ao pé do Para comandar a fileira.
pai e diz
ROBERTO
Eu já vinha da Igreja Já me armaram cavaleiro
E não quero lá mais entrar
Faça meu pai o que queira
21 Esta parte com o ritual da investidura em cavaleiro
Veja se me quer armar.
também não se encontra na versão de Avelanoso.
Guardem-se do meu poder Ficou toda destroçada
A gente que os meus olhos E a gente toda a tremer
Aqueles que alcance a ver. Da sua tenção danada.
ALBERTO MINISTRO
Dezassete anos contas Agora corre o ducado
Filho da tua idade De mui grande Normandia
Já fizeste tantas mortes Matando e destroçando
Não terás perdão do padre. Não pára noite nem dia.
MINISTRO ROBERTO
Tem de nos acompanhar Ah meu pai! Ah meu pai!
Para o prender ou matar. Que tenha tanta paciência
Em espreitar estes cães
ROGÉRIO Nisto faz-me grande ofensa.
Matar. (Dá um assobio)
Isso será melhor Sou Roberto, vil traidor
Nem sequer o pensar A quem vindes espreitar
Nem tão pouco falar nisso. Sabeis o que é melhor
Os olhos meus camaradas
Vê a Roberto e diz: Vamos-lhe já tirar.
conhecido pela sua ferocidade, filho do almirante Vão-se os três ladrões e diz o Sargento:
Balão, na peça História do Imperador Carlos Magno e dos
Doze Pares de França.
SARGENTO
Agora requiem eterno Eu capitão general
Faz-me esse homem dizer Neste notável dia
Sem olhos fiquei agora A tropa hei-de comandar
Já não voltarei a ver. Sem nenhuma cobardia.
26 Cf. o advérbio mirandês debrebe, “brevemente”, mirandês, terminar significa “combinar”, pelo que o
forma que se encontra na edição do GEFAC e verso fica com sentido, embora diferente.
“depressa”, na edição de Sendim. 28 Trata-se, sem dúvida, de nota muito poética no meio
27 Determinar, em outras versões. Contudo, em desta tragédia.
Sem vista como vos vejo Que adiante a sua cura
E não vos posso remediar. E que adiante os serviços meus.
MÉDICO ALBERTO
Com olhos ficam senhor duque Fica-te nele fechada
E falando agora nós sós E não abras a ninguém.
Embora eles não vejam
Ao menos vemo-los nós. 2° SARGENTO
Olhem que é muito mau.
Isto são habilidades minhas
Decorridos das ciências humanas MINISTRO
Aplicada nos estudos Não é filho de tal mulher.
Quando queimei estas pestanas.
Vai-se e sai Roberto com a espada na mão e diz
Com doença ninguém esteja Roberto:
Digo a todo o auditório
A qualquer hora que seja Sem temor de Deus estou
Batam no meu consultório. Seguindo todos os males
Cortei agora a cabeça
Adeus senhor Duque A sete senhores frades.
Fico em tudo ao seu dispor
Mande em toda a ocasião E como os meus instintos
Este leal servidor. São inclinados ao mal
E todos os que encontre
Vai-se o médico e sai a Duquesa e diz para o Morrerão do mesmo mal.
Duque:
As mulheres que eu colher
DUQUESA Logo as hei-de desonrar
Faz o que hás-de fazer E depois em recompensa
Não deixes assim teu filho Seus corações arrincar31.
Porque se assim vai
A todos traz em perigo.
31 Forma mirandesa. Nas versões de Sendim e do
Ordena de o mandar matar
GEFAC lê-se “arrancar”.
Sai Júlia Pastora com o rebanho de ovelhas e Sai Roberto e fala Júlia desde que o vê:
cordeiros e continua:
JÚLIA
ROBERTO Ó triste me mim coitada
Aqui vem uma pastora Como estou de afligida,
Agora vou a espreitar Que já vejo os malfeitores
E para a minha cova Que me vão tirar a vida.
Hei-de a logo levar.
Roberto agarra a pastora e continua Júlia:
Esconde-se no monte e canta Júlia:
Valha-me Nosso senhor
A vida de uma pastora E o anjo da minha guarda
Por ninguém seja invejada Que já me levam os ladrões
Ainda que tem descanso Deus recolha a minha alma.
Anda muito desconsolada.
ROBERTO
De dia ao calor do sol Não te valerão os santos
Ao par das suas ovelhas Nem pelo teu Deus chamar
De noite dorme agitada Anda para a minha cova
Olhando para as estrelas. Que lá te estão a esperar.
d’honras mirandesa”, lê-se numa nota manuscrita da 34 Esta expressão “a saber de” é também bem
Assoma-se e chama:
Maroto!
Marmanjo!
Mariola!
Só querias matar gente!
Agora ficas ao quente!
GENERAL
O Duque de Normandia
41 No original, esta forma aparece sem acento, por
Mandou-me com muito ardor
A defender a bandeira
imposição de rima e por ser assim que se pronuncia.
42 Forma mirandesa do presente do indicativo do Do senhor Imperador.
verbo haver, primeira pessoa do plural.
43 A expressão “formar guerra” é bastante comum em
Seringa e vai-se para diante dele bailando e Entra Roberto para dentro fazendo loucuras que
dizendo: provocam o riso e diz o Ministro: