Roberto Interpretativa

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Vida de Roberto do

Diabo

Edição, introdução e notas

António Bárbolo Alves


(Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia
e do Ministério da Educação)

FICHA TÉCNICA

Título: Vida de Roberto do Diabo


© Centro de Estudos António Maria Mourinho e António Bárbolo Alves
1ª Edição: Julho de 2007
ISBN: 978-972-9249-03-07

Edições do Centro de Estudos António Maria Mourinho


Biblioteca Municipal
Rue de l Cumbento, s/n
5210-021 MIRANDA DE L DOURO

centro.amm@gmail.com
http://ceamm.no.sapo.pt
1. Versões existentes no CEAMM

Em terras orientais
De palácios encantados
Porque o povo só gosta
De romances colossais.

Antônio Alves da Silva, João Terrível e o Dragão Vermelho

Deste auto encontram-se no Arquivo de António Maria Mourinho quatro exemplares, todos
cópias uns dos outros. O primeiro está em papel vegetal, dactilografado a duas colunas. O segundo é
uma cópia, feita a papel químico, à qual falta a primeira página. O terceiro está também dactilografado,
a uma coluna, faltando-lhe igualmente algumas páginas. O quarto encontra-se já em computador, a
uma coluna e com o texto disposto quadras.
Para a versão interpretativa seguimos esta edição confrontando-a com duas outras e
acrescentando algumas notas que, em nosso entender, podem ajudar na compreensão do texto: a
editada pelo GEFAC1, recolhida em Avelanoso, e outra que veio de Caçarelhos e foi representada em
Sendim2.
É possível que o nosso texto tenha vindo de Vilar Seco. Contudo, numa primeira análise, ele
parece mais próximo do de Avelanoso, do que do de Sendim. Mas isso só com um trabalho
comparativo, mais profundo, se poderia saber, descobrindo e mostrando igualmente outros caminhos
por onde andaram, durante séculos, as muitas cópias e versões representadas nestas terras: Derivam
todas da mesma? Esse “casco” era a tradução do castelhano ou da edição portuguesa? Quem foram os
“regradores” que modificaram e acrescentaram palavras, versos ou até personagens?

2. Origens
As origens da história levam-nos directamente para a Normandia francesa, onde nasceu, a partir
de fontes diversas, a fama de Roberto do Diabo. Segundo Câmara Cascudo3 essas fontes são três: a
narrativa histórica Chroniques de Normandie; um drama religioso intitulado “Miracle de Notre dame de
Robert le Diable” e um romance, em forma de poema, do século XIII, de autor normando
desconhecido. Este foi depois transfomado em prosa e publicado pela primeira vez em Lyon, em
1496, com o título La Vie du Terrible Robert le Diable, lequel après fut nommé lomme dieu (in-4º, gótico,
impresso por P. Marechal). Os mercadores espanhóis, nas suas viagens entre Castela, a França e a
Flandres trouxeram-na para Espanha, onde foi traduzida e impressa em Burgos, em 1509, com o
título: La espantosa y Admirable Vida de Roberto el Diablo, así al principio llamado, hijo del duque de Normandía,
el cual después, por su santa vida, fué llamado hombre de Dios4. A primeira edição portuguesa, de onde saíram

1
Teatro Popular Mirandês – Textos de Cariz Profano, Almedina, Coimbra, 2002.
2
Esta cópia foi-nos facultada pelo Dr. Telmo Ramos, que fez o papel de Anunciador.
3
Luís da Câmara Cascudo, Cinco livros do Povo, Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1953.
(Agradecemos à Dr.ª Luciana Leal que nos enviou este livro do Brasil, comprado num alfarrabista ou “sebo”,
como lá se diz).
4
Ver Júlio Caro Baroja, Ensayo sobre la literatura de cordel, ISTMO, Madrid, 1990, p. 384.
todas as outras, é de 1732, de Lisboa, traduzida por Jerônimo Moreira de Carvalho, com o título
História do grande Roberto, duque de Normandia, e Emperador de Roma, em que se trata da sua conceição,
nascimento, e depravada vida, por onde mereceu ser chamado Roberto do Diabo; e do seu grande arrependimento e
prodigiosa penitência...
Outro problema que se coloca perante este texto é o da sua historicidade. Segundo Câmara
Cascudo, nenhum estudo, e há muitos, prova a identidade de Roberto do Diabo com um personagem
histórico. A verdade é que houve muitos duques da Normandia que seguiram caminhos semelhantes e
capazes de merecer o epíteto de “Diabo”5. Começando por Hrolf Rollon, que morreu em 931, valente,
ganancioso, fundou o seu império à força da espada, do fogo e da morte, tão selvagem como os
bandos de guerreiros que o acompanhavam. Mas depois o guerreiro baptizou-se, tornou-se súbdito do
Rei da França Charles-le-Simples, que lhe deu a mão da sua filha, a princesa Giselle, em casamento.
Temos depois Roberto I, o Magnífico, Duque da Normandia, filho de Ricardo II. Matou, envenenou o
pai, arrasou, desonrou. Também este se arrependeu. Para cumprir a sua penitência foi a Jerusalém.
Morreu em Nicéia, em 1035. Terrível foi também o Duque Roberto Court-Heuse (1058-1134). Bateu-
se contra o pai (Guilherme o Conquistador), os irmãos, matou e mandou matar, feroz, interesseiro,
terrífico. Seja como for, a verdade é que o nome Roberto se encontra documentado, na Normandia,
desde o século X, havendo ainda outros que mereceram esta alcunha de “Diabo”. A façanhas de uns e
outros, a influência católica que levou alguns ao arrependimento, o papel dos trovadores que a partir
daqui criaram e espalharam os seus romances, as cadeias de transmissão oral que ajudaram a difundir o
nome desta personagem que talvez não tenha lugar na História, mas com assento garantido nas
tradições de muitos povos, civilizações e continentes.
Nestes cinco séculos de selvajaria, as aventuras de Roberto do Diabo passaram o mar e foram
levadas para o Brasil onde tiveram reimpressões quase anuais6. Na Terra de Miranda ficaram também
os ecos do seu nome e até dos seus companheiros pois Roberto e Forminante (Fulminante) ainda hoje
podem ser ouvidas e ambos significam “mau”.
Sabemos de onde veio, algumas voltas que deu, alguns caminhos que percorreu, a fama que teve,
mas o que não sabemos é a razão pela qual estas histórias foram tão bem recebidas e conservadas na
Terra de Miranda. Parece-nos difícil de entender como é que estas aventuras passadas em terras tão
distantes, afastadas quer do ponto de vista histórico quer cultural, foram tão bem recebidas pelo povo
que as representou e assistiu a elas. É verdade que a Terra de Miranda foi, desde tempos quase
imemoriais, um espaço onde se abrigaram muitos povos e culturas, uma encruzilhada que deixou
marcas bem fundas no ser e no sentir das suas gentes. Mas para explicar este fenómeno seriam
necessários outros estudos sócio-culturais que, por ora, não temos. Por isso, ficamos com algumas
suposições, mais ou menos teóricas e sem fundamentos muito sólidos.
Segundo Caro Baroja, a fama de Roberto do Diabo resulta do facto das suas aventuras se
conformarem com os passos dos heróis populares: primeiro capitão de bandidos, que depois se
arrepende, fazendo penitência, apresentando-se como tonto e aproveitando tal facto para atacar e
zurzir nos judeus infiéis, num percurso que parece condizer com muitas outras histórias e tradições

5
Luís da Câmara Cascudo, Cinco livros do povo, Op. cit., pp. 181-183.
peninsulares.
Talvez haja nestas histórias uma certa identificação do povo com os heróis cavaleirescos. Tal
como em alguns contos tradicionais, elas poderão responder à eterna necessidade de fugir do
quotidiano, quanto mais longe, mais fundo ou mais alto melhor. Poderíamos dizer que certas histórias
encerram formas de ser exemplares e comunicam virtudes capitais, mas não servem como modelos
práticos para a vida. Por isso, só poderão ser úteis como escape para as frustrações: perante inimigos
demasiado fortes e impossíveis de vencer, a fantasia arquitecta rivais imaginários que serão derrotados
um a um. É, sem dúvida, uma forma de vingança interior contra todos os males exteriores, e quanto
mais grandes sejam os males mais grande terá de ser o inimigo: um gigante, um dragão, uma pessoa
com a força de mil homens ou, porque não, milhares de homens armados até aos dentes. E esta
desmesura imaginária tem ainda mais razão de existir e de se conservar quando a miséria é maior e as
dificuldades são mais prementes.
Mas neste auto não podemos deixar de nos referir também ao papel da mulher. É ela quem
entrega o filho ao diabo, como promessa para conseguir ter um filho. Ora, numa sociedade patriarcal
quem tem o poder são os homens, mas quem o dá são as mulheres. E no mundo rural, uma família
sem filhos, sem braços para ajudar, está condenada a morrer à fome. Uma mulher que não pode ter
filhos é, por isso, desprezada.
Mas como não ver também aqui uma crítica aos casamentos arranjados e preparados? À falta de
liberdade das mulheres, obrigadas a casar por interesses alheios ou por obediência? A esterilidade é
“natural” ou é castigo pelo “pecado” de se casar sem amor? Assim o confessa a Imperatriz:
Eu não fui quem o causei
Este nosso casamento
Nem por si o meu senhor
Sem grande consentimento.

Os vossos embaixadores
A meu pai é que falaram
Eles e os mais senhores
Contentes todos ficaram.

Dizendo-me logo a mim


Se me queria casar
Eu lhe respondi que sim
Por obediência guardar.

No final, a filha do Imperador, muda, sem fala, será quem decifra o enigma. Prometida pelo pai
ao guerreiro que o ajudou na batalha, não se deixa enganar pelo Almirante falsário e oportunista,
escolhendo Roberto e recuperando a fala. O equilíbrio está conseguido, o Amor triunfará sobre o caos.
Em conclusão, diga-se igualmente que há neste auto um profundo sentimento da justiça.
Roberto fez muitas mortes e maldades. Mas acaba por ser condenado, sofrendo e penando os seus
“pecados”. Durante sete anos, número da plenitude e da mudança ao qual se seguirá um novo ciclo,
Roberto do Diabo ficou mudo, fez penitência, até alcançar o perdão dos pecados. De uma forma
simbólica, e de certa compensatória, assim se vê que a justiça existe e, às vezes, é praticada.

6
Luís da Câmara Cascudo, Literatura oral no Brasil, São Paulo, Global Editora, 2006, p. 212.
3. Representações
Roberto do Diabo foi uma das “comédias” mais conhecidas e representadas nesta região até à
segunda metade do século XX. Como se pode ler numa nota manuscrita de António Mourinho, que se
encontra no seu Arquivo, todos a queriam representar e cada qual o melhor.
Dessas múltiplas representações temos notícia de ter subido ao tablado em Avelanoso, em 1927,
em Vilar Seco (aldeia que hoje pertence ao concelho de Vimioso mas onde se fala mirandês), em 1934
e ainda noutra data desconhecida7, em Caçarelhos, em data também desconhecida, e em Sendim, em
1943 e no dia 9 de Junho de 2002.

7
Ver António Maria Mourinho, “Teatro rural em Trás-os-Montes”, in Ocidente, Volume LI, Lisboa, 1956,
pp. 181-191.Acrescenta, depois, numa nota manuscrita que se encontra nesta mesma página da cópia
existente no CEAMM que o autor dramático mirandês Basílio Rodrigues lhe disse que tinha sido ele mesmo
quem traduziu este texto do castelhano.
Pessoas que falam

O Duque Alberto
Um Embaixador
Duquesa, sua mulher
Roberto, seu filho
Uma dama da duquesa
Um 1° Sargento
Um 2° Sargento
Um Médico
Um Ermitão
Um Professor
Um Anjo
Pontífice
Imperador de Roma
Jesus, figura de pastor
Júlia, pastora
A filha do Imperador muda
A Dama de muda
Um Embaixador do Imperador
Um Secretário do Imperador
Almirante Pagão
Marto, salteador
Fulminante, salteador
Lusbel
Rogério
Profecia
PROFECIA Com rapidez o menino traidor
“Respeitável” auditório Crescia e ninguém o podia aturar;
A vossa atenção implora Chegou a idade de ir estudar
A minha fraca pessoa O pai entregou-o a um professor.
Para vos dizer agora.
Pensando que assim seria melhor,
As passagens desta obra Para ver se o rapaz assim emendava;
Que do Roberto é chamada Mas o pai nisto também se enganava,
A maldade praticada Porque fazia cada vez pior.
E a sua cruel manobra.
Chegou a matar o seu professor
Em tempos remotos havia na França Porque uma vez o repreendeu;
Um ducado que ainda existe, é certo, Aos seus condiscípulos a morte lhe deu
O seu soberano chamava-se Alberto Sem ter paixão, nem dor, nem temor.
Que os seus maiores lhe dão por herança.
Era uma fera que acusava horror
O povo estimava a sua pessoa Destruía a igreja quebrava os altares;
Chegado o tempo que havia nascer Zombava de tudo, fazia esgares,
Manda a Borgonha a duquesa falar Aos seus superiores perdeu-lhe o temor.
Para haver herdeiro a sua coroa.
O pai se afligia por este traiçoeiro,
A duquesa aceitou aquela embaixada Seu filho fazendo tanto mal no ducado;
Com satisfação e contentamento, Manda chamar o moço estragado,
Dezassete anos depois do seu casamento Para o armar e fazer cavalheiro2.
A duquesa era estéril e não fecundava.
Depois de na cinta ter já a espada
Com muita tristeza e desconsolação Que os cavalheiros lhe estão a cigir;
Vivia a mulher e também seu marido Desembainhou-a e pegou à estucada,
Porque o senhor não era servido E a asembleia deitou a fugir.
De lhe dar herdeiro para a sua sucessão.
O pai desde que vê a desobediência
Em conversa amorosa um dia estava E a bravesa daquele leão;
Cumprindo o dever aquele matrimónio Retira da corte fazer penitência,
A duquesa entregou a obra ao demónio, E Roberto para o monte fazer-se ladrão.
E este aceitou aquela palavra.
Sabendo seu pai esta profissão,
Para seu castigo ficou fecundada, Mandou-o chamar por homens da corte
E no palácio renasce a alegria; Tira-lhes os olhos e não lhes dá morte
Sem pensarem que a criança seria Por lhes fazer mais grande traição.
De condição tão velhaca e danada.
Vendo seu pai crescer tanto mal,
Toda a nobreza se encheu de ventura, Já que por bem não quer emendar;
Quando souberam que havia sucessão; Manda uma força com seu general,
No dia do parto estrondeia o trovão Para o prender a mandá-lo matar.
Com relistros1 e raios se faz noite escura.
Prossegue o traidor por seu génio
Então aparece uma tal criatura infernal,
Que pela grandeza parecia já moço; Fazendo destroços por toda a nação;
Para mais tarde fazer o destroço Vem Júlia pastora cantando canção,
O Diabo lhe deu tamanha figura. Como aos outros lhe dá sorte igual.

1 Em mirandês relhistro significa relâmpago. 2 Confusão com a palavra “cavaleiro”.


Assombrava o mundo com tanto terror E a mulher admirável,
Ninguém lhe abrandava o coração; Muito rica e Virtuosa,
Abrandou-lhe Jesus figurado pastor, E no ducado de Borgonha,
E arrependido pediu logo perdão. Foi nascida essa rosa.

Partiu logo sem mais detenção, Ó meu forte embaixador


Sua mãe lhe deu como amor e carinho; Que bem soubeste escolher
Quando volveu encontrou no caminho, Uma mulher virtuosa
Seu protector e amigo Satão. Qual de todas possa ser.

Este em seguida lhe faz reflexão Como eu desconsolado


Qual era o motivo porque tinha deixado Está ela por não ter
E como Roberto estava calado Um filho que possa ser,
Atira com ele para dentro do Volcão. Herdeiro do nosso ducado.

Peço a desculpa dos erros que dei Ó meu Deus, ó santos céus
E com a licença de vós povo honrado Que desconsolado me vejo
Eu me retiro e depois voltarei Por não se poder cumprir
A dar conclusão ao meu razoado. O meu ardente desejo.

Vai-se Por eu não ter algum dia


Uma festa santa e boa
Um filho por descendência
Herdeiro da minha coroa.
Fim da 1a Parte
Senhor, senhor concedei
O que peço agora aqui;
Sai Rogério e diz Sou verdadeiro cristão
Não vos esqueçais de mim.
Mas então não disse bem
Cá o nosso anunciador Farei quanto eu puder
Eu parece-me que ele tem Com esforçado valor
Boa cabeça para doutor Que saiba bem adorar
Lá isso tem, tarem, tem tem Aquele supremo senhor.
Tarem, tem tem.
A guerra agora não mata
Vai-se dizendo isto. O reino está à vontade
Sai o Duque e o Embaixador e diz o Duque Minha duquesa formosa
Ficai-vos na solidade.
Abençoado será
O dia em que minha mulher No seu jardim de recreio
Tiver um filho em sucessão No que eu falo está a pensar
Para herdar o meu poder. Com desejos de ela ter
Um filho para me agradar.
Em companhia de minha esposa
Vivo catolicamente Sempre está fazer festejos
Sendo querido de todos Esmolas e orações
Homem senhorio e gente. Com outras damas se ajunta
Para irem aos sermões.
Vai fazer dezassete anos
Que contente me casei Os templos é o seu recreio
Com a formosa duquesa E depois de o seu amor
A quem amo e amarei. Cada dia duas vezes
Visita a Nosso Senhor.
Ele pode muito bem
Agora vou-lhe falar Fazer que a minha mulher
No jardim que é o seu passeio Logo conceda um filho
Para que se não agonie Que herde o meu poder.
E que não tenha receio.
EMBAIXADOR
(Diz à parte) Razão certa é senhor3
Ama-me minha mulher [E já dezassete anos vão
Tanto do coração De casados e ainda sem terem
Que me traz sempre sepultado Indícios de sucessão.
Em uma escura prisão.
Divirta-se, meu amigo,
EMBAIXADOR Com seus vassalos velhos
Sinto muito a tristeza Iremos fazer uma caçada
Que Vossa Magestade tem, Estes são os meus conselhos.
Mas eu não tenho a culpa
Nem sua mulher também. ALBERTO
No jardim minha mulher
Eu fui como me mandou Está sempre a considerar
E quando a (vergonha !!!) Burgonha O que poderá fazer
E recebeu-me muito bem Para haver de fecundar.
E com honra me falou.
ROGÉRIO
Ofereceu-me o que ela tinha Cá os nossos governantes
Com muita sagacidade, Estão muito desconsolados:
Dei-lhe logo a embaixada É por não terem um filho
De Vossa Real majestade. Para mandar nos soldados.

Aceitou o meu pedido Estão sempre a chorar…


E logo me vim contente E que tal?
De Borgonha à nossa terra Que me façam general
A trazer este presente. Que eu também já sei mandar!
Sentido!... Meia volta, volver!...
Vossa majestade ficou Marche, marche…
Muito bem engrandecido
Tanto que dos seus vassalos Toca a música. Aparece a Duquesa e uma
Fui eu muito bem recebido. Dama no jardim.

E agora meu senhor DUQUESA


Empuxa-me a mim o cargo Considerando quem eu fui
De não ter sucessão E agora quem eu sou
Para o seu belo ducado. Lembro-me sempre e muito
Do que a minha mãe falou.
Eu não devo ser culpado
Nesse crime tão severo Eu sou uma desgraçada
Porque só pertence a Deus
O mistério do segredo. 3 No documento que se encontra no Arquivo de
António Mourinho este verso é seguido pela
ALBERTO intervenção da Duquesa quando diz “Sou muito
temente a Deus / Como nosso criador / Depois dele
Eu não lhe torno a culpa ao meu marido / Lhe tenho muito amor”. Por isso,
Ao meu fiel embaixador estas palavras, na boca do Embaixador não fazem
Bem sei que esse mistério sentido. O lapso poderá ter ocorrido pelo facto de se
Pertence a Nosso Senhor. ter perdido uma folha, uma vez que esta intervenção
ocupa cerca de uma página. O texto acrescentado foi
retirado da versão representada em Sendim.
Que em Borgonha nasci Nesta formosa terra
E agora estou aqui Temos de nos recrear
Em Normandia casada. Assim como o senhor Alberto
Também tem que a estimar.
Eu casei-me para Deus louvar
Mas a qual outra luz da França É duque de Normandia
Conheço a desconfiança Representante primeiro
Por não poder fecundar. E no palácio do Rei
É o melhor cavaleiro.
Mas eu não tenho a culpa
Pois como qualquer mulher Eu como dama imperiosa
Faço as minhas obrigações Pela sua magestade
Como se devem fazer. Fui nomiada companheira
Desde a minha tenra idade.
Chegado será o dia
Que eu me chegue a perder À câmara principal
Mas outras senhoras também De corte da Normandia
Muito hão-de sofrer. Eu a passeio gostosa
Sem nenhuma cobardia4.
Ó Borgonha, terra minha,
Vem cá, torna-me a levar E quando foi chegada
Que eu aqui, em Normandia, O Duque para a mulher
Não poderei acabar. Vossa pessoa adorada
Bem o soube receber.
Ó Borgonha de Navarra,
Ó terra em que nasci Todos fiquemos5 contentes
Leva-me outra vez a mim Em ver vossa majestade
Que eu aqui sou desprezada. Eu vim a ser companheira
Por ser a sua vontade.
Sou filha do Grão Roberto,
O rei da nossa Borgonha, Agora minha senhora
Nasci no seu Ducado Não deve desconfiar
Nasci da sua coroa. Tenha sempre a sua fé
Que ainda lhe pode dar,6
E o meu soberano pai Deus o que vós quereis
Desde que recebeu a embaixada Cumprindo com suas leis
Concedeu e disse: Vai, filha, E contra ele não pecar.
Com esse Duque ser casada.]
Olhe bem senhora amada
Sou muito temente a Deus Quanto queira fazer
Como nosso criador Seja um serviço de Deus
Depois dele ao meu marido Que ele tem todo o poder.
Lhe tenho muito amor.
Quando chegará o dia
As suas ordens eu cumpro De seu sangue conceber
O seu coração eu adoro Um herdeiro do ducado
Para mim não há riquezas E da terra em que nascer.
Nem tenho outro tesouro.

DAMA 4 Na versão dactilografada foi rasurada a forma


Senhora não tenha pena “companhia” e substituída por “cobardia”.
Não esteja agoniada 5 Forma mirandesa.
6 Esta estrofe foi modificada, faltando-lhe o primeiro
Que eu acompanharei
Vossa pessoa adorada. verso da segunda quadra, que se pode ler na edição do
GEFAC: “Depois ele vos dará”.
Não há que desconfiar Ele sempre é sabedor
Da divida protecção Do prémio que merecemos
Que ainda há-de ver satisfeito Nesta e na outra vida
E contente seu coração. Seguindo a honra que temos.

Peça, peça a Deus do céu, Sua majestade senhora


Quanto queira pedir Sei que é muito honrada
Que chegado será o dia E dos seus vassalos todos
Que tudo lhe há-de vir. Sempre fui7 muito estimada.

DUQUEZA Não é como Margarida8


Não desconfio jamais A que acabo de falar
Eu farei o que mandais. Pois aquela mulher, tudo
Ela fazia enraivar.
DAMA
Eu sou cristã verdadeira DUQUEZA
E no palácio me criei Muito honrada me criei
Nunca ao meu ducado Lá na minha juventude
Até agora lhe faltei. E na minha vida achei
Até agora bem saúde.
Sempre fui muito querida
E em vossa protecção Nesta terra bem estou
Me manda agora estar Fazem-me bem a vontade
Aqui tem meu coração. E agora sou feliz
Até da nossa majestade.
Vejo que estais senhora
Muito agoniada agora Se eu chego a conceber
Lá virá depois um dia Que fará o meu marido?
Que vos encha de alegria. Muito me há-de querer
E sempre estará comigo.
Eu farei o que o senhor duque
Sempre em vossa protecção Sai o Duque vai ao jardim e retira-se a dama
Esteja amando contente
Vosso terno coração. ALBERTO
Minha duquesa formosa
Eu farei minha senhora Querida muito adorável
Vossa pessoa guardar Dos meus honrados vassalos
E dos maus quereres sempre É de mim muito apreciável.
Hei-de lhos eu tirar.
Soldados sou dos primeiros
Esmolas e orações E desta grande senhoria
Sempre temos que fazer Sou o governador
Para que nosso senhor Da formosa Normandia.
Tenha que nos conceder.
Senhora, grande pecado fez
O que é de todos desejado O que a nós nos ajuntou
E com o tempo virá E de certo sem olhar
Um filho que mandará A quem logo vos amou.
Neste formoso ducado.

Tenho, senhora, pensado 7Por foi.


Que Deus Nosso Senhor 8 Referência a Margarida de Valois, casada com
Não faltará ninguém Henrique de Bourbon, rei de Navarra, cuja história é
O que serve com amor. narrada por Alexandre Dumas na obra intitulada
Rainha Margarida.
Eu tenho por entendido Dizendo-me logo a mim
Que se com outra mulher Se me queria casar
Me tivesse unido Eu lhe respondi que sim
Não tinha que suceder Por obediência guardar.
Isto que tem sucedido.
E agora ó santo céu
Eu tinha que ter filhos Quem havia de pensar
E outros teríeis vós Que seria desprezada
Juntando-vos com outro homem E não me havíeis de amar.
E não nos juntando nós.
Quem meu Deus soberano
Mas, ó céus, ó meu Deus veja Mais queria arrebentar
Ainda que o meu ducado E não me ver como me vejo
Ainda que por estrangeiros seja Neste desprezo mundano.
Em tempos a senhorá-los9.
ALBERTO
Os meus vassalos se vejam Eu não desprezo mulher
Algum dia maltratados Tua pessoa formosa
Se homens mais poderosos Sossega que deve ser
De outras nações armados. Isso em mulher ciosa.

Nunca eu desprezarei Escolhi-te para esposa


Tua formosa pessoa Eu te quero adorar
Que como amas a Deus Vou a ceder meu poder
Meu coração te abençoa. Só para contigo estar.

Sim e por isso mulher Eu casei-me para ter


Juro e não me juntarei Uma vida santa e boa
A outra mulher do mundo E para ter sucessão
Só a ti eu amarei. Que herde a minha coroa.

E tu com sorte adoradora Mas se assim Deus o não quer


Jamais me percas amor Ouvir nossa oração
Que eu sou teu bom esposo Quero-te minha mulher
E fiel adorador. Dá cá agora a tua mão.

DUQUEZA Dão-se a mão e continua falando


Senhor bem sabeis que eu
Em nada disso sou culpada E se assim o dispôs Deus
Desde que vos conheci E se assim o quer fazer
E por vós sou adorada. Adoro-te minha esposa
Nunca te hei-de esquecer.
Eu não fui quem o causei
Este nosso casamento Pois se Deus Nosso Senhor
Nem por si o meu senhor Herdeiros não nos quer dar
Sem grande consentimento. Recreemo-nos e não tenhamos
Mais que pensar
Os vossos embaixadores Feliz sorte será nossa
A meu pai é que falaram Se me souberes amar.
Eles e os mais senhores
Contentes todos ficaram. DUQUEZA
Eu amarei-te10 ó Alberto

9 A forma “correcta” deveria ser “assenhorado”. 10 Por “amar-te-ei”.


Que é minha obrigação O que minha mulher pediu
Desde que o meu pai querido Ninguém o consentirá
Me deitou sua benção. Nem o Diabo o ouviu.

ALBERTO DUQUEZA
Fui a uma caçaria Isso que tenho falado
Muito me adivirti Que seja por ele aceite
Mas o meu triste coração Quero conceber o diabo
Estava pensando em ti. Ou ao Diabo entrego o peito.

Um viado11 achamos lá Vai-se e sai


Foi grande contentamento
É para não trabalhar mais ROGÉRIO
O meu pobre pensamento. Ora esta tem que ver
O Diabo da mulher
Parti sem meus camaradas Quer por força ter um filho.
Sem mais eu poder caçar
E vim com muita pressa Sai.
Para te poder falar
E sem detenção alguma Há-de ser um bom cadi......Lho.
E sem dúvida nenhuma
E para mais deveras de amar. Lusbel de repente vê sair o Diabo do inferno e
deita a fugir deixando a palavra a meio e diz na
DUQUEZA ponta do tabuado
Nunca eu quis desprezar
Tua palavra formosa. Esse é o maior gosto
Que a mim me pode dar
ALBERTO Essa companha agradável
Pois ofereçamos a deus E depois sem Deus pisar.
Minha duquesa amorosa
O que vamos fazer Farão tudo o proibido
E se Deus for servido Do nosso12 mandamento
Cumpra-se o nosso pedido. No décimo cobiçarão
Causando medo e tormento.
DUQUEZA
Conceba ainda que seja Tudo se cumprirá
Agora aqui o diabo!... O que tenho anunciado
E o que eu conceber Brevemente se verá
Tudo lhe ofereço ao saber E eu me vou para o meu reinado.
Que também tem grande poder.
Afunde-se e fala Rogério
ALBERTO
Não faleis assim mulher Não vos disse que há um pouco
Que é um caso mui mal feito
Desesperação fatal 12 Nas versões de Sendim e do GEFAC lê-se “nono”,
E tristeza em teu peito. o que me parece mais adequado. Este discurso de
Lusbel aparece, na nossa versão, bastante curto pois
À parte “faltam-lhe” quinze quadras anteriores, que se
encontram nas outras versões a que temos vindo a
fazer referência. Nelas, Lusbel ou o Diabo, conforme
O Diabo não fará as versões, promete o poder e as grandezas ao filho da
Duquesa, descrevendo também a sua força e dando
11Em algumas regiões do hemisfério norte o veado é júbilos pela oferta recebida. A julgar pela intervenção
símbolo da fertilidade e da virilidade. Esta simbologia seguinte de Rogério, o Gracioso, em que faz referência
que, seguramente na Terra de Miranda, não faz às promessas do Diabo, é bem possível que estas
sentido, denuncia, contudo, a origem do texto. quadras tenham sido “esquecidas” ou “perdidas”.
Que a mulher fazia mal Tão temorosa saiu
Olha agora este animal E tão amiga de Deus
Já está a prometer É uma boa mulher
Que seu companheiro há-de ser Cumpra-se os desejos seus.
E que os há-de ensinar
Bem me custará deter Tomamos nova invenção
Se não os puder axeringar. E façamos novo prazer
Façamos que o Duque sempre queira
Vai-se o embaixador e o ministro como vindo da Sempre bem sua mulher.
caça trazendo um “viado” vivo e diz [o]
Embaixador Que não nos empeite14 a culpa
Façamos se poder ser
O Duque já se nos foi Com grande esforço e valor
Ele está mui desgostado Que conserve o seu poder.
É por não ter sucessão
Depois de haver casado. Levemos-lhe o veado
Formoso para recreio
Nós não temos a culpa Que se divirta com ele
Nem lhe podemos fazer E com ele dê seu passeio.
Causa para que conceba
A sua boa mulher. EMBAIXADOR
Entremos no gabinete
É formosa e diligente Com o formoso veado
E cristã verdadeira E vejamos o nosso duque
É uma boa mulher Como está desconsolado.
Não é nada feiticeira13.
Mas nós não temos a culpa
Tenho tanta compaixão Nem lhe podemos fazer
Se meu conselho tomasse Peçamos todos a Deus
Que fosse para Borgonha Que ele tem todo o poder.
Seu coração não amasse.
E se algum dia é chegado
MINISTRO A duquesa algum filho ter
Quem havia de pensar Tudo estará sossegado
Uma mulher como vemos Ninguém terá que sofrer.
Não teria sucessão
Isto é que não sabemos. O desgosto que ela tem
Sofrendo de coração
Em Borgonha foi nascida Vamos a compô[r]-lo
Na gran terra de Navarra Tirar-lhe essa paixão.
Para Paris a levaram
E ali foi ensinada. Vai ao palácio com o “viado” e sai o Duque e
diz
Tratava-se muito bem
Tinha padre confessor ALBERTO
E mestra que a ensinava Agora já estou contente
Com muito perfeito amor. Porque tenho sucessão
Mandarei fazer festejo e
Faziam-lhe referência A nossa nobre nação.
Da Rainha Margarida
Pondo-lhe sempre exemplo Entreguemos o veado
A sua maldita vida. Para que a minha mulher

13 Na versão de Sendim aparece “interesseira”. 14 Por “impute”.


Se divirta como sempre De ter um filho senhor
E não tenha que sofrer. E tem que o querer agora
Com muito perfeito amor.
MINISTRO
Nós trazemos o veado Ó meu Deus como poderia
Que é da nossa devoção A sua mulher aturar
É para a nossa senhora Pois a criança é tão forte,
Que é da nossa intenção. Que já se quer botar a andar.

ALBERTO É cousa de Deus do céu


Embaixador faz favor É uma tão grande acção
De lho levar como recreio Tudo se estremeceu
A minha amada senhora Quando deu forte trovão.
E com ele dê seu passeio.
Fiquemos na escuridão
EMBAIXADOR Vimo-nos em tão mau estar
Meu senhor assim o farei. Que a não ser por nosso deus
Ninguém podia aturar.
Vai-se com o veado e diz o ministro
Mandou-me minha senhora
Agora estais mais contente A vossa pessoa chamar
Não temos que duvidar Para que disponha do melhor
Ofereçamos tudo a deus Que possa para a baptizar.
Ele tem bem que nos dar.
Isso tem que o fazer
ALBERTO Meu senhor sem demorar
Já vai chegar o dia Olhe que o menino
Decorridos nove meses Já se quer botar a andar.
E minha mulher doente
Tem estado muitas vezes. É uma causa admirável
De tanta disposição
MINISTRO Fiquemos todos pasmados
Então peçamos a deus E cheios de admiração,
Que seja na boa hora Eu não posso falar mais
Que a livre dos perigos seus Esta é a minha razão.
A nossa amada senhora.
ALBERTO
Vão-se. No palácio faz-se noite atroa, relistra, Vamos lá sem demora
que atemoriza a todos e sai Lusbel A mandá-lo baptizar.

LUSBEL Vão-se e depois sai o embaixador e a dama com


Ó que alegre e contente o menino e vão à capela do ermitão a baptizá-lo e
Eu me vejo neste dia detrás sai Rogério e diz
Que vai nascer meu servidor
E o terror da Normandia. ROGÉRIO
Já lá vão a baptizar
Não ouvis já o estrondo O filho tão desejado
Que a todos causa terror Para o que há-de ser de honrado
Oh que alegre e contente Deviam-no de afogar.
Vai nascer meu servidor.
DAMA
Sai a dama Aqui venho a caminhar
Reverendo senhor frade
Chegada já foi a hora Que hajais de baptizar
Esta criança tão tarde. Para ver como é o focinho.

Não demoreis meu senhor A dama não faz caso e Rogério com tirania diz
Em o baptismo lhe dar
Que a criança é tão forte Olha o que vai de imperial
Que me custa a sujeitar. Por levar aquele duquito
Que o não quis amostrar
Diz para o menino Há-de ser um bom facanito
Em começando a andar!...
Está quito meu menino,
Não sejas tão desenquieto, Vai-se
Recebe o santo baptismo
Que é o dote mais perfeito. ERMITÃO
Em minha vida olhei
ERMITÃO Criança tão adiantada
Ajoelhai senhora Que não podia pensei
À porta da ermida Ser por mim baptizada.
Para eu baptizar
Essa criança atrevida. É como um homem senhor
De tanta disposição
Recebe criança É como uma fera horrível
O baptismo que lhe dou E tem instintos de cão.
É o primeiro sacramento
Que a igreja deliberou. Triste e mal formada
Foi a mãi que o pariu
EMBAIXADOR Cousa tão mal formada
Esteja quieto menino Nunca no mundo se viu.
Não seja tão desenquieto
Que tem que ser baptizado Templos ele não quer
Por ordem de Deus supremo. Quando aqui chegou a entrar
Destas portas para dentro
O Ermitão faz que o baptiza e deita-lhe a água e Parecia um cão a ladrar.
diz o ermitão
Parece uma horrível fera
Em nome do Padre e do Filho Que no campo se gerou
E do Espírito Santo Sagrado Com um mau filho o duque
Ide em paz meu menino O senhor o castigou.
Que já estais baptizado.15
Nove meses a duquesa
Vai-se a dama com o menino, ficando o ermitão No seu ventre o trazia
com o embaixador. Ao encontro vem Rogério e diz Senhor estou a pensar
Não sei como o teria.
ROGÉRIO16
Ó senhora madrinha, Nem como teve poder
Faz favor de me mostrar Nem valor para sofrer
A cara desse menino Uma criança tão forte
Jesus não lhe deu o ser.
15 Esta intervenção do Ermitão, que na edição do
GEFAC é chamado Frade, só se encontra nesta Não quero falar eu mais
versão.
16 O personagem Rogério não se encontra no texto de Que se o chega a saber
Avelanoso, editado pelo GEFAC. O vocabulário O Duque castigará-me
indica que se trata de um acrescento mirandês: facanito, Para isso tem poder.
por exemplo, não significa apenas pequenino, mas
alguém endiabrado, traquinas, e é uma palavra
mirandesa.
EMBAIXADOR ROBERTO
A Borgonha quero que torne Qual será o que apanho
O Duque da Normandia Que lhe tiro os chiadeiros.
A levar outra embaixada
De grande empenho e valia. ROGÉRIO
O que fugir mais ligeiro
Um filho teve a duquesa É o que menos apanha.
E como o teve não sei
Que eu fiquei pasmado Vão-se todos menos Rogério que continua
Quando para ele olhei. falando

Parece que tem seis anos Sempre esteve uma façanha


O Diabo do rapaz E pegou-lhe com bons modos
Já não quer o peito e faz Se não lhe damos às pernas
A criança muitos danos. Vindimava-nos a todos.

Ai Jesus que lhe direi Apre! Com tal rapaz


Ao senhor imperador Ainda é tão pequeno
Da traquina da criança É como o puro veneno
A esse tão grande senhor. Que fará em sendo capaz.

Direi-lhe não minto nada Vai-se e sai o ministro e o professor


Que é tão forte a criança
De todo o mundo admirada MINISTRO
Como não há outra em França. Deus o guarde meu senhor
Pois encontrei-me agora
Até já quer pelejar Com um professor honrado
Com os rapazitos pequenos Que buscava nesta hora.
Até as amamentadeiras17
E todos medo lhe temos. Mandou-me o senhor duque
Da nossa grande Normandia
Tem que ser como um leão Que levasse ao seu palácio
Para poder pelejar Um professor neste dia.
Tem que ser como um Sansão
Sabendo-se bem armar. E Vossa Excelência é
Dos professores honrados
Firmeza valor e medo Agora me seguirá
Para ser criança mete Que há casos admirados.
Parece que já se contam
Em sua vida anos sete. O meu senhor olhará
Criança muito pequena
Eu engrandeço-me muito De a idade que fala já
Para o rapazito olhar Sem temor e sem ter pena.
Para quando eu veja
Entre os grandes pelejar. E do dia em que nasceu
Até agora meu senhor
Vão-se a recolher e sai Roberto atrás de uma O pai e a mãe também
partida de rapazes e por trás vem Rogério e diz o Lhe têm muito temor.
Ermitão
PROFESSOR
Fugi, fugi meus meninos, Eu tenho muito gosto
Desse maroto brigueiro. Minha ciência traspassar
A criança como digo
17
Eu tenho que a ensinar.
A forma que nos aparece no texto é mamantadeiras.
Eu não quero aprender
Eu estudei para isso Nem tão pouco estudar.
E a ninguém tenho medo
Ainda que seja o diabo O que quero é seguir
Logo eu o ponho cego. A minha intenção danada
Nem o mestre nem o pai
MINISTRO Não me importam para nada.
O que quer o nosso duque
É que o rapaz ensine PROFESSOR
A ler, escrever, contar Fala filho melhor diante do pai
Para isso o vim chamar Que foi quem te deu o ser
E sempre com ele fique. Olha filho está bem quieto
E não te hás-de esquecer.
PROFESSOR
Vamos lá senhor Ministro. Que o teu pai e tua mãe
Deram-te a ti o ser
MINISTRO Tu és ainda uma criança
Vamos lá bom professor E tens muito que aprender
A cumprir o ordenado A ler e a escrever
Como bom embaixador. Para reger teu ducado
Falta te há-de fazer.
Vão ao palácio do Duque e sai este e Roberto
fazendo traquinices ROBERTO
Não me importa por meu pai
ALBERTO Nem tampouco por você;
Está quieto meu filho aqui Seguirei minha vontade
Recebe teu professor Minha opinião assim é.
Que vem ensinar-te a ti
Com seu esforço e valor. ALBERTO
Meu filho olha que te falta
Ó meu filho que feliz Agora essa razão
Serás em algum dia Olha que te fala
Quando educado estejas Fala-te ao coração.
Em minha companhia.
ROBERTO
Quando gozes no jardim A você não contradigo
Desta delícia amorosa Não quero mais escutar
Que alegria para mim Vossa fala nem do mestre
Quando sejas já um homem Não me façam enraivar.
Pessoa muito formosa
Como teu avô o foi O mestre a mim não me faz
E como teu pai o é. O senhor obedecer
Enquanto ele falar
Cristão e verdadeiro Não o torno escutar.
Que professa a santa fé
Aqui tens teu professor Vou-me daqui já embora
O que te há-de ensinar Não me façam enraivar
A ler, escrever, contar Se não me engano agora
E a religião guardar O mestre mas há-de pagar.
Com verdadeiro temor.
Vai-se.
ROBERTO
Ó meu pai será melhor PROFESSOR
Que assim me deixe ficar Deixe-o da minha mão
Que as crianças primeiras Ora vedes o que disse
Que como não têm razão Como vai sendo verdade
Fazem-se preguiceiras. Aos soldados já Roberto
Lhe mostrou habilidade.
Eu darei-lhe educação
E darei-lhe que fazer Vai-se e sai o Professor e Roberto
Logo ensino-lhe a lição
E há-de me obedecer. PROFESSOR
Meu filho ser obediente
ALBERTO E temente a Deus do céu
Fica a vosso cuidado Olha que sou teu mestre
E à vossa disposição E segundo pai teu.
Deixo o meu filho amado
Dê-lhe logo uma lição. Eu quis tomar este cargo
De te ensinar vergonha
Eu tenho que reger De te ensinar a ler
O meu ducado inteiro E a escrever que é grande honra.
Para depois dar-lho a ele
Isso faço eu primeiro, E não queres respeitar
Pegue lá por seu trabalho Nem a mim obedecer
Este pouco de dinheiro. Ó Roberto é o diabo
Assim tens que te perder.
Dá-lhe o dinheiro e saem os sargentos e diz o
primeiro Aprende a religião
E não sejas preguiceiro
1 ° SARGENTO Não sejas um mandrião
O Diabo do rapaz Nem tampouco caloteiro.
Faz na terra muitos estragos
Deixa os filhos sem olhos Sê um homem virtuoso
E sem pernas, é o diabo. Tu não te queiras perder
Aprender[ás] meu menino
Eu lhe quis fazer a frente A escrever, contar e ler.
E com um pau que trazia
Deu-me uma grande estocada Tuas riquezas não valem
Aqui no meio da barriga. Mais que para este mundo
Olha que há outra vida
2° SARGENTO Deixa esse sono profundo.
Eu logo caladinho
Logo comecei a andar Que Deus do Céu e da terra
De tanto medo que tinha Pode-nos castigar
A ele não pôde chegar. Com um fogo abrasador
E uma caverna infernal
Queria-lhe muito bem Tu és um rapaz sem dor
E como seu pai é senhor Que começas tua vida
Das nossas formosas terras Serás um grande senhor
Tinha-lhe muito amor. Pessoa muito querida.

Agora que me fez isso Teu pai mandou a chamar


Esse desavergonhado Um homem que fosse honrado
Hei-de lhe quebrar os queixos Para em tudo te ensinar
Que me tem muito agastado. Com amor e com agrado.

Vão-se e sai Rogério Mas tu não tens nenhum medo


De fazeres tão grandes danos
Nos meninos e crianças Porque te quero ensinar.
E outros grandes desacatos.
Se não fazes o que te mando
Os pais todos se me queixam Vai-te o Diabo levar.
E a mim récem honrrado18
Em vez de te emendares (Agarra-lhe as orelhas)
A todos os vais matando.
Olha que te vou bater
Trazes a terra a tremer Se não tratas de te emendar.
De ti todos a fugir
Não podem de casa dos pais Roberto puxa por um punhal e mata o professor
Os filhos deixar sair. e diz

Não te querem fazer mal ROBERTO


Por filho do Duque ser Agora sim que fiquei
Não escutas a ninguém Dos conselhos satisfeito
Só fazes o teu querer. Que meu punhal enterrei
No centro do teu peito.
Tu não temes meu rapaz
Nem teu pai nem tua mãe Eu não quero mais conselhos
Tu não temes a ninguém Nem quero mais estudar
Fazes o que o Diabo faz. Quero fazer o mal que possa
E a todos a morte dar.
Não fazes caso Roberto
Por ser de alta gerarquia19 Para os estudantes que fogem
Tu te lembrarás de mim
E do que te falo nalgum dia. Escondem-se todos de mim
Que eu só quero fazer mal
Olha que eu não engano Por onde quer que ando
Os meus conselhos verdade são Sou uma fera infernal.
Desejava que ficassem
Dentro do teu coração. Olha para o professor e diz

Escuta e não te esqueças Tu meu mestre foste


Olha que teu mestre sou E eu como vil dragão
Lembra-te sempre criança Paguei-te quanto ensinaste
Dos conselhos que te dou. Ao meu ingrato coração.

Teu pai chamou-me a mim O que fui, sou e serei


Para em tudo te ensinar Uma carniceira fera
Agora como teu mestre A todos a quantos encontre
Não me queres respeitar. Darei com eles em terra.

O que tu fazes agora Fica-te meu mestre aqui


Sobre mim há-de carregar Que eu me vou a descansar
Por isso é que te ralho A ver se encontro alguém
A quem possa a morte dar.
18 Na edição do GEFAC lê-se: “A mim aqui bêm
Vai-se e sai Rogério
chorando”, o que parece mais compreensível. A
versão de Sendim é a seguinte: “A fé de nem vê-los
chorando”. ROGÉRIO
19 Esta forma, que deveria estar escrita “hierarquia”, Já não temos mais que ver
denuncia certamente a origem castelhana do texto. Nem mais que porfiar
Possivelmente porque o tradutor ou copista não Roberto não quer estudar
conhecia a palavra correspondente em português?
Nem disso quer saber Ele já no céu está
Matou o seu professor E talvez no dos pardais
Está estendido no chão E Roberto fica cá
Agora será melhor Para mandar ir mais.
Cantar-lhe o cantuchão
Mas eu não sei a cantiga Vão-se. No palácio do Duque descobre-se:
Vou deitar-lhe a água benta Alberto, Roberto, Embaixador, Ministro,
Para que não doa a barriga. Sargentos, Soldados, fazendo guardas diz
Alberto
Bota-lhe a água andando à roda e dizendo:
No meu Palácio estão
As perges medomino Os senhores principais
Labador e deu. Do meu formoso ducado
Que amados de mim estais.
Canta
O dia de Páscoa é
20
Requiem eterno domino es deo . Do sagrado Espírito Santo
Para os que temos fé
Saem os sargentos ficando pasmados de ver o É um dia mui santo.
mestre morto e Rogério foge para outra ponta do
tabuado e diz o 1° sargento No palácio estamos juntos
Onde havemos de falar
O Diabo do rapaz E a meu filho Roberto
Faz mais mortes que eu sei lá Cavaleiro o quero armar.
E por respeito do pai
Porradas ninguém lhe dá. Meu filho por conselho
Dos meus vassalos até
Para o professor Ordenam de te armar
Cavalheiro agora aqui.
Ó senhor professor? Vá! Já morreu!
Boa estocada levou Pois eu quero-te ensinar
Que o enterrem A ordem de cavalaria
Em boa terra sagrada. A ser cortês político
Como eu sou hoje em dia.
Eu depois ao senhor duque
Levarei a embaixada Assim quero que deixeis
Diabo tem que ser As vossas perversidades
Segundo se vê a cara. Sem tornar a cometer
Nenhumas atrocidades.
Vão-se levando o professor e diz Rogério
A maligna condição
Por ver aquele militar Que agora vos rodeia
Não acabei de cantar Quero que a deixeis
Com o susto do bigode Que é uma vida muito feia.
Estrampalhou-se-me a caldeira
E escapou-se-me o hissope ROBERTO
Mas isso que importa lá Não há dúvida senhor
Em cavalheiro me armar
20 Este “canto” parece ser a deturpação do Salmo 50,
Que tenho muita vontade
entoado no final da missa quando esta era rezada em Com os homens pelejar.
latim: Asperges me, Domino, hyssopo, et mundabor: lavabis et
super nivem dealbabor ! Misere mei, Deus, secundum magnam Verás enquanto eu assim andar
misericordiam Tuam ! Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto, Assim nesta condição
Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et in saecula Não respeitarei meu pai
seculorum . Amen!
Nem ninguém desta nação. Será o terror de tudo
Que vivem no seu ducado.
Eu tenho feito propósito
De seguir minha vontade 1° SARGENTO
Farei mortes, farei roubos O menino já faz mortes
Farei toda a maldade. Como fera embravecida
Matou o seu professor
Desta sorte o armarei E tirou-lhe a sua vida.
Que tanto me dá o ser
Cavaleiro ou não Depois que o matou
Faça lá o que quiser. Começou a rebuscar
O Diabo do rapaz
ALBERTO Que medo me fez apanhar.
Tu filho aqui agora
Tens que me obedecer 2° SARGENTO
De criança como és Eu pensei que me fazia
Nada te vejo aprender. De uma choçada arrebentar
As pernas destornilhei
Agora mando-te eu Por não poder voar.
Que vás à igreja rezar
E pede a Deus do céu O professor o puxou
Que haja de te perdoar. Por uma orelha senhor
Mas ele prestes o deixou
ROBERTO De boca fria sem dor.
Qual perdão nem que diabo
À igreja vou a ir 1° SARGENTO
Mas todos quantos lá houver Para que não me apanhasse
Não tardarão em sair. Fui a um canto esconder
Ficaram-me assim as pernas
Vai-se à igreja e descobre-se o Ermitão, rezando E todo o corpo a tremer.
com outros devotos na capela e diz o Ermitão
Quasi não posso andar
Deus me deo tório entende! Nem posso mexer
Quando vejo o rapazito
ROBERTO Meu desejo é correr.
Qual entende cá nem qual encomenda?
ALBERTO
Batendo a todos com um pau e quebrando tudo o Quem cria filhos assim
que encontra, e fugindo todos, vai-se Valha-me nosso senhor.

EMBAIXADOR 2° SARGENTO
A embaixada levei Ainda o senhor ministro
Ao Duque de Borgonha Se não lhe falei o melhor
Desde que a viu logo disse Se não que lhe fale também
Isto é má cousa. O senhor embaixador.

Seu filho tinha que ser ALBERTO


Uma fera embravecida Pena meu coração sente
Que faria muitos danos A morte do professor.
Pelo decurso da vida.
EMBAIXADOR
MINISTRO Eu muito o sinto
Já os faz agora Como seu embaixador.
Que fará vendo-se armado
Sai o Ermitão muito angustiado e diz o ermitão Que tenho muita vontade
Com os homens pelejar.
Na igreja não se pára
Parece andar lá o diabo ALBERTO
Roberto seu mau filho Meu filho vais ser armado
Tudo traz atormentado. Mas olha o meu coração
Está muito agoniado
Lá não páram as velas Que de ti espera a traição.
Nem tampouco os candeeiros
Além disso ainda mais Meu filho tu não duvides
Não se pára com maus cheiros. Que por morte tens que ser
Herdeiro da minha coroa
Cousa do Diabo é E não me queres obedecer.
Eu não o posso crer
Criança de tão pouca idade Arma-o já cavaleiro
Tenha tão grande poder. Arma-te filho amado
Sê um homem virtuoso
Jesus, Jesus meu senhor Que te pareces ao diabo.
Não sei o que possa ser.
Os sargentos armam a Roberto21
ALBERTO
Ó meu Deus todos os dias 1 ° SARGENTO
Tenho queixas do meu filho. Aqui tem esta espada
Para ir a batalhar.
ERMITÃO
Parece que é o Diabo vivo (Ajuda-lha a pôr)
Que sempre o traz consigo.
2° SARGENTO
Vai-se o ermitão e diz Alberto E também a sua banda
Para melhor figurar.
Sargento chama meu filho
Que venha depressa a correr (Põe-lha)
Para o armar cavaleiro
E não o quero mais ver. 1º SARGENTO
Agora o seu cinturão
1°SARGENTO De tão maravilhosa arte.
Meu senhor agora
Eu daqui o vou chamar 2°SARGENTO
Que tenho medo ao mordo E depois o talabarte
Que esse cão me possa dar. De tão bonita feição.

Chama 1° SARGENTO
Ó senhor Roberto do Diabo! O revólver tão bem queira
Venha aqui que o chama o padre!... Permita que lho ponha eu.
Jesus que medo eu tenho
Que me morda e não me ladre. 2°SARGENTO
O seu chapéu com licença
Sai Roberto muito contente e coloca-se ao pé do Para comandar a fileira.
pai e diz
ROBERTO
Eu já vinha da Igreja Já me armaram cavaleiro
E não quero lá mais entrar
Faça meu pai o que queira
21 Esta parte com o ritual da investidura em cavaleiro
Veja se me quer armar.
também não se encontra na versão de Avelanoso.
Guardem-se do meu poder Ficou toda destroçada
A gente que os meus olhos E a gente toda a tremer
Aqueles que alcance a ver. Da sua tenção danada.

ALBERTO MINISTRO
Dezassete anos contas Agora corre o ducado
Filho da tua idade De mui grande Normandia
Já fizeste tantas mortes Matando e destroçando
Não terás perdão do padre. Não pára noite nem dia.

ROBERTO Os homens e as mulheres


Que me importa a mim o perdão Todos tremem já de dor
Do meu pai nem de minha mãe Quando vêem logo fogem:
Se eu nunca os conheci Dizendo morra o traidor!
Senão pela tradição.
As mulheres todas choram
Eu o leite que mamei Pelos homens que matou
Foi um pouco de veneno Agora de Normandia
Que fez furor minha alma Dizem que já se marchou.
E a ninguém lhe tenho medo.
Senhor Duque é bem partir
Daqui vou a pelejar E de seu filho tratar
Com a gente tão armada Senão a Vossa Alteza,
Que meu pai acompanhou Ainda o pode matar.
Não vale para mim de nada.
ALBERTO
Saca a espada e peleja com todos que fogem menos Chamai a minha esposa
o Duque que diz Que me quero despedir
Dela e do ducado
ALBERTO E para um deserto ir.
Detém-te filho que fazes?
Eu não quero saber mais
ROBERTO De um filho que dei o ser
O que me apraz a fazer! É matador dos homens
Um Diabo tem que ser.
Vai-se e sai o Embaixador e o Ministro e diz o
Embaixador Todos os dias estão
A dar queixas de meu filho
Já não podemos com ele Não o posso remediar
É uma fera envenenada Pesa-me muito disso.
O nosso poder todo junto
Para ele não vale nada. Senhor, Senhor Jesus meu
Pois criei um ladrão
Rompe, talha, queima, corta Socorrei nesta hora
Quem contra ele se puser O meu triste coração.
Ninguém pense de sair
Vencedor terá que morrer. Que eu não tive a culpa
Isso foi minha mulher
Faz temer os corações Que chamou pelo diabo
Pelo seu grande valor Ao tempo de conceber.
Até os animais ferozes
Lhe têm medo e temor. E o Diabo tomou parte
Estou a desconfiar
A cidade de Ruão Venha aqui minha mulher
Que lhe quero perguntar. EMBAIXADOR
O ducado não se perca.
Sai a Duquesa muito triste e segue o Duque.
ALBERTO
ALBERTO Fica ao vosso cuidado
Mulher que concebeste E vós não se vos esqueça
Uma fera embravecida E ali o senhor ministro
Um leão ensanguentado Que fale com sua alteza.
Cá na nossa Normandia.
MINISTRO
E qual outro rei Saúl Agora tão grandes choros
De todos perseguidor Por eu sentir o que sinto.
É um feroz Satanás
E dos homens matador. ALBERTO
Eu de todos bem me finto.
As solteiras as desonra
As casadas as persegue DUQUEZA
As viúvas estropeia Adeus meu jardim amado
Não há ninguém que dele pegue. Onde eu me recreei
Adeus palácio, adeus fontes
DUQUEZA De vós não me esquecerei.
Detém-te homem não fales
Que eu não quero saber Adeus nobre Normandia
De essa fera embravecida Adeus terra tão formosa
A quem lhe demos o ser. Adeus que me vou chorando
Já faleceu esta rosa.
Ó furiosa maldição
Que ao conceber falou ALBERTO
A minha desgraçada língua Adeus companha adorada
Como Deus me castigou. Não vos esqueçais de mim
Que vos tive em companhia
Ó mulheres já o vedes Desde a hora em que nasci.
O que a mim me aconteceu
Por dar gosto ao meu corpo Adeus meus vassalos todos
A minha alma se perdeu. Adeus grande Normandia
Vou-me fazer penitência
MINISTRO No resto da minha vida.
Não choreis que não é
Tempo de chorar agora. Vão-se todos chorando e sai Rogério:

EMBAIXADOR Cá os senhores da corte


Nossa Senhora lhe dê Parece que não sabem nada
Algum dia boa hora. Pois Roberto com um pau
Já fazia tanta morte
MINISTRO Que fará com a espada
E perdoado será Palermas...
Que farei meus camaradas Querem-no assim
Que farei neste dia. Deixá-lo:
Como não me encontre a mim.
DUQUEZA
Iremos para o mosteiro Sai Roberto e Marto e Fulminante, ladrões de
E deixar esta companhia. uma gruta que há no monte e continua Rogério
todo assustado:
Ai de mim que já ali vem Com elas nós jantaremos.
Aonde me esconderei.
E nunca nos faltará
Vai-se fugindo sem saber onde se há-de esconder. A nós nada que comer
Se as cousas que eu falei
ROBERTO As soubermos bem fazer.
Armas, armas guerra, guerra
Nos montes havemos de dar E qual outro rei Saúl
E aos homens que encontremos Nosso valor seja tanto
Os havemos de matar. Que faremos o pior
Sem sofrer nenhum quebranto.
Cinquenta e dois homens bem armados
São os homens que nos perseguem Lobo ou fera embravecida
Não tememos a ninguém Eu serei nesta manobra
Aqueles que nos seguem. Ó que vontade eu tenho
De dar-mos princípio à obra.
Demos-lhe meus camaradas
Demos-lhe solta ao nosso vício Faremos tremer a terra
Nosso valor arrogante E como o raio faremos
Nos homens faça exercício. Que abrasa todo o mundo
Nós também abrasaremos.
Nós sejamos nestes montes
Como lobos carniceiros Os campos de Normandia
Não temamos a ninguém Os campos do meu ducado
Seremos fortes guerreiros. Depois os campos de Roma
Depois os campos de Aliano22.
O que aqui for encontrado
Tudo havemos de matar Sangue corra pela terra
E depois logo por paga De todos os corações
Seus corações arrancar. Que circulam nessas veias
As nossas imaginações.
Roubar, matar, perseguir
Como os facinorosos Fortes faremos aqui
Não temamos a ninguém Para que ninguém nos persiga
Sejamos bem rancorosos. É razão que cabe em mim
E ninguém me contradiga.
Forçaremos as casadas
E as viúvas que encontremos, Das ordens que der o meu pai
As solteiras que colhermos, Sempre eu caçoarei
Todas nós as desonraremos. Também irei contra deus
E também contra a sua lei.
E depois de fazer isto
Sacar seus corações Roberto do Diabo sou
E jantaremos com eles Pois assim o meu pai me chama
Sem atender as razões. Eu farei que em todo o mundo
Eu tenha terror e fama.
Aos padres perseguiremos
E na Igreja entremos Das histórias que eu li
E sem escutar a ninguém
Todas as cousas roubemos. 22 Esta é forma que nos aparece na nossa versão assim

como na de Sendim. Na edição do GEFAC


O senhor sacramentado encontramos Íliano que estará mais próxima da forma
Pelo chão atiraremos “correcta” que deveria ser “campos de Ilíon”, nome
E as hóstias que houver grego da cidade de Tróia, que deu origem à palavra
Ilíada, título do célebre poema épico de Homero.
E das que tenho observado Pois do dia em que nasci
A minha será pior Sou agradável traidor.
Assim é que é do meu agrado.
O meu desejo é colher
Serpente atraiçoadora Os homens e as mulheres
Foi quem a mim me criou Tirando-lhe suas peles
Maldita foi essa hora Fazendo-as padecer.
A quem a mim me gerou.
FULMINANTE
Maldita sim tão maldita Eu juro senhor Roberto
O Diabo deu-me o ser A todos fazer mais mal tratar
Agora sim que eu tenho E aos padres que eu colher
Ao Diabo obedecer. Seus corações hei-de picar.

Em santuários não creio Guerra daremos ao mundo


Sagrados23 escalarei Fogo faremos, vulcões
E os santos sacramentos E depois também seremos
Nunca eu os receberei. Danados como leões.

Olha para o céu e diz: ROBERTO


Bem, ao monte senhores!
Meu gosto era pisar
O sagrado sacramento MARTO
E amaldiçoado será A roubar os passageiros!
Ele e o seu protento.
ROBERTO
Tudo o que é mau eu farei A matar homens e mulheres!
Em mim não cabem razões
Mais que roubar e matar FULMINANTE
E comer seus corações. A fazer danos soberbos!

Guarde-se do meu poder ROBERTO


Toda qualquer figura A colher casadas e viúvas!
Que o colher às mãos
Vai direito à sepultura. MARTO
As solteiras desonrar!
Os montes e os penedos
Será o nosso paradeiro ROBERTO
Tirar a honra às donzelas A picar seus corações!
Isso faremos primeiro.
FULMINANTE
Agora aqui me direis Para depois os trincar.
O vosso nome honrado
E jurareis de fazer Escondem-se todos no monte e saem o Ministro e
O que vos tenho falado, o 1° Sargento e Rogério e diz:
Senão haveis de morrer
Assim o tenho pensado. ROGÉRIO
O melhor era voltar
MARTO Para trás senhor Ministro
Eu senhor Roberto Nada bem me cheira isto
Ainda o farei pior Ainda agora vi Roberto,
Parecia Ferrabraz24
23 Nas versões de Avelanoso e de Sendim lê-se

“sacrários”. 24 Alusão a um dos personagens com este nome,


E se o torno a ver Amaldiçoada será
Galgo a fugir para trás. Toda a sua companhia.

MINISTRO ROBERTO
Tem de nos acompanhar Ah meu pai! Ah meu pai!
Para o prender ou matar. Que tenha tanta paciência
Em espreitar estes cães
ROGÉRIO Nisto faz-me grande ofensa.
Matar. (Dá um assobio)
Isso será melhor Sou Roberto, vil traidor
Nem sequer o pensar A quem vindes espreitar
Nem tão pouco falar nisso. Sabeis o que é melhor
Os olhos meus camaradas
Vê a Roberto e diz: Vamos-lhe já tirar.

Olhe acolá o vejo vir MARTO


Adeus senhor ministro Dito e feito!
Que já me vou a fugir. Cumpram-se os vossos tratos
Que depois já podem ir
Vai-se a fugir e saem os ladrões do esconderijo, Todos a caçar ratos.
batalham com o Ministro e com o Sargento depois
de o prender diz Roberto: Marto e Fulminante agarram-se cada um a seu e
o Ministro e o Sargento gritam e diz:
Bom lance, viva os céus
Estes são os que dão fama FULMINANTE
Ó que contente me vejo De nada vos serve o gritar
Que triunfei na batalha. Para o palácio voltar
Heis-de ter que apalpar
Falai homens não dizeis O caminho que levardes.
Que vindes aqui buscando
Pois segundo o que falais Depois de lhe tirar os olhos diz Roberto
Eu vos irei pagando.
Agora ficastes bem
MINISTRO Sem os olhos heis-de voltar
Cavalheiro! O senhor duque E dizei-lhe já ao meu pai
Vosso pai manda chamar Que não me torne a incomodar.
Que venhais a seu palácio
Para convosco falar. Quero dar vida ao vício
E quero a todos roubar
Que deixeis de habitar Eu quero ser matador
Em esta triste morada E com armas pelejar.
Terra dos malfeitores
Por escribas trabalhada. Camaradas vamos já
Ao nosso horrendo destino
Que venhais a seu palácio Ide-vos Ministro embora
E que deixeis de fazer E graças que vos deixo vivo.
Tantas mortes e desonras
Não vos queirais perder. E tu Sargento também
Que sem olhos tem ficado
Pois todo o ducado está Vai-te embora antes que
Contra vossa senhoria Te vejas mais desgraçado.

conhecido pela sua ferocidade, filho do almirante Vão-se os três ladrões e diz o Sargento:
Balão, na peça História do Imperador Carlos Magno e dos
Doze Pares de França.
SARGENTO
Agora requiem eterno Eu capitão general
Faz-me esse homem dizer Neste notável dia
Sem olhos fiquei agora A tropa hei-de comandar
Já não voltarei a ver. Sem nenhuma cobardia.

Aqueles cães do diabo Meus soldados mandarei


Que me puseram assim Hoje mesmo a pelejar
Grandes perros danados25 Contra Roberto malvado
Ó pobrezinho de mim. Com ele hei-de acabar.

Meu senhor ministro vamos Vossas armas carregai


Ao senhor Duque falar Ide todos bem armados
E a nós com embaixadas Fogo contra ele dai
Que não nos torne a mandar. Cumprindo meus ordenados.

MINISTRO A sua cabeça será


Sargento vamos depressa Exemplo da Normandia
A que o Duque [nos] mande curar E não vos acobardeis
Tu não chores meu amigo Dessa fera embravecida.
Que ele algo nos há-de dar.
As armas meus capitães
1° SARGENTO Força e fogo meus sargentos
Ai senhor meu camarada Soldados nesses momentos
Eu sem olhos e não chorar. Prenderemos os ladrões.

Vão-se apalpando e dando quedas e sai Rogério Abrasaremos esses montes


Onde Roberto se acha
ROGÉRIO Como capitão valente
Agora ficaram cegos Dirigirei esta marcha.
Coitados os dois morcegos
Devem ser bem pachorrentos Que nos faz mui grande conta
Pois sabiam que Roberto Com essa gente acabar
Logo os fazia morrer Porque as donzelas desonra
Fizessem como Rogério E a morte lhe sabe dar.
Que se deitou a correr
Agora estão pior Ó maldição da mulher
Que tem mais que padecer. Ó duquesa desgraçada
Que bem soubeste trazer
Vão-se e sai o capitão e o 2° Sargento e diz: Uma fera envenenada.

CAPITÃO Esse homem é que foi


Arvorai bem as bandeiras Concebido pelo amor
Nos campos da Normandia Do Diabo como dizem
Para se formar a guerra Com o poder de encantador.
Neste notável dia.
E no dia em que nasceu
Contra o filho do duque Houve no seu ducado
Senhor Alberto é chamado Sinais tão admiráveis
O que mandou publicar Que ficou tudo atormentado.
Contra seu filho malvado.
A sua história será
25 Estes dois versos não se encontram na versão de No mundo a de mais horror
Avelanoso. Tratar-se-á de um acrescento de um
regrador mirandês, visível na palavra mirandesa perro?
Mas de breve26 morrerá A morte de seu filho dar
Se não se fizer melhor. Porque é grande traidor
É como fera horrível
Vamos começar a guerra Faz coisas parece incrível
Fechamos esta bandeira Os senhores que mandou
Nos campos da Normandia Ao monte para o chamar
Será o terror da terra. Vosso maldito filho
A morte lhe queria dar
2° SARGENTO Vivo ainda os deixou
Eu farei o melhor que possa Mas os olhos lhe tirou
Hei-de sempre obedecer Isto disse-me a senhora
A mais nobre companhia Que há pouco aqui me deixou.
Hei-de a eu reger.
Vai-se a Dama e sai o Ministro e os Sargentos e
CAPITÃO diz o 2° Sargento:
E será bem premiado
O seu esforço e valor Ó camarada quem foi
Pelejar contra Roberto Que vos pôs tão desgraçado.
Com acertado terror.
1° SARGENTO
2° SARGENTO Foi Roberto do Diabo
O outro meu camarada Que os olhos me tirou
Sargento de Normandia Quase de mim deu cabo
Esse Roberto do diabo Por pouco não me matou.
Arranjou-o neste dia.
Andam lá nessas montanhas
CAPITÃO Eles e outros companheiros
Que lhe fez meu sargento Roubam, matam passageiros
Só fazem destas façanhas.
2° SARGENTO
Tirou-lhe os olhos e não via MINISTRO
Com mui grande sentimento. Senhor Duque, ensanguentados
Chegamos de ver a Roberto
CAPITÃO Só pelo tino é certo
A casa do nosso senhor duque Sem olhos tão desgraçados.
Temos bem que a guardar
Porque senão o seu filho Seu filho foi quem tirou
Ainda o pode matar. Nossos olhos por pagar
A embaixada que levamos
Morra, morra esse traidor Não nos valeu pelejar.
Esses montes nós cerquemos
Com esforço e com valor 1 ° SARGENTO
A morte logo lhe demos. Eu não volto meu senhor
Com embaixada nenhuma
Vão-se e sai a Dama e o Duque e diz a Dama: Agora sim que fiquei
Sem olhos de ver a lua28.
Senhor Duque a senhora
Me mandou aqui falar ALBERTO
Com vossa alteza, o melhor Muito sentimento tenho
É que tem que terminar27. Agora assim vou olhar

26 Cf. o advérbio mirandês debrebe, “brevemente”, mirandês, terminar significa “combinar”, pelo que o
forma que se encontra na edição do GEFAC e verso fica com sentido, embora diferente.
“depressa”, na edição de Sendim. 28 Trata-se, sem dúvida, de nota muito poética no meio
27 Determinar, em outras versões. Contudo, em desta tragédia.
Sem vista como vos vejo Que adiante a sua cura
E não vos posso remediar. E que adiante os serviços meus.

Mandarei vir o médico E passado pouco tempo


Que ele bem vos há-de curar Seus males serão curados
Com doença não estejais Observando os meus conselhos
Nem estejais a chorar. Recebendo os meus cuidados.

Que o meu ducado todo E então o meu sargento


Pode-vos bem manter Porque nos havemos de afligir
Sargento meu servidor A medicina tudo cura
Toda a vida tens que ser. O que resta é rexistir29.

Agora faremos logo Aí fica já com vista


Minha ordem publicar Pode contar como é certo
Para que seja alistado Mas tenha muito cuidado
O que queira pelejar. Não encontre o tal Roberto.

Contra meu filho Roberto 1° SARGENTO


Vingança quero tomar Graças meu Deus vos dou
Os meus soldados valentes Que a ver a lua voltei
A morte lhe hão-de dar. A minha razão pasmou
Dos tormentos que passei.
Sai o médico e diz:
E vós, senhor doutor
Mui Augusto soberano Que já me haveis curado
Às ordens de vossa alteza Lembrando-me tanta dor
Apressadamente venho Fico-vos muito obrigado.
Caminhando com presteza.
MINISTRO
À sua disposição Eu da mesma maneira
Ponho todo o meu valor Não me atrevo a ficar mudo
Minha fiel afeição Curaste minha cegueira
E meu soberaníssimo senhor. Só a vós devo tudo.

O furor de seu filho pois Por isso doutor amigo


Praticou mui feia acção Sem nada mais me espersar30
Tirando os olhos aos dois Pode contar comigo
Sem ter dó, nem coração. Para tudo o que prestar.

Pena sinto meu senhor MÉDICO


Por ver tais padecimentos Obrigado meus amigos
Por mim incutem terror Por vossos oferecimentos
Tão atrozes sofrimentos. Tirar doentes dos perigos
São só os meus pensamentos.
Mas especialista que sou
Em doenças dessa natureza
29 Na nossa versão dactilografada esta palavra foi
Eia poisai-lhe os olhos
Que eu já vos vou fechar corrigida para “rejistir”, que é a forma mirandesa. Mas
também a construção “o que resta é” é bem
E o senhor fique tranquilo mirandesa, significando “o importante é”. Assinale-se
Que eu vos vou já curar. ainda que no texto de Avelanoso esta cura não
acontece. O médico limita-se a pedir a intervenção
Vamos pois senhor ministro divina.
30 Por “expressar”, mas que na versão de Sendim foi
Tenha pois boa fé em deus
“corrigido” para “esperar”.
Agora ficai sossegados Que merece seu proceder
Nunca mais penseis em tal Assim seja sem tardar
Curar os molestados Que se não pode sofrer.
É o meu dever profissional.
ALBERTO
Para o duque: Isso será melhor
O tempo não perder.
Vossa Alteza fique descansado
Não tenha nenhuns cuidados 1° SARGENTO
Eu cumprindo o meu ordenado Tem que ir muita força
Aí lhos deixo já curados. E toda muito bem armada
Para o seu grande poder
DUQUE Um cento não vai nada.
Isso mesmo é o que desejo
Meu médico muito amigo MINISTRO
Pois ao olhar quanto vejo Eu isso tenho pensado.
Mais simpatizo consigo.
DUQUESA
Mas quero-lhe perguntar Vou-me para o castelo
Tire-me destes cuidados E mais não quero saber
Sem a verdade me faltar Desse meu filho maldito
Eles ficam bem curados? A quem lhe dei o ser.

MÉDICO ALBERTO
Com olhos ficam senhor duque Fica-te nele fechada
E falando agora nós sós E não abras a ninguém.
Embora eles não vejam
Ao menos vemo-los nós. 2° SARGENTO
Olhem que é muito mau.
Isto são habilidades minhas
Decorridos das ciências humanas MINISTRO
Aplicada nos estudos Não é filho de tal mulher.
Quando queimei estas pestanas.
Vai-se e sai Roberto com a espada na mão e diz
Com doença ninguém esteja Roberto:
Digo a todo o auditório
A qualquer hora que seja Sem temor de Deus estou
Batam no meu consultório. Seguindo todos os males
Cortei agora a cabeça
Adeus senhor Duque A sete senhores frades.
Fico em tudo ao seu dispor
Mande em toda a ocasião E como os meus instintos
Este leal servidor. São inclinados ao mal
E todos os que encontre
Vai-se o médico e sai a Duquesa e diz para o Morrerão do mesmo mal.
Duque:
As mulheres que eu colher
DUQUESA Logo as hei-de desonrar
Faz o que hás-de fazer E depois em recompensa
Não deixes assim teu filho Seus corações arrincar31.
Porque se assim vai
A todos traz em perigo.
31 Forma mirandesa. Nas versões de Sendim e do
Ordena de o mandar matar
GEFAC lê-se “arrancar”.
Sai Júlia Pastora com o rebanho de ovelhas e Sai Roberto e fala Júlia desde que o vê:
cordeiros e continua:
JÚLIA
ROBERTO Ó triste me mim coitada
Aqui vem uma pastora Como estou de afligida,
Agora vou a espreitar Que já vejo os malfeitores
E para a minha cova Que me vão tirar a vida.
Hei-de a logo levar.
Roberto agarra a pastora e continua Júlia:
Esconde-se no monte e canta Júlia:
Valha-me Nosso senhor
A vida de uma pastora E o anjo da minha guarda
Por ninguém seja invejada Que já me levam os ladrões
Ainda que tem descanso Deus recolha a minha alma.
Anda muito desconsolada.
ROBERTO
De dia ao calor do sol Não te valerão os santos
Ao par das suas ovelhas Nem pelo teu Deus chamar
De noite dorme agitada Anda para a minha cova
Olhando para as estrelas. Que lá te estão a esperar.

Fala Sai Marto e Fulminante e diz Marto:

E com muito sentido Camaradas olhai o nosso Roberto


No gado todo Já caçou outra mulher
Não venha o lobo Vamos a coadjuvá-lo
Feroz carniceiro Ajudemo-la a trazer.
Furtar algum cordeiro.
Agarram-se todos à Pastora e diz Marto:
Canta
Agora sim que eu me vejo
Eu tinha pressentimento De traições bem satisfeito
Dentro do meu coração Que quebrei minha lança
Que dá fim a minha vida Ao enterrar-ta no peito.
Nas garras de algum ladrão.
A mulher que eu colher
Fala Logo a hei-de desonrar
E depois em recompensa
Pastai alegres ovelhas Seu coração arrancar.
Pastai alegres cordeirinhos
Pode ser que hoje mesmo fiqueis Quanto eu me regalo
Sem gozar os meus carinhos. [De] trincar um coração
Das donzelas que eu colher
Canta Esta é minha feição.

Que tristeza para vós FULMINANTE


Que desgraça para mim Pica-la bem picadinha
Se aquele pai do céu E vamo-la a guisar
Permitir que seja assim. Comeremos bons bocados
Logo na hora do jantar.
Como acontece às pombas
Nas garras dos gaviões Vão-se levando a Pastora e sai Rogério.
Também me sucede a mim
Se me vêem os ladrões.
ROGÉRIO Porque quero saber dele
O diabo da matilha E também de minha mãe.
São piores que os ratos
Andam ali nos matos JESUS
Não poupam mãe nem filha, Teu pai está em Paris
Olhai aquela pastora Naquela corte metido
Que alegre vinha cantando, Pensando sempre e chorando
Como a foram esfarrapando, Pelo amor de seu filho.
E eu estou-me a demorar
Deixa-me ir embora, Tua mãe essa Duquesa32
Não me venham cumprimentar!... Está pertinho de aqui
Ó Roberto quanto choram
Vai-se e sai Roberto. Ouve cantar e escuta. Os dois por amor de ti.
Música. Vai sair Jesus Cristo em figura de
pastor para falar a Roberto: Estão no castelo de Darque
Em contínua oração
Com grande excesso de amor Pedindo e rogando a Deus
Obedece ó Roberto Pela tua conversão.
Aos conselhos que te dá
Fazendo o que eles te manda Tu não sabes que o meu Deus
A glória te lavará. Tem de te castigar
As tuas acções mundanas
Sai Jesus em figura de pastor e diz Roberto: Te farão muito penar.

Ó quem me dera saber Eu sou um pobre pastor


O que isto virá a dar Que por estes campos ando
Um Diabo dum pastor Sem ovelhas nada mais
Quero agora espreitar. Que a desgraça buscando ando.

JESUS Falando a ovelhas perdidas


Roberto meu camarada E ao meu rebanho trazer
Aqui te venho falar As ovelhas que se querem
A toda a hora arrepender.
Roberto desembainha a espada e diz:
Muito sangue me custou
Defende-te, vou-te matar. Para bem as resgatar
Agora quero Roberto
Jesus de Joelhos: Minhas ovelhas guardar.

Ó Roberto pelo amor Eu sou profetizado


Te peço do coração Desde o princípio do mundo
Do nosso Deus salvador Que me vem a descendência
Não me toques com tua mão. Daquele varão sem segundo.

ROBERTO Eu sou, Roberto, quem posso


Dou-te palavra pastor Sem ter armas pelejar
De te não fazer maldade Mas olha tu és cristão
Mas o que eu te perguntar Eu venho-te aqui falar.
Hás-de dizer a verdade.
Olha-me tu bem aqui
Levanta-se Jesus.
32Esta quadra não nos aparece na versão editada pelo
Diz-me agora aqui já GEFAC. Na versão de Sendim lê-se: “Está no castelo
Aonde estará meu pai do Duque”, verificando-se, pois, que na nossa versão
o “copista” cometeu uma ligeira incorrecção.
Ainda que me vês pastor E esse castigo lhe dera.
Sou o mesmo Jesus Cristo
Sou o mesmo salvador. Pois que toda a maldição
Saída de uma mulher
Tira a capa e fica Jesus Nazareno. Por castigo quase sempre
Eu tenho de conceder.
Olha-me bem as feridas
Que eu por ti recebi Parte já, e à tua mãe
Por todos os pecadores Falha-lhe logo assim
Olha-mas agora aqui. Que não te esqueças nunca
Do que eu te falei a ti.
De mim nunca desconfies
Volta-te para a minha lei No castelo de teu pai
Que é cristã e verdadeira Lá está bem encerrada
A melhor de toda a grei. Pedindo do coração
Pela tua infeliz alma.
Tu sempre estás contra ela
Mas a minha religião Ela tem muito desejo
Ainda que é combatida De que a tua senhoria
É firme o nosso pendão. Queira também ir morar
Lá na sua companhia.
Meu pai expulsou do céu
Os anjos todos malignos Vai-se e diz Roberto:
Agora todos comandam
Os vossos torpes desígnios. E não lhe fiz nenhum mal
Não matei o pastor não,
E como eles ficaram Um espírito imortal
Decendidos ao profundo Tocou no meu coração.
Querem agora levar
Todas as almas do mundo. Agora vou ao castelo
A saber de34 minha infeliz mãe
Cobre a capa e fica um pastor33. Para que ela me diga
Aonde está o meu bom pai.
Não duvides não Roberto
Olha-me já de pastor Dali irei ter à cova
Mas não esqueças que eu sou A falar com os ladrões
O mesmo salvador. Que se convertam também
A fé os seus corações.
Eu de ti tenho grande dó
Eu não quero que te percas Vai-se e sai Rogério
Tu não tiveste a culpa
De sair como as feras. ROGÉRIO
Ó que pastor tão palhaço
Tua mãe é mui cristã Que sem pistola nem espada
E é cristã verdadeira Nem guerrearem nada
Mas ao conceber-te a ti Fez de Roberto um baraço.
Ao Diabo pediu ela.
Este sim que lhe deu nas modas
Que concebesse um filho Que lhe atirou com as armas todas
Que a ela se aparecera E falavam em confissão
Eu lhe dei lugar ao vício Isto deve ser mistério
33 “O pastor de São Pedro da Silva vestia uma capa

d’honras mirandesa”, lê-se numa nota manuscrita da 34 Esta expressão “a saber de” é também bem

autoria de António Maria Mourinho. mirandesa.


E não entende Rogério Tu as roubavas e as matavas
E vai-se na confusão. Desde que cumpres teu prazeres.

Vai-se e sai Roberto e vai ao castelo e diz Roubando e matando gente


Roberto: E nos montes habitar
Como lobos carniceiros
Abra a porta minha mãe Só pensando em matar.
Que Roberto não vos faz mal
No seu coração tocou Deixa meu filho essa vida
Um espírito imortal. E vai-te já confessar.

De dentro diz a mãe ROBERTO


Farei o que me mandais
DUQUESA Mas quero-lhe perguntar
Ó filho, tu já vens E saber de meu pai
Ao castelo fazer mal. É o que acabo de pensar.

ROBERTO Saber se o Duque, meu pai,


Abra a porta minha mãe O coperou35 qualquer maldade
Que um fogo celestial Para eu ser insolente
Sinto em meu coração Que é um pecado mui grave.
E não me deixa fazer tal.
Pois que muitas vezes são
Sai a Duquesa e põe-se de joelhos aos pés do filho Culpados o pai e a mãe
e diz Roberto: E quasi sempre recai
Sobre filhos de geração.
Levantai-vos minha mãe
E mais aqui não choreis Desde que me conheci
Que não quero fazer mal Nunca tive um pensamento
Sentindo-me vós o vereis. Bom para fazer bem
Fui diabólico instrumento.
Levanta-se a Duquesa
Quem seria a causa disso
Abençoai minha mãe Para emendar minha vida
Este filho desgraçado O que é que eu mais preciso.
Que envolto em tanta maldade
Cometeu tanto pecado. (À parte, diz a Duquesa)

Já chegou o feliz dia Graças meu Deus vos dou


De a seus pés vir humilhado. A meu filho eis perdoar
A culpa de ele ser mau
DUQUESA A ninguém tenho que a votar.
Abençoo-te meu filho
Em nome do criador Meu filho atende agora
Não quero que faças mal O que te vou a falar
Peço-te isto com amor. Ao olhar teu que não
Tinha filhos para deixar.
Olha as ruas sangrentas
Todas a tremer de ti Herdeiros no seu ducado
Chorando pelas maldades Não parava de ralhar
Que tens feito até aqui. Em um dia estando os dois

As mães ficaram sem filhos


35 Na versão de Sendim lê-se “praticou” e na editada
Os homens sem as mulheres
pelo GEFAC “cooperou”.
Em acto de matrimoniar. Ele de lá foi expulsado
Por escribas e fariseus
Ao tempo de conceber Por se crer fazer honrado.
Eu comecei a falar
Dizendo conceba eu Ele foi grande traidor
Ainda que seja o Diabo Contra a lei do rei Herodes
E ao Diabo ofereci tudo Por isso saiu da cidade
Se fosse do seu agrado. Ao som de vários tambores.

Logo nisto concebia Agora vem iludir-te


E dentro do meu coração Com palavras de lisonjeiro
Uma fera conhecia Sendo um pobre pastor
Tão forte como um leão. Mostra ser Deus verdadeiro.

E ao tempo de tu nascer Nunca creias em pastores


O meu palácio tremeu Que é de fraca sabedoria
E o dia escureceu E todos são ignorantes
É o que te queria dizer. Mesmo até em sua própria vida.

Agora ó filho meu Abre os olhos e verás


A ti eu peço perdão O que eu te digo é verdade
Olha para o céu A ti e aos companheiros
E vós ó pai do céu Sempre te liguei amizade.
Deitai-nos vossa bênção.
Desde a hora em que nasceste
Graças dou à mãe de Deus Até agora sempre andei
E a vós meu salvador Defendendo a tua pessoa
Que a meu filho convertestes E pondo-me contra a lei.
Sendo grande pecador.
Que queriam dar-te a morte
Perdão peço à mãe de Deus Também queriam teus pais
E ao Santíssimo Sacramento E todos os de sua corte
Que perdoeis a todo o mundo De Normandia e os demais.
E ao meu grande atrevimento.
Como me queres deixar
ROBERTO Sendo tanto meu amigo
Obrigado minha mãe A quem te defendeu sempre
Pelo esclarecimento. E tirou-te tanto perigo.

Sai a Duquesa e Roberto dirige-se para o monte ROBERTO


sai-lhe ao encontro Lusbel Tudo isso foi verdade
Mas estou eu de outro parecer
LUSBEL De fazer o que me manda
Roberto tão esforçado O que tem maior poder.
E foste meu servidor
Como te deixaste vencer Sofrer todos os martírios
De um tão pobre pastor. Que por Deus me foram impostos
Levá-los com paciências
Ele meteu-te medo Levá-los com grande gosto.
Ao ver-lhe pintar de sangue
Foi porque o mereceu LUSBEL
Cometendo danos grandes. Como te atreves traidor
Diante de mim a falar
Quando de Jerusalém Palavras de tanta ofensa
Juro que me hás-de pagar. Dentro dessa gaiola!

Nas cavernas infernais Vai-se.


Pagarás o merecimento
Porque o deves com verdade Fim da primeira parte
Sendo tão sangriolento36.

As desonras que fizeste


E homecidias cometidas
Juro que as hás-de pagar
Ardendo nos fogos vivos.

Empurra para o vulcão e diz:

Entra para os salões


Que lá te está preparado
Nos deliciosos assentos
Pagarás os teus pecados.

Fundem-se e sai Rogério

Sempre esteve uma função


Iria para bom lugar
Pois era tão fanfarrão
E deixou-se assim mangar.
Ainda me vou assomar
Se quiser sair
Vou-lhe dar a minha mão.

Assoma-se e chama:

Ó senhor Roberto do Diabo!


Não responde!
Está calado!
E talvez seja com o susto
Senhor Roberto?
Que muito cheira a chamusco
Já não sai
O tal patusco
Não o deixa cá tornar
Vou o buraco tapar
Para que não saia ninguém
Lá está muito bem
E nós cá sem vós também.

Tapa o buraco bailando em cima diz:

Maroto!
Marmanjo!
Mariola!
Só querias matar gente!
Agora ficas ao quente!

36 Cf. mirandês “sangre”.


Profecia Mas por acenos diz que não quer
O almirante com todo o poder
Na parte primeira representada Ao soberano vai guerrear.
Já vistes o que eu vos expliquei
Na parte segunda também vos direi Roberto que está cumprindo o dever
Em como Roberto foi perdoado Com o cão no jardim que é seu
companheiro
Um anjo do céu por Deus mandado Um anjo do céu lhe vem trazer
Extinguir o fogo daquele vulcão Armas de guerra e armar cavaleiro.
Tirar Roberto daquela escuridão
E mandado a Roma a ser confessado. Dizendo vai não tenhas temor
De pelejar com almirante pagão;
Depois de seu pai lhe ter perdoado Defende a pessoa do imperador
Marchou para Roma a fazer confissão E que não te conheça nenhum cidadão.
O Papa o mandou a um ermitão
Que vivia no monte a ser confessado. Deu-se três vezes a repetição
E o combate cada vez pior;
Depois que ao monge se tem confessado O guerreiro do cavalo branco
Um anjo aparece e lhe faz referência Foi o que sempre saiu vencedor.
Mandado por Deus a trazer penitência
Que Roberto aceitou com todo o agrado. O imperador alegre e contente
Agora estava no império franco
Mudo sem falas, fazendo loucuras, Impaciente por não saber,
Sete anos assim teria que andar, Quem seria o guerreiro do cavalo branco.
Comendo somente o que pudesse tirar
A todos os cães que visse nas ruas. Foi quem venceu aquele pagão
E livrou também o soberano da morte
Para Roberto alcançar perdão Oferece a filha para consorte
E cumprir penitência de tal rigor Ao guerreiro que foi lhe dá sua mão.
Dirigiu-se a casa do imperador
E ali viveu na companhia de um cão. Queria por força o almirante pagão
Aquela princesa a sua mão unir;
O soberano viu e observou E ao soberano lhe vai a mentir,
O mudo o osso ao cão lhe tirar Dizendo que ele era aquele valentão.
Manda-lhe logo dar de jantar
Por acenos o mudo não aceitou. O soberano acredita aquele intrujão
E como a princesa não pode falar
O imperador vendo isto pasmado ficou À força a leva para casar
Porque o louco para o cão olhava mui E Roberto lhe mostra com a vista aflição.
sério
Conhecendo logo este mistério Estava o pontífice naquela função
Dobrar a comida ao cão lhe mandou. Que Cristo deixou na humanidade
Despende-se o órgão com tal vibração
Sete anos Roberto com muita paciência Que a muda rompeu falando a verdade.
Viveu na companhia deste cão
Cumprindo com gosto aquela penitência Tudo é intrujice e gran falsidade
Que lhe havia imposto aquele ermitão. A princesa disse por fim
Quem defendeu vossa majestade
Durante este tempo que Roberto cumpria Foi o louco que está no jardim.
A penitência no palácio cresceu
Uma princesa que o almirante judeu E se em mim não quereis confiar
Em casamento ao soberano pedia. Eu darei provas porque vi tudo
Um anjo vi que o mandou batalhar
A filha é muda não pode falar E tornou ao jardim a fazer-se mudo.
Sempre pela lei de Deus
Se às minhas palavras não dais confiança Os hereges vencerás.
Na última vez vi eu trazer
Espetando na perna um bocado de lança Aparece um Anjo e apaga o fogo do vulcão e diz:
E no jardim o vi esconder.
ANJO
A princesa falava com tanta delocoencia37 Sai daí ó pecador
Que tudo estava muito admirado Desse fogo tão profundo
Um anjo levanta-lhe a penitência Olha que te falou
E Roberto ficou de Deus perdoado. Aquele varão sem segundo.

Foi tanta a alegria em toda a redondeza Pecador arrependido


Em Roma e ali em todo o redor, Tu, Roberto tens que ser
Roberto depois casou com a princesa Aqui me mandou falar
E o papa o coroa por imperador. Aquele que tem mais poder.

Não38 é possível qualquer pecador Chora os teus pecados


Das suas culpas alcançar o perdão E a todos pede perdão;
Basta pedir com bem contrição Que pelo Diabo enganado
Como pediu Roberto traidor. Andou no teu coração.

Aqui dou fim ao meu arrazoado A maldição que a mãe


Atendem senhores ao que expliquei Sobre ti tem lançado
Se no meu discurso algum erro dei E a que te faz andar
Espero de vós ser desculpado. Envolto em tanto pecado.

Vai-se e sai Rogério Aparta fogo daqui


Deixa sair a Roberto,
Cá o nosso profetisa Que daqui para diante
Veio acabar de dizer Não fará o que tem feito.
O que a todos vos convém
Para todos entender Vai-se o Anjo e sai do vulcão e diz Roberto:
E conclui afinal
Ora disse bem Deixai-me sair daqui
Talvez diria mal Que venho espavorido,
Ora disse bem Ao olhar quanto olhei
Talvez diria mal. Estou bem arrependido.

Vai-se dizendo isto...39 Entre rodas de navalha


Música. Em um fogo de um vulcão
Andei sofrendo e penando
Sai dessa gruta Roberto Arrastado por um cão.
Não sejas tão pecador
Que já o nosso Deus te chama Eterno Deus, que misericordioso és
Volve-te ao seu amor. Como permites que um filho pague
Com sua inocência o que fez
Roberto do Diabo foste Sem saber nem pensar sua madre.
Roberto de Deus serás
Ó pecador de mim quanto tempo
37 Por “eloquência”. O Diabo sem saber tenho servido
38 Este advérbio introduz uma contradição na frase Com minha perversa e má vida
que deveria começar por “mas”, tal como se lê na Sem nunca ma ter arrependido.
versão de Sendim.
39 Na versão de Avelanoso estas palavras são ditas pelo
Ó maldito Diabo, sejas maldito
Profeta que correspondem, nesta versão, à Profecia.
Que com tua cautela e capitão
Buscas privar-me da glória eterna Vai-se e sai Rogério
Para me levar à eterna perdição.
Eu estou admirado
Pelo poder que a minha mãe te deu Deixar Roberto os patrões
Andaste sempre sobre mim Não deixarão de lhe dar
Introduzido no coração meu Lá em baixo uns bons tapões.
Fazia sempre o mal guiado por ti.
A corja de ladrões
Ó astuto enganador como conheces Tornaram-no a empontar40
A fragilidade do sexo feminino Por ele ser tão velhaco
Obrando nele como canino Não o podiam aturar.
Um cão danado que fenece.
Fosse lá como fosse
Ó soberano e poderoso senhor O certo é que tornou
Assim como vós perdoastes Deus nos defenda dele
Aqueles que vos crucificaram E dos que acompanhou.
Tantos insultos vos maltrataram.
Vai-se e sai o Duque e a Duquesa e diz a
Perdoai-me Senhor assim também Duquesa:
E a triste infeliz da minha mãe
Que com tal erro o pecado cometeu Alberto já nosso filho
Por dar todos os gostos ao pai meu. Se tornou à nossa lei
A mim pediu perdão
E a mim como mais pecador E da sua boca o sei
Que tenho sido neste mundo desastroso Que vai fazer confissão.
Perdoai-me Senhor por vosso amor
Já que sois tão misericordioso. ALBERTO
Ó milagre verdadeiro
Ponde Senhor no meu coração Ó cordeiro celestial
Um inteiro arrependimento Sendo grande pecador
Dos meus pecados farei contrição Quiseste-lhe perdoar.
Sem ocultar um só pensamento.
Perdoai meu Deus amado
Perdoai minha mãe perdoai A meu filho com amor
A vosso filho ser tão desgraçado Que andou tão desgarrado
Por ser vencido pelo pecado Como ovelha sem pastor.
Para sempre no inferno cai.
Pois ele foi nesta vida
Perdoai-lhe e dizei-lhe ao meu pai Um herege matador
Que tenha de mim compaixão Recolhei meu Deus amado
Que me perdoe a desobediência Essa alma com amor.
E me deite a sua bênção.
Que das histórias passadas
Que eu me vou fazer penitência A de meu filho é a pior
Parto para Roma já Por isso é que eu peço
Ao Sumo Pontífice fazer confissão Por sua alma ao senhor.
A ver se alcanço absolvição
Pois Roberto arrependido está. A Roma ao Padre Santo
Irá fazer confissão
Agora vou-me ao forte onde estão E com a sua mão direita
Os meus companheiros de roubar
Para que deixem aquela má vida
40 Palavra mirandesa: ampuntar significa “mandar
E se venham comigo confessar.
embora”.
Lhe deite sua bênção41. ALBERTO
Ide General valente
Por nós foi a sua vida Defender o Imperador
Sempre má e desgraçada Que não venha esse pagão
Agora por Deus será A meter-lhe mais terror.
Sua alma perdoada.
CAPITÃO GENERAL
E nós contentes regendo Eu farei o que me manda
Nosso formoso ducado Com esforçado valor
Daremos graças a deus Defenderei a lei santa
Por lhe ter perdoado. Sem receio nem temor

Nós sempre com alegria Meus soldados mandarei


A Deus hemos42 servir E com esforçada mão
Porque se dignou a Minha espada esgrimarei
As nossas súplicas ouvir. Como verdadeiro cristão.

E em nosso benefício Venha, siga-me Sargento


Nomearemos daqui Para Roma pelejar
Ao capitão general Em favor do Imperador
Que serviu sempre a mim. E não se pode escusar.

A nossa força bem armada Fique com Deus senhor Duque


Ele tem que comandar E também senhora Duquesa
Em favor do imperador Nós marchamos com a ordem
Romano, se pelejar. Que nos mandou vossa alteza.

Que tem uma filha muda ALBERTO


E creio que a quer levar Ide sempre meu capitão
Um almirante pagão Meu filho está em Roma
Para com ela casar. Fazendo confissão
Esperando que o meu Deus
Mas a guerra já formada43 Lhe outorgue o seu perdão.
Contra ele vai estar
E o nosso filho Roberto Vai-se o Duque e a Duquesa.
Nela tem que pelejar.
CAPITÃO GENERAL
Creio que o imperador Sua Alteza a força que eu44
Não se deixará vencer Disponha do meu brasão.
Ele tem mui grande força
E também muito poder. Vai-se o General e a sua tropa ao palácio do
Imperador e diz o Imperador:
Sai o General o 2° Sargento os soldados e
continua o Duque: Quem vos mandou aqui vir?

GENERAL
O Duque de Normandia
41 No original, esta forma aparece sem acento, por
Mandou-me com muito ardor
A defender a bandeira
imposição de rima e por ser assim que se pronuncia.
42 Forma mirandesa do presente do indicativo do Do senhor Imperador.
verbo haver, primeira pessoa do plural.
43 A expressão “formar guerra” é bastante comum em

mirandês. Ouvi-a, por exemplo, no conto Bingalas de


Ferro. Mas também se diz formar ua nubrada, formar ua 44Nas versões de Sendim e do GEFAC lê-se: “Sua
lhuita, etc. Alteza faça (com) que eu / Disponha do meu brasão”.
IMPERADOR O tornaram a empontar
A guerra vai começar Os pelotões do inferno
Contra o almirante judeu Temos que ir guerrear
Que minha filha quer levar Com o almirante pandilha
Sem consentimento meu. Em favor do Imperador
Porque não lhe dá a filha
A minha filha só conta Para com ela casar
Doze anos de idade São Bertoldo45 nos acuda
E não a dou a ninguém Pois isto não vale a pena
Será a real majestade. Pois a princesa é muda
Não fala só acena
Herdeira do meu império Faz O....O...Ma...Ma...To...To...
Ela é a que há-de ser
Por isso a querem todos Vai-se fazendo como um mudo e sai e vai à cova
Pelo seu grande poder. dos ladrões que estão a jantar e diz Roberto.

Agradeço a fineza A boa hora cheguei


Do Duque de Normandia Meus camaradas antigos
Venha logo a minha armada Jantai e jantai bem
Com a sua companhia. E atendei ao que vos digo.

Temos que nos defender Mas sentai-vos a jantar


Desse almirante judeu Não queirais ser desinquietos
Se ele tem muito poder Que eu quero-vos falar
Muito poder tenho eu. Aqui casos muito certos.

Roma Baluarte de Roma Ouvi-me com muito atento


Portas dos fortes castelos Prestai-me toda a atenção
Praças muralhas e fortes Quero-vos aqui dizer
Agora defenderemos. Uma mui certa razão.

E qual outro desordeiro Amigos vós bem sabeis


As portas escalarei Os pecados cometidos
E com valentia imensa Contra Deus temos feito
Sempre me defenderei. Desde que fomos nascidos.

Façam já sentinela Peço-vos de coração


Soldados da Normandia Que vos arrependais
E se bem defenderem Dos pecados cometidos
Premiá-los hei um dia. E não volteis a fazer mais.

CAPITÃO GENERAL E fareis como eu quero


Ficai em vosso palácio Uma inteira confissão
Imperador soberano Para que Deus nos perdoe
Que eu regerei a gente Pedindo-lhe de coração.
Cumprindo vosso mandado.
45 No final do século XI, São Bertoldo, vindo da
Vai-se e ficam fazendo guarda os soldados e sai
Rogério. Calábria para a Palestina, como cruzado ou peregrino,
escolheu o monte Carmelo, onde hoje se encontra a
cidade de Haifa, e aí fundou a sua comunidade que
ROGÉRIO está na origem da Ordem das Carmelitas. Contudo,
Poderoso Deus eterno esta alusão poderá vir de outra fonte que é uma figura
Valei-nos em tanto aperto da literatura de cordel, de origem italiana, que está na
Agora desde que a Roberto origem do significado de tolo, palerma ou estúpido,
que lhe é atribuído.
Assim podemos alcançar Uma tão horrível fama
Eterna glória e calma É nosso mal tão profundo.
E depois Nosso Senhor
Premiará nossa alma. O mandar-nos apartar
Desta mundana vida
A nós chamam-nos cristãos É trabalhar em balde
E com o sangue de Jesus Roberto quer que lhe diga.
Fomos todos redimidos
Naquela árvore da cruz. Eu nunca volto a apartar-me
Da vida que tenho agora
Que só ele o sabe dar Nela protesto morrer
A quem o serve com amor Juro aqui nesta hora.
O seu verdadeiro prémio
Um eterno resplendor. FULMINANTE
Eu tampouco deixarei
Deixai agora o Diabo A minha vida que tenho
Que com a astúcia que tem Cinquenta e cinco que somos
Dirige-vos sempre o mal Nela havemos de morrer.
E não vos deixa fazer o bem.
Escusamos bem que fales
E com suas tentações Nesse Deus soberano e bom
O fruto que haveis de colher Olha que tenho o poder
É meter-vos no inferno Na minha furiosa mão.
Para sempre, sempre arder.
Jantemos aqui Roberto
Levantam-se e diz Marto: E mais quer que lhe diga
Roubar matar e o resto
Agora senhor Roberto Será sempre a nossa vida.
Vejo que zombais de nós
Pois a fazer estes males ROBERTO
Não nos ensinastes vós? Pois fechados ficareis
Enquanto vou a Abadia
Não fostes vós quem nos trouxestes Agora aqui estareis
Para esta forte montanha Até que seja de dia.
Nossas malignas pessoas
As que ensinastes com manhas. Entram na cova e mata-os todos. Sai e fecha a
porta e dirige-se à capela do Ermitão e diz para o
A roubar a matar gente Ermitão:
A aprender a má doutrina
Agora falais assim ROBERTO
Fazendo de nós zombaria. Boa vontade eu tenho
Da falar nesta Abadia
Não sois vós o capitão Com os frades e também
Como forte temerário Com a vossa senhoria.
Nos guiais nesta empresa
Porque dizeis, é o diabo. Fiz uma acção muito má
Mas ela foi do meu agrado
Agora é que vindes Matei a todos os ladrões
Com esta nova notícia A quem eu tinha ensinado.
E dizer que nos apartemos
Desta tão forte malícia. A roubar e a matar
E a fazer todo o mal
E depois por vosso amor Que guiado pelo diabo
Aderir neste mundo Era uma fera infernal.
ROBERTO
Agora afirmo senhor Pregando está o Padre Santo
Que nunca torno a voltar Na sua formosa capela
A fazer mal a ninguém Valha-me Nosso Senhor
Podeis o acreditar. Quem poderá entrar nela.

Pegai nas chaves do forte. À porta

(Entrega-lhes as chaves) O meu coração agora


Está muito agoniado
Porque há lá muita fazenda Como me porei diante
Quero que o meu bom pai Do senhor sacramentado.
Reparta pela pobreza.
Chama com um sino e diz dentro o Pontífice:
Eu vou-me daqui a Roma
Ao Padre Santo falar Quem é que vem falando?
Que me dê a penitência
Eu me quero confessar. Sai e diz Roberto

Tomai conta dessas chaves É um pobre pecador


E dai-me vosso perdão Que bem agora buscando
E todos a quem fiz mal A saúde espiritual
Eu vou-me com resignação. Pelo que choro e ando.

ERMITÃO Sou Roberto do Diabo


Ó Roberto que bem fazes O que ensinei o bando
Ir-te agora confessar A roubar a quanta gente
Muito contente me deixas Passara no ducado.
Por te querer emendar.
Quem fez quatrocentas mortes
Vai-se o Ermitão e Roberto dirige-se a Roma. E em três meses foi gozando
Sai Rogério e diz: Cento e cinquenta mulheres
E seus corações arrancando.
Que perversas manhas tem
Nunca a perdê-las vem Sou quem entrava nos templos
Que importa o ir ao inferno E o senhor sacramentado
Esse Roberto traidor Pelo chão atirava
Se o facanista maior E por mim era pisado.
É o que tem o governo
E tornou a empontar Eu roubei jóias de prata
Para que fosse matar Também as roubei de ouro
Fulminante e Marto coitados Fiz um forte no monte
Que ele tinha ensinado Onde juntei um tesouro.
E com eles tinha vivido
E diz que está arrependido Muitos pobres afoguei
Que quer fazer confissão E muitos ricos persegui
Não acredito, não, não E nunca pude encontrar
Mas eu hei-de observar Quem me matasse a mim.
E se acaso for mentira
Hei-de-o acheringar. As solteiras eu gozei
As viúvas persegui
Seringa e vai-se Roberto à capela do Pontífice e As casadas maltratei
diz: Eu a ninguém temi.
Roubei cálices e patenas Alberto da Normandia
E muitas roupas de seda A quem vi com muito gosto
E depois a todos os padres No meu palácio algum dia.
Eu matava sem ter pena.
O que professou na fé
Desde que encontrei em mim Da sacra Virgem Maria
A força eu pude andar A que sem tocar ninguém
Sempre o mal quis fazer Ao verbo de Deus concebia.
E a todos a morte dar.
E todos os pecadores
Dentro do meu coração A chamam Virgem Maria
Só se encontrava o mal Rainha da misericórdia
Fui pior que uma fera Amparo de alma nascida.
Ou uma fera infernal.
Encomendai-vos, já
Minha mãe não conheci A Maria que há-de ser
A meu pai não respeitei Vosso amparo e advogada
E ao meu professor que tinha Que ela tem todo o poder.
Foi o primeiro que matei.
Ela não vos dará mais
Conforme diz minha mãe Nem agonias nem dores
O Diabo deu-me o ser Com seu amor muito puro
Por isso eu tive sempre Vos farão grandes favores.
O amaldiçoado poder.
Eu nas minhas orações
Minha mãe me entregou Hei-de bem suplicar
Ao Diabo ao conceber Que olhe sempre por vós
Amaldiçoando-me assim Nunca vos deixe pecar.
E todo o meu proceder.
Vejo-vos arrependido
Agora, meu senhor, venho Mas eu não posso perdoar
A buscar a absolvição Vossos pecados agora
Que quero tirar as penas Não vos posso confessar.
Do meu triste coração.
Um ermitão no monte
Quero fazer penitência Do Darso está lá a morar
Com a mais profunda dor Ide e dizei-lhe que eu
Quero servir ao meu Deus Vos mandei lá a confessar.
E amá-lo com muito amor.
Que sem receio nenhum
De joelhos Vos haja de confessar
Cumprindo a penitência
Pequei, meu Deus pequei, Que ele tem para vos dar.
Sou o maior pecador
Quero chorar meus pecados E perdoado sereis
Com um fogo abrasador. Dos pecados que tiver
E a pecar não torneis
PONTÍFICE Se o que ele disser.
Ó Roberto sobrenome
Do Diabo és chamado ROBERTO
Sempre ao Diabo fizeste Eu o farei Padre Santo
O que foi do seu agrado. Ao monte que vou a ir
Com um verdadeiro fogo
És filho de um grande Duque Ao meu Deus quero servir.
Levanta-se e vai-se e aparece o Anjo ao Ermitão Sou um pobre pecador
e diz: E como fera atrevido
Fiz tantíssimos males
ANJO Que já não posso comigo.
Ermitão venerado
És por toda a cristandade O Padre Santo mandou-me aqui
Aqui por Deus sou mandado Que me confessará
Pois é da sua vontade. E a penitência que me dará
Assim o quero fazer.
Que absolvas os pecados
De um homem que aqui virá Entremos nesta capela
Verdadeiro penitente Que me quero encomendar
A fazer sua confissão A esta senhora bela
Por ordem do omnipotente. Que sempre a quero adorar.

Roberto do Diabo foi Entram na capela sai Rogério e diz Rogério:


Roberto de Deus será
Dos males que ele fez Agora sim acredito
Quebrou verdadeira fama Que Roberto vai fazer confissão
E depois da confissão Vi Roberto mui aflito
Em penitência logo lhe dais Em busca de um ermitão.
Que se faça logo louco
E não coma nada mais. Vai-se e canta a música

Que aquilo que aqui puder Confessa-te ó pecador


A todos os cães tirar E não olhes para trás
Caminhando para Roma A vida que tu tiveste
Mudo sem poder falar. Olha que te salvarás.

Em Roma ele andará Sai o Ermitão e Roberto da capela e doutra parte


Até que Nosso Senhor sai Rogério a escutar a penitência e diz o ermitão:
Lhe tire essa penitência
E o recolha ao seu amor. A penitência Roberto
É que te faças louco
Vai-se o Anjo e diz o Ermitão E para Roma te irás
Caminhando pouco a pouco.
Ó mensageiro divino
Da corte celestial Dos cães só comerás
Sendo eu tão pecador O que lhe possas tirar
Como me vindes falar. E não comas nada mais
Osso é o teu jantar.
Sai Roberto e vai à capela do Ermitão e diz de
joelhos Roberto: Não te metas com ninguém
Em Roma terás que andar
Eu prostrado de joelhos Até que Nosso Senhor
Ermitão aqui me tens Te haja de perdoar.
Buscando-te para dar-te
Aqui muitos parabéns. ROBERTO
Assim o farei agora
Eu sou uma ovelha errante Ficai com Deus senhor frade
Do teu rebanho saído Já Nosso Senhor agora não quer
Para sempre na maldade Que eu agora aqui mais fale.
É que fui concebido.
Vai-se o Frade e diz Rogério: É louco e quero saber
Se ele tem muita fome
Se cumprir a penitência E se não tem que comer.
Que lhe deu o ermitão
A divina providência MINISTRO
Sim lhe deve dar perdão. Melhor será recolhê-lo
Porque estes rapazitos
Mas não vai ser capaz Andam a zombar dele
Porque vem muito rapaz E tirá-lo destes conflitos.
A fazer-lhe zombaria
E atirar-lhe calhoadas IMPERADOR
E ele estas pastoscadas Entra louco para dentro
Não é capaz de as aturar Não estejas aqui mais
Eu já o vou charingar Jantarás em companhia
A fazer-lhe mugigangas. Do cão e dos demais.

Seringa e vai-se para diante dele bailando e Entra Roberto para dentro fazendo loucuras que
dizendo: provocam o riso e diz o Ministro:

ROGÉRIO O Almirante pagão


Tiridangue, indangue, indangue. Sua filha quer levar
E vossa alteza não quer dar
Sai uma partida de rapazes que o empurram e A ninguém a sua mão.
atiram pedradas e diz Rogério:
Agora vem pelas terras
Se vais para Roma assim Fazendo destruição
Leva-me ao carranchim46 Sem atender a ninguém
Que tudo é penitência Nem mesmo a sua razão.
Se o levas com paciência.
IMPERADOR
Com estes desprezos vão indo até ir perto da casa Vamos ao seu encontro
do imperador e diz Rogério: Com a gente que juntemos
E se puder ser a morte
Ó rapazes com as mãos Ao Almirante lhe demos.
Façamos corre47 ao redor
E no meio há-de ficar Vão-se e dentro dá-se um combate rugindo
E nós daqui a cantar. espadas e tiros e sai Rogério:

Dão-se as mãos uns aos outros e cantam: Temos que ir guerrear


Com o almirante traidor
Lara, lará, lará, lará, Porque o Imperador
Lará, lará, lará, lará. Não lhe dá a filha para casar
Se comigo se encontrar
Já perto da casa do Imperador sai um cão com um Vou-lhe dar seringadelas
bocado de pão na boca Roberto rompe o corre que Pelo fundo das costelas.
o rodeia e tira-lhe o pão ao cão e assenta-se à
porta do palácio e Rogério e os rapazes ficam Um Anjo aparece no jardim com um estandarte e
olhando para ele e vão-se desde que sai o armas de guerra e diz para Roberto:
Imperador e Ministros e diz o Imperador:
ANJO
Está aqui este homem Roberto servo de Deus
Manda-me que te armes
46Leva-me às costas. Com estas armas luzidas
47 “Fazer corre ou córreo” significa, em mirandês, E este formosos estandarte.
fazer uma roda.
Que montes neste cavalo branco Persegue o cavaleiro
E vás socorrer Olha se o podes matar
Ao senhor imperador Não nos torne a incomodar
Não há tempo a perder. Esse perro48 perdigueiro.

Ouviu teu pensamento Roberto persegue o Almirante que foge o


Disse-me que não temeras Imperador volta para o palácio e Roberto para o
Sempre ao Imperador jardim depois sai o Imperador e o Ministro e o
Com cautela defenderás. Embaixador e o General e diz o Imperador:

E ninguém te conhecerá Voltei para Roma triunfante


Teu esforçado valor Ao louco nós fizemos mal
Até que te perdoar Não lhe cumprir o desejo
De tudo nosso senhor. O louco a ninguém faz mal.

A ti Roberto de Deus Quando estamos a falar


Bem te há-de perdoar Sempre está com muito atento
Fazendo assim penitência E vontade de pelejar
À glória te há-de levar. Quem seria meus senhores.

Vem, pega no cavalo O do cavalo branco


E vai-te já pelejar. Que me defendeu a mim
Com tanto valor e espanto?
Vai-se o Anjo e Roberto arma-se e monta a Quem seria? Eu queria
cavalo e de fora vem o Almirante e diz para o Isto que desejo saber
Iimperador: Grande prémio lhe daria
Se o chegasse a conhecer.
Ó imperador Romão
Se te podes defender MINISTRO
Olha que vais morrer Vossa filha observou
A espada deste pagão. E está muito admirada
Sempre para o louco está
O Imperador monta a cavalo ele e o Ministro vai Ela muito entusiasmada.
ao encontro e diz o Imperador:
IMPERADOR
Não tenho medo não, não Minha filha é muda
As tuas fanfarronadas Eu não posso compreender
Tenho fortes espadas Os sinais nem mesuras
Para partir teu coração. Venha aqui outra mulher.

Batalham a cavalo do jardim sai Roberto e dirige- Sai a Imperatriz e a Dama.


se ao combate e diz o Almirante: Roberto desde que a vê mostra a alegria e faz
mais loucuras e continua o Imperador:
Espera ó imperador
Não me queiras perseguir Minha filha, tenho aqui
Dá-me tempo a retirar Não entendo seus sinais
Senão tenho que fugir. Tu dama que os entendes
Olhai lá se os explicais.
IMPERADOR
Hei-de te perseguir A filha está por sinais o que diz a Dama.
E a morte te hei-de dar

Roberto chega e diz o Imperador: 48 Forma mirandesa: “cão”.


DAMA Na batalha como fez
Ó senhor Imperador Este homem meu amigo.
O que vossa filha fala
É cousa de grande valor As suas operações
E não a entendem nada. Eram do mais entendido
Homem que no mundo
Diz que pela janela Até agora tem nascido.
Do seu jardim viu chegar
Um mensageiro de Deus MINISTRO
E ao louco lhe foi falar. Não podemos bem saber
Mas na terceira vez
Um cavalo muito branco Sua majestade triunfou
Diz que lhe entregou E eu segui-lhe o seu revês.
E armas para pelejar
E depois logo marchou. E minha lança estendida
Na sua perna ficou
O louco depois de armado Ele mostrará o sinal
A guerra foi guerrear Do ferro que lá ficou.
E ele com toda a força
Começou a pelejar. IMPERADOR
O que mostrar o ferro
Diz que saiu triunfante E sua ferida mostrar
Em vossa protecção Minha filha imperatriz
Depois chegou ao jardim Lhe darei para casar.
Alegre o seu coração.
Vou mandar publicar
O cavalo meu senhor Que estou muito desgostado
Logo desaparecia Eu não saber quem foi o homem
E Roberto como sempre Que veio em meu amparo.
Também louco se fazia.
Venha o meu secretário
A filha, por sinais, vai afirmando o que a dama Preciso de lhe falar
diz sem desfitar Roberto. Que escreva com brevidade
O que lhe vou notar.
IMPERADOR
Pelos sinais ó mulher Sai o secretário
Minha filha não é louca
Agora é que eu vejo SECRETÁRIO
Que tens vergonha mui pouca. Meu senhor às suas ordens
Pronto para o que mandar
DAMA Está o seu secretário
Vossa majestade imperial Que há pouco mandou chamar.
Chegará a confirmação
E depois afirmará IMPERADOR
Que eu nisto tenho razão. Vamos pois sem demorar
Escreva o que lhe vou notar
Porque eu a vossa filha Em édito anunciativo
Entendo os seus sinais Que vou mandar publicar.
Como também entendo
O que vós aqui falais. O Secretário vai escrevendo, dizendo a última
palavra que o imperador lhe dita.
IMPERADOR
Não é possível que o louco IMPERADOR
Fizesse tanto prodígio Minha filha darei!
SECRETÁRIO Lhe dará a sua mão.
Darei.
Apresente-se esse guerreiro
E assim por diante Que o defendeu na guerra
Mostrando para a verdade
Ao cavaleiro esforçado O ferro da lança na perna.
Que na passada campanha
Pelejou sempre ao meu lado. Para não haver ignorância
Em qualquer lugar ou tempo
Farei-o imperador A todos os seus súbditos
Marido de minha filha Faz tomar conhecimento
Por mim será estimado Governadores distritais
Como a maior maravilha. Administradores dos concelhos
Regedores de freguesias
A ferida na sua perna Vassalos novos e velhos
E a lança há-de mostrar Assim o façam bem publicar
É bastante testemunha Assim o façam notório
Para eu acreditar. Da mais cirida50 da charneca
Ao saliente promontório
Fala o imperador As províncias ultramarinas
As posições africanas
IMPERADOR Chegue também o pregão
Ide, publicai agora De suas ordens romanas.
Por toda esta cidade
Para que não haja ignorância Fixa o edital.
E a todos chegue a verdade.
Aqui fica este edital
SECRETÁRIO Ninguém alegue ignorância
Assim o farei senhor Desde o mais velho ancião
Tomar público em geral À mais nova criança.
Com licença de toda a corte
E vossa majestade imperial. São as ordens determinadas
Do nosso Imperador
Circular49 De cuja me encarregou
A observância com rigor.
Sua majestade imperial
De Roma imperador De estas minhas ilusões
Nosso Augusto soberano Haja pois observância
E nosso submisso senhor. Não venham cá com razões
Ninguém alegue ignorância.
Faz publicar a todo o império
Que sua filha há-de dar Com o Imperador:
Ao cavaleiro esforçado
Que assim quem o defendeu. Meu senhor dá-me licença
Do almirante pagão Aqui me venho apresentar
E por isso em recompensa Mensageiro de que há um pouco
A ordem fui publicar.
49 Todo este discurso não se encontra na versão de
Avelanoso. De notar as referências à divisão
administrativa, distritos, concelhos, freguesias… e até
às “províncias ultramarinas”, o que denuncia o 50 Esta é a forma que se encontra na nossa versão.
acrescento tardio destes versos. É bem possível que Trata-se seguramente de um “erro” de cópia
tenha sido introduzido por algum regrador pois as porquanto a palavra não existe, tendo o “copista”
quadras, que no restante texto têm bastante deturpado os dois primeiros caracteres, escrevendo
homogeneidade de rima e de métrica, não a têm nesta “ci” em vez de “á”, talvez por desconhecer a palavra
“circular”. “árida”.
IMPERADOR Tenho de o acompanhar
Agora sim que eu estou Ao palácio do Imperador
Muito mais sossegado Até com ele falar.
Sabem que o meu édito
Se acha publicado. ALMIRANTE
Se me sai o que eu penso
Obrigado meu secretário Eu saberei premiar.
Por tanto vos esforçar
Mas por agora mais nada EMBAIXADOR
Podeis-vos retirar. Temos que ir com cuidado
Não nos venham a matar.
Vai-se.
ALMIRANTE
IMPERADOR Eu só vejo as coisas más
Em mim reina alegria As pernas farei voar.
Desaparece meu pesar
Em honra da companhia Chegando ao palácio do Imperador saem todos e
Toque música, vamos dançar. diz o Almirante:

Dançam o Imperador o Ministro, o Embaixador Senhor vossa majestade


e o General, a Imperatriz e a Dama e vão-se. Sai Já mandou publicar
Rogério e diz: Um édito oferecendo
Sua filha para casar.
Lá no palácio Romão
Fazem bailes de contentes Ao cavaleiro que veio
Porque as suas gentes No seu cavalo branco
Venceram aquele pagão. E que no seu favor
Saiu sempre pelejando.
Ficaram todos a rir
E eu agora vou-me a ir E como sou eu o mesmo
Entoando uma canção. O Imperador me há-de dar
Sua filha para esposa
Canta Em que não pode falar.

Ó rebola bola E se existe alguma dúvida


Bem te vejo rebolar Ofereço-lhe esta verdade
Bem te vejo e não te logro Sirva aqui por testemunha
Quem te poderá lograr. O ferro e a lança olhai.

Vai-se e sai o Embaixador e o Almirante a Mostra-lhe a perna:


cavalo e diz:
Que metido nesta perna
Um édito do imperador O tenho com minha dor
Sei que tem publicado Olhai o cavalo branco (ensina-lho)
Eu me vou apresentar Que se retirou a vapor.
A casa do seu reinado.
IMPERADOR
Com minha astúcia falar Almirante, não sois vós
E um embuste que inventar O que me pusestes guerra
Vou-lhe pedir a filha E que contra mim
Para com ela casar. Levantastes a bandeira.

EMBAIXADOR Como é que será crível


Eu em tudo o que quiser Contra vós o pelejar.
Respondei ó Almirante Ó omnipotente Deus
Não me queirais enganar. Eu não sou merecedor
De vos servir mas o que
ALMIRANTE Farei-o com grande amor.
Tão grande é o amor
Que a vossa majestade tenho Vai muito devagarinho à capela do Pontífice para
Que me obrigou a fazer falar e ao mesmo tempo por outra parte sai
Tudo isto com desejo. Rogério.

O amor por vossa filha ROGÉRIO


Sempre tenho que temer Não vistes um avejão
Obrigou-me a fazer flechas A falar com sua reverência
Até eu mesmo morrer. Foi-lhe dizer que Roberto
Já cumpriu a penitência.
IMPERADOR Eu também me vou de certo
Detém-te ó Almirante Se me dais vossa licença.
Já tua ferida olhei
Entra que te quero dar Seringa e vai-se descobre-se o Pontífice na sua
Minha filha para casar. capela assentado e de fora viram o Imperador, o
Almirante, o Ministro e o Embaixador a
Vão-se e sai Rogério e diz Rogério: Imperatriz e a Dama detrás com um pau muito
“enraivado” ameaçando e diz o Imperador:
Já voltou o Almirante
Ao Imperador intrujar Santíssimo Padre Santo
E este bacoco vai dar Que a Cristo representais
A filha àquele tratante Nesta formosa capela
Só merecia umas taponas E ao senhor Deus adorais.
Para que não seja pedante.
Diante de vós estão agora
Vai-se e sai um Anjo e vai à capela do Ermitão Para pedir um favor
e diz o Anjo: Depois da sua bênção
Receber com muito amor.
Aqui volto ó Ermitão
Da parte de Deus venho Venho a que me despenseis51
Dizer-te que cumpriu Esta filha tão querida
A penitência Roberto. Com este senhor valente
De terra desconhecida.
E que marches para Roma
E a Roberto lhe digas PONTÍFICE
Que cumpriu a penitência Farei-o mui contente
E não tenha mais fadigas. E depois de confessados
Com minha absolvição
E que não volte a fazer Os seus pecados perdoados.
Mais loucuras com o cão
Que já Deus lhe perdoou IMPERATRIZ
E deu a absolvição. Detenha meu pai a voz
Agora quero falar
E não te detenhas nada Já que o senhor concedeu
Faz o que hás-de fazer A mim a fala ma dar.
Olha Ermitão que te manda
Aquele que tem mais poder. O que este louco fez
Custará-lhe acreditar
Vai-se o Anjo e diz o Ermitão:
51 “Venho a que caseis”, lê-se no texto de Sendim.
Mas já Deus me deu fala Roberto, senhor nosso
Para que possa provar. Manda-me para te falar
Que te deixes de loucuras
Estando no meu jardim E que não voltes a andar.
Um anjo eu vi baixar
Sobre Roberto e depois Em companhia dos cães
Principiou a falar. Que já perdoado estás
De tuas culpas e pecados
Trouxe-lhe um cavalo branco E coroado serás
E armas para pelejar De glória na outra vida.
Sempre em vosso favor
O anjo mandou-o andar. Vai-se de joelhos diz Roberto:

Quando chegou ao jardim Meu Deus, meu Deus soberano


O anjo lhe recolhia Que sou eu merecedor
O cavalo e as armas Pois me tendes perdoado
Que do combate trazia. Sendo eu grande pecador.

Até a terceira vez Ó Padre Santo querido


O louco chegou ferido Ó Ermitão venerado
Um ferro tirou da perna Como sabeis dar vida
E no jardim o tem escondido. A um homem agoniado.

O Almirante não foi Ó senhor Imperador eu fui


Que pelejou em seu favor Quem do perigo o tirei
Embusteiro e mentiroso A vossa honrada pessoa
Matai esse traidor. E do Almirante o livrei.

Vai-se dizendo o Almirante: E com rogos que eu fiz


Ao nosso Deus de coração
Não me valeu o mentir Falou aqui sua filha
Nem tão pouco o intrujar Eu mereço sua mão.
Pela Princesa falar Se fui grande pecador
Agora tenho que fugir. Agora outreguei53 o perdão.

Repete sai Rogério e diz: Levanta-se Roberto e diz o Imperador:

E tens!... Em a mão de Deus o ponha


Seu mariola, seu tratante E de vós meu Padre Santo
Intrujão, embusteiro Minha filha entregarei
Anda senhor almirante. A este homem que é um santo.

Seringa e vai-se. Chega à capela o Ermitão e diz IMPERATRIZ


o Ermitão: Eu te quero meu Roberto
Eu te quero meu amor
Grande potente52 fez Deus Porque a língua e ouvido
Ó Padre Santo muito querido Me concedeu o senhor.
O louco já não é louco
E cristão arrependido. Já que outorgaste o perdão
Do Nosso Deus salvador
Para Roberto: De hoje em diante serás
Meu fiel adorador.

52 “Portento” e “milagre”, nas outras versões. 53 Na versão de Avelanoso lê-se “alcancei”.


Guerra darei agora
Abraçam-se e continua Guerra darei aos Romãos
E todos quantos encontre
Eu te quero para sempre Morrerão nas minhas mãos.
E no império serás
Nomeado imperador Força, força, armas! Armas!
E mui bem governarás. Aos Romanos perseguirei
Que sou infiel e não quero
PONTÍFICE Seguir a sua lei.
Gran milagre fez Deus
Agora diante de mim Entra no palácio do Imperador e enquanto dão a
Verdadeiro penitente batalha sai Rogério e diz
Como Roberto não vi.
Raios parta o Almirante
Exemplo tomemos todos Deve ser bem traidor
Não queiramos ofender Por não se poder vingar
A virgem senhora nossa Foi matar o Imperador.
Que ela tem todo o poder.
Se o torno a encontrar
E a mãe dos pecadores Não sei o que lhe farei.
Amparo dos aflitos
Guia mui venerada Disparam tiros e sai o Almirante, Rogério
De todos os que somos nascidos. assustado diz

Ela dá-nos protecção Ai de mim que já ali vem


Nos combates e nas guerras Aonde me esconderei.
Faz humilhar o sol
E esconder as estrelas. Fugindo sem saber aonde se há-de meter vai-se e
diz o Almirante
E agora meus irmãos
Filhos do meu coração Eu logo disse que tinha
Em nome de Deus dos céus O Imperador morrer
Deito-vos minha benção. Não lhe deu favor teu deus
Ninguém te veio valer.
De joelhos
Morreu, morreu! Em Roma
Em nome de Deus pai Me hei-de logo introduzir
Filho do espírito santo Com minha espada na mão
Ide em paz meus irmãos A todos hei-de ferir.
E na glória nos juntemos.
Não temerei a ninguém
Recolhem-se todos na capela do Pontífice e sai o Infiel sempre serei
Almirante e diz Almirante: Contra Deus e seus vassalos
A todos conquistarei.
Agora já não lhe vale
Ao Imperador falar Serei um forte guerreiro
Com minha mão severa De ninguém quero favor
A morte lhe hei-de dar. Com todos pelejarei
Com arrogante valor.
A sua filha não me deu
Para com ela casar De fora vem Roberto a cavalo no cavalo branco
Mas agora ó Imperador acompanhado de soldados também a cavalo e diz
Me tens muito que pagar. sem descer para o Almirante:
ROBERTO Meus vassalos vinde ver
Encontrei o que buscava Este infiel, este traidor
Depois de eu estar metido Que agora vai morrer.
Em tão áspero deserto
Penitente arrependido. Oração em cima do cavalo:

Agora gente Romana Sacra santa virgem pura


Agora aqui encontrei Peço valor nesta hora
Um traidor um infiel Vós é que me podeis dar
Um contra a nossa lei. Ó virtuosa senhora.

Venho de ver minha mãe Vós sois Santíssima Virgem


A que contente deixei Imperatriz soberana
Governando o seu ducado Estrela resplandecente
Fazendo guardar a lei. Luzeiro de madrugada.

Seu ducado percorri Guia dos marinheiros


A todos pedi perdão Advogada dos cristãos
De quanto lhes ofendi Dai força e dai valor
De todo o coração. As minhas humildes mãos.

Todos ficaram contentes Desce do cavalo, vai ao tabuado e diz para o


Ficaram agradecidos Almirante
Ao ver que eu lhes falava
Com todos os sentidos. ROBERTO
Ímpio ó vil traidor
Mas ao chegar ao mandado Com embuste e vais falar
De meu sogro imperador A senhora imperatriz
Venho em defesa dele Com ela querias casar.
Como um fogo abrasador.
Para depois em Roma
Agora aqui me encontrei Introduzir a falsa lei
Com meu sogro sepultado Do estúpido a má fama
Pela mão daquele traidor A pior de toda a grei.
Sem nada ter reparado.
Vem herege bem assim
Para o Almirante Que não te vale de nada
Tua força e valor
Tu perseguir a lei? Nem tua terrível espada.
Não te lembras que Roberto
Defenderá a lei santa Chega a mim tua pessoa
Com muito zelo e mui acerto. No campo de desafio
Que sairei vencedor
Esgrimir a tua espada No meu coração confio.
No sangue dos cristãos
Livra-te, infiel traidor Batalham e caindo o Almirante diz o Almirante:
Das minhas furiosas mãos.
Ó Roberto que sim foste
Desertos da Palestina O meu cruel matador
Formosos campos romanos Morro aqui com sentimento
Torres, praças e castelos Morro aqui como vil traidor
Defensores dos cristãos. Olha recolhe minha alma
A um fogo abrasador.
Vinde, vinde agora aqui
ROBERTO Que nas minhas mãos me veis.
Já ganhei esta batalha
E todas eu hei-de ir ganhando Vossa majestade é
Graças lhe dou a Maria Da nossa corte o herdeiro
Por ela sou amparado. Receba esta coroa
Penitente verdadeiro.
Graças senhora vos dou
O meu coração deposito Roberto ajoelha diante do Pontífice este põe-lhe a
Nas vossas mãos divinas coroa na cabeça; assenta-se e diz Roberto:
E também o meu espírito.
Ó Padre Santo querido
Guardai e recolhei agora Que por vossa santidade
O meu formoso cavalo Sou nomeado Imperador
Que eu me vou acabar Sendo pecador tão grande.
De cumprir o meu ordenado.
Agora aqui eu prometo
A fazer uma fogueira De defender a nossa lei
Onde o corpo arderá Que é santa e verdadeira
De esse infiel Almirante Posta por Deus é que é.
O fogo o consumirá.
Meus vassalos regerei
Deita-se no inferno e vai-se. Sai Rogério Com a vossa protecção
A santidade será
Ó que bem estás agora Triunfo do meu coração.
Nesse buraco sem fundo
Pagai as intrujices PONTÍFICE
Que fizestes neste mundo. Pois agora recolhemos
Todos os preparativos
Tapa o buraco e bailando em cima diz Façamos que todos sejam
Hoje aqui cristãos bem vivos.
Intrujão!
Não valias um centavo É quanto pode pedir
Agora ficas aí O nosso bom coração
Na companhia do diabo. Peçamos que Deus do céu
Nos deite sua benção.
No palácio do Imperador entra o Pontífice,
assentado com uma coroa na mão e a Imperatriz Vai-se e sai Rogério
à direita, Ministro e Embaixador à esquerda;
todos assentados e os Sargentos em fazendo Findou a nossa comédia
guarda diz o Pontífice: Como vistes povo honrado
A má vida de Roberto
PONTÍFICE E como foi perdoado.
Ó Roberto Milagroso
Defensor das nossas leis FIM
Recebe esta coroa

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