Literatura Sem Segredos - Geração de 1945 Modernismo 11

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abe era) KE Clenir Bellezi de Oliveira 25/09/2015 escala educacional Responsabilidade Editorial Vicente Paz Fernandez Geréncia Editorial Duda Albuquerque Geréncia Comercial Fabyana Desidério Ricardo Abilio da Silva Coordenacao Editori ‘Angelo Stefanouits Assisténcia Editorial ‘Ana Mortara Reviso Beto Cell Marcio Della Rosa Vera Lucia da Costa Coordenacéo de Arte Thais Ometto Capa, projeto grafico e editoracéo eletrénica Utha Cintra Comunieagéo Visual ce Arquitetura Iconografia Maria Alice Braganca Impressao e acabamento Oceano ind. Grafica (11) 4446-6544 So Paulo - 1* edicdo - 2007 Escala Educacional Av. Prof Ida Kolb, 551 3° andar - Casa Verde - Sao Paulo CEP 02518-000 Fone: (11) 3855-2178 Fax. (11) 3855-2189 ‘wviwwescalaeducacional.com.br ISBN 978-85-7666-848-0 it hls Wir Lv Agha Aldo Bonadei (1906-1974) pintava sob a ago da mtisica. No inicio da década de 40 surgi © interesse pelo cubismo sintético € a abstracao francesa. Pioneiro na arte abstrata reforgou suas intengoes na I Bienal Internacional de Sao Paulo, realizada em 1951. Sua obra se situa entre 0 fi- gurativismo e 0 abstracionismo, tendo sempre presente uma visao interior pessoal, cuja impor tancia o artista enfatiza, ao afirmar "o pior ini- migo do pintor é 0 olho’.. Essa visto subjetiva € disciplinada por discurso de forma-cores bem estruturadas; composigées claras ¢ sébrias evo- cadas de Cézanne e Braque. \ obra Paisagem Suburbana 6 um exemplo claro da influéncia cubista em suas pinturas e 0 estilo sébrio de Cézanne e Braque. Paisagem Suburbana. Aldo Bonadei, 1947. Gleo sobre tela. UM NOVO CICLO LITERARIO Dois teéricos se aperceberam que um novo ciclo literdrio estava em cur- so: 0 jornalista Sérgio Milliet e, depois, Tristo de Atayde. O primelro, em 1947, publicou um artigo denunciando uma nova corrente de poetas que tentava uma volta ‘ao equilibrio das construgdes que resistem ao tempo", salientando, todavia, que nao se tratava de um retorno ao Parnasianismo. No mesmo ano, volta ao assunto em outra matéria, Um outro artigo, assinado pelo critico Tristéo de Atayde, afirmava que o Modernismo estava “morto’, e detectava um movimento de oposigao ao seu “desregramento” estético, chamando 0 fend- meno de “Neomodernismo’ Péricles Eugenio da Silva escreveu um ensaio para a Revista Brasileira de Poesia em que reconhecia um movimento no sentido aludido por Milliet € ‘Atayde, mas defendia a idéia de que nao havia oposigao entre Modernismo e Neomodernismo, especialmente porque o prosaico continuava sendo elev. do por ‘meio do sentimento e da expressao”. Passados mais de 50 anos, pela terceira vez no século XX, as letras bra- sileiras apresentaram novo ciclo de renovacao, tanto na prosa quanto na poe- sia. O elemento norteador dessa fase foram sobretudo as inovadoras pesquisas formais, expressas no estilo personalissimo de cada autor. > 387 ea me mead BRASIL E 0 POS-GUERRA Com o final da Segunda Guerra Mundial, a situagao de Gettlio Vargas no poder nao era das methores: a abertura politica que se seguitt propiciou a con- vocagao de cleigdes diretas. Vargas se opds a iniciativa, empregando um dis- curso de esquerda nacionalista, e acabou deposto pelas préprias forgas con- servadoras que o elegeram. Eurico Gaspar Dutra, seu ex-ministro de guerra, venceu a eleigao, e promulgou uma nova constituigao em 1946, Por essa época tinha inicio a Guerra Fria entre o bloco capitalis Go pelos Estados:Unidos, ¢ o bloco comunista, liderado pela Unido Soviética. 0 Partido Comunista Brasileiro foi cassado, com base num artigo da constitui- Gao que proibia a existéncia de partidos contrérios aos direitos de liberdade do homem e contra o pluripartidarismo, necessirio & democracia. Nese momen- to, o PCB tinha 200 mil militantes e era o quarto partido do pais; além de ser majoritério na Camara dos Vereadores do Distrito Federal. A politica liberal de Dutra viu esgotadas as divisas acumuladas durante a Segunda Guerra com a exportagéio de nossos produto o se agravou com o impeto de importagao que teve inicio. A Inflagao era altissima, e os sa lérios nao a acompanhavam. Gettlio Vargas, apoiado por Ademar de Barros, governador de Sao Paulo, conseguiu voltar ao poder, tomando posse da presicéncia em 1951. A situagao econémica do pais era grave: a inflacao subia, e sua contencio dependia de medidas impopulares; apesar da queda do preco do café no mercado inter- nacional, medidas artificiais eram tomadas para a manutencao de preco no mercado interno; o Exéreito estava dividide entre uma faceao antiamericana, que apoiava a politica de industrializacao do presidente, e a chamada pejorati- vamente de “entreguista’, prd-americana, que era contra a intervencao do Es- tado na economia. O descontentamento cresce até que assinam um documento declarando vago o cargo de presidente. Pressionado, Getilio Vargas suicida-se. Acenando com uma reforma agréria trabalhista, Joao Goulart preocupou a elite militar brasileira, Poucos dias apds um. discurso para trabalhadores na estaggo Central do Brasil, 20 Riv de Janeiro, adirelta conservadara apoiou o golpe militar e teve inicio a ditadura no Brasil eae dissin de ango na Cental do Bras, Ro de Janeiro em margo de 1964, Aiscrsancaa comemoram nara dos. Batignolles a libertagao de Paris outubro de 1984 Os franceses exoulsaram os na- Zistas de seu tener com 3 ajuda das tropas nort=-amer- canas, No ano sequinte, 08 50 visticos invadiram 0 teritorio alemo marcando o fim do do- mio de Adolf Hitler no pals Estados Unidos © Unido Sovie- tice inidaram, entéo, uma dis puta pela hegemonia manic, Givigindo 0 globo entre dois locos: socalisie e epitalsta, g ie é i Depois do governo transitério de Café Filho, Juscelino Kubitschek se elege em 1955, tendo Jodo Goulart como vice. Na eleicao seguinte, Janio Quadros sai vi- torioso e tenta implementar uma politica solitéria; nao pdde, porém, conter a grave crise que se arrastava ha décadas no pafs. A conseqiiéncia disso foi sua rentincia, segundo ele movida por “terriveis forcas ocultas’ Joao Goulart, também seu vice, assume em agosto de 1962. 0 Plano Trie: nal proposto por Jango para solucionar os problemas de curto € médio prazo, fracassou. A mobilizacao da esquerda aumentou, especialmente no camp proletariado nao agiientava mais o arrocho salarial promovido pela inflacao. Em outubro de 1963, houve a greve operria dos 700 mil; a ala das senhoras catolicas, ligadas a Igreja conservadora, fomentou a Marcha da Familia com Deus pela Liberdade Leonel Brizola ¢ Joao Goulart discursaram em margo de 1964 para 150 mil pessoas; na ocasido, Goulart acenou com as reformas agréria e urbana, com 0 direito de voto para o analfabeto e com mudancas na politica fiscal. A direita conservadora reagiu e, na madrugada de 31 de marco de 1964, dew-se o golpe militar tramado ja havia alguns meses por setores do Exército. Tinha inicio a ditadura que assolou o Brasil por mais de 20 anos. O Neomodernismo - a Geracgao de 45 A chamada Geracdo de 45 trouxe tanto retrocessos formais na poesia quanto inovacoes. Na prosa deu continuidade a tendéncias de 30, mas tam- bém chegou com propostas revoluciondrias, especialmente com Guimaraes Rosa e Clarice Lispector. Tanto em prosa quanto em verso, novas pesquisas for- mais foram empreendidas. Pee eC ih On Once iy Continuagao do Neo-Realismo, quer na vertente urbana quer na regionalista. Entretanto, esta tilti- ma se expandiu: 0 Regionalismo, antes resitito mais ao Nordeste, percorre outras regides do Brasil. A prosa intimista, de investigagaio psicolégica, intensitica-se, ga- nhando sta maior expresso na obra de Clarice Lispector. Surgimento do Realismo fantasti- co, ou Realismo magico, ou ainda Hiper-Realismo, que incorpora & realidade ficcional elementos do sonho, da fantasia, da loucura, da lenda e do mito. Accronica e 0 conto passam a ser Jorge Luis Honges (1499-1986), valorizados pela critica, e grandes nomes comegam a cultiva-lo com mais intensidade. Um dos precursores do Realismo fan- ‘dstico, em suas obras Borges incorpo- ra metafisica, teologia e mitologia & fantasia, > 389 Cs ota) JOAO GUIMARAES ROSA (1908-1967) Osenhor... Mire veja: 0 mais importante e bonito, do mundo, é iguais, ainda nao foram terminadas ~ mas que elas vado sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Eo que a vida me ensinou. Isso que sto: que as pessoas nao estdo sempre ‘me alegra, montio. odo Guimaraes Rosa) 020 Guimaraes Rosa é natural de Cordisburgo, Minas Gerais, Estudou as primeiras letras com o mestre Candinho, e francés, com 0 religioso Frei Es- teves. Era um aluno tao brilhante que aos seis anos ja lera seu primeiro li- ‘ro nessa lingua, Mudou-se para Belo Horizonte, passando a estudar no Colé gio Amaldo. Lé, era freqiientador assiduo da biblioteca, colecionava insetos & borboletas, e estudava por conta prépria linguas e Histéria Natural. Formou-se em Medicina em 1930, clinicando durante dois anos em Itagua- ra, Minas Gerais, onde logo ganhou fama de médico excelente e consciencioso. De volta a Belo Horizonte trabalha como médico voluntétio da Forga Puiblica curante a Revolugao de 32, sendo efetivaclo por concurso dois anos depois. Como era poliglota foi incentivado por um amigo a prestar concurso no Ita. maraty para seguir carreira diplomedtica. Passou em segundo lugar e, em 1938, foi nomeado cdnstil em Hamburgo, na Alemanha. Quatro anos depois, 0 Brasil rompeu telagdes diplométicas com esse pafs, e Guimardes Rosa e outras funcio- nérios do corpo diplomdtico ficaram reféns em Baden-Baden, tendo sido liber- tados em troca de diplomatas alemaes detidos em solo brasileiro. Como diplo- mata exerceu atividades ainda na Colombia, Franca e no Rio de Janeiro. Em 1952, fez uma viagem de nove dias a cavalo pelo sertao de Minas Gerais, partici- pando de um grupo que conduzia uma boiada. Essa experiéncia marcaria de mais sua obra. A partir do ano seguinte fixou-se definitivamente no Brasil Grupo de intetectuais durante homenagem 20 escritor Joao Guimaraes Rosa (centro) em Sao Paulo: (da esquerda para direita): Ciro dos Anjos, José Geraldo Vieira, Antonio Candido, Saraiva, Maria de Lourdes, Teixeira, Hermilio Borba Filho, Fernando Soares, Sérgio Milliet, Edgar Cavalhieiro e Osmar Pimentel, Interior da casa onde morou o diplomata e escritor brasileiro Joao Guimaraes Rosa, em. Cordisburgo (MG), 1998. Epifania, em termos liters, refere-se 20 processo em que se releva ume realidade inusitaca, ‘até onto descanhecda da per- sonagem. A partir dessa reves lacdo, ela passa por profundas ‘yansformacées de ordem int: ima. Em temas religiosos, epfa- ria ¢reativo & manifestacao ou iluminagSo dvina, Capa do livro Grande Seriao: Veredas, 1956, com iustragoes de Port. Grande Serdo: Verdes & uma das obras-primas da literature brasileira. Guimaraes Rosa faz do sertdo um microcosmo do mundo, & a0 mesmo tempo ur espago delmitado ee expressa0 cdabusca de redencio pelo amor, ras erinfob igen Em 1963, foi eleito para ocupar a cadeira n® 2 da Academia Brasileira de Letras, mas, intuindo sua morte ao tomar posse, adiou-a por quatro anos. Morteu em 16 de novembro de 1967, exatamente trés dias depois de sua posse. COCs Ney + Sagarana (1946) Grande Serto: Veredas (1956 ‘= Corpo de Baile (1956 - em 1964, Unico romance) na 3e edicao, essa obra desdo- Primeiras Est6rias (1962) ‘brou-se em trés volumes: Tutaméia— Terceiras Estorias Manuelzdo Miguilim, (1967) ee ee Estas Estorias (1969) ‘Magma (1997 - poesia) Rosa e 0 regionalismo universalista ‘Ainda que Guimaraes Rosa retrate o sertao das Gerais - sul da Bahia, nor te de Minas e norte e nordeste de Goids ~e a gente que ali vive, em particular matutos, vaqueiros, criangas, velhos, feiticeiros, loucos -, sua obra ndo priori- za apenas questdes regionais, mas também universais. O sertanejo vive um impasse existencial que pode ser experenciado e/ou compreendido por qualquer um, em qualquer espaco. Essa personagem passa por uma crise existencial profunda, ou por uma sucessao delas, que a faz rever ‘ser € 0 estar no mundo e, ao mesmo tempo, confrontar-se com o universo concreto, com aquilo que Ihe é externo. Prisioneira desse processo, a personagem rosiana faz um questionamen- to profundo e constante do sentido das coisas, da validade de certos esforeos, da legitimidade das normas sociais ¢ daquilo que € correntemente aceito como verdadeiro. Mas Rosa é um otimista. Esses processos, quase invariavel- mente, conduzem as personagens a uma ascese ou a epifanias. Depois que passam por um conflito, descem aos infernos de si mesmas, para emergirem renovadas, melhores, mais fortes, mais sébias e iluminadas. O final ultimo € a alegria, termo abundantemente usado pelo autor para sim- bolizar a aceitacao da condicao de ser humano, com tudo que isso implica, €a tomada de consciéncia de si mesmo como uma parte essencial do cosmo. O sertao e a travessia grau de universalismo que Guimaries Rosa atribuiu ao sertao ¢ clara- mente explicitado pelo autor: “O sertao esta em toda parte”; “O sertao é do tamanho do mundo”. Claro esté, portanto, o caréter metonimico desse espaco: a parte (sertao) representa o todo (mundo e/ou vida) Freqiientemente, para as personagens de Rosa, ha uma situacdo da tra vessia do sertao ~ é natural, a representacdo metaférica da travessia da vida, com seus percalgos, Em A Hora ea Vez de Augusto Matraga, novela inserida em. Sagarana, hé uma passagem em que o protagonista, coronel violento e insen- sivel, sofre uma emboscada e quase morre. Durante os meses de conva- lescenga, faz uma revisao de sua vida e pede um padre para se confessar. Este o aconselha ao arrependimento e a inauguragdo de uma nova vida, num outro __ > 391 Con a caradoria de Bia Lessa, o Museu da Lingua Portuguesa, em Sa0 Paulo, imontou urna exposigao no primeizo andar do prédio em comemoracao aos 50 anos da publicacao de Grande Serté: Veredas. Aexposigao enfatizon 0 pprocesso de criagao do autore oso de novas formas de tingnagens lugar, com base no estrito respeito aos mandamentos de Cristo. Matraga mos- tra-se pessimista, e 0 padre procura animé-lo lembrando-o de um dado fundamental na condigao do ser humano: a superacao. Por pior que seja uma situago, ela é superada: quer pela sua resolucdo, quer pelo aprendizado que © tempo traz e que nos permite conviver com ela. O padre The diz: — Reze e trabathe, fazendo de conia que esta vida é um dia de capina com sol quente, que és vezes custa muito a pasar, mas sempre passa. E voce ainda pode ter muito pedaco bom de alegria... Cada um tem a sua hora ea sua vez: voce ha de ter a sua. Aalegria, em Guimaraes Rosa, é elevacdo espiritual e/ou moral a um ‘estado puro; é inquestiondvel, um passo certo rumo ao mundo das formas pperfeftas de que falava Plato. Este, lids, é uma das influencias mais percep- tiveis, entre as muitas identificdveis na obra de Guimaraes Rosa. Lembre-se Fe re eter fo ea cee ae oan oe a Filosofia, dos gregos antigos aos existencialistas; um homem cuja obra deno- ta um contato intimo com a Psicologia, notadamente com Freud; além de manifesta vasto conhecimento de religides, do Oriente ao Ocidente. Guimaraes Rosa retoma a idéia platonica presente na Alegoria da Ca- verna, que se fundamenta na idéia da existéncia de dois planos: 0 mundo sensivel e o mundo das idéias, ou das formas perfeitas. O primeiro (a “ca- % verna’) éaquele em que estamos; apesar de nos parecer real, o que vemos ee nele nao passa de projegao daquilo que é verdadeiramente real e que se PRIMEIRAS ESTORIAS passa no segundo, onde residem as formas ¢ idéias perfeitas. O antigo filé- 1 asrancrys ne atreas sofo grego cré que a alma ¢ eterna e, portanto - ainda que nao tenham vi- Ft Pad ta FT %, gorado em si os pardmetros de perfeicao, sejam eles estéticos ou moras, = raornano tem uma espécie de memoria residual daquele plano; e, inconsciente- 2 UAE aS mente, busca voltar, ascender a ele, retomando os referenciais verdadei- se —Somoco, st. HAE st ros. Essa ascese é movida, muitas vezes, pela dor, pelo conflito: algo rom- ood ah st creat. + pea superficialidade do cotidiano, conduzindo a personagem a uma crise, ea que a leva a um confronto consigo mesma e a um redimensionamento de © @6 @@- Perspectivas. O resultado desse proceso, na obra de Guimaraes Rosa, é ¥ — OS MAOS Dacome sempre positivo, E importante frisar que esse mecanismo platonico — que implica: ig- norfincia ¢ obscurantismo (mundo sensivel, estado de caverna), crise, dor eascese (mundo das idéias) ~, manifesta-se em varias filosofias e religiées. E, ainda que tenha passado para a cultura ocidental notadamente por meio de Platao, 0 mundo das idéias tem um correspondente no paraiso cristo, no nirvana budista, no plano titimo das reencarnagdes da doutri- nna espitita e outros. = AR E-Gp X= swecencta sn Gt lo sn Si Pas 392 4 ‘Maquina de eserever de ‘Guimaries Rosa na casa onde morou, ex. Cordisburgo. (MG), 1988. Sumario de Primeiras Fudrias de Guimaraes Rosa, ilustrado por Luis Jardim. mie tte 2 = XN Na BA Noss CONDRCAD Earnie | 0 ahaa guna aR A cS PIS Ce As sv eatmoga mr mse PEE EIA Ceri miese tins a Me Desse modo, as personagens rosianas tém a sua vez, 0 seu momento de ascese. A crise desencadeada por esse proceso move as personagens em dire- io. a. um objetivo, na tentativa de superd-la; mas o que finalmente se revela como essencial nao é alcancar esse objetivo, mas aquilo que se aprende du- rante a travessia: “Digo: o real nao esté na saida nem na chegada: ele se dispde para a gente é no meio da travessia’, 0 “dialeto” de Guimaraes Rosa Um dos aspectos mais notdveis da originalidade literdria de Guimaraes Rosa é a linguagem. Segundo o prdprio autor, A Hora e a Vez de Augusto Matraga, novela inserida no seu livro de estréia, Sagarana, marca a descober- ta do estilo que ele buscava. ‘Trata-se de um estilo profundamente elaborado, como nenhum outro na prosa em Lingua Portuguesa. E necessério lembrar que Rosa era poliglota ~ falava fluentemente espanol, frances, inglés, alemao e italiano; e lia em latim, grego classico e moderno, sueco, dinamarqués, servo-croata, russo, htingaro, persa, chinés, japonés, arabe e malaio, Assim, é facil imaginar o grau de elabo- ragdo lingifstica de que ele era capaz. Guimaraes Rosa criou um “dialeto” literdrio. Varios so os componentes que constituem essa linguagem original e bela. As “estérias” Segundo Guimaraes Rosa, “a ‘est6ria’ (Hébula) nao quer ser “hist6ria’, pois o importante nao é 0 que usualmente fica para os anais, mas sim seus temas que se valem de episddios para ilustrar a “travessia’, a conquista da “alegria” Rosa foi um mestre dos enredos curtos. Escreveut novelas e contos anto- l6gicos, povoados por criaturas de toda ordem: em “estado de cavena” aguar- dando sua ascese; outras portadoras de uma iluminagao especial; muitas per- didas entre os dois extremos. Freqtientemente, as personagens ilumina- das sdo as criangas, 0s loucos, 05 bébados, os apaixonados, os muito velhos. As criangas, seres puros e plenos; os loucos ¢ os bébados, com seu estado de consciéncia alterado; os velhos (alguns, com idade incalculével) que jé viram muito; e os apaixonados, tocados pelo encantamento do amor, funcionam como agentes epifanicos, co- mo portadores de iluminagdes, pois conseguem manter contato com o transcendente, com aqui- Jo que a razo e 0 materialismo nao explicam. E © caso de Nhinhinha, do conto “A Menina de La de Miguilim e de Dito, da novela “Campo Geral’, Capa de Primeiras Est6rias de Nhenha Velhinha, de “Nenhum, Nenhuma’. de Guimaries Rosa, 1962, Algumas vezes esse processo epifanico também —Tustrada por Luis Jardim, | é atrib ais, como 0 burrinho pedrés, 05 21 contos de Primeias Esté- no conto de mesmo nome. es paieln uaie tee jagungos, ciangas paranorms, santos e loucos. 3 a is 2 a 393 ALGUNS RECURSOS DO ESTILO ROSIANO + A incorporacao do falar coloquial do sertanejo ~ E esse falar que serve ‘como base de sua linguagem. Expressoes, ditos populares sao incorpo- rados em toda sta obra. "Ossenhor uturge, mestre, a gente viniemos, zo graminhd..." Utilizagao de recursos poéticos ~ Mesmo escrevendo em prosa, o autor apresenta uma linguagem profundamente poética, valendo-se de expe- dientes formais proprios da poesia, tais como: ~ aliteracdo: “Eistisse. Viesse! Chegasse para o desenlace desse passo.” gradagao: “C2 uni, oc@ fique, voce nunca volte!” reiteragdo: “..¢, eu, rio abaixo, rio afora, rio adentro~o rio” ritmos que lembram efeitos obtidos pela métrica: ".. a salvo de bicho ‘mexer ea seco de chuva e orvalho.” rimas: “.. ode sua lthinha em gloria, Santa Nhinhinha’; Meise sente.é todo lambente.” A recorréncia da silepse de numero: “A gente, vamos embora, morar em cidade grande’ ‘As rupturas sintdticas: “Dono dele nem sei quem for’: O uso de derivacao imprépria. Observe como o substantive “adeus" é empregado como advérbio: "O passuro que se separa de outro, vai voando adeus 0 tempo todo". © emprego de neologismos. Guimaraes Rosa construiu neologismos por meio de dois modos: — inven¢ao de palavras por composicao, derivacao ou por adaptagéo de vocabulos estrangeiros: brumalva (bruma + alva); desfalam; ca- pisquei fentendi, compreendi, do italiano capire).. = atribuigao de novos sentidos a palavras usuais por meio da contex- ‘twalizagao: “Nosso pai [...] decidiu um adeus para a gente’, Note como 0 verbo “decidir’, nesse contexto, ganha outra dimensao de sentido: “decidir” um adeus é mais definitive do que “dar” um adeus, ‘como é expresso corrente. A.utilizacao de diminutivos -Abundantes, na obra do autor, os diminu- tivos causamn um efeito terno, meigo, frégil, infantil e/ou carinhoso: bo- nequinho, macaquinho, barriguinha, manhazim, Brejeirinha, Cigani- nha, analfabetinha, gentezinha, Miguilim, Nhinhinha, pamonhinha, homenzinho, terreirinho ete. Oemprego de aforismos, ou seja, definicoes de coisas e de conceitos que soai como méximas, verdade: “O senior sabe 0 que 0 silencio 6? Ea gente mesmo, demais.” “Mocol: Deus é pacténcia. O contrério, é0 diabo." “Mas mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir” “Moco: toda saudade é uma espécie de velhice” “Mog *Viver é muito perigaso.” “Riobaido, a cotheita é comum, mas o capinar ésozinho, “0 segredo dele era de pedra.” “Q.amor? Passavo que poe ovos de ferro." “Qualquer amor jé é um pougueinho de satide, um descanso na loucura. “Amar é reconhecer-se incompleto.” Joo Guimaraes Rosa ‘passeia pelas veredas do Parque Nacional, ‘Minas Gerais, 1948. Desde 1989 a drea da Unidade de Conservacéo foi empliada, contemplando todas as veredas chapadées da regio em ho- menagem ao minero iste Guimaraes Rosa em 1956, ‘mesmo ano em que publicou a obra Grande Seriao: Veredas. Grande Sertao: Veredas_ Riobaldo, um velho que vive as margens do rio Sao Francisco, conta a propria historia a um interlocutor que nunca se pronuncia, ea quem ele chama ‘senhor” ou "moco”, Num fluxo de meméria continuo, e algo desordenado, o personagem-narrador retoma o fio de sua vida: gunco de um bando que percorria os sertoes das Gerais, vé-se com a in- cumbencia de assumir a lideranga dos cabras quando seu chef, Joca | Ramiro, é assassinado por Hermégenes, lider de um grupo rival. Riobaldo passa a ter como questao de honra vingar 0 falecido. Essa perseguigao ao assassino € 0 veio épico da obra, e nele o protagonista tor- na-se uma espécie de cavaleiro medieval aclimatado ao sertao. Na inten- do de alcancar seu objetivo, tenta fazer um pacto com 0 demoOnio, Rei- naldo, por alcunha Diadorim, filho de Joca Ramiro, se destaca no bando ‘quer pela sua valentia, quer pela aparéncia incomum para um jagungo: apesar da rudeza da vida sertaneja, era mogo de estrutura fisica delicada, bonito, claro, alourado, de olhos verdes, Ele desperta no narrador uma atragao e um amor incompreensivels, jf que Riobaldo nunca estivera in- clinado a nenhum homem. Nutria, inclusive, grande paixao sensual por Nhorinha e um afeto espiritual por Otacflia, com quem, ao final, acaba se casando. Mas o sentimento por Diadorim crescia dia a dia, seqtiestranco Riobaldo. Esse amor € 0 nticleo lirico do romance, Afinal dé-se o embate: 0 bando de Riobaldo embosca Hermégenes ¢, depois de luta sangrenta entre os dois bandos, Diadorim consegue maté-lo, mas também ¢ ferido de morte, Na hora de lavar os corpos dos mortos, Diadorim € despido e ocorre a revelagao: “era 0 corpo de uma mulher, moga perfeita...” Reinaldo era, na verdade, Diadorina, filha de Ramiro. Para manter a menina, 6rfa de mae, junto desi, opalatravestiu | de homem para preservé-la do assédio dos demais jagungos. | Em meio aos dois conflitos fundamentais ~ a tentativa de vingarJo- | ca Ramiro e 0 amor impossivel por Diadorim ~ hé todo um questiona- mento da vida, do divino, num clima eneantado no qual o sobrenatural faz intersecodes com o real. Uma das grandes angtistias de Riobaldo era a existencia do demonio. Como ndo tinha certeza dela, também nao sabia se o pacto que tentara fazer com ele tinha ou nao se efetivado. No final do romance, procura persuadir-se de que nao: “Nonada. 0 diabo p 395 nao hal f 0 que eu digo, se for... Existe é homem humano, Travessia.” 0 homem, 0 grande ser tio cheio de veredas. Aquele lugar. o ar Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim ~ de ‘amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim. foi de repente, que aquilo se esclarecen: falei comigo. Nao tive assomibro, ndo achei ruim, nao me re- provei—na hora. Melhor alembro, Eu estava sozinho, num repartimento dum ran- | cho, rancho veiho de tropeiro, eu estava deitado numa esteira de taquara. Ao per- t0 de mim, minhas armas. Com aquelas, reluzentes nos canos, de cuidadas tao ‘bem, eu mandava a morte em outros, com a distancia de rantas bragas. Como ‘que, dum mesmno jeto, se podia mandar o amor? O rancho era na borda-da-mata, De tarde, conto estava sendo, esfriava wn powco, por pejo de vento—o que vem da Serva do Espinhaco —um vento com todas almas. Arrepio que fuchicava as folha- gens ali, ¢ i, Id adiante longe, na baixada do rio, balancar esfiapado 0 pendlao branco das canabravas Por Id, nas beiras, caniava era 0 fodo-pobre, pardo, banhador. Me dew sat dade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-ie que verde, termo da chapada, Saudades, dessas que responcem ao wento; saudade dos Gerais. Ose nnhorvé: 0 remdo do vento nas palmas dos buritis todas, quando é ameaco de tem- pestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Ai, no intervalo, o senhor pega o si- lencio pae no colo, Fu sou donde eu nasct. Sou de outros lugares. Mas, ld na Guararavacd, ew es tava bem. O gado ainda pastava, meu vizinho, cheiro de boi sempre aiegria faz. Os quem-quem, aos casais, corriam, catavam, permeto as reses,no liso do campo cla ra, Mas, nas drvores, pica-pau bate egrita. Fescutei obaruho, vindo do dentro do ‘mato, de um macuco ~ sempre solerte. Era més de macuco ainda passear solitdrio macho e fémea desemparelhados, cada um por si. 0 macuco vinha andando, sarandando, macucando:aquito ee ciscava no chao, feito galinha de casa. Bu ri- “Vig este, Diadorimt"~ eu disse; pensei que Diadorim estivesse em voz de alcan- ce. Ble nao estava. O macuco me olhow, de cabecinha alta. Ele tinha vindo quase endireito em mim, por pouco entrou no rancho. Me olhou, rolou os olhos. Aquele pdssaro procurava 0 que? Vina me por quebrantos. Fu podia dar nele um tira Pegueis6 num pé de espora,joguei no lado donde ele. Ele deu um susto,tra- zenddo as asas para diane, felto quisesse esconder a cabeca, cambathota fosse virar Dat, camtnhou primeiroaté de costas,fugi-se, entrow outra vez no mato, vero, foi ‘agar poleiro para o bom adormecer O nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abra- ‘cei coms ele. Mel se sente é todo lambente -"Diadorim, mew amor...” Como era que ‘eu podia dizer aquilo? Explico ao senhor: como se drede fosse para eu nil ter ver- gonha maior, 0 pensamento dele que em mim escorreu figurava diferente, um Diadorim assim meio singular, por fantasma, apartado completo do viver co- ‘mum, desmisturado de todos, de todas as outras pessoas — como quando a chuva ‘entre-onde-os-campas. Um Diadarim s6 para mim, Tudo tem. seus mistérios. Bu ‘do sabia, Mas, com minha mente, eu abracava com meu corpo aquele Diadorim = que no era de verdade, Nao era? A ver que a gente ndo pode expiicar essas co’ sas. Eu devia de ter principiado a pensar nele do jeito de que decerto cobra pensa: quando mais-ollia para wm passarinho pegar. Mas de dentro de mim: uma sere- pense, Aquilo me transformava, me fazia crescer dum mado, que dota ¢ prasia ‘Aquela hora, eu pudesse morrer, nao me tmportava (ROSA, Jofio Guimaraes, Grande Sertdo: Veredas. Rio de Janeiro, Jose Olympio, 1982.) 396 4 Clarice Lispector Clarice Lispector no Recife, ‘onde passou parte de sua infancta, apds longa viagem de imigragao da Uerania Cleice comegou a escrever jo vem, 205 10 anos esceveu Pobre enna fica, peca em tes at0s, ajos origins foram percidos ‘ind a infancia tentou publi car seus contos porém, 20 tratar cle emogies e sensaces eve 1o- dos eles recusados pelo Digna de Fermamibuco, ron ioepete CLARICE LISPECTOR (1920-1977) Enfim, enfim quebrara-se realmente meu inv6lucro, e sem limite eu era. Por néio ser, era. Até o fim daquilo que eu nao era, eu era. O que nao sou eu, eu sou. Tudo estard em mim, se eu nao for, pois “eu" é apenas um dos espasmos instantaneos do mundo. (Clarice Lispector) (antiga Unio Soviética), em 1920, A famiia - 0s pais e as wés filhas ~ desembarcou em Maceié quando Clarice tinha dois meses de idade; depois se fixou no Recife, onde autora passou. infancia e parte da adolescéncia, oF larice Lispector nasceu em Tehetchelnik, uma aldeia gelada na Ucrania ‘Aos sete anos, Clarice ja escrevia pequenos contos e os enviava para 0 Diario da Tarde, na esperanca de que fossem publicados no suplemento in- fantil, 0 que nunca aconteceu. Aos nove, descobriu Monteiro Lobato, pri- meiro autor a fascind-la. Em 1935, a familia foi para o Rio de Janeiro, onde cursou Direito na Faculdade Nacional e comecou a trabalhar, primeiro com aulas particulares ¢ tradugdes, mais tarde como jornalista. Nesse periodo, também prineipia a efetivagao de sua carreira literdria. Em 1944, ja formada, casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente, pai de seus dois filhos. Como embaixatriz, viveu até 1959 fora do Brasil: morow na Itdlia, Suiga, Inglaterra e nos Estados Unidos. Sua carreira literdria, iniciada em 1943, evoluia com sucesso. Quando voltou a0 pais, seu nome estava con. sagrado e suas obras jé mereciam esttdos e teses aqui e no exterior. Separada do marido, fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro, onde cola~ borou em varios jornais e revistas. Em setembro de 1967, provocou demaneiraaci- ental um incéndio em seu apartamento, queimando gravemente a mao diet. Participou, em 1975, do Congreso Mundial de Bruxatia, em Bogoté, Colombia. Clarice morre antes de completar 57 anos, a 9 de dezembro de 1977, no Rio de Janeiro, OBRAS PRINCIPAIS + Perto do Coragao Seluagem (1944) + Uma Aprendizagem ou O Livro + O Lustre (1946) dos Prazeres (1969) + A Cidade Sitiada (1946) + Felicidade Clandestina (1971) + A Maga no Escuro (1949) + Agua Viva (1973) + Lagos de Familia (1960) Sele re ae eT = A Paixdo Segundo G. H. (1961) * Um Sopro de Vida (1978) + A Legidio Estrangeira (1964) + ABela ea Fera (1979), > 397 O olhar que transcende Clarice Lispector tinha 0 talento de deslocar o olhar do leitor para novos ngulos, nos quais os fatos ganham uma dimensao inusitada, intensa, absolu- tae tanscendente. Por meio de sua perspectiva meticulosa e hipersensivel, o infimo parece cdsmico; o siléncio, o mais agudo dos gritos. Os processos interiores e a revoluicdo que esses processos promovem nas relacées do ser consigo mesmo e com o mundo interessavam praticamente a autora, Suas personagens esto sempre As voltas com o cotidiano; de repente, algo as faz crisparem, estremecerem, desequilibrarem-se. O que move esse de- sequilibrio é a revelacao stibita de algo fundamental, que permanecia, até en- to, adormecida nelas mesmas. As personagens sao, entdo, compelidas a uma dolorosa viagem interior que fatalmente resultaré numa transformacao intima radical. A paixao é um dado fundamental nesse processo epifanico — paixao nos seus varios sentidos: de “sentimento ou emocao levados a um alto grau de in- tensidade, sobrepondo-se a lucidez e & raziio"; de sofrimento; de amor ardente. As criaturas de Lispector vivem em estado critico de sensibilidade e de urgéncia. Sentimentos de solidao, de abandono, de culpa, de jubilo e 0 auto- enfrentamento, que as pde em contato com 0 mal, com a inveja entranhada em si, so colocados sob uma lupa e ganham dimensoes astronémicas para que possam ser dissecados e analisados pela autora. © narrador de primeira pessoa desnuda-se; 0 de terceira desnuda a personagem, e o faze com a compaixao de quem domina a ciéncia da dor, de quem jé desceu ou esté des- cendo aos préprios infernos. Clarice revela o que ha de realmente vivo sab a superticie do cotidiano. SM Soass Seu olhar diabolicamente penetrante fez dela uma das maiores autoras, intimistas deste século. A compreensao de sua obra é um esforco continuo € cada vez. mais instigante para estudiosos do mundo inteiro que se debrugam sobre seu mistério. 398 4 i Glarice Lispector (album de familia). De acordlo com entevista. da autora aTY Cultus, po.cosme- ses antes de sua rome, Clarice Lispeetor informou te: publics: do seu primero corto 20s 16 ands, nu jomtai do Redt A deter da escritora en: cantou a muitos, inclusive 6 pidstor surrealistaitalia- no, Chirico, que a retratou. A pintura também fez par- te da vida de Clarice Lis- pector que entre 1975 ¢ 1976 pintou 16 quadros, entre eles Medo e Escu- ridao e Luz: Centro da Vida. 44 um dado cutioso que pat sobt sua producto: ela escre da numa cadeira da sale de visitas, com maquina ver poratilsobre 0 cola 0s filhos brincando a sua da, Diia que néo queria que mae de nha yersar sobre assuntos. e quanto escrevia. Patece que e dela tinha sido con: Literetura, © comstartement es pertut de cidnicas, entevistas € a infantil Clarice Lispector ne langa- mento do seu livto Felici dade Clandestina em 1971 elooade Crests € 0 nome > do pret corto que ave a Cietanes publica 0 ‘nko da fade 70. CL or teta das anc Bese sensgtes em 25 contes relacionados com Infancia, edo- loscancia e relacties familiares. A Hora da Estrela A Hora da Estrela, publicado em 1977, é uma obra em que Clarice flagra uma personagem tanto numerosa quanto desptezada na sociedade brasileira a imigrante nordestina em estado de miséria, ‘Macabéa € menina do sertéo que nasceu raquitica e ficou drfa aos dois anos. A pequena foi criada a base de cascudos por uma tia beata que a obrigou a estudar datilografia. Gom a morte da tia, Macabéa resolveu ir para 0 Rio de Janeiro, decisio tomada sem que soubesse exatamente por qué. No Rio dividia um quarto perto do cais com mais quatro mogas e traba- Ihava como datilégrafa num pequeno escritério, mantendo-se quase mila- grosamente, jé que executava seu trabalho de modo sofr{vel, cometendo er- ros de mecanografia e de ortografia imperdoaveis, O sakirio era miseravel. Mantinha uma dieta de cachorro-quente (um por dia) com Coca-Cola, nada mais. A noite, mastigava pedacinhos de papel para enganar o terrivel vazio do estmago. A miséria, a orfandade, a auséncia total de afeto fez de Macabéa uma cria- tura quase nula: “Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham’; “... ela vive num limbo impessoal, sem alcancar pior nem o melhor. Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expiranda, [...] O seu viver € ralo”, (O quea salva da indigencia, da transparéncia total, é algo que cla traz em si tremeluzindo como uma pequena chama de uma pequena vela: anseios vagos ¢ fragmentados de vida e de alegria. Um dia, num passeio a pé, conhe- ceu Olimpico, por quem se apaixona. Olimpico tinha cometido crime de morte no Nordeste, ¢ havia se mudado para o Rio. E 0 tipo cldssico de homem inse- guro que se esconde sob uma camada de petulancia ¢ de truculéncia tio espessa, que ele mesmo passa a acreditar nela, Macabéa o perde para Glria, sua companheira de trabalho, mulata de cabelos oxigenados e de “traseiro ale- gre”, cujo pai era dono de um acougue. Os acougues fascinavam Olimpico, pois ele inconscientemente sublimava sua ansia de violéncia ambicionando um emprego de acougueiro. Macabéa “procurou continuar como se nada tivesse perdido’, jé que nao se sentia particularmente digna de nada; continuou até Cena do espeticulo A Hora da Estrela, adaptagio da obta de Clarice Lispector. Producao de Cintia Abravane}, 2002. 399 Com 0 corpo frdgil, cada vez mais debilitado pela desnutrigao, consul- ta um médico gordo e indiferente que Ihe diagnostica tuberculose. Desco- nhecendo 0 que se tratava, responde-Ihe: “Muito obrigada, sim?”. Como ad- verte 0 narrador: “Nao se tratava de uma idiota, mas tinha a felicidade pura dos idiotas’ Um dia vai até a casa da cartomante Madama Carlota, ex-prostituta, gor- ducha e supermaquiada, que a atendeu na deslumbrante sala de sof de plas tico amarelo, enfeitada com flores de plistico. Carlota tratou-a com carinhos posticos de diminutivos e de frases feitas, e, depois de “adivinhar-Ihe” a imi- néncia do desemprego, a pobreza, o abandono do namorado, prediz que sua hora de estrela estava para chegar. Teria muito dinheiro, luxo, e um namorado gringo de olhos “azuis, ou verdes, ou Macabéa sai de 4 em éxtase, despedindo-se de Carlota com um beijo esialado, Distraida, com os olhos voltados pela primeira vez para 0 céu, € atropelada por um Mercedes amarelo que foge sem prestar-Ihe socorro, Bate acabeca no meio fio, e fica com “a cara mansamente voltada para a calgada’ Vomita uma estrela de sangue e morre silenciosamente sob uma garoa fina Esse romance ¢ exemplar na revelacéo do drama que pulsa sob 0 cotidia- no. A trajetéria de Macabéa é vulgar: imigrante pobre, desnutrida e solitaria que divide um quartinho alugado, que tem wm subemprego, e que finalmente morte atropelada numa rua qualquer da cidade grande. O que confere um ca rater tinico, surpreendente e magico a essa situacdo trégica, mas prosaica, é a lente de aumento posta sobre fatos. Essa lente amplia de maneira realista e cruel o horror da indigencia de Macabéa, a vileza das regras que vigoram neste mundo. Em seu torpor de miserdvel, a protagonista sofre pequenas epifanias que espoucam no seu cotidiano triste e que sao marcadas pelo narrador com a palavra “explosio”, Macabéa faz parte de uma multidao de pessoas que, co- mo ela, resistem a indigéncia, mas sob a pena de Clarice reluz numa particula- rizagao tao assustadora, ganha uma identidade, que a solidariedade para com ela ¢ inevitavel. 400 4 Cena do filme Horada Fatrola de 1985, com Marcélia Cartaxo, Interpietando Macobéa, imi- srante nordestna que, apesar Getal Sebel tornase dat: grafa no Ro de Janeto, Mar cilia Certo ganhou o prio de melhor az no Festival de Bern, um cos mals mpowtan- 185 co creira rural ainda Alzedo Oroce Marcélia Cartaxo em ‘A Hora da Esireta, Direcao da estreante Suzana Amaral que ‘adaptou a obra romantea de Clarice Lispector. Exposigao sobre a escritora Clarice Lispector no Museu da Liogua Portuguesa na Pstagio da Luz, abil de 2007, Sto Paulo, SP Com curadora do poeta Ferre 1a Galler € da produtora Julia Polegrina, a exnosicao marca 0 aniversrio de 30 anos de mor te da escrito. Frases de Clarice Lispecto, conhecide por con seguir dizer o "indizvel”, esto espalhadas por todo 0 espaco Ele... le se apraximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, pergun- tow-the. Ese me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? Sina, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de iia —E, se me permite, qual é mesmo a sua graga? — Macabea. —Maca-o qué? — Bea, foi ela obrigada a completar. —Me desculpe mas até parece doenga, doenca de pele. Eu também acho esquisito mas minha mae botow ele por promessa a Nossa snhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu nao era chamada porque néo tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguéma tem mas parece que deu certo — parou um instante retomanudo o félego perdido e acrescentou desanimada e com puilor — pois ‘como 0 senhor vé eu vingue... pois 6 —Também no sertan da Paratha prom les nao sabiam coma se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos airds do vidro canes, Tatas, parafusos grandes ¢ pregos. E Macabéa, com metio de que o siléncio ja sig: nificasse uma ruptura, disse ao recém-namorado: — Eu gosto tanto de parafuso e prego, ¢ 0 senhor? Da segunda vez em que se encontraram caia uma chava fininha que ensopava (05 oss0s, Sem nem ao menos se darem as mélos carnirhhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia ldgrimas escorrendo. sa 8 questo de grande divida de hora. Da terceiva vez em que se encontraram — pois nao é que estava chovendo? — 0 rapas, iritado e perdlendo o leve verniz de firsera que 0 padrasto a custo the ensinara, disse-the: —Vocé também so sabe é mesmo chover? = Desculpe. Mas ela jd 0 amava tanto que ndo sabia mais como se livrar dele, estava enn desespero de amar Numa das vezes em que se encontraram ela afinal perguntou-the o nome. — Olimpico de Jesus Moreira Chaves — mentiu ele porque tinha como sobrenome apenas 0 de Jesus, sobrenome dos que nao tem pai. Fora criado por tum padrasto que the ensinara o modo fino de tratar pessoas para se aproveitar delas e he ensinara como pegar mulher — Eu nao entendo 0 seu nome — disse ela. — Olimpico® Macaléa fingia enorme curiosidade escondendo dele que ela nunca entendia tudo muito bem e que isso era assim mesmo. Mas ele, galinho de briga que era, arrepiou-se todo com a pergunta tola e que ele nao sabia responder. Disse aborrecido: — Bit sei mas nao quero dizer! — Nao faz mal, nao faz mal, nao faz: mal... a gente nao precisa entender onome, Fla sabia 0 que era 0 desejo — embora nao soubesse que sabia. Era assim: fieava faminra mas nao de comida, era um gosto meio dotoroso que subia do baixo-ven ree arrepiava o bico dos seios ¢ os bragos vazios sem abraco. Tornava-se toda dra ‘atica e viver dota, Ficava entio meia nervosa e Gloria the dava agua com agticar (LISPECTOR, Clarice. A Hora da Fstela. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.) a ______ 401 A POESIA NEOMODERNISTA VVVVVVVVVV VVVVVVVVVE VVVVVVVVEL VVVVVVVELO VVVVVVELOC VVVVVELOCI VVVVELOCID VVVELOCIDA VVELOCIDAD VELOCIDADE Na poesia, 0 que se pode dizer ¢ que o impeto destruidor e revolucionario da Geragaio de 22, jé arrefecido na de 30, diluiu-se ainda mais a partir de 45: a preocupacao era a de produzir da forma mais confortavel para a sensibilidade de cada artista, como demonstra a poesia de Joao Cabral de Melo Neto, 0 mais importante poeta desse periodo, sem falar, é claro, na revolugao trazida pela poesia concreta, POO IU Me eee oe + Um grupo de autores recupera o rigor formal ao gosto parnasiano. ‘+ Joao Cabral de Melo Neto faz uma poesia tinica, de cardter cerebral | e construtivista * Liderados por Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, surge a Poesia Concreta. A Poesia Concreta promoveu a ligagao do ato de escrever poesia & producao da arte visual Poemas com movimento, jogos de palavras e for: mas fazem parte da producaio poética do Con: cretismo, Ronaldo Azeredo (1937-2006) é um dos precursores do movimento no Brasil. Participou do langamento oficial da Poesia Conereta na I Ex- posicdo Nacional de Arte Concreta, em 1956. Publicou poemas em pano, poemas-mapa, poe- mas-desenho, poemas-partitura e poemas-que- bra-cabega. Os poemas de Ronaldo Azeredo per- meiam o campo das artes visuais e constituem verdadeiros emblemas do procedimento con- cretista de construgao postica. 402 4 Velocidade, Ronaldo Azeredo, 1958, Noigandres. ne, Sao Paulo, poema (285 X40 cm) Composigao A: composicao com preto, vermelho, ciza, ‘amarelo e azul, Plet Sw Mondrian, 1920. aeolian Chad bey JOAO CABRAL DE MELO NETO (1920-1999) O. amor comeu minha paz e minha guerra. ‘Meu dia e minha noite. Meu inverno e mew incio, minha dor de verdio. Comeu meu sil cabeca, meu medo da morte... \ Uoato Cabral Melo Neto) OR Joao Cabral de Melo Neto ernambucano do Recife, Joao Cabral de Melo Neto nasceu em 1920, € morreu no Rio de Janeiro, em 1999, Passou a infancia em engenhos de acticar em Sao Lourengo da Mata e Moreno. Aos dez anos, retornou com a familia a cidade natal, e aos 17, comegou a trabalhar, primeiro na Associagao Comercial de Pernambuco, depois no Departamento de Estatistica do Estado. Ainda jovem comecoua freqiientar o Café Lafayette, onde se reuniam artis- tas e intelectuais. Em 1940, viajou pela primeira vez ao Rio de Janeiro, cidade a qual passaria a residir trés anos depois. La conheceu Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Jorge de Lima, entre outros intelectual Seis anos depois, ingressou na carreira diplomética e, no ano seguinte, foi designado para a Espanha. A partir de entao, viveu em varios lugares do mundo: serviu em Barcelona, Catalunha, Londres, Sevilha, Marselha, Madr Dacar, Mauritania, Quito, Honduras, Porto e Rio de Janeiro, onde se aposer tou em 1990. Joao Cabral de Melo Neto fez uma carretra brilhante, tanto como diplo- mata quanto como literato, tendo recebido medalhas, comendas ¢ homena- gens em diversos lugares do mundo. fan Cane oie nag Pedra do Sono (1942) + Antologia Poética (1965) Eagenheiro (1945) + Educacao Pela Pedra (1966) Psicologia da Composigéo (1947) + Auto do Frade (1984) ‘Morte e Vida Severina (1956) ( poeta Joao Cabral de Mele iis i MaoNeoseguaa tains Uma poesia de construcao residencia, no Hla de Jancio @. Jodo Cabral de Melo Neto estreou em poesia em 1942, com Pedra da Sant, sob forte influéncia de Carlos Drummond de Andrade, a quem, aids, dedicou esse e mais um de seus livros. £ notavel também certa influéncia do Surrea- lismo, movimento depois “execrado” pelo autor. » 403 © construtivismo sempre foi a grande marca da poesia do autor. A partir de 0 Engenheiro e de Psicologia da Composigdo, 0 estilo cabralino se consoli da: uma poesia cldssica no sentido de buscar o equilfbrio, aharmonia, a objeti- vidade, 0 rigor formal, Joao Cabral fez: uma poesia antilirica, polindo 0 prosai co até atingir a luminosidade poética, ditigindo-se sobretudo 20 intelecto, sem concessdes ao contessionalismo e ao sentimentalismo. E chamado, com jus: tiga, de o “poeta-engenheiro’, tal o grau de premeditagao formal empregado na producao de seus poemas. Quando escreve, assenta palavra sobre palavra, as- sim como o engenheiro assenta pedra sobte peda. Consirsi uma poesia visual, sélida, geométrica, exata, sébria, em que a palavra articulada ganha massa, volume € nitidez. Joao Cabral valoriza 0 substantivo € 0 verbo, usa poucos adjotivos e, quando eles aparecem, sao essenciais. Desse modo, produz uma poesia mais pensada, racional, num evidente combate ao sentimentalismo choroso, utilizando-se de uma linguagem elipti- a, enxuta, concisa. Segundo 0 préprio autor, sua obra apresenta duas linhas mestras, ot “duas aguas” (cada uma das superficies planas que constituem um telha- do): a metalingtiistica e a participante. A linha metalingdistica abrange os poemas de investigagiio do préprio fazer poético, segundo a dtica construtivista do autor. A participante ¢ a poesia que apresenta como tema o Nordeste, em especial Recife, e Sevilha, cidade espanhola na qual Joao Cabral residiu varios anos durante sua car- reira diplomatica ~ as touradas, as mulheres, as paisagens exerciam grande fascinio no poeta. A poesia participante nordestina perfaz uma das partes mais interes- santes da obra de Joao Cabral de Melo Neto. Ele converte a miséria, a indigéncia, a fome, a secura da paisagem num elemento poético de agg, tal plasticidade, de tal esséncia que parece conseguir chegar a “caliga” sstrutuira basica dessa tematica, Pata oni, a poesia & uma cons. tragdo, como uma casa. 650 eu aprendi com Le Corbusier’ poesia & ura compasiezo, Quan- fo dao composcao, quero dizer uma cos consti, clzneads— ade fora pare dent. Nnguém imagina que Pkesso fer o5 quae os que 2 pore exe ns rao. O probleme del era pegar 4 lela exudar 05 estat, 05 V0 umes. Ey 50 entendo 0 posto este sent You fazer uma posse de tal extensé, com tas € fa elementos, cos que eu vou «olocanda como se fos tows. E por 80 que eu poo gestor 27s fazeno0 um poem: poreue ‘exete laneimento, (Cadernas de diteratura Brasil $60 Pavlo: Instituto Moreira Salles, 1996.) NOW: 1 Le Corbusier argue tances (1087-1965, considerado a lo ‘el da argiterura modern Cena da peca Morte e Vida Severina, Jodo Cabral de Melo Neto, rnusicada por Chico Buarque de Holanda, no Tuca, So Paulo, 1966. Reto épico, 2 obra de Jodo Cabral de Melo Neto reat a vida do retrante Severino, ho mem do serio que sonta em chegar ao itor A istria de Severino & 2 mesma de 0 iantos,histria de sotimen Noms: 2 Fale: que muda de eo fr co seqiéncia de alguna sensaca0 roecbid), 2 Foul: cor escura, desbotaca pelo tape ou pelo uso. Pardavasca: parda, decor escura Capa de livio de Joao Cabral de Molo Neto, Joan ‘Mird, 1950. Serigratia sobre tecicio, ilustracao do. prdprio Miro. Lancada na Esparha, a obra em prose de Joo Cabral de Mela Neto so seria publiada no Bra- sil dois anos depois, O Luto no Sertao Polo Sertdo ndo se em como mesmo o urubu que al exere, Tio sleeps enlaces "rer a re burs para Ido luto ndo é de vestir, quando no Sertéo, usa a batina Ede nascer com, turo nato. negra-fouveiro>, pardavasca Sobe de dentro, tinge a pele tev fosco ful: € quase raga: (MELO NETO, Joao Cabral de. tuto levado toda a vida Obra Completa. Rio de Janeiro: eque a vida empoeira e desgasta. Nova Aguilar, 1994.) Tecendo a Manha 1 Um galo sozinho nao tece uma mana: ele precisard semapre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e0 lance a outro; de um outro galo que apanheo grito de um galo antes 0 lance a outro: e de outros alos que com muitos outros galas se cruzent os flos de sol de seus gritos de gato, ara que a manka, desce wma tera tene, se nd tecendo, entre todos 0s gal0s, 2 Ese encarpanda em.tela, entre todos, se erguendo ienda, onde entrem todos, se entfelendendo para tades, no vols (a@ mana) que plana livre de armagao, ‘Amanita, toido de tun reclda to aéreo ue; tecido, se dled por si tuz bala. dem, tbicierrd > 405 Morte e Vida Severina Joao Cabral escreveu a obra Morte ¢ Vida Severina por encomenda ¢ Maria Clara Machado, que pretendia encené-Ia, fato que nao chegou a ocorrer na ocasiao, A montagem de sucesso sd veio em 1966, com uma temporada no ‘Tuca (Teatro da Universidade Catélica), em Sao Paulo - depois de ter sido musicada pelo compositor Chico Buarque de Holanda, O subtitulo da pega Auto de Natal Pernambucano é, talvez, a obra em qu a 6tica socialista do autor esta mais evidente. Irata-se da histéria de Severino, retirante de 20 anos, que vai “Id da Serra da Costela, limites da Paratba (com Pernambuco)” até o Recife, norteando-se pelo curso do rio Capibaribe, com a esperanga de encontrar melhores condicdes de vida. O subtitulo jé denuncia a influéncia que a estrutura do teatro medieval vicentino de cardter moralizante exerceu sobre 0 poeta. A referéncia ao “natal” fica por conta de um nascimen to que mudara a vida do protagonista; e o “pernambucano’, naturalmente, pelo espago focalizado. 0 poema pode ser dividido em duas partes: a viagem, que alterna mon6- logos do protagonista e didlogos, ea chegada ao Recife, onde Severino conhece José, mestre carpina, pai de um menino recém-nascido, Durante todo seu per curso Severino vai se deparando com a morte de outros “Seve iguais. Quando chega a seu destino, senta-se sobre 0 muro de um cemitério e ouve uma conversa entre dois covetros comentando a ilusao que é sair do sertdo para tentar vida nova no litoral. Quando cogitava o suicidio, Severino encontra com mestre carpina, morador local, e testemunha o nascimento do filho deste, o que lhe renova o deseo de viver. 406 4 Retiruntes que ainda hoje, continuam a fugir da seca Na foto, seca do sertio de Pernambuco. @ A peg More e vide Severna e- volucionou a estitica do teatro, Depois do sucesso no Brasil, © ‘gupo vigjoua Europa encenen- doa pega — Essa cove em que ests, com palnios medida, éa conta menor aque traste em vida. —E de bor tamanho, nem largo nen: func, eaparie que tecabe deste iatipinato. — Nato ¢ com grande cov medida, éa terra que querias ver divide, = £ wma cova grande para reu pouco defunto, ‘mas esiaras mals ancho (que estavas no mundo, —Euma cova grande para teu defunta pareo, porém mais que no mundo te sentir largo — Euma cova grande ara tua carne pouca masa teria dada nnao.xe abre.a boca (MELO, NETO. joao Cabral de. Op. cit) carpina fata com o retirante que esteve de fora, sem tomar parte em nada Severino retiranie, deixe agora que the diga: et nde sei bem a resposta da pergunta que fazia, se ndo vale mais saliar ‘fora da ponte eda vida; ‘nem conheco essa resposte, se quer mesmo que the diga; é dificil defender, socom palavras,a vida, ‘ainda mais quando ela 6 esta que ve, severina; ‘mas se responder nao pude 4 pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presenca viva F nao hd methor resposta que o esperdcuio da vida: vé-la desfiar seu fio, «que também se chama vida, vera fabrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, ela brotar como hi pouco ‘em nove vida explodida: ‘mesmo quando ¢ assim pequena cexplosao,comoa ocorrida: | ‘mesmo quando é uma explosao como a de hii pouco, ranzinas ‘mesmo quando &a explosia de wma vida severina (MELO NETO, Joao Cabral de, Op.cit) A POESIA CONCRETA Em 1952, comecava a ser organizado o grupo Noigandres, “a flor que afas- ta 0 tédio’, o qual lancava publicacao do mesmo nome. A palavra, recolhida em, Ezra Pound, que por sua vez a tirou de uma cangao trovadoresca de Anauld Daniel, significaria para o grupo "poesia em progresso” Liderado inicialmente pelos irmaos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, todos de Sao Paulo, o grupo propunha a Poesia Concreta. Em 1954, Ferreira Gullar lanca, no Rio de Janeiro, 0 livro A Lita Corporal, com experiéncias poéticas que levavam em conta o espago em branco do papel e as possibilidades de diagramacao da palavra em poesia, unindo significado e significante, numa ‘comunhao nova que se afinava com as propostas concretistas de Sao Paulo. Essas propostas ficaram conhecidas pelo piiblico em 1956, quando ocor- reu a Exposieao Nacional de Arte Concreta, reunindo artistas paulistas e cario- cas no Masp (Museu de Arte de Sao Paulo). A mostra reunia poemas-cartazes, e esculturas concretas, tendo como principais participantes: Augusto de Cam- pos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Ronaldo Azeredo, Viadimir Dias Pino, Reinaldo Jardim, Mério Faustino e Oliveira Bastos. Pos- teriormente, paulistas e cariocas viriam a discordar, sobretudo porque estes liltimos defendiam uma certa subjetividade na poesia, contra o que eles con- sideravam excesso de “cerebralismo” dos paulistas. O ramo paulista prevale- ceu, aleangando adeptos em outros estados brasileiros e fora do pais, como Alemanha, japao, Inglaterra e Italia, entre outros 3 £ sg enn Set Os concretistas reconhecem, como precursores do movimento, Mallar- mé, Apollinaire, Ezra Pound, James Joyce, William Williams, E. E, Cummings, Gomringer, Oswald de Andrade e Joao Cabral de Melo Neto, além dos futuris- tas e dadaistas. A inusitada manifestagao poética tomara 0 espago grifico como agente estrutural: explorara, além dos aspectos semanticos, some forma visual, Abolira versos e estrofes, usando a palavra no espaco branco do papel, como 0 arquiteto usa o tijolo no espago tridimensional. grande Manifesto da Poesia Concreta foi publicado em Noigandres, ne 4, em Sao Paulo, no ano de 1958. 408 4 A Roma Azul, Wols, 1916. Oleo sobre tela, Ap eniatizar o ilosico © buscan: do a fata de sentido na lin: gugem, o movimento Dadaista siephane sattarme Edouard Manet, 187 Oleo sobre tela, 0 aioe esto: francs St phane Nalonmé (1847-189) & recede pelos cancels como um és prearsoes 6b movimento. Suas possi 50 caracterizadas pela musicalide- de e experimentacao gramatical. ‘Teoria da Poesia Concreta: textos eriticos e mantfestas (1950-1960). Augusto de A pubblcacdo rede tode a teo- "iz do gupo a respevo de poe- sia concreta, Ente 0s textos, 0 primeire grande manifesto. da poesia concreta, publicado pela revista Nogandtes em 1958, Plano-piloto para poesia concreta poesia concreta: produto de uma evoiucao critica de formas. dando por encerrado 0 ciclo historico da verso (unidade riumico-formal), a poesia concreta comeca por tomar conhecimento do espaca grafico como agente estrutural. espaco qualifica- da:estrutura espacio-temporal,em vez de desenvolvimento meramente temporis- tico-linenr data imporsancia da idéia de ideograma, desde a seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual. até 0 seu sentido especifico (fenollosa/pound) de méto: 440 de compor baseado na justaposigao direta ~analégica, nao légico-discursiva de elementos: “il faut que notre inieltigence shabiue & comprendre synthético idographiquement au lieu de analytico-discursivemente®(apollinaie). einsens- tein: ideograma e montage, pprecursores: mailarmeé (an coup de ds, 1887):0 primeiro salto qualitative: “subdi- visions prismatiques de Tide"; espaco (“blancs”) e recursos tipograficos como ele- ‘mentos substantivos da compasigaa, pound (the cantos): méiolo ideogramico. joyce (ulissese finnegans wake): palavra-ideograma: interpenetracao organica de tempo @ espaco, cuminings: atomizardo de palauras, ipografiafisiogndmica: valorizagdo expressionista do espago, apoltinaire (calligramsmes): como visao, mais do que como realizacao, futurismo, dadaismo: contribuigdes para a vida do probiema. no brasil: oswald de andrade (1890-1954: “em comprimidos, minutos de poesia’ joo cabral de melo neto (n. 1920) - engenheiro e a psicotogia da composicto mais anti-ode): inguagem direra, economia e arquitetura funcional do verso. poesia concreta: tensdto de palavras-colsas no espaco-tempo. estrutira dinamica ‘multiplicidade de movimentas concomitant. também na musica ~ por definigao, uma arte da tempo inseraém o espaco (webern e seus seguidores: Boulez estock- +hausen; musica concteta e eletrnica) nas artes visuats - espacial, por definigao ~ intervém o tempo (mondrian ¢ a série boogiewogie, max bill albers e a ambiva- lencia perceptiva: arte conereta, em geral ‘deogramaapelo@ comunicagao nao-verbal.o poem concreto communica a sua prépria estruura: estrutura-contetido 0 poem concreto é um objeto em e por si mesmo, nao um iniérprete de objetos exteriores efou sensacoes mais ou menos subjerivas. seu materials palavra (som, forme visual, carga semantic). sew problentas um problema de fungoes-relacies desse material. fatores de praximidade e semelhan- ‘9, psicologia de gestalt, riemo: forga relacional. “o poema concreto, usando si tema fonetico digas) ¢ uma sintaxe analogiea, cria ura drea lingifstica especi fica ~ ‘verbivocovisual”— que participa das vantagens da comunicacto ndo-ver bal, sem abcicar das virtwalidades da palavra, com 0 poema concreto ocorre 0 fe- nomeno da metacamunicacdo; coincidencia e simultanetdade da comunicagao verbal e nao-verbal, com a nota de que se trata de ura comunicacio de formas, de uma estrutura-contetida, néo da usual comunicacdo de mensagens. poesia concreta visa ao ménimo miiltiplo comum da linguagems, data sua tendén- ia @ substantivagao e a verbificactio: “a moeda concreta da fala (sapir). dat suas ‘finidadies com as chamadas “inguas tsolantes" (chines): ‘quanto menos gramdtica exterior possui a lingua chinesa, tanita mats gramética interior he éinerente huum- boldt via cassirer). o chinés oferece um evempilo de sintaxe puramente relacional baseacia exclusivamente na ordem das palavras ‘ver fenoliosa, sapir e cassirer) 40 conflito de fundo-forma em busca de identificagao, chamamos de isomorfis- ima, paralelamente ao isomorfismo fundo-formas, se desenvolue isomorfismo es- ago-tempo, que gera o movimento. 0 fsomorfismo, num primeiro memento da pragmatica poérica comereta, tende @ fisiognomia, a um movimento imitative do real (enotion}; predomina a forma organica ¢ a fenomenologia da composigao. num estagio mais avangado, 0 isomarfismo tende a resolver-se em puro movi- ‘mento eserutural (movement) nesta fase, predamina a forma geométrica ea ma- tematica da composigao (racionaiismo sensive) renunciando a dispuia do “absoluto’. a poesia concreta permanece no campo ‘magnético do relativo perene. cronomicromerragem do acaso, controle. cibernét €a, 0 poema camo um mecanismo, regulando-se asi proprio: “feedback” a comu- ‘nicagao mais rdpida (impl(cito um problema de funcionalidade e de estrutura) confere ao poema um valor pasitivo e guia a sua propria confeccao, [pws concrete uma responsabilidad ncral porante a lingugem: ana | tora contra una poesia de expresso, subjetiva e heonistica era probleras | prema pron obe | | | | ‘augusta de campos décio pignarari haroldo de campos post-scripturn 1961: “sem forma revoluciondria nao ty (Maiakovski) ‘arte revoluciondria’ (TELES, Gilberto M i modernismo brasileiro. Petropolis, Vous donga, Vanguarda européia e 1992) A dissidéncia carioca do Concretismo publicou no Jornal do Brasil, a 22 de marco de 1959, 0 Manifesto Neoconcreto, assinado por Amflcar de “astro, Ferreira Gullar, Frans Weiss-maner, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spamidis. J Oneoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir, dentro da linguagem estrutural da nova pléstica, a complexa realidade do hamem moderno, nega a va- ides das atinudes cientificistas e positivistas em arte e repoe. problema da expres: sdo, incorporando as novas dimen. ‘construtivista. O racionalismo rouba a arte todaa autonomnia: asqualt | Bes “verbuis" criadas pela arte ndo-figuratioa | dates arses da obra dear por nogbes da obetisdade confi asim | sii ‘as conceitos de forma, espaco, tempo, estruttira ~que na linguagein das artes sao Ugadtos a uma significacao existencial, emotiva, afetiva ~ sao aplicagao tebrica que deles faz a ciéncia. (...) nflundidos com a Nao concebemos a obra de arte nem como uma “mdquiina’ nem como um “obje- fo", mas como um “quasi-corpus’, isto 6 um ser cuja realidade nao se esgota nas relaches exteriores ce seus elementos; um ser que, decompontvel em pa [anaes sea plenamenteaabordage der, fenomenoliia. pela A poesia concreta é uma espécie de ponte entre a Geracao de 45 e as gera 0es posteriores. Derivam do Concretismo os poemas sem palavras (poema- c6digo) e os pop-cretos, feitos com montagens de recortes. Em 1962, chegou- se a Poesia Praxis, cujo principal precursor Mario Chamie a langou por meio de um manifesto didatico em posficio ao seu livro Lavra Lavra, fiecea erin 4104 A infuincia do Dadaismo em aniincio para o dia das ‘ies, de Gene Federico, paraa revista Woman's Day, Nova York, Estados Unidos, 1953 © publictério Gene Federico iow a propaganda para aur mentar 0 ndmero de anuncian tes na revista, Texto & imagem sam 0 mesmo sigiicado mulheres seem 8s compre Quando as mulheres saem ce «as, elasno compram omen i revista Womans Day Décio Pignatari hombre, hombre, harehre. Décio Pignatari 1 Noigandres ne 4, 80 Paulo. Cette md DECIO PIGNATARI (1927) Vivo em funcéo da obra e, por destino, ou por proposito, tenho que realizd-ta. (Décio Pignatari) Sao Paulo, Décio Pignatari publicou seu primeiro ascido em Jundi livro, Carrossel, em 1950. Aconselhado por Joao Cabral de Melo Neto, seguiu também a carreira publicitéria, trabalhando em varias agen. cias de publicidade nacionais e multin Seus textos posticos, reunidos Poesia (1977), apresentam desde poemas concre tos até experiéncias com a “poesia semidtica” — que tem por objeto qualquer sistema de signos e nao palavras, Além de poeta, professor universitério especialista em semié- tica e tradutor, Décio Pignatari de- dicou-se a varios assuntos, entre eles a anélise da linguagem verbal e nao-verbal da televisdo, como se observa em Signagem da Televisao (1984), Recentemente publicou Panieros, livro de prosa postica. em Poesia Pois £ (PIGNATARL, Décio, In Teoria da Poesia Concreta.) cionais. Plenamente realizado nessa passou a dedicar-se vida académica. hombre hombre hombre hambre hembra hambre hembra hembra hambre pan eae mL HAROLDO DE CAMPOS (1929/2003) circilad de full ao deus ao demoiart que deus te guie porque eu nao posso guid eviva quem jd me dew circulad6 de ‘fulo e ainda quem falta me dé (Haroldo de Campos) scido na cidade de Sto Paulo, Haroldo de Campos, além de poeta | saarelded Gasspos Best \ coneretista por exceléncia, destaca-se por seus intimeros ensaios Pp reronteitapelaiastist riticos, tradugbes de autores como Maiakévski, muitas em co-auto plastioo Sergio Romagnolo, como irmao Augusto, ¢ por incanséveis trabalhos de pesquisa sobre aliteratu- || eaiSi0 Paula ra brasileira. Professor de Estética Literéria nos Estados Unidos, Haroldo de Campos tem sua poesia reunida nos livros: Xadrez de Estrelas (1977), Signatia: Quasi Coolum (1979), A Educagao dos Cinco Sentidas (1985) e 0s Melhores Poemas de Haroldo de Campos (1992). a Obra da artista pléstica Tomie Ohtake, ox home- ‘nagem a0 poeta Harold a fy li; die GaN ae we Wye oe ‘de Campos, 21 de setem- mm : bro de 1996, Sao Paulo, SE. Manuscritos de Haroldo de Campos com sua tradugao da Ilfada, de Homero, e repro- A cobra fez parte do album ducao de busto do poeta grego. Sao Paulo, SP, 1999. Admirador da cultura grega, Yik-Gen, com poesias do Haroldo de Campos foi um dos poucos tradutores de grego do Brasil. poeta concretista, 4124 ig Cir oe re UL) 7 NU AUGUSTO DE CAMPOS (1931) A poesia concreta radicaliza e torna explicito 0 procedimento que é inerente @ natureza da poesia (...) capaz de provocar a espacializagao do tempo, (Augusto de Campos) Oy ea es onsiderado o mais radical dos poetas concretistas, Augusto de Campos ja- Se mais se distanciou dos pressupostos iniciais do Coneretismo. Seus poe- 3 Lien mas, desde entéo, continuam predominantemente antidiscursivos. Além eae! de poeta, durante a década de 60, foi um obstinado critico musical e um dos topic primeiros a despertar a atencao para os talentos ce Caetano Veloso e Gilberto Gil Em parceria com 0 irmao Haroldo e com Décio Pignatari, Augusto de Campos é autor de varios ensaios, “revises” de autores nacionais, como Sousandrade, Kitkerry, e de importantes tradugdes de escritores da literatura universal. Encontram-se exemplos de sua poesia em: Poemamébiles (1974), Caixa Preta (1975) — ambos em parceria com o artista plastico Jtilio Plaza — Viva Vata Ce eSeares ~ Poesia (1979), Despoesia (1994), = ‘de Campos, Haroldo_de Campos e Boris Schnaiderman Capa da antologia Poesia ees enamees t) : ea ed Da esquerda para a direita: os poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo ere de Campos posam para foto em comemoragio aos 40 anos da exposicao de arte Re ae conezeta em Sao Paulo, SP (1996). Be Ld L, (Unesp} Texto para as questées 2, b e c. Essas coisas todas se passaram tomoos depois. Talhei de avanco, em minha histéria, O senhor tolere minhas més devasas no contar. € ignordincia. Eu no converso com ninguém de fora, quase. Nao sei contar direito. Aprandi um ‘pouco foi com o compadre meu Quelemém; mas ele quer saber tudo diverso: quer néo 6 0 caso inteirado em si, mas ‘a sobre-coisa, a outra coisa. Agora, neste dia nosso, com 0 senhor mesimo — me escutando com devorao assim ~ 6 ‘que aos pouces vou indo aprondendo a contar corrigido. E para o dito voto. (romance, do qual o trecho acima foi axtraido, veio a niblico em 1956 ¢ 6 uma das mais importantes obras da ltera- ture brasileira, Nele, um velho fazendeiro, recolhido a uma vida de paz @ descanso, conta a um interlocutor, forasteiro e homem da cidade, os episédios de seu movimento passado de jagungo. Levando em conte o trecho transcrito, as ponderag6es feitas e o conhecimento da obra, responds: a) Qual 6 o assunto de que trata o trecho acima? ) Qual 6 o nome do narrador-personagem do romance? Quais os nomes de uma personagem ambigue da obra, que inicialmente se apresenta como homem e ao final se revela mulher? c) Qual é o titulo do romance? Qual é 0 nome de seu autor? 2. A obra Grande Sertao: Veredas, de Guimaraes Rosa 2) continua o regianalismo dos fins do século pasado, sem grandes inavagdes. t) exprime problemas humanos, em estilo prdprio, baseado na contibuigao linglistica regional. ¢} descrave tipos de varias regides do Brasil, na tontativa de documentar a realidade brasileira, 4) fixa os tipos regionais, com preciséo cientific @) idealiza 0 tipo sertanejo, continuando a tradigao de Alencar, 3. (Fuvest) Ha um conto de Guimargies Rosa em que os bois conversam entre si, fazendo consideragbes de varias naturezas. 4) De que conto se trata? b) A presenga de animais 6 freqiente em Guimardes Rosa? Cite outro exemplo. 4. (Fuvest) ‘Jado Guimaraes Rosa, em Sagarane, permite ao leitor observer que a) explora ofolclérico do sertao. b) em episddios muitas vezes palpitantes surpreende a realidade nos mais laves pormenores e trabalh a linuagem ‘com esmero ¢) limita-so 20 quadro do regionalism brasileiro. 4) € muito sutl na apresentagao do cotidiano banal do jagunco, } € intimista hermético 5. (Fuvest) Fezendo um paralelo entre Os Sertées, de Euclides da Cunha, ¢ Grande Sertéo: Veradas, de Guimaraes Rosa, pode~ se afirmar. 1) Em ambas as obras predomina o espirito cientifico, sendo analisados aspectos da realidade brasileira ) Ambas tém por cenério 0 sertéo do Brasil setentrional, sendo numerosas as referéncias a flora e & fauna. c) Ambas as obras, criagoes de autores dotados de génio, muito enriqueceram nossa literatura regional de ficg&o. 4d) Ambas tém como principal objetivo denunciar nosso subdesenvolvimento, revelando a miséria fisica e moral do homem do sertao. e) Tendo cada uma suas peculiaridades estilisticas, sf ambas produto de intensa elaboragao da linguagem. 4144 6. 10. (Fuvest) “0 romance 6 narrado na primeira pessoa, em mondlogo ininterrupto, por Riobaldo, velho fazendeiro do norte de Mi- nas, antigo jagungo, que conta a sua vida e a sua angistia.” (A Céndidoe J.A, Castelo} O autor do romance a que se refere 0 texto é também o de: 8) Chapadifo do Bugre. ) 0 Garimpeiro ¢) Vila dos Contins. 4) Sagarana. (ruc) O canjunto de novelas de Jodo Guimardes Rosa, publicado em 1956, aperece sob o titulo; al Corpo de Baile ») Sagarana. ¢} Primeiras Estorias. d) Estas Estorias. - (UFRS) O romance de Clarice Lispactor; a} filia-se & fiegao romantica do século XIX, ao criar heroinas idealizadas e mitificar a figura da mulher, b} define-se como literatura feminista por exceléncia, a0 propor ume visdo da mulher oprimida num universo masculino; } pronde-se & critica de costumes, ao analisar com grande senso de humor uma sociedade urbana em transformagio; 4) explore até as dltimas conseqiiéncias, utiizando embora a temética urbana, a linha do romance neonaturaliste da geragao de 30; 6} renova, define ¢ intensfica a tendéncia introspectva de detarminada corcente de fiagdo da segunda geragao moderna (Fuvest) Seré que eu enriquecerie este relato se usasse alguns dificels termos técnicos? Mes ai quo asté: esta historia nao tem nenhuma técnica, nem de estilo, ela é a0 deus-daré. Eu que também néo mancharia por nade deste mundo com palavras brilhantes @ falsas uma vida parca como a da datilégrafa. (Clarice tispcter £m A Hora ds Estrela, o narrador questiona-se quanto ao modo e, até, & possibilidade de narrar a historia, De acor- do com o trecho acima, isso deriva do fato de ser ele um narrador: ) iniciante, que nao domina as técnicas necessérias ao relato literério; ) p6s-madema, para quem as preocupagées de estilo sdo ulrapassadas, «) impassoal, que aspira um grau de objetividede méxima no relato; 4d) objetivista, que se preocupa apenas com a praciséo técnica do relato; #) autocritico, que percebe a inadequagao de um estilo sofisticedo para narrar a vide popular. (FEN) 0 bonde se sacudie nos trilhos ¢ o cego mascando goma ficara atrés para sempre. Mas o mal estave feito. Arede de tricd era dspera entre os dedos, ndo intima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num ‘onde era um fio partido; nao sabia 0 que fazer com as compras no cole. E como uma estranha misica, 0 mundo recomecava ao redor. 0 mal estava feito. Por qué? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava. 0 ‘mundo se tornara da novo um mal-estar (Giarice Lispecta) O fragmento acima caracteriza: a) uma narrative tensa, surrealista, de deniincia social explicita, b) um estilo despojado, um assunto do cotidiano, com nenhum conteddo doutrinario-ideolégico; c) uma narretiva a partir de situacdes do dia-a-dia, por meio das quais séo questionados a existéncia e o universo do ser humano; 4) uma tendéncia lterdria voltada para o telirico, discutindo as reizes econdmicas dos problemas que angustiam 0 homem; @} um texto cuja secura estiistica e situagao oprassiva om que vive personagem no constituem preocupacdes para a autora. pas 11. (ums) Sobre 0 adjetivo severina, da expresso Morte @ Vida Severina que intitula a peca de Jodo Cabral de Melo Neto, todas as afirmativas esto certas, exceto: a) refere-se aos migrantes nordestinos que, revoltados, lutam contra o sistema latifundiai que oprime o camponés. b) pode ser sindnimo de vida arida, estéril, carente de bens materiais ¢ de afetividade. ¢} designa @ vide e a morte dos retirantos quo a soca escorraca do sertéo @ 0 latifindio escorraga da terra. 4) qualfica @ oxistancia negada, a vida daqueles seres marginalizados determinada pela morte. @) da nome & vida de homens anénimos, que se repetem fisica @ espiritualmente, sem condic¢des concretas de mudanga. 12. (uFRs) 0 Artista Incontessével Fazer 0 que seje é intl Nao fazer nada é inti Mas entre fazer @ no fazer ‘mais vale o initil do fazer. Ll Mes fazer 0 init! sabendo ‘que ele é inti: e bem sabendo que 6 inti que seu sentido nao seré sequer pressentido, fazer: porque ele é mais difcil do que néo fazer, 6 dificitmente se poderd dizer ‘com mais desdém, ou entéo dizer ‘mats direito ao leitar Ninguém qua o feito 0 foi para ninguém. ‘doB0 Cobrat do Melo Neto) 13. (uFPA) Sobre 0 aspecto das obras literarias: Coluna A a) Grande Sertao: Veredas b) Senhora c) Vides Secas d) OAteneu ‘e) Fogo Marto Coluna B A partir do poema podemos dizer corretamente qua 0 que mais vele para o artista & a) nada fazer, uma vez que jamais sera compreendido por ninguém, ») fazer de forma mais indtil possivel, para que jamais venha a ser compreendido, ©} nfo fazer o indtil, embora seja mais dificil 4) fazer 0 instil cujo significado nao seré nem mesmo pressentido, 8) fazer o instil para que o leitor desista da leitura 20 perceber 0 desdém do autor pelo poema (" Jromance de cunho psicolégica que narra a vida da personagem principal dentro de um internato (obra de cunho so |, escrita em linguagem cuidada que refiete a intlu&ncia de Machado de Assis. (_ Jromance de carater urbano que retrata aspectos da sociedade da época, tendo, como exemplo, o casamento convencianal. ( Jobra-prima de seu autor, que focaliza a vida do engenho e sua decadancia. )romance de tensdo transfigurade em que o autor procura constituir uma outra realidade, de cardter universal, sem esquecer, porém, os problemas do homem da regio, Sua linquagem é original a) 5,4,1,3,2 14. 45. 16. 17. (Vunesp) Loia com atengao o texto a seguir: ‘- Ara, ara, bichinha, Antes pelesses mundoes, viu-que-te-viu, avistei deparado muito que assim-assim, luziluzindo, eu figurava rindo que nem-nem. Apois. A senhora tolere. Nao gloso. Deus esteja, que-que ver a ser isso que nem- nem sei o que for?” Neste tracho, extraido da obra Vencecavalo e Outro Povo, 0 autor, Joa0 Ubaldo Ribeiro, alude paradisticamente ao estilo de: a) Graciliano Remos. b) José Lins do Rego. c) Jodo Guimardes Rosa 4) Osman Lins. e} Dalton Trevisan, (UFPB) Considerando sobretudo as personagens, os trés fragmentos |. Macabéa ficava contente com a posigao social dele porque também tinha orgulho de sor datilégrata, embora ga- rnhasse menes que o salério minimo. Mas ela e Olimpio eram — alguém no mundo. “Metalirgico e datilégrafa” for- mavam um casal de classe. Il, Fita desaparecera da estalagem durante a confusdo da noite. Piedade caire de cama, com um febrdo de quarenta graus; a Machona tinh a orelha rachade ¢ um pé torcido, @ das Dores a cabeca partide; 0 Bruno levara uma nava- hada na coxs. II Sofia... disse de repente Rubido; e continuow com pausa: ~ Sofa, os dias passam mas nenhum homem es- ‘quece & mulher que verdadeiramente gostou dele, ou entde néo merece o nome de hamem. Foram transcritos das narratives: 8) Ana Terra, 0 Cortigo, A Moreninha b) A Hora da Estrela, Ana Terra, Quincas Borba. c} A Moreninha, Triste Fim de Policarpo Quaresma, Memérias de um Sargento de Milica. d) A Hora da Estrela, 0 Cortico, Quincas Borba, ] Ana Terra, A Morte e a Morte de Quincas Barro d’Agua, Memérias Sentimentais de Jodo Miramar. (Fe) Pedra do Sono, O Engenheira, 0 Cao sem Plumes, Morte ¢ Vide Severins, A Educagao pela Pedra sio obras do autor pernambucano: a} Jorge Amado. b} José Lins do Rego ¢) Joao Cabral de Melo Neto. 4) Manuel Bandeira @) Graciliano Ramos. {UFRS) Considere as seguintes afirmagdes sobre a obra dos postas brasileiros: L. Em Romanceiro da Inconfidéncia, Cecilia Meireles elabora, a partir de célebre episddio da historia brasileira, um longo poema narrative que denuncia @ opressao metropolitana sobre a coldnia e celebra a luta pela liberdade. Il, Em Morte @ Vida Severina, Jodo Cabral de Melo Neto epresenta a trajetéria de Severino, que foge da seca, passa polos latifindios canavieiras e acaba nos barracos miserévais da cidade litordnea. Ill. Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, inclui poomas camo “A Flor ea Nausea”, que langam um olhar desencantado @ erltica sobre a cotidiano urbano, Quais estéio corretas? a) Apenes | b] Apenas Il ¢) Apenas | eI 4) Apenas Ile Il. e) Lie. 417 respostas dos testes e das questées 1. e)Tatase da ciewdase qo 6d rarracer tom para cas ha te meristem conta two ameter mein as 1) Orwrodorpururagon dove = * mance Rnbalde Apereons: 4, g gum ebigu do bre: anal 0. Diadorin, Desde ma 6) Grande Serie Yoredas.es ag Jado uinaries Ros. Shs ne 3.8) Comverse de Bois a Sin. 0 Burito Poa a a he Be ne 4184 - Tado6 que voce precisa saber sobre Literatura _ Brasileira em 14 volumes de forma clara ¢ sem segredos N? 13 RS 4,90 000 _werevescalaeducaconal combr

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