Artigo Assentamento Terra Vista (Publicado)

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REVISTA TOCANTINENSE DE GEOGRAFIA - online

https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/geografia ISSN
2317-9430

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NO ASSENTAMENTO RURAL TERRA


VISTA, EM ARATACA, BAHIA, BRASIL

ENVIRONMENTAL SUSTAINABILITY IN RURAL SETTLEMENT TERRA VISTA IN ARATACA,


BAHIA, BRAZIL

Paulo César Bahia de Aguiar – UESC – Ilhéus – Bahia - Brasil


prof.pauloaguiar@bol.com.br

Mônica de Moura Pires – UESC – Ilheus – Bahia - Brasil


mpires@uesc.br

RESUMO
Este artigo tem como principal objetivo analisar o Assentamento Rural Terra Vista, Sul do
estado da Bahia, Brasil, sob a ótica da sustentabilidade. Para analisar a sustentabilidade do
assentamento, essa foi observada em três dimensões (ambiental, social e econômica),
sendo aferida a partir dos seus capitais e capacidades, por meio de pesquisas bibliográficas
e inserções de campo/vivências semanais no local entre outubro de 2017 e fevereiro de
2018 e informações levantadas junto a moradores e suas lideranças. Esse assentamento
mostrou-se bem organizado, e, por conseguinte, tem-se tornado referência para outros
assentamentos da região, além de propiciar projeção e reconhecimento nacional e
internacional. Mesmo assim, apresenta fragilidades, como a ausência de veículo de maior
porte que atenda os moradores no transporte dos seus produtos para comercialização;
ausência de estabelecimentos comerciais para suprir os moradores com produtos
alimentícios não produzidos no assentamento e outros produtos de necessidades
domésticas; falta de oportunidade de outras ocupações além das atividades agrícolas e das
escolas, em especial para os jovens; necessidade de outras possibilidades de fonte de renda
sustentável para as famílias; necessidade de maior engajamento coletivo na dinâmica do
assentamento e em seus projetos; capitação de recursos financeiros a partir dos serviços
ambientais gerados no local.

Palavras-chave: Espaços Rurais; Reforma Agrária; Desenvolvimento; Comunidade.

ABSTRACT
This article has as main objective to analyze the Terra Vista Rural Settlement, South of the
state of Bahia, Brazil, from the perspective of sustainability. In order to analyze the
sustainability of the settlement, this was observed in three dimensions (environmental,
social and economic), being assessed through its capitals and capacities, through
bibliographic research and weekly field insertions/ experiences on site between October
2017 and February 2018 and information gathered from residents and their leaders. This
settlement proved to be well organized, and, therefore, has become a reference for other
settlements in the region, in addition to providing national and international projection and
recognition. Even so, it presents weaknesses, such as the absence of a larger vehicle that
serves residents when transporting their products for sale; absence of commercial
establishments to supply residents with food products not produced in the settlement and
other products for domestic needs; lack of opportunity for other occupations besides
agricultural activities and schools, especially for young people; the need for other
possibilities of a sustainable source of income for families; the need for greater collective

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engagement in the dynamics of the settlement and its projects; capitation of financial
resources from environmental services generated on site.

Keyword: Rural spaces; Land reform; Development; Community.

INTRODUÇÃO

As questões ambientais, no contexto mundial atual, passaram a estar no cerne


de amplas discussões entre e dentro de diferentes países e organismos internacionais.
Essas discussões têm como elemento central a degradação ambiental em escala
mundial, por conta do modelo de desenvolvimento adotado, o qual privilegia a
exploração dos recursos naturais voltada ao crescimento econômico, alicerçado no
consumo desenfreado, que gera impactos sobre o meio ambiente e efeitos
socioeconômicos duradouros. Destarte, há um descompasso entre produção e
consumo, levando a que se avolumem as discussões acerca da necessidade de modelos
alternativos que propiciem desenvolvimento social e priorizem o papel estratégico que
os recursos naturais possuem na manutenção do equilíbrio do planeta.
A degradação ambiental consubstanciada nas relações sociedade-natureza,
conquanto se materialize na escala local, vem alcançando nas últimas décadas um nível
preocupante. A história mostra que diferentes agrupamentos humanos, ou mesmo
outras espécies, deixaram de existir ou chegaram perto de colapsarem como
consequência da exaustão dos recursos naturais nos ambientes em que habitavam
(DIAMOND, 2006). Na realidade hodierna, essa exaustão tem implicado em uma
situação-problema mais profunda, pois a sociedade industrial-capitalista vem
explorando a natureza em um ritmo muito acelerado e em escala mundial, pela lógica
produção-consumo que norteia o sistema.
Sendo assim, este trabalho propicia uma discussão acerca das nuanças, em
diferentes escalas, da questão ambiental, em especial na escala local, de maneira que
possa contribuir e/ou subsidiar na formulação de políticas voltadas para solução de
questões ambientais desse tipo de recorte, fundamentada na ideia de sustentabilidade.
Existem diferentes modelos que possibilitam a análise da sustentabilidade
ambiental de comunidades, incluindo os assentamentos rurais. Elegeu-se, aqui,
trabalhar com a noção de sustentabilidade ambiental 3D, a partir do modelo de

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sustentabilidade 3D de Mauerhofer (2008). Por sustentabilidade ambiental 3D entende-
se o equilíbrio, por parte de determinada comunidade ou sociedade, em três dimensões
ou pilares de sustentação: dimensão social, dimensão econômica e dimensão dos
recursos naturais (MAUERHOFER, 2008).
Essa concepção de sustentabilidade ambiental 3D traz no seu bojo, como
principal aspecto positivo, o fato de ser aplicável a qualquer contexto, de forma especial
ao contexto de comunidades e sociedades locais, realçando e valorizando suas
particularidades, ao mesmo tempo em que considera outras escalas espaciais.
Portanto, estabelecer discussões e realizar estudos acerca do potencial que
comunidades em assentamentos rurais possuem para a promoção da sustentabilidade
ambiental local, bem como para se tornar um caminho promissor à promoção de um
modelo de desenvolvimento pautado na ideia de sustentabilidade que abarque o bem-
estar humano, a equidade social, o desenvolvimento econômico e a conservação da
natureza, é de significativa importância para que tal proposição possa se tornar uma
realidade. Sendo que, a valorização, de forma especial, do capital ambiental e social é
essencial para essa sustentabilidade (SÉBASTIEN; BRODHAG, 2004; BEAURAIN; ROUAUD;
ARNOULD, 2017).
É com este foco que o presente trabalho analisa o Assentamento Rural Terra
Vista, Sul do estado da Bahia, Brasil, sob a ótica da sustentabilidade ambiental. Espera-
se assim fornecer uma visão geral da realidade dessa sustentabilidade no local, seus
pontos fortes e frágeis, bem como subsidiar na formulação de políticas e estratégias
voltadas para a conservação ambiental e o bem estar da comunidade. Parte-se do
pressuposto de que há sustentabilidade ambiental no assentamento analisado, haja
vista as estratégias de conservação ambiental e do modelo agroecológico que vêm
sendo adotados como base de desenvolvimento do local.
Esse assentamento é um dos mais antigos do Sul da Bahia, criado em 27 de
março de 1995, constituindo-se em uma experiência pioneira do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nessa região, e com projeção internacional, tais
fatos motivaram a realização deste trabalho nesse local, a fim de se conhecer mais

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profundamente sua história e dinâmica, e certas nuanças que possibilitaram chegar a tal
condição atual.

A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL E OS ASSENTAMENTOS RURAIS

O Brasil é um país de grandes dimensões territoriais, de cerca de 8.514.876km²,


equivalendo a 47% do território da América do Sul. Oficialmente o país está subdividido
em cinco grandes regiões político-administrativas (Norte, Nordeste, Centro-Oeste,
Sudeste e Sul), e 27 unidades federativas (26 estados e um distrito federal), com
características geográficas, sociais, culturais e históricas distintas, em razão das
especificidades de cada região.
A questão agrária, no Brasil, historicamente se caracterizou pela predominância
da concentração de grandes extensões de terras nas mãos de grandes fazendeiros,
desde a época colonial com as capitanias hereditárias e política das sesmarias, se
aprofundando no período imperial, com a “lei dos mais fortes” de 1822, que
preconizava que os antigos proprietários e os fazendeiros poderiam tomar posse da
terra por meio da força, algo que levou ao caos no espaço rural (SANTANA, 2020), e com
a Lei de Terras de 1850, que aboliu o sistema de sesmarias e estabeleceu a forma única
de acesso legal a terra por meio da compra, ou seja, imprimiu um valor mais econômico
à terra do que social - algo que, naquela conjuntura, favoreceu apenas os cidadãos que
possuíam significativo padrão econômico (NASCIMENTO, 2009). Em relação aos
pequenos agricultores, normalmente o acesso a terra se dava, mais comumente, por
meio de uma relação trabalhista não formalizada, em que o pequeno agricultor
trabalhava para o grande fazendeiro, e lhe era concedido o direito de morar em uma
pequena parcela da fazenda com sua família e daí tirar o sustento familiar.
Já no século XX, com mobilizações sociais rurais que passaram a acontecer
visando a extensão dos direitos trabalhistas para o campo bem como a busca de acesso
à terra de forma justa, lentamente transformações começaram a ocorrer nas relações
sociais na realidade campesina, bem como na dinâmica dos sistemas agrários
(ANDRADE, 1994).

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A inserção da revolução verde na realidade agrária brasileira, em especial a partir
da década de 1980, com a modernização agrícola, decorrente da expansão do processo
de produção industrial em escala, que no campo adquiriu características próprias,
aprofundou os problemas agrários no país, pois favoreceu grandemente aos grandes
fazendeiros capitalizados, e desfavoreceu o pequeno agricultor que já se encontrava
fragilizado dentro do contexto capitalista agrário nacional.
Muitos trabalhadores rurais, alguns reunidos em sindicatos, e com adesão de
não sindicalizados, passaram a se organizar pelo acesso a terra e pela reforma agrária,
tendo o apoio de vários setores da sociedade, como o Conselho Pastoral da Terra (ligado
à Igreja Católica), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e diferentes sindicatos
(ANDRADE, 1994; BRUNO et al., 2016).
Diante de um sistema de governo de regime militar que comandou o país de
1964 a 1985, emergem movimentos sociais com foco na busca pelo acesso a terra de
forma socialmente justa, por meio da reforma agrária, a exemplo do Movimento de Luta
pela Terra (MLT), e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre fins
da década de 1970 e início da década de 1980, fortemente inspirado pelo movimento
das Ligas Camponesas (BRUNO et al., 2016), da União dos Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas do Brasil – Ultab, e do Movimento dos Agricultores Sem-Terra – Máster
(FERNANDES, 2008). A despeito das fortes lutas travadas por esses movimentos sociais e
suas conquistas, é evidente o déficit no que se refere ao acesso à terra ou às condições
de manutenção da mesma por parte de pequenos agricultores (LEITE, 2018).
Conquanto no transcorrer do tempo, no âmbito do Governo Federal, certos
debates tenham sido levados a efeito voltados para a questão agrária no Brasil (por
exemplo, por meio da criação da Superintendência da Reforma Agrária – SUPRA, em
1950; do Estatuto da Terra e a criação do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA,
em 1964; do I Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, de 1966; da criação do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, de 1970; do II Plano
Nacional de Reforma Agrária – PNRA, de 1985; e com a Constituição Federal de 1988,
que instituiu a competência da União em promover a reforma agrária), no entanto, uma
verdadeira reforma agrária que primasse por estabelecer e efetivar o verdadeiro papel

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social da terra ainda não foi levado a efeito (FERNANDES, 2008; SANTANA, 2020). Isso se
deve, em especial, pelo fato de que a bancada ruralista no Congresso Nacional,
representante dos grandes fazendeiros, sempre esteve na dianteira dessas discussões
no âmbito governamental enquanto parlamentares, desprivilegiando os pequenos
agricultores – que deveriam ser os maiores beneficiários de políticas de reforma agrária
no país (FERNANDES, 2008).
Tal situação tem motivado o afloramento de inquietudes, principalmente no que
se refere às famílias rurais que dependem diretamente da terra como recurso para
sobrevivência, e que durante anos foram submetidas a péssimas condições de trabalho
e ao acesso a pequenas áreas de terras de baixo potencial produtivo. A grande
propriedade da terra no Brasil, historicamente, tem caracterizado o poder econômico da
elite nacional e de estrangeiros (RIBEIRO; OLIVEIRA, 2015), com fins de produção
comercial em grande escala, alienando-a de sua função social e do ponto de vista da
conservação ambiental.
A criação de assentamentos rurais, segundo Santana (2020), tem sido o
instrumento básico da política nacional voltada para a questão da reforma agrária;
sendo por muitos anos a principal atividade do INCRA. Segundo este mesmo autor (Ib.),
citando dados do INCRA (2018), no período compreendido entre os anos de 1998 e
2017, tem-se a distinção de predominância de dois tipos de políticas no que se refere à
instituição de assentamentos rurais no país: até o ano de 2010 tem-se a prevalência da
criação de assentamentos rurais; enquanto a partir de 2011, mas, mais especificamente
a partir de 2015, passa a predominar a política de titulação da terra em detrimento da
criação de novos assentamentos.
Essa política de titulação em detrimento da criação de novos assentamentos em
número representativo teria como causa principal a grave crise fiscal na qual o país vem
passando desde os anos 2015/2016 em diante, algo que inibiu a disponibilização de
recursos para os processos de desapropriação e criação de novos assentamentos,
fazendo, portanto, o governo federal privilegiar a titulação da terra aos assentados dos
assentamentos já existentes.

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Até o ano de 2019 havia sido criados 9.437 assentamentos de reforma agrária no
país, com 88 milhões de hectares, sendo beneficiadas mais de 1,3 milhões de famílias,
das quais 973.451 ainda continuam assentadas. Do total de Projetos de Assentamentos
(PAs) existentes em 2019 no Brasil, 709 se encontravam no estado da Bahia, em área
total de pouco mais de 2 milhões de hectares e 49.137 famílias assentadas. No Sul desse
estado havia 148 assentamentos, em área em torno de 131 mil hectares e 10.246
famílias assentadas (INCRA, 2019, apud SANTANA, 2020).

A REFORMA AGRÁRIA NO SUL DA BAHIA

No Sul do estado da Bahia, duas importantes experiências, embora casos


pontuais e de contextos específicos, podem ser apontadas como marcos na busca por
reforma agrária, antecedendo à participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), e que foram marcantes para a criação de assentamentos rurais nessa
região: a criação da Comunidade Rural Fazenda do Povo, no município de Ipiaú, em
1963; e a luta dos posseiros, no município de Canavieiras, em 1984.
Enquanto primeira experiência oficial de reforma agrária no sul do estado da
Bahia, a criação da Comunidade Rural Fazenda do Povo se deu por iniciativa do então
prefeito municipal de Ipiaú, Sr. Euclides Neto. Tal iniciativa visou amparar trabalhadores
rurais do próprio município e seus familiares, os quais ficaram desempregados e
desemparados em razão de grande seca que acometeu a região entre 1962 e 1963, e
pela situação de semiescravidão em que muitos deles se encontravam em fazendas de
cacau. Agregou também trabalhadores de outros municípios que por distintas razões se
deslocaram para a localidade (BRUNO et al., 2016). Essa comunidade foi estabelecida no
ano anterior à implantação do sistema de regime militar no país.
Embora a política agrária vigente à época primasse pela precarização das
relações de trabalho e de acesso a terra por parte dos menos favorecidos, a Fazenda do
Povo surgiu com finalidade oposta a essa realidade, pois, além de ser uma experiência
de reforma agrária de âmbito municipal, primou pela doação da terra aos menos
favorecidos para produzirem e sobreviverem (BRUNO et al., 2016). Portanto, não
envolveu as etapas de ocupação, acampamento e conflito pela terra, como o é comum

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aos PAs. Essa comunidade permanece até o presente pertencendo ao município de
Ipiaú.
Depois dessa primeira experiência de reforma agrária, um novo impulso se deu a
partir de 1984, por meio da “luta dos posseiros”, no município de Canavieiras, quando
da ocupação das fazendas Puxim, Sarampo, Francônia e Serra da Onça – sendo que das
quatro, as duas últimas atualmente estão no município de Santa Luzia (município esse
criado em 1985). As fazendas Puxim e Sarampo foram as primeiras desapropriadas em
Canavieiras, em 1985, pelo INCRA, com a finalidade de reforma agrária, depois de terem
ocorrido vários conflitos, com mortes bárbaras, especialmente na fazenda Sarampo, por
meio da ação de pistoleiros a serviço de grandes fazendeiros locais que se sentiam
prejudicados pelas ocupações feitas pelos parceleiros, como se autodenominavam os
ocupantes, também chamados de posseiros. Os posseiros teriam ocupado essas terras
ao ficarem sabendo que partes delas eram terras públicas e que certos fazendeiros
locais, por meio de grilagem, as incorporaram às suas terras, em alguns casos por conta
do plantio da piaçava, cuja fibra proveniente dessa árvore representava uma importante
atividade econômica local. Como consequência da ocupação, ocorreram conflitos
sangrentos com mortes tanto de posseiros, quanto de pistoleiros e mesmo de
fazendeiros. No entanto, a despeito das desapropriações das terras em 1985, o Projeto
de Assentamento Rural Puxim/Sarampo só foi criado no ano de 2001, praticamente 16
anos depois (FREITAS, 2009 apud MELIANI, 2014).
Segundo Meliani (2014, pp. 245-246),
As primeiras dez propriedades, obtidas pelo INCRA para fins de reforma
agrária no Sul da Bahia, foram desapropriadas na segunda metade dos anos
1980: primeiro em Canavieiras e Santa Luzia (1985 e 1986), em Itacaré (1986),
em Una (1986), em Wenceslau Guimarães (1987), em Belmonte (1988) e em
Uruçuca (1988).
Depois dessa primeira leva de desapropriações (1985-1988), não houve outras
até 1993, quando no município de Arataca foi desapropriada uma
propriedade para criação do assentamento Terra Vista, que esperou quase 2,5
anos para ser oficialmente criado pelo INCRA, em março de 2005. (...). Uma
segunda e mais numerosa leva de desapropriações ocorreu no Sul da Bahia,
entre 1995 e 1999, quando foram desapropriadas 40 propriedades, nos
municípios de Arataca (2), Aurelino Leal (1), Barra do Rocha (1), Buerarema
(2), Camacan (3), Canavieiras (2), Coaraci (1), Ibicaraí (1), Ilhéus (7), Itabuna
(1), Itacaré (1), Itajuípe (2), Mascote (1), Santa Luzia (2), Ubaitaba (2), Una (2),
Uruçuca (1) e Wenceslau Guimarães (8).
Entre 2000 e 2004, ocorreu uma terceira leva de desapropriações, menos
vigorosa que a anterior, quando 25 áreas foram obtidas por desapropriação

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pelo INCRA: em Ilhéus (3), Itacaré (3), Wenceslau Guimarães (3), Gandu (2),
Gongogi (2), Ibicaraí (2), Ibirapitanga (2), Itabuna (1), Santa Luzia (1), Una (1) e
Uruçuca (1).

Portanto, de forma geral, pode-se observar que o processo de criação de


projetos de assentamento rural no Sul da Bahia, grosso modo, se deu em três curtos
períodos e por distintas razões; sendo que atualmente as discussões voltadas para a
efetivação da titulação das terras aos assentados tem sido a política predominante em
relação a esses espaços, incluindo o assentamento Terra Vista (área de estudo das
análises empreendidas a seguir).

ÁREA DE ESTUDO E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

O Projeto de Assentamento (PA) Rural Terra Vista, área do presente estudo, está
localizado no município de Arataca, situado na região Sul do estado da Bahia, Brasil. O
município de Arataca possui uma extensão territorial de 435,962 km², e conta com três
assentamentos rurais de âmbito federal: PA Terra Vista, PA Rio Aliança, e PA Grupo
Santo Antônio (Figura 1). O assentamento Terra Vista originalmente possuía 756,0314
hectares e atualmente essa extensão territorial está em torno de 913 hectares de terras,
com capacidade original para assentar até 100 famílias, tendo efetivamente 56 famílias
assentadas, e se encontra na fase 6 “em consolidação”1.
Para analisar a sustentabilidade da área de estudo, essa foi observada em três
dimensões (ambiental, social e econômica), sendo aferida por meio dos capitais e
capacidades do assentamento, por meio de pesquisas bibliográficas e inserções de
campo/vivências semanais no assentamento entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018
(convivência na dinâmica do assentamento, incluindo pernoite) e informações
levantadas junto a moradores e lideranças locais. Essa análise está estruturada em
quatro etapas, quais sejam: histórico de formação e desenvolvimento do assentamento;
leitura do mosaico da paisagem; a organização do espaço; e a sustentabilidade 3D por

1
Conforme as 7 fases de implementação de assentamentos de reforma agrária no Brasil, quais sejam: 1.
Pré-projeto de assentamento; 2. Assentamento em criação; 3. Assentamento criado; 4. Assentamento em
instalação; 5. Assentamento em estruturação; 6. Assentamento em consolidação; 7. Assentamento
consolidado (SANTANA, 2020).

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meio dos capitais e capacidades, a partir do modelo de sustentabilidade de Mauerhofer
(2008), adaptado por Araújo, Brito e Profice (2018).

Figura 1 - Mapa de localização da área de estudo e outros assentamentos no município


de Arataca, Bahia.

Elaboração própria.

O histórico de formação e desenvolvimento do assentamento Terra Vista foi


levantado por meio de informações obtidas com moradores, por meio de instrumento
de coleta de dados, bem como junto a lideranças do lugar, além de documentos.
Para a leitura do mosaico da paisagem do município de Arataca, foram
construídos dois mapas de cobertura e uso do solo (relativos ao ano 2000 e 2018) no
software ArcGis 10.1, por meio de bases raster e classes do MapBiomas. Já para a leitura
da paisagem do território do assentamento, utilizou-se o mapa de uso do solo produzido
pelo Instituto Cabruca para o ano de 2009. A organização do espaço no assentamento
foi levantada por meio das observações in loco, registros fotográficos e em caderno de
anotações de diferentes situações observadas, bem como por meio de informações
levantadas no instrumento de coleta de dados, junto a moradores e lideranças, no
período já citado.

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Por fim, a sustentabilidade nas três dimensões (ambiental, social e econômica)
foi aferida por meio dos capitais e capacidades do assentamento, os quais foram
levandos por meio do acompanhamento da dinâmica do assentamento no período das
inserções de campo, e por meio das informações levantadas junto a moradores e
lideranças do lugar; com análise reforçada pela literatura adotada como base para este
estudo.
As análises foram empreendidas para cada ponto com base nas informações
levantadas, documentos cartográficos confeccionados ou levantados, registros
fotográficos e de situações, tendo como base o modelo teórico de análise proposto.

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NO ASSENTAMENTO TERRA VISTA

Formação e desenvolvimento do assentamento

No transcurso do período de vigência do sistema de governo do regime militar,


no Brasil, os trabalhadores rurais ao buscarem reforma agrária justa que os atendesse
em suas necessidades, sofreram várias repressões em diferentes contextos no território
nacional. Diante dessa realidade, sentiram a necessidade de se organizarem para assim
conseguirem um enfrentamento mais eficaz. Além disso, ocuparam terras em diferentes
regiões, entre 1979 e 1985. Obtiveram apoio de alguns importantes seguimentos da
sociedade, como a Pastoral da Terra, e criaram o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra – MST (FERNANDES, 2008; BRUNO et al., 2016).
O MST, no estado da Bahia, teve seu início no extremo sul do estado, entre fins
da década de 1970 e início da década de 1980, enfrentando oposição (inclusive de
setores da mídia) e várias lutas, se organizaram estruturalmente e deram origem a
alguns assentamentos2 (LIMA, 2010; SANTANA, 2020).
Sentindo a necessidade de expansão para outras regiões do estado, o
movimento inicialmente se expandiu para o Baixo Sul, ocupando terras que hoje é o
Assentamento Mariana, no município de Camamu. Posteriormente, o movimento

2
Uma das principais lideranças do assentamento Terra Vista fez parte desse movimento de formação e
estabelecimento do MST no Extremo Sul do estado, e de sua posterior expansão, em especial para o Sul
Baiano.

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enviou militantes do seu setor de frente de massa para identificar áreas no sul do
estado, e, ao mesmo tempo, iniciar um trabalho de base, visitando famílias nas cidades,
as quais, de alguma forma, tinham ligação com a terra, conscientizando-as e
convocando-as a retornarem.
No extremo sul do estado normalmente o MST ocupava áreas mais
interiorizadas, o que acabava por dar menos visibilidade aos objetivos do movimento
perante a sociedade e não facilitava o deslocamento das pessoas e o escoamento de
seus produtos. Por esses fatores, decidiram que no sul do estado dariam preferência a
ocuparem terras que fossem próximas de rodovias e das cidades, ou seja, áreas que
fossem estratégicas. Foi assim que no dia 08 de março de 1992, em homenagem ao Dia
Internacional da Mulher, ocuparam a Fazenda Bela Vista (da qual viria surgir o
Assentamento Terra Vista), situada no município de Arataca, à beira da BR 101, a qual
pertencia por herança a duas irmãs e estava praticamente abandonada e falida por
conta de grave crise que acometia a principal atividade econômica da região (a
cacauicultura). Portanto, o surgimento do Projeto de Assentamento Rural Terra Vista se
deu intrinsecamente ligado à continuidade do processo de expansão do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra do extremo sul para o sul do estado.
Quando da ocupação da Fazenda Bela Vista pelo MST, e por aqueles que se
uniram ao movimento (homens, mulheres e crianças), as condições enfrentadas pelos
ocupantes eram extremamente precárias. Passaram problemas financeiros e
necessidades alimentícias; dificuldades na questão da saúde e na educação das crianças;
não tinham lugar certo para ficar, chegando mesmo a dormir junto com os animais em
condições insalubres. Um número de menos de dez pessoas organizava os ocupantes,
realizava algumas reuniões e trazia pessoas para a ocupação. Desses organizadores, um
teve sua vida ceifada por um companheiro de luta em razão de desavença.
No transcorrer dos anos de acampamento, devido ao fato de os ocupantes da
fazenda não serem bem vistos por boa parte das pessoas da cidade e por agentes
políticos locais, as crianças do acampamento tiveram dificuldades de acesso à educação
em escolas municipais; os acampados, então, ao compreenderem o papel primordial da
educação como uma ferramenta para a mudança de condição social destinaram o

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melhor barracão de lona que tinham disponível para funcionar como escola improvisada
para as suas crianças estudarem. Ao mesmo tempo, projetaram que quando
alcançassem a conquista da terra não mediriam esforços para conseguirem a
implantação de escola de qualidade com diferentes níveis de ensino para que seus filhos
pudessem galgar elevados níveis de instrução, propiciando-lhes as condições de
transformarem as suas realidades.
O movimento de ocupação e acampamento na fazenda Bela Vista sofreu cinco
despejos, tiveram alguns enfrentamentos com a polícia, embora não de forma violenta,
devido, especialmente, à sua forma de organização em camadas: primeira camada
composta de crianças; segunda camada composta de mulheres; terceira camada
composta pelos homens – o que sensibilizava os policiais, por terem de enfrentar
primeiramente as barreiras feitas pelas crianças e as mulheres.
As mulheres ocuparam um papel importante no processo, sendo incumbidas da
organização do espaço, das rondas matutinas ao redor do acampamento, do apoio aos
maridos e companheiros, assumindo a linha de frente nos enfrentamentos e nos
despejos. Em todos esses despejos os ocupantes saíram, mas depois retornaram.
Nesse período, devido às dificuldades enfrentadas, muitas famílias abandonaram
o movimento. Alguns segmentos da sociedade posteriormente se tornaram parceiros do
movimento, dando certo suporte, a exemplo da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
sindicatos e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI); além de contarem com a
participação do MLT – Movimento de Luta pela Terra. O processo de acampamento
durou de 1992 a 1994. Sendo que a obtenção das terras para a criação do assentamento
ocorrera a 29 de outubro de 1993.
Após várias viagens a Salvador e Brasília ocorre a emissão de posse da terra. Em
27 de março de 1995 é, portanto, criado o projeto de assentamento rural que recebeu o
nome de Terra Vista (nome dado pelos acampados por entenderem que depois de
muita luta tinham finalmente conquistado a terra). Das centenas de famílias que
participaram do processo de ocupação, restaram cerca de vinte e nove quando da
emissão de posse.

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A partir do ano de 1995, os moradores do então criado assentamento Terra Vista
começaram a organização do espaço, planejamento de questões estratégicas, bem
como a luta pela efetivação de pontos de vital importância para o desenvolvimento do
assentamento, tal como o sistema produtivo, que tinha no cacau a sua base original (em
determinado momento chegaram também a investir na produção de abacaxi com
técnicas convencionais, embora sem sucesso, devido à incidência de pragas na produção
de larga escala, e por desconhecerem técnicas adequadas para lidarem com a situação);
também planejaram suporte as questões de saúde, e passaram a lutar pela implantação
de escola dentro do assentamento.

Figura 2 - Assentamento Rural Terra Vista, município de Arataca, Bahia

Foto: Os autores (2018).

Depois de várias reinvindicações, no ano de 1998 os assentados do PA Terra


Vista conseguiram com que fosse implantada dentro do assentamento uma escola
municipal de educação básica: o Centro Integrado Florestan Fernandes, que atualmente
atende o Ensino Infantil, o Ensino Fundamental I, Fundamental II e Educação de Jovens e
Adultos (EJA), com público estudantil tanto do assentamento quanto da cidade de
Arataca e localidades próximas (Figura 3).

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Figura 3 -. Escola Florestan Fernandes, no assentamento Terra Vista, município de
Arataca, Bahia

Foto: Os autores (2018).

No ano 2000, uma importante liderança do assentamento teve contato com um


livro da pesquisadora Ana Maria Primavesi. Por meio dessa literatura teve contato com
os princípios básicos da agroecologia, e compreendeu a importância do adequado
cuidado do solo e manejo dos cultivos, escolha de mudas resistentes bem como
adequada nutrição das plantas para obter-se produção saudável dos cultivos. A partir de
então, passou a ser um defensor e disseminador da importância da mudança das
práticas convencionais de cultivos no assentamento para práticas consideradas mais
naturais e menos degradantes. Tal proposta inicialmente teve resistência de alguns
moradores. No entanto, devido aos resultados satisfatórios que passaram a obter,
aceitaram aderir a práticas de cultivos agroecológicas.
Poucos anos depois, o assentamento Terra Vista adotou a agroecologia como o
seu modelo de desenvolvimento, promovendo um processo de transição do modelo
com práticas convencionais para o modelo sob bases agroecológicas. Para redesenhar o
seu modelo produtivo, o assentamento, no transcorrer dos anos subsequentes, celebrou
parceria com diversas instituições especializadas, ONGs, Universidades, e pesquisadores,
que passaram, em diferentes momentos, a fornecer suporte, capacitação e realizar

Revista Tocantinense de Geografia Araguaína v. 11, n. 25 set.-dez/2022 Página 69


experimentos em suas áreas. Os assentados ainda promoveram o reflorestamento de
diversas áreas do assentamento que se encontravam em elevado estágio de
degradação, incluindo Áreas de Proteção Ambiental (APA) do rio Aliança que corre
dentro do seu território, além do desenvolvimento de pluriatividades agrícolas, tais
como cacau, café, banana, açaí, abacaxi, hortaliças, etc.
Figura 4. Centro Estadual de Educação Profissional da Floresta do Cacau e do Chocolate
Milton Santos, no assentamento Terra Vista, município de Arataca, Bahia

Foto: Os autores (2018).

Visando aumentar a possibilidade de acesso a níveis mais elevados de ensino


dentro do assentamento, os assentados, em parceria com comunidades próximas,
passaram a reivindicar junto ao governo do estado a implantação de uma escola de nível
médio técnico que atendesse explicitamente à necessidade desse público em suas
especificidades. Assim, no ano de 2010, o governo do estado implanta dentro do
assentamento o Colégio Estadual Milton Santos (posteriormente passando a se chamar
Centro Estadual de Educação Profissional do Campo Milton Santos; e, atualmente,
Centro Estadual de Educação Profissional da Floresta do Cacau e do Chocolate Milton
Santos). Esse centro educacional (Figura 4) atualmente atende além do público
estudantil do assentamento, também estudantes da cidade de Arataca, de outras

Revista Tocantinense de Geografia Araguaína v. 11, n. 25 set.-dez/2022 Página 70


comunidades próximas, e de outros municípios próximos que se deslocam em
transporte desses municípios para o assentamento Terra Vista.

MOSAICO DA PAISAGEM E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

O assentamento Terra Vista se encontra inserido no mosaico da paisagem do


município de Arataca, o qual é fruto tanto da dinâmica da natureza quanto das ações
humanas sobre essa natureza alterando-a para construir o seu modo de vida.
A leitura do mapa de cobertura e uso do solo do município de Arataca, relativo
ao ano 2000, a partir de base raster e classificação do MapBiomas (Figura 5), permite-
nos observar que naquele ano havia amplo predomínio de formações florestais na
composição do mosaico da paisagem no território municipal, a presença de pequenas
manchas de pastagens, e de agricultura em associação com pastagens. As outras classes
de cobertura e uso do solo, conforme classificação do MapBiomas, são quase
imperceptíveis a sua visualização.

Figura 5 - Mapa de Cobertura e Uso do Solo do município de Arataca, Bahia, no


ano 2000

Elaboração própria, a partir de Raster do MapBiomas.

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Para o ano de 2018, o mapa de cobertura e uso do solo permite-nos observar
que naquele ano continuava havendo um amplo predomínio das formações florestais na
composição do mosaico da paisagem municipal. As áreas de pastagens, e de agricultura
em associação com pastagens, ainda se destacavam no mosaico na forma de manchas
espalhadas pelo território municipal. Ainda aparece em destaque o Parque Nacional da
Serra das Lontras, Unidade de Conservação criada no ano de 2010, abrangendo grandes
porções do território do município de Arataca e uma menor parcela no território do
município de Una (Figura 6). O assentamento Terra Vista está situado na zona de
amortecimento desse parque nacional.

Figura 6. Mapa de Cobertura e Uso do Solo do município de Arataca, Bahia, no


ano 2018

Elaboração própria, a partir de Raster do MApBiomas.

Por sua vez, o mapa de cobertura e uso do solo do assentamento Terra Vista
produzido pelo Instituto Cabruca, relativo ao ano de 2009 (Figura 7), deixa explícito que
havia um maior predomínio de áreas ocupadas com cacau; destacavam-se ainda áreas
com cobertura florestal, tanto por meio de quatro Reservas Particulares do Patrimônio

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Natural (RPPNs), quanto com Reserva Legal – algo reforçado pela importante política
adotada pelo assentamento de reflorestamento de áreas degradadas, dando-lhe uma
feição fisionômica peculiar no que se refere à ampla presença de cobertura arbórea na
atualidade, em distinção à pouca presença de cobertura florestal no início dos processos
que levaram à existência do assentamento. Ainda aparecia em destaque a presença de
área de pastagem, mas com ínfima presença de cabeças de gado. As porções de terras
ocupadas com culturas anuais ocupavam pouco espaço no território. Tinha-se ainda a
área da agrovila (área edificada), que além de conter as residências continha diferentes
infraestruturas sociais e econômico-produtivas. E, por fim, tinha-se área de capineira e a
APA do Rio Aliança.

Figura 7. Mapa de uso do solo do assentamento terra vista, em 2009

Fonte: Instituto Cabruca (2009).

No que se refere à sua estrutura organizativa, o assentamento Terra Vista, no


aspecto social, caracteriza-se por estar organizado em setores de atividades,
coordenação e assembleia, os quais procuram dar conta das diferentes nuanças e
atividades da comunidade. Tal forma de proceder não é uma especificidade desse
assentamento, é uma política comum ao MST no que se refere às suas estruturas

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organizativas para os assentamentos em setores de atividades, comissões e
coordenações3 (FERNANDES, 2008). No mencionado assentamento há a figura de um
coordenador geral e há os coordenadores de setores, perfazendo um número de dez
membros. As tomadas de decisão de gestão no assentamento normalmente se dão por
meio de reuniões de coordenação. No entanto, em alguns casos específicos, estes são
levados para a assembleia dos assentados para que juntos possam ser tomadas as
decisões pertinentes. Uma política adotada no assentamento é a busca pela equidade e
paridade de gênero nos processos decisórios e na participação nas atividades.
Os moradores desse assentamento o enxergam enquanto um território; um
espaço de politização, de lutas e de contestação social. Um lugar de engajamento social
para reivindicação junto às esferas governamentais de melhorias para o local, bem
como de contestação da lógica do capital. Mas também como um espaço guardião de
tradições culturais ancestrais, incluindo as agrícolas – haja vista a prática adotada de
aquisição, guarda e disseminação de diferentes tipos de sementes agrícolas crioulas (se
autodenominam guardiões de sementes crioulas), em parte como forma de manter a
tradicionalidade das práticas agrícolas e qualidade dos produtos, e em parte como
contestação à logica vigente na sociedade de utilização de sementes industriais e
transgênicas. Segundo Collins (2010), os diferentes tipos de comunidades humanas
[incluindo as comunidades em assentamentos rurais], não podem mais serem vistas
enquanto ambientes naturais, espaços apolíticos a que se retira para escapar das
pressões da vida moderna - as comunidades de todos os tipos agora se constituem
locais de engajamento político e contestação.
Em relação às atividades realizadas, dentre outras existem os denominados
“coletivos e os mutirões”. Por exemplo, há os mutirões voltados para a limpeza do

3
Segundo Fernandes (2008), O MST está organizado estruturalmente da seguinte forma: Instâncias de
representação (Congresso Nacional; Encontro Nacional; Coordenação Nacional; Direção Nacional;
Encontro Estadual; Coordenação Estadual; Direção Estadual; Coordenação Regional; Coordenação de
Assentamentos; Coordenação de Acampamentos; Núcleos de Base); Organizações vinculadas (Associação
Nacional de Cooperação Agrícola – Anca; Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
Ltda – Concrad; Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária – Iterra; Escola Florestan
Fernandes); Setores de atividades (Secretaria Nacional; Secretarias Estaduais; Secretarias Regionais; Setor
de Frente de Massa; Setor de Formação; Setor de Educação; Setor de Produção, Cooperação e Meio
Ambiente; Setor de Comunicação; Setor de Finanças; Setor de Projetos; Setor de Direitos Humanos;
Coletivo de Relações Internacionais; Setor de Saúde; Setor de Gênero; Coletivo de Cultura; e Coletivo de
Mística).

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espaço do assentamento (roçagem do mato, limpeza das estradas e poda de algumas
árvores). Normalmente esses mutirões de limpeza ocorrem nos dias 04 e 05 de cada
mês, e os que não participam em nenhum dos dois dias devem pagar determinado valor
financeiro – tal medida é uma forma de incentivar o maior número possível de pessoas a
participarem, no mínimo em um dos dias. Ocorrem também no assentamento mutirões
de plantios, a exemplo do mutirão para o plantio do milho; e diferentes atividades
denominadas coletivas.
Funcionam no assentamento Terra Vista duas associações, sendo uma delas a
associação da escola Florestan Fernandes, cuja finalidade principal é obter recursos para
essa escola; a outra associação, cuja abrangência vai além do assentamento, é a
associação da Teia dos Povos, cuja finalidade principal é agregar diferentes povos
(agricultores, indígenas, pescadores e marisqueiras, quilombolas, etc.) – sendo que, a
partir do ano de 2012, é realizada anualmente a Jornada de Agroecologia da Bahia, com
a participação da Teia dos Povos, cada ano com sede em uma região do estado.
Nenhuma dessas duas associações possui sede própria; ambas realizam suas reuniões
em sala de aula das escolas do assentamento.
No assentamento não é permitido o funcionamento de nenhum tipo de
instituição religiosa, quer seja com sede fixa ou por meio de pontos em residências; no
entanto, a livre adesão a qualquer expressão religiosa é permitida aos assentados. Essa
proibição de presença de instituições religiosas se dá por meio de acordo entre os
próprios moradores.
Os moradores do assentamento possuem água encanada em suas residências e
energia elétrica. Há uma pequenina casinha ao lado do terreno da escola Florestan
Fernandes disponível para deposição e coleta de lixo doméstico. No assentamento há
disponível sinal de telefonia celular. Também há sinal de internet nas duas escolas.
A segurança no local é mantida pelos próprios assentados, a partir de uma
escala, sendo que antes de 2018 havia relativa frequência de violência no assentamento,
mas que reduziu a partir daquele ano. Existem dois portões que dão acesso e saída ao
assentamento, e há segurança (vigilância) por parte dos moradores nos dois portões,
pois normalmente os casos de violência e assalto se davam por meio de indivíduos

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provenientes de fora do assentamento, principalmente em horários de chegada ou saída
dos estudantes residentes em outras localidades fora do assentamento. Não há
instituições públicas, tipo polícia, fornecendo segurança ou fazendo ronda dentro do
assentamento. Atualmente só pode entrar no local até às 22:00 horas.
Há no assentamento um posto de saúde, cujo médico que atende no local mora
no próprio assentamento - esse atendimento ocorre a cada 15 dias. Também dá
assistência no posto de saúde um enfermeiro que se desloca da cidade – cujo
atendimento ocorre duas vezes na semana; e um agente de saúde, que também se
desloca da cidade e atende uma vez no mês.
Embora haja no assentamento apenas uma escola de ensino fundamental e uma
de ensino médio técnico, no entanto, o assentamento já conseguiu, por meio de
parcerias (Secretaria Estadual de Educação da Bahia, Universidade Estadual da Bahia –
UNEB, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, IF Baiano de Uruçuca, Instituto
Cabruca), em diferentes momentos, que fossem ofertadas em seus espaços
educacionais cursos de níveis mais elevados. No colégio Milton Santos, o Pós-Médio
(Pró-Sub) em Agroecologia na modalidade da pedagogia da alternância; e no auditório
da escola Florestan Fernandes o curso técnico em Agropecuária, o Bacharelado em
Engenharia Agronômica com ênfase em Agroecologia, e a Especialização em
Agroecologia Aplicada a Agricultura Familiar – Residência Agrária, atendendo públicos
não apenas do assentamento, mas também da região Sul da Bahia, de outras regiões do
estado e mesmo de outras regiões do país. Há ainda no raio de abrangência da escola
Florestan Fernandes uma estrutura construída, denominada pelos assentados de
“Cabaça”, com espaço ocupado com computadores, e sala anexa onde funciona uma
estação de rádio comunitária do próprio assentamento.
Por sua vez, no que se refere aos aspectos econômico-produtivos, no
assentamento Terra Vista, no que se refere ao acesso à terra para produzir, a prioridade
é para quem reside no lugar (haja vista que o assentamento recebe diversas pessoas:
visitantes imediatos e outras que ficam por certo período de tempo),
independentemente de ser cadastrado, bastando que cada caso seja levado para a
reunião da coordenação. Ninguém detém a propriedade da terra; tem-se apenas o

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direito de uso, ou seja, de utilização para se trabalhar conforme a capacidade de cada
família – embora já existam conversas sobre a possível divisão dos lotes.
As principais culturas agrícolas que são desenvolvidas no assentamento são o
cacau, o cupuaçu, jaca, manga, açaí, banana, milho, feijão, hortaliças (Figura 8), etc4. As
finalidades principais dessa produção são o autoconsumo familiar e a comercialização.
No entanto, no que se refere ao escoamento da produção para a comercialização, os
assentados dependem do pagamento de frete a veículo pequeno do assentamento ou
de fora para deslocar os produtos. O assentamento, por um lado, está na beira da pista
que vai para cidade de Arataca, cujo deslocamento leva cerca de cinco minutos de carro;
por outro lado, está à beira da rodovia BR 101, que dá acesso a importantes cidades da
região, como Camacan e o polo regional Itabuna.

Figura 8 - Área de produção de hortaliças de um morador, tendo no alto da imagem


vista panorâmica da fábrica-escola de chocolate do assentamento Terra Vista,
em 2018

Foto: Os autores.

4
Enquanto no município de Arataca, segundo o censo agropecuário do IBGE (2017), os principais produtos
da lavoura permanente produzidos em 2017 foram o cacau (amêndoa), açaí, banana, borracha (látex
coagulado), café, coco-da-baía, cupuaçu, guaraná, maracujá, palmito, pimenta-do-reino, pupunha; já os
principais produtos da lavoura temporária foram a abóbora, morango, jerimum, cana-de-açúcar, feijão,
mandioca (aipim, macaxeira), milho forrageiro.

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Há ainda no assentamento uma cooperativa, a do cacau fino (cacau de qualidade
especial pela forma do trato em suas etapas), cuja principal finalidade é arrecadar
fundos - embora existem poucas pessoas associadas, quase não funciona; há um viveiro
de mudas de diferentes espécies nativas, frutíferas e exóticas, com capacidade para 160
mil mudas, o qual é considerado por alguns moradores como o “coração” do
assentamento (Figura 9); existem alguns tanques, inativos, para criação de peixes
(piscicultura); uma fábrica-escola de chocolate, cuja finalidade é, além de ser uma
ferramenta educativa, produzir chocolate a partir do cacau fino para vender em alguns
eventos e, em outros eventos, doar para participantes e palestrantes, como forma de
divulgação. Existem no assentamento três despolpadoras: uma na fábrica de chocolate,
e as outras pertencentes a dois moradores, mas que não possuem selo de qualidade.
Ainda é produzido por um morador local um doce a base de cacau, tipo cocada,
denominado cacauada.

Figura 9 - Viveiro de mudas do assentamento Terra Vista, em 2018

Foto: Os autores.

O único estabelecimento comercial no assentamento é um bar, o qual funciona


na casa de um morador. Anteriormente, tinham dois bares, mas foram fechados porque

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abriam durante a semana e muitos estudantes frequentavam para beber, ao invés de
irem estudar, o que comprometia o rendimento escolar. Contudo, foi aí que um desses
proprietários acabou abrindo o bar em área da sua residência, embora se passando por
galpão, e não houve mais contestação.

SUSTENTABILIDADE 3D

Segundo Araújo, Brito e Profice (2018), o autor Mauerhofer (2008) procura


compreender a sustentabilidade 3D enquanto um processo que ocorre de forma
complexa e que possui conflitos de interesses variados. Portanto, as três dimensões
essenciais da sustentabilidade não podem ser enxergadas de maneira equitativa, e as
decisões a serem tomadas sobre os ambientes devem se pautar em evidências – e
estabelece incisiva crítica ao fato de que os outros modelos de sustentabilidade pouco
levam em consideração o fato de que os recursos ambientais possuem limites. Araújo,
Brito e Profice (2018) pontuam ainda que no modelo de sustentabilidade 3D de
Mauerhofer

o capital econômico está aninhado no capital social, e ambos estão inseridos


no capital ambiental, representados nos anéis concêntricos. As colunas
contidas no cone representam as capacidades ambientais, sociais e
econômicas. O triângulo que se apoia sobre elas é justamente a
sustentabilidade, cujo equilíbrio depende de seus níveis e de suas interações.
A coluna da capacidade ambiental, que se ergue a partir do círculo do capital
ambiental (ou natural), é a primeira a encontrar as linhas diagonais do cone,
que representam os limites do sistema ambiental. Ou seja, mesmo com um
aumento equivalente e equilibrado das três colunas de capacidades, aquela
ambiental irá atingir o limite do sistema antes das outras. Nessa abordagem, o
capital econômico é construído pelos seres humanos a partir do capital
natural, que, por sua vez, apresenta limitações físicas durante um período
consistente de utilização (MAUERHOFER, 2008 apud ARAÚJO, BRITO e
PROFICE, 2018, p. 5).

Para Mauerhofer (2008), para se alcançar um nível satisfatório de


sustentabilidade é necessário se alcançar um equilíbrio entre as três dimensões: social,
econômica e ambiental. Sendo que as três dimensões da sustentabilidade são
determinadas por suas respectivas capacidades, e estas, por sua vez, limitadas por seus
respectivos capitais (BRUNO et al., 2016), e certos tipos de capacidades podem interferir
ou exercerem influências uma na outra na relação entre diferentes capitais, e também

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sofrem transformações conforme o transcorrer da variável tempo. Assim, o capital
econômico está incorporado ao capital social, e ambos são incorporados ao capital
natural (natureza), e dentro dessa realidade o capital natural é o limite da
sustentabilidade (MAUERHOFER, Ib.).
Nessa perspectiva, a dimensão que representa a natureza e seus recursos
limitaria as demais, pois a natureza por si só conseguiria sobreviver sem a sociedade
humana e os seus modelos de economia; mas o contrário não ocorreria (MAUERHOFER,
2008).
A sociedade humana depende diretamente dos recursos naturais para atender
suas necessidades reais e imaginárias; e sem a natureza e seus recursos a humanidade
não teria as condições mínimas se quer à sua existência; sendo os limites do capital
natural diretamente testado pelas ações degradadoras dos seres humanos, os quais
podem levar à sua exaustão (à exceção da energia solar), implicando sérios problemas
de limitações ao capital social. Além disso, a dimensão social tem papel importante na
determinação da forma do uso e distribuição dos recursos naturais e seus serviços
(MAUERHOFER, 2008; BRUNO et al., 2016).
Já a dimensão econômica depende diretamente da sociedade e da natureza para
existir, pois a história humana demonstrou ser possível a existência de sociedades sem
economias, mas não de economias sem sociedades, e todas as economias se pautam na
utilização primária ou secundária dos recursos naturais para sua existência e
perpetuidade (MAUERHOFER, 2008; BRUNO et al., 2016). Na conjuntura mundial atual,
o modelo econômico vigente alcançou o status de ser “a regra do jogo”, determinado
pela própria sociedade (dimensão social), em decorrência do padrão de produção e de
consumo por esta estabelecida; ou seja, a sociedade humana estabeleceu uma realidade
econômica que alcançou tal nível, que passou a determinar a realidade social e o padrão
de uso e disposição dos recursos naturais e seus serviços, mesmo os limites do capital
natural sendo fator preponderante à limitação e à própria perpetuação do capital
social/humano e do capital econômico (BRUNO et al., 2016).
Segundo Mauerhofer (2008), o capital ambiental corresponde a fontes (luz solar,
energia residual, etc.), sumidouros, serviços e espaço do meio ambiente; o capital social

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abarcaria tanto o social quanto o humano (embora não especifique claramente ao que
corresponderia ambos); e o capital econômico corresponderia aos meios de produção
produzidos, como máquinas, equipamentos e estruturas, mas também não produzidos,
infraestrutura relacionada, ativos não tangíveis e os recursos financeiros ativos que
fornecem comando sobre a saída atual e futuros fluxos. Já a capacidade ambiental,
segundo o autor, consiste na capacidade que a natureza possui de fornecer fontes,
serviços e espaço; a capacidade social corresponde a instituições (sistema políticos e
organizacionais, etc.), estruturas não mercadológica e serviços de transporte,
distribuição de direitos de propriedade, cultura (tradições, valores éticos, etc.), tamanho
da população, estilo de vida, saúde, educação, idade, tolerância e participação, etc.; e a
capacidade econômica, consiste nos lucros, produtividades, taxa de emprego, impacto
do portfólio e o potencial de desempenho, etc.
A análise específica da sustentabilidade ambiental do assentamento rural Terra
Vista, por meio dos seus capitais e capacidades, nas três dimensões consideradas
(ambiental, social e econômica), deixou evidente que esse assentamento mostrou-se
estar em uma condição mais bem organizada, e, por conseguinte, alcançou maior
valorização se comparado à realidade de outros assentamentos da região (Quadro 1).

Quadro 1 - Análise da Sustentabilidade Ambiental do assentamento Terra Vista, em


2018, por meio dos critérios de Sustentabilidade 3D de Mauerhofer (2008).
Critérios de Realidade do Assentamento
Sustentabilidade
 Matas reflorestadas e conservadas.
 Diversidade de plantas PANC’s, árvores frutíferas, Sistema Agroflorestal.
 Cursos d’água: rio Aliança conservado.
Ambiental  Abundância de terras.
 Matas ciliares regeneradas e conservadas.
 Boa incidência de chuvas.
 Agricultores do lugar (relações de amizade).
 Demais moradores do lugar.
 Construção de um território de lutas e contestação social.
Social  Laços comunitários.
 Cooperativa e associações.
 Escolas.

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 Atividades agrícolas (frutíferas e hortaliças).
Capital  Economia do cacau.
 Emprego de mão-de-obra familiar nas atividades agrícolas.
 Oscilações nos lucros obtidos com as atividades agrícolas.
 Fábrica-escola de chocolate.
Econômico  Barcaças.
 Máquina de produção de chocolate.
 Despolpadoras.
 Disponibilidade de outras infraestruturas de produção, como tanques de
piscicultura, viveiro, galinheiro e minhocário.
 Madeira.
Ambiental  Capacidade/limites da terra em produzir.
 Baixa adesão dos moradores a algumas atividades coletivas.
Social  Certas desconfianças em relação a algumas lideranças.
 Dependência de contratação de veículos de terceiros (de dentro ou de
fora do assentamento) para escoamento da produção.
Capacidade
 Inexistência de mercado consumidor fixo para os produtos.
Econômico  Dependência das oscilações de preços dos produtos.
 Ausência de alternativas de ocupação do trabalho não agrícola no
assentamento, à exceção das escolas.
 Inexistência de estabelecimentos comerciais de alimentos e produtos
domésticos no assentamento.
 Ampliar ações de conservação dos recursos.
 Adotar estratégias de maior integração comunitária.
 Adotar estratégias de valoração e capitação de recursos financeiros a
Análise da Sustentabilidade partir dos serviços ambientais gerados no assentamento.
 Necessidade de geração de novas oportunidades de ocupação laboral no
local, sobretudo para os mais jovens.
Elaboração própria, a partir de dados da pesquisa.

A realidade dinâmica do mencionado assentamento resultou em sua projeção e


reconhecimento nacional e internacional. Tal alcance propiciou visitas ao assentamento,
no transcurso de sua existência, de diferentes públicos do próprio estado da Bahia, de
outras regiões do país e mesmo de outros países (pessoas comuns, pesquisadores e
mesmo autoridades governamentais); além disso, a produção interna de chocolate com
selo de qualidade para a marca Terra Vista propiciou com que esse produto, bem como
representantes do assentamento, participasse de diferentes eventos voltados para
exposições de marcas de chocolate de qualidade no sul e sudeste do Brasil, e na sala de
chocolate de Paris (França).
No entanto, conquanto esse assentamento possua importantes capitais e
potencialidades, ainda apresenta limitações significantes, os quais são fatores inibidores

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ao alcance de um maior desenvolvimento por parte desse espaço, com importantes
nuanças que precisam ser trabalhadas para que possa oportunizar melhor capacidade
de sustentação aos moradores, bem como lhe proporcione maior destaque interno e
externo.
Há a necessidade no assentamento de se ampliar as ações de conservação dos
seus recursos naturais, adotando estratégias de valoração e capitação de recursos
financeiros, e outros, a partir dos serviços ambientais gerados no local. Necessário se faz
também a adoção de estratégias específicas que levem a uma maior integração
comunitária por parte dos moradores do lugar; bem como há a necessidade de se
buscar a inserção de novas atividades no assentamento, que não apenas as agrícolas,
que possibilitem a geração de novas oportunidades de ocupação laboral no local e renda
sustentada, em especial aos mais jovens, que normalmente almejam algo mais do que
apenas o trabalho agrícola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da sustentabilidade ambiental do assentamento rural Terra Vista, por


meio do seu histórico de formação, leitura do mosaico da paisagem, por meio de
aspectos da organização do espaço, e capitais e capacidades nas dimensões ambiental,
social e econômica, deixou evidente o papel singular desse PA no contexto regional.
O histórico de formação do assentamento deixou evidente que alguns fatores
foram fundamentais para o assentamento alcançar a condição atual: a adoção da
agroecologia como modelo para o redesenho de seu agroecossistema; a política de
reflorestamento, adoção de pluriatividades agrícolas (mas tendo no cacau orgânico por
meio de clones mais resistentes a pragas o carro chefe) e revitalização das áreas de APP
do rio Aliança; a busca incessante pela inserção e disponibilidade de níveis de ensino
cada vez mais elevado no assentamento; o estabelecimento de convênios e parcerias
com instituições públicas e privadas, tanto voltadas para o ensino, quanto para a
realização de experimentos e capacitação em suas áreas produtivas; o modelo
organizativo social; a parceria com diferentes povos obtendo e compartilhando saberes;

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a inserção de algumas infraestruturas social e de produção; bem como o engajamento
político de certas lideranças do assentamento, abrindo espaço junto a instâncias
governamentais para obtenção de certos benefícios e estruturas.
No entanto, a despeito disso, o assentamento ainda apresenta importantes
fragilidades, dentre as quais está a dependência que os moradores agricultores locais
tem da volatilidade dos preços para os seus produtos; a ausência de um veículo que
atenda gratuitamente os moradores no transporte dos seus produtos para
comercialização em outras localidades, e que seja de significativo porte; a ausência de
estabelecimentos comerciais no lugar, que supram os moradores com produtos
alimentícios não produzidos no assentamento e com outras mercadorias domésticas; a
ausência de outras possibilidades de ocupação laboral no assentamento além das
atividades agrícolas e das escolas (que pouca oportunidade de trabalho dá aos
moradores locais, devido à necessidade de níveis de instrução e forma de seleção), em
especial para os jovens, que valorize as técnicas e aspectos culturais do lugar; a
necessidade de adoção de meios que possibilitem às famílias obterem níveis de renda
que sejam sustentáveis; a necessidade de adoção de estratégias que levem as famílias a
maior engajamento coletivo na dinâmica do assentamento e em seus projetos; a adoção
de ações de conservação dos seus recursos naturais e capitação de recursos financeiros
a partir dos serviços ambientais gerados no local; dentre outras nuanças, cuja presente
pesquisa não deu conta de abarcar, mas que são de fundamental importância para a
sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento social desse espaço com equidade.
Portanto, deixa-se aqui expressa, como sugestão, a necessidade de outros
estudos que evidenciem ou aprofundem certas nuanças do assentamento, por meio do
levantamento de indicadores de sustentabilidade, para que um retrato mais abrangente
do lugar seja revelado.

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Paulo César Bahia de Aguiar - Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Mestre em


Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Especialista em Agroecologia Aplicada a Agricultura Familiar
– Residência Agrária, e Graduado em Geografia, pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em
Ilhéus, Bahia, Brasil.

Mônica de Moura Pires - Pós-Doutora em Economia Urbana e Regional pela Universidade de Oviedo,
Espanha. Doutora e Mestra em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Minas Gerais.
Graduada em Administração pela Universidade do Estado da Bahia (UESB). Professora Plena do
Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).

Recebido para publicação em 29 de agosto de 2022.


Aceito para publicação em 05 de novembro de 2022.
Publicado em 15 de novembro de 2022.

Revista Tocantinense de Geografia Araguaína v. 11, n. 25 set.-dez/2022 Página 86

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