Indios Tupi Guarani Na Prehistoria
Indios Tupi Guarani Na Prehistoria
Indios Tupi Guarani Na Prehistoria
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oportunidade de · comemorac;áo dos
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Brasil; incorporando seu autor respeitável ;v)>
galería dos historiógrafos brasileiros". ·
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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
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2000
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
O autor é sócio:
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Prof. Vinícius Nobre Lages
Catalogacao na fonte
Universidade Federal de Alagoas Academia Nacional de la Historia da Republica Argentina
Biblioteca Central
Divisao de Tratamento Técnico
Bibliografia: p. 189-192
ISBN 85-7177-061-1
7
APRESENTA<;ÁO
o
9
opina no presente livro sobre os nossos primitivos habitantes, do inundo. Suas lúcidas recorda96es das atividades técnicas
descrevendD a saga dos índios Tupis Guaranis na pré-história, exercidas na condi9ao de representante do Governo de
suas invasoes do Brasil e do Paraguai e seu destino após o Alagoas na Alemanha, para acompanhar a fundi9ao das estacas
descobrimento. de a90 que serviria1n ao nosso molhe de acostamento portuário,
as soci aram-se a u1na vida social intensa, provida de
Constitui o autor urna expressao excepcional de
encantadores episódios.
versatilidade do brasileiro, assumindo pelo estudo e pelo
co1nportamento exemplar várias atividades culturais, Voltando, na idade provecta, para o mundo interior dos
científicas, políticas, profissionais e sociais e realizando-as seus afetos e sublimando na pesquisa histórica e científica o
co1n notável co1npetencia, espírito público e alta compreensao. fervor i1nane11te do seu brilhante es·p írito, constituiu u1na
biografía que o enfileira entre os inelhores valores nacionais
Privilegiado como os Caetés, cujas tragédias e sacrificios
da nossa história. Seus trabalhos sobre os CapitG.es, Naus e
tanto estudou, por urna saudável longevidade, pode realizar
Caravelas da Armada de Cabra! , como o referente a
com serena e firme disposi9ao trabalho de alta responsabilidade
Navega9ao de 1501 ao Brasil e Américo Vespú c io sao
e de interesse nacional.
definitivos, contribui9ao relevante.
Quando jovem, diplo1nado e1n química industrial e
David S. Landes, professor de Harvard, nos Estados
bacharel em direito, conquistou, em ruidoso concurso, a
Unidos, recentemente, em sua monumental obra sobre Riqueza
cátedra de física do venerando Lyceu Alagoano. Despertado
e Pobreza das Na9oes, na qual se propos fazer história
para a problemática da agro-indústria canavieira, dominante
rnundial, faz registros acordes com os conceito s e
no Estado e seditnentada num passado histórico respeitável,
ü1terpreta96es do historiador alagoano, como por exe1nplo
porquanto representando base economico-financeira do
110 capítulo "Oriente a Vista", transcreve de Thomas Astley
período da coloniza9ao, enriquecendo os cofres lisboetas,
o seguinte:
tomou-se, pelo conhecimento e pela a9ao, referencia nacional,
exercendo postos de relevo na área e publicando trabalhos de "De todos os grandes eventos que aconteceram no
excepcional valor. mundo e1n eras recentes, aqueles que d.izem respeito a viagens
, e descobri1nentos, feitos por europeus nos séculos XV e XVI
Seu livro O Problen1a do Alcool Motor, prefaciado por
reivindica1n justamente a preferencia( ... ) No mérito e glória
José Lins do Rego, há quase meio século, ainda p ermanece
desses fe itos os portugueses tem direito sem qualquer
como urna espécie de breviário nos meios técnicos e científicos
controvérsia a primeira e maior parcela( ... ) Cumpre ad1nitir
especializados.
que eles foram os primeiros a empreender a navega9ao do
Após urna notável forma9ao cultural na Europa e oceano e a meter nas cabe9as de outras na96es prosseguirem
especialmente na Escandinávia, adquiriu o status de cidadao no descobrünento de distantes regioes. Outras na96es estavam
10 11
tao longe da vanguarda assumida pelos portugueses em Seu currículum vitae, enriquecido de trabalhos históricos,
TENTATIVAS desse genero que e~tes últimos estiveram registra urna tragetória de homem de letras e a9ao pública e
levando a cabo seus empreendimencos por cerca de ·o itenta profissional de reconhecido valor. O livro ora apresentado,
anos, antes que qualquer de seus vizinhos parecessem ter seqüencia respeitável de polimorfa atividade de pesquisa e
pensado, sequer, em descobrimentos ultramarinos ( ... ) Os interpreta9ao, pela amplit~de do tempo, tem um alcance maior
numerosos eventos desm~nstraram que os planos eram na análise e exame dos assuntos a ordenar.
resultados de sólidos raciocínios formados a partir das bases
Discorre sobre o homem americano, formulando
mais racionais".
interpreta9oes originais dos seus movimentos e migra9oes.
E inais adiante: Minucioso, descreve as conexoes dos tipos de indígenas
estabelecidos na área brasileira:
"A anterior experiencia dos portugueses no uso dos
ventas alíseos para facilitar o seu regresso através das ilhas "Os menos cultos, provavelmente os mais antigos, j á
foi-lhes proveitosamas numa diferente dire9ao. Após décadas, esquecidos de suas tradi9oes e absorvidos pelo novo genero
percorrendo e bordej ando seu caminho no rumo sul eles de vida, ambientaram-se para assegurar a existencia. Nao se
enfunaram as velas e deram o audacioso passo de derivar
dedicaram logo aagricultura, vivendo da ca9a, pesca e coleta
ainda mais para oeste, cruzando deliberadamente o oceano
de frutos e raízes. Os vínculos culturais com os ancestrais
para o Brasil, antes de retomar o rumo sudeste. Nao se <leve
pensar que tudo isso foi obra do acaso. Os portugueses deixaram de prevalecer. Constituíam a maioria ,j.ndia, cujo
puderam agir assim porque tinham aprendido a calcular latitude. exemplo era a família G, a mais velha do país~ além dos
No Atlántico Norte, os marinheiros tinham sempre determinado aünorés, segundo alguns cientistas. Estes aborígenes incultos
sua localiz:a9ao norte-sul pela altura da estrela polar." eram chamados tapuias pelos tupis. Os guaianases eram
considerados bárbaros pelos Guaranís."
E continua:
Discute também o centro de origem tupi-guarani.
"Parte dessa atividade foi obra da coroa portuguesa e
de um dos seus príncipes, o devoto e obstinado Infante D. Transcreve o diário de navega9ao de Pero Lopes de Souza,
Henrique (do qual se diz que teria marrido virgem) em 1531, e descreve urna verdadeira batalha naval, na Baía de
cognominado O Navegador, que edificou o centro de Todos os Santos.
pesquisas náuticas no promontório de Sagres e aí destinou
"Os índios Tupis do tempo do Descobrimento, lutavam
décadas de investiga9oes sobre a ciencia e técnica de govemar
com suas igara9ús (canoas grandes), protegidas das setas
e navegar em alto mar."
inimigas por escudos pintados como faziam os portugueses,
Como vemos, há urna louvável sintonía no entendimento para se defenderem dos tiros de seus adversários. Aquelas
e nas descri9oes com os trabalhos do pes,quisador das canoas grandes deviam lembrar os esguios navios Vikings ·
Alagoas. apavesados para o combate. Usavam assim um tra90 de .
12 13
civiliza9ao da época, conseqüente da inteligencia desses índios conservando os cabelos, que sao naturahnente lisos e nao
da costa d@ Brasil." encarapinhados como os dos negros. As inulheres gastando
inuito de pentear-se e arranjá-los e1n torno a cabe9a e nao
E continua: deixando nunca pela inanha de lavá-los e untá-los co1n óleo
"Verificara-se u1na verdadeira batalha naval de arcos e de urucu".
setas, algumas incendiárias. Ce1n barcos com o efetivo de Capítulo interessante, també1n, é o referente aos Ta1noios
seis mil homens, travada <liante da esquadra do irmao de Martün do Rio de Janeiro, realc;ando a a9ao pacificadora de Nóbrega
Afonso de Souza, sem os contendores se preocuparem com e Anchieta, sua história e trágico desapareci1nento.
a sua prese119a! Espetáculo extraordinário para os marujas da
Os Tupis de Sao Paulo , a cac;a ao índio, os
frota lusa, que ainda testemunhara1n a antropofagia ritual dos
quatrocentoes e bandeirantes, os Luso-tupis de Sao Paulo,
Tupis que devoraram os inimigos capturados após suas
que conquistaram lugar na história brasileira, 1nereceram
cerimonias tradicionais."
esclarecida atenc;ao.
''E1n suas igara9ús de piri-piri, nas águas do rio e do As Amazonas e os Passé foram descritos assim co1no
1nar, os deste1nidos Caetés da inargem esquerda do Sao a invasao da Amazonia Brasileira pelos Tupis.
Francisco guerreavam os Tupinambás da margem aposta ,
Sergipana, do litoral baiano e da própria Bahía de Todos os E o livro em aprec;o urna espécie de caleidoscópio
Santos. Seus contrários deviam empregar nas lutas as canoas diversificado, dando-nos urna impressao panora1nica
de troncos escavados das grandes árvores." fortalecida pela verdade histórica dos nossos pri1nitivos
habitantes. Assim, esse extenso trabalho documentado e
Os Incas fora1n estudados com grandes atenc;oes. Atento didatica1nente distribuído, e1n linguage1n escorreita, burilado
aos problemas dos Caetés de Alagoas e de Perna1nbuco, mesmo, representa contribui9ao nacional expressiva para o
descreve aspectos a1nbientais, per1nitindo se restaurar a conheci1nento do nosso passado e, mais i1nportante,
verdade histórica sobre a marte do Bispo D. Pero Fernandes porquanto se efetiva na oportunidade de come1nora9ao dos
Sardinha, libertando os Caetés da inácula, da agressao e da quinhentos anos do descobrünento, incorporando seu autor a
antropofagia, nacionahnente conhecida. E afirmac;ao corajosa, respeitável galería dos historiógrafos brasileiros.
porquanto trata-se de um episódio de intensa divulgac;ao e
servindo de ele1nento de compara9ao até para estudos literários.
IB GATTO FALCÁO
Analisando a estatura e longevidade dos índios
Tt1pina1nbás do Maranhao, registra informa96es interessantes, Presidente da Acade1nia Alagoana de Letras
co1no a de que mulheres de oitenta a ce1n anos davam de Decano do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas
mamar a crian9as, de1nonstrando sere1n capazes de conceber
e ter filhos nessa idade. E. faz u1n registro a beleza natural,
anotando "a existencia de rapazes e raparigas tao bonitas
quanto as de qualquer outro lugar, a exce9ao da cor e
14 15
1. O Homem Americano
l. O Homem Americano
,
Em suas viagens destinadas a Asia no final do século
XV e início do XVI, Cristóvao Colombo chegara as Antilhas,
que julgou fazerem parte das ilhas, de vanguarda da sua almejada
"Cypango" (Japao) e das Indias, com suas valiosas
. .
espec1ar1as.
Os tripulantes da armada do Almirante do Mar Oceano
chamaram os "índios" os estranhos ,
habitantes daquelas
insulas. Pois nao se encontravam na India? E assim ficaram
denominados os que viviam nas Antilhas e no continente
vizinho, que também. recebeu tempos depois o nome de .
América, um outro engano histórico.
Mais tarde, os nativos de todo o continente
americano, além dos índios, vieram a ser ainda:
indígenas, silvícolas ou selvícolas, aborígines,
selvagens, gentios e ameríndios (índios americanos).
Colombo encontrou nas Antilhas os índios Tainos,
da na9ao Aruak, obtendo deles informa9oes sobre
aquelas ilhas. Bem como conheceu índios pintados de
vermelho, os ferozes Caribes, comedores de carne
hu1nana, que atacavam os Tainos e costumavam roubar
suas mulheres. Os indígenas destas duas na9oes, Aruak
.. •
~ ;-"' '--· .... - ........ __,,,... e Caribe, já haviam se irradiado por várias partes da
1
1
1 América do Sul, além das Antilhas.
1
1
l.
¡.
A notícia da descoberta de terra firme a oeste do
Mar Oceano chegou rápida ao conhecimento dos
perplexos humanistas da Europa. E nao tardaram as
18 19
suposi9oes concernentes á origem dos seus habitantes,
preocuparam-se pelo problema da ocupa9ao original da
de um t4po diferente dos europeus e africanos. Teriam
América. Já se sabia que nao foram autóctones que o
procedencia externa ou seriam autóctones das terras
fizeram , e sim componentes de migra9oes externas.
recém-achadas? Come9ara1n entao as pesquisas realizadas por sábios
Hipóteses inumeráveis foram lan9adas por eruditos interessados da questao. Quatrefages foi um deles,
sobre a problemática questao. A mais interessante surgiu estudando as rela9oes do único cranio conhecido do
da lembran9a de urna história lendária, que viera do Egito Homem da Lagoa Santa no Brasil, com os cranios da
n~ antigüidade e expandira-se pela Grécia de Platao. F ora Nova Guiné <1) .
tao acreditado o mito da Atlantida em pleno Mar Oceano, No início do século atual Hrdli9ka, a frente de seus
que os gregos lhe deram o nome de Atlantico, que nunca colegas cientistas americanos elaborou um esquema
mais o deixou . sobre os que se apossaram primordialmente das terras
A lenda revivera no século XVI. Atlantes teriam dos Estados Unidos. Conforme o autor, esses ocupantes
sido salvos da espantosa imersao da Atlantida, existente formavam urna única ra9a, desde os da América do Norte
aos da Terra do F ogo. Sua origem racial era a mongolóide, .
no Mar Oceano, e haviam povoado o imenso território
nao sendo portanto autóctone. Alcan9aram a América, vindos
da América? Opinioes de toda a natureza eclodiam
das regioes setentrionais da Ásia oriental. E os Esquimós que
sucessivamente ao correr dos anos. Vieram de outras
desceram do Ártico, constituíam o grupo mais representativo
plagas conhecidas da Fenícia de navegadores, da Suméria , . ,.
das caracter1st1cas mongo1s.
ou do Egito. Aqueles índios morenos do Novo Mundo?
O estreito de Behring fora o caminho utilizado pelos
Nos séculos posteriores, XVI e XVII, o capitalismo
invasores mongolóides, no extremo noroeste
,
do continente,
internacional estendera-se exigente pelo globo terrestre,
que teria sido antes um istmo unindo Asia e América, como
nao permitindo a ciencia cuidar da origem dos primeiros
admitiam alguns autores. As migra9oes eram relativamente
habitantes do novo continente. Os veleiros da época recentes, cerca de 1O mil anos atrás; e se processaram, pelo
conduziam gente da Europa, em busca de urna melhoria inenos, em quatro ondas. Tanto Hrdli9ka, como os seus
de vida no outro lado do mundo. Outros barcos mais colaboradores, nao concordam comas migra9oes marítimas
modestos levavam como carga os negros africanos de outros povos para o continente americano <2).
escravos para as planta9oes da América. Destinadas ao
comércio mundial. As teses de Hrdli9ka da unidade racial do "Homem
Americano" e da sua origem única mongolóide, sofreram fortes
A partir de 1800, com ·o progresso dos
con he cimento s c i en tí f i c os , a 1g un s estudio so s (1)- Arthur Ra1nos, "lntrodu<;ao a Antropologia Brasile ira- As Culturas Nao-
Européias" - p. 40, Rio de Janeiro
(2)- Ramos, op. Cit.p .38
20
21
críticas dos cientistas europeus, apelidado-as de" Monroísmo Desembarcavam desde a Califórnia a Terra do
Antropologico" . E os membros da escola histórico-cultural Fogo , na costa ocidental da América. Partiam de ilhas
perceberam no plano antropológico-fisico e também cultural, distantes do grande oceano - da Austrália, Melanésia,
conexoes do "Homem Americano" com tipos e culturas de Indoné s ia e Polinésia. As provas que levavam das
outras regioes nao só asiáticas, como oceanicas-melanésias, procedencias eram as conexoes de suas culturas com
indonésias e polinésias (3) _ as das insulas que deixaram.
Passado meio século , com a amplia9ao dos A menor daquelas migra9oes, a mais meridional ,
conhecimentos antropológicos, tomando-se evidente que o v iria do sul da Austrália, talvez da Ilha Tasmania. Dera
"Homem Americano" nao era autóctone, pode-se entender lugar na Patagonia Argentina aos agigantados índios
como se deu o povoamento mais antigo do território americano Patagoes, diferentes dos outros gentios sul-americanos;
por grupos alienígenos. Dos quais, pequenas fra9oes de e também os Fueguinos da Terra do Fogo , na
Esquimós do norte , na dire9ao sul, mas que nao foram além extremidade sul do continente. Estes índios nao se
do Canadá atual. E de admitir-se que um segundo grupo, expandiram para long e de suas áreas. Alguns tra9os
também escasso de Mongóis, emigrara do extremo nordeste culturais foram encontrados entre os seus indígenas - o .
,
da Asia, conseguindo chegar ao Alasca e ás terras do inanto de peles, as cho9as em colmeia de abelha, o bote
Canadá, mas sem ultrapassá-las. Eram mongolóides de corti9a, armas como o bu1nerang (arma de arremesso
nórdicos, e como os Esquimós, só suportariam viver u sada pelos índios australianos), a técnica de tran9as
no clima frígido do norte da América. Essas migra9oes cordoes. Todos indicando vincula9oes australianas <4) _
terrestres f oram em número reduzido e compostas de O segundo grupo insular da Oceanía a considerar-
indivíduos que as empreendiam, devido a circunstancias se é o da Melanésia,, de área reduzida, que se situa ao
adversas. norte da Austrália. E constituída de algumas pequenas
Teriam sido essas as poucas incursoes terrestres a ilhas e de urna grande, a Nova Guiné.
América em sua pré-história. A Melanésia, cujo nome advém da cor escura dos seus
As demais, de maior importancia, foram as habitantes e também da Guiné africana, pela mesma razao.
1nigra9oes oceanicas atra vés do Pacífico, que Contribuiu para o povoamento, utilizando as balsas do
consolidam em alguns milenios o amplo povoamento do Pacífico.
novo continente. Há provas claras da presen9a do seu gentio na península
da Califómia. Vimos antes o trabalho de Quatrefages sobre a
semelhan9a de um cranio do Brasil e os da Nova Guiné.
22 23
Poucos anos depois, Ten Kate mostrou sua rela9ao "na parte Os Polinésios, situando-se a menor distancia da orla
sul da península da Baixa Califómia entra as ra9as da Lago a marítima, devem ter chegado lá, em procura de terras para a
Santa e as da Melanésia". No mesmo século, vários sua sobrevivencia, antes de quaisquer outros insulares do
antropólogos descobriram na América objetos tipicamente Pacífico. O que também foi facilitado pela capacidade de
Polinésios e Melanésios <5). destemor de seus homens·do mar, os mais notáveis da Oceanía.
O terceiro grupo invasor oceanico - da Indonésia, fora Segundo um estudioso de navíos antígos, um belo día
seguramente o mais numeroso. Estas ilhas
,
avizinhavam-se do os Polínésios "tomaram um peda90 de madeíra comprido e
sudeste da China e do limite leste da India. A sua distancia estreíto, que se prendía na parte de fora da canoa, correndo
média ao continente americano ultrapassava os vinte mil paralelo com ela numa distancia de cinco ou seis pés" C7) . Por
quilómetros. Suas popula9oes eram Malaias e a língua usada meio <leste simples invento as canoas em vez de emborcarem
pertencia afamília Malaio-Indonésia. facilmente nas ondas do mar, tornaram-se "quase
insubmersíveis nas maos de marujos peritos ... aquele peda90
Eramos Malaios-Indonésios navegadores tao hábeis
horizontal de madeira atua como contrapeso e evita o naufrágio
como os Polinésios; e antes da descoberta de Colombo, já
em mar grosso".
dominavam a navega9ao do Pacífico. Os Indonésios
realizaram suas migra9oes a América em balsas de origem Os ingleses denominaram as canoas polinésias assim
chinesa; e mais tarde, provavelmente em outras embarca9oes aparelhadas de "out-riggers", que significa " barcos de
da mesma procedencia. Faziam longas e perigosas viagens equipamentos por fora". Podiam usar no centro das canoas
pela Oceanía, arrostando correntes marítimas, ventos pequenas velas de esteiras ou de pele, o que adiantava a
contrários ou escassos e os tufües do Oriente, que, eles, peritos navega9ao pelos ventos favoráveis, além de facilitar o descanso
das surpresas do mar, sabiam enfrentar. dos remadores. Existiu também a canoa dupla, ligada urna a
outra horizontalmente, com urna vela instalada entre ambas e
Atribuí-se a cultura Indonésia a arma sarabatana e a
mais um cubículo coberto para guardar água, objetos
lenda "do primeiro homem de urna cana de bambu" <6).
indispensáveis e mantimentos. Esse tipo de canoa seria o mais
·o
último dos grupos insulares do Pacífico, o da apropriado para viagens longas <8 ).
Polinésia, era o mais próximo do litoral da América do Sul. A
Inicialmente essas canoas da Polinésia podiam ter ido
sua posi9ao longitudinal de leste a oeste estende-se por quase
até aquele litoral em pequenas incursoes e viagens de
dez mil quilómetros e suas ilhas distam de quatro a dez mil
explora9ao, pois os seus sabiam navegá-las, manejando-as
daquela costa.
com os ventos variáveis do Pacífico.
(5)- Idem, p.40. (7)- Hendrik Wilhem Van Loon, "Navíos"- Aukland, Nova Zelandia - Tradu<;ao
(6)- Wilhelm Schimidt, "Etnologia Sul-Americana" - Tradu<;ao portuguesa de Sérgio portuguesa de Erico Veríssitno, p.25,1936.
Buarque de Holanda, p.204, 1942. (8)- Ibdem - Ver desenhos do autor em seu livro a pp.24 e 28.
24 25
As migrac;oes dos Polinésios aAmérica se intensificaram incrustac;oes dos incisivos; a amputac;ao das falanges, como
como advénto das balsas, as grandes jangadas feitas de junco, sinal de luto; a trepanac;ao craniana; as habitac;oes sobre
bambu, tábuas e até peles, que tiveram princípio no Mar da árvores; a cultura em terrac;o com irrigac;ao; o "ikaiten"
China. Dali expandiram-se pelo Pacífico. As balsas mais (processo de tintura das fibras); a fabricac;ao de bebidas
amplas que os "out-riggers (balancins), eram capazes de fermentadas pela mastigac;ao dos frutos ou graos; as cordas
transportar mais gente e alimentos; navegavam com mais de nós, como meio de numerac;ao ("kipu"); os mitos funerais"
( 10)
seguranc;a e venciam enormes distancias com suas grandes
velas, além de diversificarem as migrac;oes da Oceanía para o Há mais outras vinculac;oes importantes, como a balsa,
Novo Mundo. invenc;ao chinesa, constituída de junco e bambu, usada pelos
Wilhelm Schimidt cita Friederici a tradic;ao dos peruanos navegadores do Pacífico e também embarcac;oes
"que teriam aprendido a arte da navegac;ao avela de Viracocha, características do Peru. Os escudos quadrangulares e
o qual lhes viera do lado do mar em urna balsa veleira", e que redondos aparecem entre os povos dos Andes-Chibchas e
"essa tradic;ao <leve dirigir nossa atenc;ao imediatamente para Quichuas; enquanto os redondos também foram usados pelos
os Polinésios ... " <9>. As ilhas da Páscoa, Tuamotu e Marquesas, antigos Tupis da Bahía <11) .
estas situadas mais perto da orla ocidental Sul-Americana, do
Existiam muitos elementos da cultura espiritual dos
que as demais ilhas do Pacífico.
índios Sul-Americanos, derivados de mitologías dos povos
As provas etnológicas das concordancias culturais de do Pacífico, de onde sao originais. A mitología solar é da
Malaios-Polinésios e ameríndios foram apresentadas por W. Oceania, e a mais importante dos Incas do Peru, que se
Schimidt, Nordenskjold e outros etnólogos na primeira década consideravam "filhos de Inte", o Sol.
do século XX. Sao estas as conexoes entao mais conhecidas,
O comec;o dessas migrac;oes oceanicas para a América
que confirmavam as origens oceanicas dos índios americanos:
nao está determinado. Mas a sua intensificac;ao pode-se
"A rede, as danc;as rituais de máscaras; as pontes i1naginar em séculos ou milenios. Dependeram das
suspensas; propulsor de flechas, a sarabatana; o "are a baile" possibilidades progressivas da navegac;ao do Pacífico. E os
a massa feita de pedra anular ou em forma de estrela; os povos que as empreenderam sao identificados pela conexao
machados de cabo em cotovelo; as cabec;as-troféus; a flauta de elementos das suas culturas com os herdados por seus
de Pan; o tambor de madeira, para sinais; o tambor cilíndrico descendentes do novo habitat.
de membrana de pele; o arco musical; o charinga; o estojo de
penis; os vestidos de certas cascas de árvore abatida (o "tapa"
polinésio); certos jogos de azar; as mutilac;oes dentárias e as
(10)- Ramos, op.cit.p.41.
(9)- W . Schirnid t, op.cit.p.187. (11)- W. Schün idt, op.cit.pp.85 e 89.
26 27
americanos. Mais tarde ·somariam milhoes, falando
As migra9oes maiores resultavam de pressoes
várias línguas e senhores de um continente.
demográficas locais, perturbando o equilíbrio alimentar das
popula9oes, ou ainda pior, para se livrarem de ataques inimigos. Os povoadores oceanicos agruparam-se nas
De qualquer maneira, com todos aqueles séculos, duas zonas continentais: a alta, dos Andes a oeste; e a
milenios talvez, tomou-se bem amplo o número de migrantes baixa, a oriental, compreendendo principalmente o
desembarcados nas costas ocidentais americanas. E muito Brasil.
maior teria sido a multiplica9ao dos grupos dispersados nas Na área brasileira estabeleceram-se dois tipos de
plagas sem fim do Novo Mundo. indígenas. Os menos cultos, provavelmente os mais
Os emigrantes que levavam suas embarca9oes a antigos, já esquecidos de suas tradi9oes e absorvidos
orla do continente meridional, estendendo-se por mais pelo novo genero de vida, ambientaram-se para assegurar a
de oito mil quilómetros, da Colombia a Terrado Fogo, existencia. Nao se dedicaram logo a agricultura, viyendo de
nao se demoraram a beira do mar. Dirigiram-se para o ca9a, pesca e coleta de frutos e raízes. Os vínculos culturais
interior. Alguns deles fixaram-se perto do litoral, mas com os ancestrais deixaram de prevalecer. Constituíam a
a maioria penetrou aterra, de onde se avistava ao longe maioria índia, cujo exemplo era a família "Ge", a mais velha
as altas montanhas coroadas de neve da Cordilheira do país além dos Ayp:iorés, segundo_alguns cientistas. Estes
dos Andes. Era apaixonante galgá-las e saber o que aborígenes incultos eram chamados "Tapuias" pelos Tupis.
havia além delas. Seria mais um oceano irmao . do Os "Guaianases" eram considerados bárbaros pelos Guaranís.
Pacífico ou extensoes infindas, sem nunca atingirem
O segundo tipo da zona oriental possuía um certo
o horizonte?
adiantamento cultural, sendo descobertos pelos etnológicos
Avan9aram os mais audazes. Após transporem tra9os das culturas <lestes indígenas conexas com as originais
as montanhas andinas, depararam vastos altiplanos, das ilhas do Pacífico. Eles praticavam regularmente a
onde se deixaram ficar os que nao temiam o frio das agricultura junto as aldeias, abastecendo-se sobretudo do
alturas. plantio do milho e da mandioca com suas versatilidades. Como
Os insulares em sua maior parte, no entanto, auxílio de seu sustento, ca9avam e pescavam, além de
devem ter descido as encostas orientais dos Andes e coletarem produtos naturais.
seus planaltos, espalhando-se por milhares de léguas
Destacavam-se nesta última categoria os Aruak, como
de norte a sul. Mergulharam em florestas tropicais e
hábeis agricultores e ceramistas, e os ameríndios das na9oes
ríos de águas copiosas, nunca imaginadas por eles.
Tupi e Guarani, que vieram originalmente no altiplano boliviano,
Ocuparam no passar dos anos segmentos do imenso
território da América do Sul. Eram agora índios indo para o Brasil e o Paraguai no come90 do século XIV.
29
28
Um terceiro grupo de oceanicos nao desceu das alturas
andinas. "Era constituído de povos ricos de urna "cultura
superior", a dos outros índios americanos do sul. Habitavam
os planaltos no pé das montanhas. Ao que parece, haviam
chegado por último.
Os "povos andinos" conhecidos foram os Araucanos
do Chile, os Aymaras do Lago Titicaca peru-boliviano, os
Quichuas de Cusco no Peru e os Chibchas do Equador e
Colombia. Nestas na9oes falavam-se línguas bem estruturadas
e da mesma fei9ao dos idiomas Tupi e Guarani, que também
devem ter nascido de urna língua-mae nos Andes. Os Incas
eram um povo oceanico de civiliza9ao estranha, que dominou
quatro países andinos.
30
2. O Centro de Origem dos Tupi-Guarani
32
33
o que nao seria ·O caso dos Tupis e Guaranis, que formaram era o dos í11dios Taino nas Grandes Antilhas; segundo
suas na96es em outro país. encontrava-se nas bacías superiores dos rios Jurttá e Púrus
no Brasil, com várias línguas Aruak; o terceiro e quarto estavam
A respeito, Alfred Metraux deixou-nos a seguinte
na Montanha do Peru Oriental; o quinto o ramo inaipurano de
advertencia:
muitas línguas; o sexto, o apodista junto a u1n afluente do
"do ponto de vista etnográfico e histórico, seu centro Beni, na Monta11ha da Bolívia; e o sétimo, o último, o dos
de "dispersao" (dos Tupi-Guaraní), teria sido a bacia do Uru ein diversas áreas da bacía do Titicaca.
Tapajós ou pelo 1nenos, os contrafortes do planalto brasileiro,
Propt1sera Noble a hipótese pela qual o "proto-aruak"
nada provando ·c ontudo que esse tivesse sido o seu ponto de
origem" (3) . tivera a sua orige1n há quatro ou cinco mil anos, entre o alto
curso dos rios Ucayalli e Madre de Dios. Proposta que Lathrap
nao concordou.
Escrevera Arthur Ramos que este problema das origens Considera Lathrap por ''lfnguas aparentadas" quaisquer
ainda nao fora resolvido. grupos derivados de urna" língua-mae" úni ca que existiu ein
Donald W. Lathrap publicou em 1970, o "Upper época passada, da mesma 1naneira que as lí11guas ro1nanicas
Amazon" (4) ' no qual examina estudos e conclusoes de um m odernas deriva1n do lati1n. Quando o p arentesco se
trabalho de Noble G. Kingsley no ano de 1965, intitulado de1nonstra por meio de métodos comparativ os válidos,
·" Arawkan and its descendents" (s) . Eis em resumo as estamos <liante de .u1na família lingüística e pode-se deduzir
observa96es de Lathrap- ' que as línguas em causa divergiram num espac;o de tempo
relativa1nente curto. Nas línguas romanicas este período durou
As línguas do grupo Aruak tiveram a maior dispersao
um pot1co menos de do is 1nil anos C7).
geográfica na América do Sul, atingindo o Grande Chaco.
Abrangeram urna parte enorme do continente, desde as O autor passa depois a co1nentar as pesquisas
proximidades da foz do Amazonas e do Alto Xingu a leste, lingüísticas de Noble, no que respeita aos Art1al< e o grupo
até a Montanha Peruana Superior e a hacia do Titicaca, a Tupi-Guarani, lastimando "que nao se possuam estudos
oeste (6) . co1nparativos minuciosos relativos aos diversos ra1nos do
Tupi-Guarani e nao se fizeram tentativas no sen.ti do de
Noble Kingsley efetuara urna análise co1npleta das
conhecer a sua proto-língua, e1nbora Arion Rodrigues tenha
línguas Aruak. Segundo o autor, o grupo lingüístico era
composto de sete ramos ou famílias. O primeiro dos ramos procurado, a.inda que empiricamente, o seu grau de parentesco
a base do vocabulário co1nu1n" (S) .
(3)- Ramos, op.cit.p.82.
11
(4)- Editado em portugues, no ano 1975, co1n o título Alto Amazonas'1 •
(5)- " Indiana University Publication in Antropólogy and Linguistics" - nº 38, Bloo1nington. (7)- Iden1.
(6)- Lathrap, op.cit.pp.75-76. (8)- Lathra p,op.cit. p.81 .
34 35
Resumiu Lathrap o que descobrira o lingüista: Evidentemente os Tupi-Guarani também viveram na
Bolívia andina, ao mesmo tempo que os Aruak e na sua
vizinhan9a, sendo mesmo possível que os dois povos
"Noble demonstrou que o proto-aruak tem em comum derivassem de urna só, cuja língua-mae pertencera a ambos.
coma proto-língua do grupo ,tupi-guarani, urna parte apreciável
do seu vocabulário básico. E portanto provável que o" proto- Qual será entao o ponto certo em que se estabeleceram
aruak-tupi-guarani" sejam apresentados e é certo que eram os Aruak, Tupi e vários outros povos desconhecidos? Nao
pelo menos muito afins, em época imediatamente anterior a havia ainda no seio dos recém-chegados
,
os nomes Aruak,
sua dispersao" <9). Tupi, tao pouco Guaraní. E fora de dúvida que entre todos os
sítios possíveis para recebe-los, destacava-se o lago Titicaca
pelas vantagens manifestas que apresentava para a localiza9ao
Cumpre examinar-se agora os dados apresentados por daqueles estrangeiros. Bastaria talvez a todos eles, sua
Lathrap e Noble sobre as línguas Aruak-Tupi Guaraní em esplendorosa paisagem andina.
tempos remotos, determinando suas claras conseqüencias. A op9ao pela regiao do Titicaca como centro de origem
a
Missionários jesuítas vindos América do Sul comos dos Tupis na América do Sul, oferecia boas razoes presentes
conquistadores espanhóis, reconheceram seguramente o e futuras. Já Von Martius no século passado, por intui9ao e o
parentesco entre as várias línguas Aruak em vocabulários saber geográfico da posi9ao ideal para a descida do planalto
recolhidos nos Ihanos de Mojos, ao norte da Bolívia (IO). E boliviano pelos andinos, em dire9ao ao leste do continente,
Noble em sua análise, encontrou sete ramos da família Aruak, indicava aquela estratégica localiza9ao.
situado um deles em afluente dorio Beni, na Montanha da Há urna prova convincente que leva o habitat dos Tupis
Bolívia, e ou outro em áreas diversas da hacia do lago Titicaca, as margens do lago Titicaca ainda neste milenio, a cerca de
com índios Urus. duzentos anos antes do descobrimento do Brasil. Urna tradi9ao
Ternos pois a primeira conclusao: os Aruak, em período concreta e relativamente recente.
remoto da pré-história, habitavam em conhecidos sítios a
Em época longínqua, viviam beira do Titicaca os índios
bolivianos. A Segunda decorre do exame detalhado de Noble Urus, de cor quase negra, que deviam ser por isto, originários
Kingsley: o proto-Aruak tinha em comum coma proto-língua da Melanésia. Falavam urna língua aparentada com a dos
do grupo Tupi-Guarani, urna parte apreciável do seu Aruak, conforme vários lingüistas. Sujos e pregui9osos, estes
vocabulário básico. selvagens nao se misturavam com outros índios. Alimentavam-
se da pesca no grande lago. ·
Deve-se a eles a inven9ao de embarca9oes estreitas de
(9)- Ibde11~
(10)- Lathrap,op.cit.p.76. junco-esquifes, com um só homem de j oelhos, para a pesca.
36 37
. . -----~------,------------------,-------,-----:-------
Mais tarde, ca11oas maiores foram feitas por outros indígenas brandas e rijas, e com estes molhos atados em urnas varas
locais e :flotilhas delas sulcavam as águas do Titicaca. Era1n grossas faziam urna fei9ao de einbarca9oes, em que cabiam
munidas afrente com urna vela de juncos tran9ados, estendida dez a doze índios, que se re1nava1n muito bem, e nelas
entre duas varas, que de longe parece u1na asa de borboleta. guerreava1n com os Tupinambás neste rio de Sao Francisco,
( 11 )
e se faziam uns aos outros muito dano. E aconteceu por 1nuitas
vezes os fazerem os Caetés desta palha tamanhas e1nbarca9oes
O professor de Helsingfors Rafael Karsten <12) , que
que vinhan1 nelas ao longo da costa fazer seus saltos aso
visitou o local, afirmara que no Titicaca podia-se ver ainda a
Tupinambás junto aBahía".
poucos anos "os pescadores Ay1naras avan9are1n sobre a
água em suas embarca95es prünitivas, construídas co1n os A parte final do texto de Soares é confirmada pelo
juncos "totora" e propulsadas por velas feitas d.o mes1no "Diário de N avega9ao de· Pero Lopes de Souza", em data
material" <13) . muito anterior, inais de cinqüenta anos antes, pois a frota de
Lopes entrara na Babia de Todos os Santos a 13 de mar90 de
Pois há um curioso excerto do livro de Gabriel Soares
1531, donde partiu a 17 do mesmo mes.
de Souza ( l 4) , 110 qual descreve o cronista surpreendido, a
estranha 11abilidade dos índios Caetés da margem alagoana Registra o "Diário" da frota de Lopes:
do rio Sao Francisco, para construir einbarca95es usando
u1n junco local, o "piripiri", sendo capazes as inaiores de
r
navegar nas aguas ocean1cas.
A '
"Estando nesta Babia no meio .do., rio, pelejaram
cinqüenta almadias (canoas) de urna banda y cinqüenta.de
Ei-lo:
outra, que cada almadi~ traz sessenta homen~,. ~qdos
apavesados de paveses pintados como os nossos (escudos
.. "As embarca95es de que este gentío (Caeté) usava, eram grandes); e pelejaram desde o meio dia até o sol posto; as
'
u1na palha comprida... a que eles chamam "piripiri", a qual cinqüenta almadias da banda de que estávamos surtos fdram
palha fazem e1n molhos muito apertados, com urnas varas vencedores; e trouxeram muitos dos outrós cativos·, -'e os
co1no vi1ne a que eles cha1nam "timbós'', que sao muito matavam com grandes cerimonias, presos por cordas, e
depois de mortos os assavam e comia1n ... " <15 ) .
Os índios Tupis do tempo do Descobrimento, lutavam
(11 )-Siegfried Hüber, " In1 Reich der Tnkas" - Tradu~ao portuguesa" O segredo dos Incas", com suas igara9ús (canoas grandes), protegidas da~ setas
p.37- 1958, Bel o Horizonte-Gravura nº 6, de um barco de junco local (totora) co1n vela.
(12)- R.Karsten "La Civilisation de I'E1npire Inca, p.27, Payot-Paris, 1958.
inimigas por escudos pintados como faziam
.
os portug~eses,
.
(13)- Tradu~ao portuguesa. É do conhecin1ento geral a existencia desses barcos
característicos daquele lago andino. (15)- "Diário de N avega\aO de Pero Lo pes de So usa, 1530-1532" - Prefácio de Capistrano
(14)- Gabriel Soares de Sousa, "Tratado Descritivo do Brasil em 1587" - 4ª Ed,p.62-Sao de Abreu. Estudo Crítico pelo Comandante Eugenio de Castr.O. - Vol.l, 2ª Ed.pp.157-
Paulo, 1971. 159 - Rio de Jnaeiro, 1940
38 39
para se defenderem dos tiros de seus adversários. Aquelas mestres, por necessitarem de enormes canoas que pudessem
canoas grandes deviam lembrar os esguios navios Vikings navegar sobre as ondas do Atlantico.
apavesados para o combate. Usavam assim um tra90 de Desconhece-se a existencia em todo o litoral brasileiro
civiliza9ao da época, conseqüente da inteligencia <lestes índios nos séculas passados desses barcos de junco, capazes de
da costa do Brasil. sulcar as águas oceanicas, exceto os do Caetés. As canoas
Verificara-se urna verdadeira batalha naval de arcos e comuns dos ameríndios do Brasil eram fe itas de cascas ou
setas, algumas incendiárias. Cem barcos com o efeti vo de troncos de árvores pelos Tupinambás em geral.
seis mil homens, travada <liante da esquadra do irmao de Martim As canoas de "piri-piri" dos Caetés, que entraram em
Afons o de Sousa, sem os contendores se preocuparem com nossa história por sua indústria naval e a a9ao temerária na
a sua presen9a! Espetáculo extraordinário para os marujas da costa nordestina brasileira, sao a evidencia para admitir-se o
frota lusa, que ainda testemunharam a antropofagia ritual dos lago Titicaca dos Andes como o verdadeiro centro original
Tupis, que devoraram os inimigos capturados após suas americano do povo Tupi.
cerimonias tradicionais.
Considerado o "Mar dos Andes", em cujas terras
Em suas igara9ús de piri-piri, nas águas do rio e do circundantes instalaram-se povos da Oceania a bem mais de ·
mar, os destemidos Caetés da margem esquerda do Sao mil anos, é o lago Titicaca o mais alto do mundo, com 3 .850
Francisco guerreavam os Tupinambás da margem aposta metros acima do nível do mar, a superfície de 8.340
Sergipana, do litoral baiano e da própria Babia de Todos os quilómetros quadrados e atinge a 272 metros a sua maior
Santos. Os seus contrários deviam empregar nas lutas as profundidade.
canoas de troncos escavados das grandes árvores. Situa-se o lago Sagrado entre os contrafortes de duas
No Brasil do seu primeiro século, indígenas de urna Cordilheiras da América do Sul, a Real e a dos Andes,
na9ao Tupi, os Caetés que vieram morar em Pernambuco e banhando a Bolívia e o Peru. Tem um "desaguadero" para o
lago menor Poopo. O rio Beni nasce ali e por urna fenda na
Alagoas cem anos antes, haviam encontrado nos alagados da
montanha a leste, desee para a hacia amazónica.
banda norte do Sao Francisco o nosso "piri-piri", junco com
características semelhantes ao "totora" boliviano. Eles O Lago dos Deuses, como também é chamado, possui
conversavam a longínqua tradi9ao dos seus antepassados, algumas ilhas, sendo as de maior importancia tradicional duas
pescadores do lago Titicaca, que faziam os barcos de junco, delas - Titicaca, a ilha do Sol, e Coati, a ilha da lua. Em frente
pela falta da madeira no altiplano. A tradi9ao passava de da ilha do Sol, no promontório de Copacabana ergue-se um
gera9ao a gera9ao e os novos índios conheciam em detalhes célebre santuário.
a técnica de construir embarca9oes com esta espécie do "A água do lago é de profundo azul. .. e para o oriente,
material franciscano. Mas ultrapassavam o saber dos velhos a menos de cem quilómetros, o olhar é atraído pela Cordilheira
40 41
Real, verdadeira muralha poli crómica que fecha o horizonte ...
A cima as"geleiras e os campos cintilantes de neve... É um
espetáculo de incomparável beleza" ( I6) .
,
E concebível que dese1nbarcados os migrantes
oceanicos na costa ocidental do continente, no Peru ou Chile,
eles nao permaneceram na orla marítima. Escalaram os Andes
e após atravessá-los, divisaram a sua frente, brilhando a luz
do Sol, o lago dos índios Ay1naras, a sede da civiliza9ao
decadente de Tiahuanaco. E foram se aproximando de suas
ruínas e dos velhos inonumentos, quase a beira do lago.
Imagine-se o encantamento dos insulares do Pacífico,
ao depararem com aquele quadro deslumbrante da natureza
americana. E nao foram mais longe, porque ali estava a fonte
da sua subsistencia: a água abundante e seus peixes, além das 3. Os Povos Tupi e Guarani
terras em torno para o seu cultivo. Deixaram-se ficar os
adventícios nas áreas próximas do Titicaca. Aqueles povos
traziam no sangue a fibra dos Tupis e Aruakes que eclodiria
mais tarde.
Passado algum tempo, poderia tomar forma a língua-
1nae dos dois povos vizinhos e talvez aliados, que divergiria1n
nos idiomas Tupi e Aruak, como afastamento e expansao de
ambos.
42
~ -.
..........•...,............. ................... ..' -•
'" •······ ·~·· ··· · ···
· · BOLIVIA ·~
..,. } 3. Os Povos Tupi e Guaraní
P..{RA. <:IJAY ¡
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Al{GJ~NTINA ¡
E DO Cllll,E Bem antes da chegada dos últimos emigrados do
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... , ¡
""'"i Pacífico, os índios Aymaras já habitavam a regiao de
!.
Tiahuanaco no lago Titicaca. E os Urus escuros de cor ficavam
1· um pouco mais distante. Incultos e selvagens, eles viviam quase
....... 1
f exclusivamente da pescaria no lago em seus pequenos barcos
• ••• t";
46 47
várias palavras pertencentes ahidrografia. Isto se constata em nome da na9ao Tupi significando o "Pai das águas" ou "Senhor
seu notável "Vocabulário Geográfico Brasileiro" , em "O Tupi do Lago".
na Geografia Nacional".
Talvez ao come9ar o derradeiro milenio, <leve ter-se
Neste vocabulário há somente urna dúzia de palavras verificado a grande crise comum aos indígenas, motivada pela
sobre a água em geral. A primeira delas é a própria vogal "y", carencia dos meios de subsistencia e for9ando a mudan9a de
representando a água, o rio; yapira, a nascente dorio; yapó, a local de todo grupo ou a sua cisao, como deslocamento de
inunda9ao, os alagados; yapoyú, o brejo, a água estagnada; urna parte da popula9ao.
yembó, o arroio; yeré, o redemoinho, ynha, a enxurrada;
E cindiu-se a na9ao Tupi, porque a sua área na regiao
ynhangaba, o ribeiro; ypá, a lagoa; ypaba, a lagoa; ypaú, a
do Titi caca nao comportava mais o excesso do seu povo, j á
ilha; ypenú, a onda; ypú, a fonte.
dotado de urna cultura adiantada e u1na língua bem estruturada
Dos doze nomes acima, seis deles tem variantes, o que e harmoniosa, do mesmo nível da Aymara e da Quichua, as
é curioso, substituindo a letra "y" inicial pela outra "i" - duas mais importantes na9oes andinas vizinhas.
Igapira (Yapira); Igapó (Yapó); Iambú (Yembú); Ipá (Ypá);
Entre os Tupis existiam índios guerreiros, sempre
Ipaba (Ypaba); lpá (Ypú).
preparados para as lutas contra os inimigos, que eram ·
Na letra "i" do vocabulário de Theodoro Sampaio, chamados os Guaranis na língua Tupi. No momento da
dezenas de palavras relativas á água e seus derivados, sao separa9ao, um grupo numeroso desses Guaranis, dispostos a
iniciadas pela vogal "i" , com Igara, a canoa; !garata, o navio; conquistar novas terras e já informados das que lhes convinham,
Igaratinga, a vela; Igoa, a enseada, a bahia; !guaba, o puseram-se a caminho com seus fa1niliares. Eles formariam no
bebedouro; Ipanema, o rio ruim; Itú, a queda d' água, a local escolhido urna outra na9ao, denominada Guarani, que
cachoeira, etc. No Brasil ocorreu a exclusao da letra "y" e sua também usaria um idioma Guarani, do primitivo tronco Tupi.
substitui9ao por "i", ainda neste século. Ambas as na9oes teriam línguas irmas, cujas diferen9as nao
seriam sensíveis por séculos.
Em "Toponimia Brasílica", o seu autor lembra que no
"abanheen", a língua de gente o "rio" é designado pela letra O general Couto de Magalhaes, em seu "Estudo
"i", em substitui9ao do "y" ... Este som que aparece em Antropológico" publicado na" Revista do Instituto Histórico e
"igara",tem em sua composi9ao o "i", água <4). Geográfico Brasileiro", vol. 36 es), observou:
Pelo que se viu, tanto o "y"antes, como o "i" que o "Sao de fato, o "tupi" e o "guarani" ... a mesma língua
sucedeu por último na palavra Tupi, apresentavam as águas ern dois períodos diversos: o "tupi", num período mais
do lago Titicaca. E nao seria fora de propósito aceitar-se o primitivo, quase monossilábico, conservando com escrúpulos
(4)- Armando Levy Cardoso, "Toponimia Brasílica"- Biblioteca do Exército, 1961. (5)-Ápud Theodoro Sampio, "O Tupi na Geografía Nacional" - 3·• Ed.p.13.
48 49
as raízes com que formou a aglutinac;ao; o "guarani" em seu nao podiam enfrentar. A oeste e sul erguiam-se os Andes e a
período m.ais desenvolvido, aquele em que a raiz rnonossilábica leste a Cordilheira Real, de grandes altitudes. Montanhas próximas
perde a significac;ao para abandoná-la ao vocábulo aglutinado. do lago andino, impediam que se estabelecesse e expandisse em
Portanto, o "tupi" é a fonte e por isso denominamos o grupo faixas exíguas para urna nac;ao como a Guarani.
como norne "tupi".
Todavia, entre o leste e o sul no rumo sudeste, estende-se
Theodoro Sampaio acrescenta: urna área enorme que comec;a a cerca de 250 quilómetros do
"Alguns exemplos bastam para deixar bem assinalada a Titicaca e espraia-se pela vertente sul da Serra de Cochabamba,
diferenc;a. Asshn é que, no" tupi", se diz: ajura, pirapora, caraiba, atingindo a antiga cidade Chuquisaca, hoje Sucre, entre os rios
jaguara, curupira ... ao passo que, no "guarani", se diz, Guapay e Pilcomayo. Este território,
tao vasto poderia acolher
correspondente: ajú, pirapó, carahy, jaguá, curupi ... isto é, várias nac;oes além da Guaraní. E ainda fertilíssimo, tanto que a
ficando os vocábulos mais contratos neste último idioma" <6). cidade de Cochabamba nele situada já foi considerada "o celeiro
da Bolívia". Ainda que pertencente ao altiplano boliviano, aquela
Na falta de documentac;ao histórica em relac;ao ao sítio
cidade está a 2. 500 metros de altitude, bem inferior ado Titicaca.
exato no qual se instalara a nova nac;ao Guarani, torna-se
indispensável coligir elementos geográficos e circunstanciais Na regiao existe urna pequena cidade de nome "Totora", o junco
no momento da cisao dos Tupis. Dois séculos mais tarde com que se fabricavam os barcos daquele lago.
presumíveis, quando os Guaranis ·abandonaram o local Por várias razoes a regiao de Cochabamba destaca-se
escolhido, tais elementos apontam aonde se localizaram avista corno o mais provável habitat do gentio Guaraní, antes da
da direc;ao sudeste por Cochabamba na ac;ao bélica de Rocca, o expansao Inca alcanc;ar a zona. A altitude média, o clima ameno
Inca. e principalmente seu solo fecundo, o que mais importava ~
O esquema que esboc;aremos <liante do problema apoia- povo agricultor como o Guarani, dependente do plantio e
se em alguns pilares. De pronto, ternos a seguranc;a de que o colheita dos produtos da terra para o seu sustento. E a
sítio em causa encontrava-se no planalto boliviano e nao muito vizinhanc;a de um rio sempre atraiu Tupis e Guaranís. Tudo
distante do lago Titicaca. seria contribuído para a regiao de Cochabamba tomar-se o
· · Um primeiro aspecto a consideraré a impossibilidade dos local preferido para fixac;ao desta última nac;ao.
novos Guaranis optarem por alguma área ampla em tomo <leste Há o mais forte motivo para aceitar-se que o núcleo
lago, pois além dela dominavam os Aymaras e Quichuas, a quem dos Guaranis ' localizara-se na zona da antiga Chuquisaca.
,
(Sucre) , a pouca distancia dorio Pilcomayo. E que este povo
salvara-se pelo Pilcomayo, ao aproximar-se o exército Inca
mais tarde, no século XIV.
(6)- Idem, T.S.
50 51
O caudaloso Pilcomayo, que nasce na Cadeia Real dos
espanhóis. Os Tupis ficaram no centro-norte e o leste do Brasil;
Andes, distrito de Potosi, com 1.200 quilómetros de curse;> os Guaranis no sudeste da América do Sul.
7
< ), desee do planalto boliviano e corre pelo Chaco até lan9ar-
se no rio Paraguai, perto do local onde se construiu a cidade Encontraram-se após aquele tempo numa linha
de Assun9ao. O aproveitamento daquele curso d' água e seus fronteiri9a que ia do rio Paraguai ao Oceano Atlantico no sul
desníveis pelos milhares de retirantes da Bolívia, resultou do Brasil. A tribo Itatim, a mais setentrional dos Guaranís, na
também na invasao Guarani do Paraguai. margem esquerda do Paraguai, localizava-se na Baia Negra,
limite do Pantanal, na foz do rio Aquidauana ao rio Apa, no
O fato da chegada dos Guaranís pelo Pilcomayo no
sul. A dita fronteira partia da Baia Negra através do Mato
Paraguai e sua posterior expansao, é aceita pela históri~, o
Grosso, ao rio Paraná no Estado de Sao Paulo. Penetrava no
que justifica a sua fixa9ao anterior em Cochabamba. E a
oeste <leste estado, inclinando-se para o limite do Estado do
ocasiao de relembrar-se Von Martius, que achava ser andino
Paraná, seguindo-o e terminando na Cananéa paulista, no
o centro de origem dos Tupi-Guaraní, e seria possível, vindo Atlantico.
do sul da Bolívia, entrar pela terra Paraguaia no leste da América
do Sul. Penetraram os Tupis ao norte e leste da linha, que os
separavam dos Guaranis no sudeste. Nunca se juntaram. ·
A posi9ao geográfica do núcleo originário Guarani fora
Falavam línguas irmas muito parecidas e também mostravam
a determinante do destino daqueles índios - o Paraguai.
costumes comuns. Os tipos físicos eram praticamente
Os autores que estudaram a história indígenajamais se identicos. Hostilizavam-se na fronteira. E a única guerra
interessavam pelo local e oportunidade em que se deu a cisao verdadeira que travaram foi a lutados Tupis das "Bandeiras"
do povp Tupi pri1nitivo em dois povos afins, o Tupi e o contra os Guaranis, invadindo suas terras e prear índios.
Guarani.
A separa9ao de Tupis e Guaranís deve ter acorrido
.O certo é que nao foi no Brasil ou Paraguai que essa séculas atrás na Bolívia, amargem do lago Titicaca.
separa9ao se verificou. Isto porque esses índios, nao sendo
oriundos dos dois países, os invadiram no século XIV,
livrando-se dos Incas, separadamente e em pontos distantes
um do outro. Os Tupis entraram no Brasil pelos rios Madeira-
Amazonas e os Guaranís no Paraguai por dois outros rios, o
Pilcomayo e o Paraguai. E ficaram inteiramente separados por
muitos anos, até depois da chegada de portugueses e
52
53
,.
4. O Império Inca
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4. O Império Inca
AMERICA.oo SUL .!~
Escala ;
59
corredeiras
.. do rio. la com eles todo o seu povo: mulheres, passaram até a chegada dos europeus brancos na América do
crian9as, anciaos, além de mantimentos para a viagem, que Sul em 1500. O que anteriormente havíamos concluído
sempre conservavam para as expedi9oes guerreiras, ca9adas e tratarem-se de andinos os Tupis e Guaranis existentes
pescarias. Levavam também pequenos utensílios do seu diário inicialmente na Bolívia.
e as armas dos índios guerreiros.
A descida do rio que alguns índios da na9ao j á
conheciam, tomou muito tempo para chegarem ao seu destino.
Sabiam que nunca mais voltariam aterra natal, ocupada pelos
Incas e a sua civili:za9ao. Futuramente estariam lá seus sucessores
da Espanha. Quanto aos Tupis andinos, terminariam os seus
dias em sua nova pátria, o Brasil.
Consta na história dos Incas que na passagem do século
XIII para o XIV, o criador do Império Inca, Rocca submetera
na9oes indígenas que ocupavam o altiplano e as terras baixas
do Peru e da Bolívia, eliminando as que nao aceitavam o seu
jugo, e nao foram muitas.
Os antigos habitantes andinos Tupis e Guaranis nao
concordaram com a sujei9ao aos Incas, preferindo abandonar
sua pátria, escapando por vias fluviais suas conhecidas para
regioes longínquas, onde recome9ariam suas vidas. O único
curso d'água que dispunham os Tupis, levou-as a Amazonia,
seus rios e florestas tropicais. Da mesma maneira, a via próxima
dos Guaranis transportou-se ao Paraguai Central do continente.
O importante acontecimento da forma9ao do Império
Inca, subjugando a quase totalidade dos indígenas peru-
bolivianos, permite-nos calcular que fora aquele momento exato,
em tomo do ano 1.300, que se salvaram dos Incas os índios
Tupis e Guaranis, invadindo o Brasil e o Paraguai que lhes
garantiram a expansao. Isto nos leva a conceber o
desenvolvimento dos dois povos nos duzentos anos que se
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5. A invasao do Paraguai pelos Guaranis e sua
expansao para o Sudeste da América do Sul
5. A invasao do Paraguai pelos Guaranis e sua
expansao para o Sudeste da América do Sul
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principalmente o milho, a mandioca, a erva mate, o feijao, o
O novo gentio estabelecido no Paraguai, a semelhan9a
dos Tupís do Brasil, logo construíram suas aldeias típicas a amendoim, o algodao, o tabaco. <3)
certa distancia urnas das outras. A taba, como a chamavam, Ao contrário dos Tupis, eles nutriam-se sobretudo de
continha normalmente urnas cinco casas compridas, abrigando milho, como os índios americanos do norte, e nao da
cada urna cerca de duzentos índios, sempre de famílias mandioca. Como milho se vinculam a alimenta9ao, a mitologia
aparentadas e tendo por chefe um patriarca a quem respeitavam e as cerimonias festivas para celebrar a colheita do grao de
e obedeciam. O teto e as paredes das casas eram feitas de o uro ... Com este grao faziam tortas e fabricavam bebidas. Os
folhas de palmeiras e ramos entrela9ados. A taba era levantada Guaranis atribuíam o ensino do seu cultivo a "Pai-Zumé".
em forma retangular com um dos lados, paralelos e afastados
, Figura mítica que aparece em todo o continente, como a de
um do outro. Quatro casas e ao fundo a quinta. As vezes,
mais urna sexta. um bem feitor (4) .
Alcides D'Orbigny fez observa9oes sobre o tipo físico
Na frente do retangulo ficava um grande espa90 livre, o
" ocara", um terreiro que servia para a reuniao dos mais velhos do índio Guarani, como segue:
e guerreiros da aldeia, onde se tomavam decisoes importantes, " Sua cor era amarelo pálido com algo de vermelho.
como a de ir para a guerra. Realizavam-se também cerimonias,
festividades e suas dan9as tradicionais. Estatura média de l ,62m.
De formas maci9as, rosto circular e cheio. Nariz curto
Pali9adas de grossos troncos fincados no solo
rodeavam as tabas Guaranis, e a alguns passos do cercado e estreito.
os indígenas cavavam fossos e fojos com cobertura de ramos Boca pouco saliente e lábios finos.
e terra, tendo no fundo lan9as de pontas agu9adas. F aziam
Os olhos geralmente oblíquos, sempre rasgados.
assim suas defesas. Tais fortifica9oes seriam chamadas
"cercas" pelos europeus. Sobrancelhas estreitas e bem arqueadas. O queixo
redondo e nunca saliente.
Os Guaranís, hábeis ca9adores na selva e pescadores A barba e os bigodes pouco numerosos e só sobre o
dos rios, lagos e do mar, nem por isto deixaram de assegurar queixo e o lábio superior" .
o seu sustento comos produtos agrícolas, que colhiam nas
planta9oes próximas de suas tabas. Seu método de cultivar a
(3)- Victor N atalicio Vasconcellos, "Leciones d e His toria Paraguaia", p .17, 6'' Ed -
terra era rudimentar, mas no solo rico do Paraguai bastava
Assuncion, 1970. . ,, .
para atender a alimenta9ao deles próprios, e mais tarde, dos (4)- Jus to Pastor Benitez, " Formacion Social d el Pueblo Paraguato , p .28- Assunc1on-
Buenos Aires, 1987.
espanhóis que foram viver a seu lado. Plantavam
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alcan9ando a Baia Negra ao sul do Pantanal, onde viviam
E quanto ao seu comportamento: os índios Xaraiés. Abaixo de urna linha reta da Baia Negra
..
ao rio Paraná, <liante de Sao Paulo, era seu domínio todo
o sul do Mato Grosso.
"Bons, afáveis, francos, hospitaleiros e pouco ,
alegres, porém de nenhuma maneira tristes. Mantinham- A leste e ao sul, os conquistadores do Paraguai
se reservados e pouco conservadores na presen9a de avan9aram ainda mais. Passando a margem esquerda do
estranhos" C5)_ Paraná invadiram as Missiones, Corrientes e Entre Rios
da Argentina, atingindo o rio Uruguai, urna parte <leste
Culturalmente o gentio Guaran i se destacava, como o país Oriental e o Rio Prata. Terras do oeste de Sao Paulo
Tupi, das demais gera9oes do leste da América Meridional, e os territórios dos Estados do Paraná e Santa Catarina,
pelo idioma aglutinante e harmonioso que falava, quase identico foram tomados pelos Guaranis aos indígenas locais, sob o
ao Tupi. O conceito familiar estava profundamente enraizado no me de Guairá es). E o litoral sul do Atlantico, desde a
no povo Guarani, desde a educa9ao apropriada dos filhos
Cananéa de Sao Paulo, foi senhoreado por sua grande na9ao
para o seu genero de vida na selva, o respeito devido aos
Carijó. Além da costa, o noroeste do Rio Grande do Sul,
mais velhos e a vingan9a pelas ofensas aos membros da tribo. onde se estabeleceram mais tarde as célebres missoes
Praticava-se a poligamia, porém co1no um meio de assegurar jesuíticas C9).
a procria9ao da maior quantidade possível de filhos C6) .
Nas planuras da Bolívia e do Chaco, que faziam
Julga Benitez que os Guaranis "se encontravam em um
fronteira como Paraguai e o Brasil, também existiam tribos
período social parecido ao dos Quichuas e Aymaras antes da
e na9oes de Guaranís. A mais importante era a dos
apari9ao dos Incas" C7), dando assim a impressao de se Chiriguanos, que ocupava urna vasta extensao nas faldas
considerar os tres povos da mesma regiao andina! dos Andes, limitando-se com a regiao de Santa Cruz de La
Sierra em Cochabamba. Esta cidade fundada em 1. 5 61,
apresentava unidade racial resultante da mesti9agem hispano-
Levara um século a expansao dos Guaranís para
guarani da maioria dos seus habitantes.
além das regioes que ocuparam inicialmente. Seu eixo
fluvial de dispersao fora a margem esquerda do médio e Havia também grupos guaranizados pelo uso da
baixo Paraguai, e depois dele, o trecho final do caudaloso mesma língua. Além <lestes moravam na regiao os Garayos,
Paraná. Ao crescerem em número, os Guaranís subiram concentrados entre os rios Sao Miguel e Branco ao nordeste
o rio Paraguai acima do limite atual do Brasil no rio Apa, da Bolívia. Os Siriones, mais ao norte, entre o rio Guaporé
(5)- Alcides D'Orbigny "Voyage pitoresque ?ans les deux Ameriques - Paraguay", cap. (8)- Theodoro Sampaio, op. cit. p . 212- Non1e indígena do Salto de Sete Quedas no rio
XXXII- París, 1832-Traduc;ao portuguesa-Apud Benitez, op.cit.pp.97-98. Paraná: Guaira ou Guairá.
(6)- V.N. Vasconcellos, op.cit.p.16. (9)- Mapa de Nimuendajú ref.
(7)-Benitez,op.cit.p.21.
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e o Branco. Os guaranizados Chanés encontravam-se no
desembarcaram os migrantes Guaranis. Em segundo lugar,
Alto Pilcomayo e o rio Parapiti. O etnólogo alemao Wegner
o grupo Kainguá, com um ramo setentrional, que ia do
descreveu o grupo Quruguá, vizinho dos Siriones, cujo
rio Pardo em Mato Grosso ao Acaray no norte do
aspecto físico era semelhante aos Papuias da Melanésia,
Paraguai, ambos afluentes do Paraná em sua margem
culturalmente atrasados <10) . Seriam parentes dos U rus do
esquerda. O ramo meridional no nordeste da Argentina e
Titicaca?
, o sudeste do Paraguai. Além destas tribos, vários
Quando Pedro Alvares Cabral ancorou com sua pequenos grupos situados nos Estados de Mato Grosso,
armada em Porto Seguro no último ano do século XV, a Sao Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
família Guarani dominava todo o sudeste do continente
Há quase dois séculos, o Pantanal daquele tempo
sul-americano. Seu gentio disseminara-se das faldas do
foi descrito por Aires de Casal.
planalto da Bolívia a costa oceanica do sul do Brasil e
Uruguai. " ... A largura do rio (Paraguai) neste espa90 durante
as cheias, que sao de abril a setembro, é de 20 a 40 léguas
Todavia esta vastíssima regiao, antes mesmo de ser
e forma um mar, ao qual os vicentinos antigos (do porto
desvendada pelos navegadores lusos, já pertencia oficialmente
Sao Vicente em Sao Paulo) denominaram Lago Xarayo,
em sua maior parte a coroa espanhola pelo Tratado de
duma na9ao que tinha este nome e já nao existe. Neste
Tordesilhas de 1494, firmado por Espanha e Portugal, sob os
tempo, grande parte do álveo do rio Sao Louren90, do
auspícios do Sumo Pontífice. A raia estabelecida, que dividia
Taquari, do Mondego e d 'outros do lado oriental, como
os dois hemisférios do Globo Terrestre pelas duas potencias
também os mencionados lagos do ocidental, e pauis
marítimas da época, penetrava em terras brasileiras junto a
adjacentes, ficam sendo por9oes <leste" Cáspio periódico",
foz dorio Amazonas aleste; deixava-se no litoral sul do Brasil.
onde os terrenos levantados em tempo de seca ficam sendo
Os seus remotos donos Guaranis nao eram mais seus senhores
ilhas povoadas de aves e animais bravíos" <11 ) .
de todo o território a oeste da raia, que cabía a Espanha,
tampouco aos portugueses, e sim aos reis de Castela e Os Xariés tiveram o seu habitat desde a desembocadura
Aragao, os Reis Católicos. dorio Jaurú no Alto Paraguai. Para Von Martius, estes índios
seriam os " homens do rio" <12>.
A principal na9ao Guarani na zona leste era a Carió,
que os paulistas chamavam Carijós. Ocupara o litoral desde A história revela que foi um Carijó o primeiro índio
Cananéa até a foz da lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul. brasileiro livre levado para a Europa em 1504. Aconteceu
E também a margem esquerda dorio Paraguai, principalmente que o navio frances "Espoir" partira de Honfleur no ano
a área próxima da foz do rio Pilcomayo, onde
(11)- Aires de Casal, op.cit.p.137.
(10)- Arthur Ramos, op.cit.p.84. (12)- Branislava Susnik, "Dispersion Tupi-Guarani P ré Histórica",p.46 - Museu
Etnográfico, 1975.
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71
,
anterior, com destino a India, para negociar especiarias. no Brasil, em Sao Vicente na mesma época, com o sogro
No Atlantico, desviado do seu curso por urna tormenta, indígena de J oao Ramalho, Tibiric;á, que passou a se chamar
veio dar a costa do Brasil, na altura de Santa Catarina, Martim Afonso de Sousa, o donatário daquela Capitania. Ve-
foz do rio chamado Sao Francisco. De volta a Franc;a, o se ai a identidade cultural de Guaranis e Tupis.
capitao do navio, Binot Paulmier de Gonneville, levara a Em continuac;ao, Irala deu suas filhas mestic;as por esposas
bordo umjovem índio de nome Essomerie. Em Honfleur,
aos capitaes espanhóis, seus companheiros de conquistas. Casos
o capitao adotou como filho o adolescente que trouxera,
semelhantes também aconteceram em Pernambuco com as filhas
o qual casou-se na Franc;a com urna parenta de Binot, I
72 73
Como nao existia em tais circunstancias preconceitos conservando ao lado da espanhola a sua própria língua
por essa~ liga9oes, nem rejei9ao fisica entre as duas ra9as, a indígena.
branca e a vermelha, surgiu o mesti90, que em cruzamentos Passaram-se os séculos e o Paraguai tomou-se um país
sucessivos incorporou-se acultura hispano-guarani predominante independente, oficialmente bilíngüe, onde se fala o espanhol e
no país. E a poligamia também praticada no come90 da o guaraní, e cuja moeda tem por nome guaraní, de que se
coloniza9ao ampliou a mistura do sangue ibérico como guarani. ufana.
Benitez apresenta entre outros, alguns aspectos favoráveis Era um dos estados americanos progressistas na metade
amesti9agem verificada no Paraguai e o avan90 populacional do século passado contando urna popula9ao avaliada em
dos mesti9os no final do século XVI. 1.300.000 habitantes. Envolveu-se entao em urna guerra
Segundo este autor, as duas vertentes sangüíneas lastimável contra tres de seus vizinhos - Uruguai, Argentina e
principais foram o espanhol e a guaraní. A índia desta na9ao Brasil, e perdeu-a após cinco anos de batalhas cruentas.
era limpa, banhava-se várias vezes ao dia e perfumava seus Defendeu-se com valor e obstina9ao até o fim da luta. Ao
cabelos com vegetais oleosos. Sua pele bronzeada nao diferia terminar o pesadelo em 1870, restavam apenas cerca de
muito da morena valenciana de sangue mouro, que integrava as 200.000 paraguaios na sua derrota. Mas logo ressurgiu, como
primeiras expedi9oes á América do Sul. Elas eram belas e bem a fenix legendária, entre os seus irmaos latino-americanos.
proporcionadas. A vida que levavam ao natural lhes emprestava
O Paraguai é hoje um dos mais prósperos países da
elegancia. O espanhol preferiu a índia Guaraní a das outras
América do Sul. Nas veias do seu povo ainda pulsa o velho
na9oes. Da parte dela, o valor e a superioridade cultural dos
sangue Guaraní dos seus antepassados.
conquistadores exerciam urna grande atra9ao sobre as mulheres
,
índias. Por volta de 1570,já o padre Martin Gonzalez assegurava
que chegava a 1Omil os mesti9os paraguaios de ambos o sexos
( 14)
74 75
6. A entrada de Aleixo García no Peru e a de Pero
Lobo Pinheiro
77
compreendendo o Equador, Peru, Bolívia e Chile, cuja língua formou um grupo de indígenas vizinhos para atacar o tro90 de
"
oficial era o Quichua. Aleixo, que se rebelou exigindo a volta a sua terra. Aleixo Garcia
Nao foram só os índios do Rio da Prata que tiveram teve que ceder, recolhendo todos os objetos preciosos de que
notícias da prata e ouro do Peru, em virtude das fáceis se apoderara, regressando com sua valiosa carga ao rio Paraguai.
comunica<;oes fluviais através dos ríos Paraná e Paraguai, Intentava entao organizar urna nova expedi<;ao de maior
sendo o último fronteiro as terras do Chaco, além do qual envergadura, quando ele e seus companheiros brancos foram
trucidados pelos índios Paiaguás <2).
erguiam-se os contrafortes do planalto boliviano e a área
mineira mais importante do império incáico. O gentío Os gentíos Guaranís chegados do Peru dispersaram-
Guaraní da na9ao Carijó também o sabia, pois toda a regiao se, voltando para suas aldeias litoraneas. E assim terminou a
que ia da margem do Atlantico em Santa Catarina ao rio grande aventura do descobridor do rio Paraguai, o primeiro
Paraguai, na metade do seu curso, era senhoreada pelos europeu que conseguiu pisar o solo Inca e saqueá-lo.
indígenas da grande na<;ao, que estava em permanente
A armada lusa de Martim Afonso de Sousa (1530-1532),
contato.
dirigía-se ao Prata, com a incumbencia que o capitao-mor
Um dos sobreviventes da expedi<;ao de Solis ao Rio trouxera de investigar a localiza9ao de minas de prata e de
da Prata, o portugues Aleixo García, encontrava-se numa ouro, que se dizia existirem no cora<;ao do continente para os
praia de Santa Catarina, habitada pelos Guaranis. Ele lados do Peru e descobri-las.
soubera dos indígenas locais existir um sítio de nome
Martim Afonso escalou em Cananéa a 12 de agosto de
Potosi, cujo significado em língua Quichua seria "o monte
1531, onde levaram a sua presen<;a o Bacharel, Francisco
donde brota a prata", localizado nos dotnínios dos Incas.
Chaves e cinco ou seis castelhanos. O Bacharel estava
E em 1524, Garcia decidiu realizar urna "entrada" degredado na terra havia muitos anos, vivendo do resgate de
naquela regiao a seu proveito, reunindo alguns de seus índios, e Chaves era um grande língua, sempre em
companheiros da frota de Solis e urna for<;a de índios comunica<;ao como gentio local. Pelas informa9oes sobre as
Guaranís, que aceitaram acompanhá-lo. Intemou-se na selva riquezas do Peru, que o língua <lera ao capitao-mor, este
americana com destino ao Peru. Após atravessar o rio mandou a Pero Lobo, com 80 homens d' armas, " que fossem
Paraná, avan<;ou até o Paraguai. Penetrando no Chaco, descobrir terra dentro; porque Francisco Chaves se obrigava
marchou com o seu bando em dire9ao ao poente, que em dez meses tornará ao porto com 400 escravos
alcan<;ando Chuquisaca (Sucre) em pleno Império Inca, no carregados de prata e o uro" <3).
reinado de Huayna Capac.
A gente de García saqueou os moradores indefesos da (2)- Vasconcellos, op.cit.pp.34-36.
zona assaltada, recolhendo pe<;as de prata e ouro. Mas logo se (3)- " Diário de Navega<;ao de Pero Lopes de Sousa, 1530-1532", Vol I, 3d Ed,p.206-Rio de
Janeiro, 1940
7R. 79
Partiu essa tropa de Cananéa a 1 de setembro, tendo o interior do país. Um dos portugueses chamado Aleixo
Chaves "por guia. O aventureiro devia pertencer a gente da García, era famoso pelo seu conhecimento da língua Guarani.
frota de Solis, que se refugiara naquela costa, e portanto
Em verdade, a expedi9ao em causa fora realizada anos
companheiro de Aleixo Garcia da malfadada incursao ao
antes, em 1524. E Martim Afonso nada teve a ver com ela,
Peru em 1524-1525. Tal vez mesmo houvesse participado
pois sua armada navegou no litoral brasileiro apenas nos anos
dela e escapara da sorte trágica de García, e por isto
de 1531e1532, e nao em 1526.
conhecia o trajeto a fazer aquela regiao.
A "entrada" também com destino ao Peru, que Martim
Pero Lobo e seus homens nunca mais regressaram.
Afons o de Sousa organizo u em Cananéa, no litoral paulista,
Como morreram se desconhece. Se f oram índios que os
foi urna outra que partira dali em 1531 , capitaneada por Pero
mataram, conforme é muito provável, nao foram certamente
Lobo Pinheiro, tendo por guia Francisco de Chaves, um dos
os Guaranis, que constituíam parte dessa coluna de
náufragos da frota de Solis e conhecedor da língua Guaraní, e
exploradores, nem o fizeram a Garcia, e sim outros indígenas
, . nao Aleixo García. Seus componentes jamais voltaram. Todos
contrarios.
foram mortos, certamente por índios inimigos do sertao.
Em 1917, o Barao Erland Nordenskjold publicou um ,
E evidente que a razia de Aleixo Garcia a um local da
trabalho como sugestivo título - "Invasao Guaraní do Império
fronteira boliviana, nao caracterizou urna invasao guerreira de
Inca no século dezesseis; e Histórica Migra9ao Indiana" <4) .
índios Guaranís, sujeitos ao comando de Garcia. Nao passou
Para Nordenskjold, baseado em escrito de Rui Gusman, de um bando de urna ou duas centenas de indígenas; e nao
a invasao fora levada a efeito pelo portugues Aleixo Garcia milhares, como foi <lito, a serem alimentados na travessia de
com alguns companheiros, além de índios da costa brasileira. rnais de dois mil quilómetros de selva, cujo objetivo resumia-
E transcreve o relato do livro de Gusman sobre a conhecida se a pilhar riquezas da regiao de Potosi, que nao chegou a ser
expedi9ao de Aleixo a Bolívia <5) . atingido.
Logo no come90 da sua narrativa, comete Gusman Dela restou a glória do portugues Aleixo Garcia, a
alguns enganos que a comprometem. Assim diz ele que em penetrar e saquear rica zona do Império Inca. Só anos depois,
1526, cumprindo urna ordem de Martim Afonso de Sousa, surgiu lá Pizarro com seus soldados, que agiram da mesma
quatro portugueses com alguns amigos índios da costa, forma, mas em escala monumental.
deixaram o porto de Sao Vicente em Sao Paulo, para explorar
(4)- Nordenskjold, Erland, "The Guaraní Invasion of the Inca Empire in the Sixteenth
Century and Histó rica} Indian Migration", in "The Geografical Review"Vol.IV,pp.103-
121- New York, 1917.
(5)-R.D.Gusman, "His tória Argentina del Descubrimiento, Povoa<;ao e Conquista de
las Províncias del Rio de La Plata", 1612.
80 81
..
... ..
.'
7. ''A guerra dos Chiriguanos'', descendentes
dos Guaranis, contra o Império Inca
.
THE GEOGRAPHICAL REVIEW 7. "A guerra dos Chiriguanos", descendentes dos
" o
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Guaranis, contra o Império Inca
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-·-- estabeleceram no Paraguai, os chamavam de Chiriguanos.
No mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú ( t ) , le-
se urna legenda em arco naquele território - "Ciriguano"
LECENO
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(Chiriguano ), e mais abaixo outra menor identica. A
a Old ~orfr•ss~s on
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inscri9ao dupla indica o senhorio da regiao por tribo ou
,,,. /ne• EmplrY
: ;~:~~P•rf off!,, Inca
na9ao assim denominada.
'~~i~' Empl,.. vís i f•d by
Al•jo C.rr:i• , IU 2f?J
/J.:n,..:N•m• •nd p1•a•nf 4>- A legenda maior ocupa um amplo arco de mais de
/oc'3fion of l ndl an
frib•~ ·-- ---¡,· ~ -- quinhentos quilometros de extensao. Come9a ao sul, perto
l /"'1,r.1t·orrft/ indic~hJ.$
stock . fhua :
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da jun9ao dos rios Tarija e Permejo; cruza depois o
ÍlrlV~t
A.c«.ttrak. Pilcomayo, antigo Araguai, e em seguida o Guapai ou Rio
'Fig. l - Map show ing the localities conner ted with the Guarani in vas ion of the Inca
Empire, ca. 1522. Scale, l: l 0,400,000.
(1)- Adotado pelo Museu Nacional em 1944.
84 85
Grande em sua maior curva. Dali ruma para o norte, Narra Karsten, que no reinado de Tupac Yupanqui, o
passando ao lado de Santa Cruz de la Sierra e termina no sucessor de Pachacutec, na segunda metade do século XV,
ponto em que o Guapai se aproxima do rio Parapiti ou Sao entre 1450 e 1495:
Miguel.
Enrico de Gandia publicou valiosos trabalhos sobre "No sudeste ... (Yupanqui) parece ter avanc;ado até o
os pavos que viveram nos últimos séculas no P~r~guai, grande terreno de cac;a, o Grande Chaco; mas os índios,
Grande Chaco e encostas orientais dos Andes Bol1v1anos. Chiriguanos o atacaram e lhe causaram grandes dificuldades. E
2
Destaca-se destas obras a sua "Histórja del Gran Chaco"< ) , ._ provavelmente contra eles que ele fez construir as fortalezas,
no tocante aos fundamentos da tese relativa ao habitat primitivo de que se tem descoberto as ruínas em nossa época, sobre as
do povo Guarani. encostas dos Andes, cobertas de florestas, a leste da cidade de
No capítulo 3º do livro mencionado, o historiador estuda Cochabamba"<5).
a procedencia e zona de ocupac;ao dos Chiriguanos e a Ao alvorecer o século seguinte, deu-se na mesma regiao
etimología dos nomes Chiriguano e Guaraní, apresentan<lo do Cochabamba, urna autentica invasao do Império Inca. .
documentos que provam a ascendencia Guaraní aos Acontecera no final do reinado do filho de Yuapanqui, Huayana
Chiriguanos, e que estes índios sempre habitaram nas Capac, pai dos dois últimos soberanos do Peru, Huascar e
cordilheiras andinas. Atahualpa, o qual veio a morrer em 1526. Os índios invasores,
Escreve Gandia "que os Guaranis estabelecidos desde Chiriguanos do tronco Guaraní das faldas do plato dos Andes
muito tempo nas cercanías alto-bolivianas, confinantes com Orientais, já haviam tido confrontas anteriores com Tupac
as imedia9oes do Chaco, donde adquiriram o nome de Yupanqui, conforme escreveu Garcilaso de la Vega. Este Inca
Chiriguanos". O que fora dado pelos Guaranís do Paraguai, levantara entao fortalezas para defender o império dos ataques
significando conforme o historiador - "Nossos parentes da dos temíveis Chiriguanos,
regiao fria" C3). O etnólogo Nordenskjold menciona em seu famoso
E afirma terminante o autor: artigo de 1917, vários antigos cronistas, como o jesuíta Cobo
e Sarmiento de Gamboa que narraram a "Guerra dos
"A origem Guarani dos Chiriguanos nao admite
Chiriguanos" naquele último governo dos Incas. Refere
discussao, como tampouco o território que desde os tempos
Gamboa que o Inca <lera ordens para a defesa contra os índios
mais antigos foi sua invariável morada" <4). atacantes, reparando a. fortaleza que Yupanqui havia
construí do.
(2)- Enrico de Gandia, obra acirna, 1939.
(3)- Gandia, p o.cit.p.31.
(5)- R.Karsten, op.cit.
(4)- Idern,p.32.
86 87
Relata ainda Gamboa, que estando Huayna em Quito, Os Guaranis qu~ escaparam do exército de Rocca nas
os Chiriguanos atacaram Charcas, ao sul de Cochabamba, e faldas dos Andes, vieram a formar a Na9ao Chiriguano
tomaram a fortaleza de Cuscotuyo, onde o Inca tinha urna permanecendo na fronteira do altiplano da Bolívia, com sua
grande guarda fronteira contra estes índios, que mataram toda maior potencialidade no setor de Cochabamba. E tomou-se
a guami9ao da fortaleza e saquearam a província. ta o f orte que ousou invadir o Império Inca nos anos
Ao receber tais notícias, Huayna nomeou o seu capitao Quinhentos e um pouco mais cedo, naquela mesma regiao
Yasca para convocar o povo de Cusco e comandar a luta onde os Incas haviam construí do fortalezas para sua defesa.
contra os Chiriguanos. Yasca fez urna furiosa guerra com os Talvez tencionasse aquel e gentio reaver as terras de seus
índios inimigos, deixando novas guarni95es nas fortalezas da antepassados. Um sonho que nao podia mais transformar-se
fronteira. em realidade.
Balboa também diz "que os Incas e Chiriguanos O povo Chiriguano, o Guarani das terras altas e frias,
realizaram diversos combates sem vitória para o outro lado". foi aniquilado no século passado, em 1875.
E Cieza de Leon escreveu sobre a "Guerra dos Chiriguanos",
A "Guerra dos Chiriguanos" mostrou a vitalidade de
que "o povo dos Incas passara mal e voltou em fuga".
urna na9ao índia-sul-americana, semelhante as dos Tupis que
Enquanto Joan de Santa Cruz afirma que Huayna Capac
fizeram no Brasil a guerra dos Potiguares, Caetés, do Paragua9ú
mandou contra aqueles inimigos seus mais hábeis chefes
e Tamoios. Todos sacrificaram-se para defender sua.s terras e
comandando 20.000 homens <6).
a sua liberdade por abominarem a escravidao.
Todos estes autores fazem comentários a respeito da
agressao dos Chiriguanos contra o poderoso império, no
reinado de Huayna Capac.
Este povo viril andino de Chiriguanos era
comprovadamente de origem Guarani, como indica a própria
etimologia do nome que lhes deram os Guaranis vindos para
as terras baixas do Paraguai, significando como vimos
"Nossos parentes da regiao fria" (7) . Os que moravam nas
terras altas e frígidas das escarpas orientais do planalto
boliviano.
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caudal em alto mar do maior rio do mundo, a que deu o nome
de "Santa Maria del Mar Dulce". E alguns anos mais tarde
Francisco de Orellana, parente dos Pizarros, foi encarregado
de explorar o grande rio, cuja nascente situa-se na Montanha
do Peru. Construído um bergantim nas terras dos Omáguas, ·
a margem <leste rio e tendo por companheiros dois frades e
57 soldados do capitao da expedi9ao, o espanhol Orellana,
partiram em 1541, descendo o rio, do qual apenas sabia-se
que se lan9ava no Mar Oceano.
A viagem seria longa, demorando mais de um ano, e
imensas as dificuldades, pois dependiam da alimenta9ao que
precisavam arranjar por bem ou por mal dos indígenas
moradores do rio, e enfrentar as hostilidades dos índios
ribeirinhos.
A rela9ao sobre a famosa navega9ao de descobrimento
do Rio-Mar por Orellana, foi escrita pelo frei dominicano
Gaspar de Carvajal, um dos dois monges que iam com o
capitao e sua tropa.
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De come90, encontraram nas margens do rio pequenos
povoados, raros habitantes, e foram se mantendo. Mas depois
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dos navegantes cruzarem as águas escuras do rio Negro, que
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se lan9ara a grandiosa torrente, depararam aldeias maiores e
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~. urna multidao de índios hostis, que come9aram a atacá-los
com flechas de suas canoas. Defendiam-se os soldados
embarcados atrás das paveses do bergantim e seus escudos,
além dos tiros dos arcabuzeiros que amedrontavam os
atacantes , afastando-os. Os espanhóis dificilmente
92 93
conseguiram comida naquele trecho do rio e tiveram de fazer Ao prosseguir a viagem, Orellana interrogou o índio
um segundo bergantim. prisioneiro sobre as Amazonas que combateram ao lado dos
índios da guerra passada. As suas respostas foram
Frei Carvajal em sua rela9ao destacou a presen9a de
resumidamente as seguintes:
índias guerreiras de grande importancia local sobre os homens
indígenas, de quem viviam separadas. O relator chamou-as Disse o índio, que o senhor desta terra chamava-se
"amazonas", devido a urna tradi9ao grega da antigüidade, de "Couynco". As mulheres que vieram ajudá-lo e nos guerrearam
mulheres guerreiras isoladas dos homens, que teriam habitado residiam no interior, a um a sete jornadas da costa; e por ser
o Ponto e estenderam sua conquista até a Citia e a Líbia, "Couynco" seu súdito, tinham vindo guardar a costa. As
havendo vivido na Boemia 0 ). mulheres residiam em 70 aldeias de casas de pedra. Nao eram
casadas, mas coabitavam com os índios de tempos em tempos
O frei dominicano calculou o início da terra das
para a procria9ao. Disse ainda o índio, existir lá urna riqueza
Amazonas a 1.400 léguas de onde partiram do Peru, o que
de ouro e prata, e que entre todas essas mulheres, há urna
coincide aproximadamente com a foz do rio Jamundá. Os
senhora que domina todas. Acrescentou haver urna
bergantins navegavam pela margem esquerda do Amazonas,
cidade capital, onde mora a senhora, com cinco casas grandes
quando deram <liante do senhorio das Amazonas e de urna
dedicadas ao Sol, cujos tetos sao pintados em várias cores e
numerosa popula9ao e suas aldeias. Estes povos já estavam
há ídolos de ouro e prata em figura de mulheres. Também
avisados da nossa vinda e logo rompeu a lutados índios e os
vivem nessa terra muitas ovelhas do Peru, grandes animais
soldados de Orellana. O relator escreveu que súditos e
exóticos e sua la é usada nos vestidos das mulheres. Que elas
tributários das Amazonas sabiam da nossa chegada e foram
tem índios vizinhos, uns que lhes pagam tributos e outros
pedir socorro ás mulheres, vieram dez ou doze. A estas, nao
com quem vivem em guerra. Disse o índio finalmente, que
as vimos, que andavam combatendo <liante de todos os índios
estes índios da vizinhan9a sao altos de corpo e muito brancos,
com os capitaes, com os seus arcos e flechas nas maos,
além de numerosos <2).
fazendo cada urna tanta guerra, como dez índios. E's tas
mulheres eram muito alvas e altas. Afirmou Carvajal, que tudo que este índio informou já
nos haviam contado a urnas seis léguas de Quito, porque ali
Continuou a batalha com a coragem do capitao e seus
falam muito des tas mulheres <3 ).
soldados, que mataram sete ou dez destas Amazonas, razao
pela qual os índios afrouxaram e foram desbaratados. Nesta Os bergantins da expedi9ao continuaram descendo o rio,
aldeia, os nossos agarraram um índio mo90, que contou ao e em urna aldeia a sua margem os soldados viram índios
capitao muitas coisas da terra das mulheres.
94 95
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org . ...
tomando a "chicha", que e a bebida dos indígenas dos Andes, Tabatinga, na fronteira do Brasil e o ,Peru, ganhou o nome de
como oferenda ao Sol, que eles adoram e tem como o seu "Solimoes", que se pergunta porque. E que o étimo tem origem
deus. Mais adiante perceberam o influxo da maré, indicando indígena de urna na9ao que dominava o rio nessa ribeira, desde
nao estarem longe do mar. antes de Quinhentos e tinha o nome "Sorima"(6) . A ter9a parte
do rio no território do Peru, sempre se chamou Maranon, o
Chegaram rapidamente e em paz ao Oceano e navegaram
Maranhao.
um bergantim após o outro para o Golfo de Pátria, na Venezuela,
em setembro de 1542; donde assiram pela Boca do Dragao em Os portugueses puseram finalmente ao Rio-Mar, o
viagem a Cuba. O explorador Orellana embarcou para a Espanha. simples nome "Amazonas", compreendendo a totalidade do
Voltou mais tarde para a América, falecendo em 1546, aos 3 5 seu curso, e foi aceito por todo o mundo.
anos de idade.
No que conceme as Amazonas do Rio-Mar, houve
Escreveu Toribio de Medina - "Foi enterrado ao pé de censuras de historiadores da época a certos informes da
urna das velhas árvores dos bosques sempre verdes, banhadas rela9ao de Carvajal. Logo depois da viagem de Orellana,
pela corrente do majestoso rio ... desse rio que ele havia manifestou-se Lopez de Gomara contrário a existencia de
descoberto ... " (4) . mulheres de guerra na Amazonia. Todavia, nao era um caso
único na América. Outro exemplo ocorreu no Brasil,
O rio Amazonas foi primeiro conhecido por Vicente
confirmado pela história.
Pinzon, como urna torrente de água doce do mar a dentro.
Avan9a muito além do estuário do Oceano, sem misturar suas Em livro do come90 do século, Afonso de Freitas
águas doces as salgadas do mar, com urna enorme largura e escreveu que mulheres selvagens da ra9a de Tapuias
comprimento. Após a sua explora9ao em 1541 - 1542, tomou- guerreavam com arcos e flechas como os homens; e que as
se o rio Orellana para os espanhóis. Passou em seguida a ser mulheres dos Mariquitas também manejavam arcos e pelejavam
o Maranon ou Maranhao, que significava em Tupi "o grande como os homens, na costa de Alagoas. E ainda existe no
caudal semelhante ao mar"; e também Parana, pelos índios litoral norte alagoano urna serra de nome "Mariquita".
Tupis<5). Os gentíos Aruakes o chamavam rio Guiana.
Após o desaparecimento dos Caetés, os gentios de urna
Mais tarde, os portugueses denominaram "Rio das na~.ao Tapuia que viviam no sertao, foram para as terras
Amazonas" o trecho que ia da sua foz ao rio Negro, pouco litoraneas de Alagoas: Eramos "Mariquites", que figuram em
antes do qual Orellana combatera as mulheres guerreiras. mapas franceses antigos, inclusive os de 1.700 e 1.703, de
Outro segmento do rio, a oeste do Negro até a cidade de Guillaume de L' lsle. O primeiro mostra bem no interior de
Alagoas, os "Mariquites", na9ao de Tapuias descendo pelo
96 97
centro do mapa. O outro, de 1. 703, tem no interior da Capitania venham justificar a tese do parentesco com povos oceanicos,
de Pernambuco, que incluía Alagoas, os termos - "Mariquites, concluí o antropólogo brasileiro<9).
povos errantes" .
No Brasil antigo sabia-se existir apenas duas na9oes de
Afonso Varzea escreve sobre os Tapuias "Mariquitas", índios brancos, ambas da Amazonia e muito próximas urna
cujas mulheres tinham a fama de elegantes e bem feitas, sendo da outra: a Na9ao Passé, que a história registra, e a das
aquelas morenas as mais bel as do leste e norte do país <7) . Amazonas, surpreendida por Orellana em sua explora9ao
fluvial. As duas de ra<;a branca, provavelmente a mesma,
Os índios Aruakes fizeram urna intensa dispersao da
pois situavam-se em identica regiao e eram limítrofes pelo
regiao do lago Titicaca, antes do exodo dos Tupis. Dirigiram-
que informara o índio local prisioneiro dos espanhóis.
se principalmente para a bacia amazónica, onde o seu grande
núcleo foi a hacia do rio Negro, permanecendo lá até a chegada De fato, observando-se cuidadosamente o mapa do
dos Tupis. E stado do Amazonas, verifica-se que a Na9ao das Amazonas,
conforme fora dito, situava-se a urnas sete jornadas da costa,
Urna das na9oes amazonenses tidas como da família
cerca de duzentos quilómetros aproximadamente para o
lingüística Aruak, a despeito de possuir urna língua mesclada,
interior, quando da explora9ao espanhola do Rio-Mar. Naquela
é a grande Na9ao Passé, que viveu ao sul do rio Jaupery,
ocasiao, a Na9ao Passé devia ocupar urna área ao sul dorio
afluente do Branco, que por sua vez, lan9a-se no Negro, centro
J aupery, em sentido contrário ao rumo das Amazonas,
dos Aruak. Os Passé, em épocas passadas, estendiam-se até
podendo assim serem até fronteiri9os os Passé e as Amazonas.
o rio Negro. Aliaram-se mais tarde aos portugueses, tomando
parte da funda9ao de um povoado que originou a cidade de Dos informes do índio, confirmados por Carvajal, ficara
. Manaus. Muito numerosos outrora, quando participararn da entendido que aquelas mulheres guerreiras tinham por origem
Liga de Manaus, sao hoje muito reduzidos (&) . os Andes e sua cultura. Eram "muito altas e alvas" (Carvajal),
e os homens que viviam nas imedia9oes "altos de corpo e
Conforme se expressara Arthur Ramos: "os Passé sao
muito brancos" (o índio). Teria sido do Peru essa gente branca
considerados os mais bel os índios do Brasil". Tem a pele
que desceu para o Amazonas e ali as mulheres se separaram
branca ... "e assemelham-se em tu do a ra9a branca,
dos homens, menos na procria9ao. Eles ficavam com os
constituindo por isso ... um dos problemas da antropología
filhos, elas com as filhas, e era mantida assim a ra9a.
sul-americana".
A Na9ao das Amazonas desapareceu após a expedi9ao
Esse grupo talvez venha a dar razao a Eickstedt para a
espanhola ao Rio-Mar, como muitas ·o utras na9oes indígenas
delimita9ao do tipo racial "Brasilide", e alguns grupos Aruak
nos séculos posteriores. Mas era tao intensa a sua tradi9ao,
(7)- Afonso Varzea, "Geogr.afia do A<;úcar no Leste do Brasil", pp.170 e 261- Rio de
Janeiro, 1943.
(8)- Arthur Ramos, op.cit.pp. 171, 172, 173e 174. (9)- ldem.
98 99
que foi imposto o seu i101ne ao maior rio do mundo, o
_Amazonas. Os Passé continuaram a cumprir o seu destino,
reduzindo-se aos poucos. As Amazonas ao decaíre1n, f oram
certamente absorvidas pelos seus parentes raciais, os Passé.
A localizac;ao destas dt1as na9oes em urna única regiao
indica por si mesma ·a sua origem comum. Devem ter
constituído primitiva1nente u1n só povo, que se deslocara em
percurso paPa a Amazonia, mais tarde seguido pelos Aruak e
Tupi. Talvez usaram o rio Beni, nascido no planalto andino, o
rio Madeira e depois o Amazonas até o rio Negro. Os
ancestrais dos Passé e das Amazonas devem ter subido o
Negro e estabeleceram-se na área. Poderiam ter vindo de mais
lorig~, da Oceania. E dos Andes, desceram para a hacia
' Amazónica. Aos poucos, os índios brancos brasileiros foram
~spirados pelos morenos. ·
9. A invasao da Amazonia Brasileira pelos Tupis
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9. A invasio da Amazonia Brasileira pelos Tupis
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1 grossos troncos de cedro, que carrega em suas cheias.
Os Tupis percorreram todo o curso do Madeira de mais
de mil quilómetros, do seu início ao rio Amazonas.
Embarcados em suas canoas (3), tiveram urna -viagem penosa
e demorada, enfrentando os desníveis dos rios. Corredeiras,
saltos e cachoeiras, que precisavam vencer com as sirgas, .
puxando as canoas por cordas de cipós ao longo das margens
dos rios, arrastando-as por terra ou carregando-as nos ombros
por longas distancias.
Antes de alcan9arem o Amazonas margearam urna
1
(1)- Levy Cardoso, Armando - op.cit.- O rio Beni é palavra Aruak levemente adulterada,
" Ueni", significando rio, água -O que mostra que os índios Aruak haviam usado o río,
que nasce no planalto andino, pertencendo entretanto a hacia amazónica, e que a sua
expansao tivera este destino antes do exodo dos Tupis.
(2)- Idem- O rio Madeira chamou-se primitivamente " Caiari", de "cai", cedro e ari",
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. rio - o rio dos cedros" .
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102
103
ficaram ali em definitivo e foram conhecidos pelo mesmo nome Havia ainda no Peru Tupis chamados Cocamas e Cocamilas,
da ilha, os "Tupinambaranas". piratas temíveis que habitavam o baixo Ucayali e o Huallagua,
Durante todo o século XIV e o seguinte, verificou-se a sendo talvez origiQários da Montanha Peruana.
expansao Tupi por vários setores da Amazonia, com o Tanto Omágua como Jurimágua, estas duas na9oes
aumento da popula9ao, gera9ao em gera9ao. O~ nomes de achavam-se na margem direita do Amazonas e mais diversas
tribos e na9oes ameríndias derivavam de seus chefes mais tribos desconhecidas, nao sabendo porque a preferiram. o
afamados ou de certas características dos sítios onde viviam, maior rio sul-americano veio a se chamar Amazonas, devido
ou ainda, devido aos costumes de seus componentes. E as mulheres guerreiras de seu nome, no segmento desde a foz
geralmente receberam diversos nomes que desapareceram ou no Atlantico ao rio Negro.Dalia Tabatinga, foz dorio Javary
foram substituídos por outros, que ocuparam os mesmos na fronteira brasileira com o Peru - o Solimoes; e <leste ponto
locais. Com o tempo, tiveram novas designa9oes, que sao as em <liante, até a nascente dos Andes - o Maranhao. Hoje, é
que a história consigna. Em sua antropologia, Arthur Ramos somente o Amazonas, sem as tres se9oes.
indicou as mais recentes denomina9oes das conhecidas na9oes
No baixo Madeira havia os Parintins, que restavam dos
Tupis da Amazonia, seus diferentes nomes e as respectivas
grupos Cabaiba do século XVIII no rio Tapajós, donde se
localiza9oes.
dispersaram devido a pressao violenta de seus inimigos
Na ilha Tupinambarana, como é de se prever, Mundurucús. E no rio Madeirinha, ·afluente do Roosevelt,
organizaram-se grupos indígenas, cada qual escolhendo o seu viveram as tribos Ntogapid e pequenos grupos aparentados
destino no grande rio. Um deles subiu o Solimoes, trecho do que falavam um alterado dialeto Tupi. Ao sul dos
Amazonas, dividindo-se pela margem direita dorio. Das na9oes Tupinambaranas, situavam-se os conhecidos Maués.
mais conhecidas do grupo, destacava-se a Omágua, que
A leste do rio Madeira, há tres grandes afluentes na
significava "cabe9a chata", pelo costume das maes de apertar
margem direita do Amazonas, até a foz: o Tapajós, o Xingu e
as cabe9as dos filhos quando pequenos com duas taboinhas.
o Tocantins. Todos eles receberam grupos numerosos de
Esta na9ao situou-se inicialmente da foz dorio Juruá no Brasil,
migrantes Tupis, o maior dos quais colocou-se no rio mais
ao rio Napo no Peru. Mais tarde, sendo atacada pelos
próximo do Madeira, o Tapajós, que ainda agora é "o grande
portugueses para escravizar os Omáguas, que recuaram no
habitat dos povos Tupis Amazónicos" C4) .
Amazonas e foram se refugiar a foz do Napo no rio Maranhao
(Amazonas) ao rio Ucayali, afluente desse, ambos no Peru. A famosa Na9ao Mundurucús, por sua belicosidade,
senhoreou-se no século XVIII do médio e baixo Tapajós,
O mesmo acontecera aos Jurimáguas, que se estendiam
guerreando constantemente as outras tribos e sendo temida
do Purus ao Jutay, ambos rios brasileiros. Por causa da pressao
dos colonos lusos, fugiram do Brasil para se instalarem no
baixo Huallagua, rio também afluente do Maranhao peruano. (4)- Arthur Ramos, op.cit.p.81.
_ 104
como urna das mais fortes na9oes Tupis do Brasil. Os Apiacás cultura e linguagem primitiva, que temeroso dos vizinhos
"
estabeleceram-se no século seguinte, na regiao dos rios Jurema recém-chegados mais cultos, em vez de atacá-los, procurara
se adaptar a seus costumes e a língua que usavam. E assim
e Arinos, formadores
,
do Tapajós. E os Tapanhuna situavam- . . . ,
viera a se tup1n1zar ate certo ponto.
se no rio Peixe. A leste dos Mundurucús, os seus parentes
Curuaias no rio Curuá, afluente do Tapajós. Viveram em paz algum tempo os dois povos. Ocorreu
entretanto o aumento populacional dos Tupis da vizinhan9a, e
No rio Xingu havia muitas tribos Tupis. Os Jurunas e
os antigos habitantes locais acharam mais conveniente o
os Taconhapé do baixo Xingu e dorio Iriri, seu afluente da afastamento da sua na9ao em busca de urna regiao longínqua
margem esquerda; os Chipaia dorio Curuá, afluente do Iriri, •
e ma1s segura.
os Arucajús e vários outros. O Tocantins também recebera ,
E urna possível hipótese o delineado acima, tendo em
bastantes Tupis. Entre o Araguaya, seu grande afluente, e neste
' vista a tupiniza9ao verificada desses índios, a localiza9ao
rio estavam os Canoeiros (Avá). A .esquerda do Araguaya, geográfica inicial e o seu deslocamento para leste, como fim
situavam-se os Tapirapé. E inúmeras tribos da mesma família. de senhorear-se da terra e mar da Bahía. Teriam vindo do rio
Eram poucas as tribos Tupis da margem esquerda do Tocantins a oeste e desceram do sertao naquela rica regiao. O
Alnazonas, ao contrário dos que habitavam na direita em grande que nao fora hipotético, mas urna realidade que a história
número. Metraux indica na margem.esquerda os Pariamas do revelou.
rio Potumayo ou I9á. Gabriel Soares de Sousa transmitiu em seu tratado de
15 87, as informa9oes tomadas de índios muito antigos da
Raros nomes e localiza9oes dos indíg.e nas existentes
Bahía, sobre acontecimentos guerreiros ocorridos tempos
na Amazonia eram conhecidas antes do século XIV, quando atrás._Os seus habitantes originais eram Tapuias que:
os Tupis se dispersaram pela regiao, completando a sua invasao
no sul do rio Amazonas. Esses nomes e situa9oes sao dos " foram lan9ados fora da terra da Bahía e da vizinhan9a
do inar dela por outro, gentío seu contrário, que desceu do
séculos posteriores e mudáveis conforme as circunstáncias.
sertao, a fama da fartura da terra e mar desta província, que
Nem sempre se conhecem os da fase inicial da conquista Tupi, se chamam Tupinaés, e fizeram guerra um gentio a outro
mas se faz idéia dos setores ocupados por eles nos rios tanto tempo gastou para os Tupinaés vencerem e desbaratarem
amazónicos, pois nao se instalavam fora de suas margen s. aos Tapuias, e lhos fazerem despejar aribeira do mar, e irem-
Ainda na primeira metade do século XIV, os Tupis se para o sertao ... a qual os Tupinaés possuíram e senhorearam
muitos anos ... "< 5).
haviam avistado o Atlántico na foz do Amazonas e algo ao
norte do rio. Continuavam a sua expansao na Amazonia, Esta rela9ao é parcial, tratando apenas da primeira
penetrando nos afluentes da margem direita do Rio-Mar. Um "Guerra dos Tupinaés'' contra os Tapuias, ocupando até a
grupo deles alcan9ou o médio Tocantins e lá encontrou, ao orla marítima baiana.
que presumimos, um povo numeroso na beira dorio, de baixa (5)- Gabriel Soares, op.cit.p.299.
10ll 107
Gabriel Soares, em seu livro, foi um tanto
"
condescendente com os Tupinaés, a respeito de seus costumes
comparados aos Tupinambás. No entanto, considerou a
linguagem dos Tupis "mais polida que as dos Tupinaés". Estes
últimos seriam "mais atrai9oados que os Tupinambás ... matam
e comem todos os contrários que cativam nas guerras, sem
perdoarem ninguém ... sao inimigos de todas outras na9oes e
gostam da carne humana... "(6) .
,
E que algumas das gentilidades dos Tupinaés indicadas
por Gabriel Soares nao coincidem bem com as dos Tupis,
dotados de urna cultura mais elevada. O ataque levado a efeito
pelos Tupinaés contra os Tapuias nao tiveram a organiza9ao
dos Tupis, mais entendidos nas táticas guerreiras, como
aconteceu mais tarde aos próprios Tupinaés, derrotados pelos
Tupinambás. 10. A invasao da Costa Oriental do Brasil
Os Tupinaés nao pareciam ser genuínos Tupis, mas pelos Tupinambás
urna na9ao tupinizada pelo gentio vindos dos Andes, entao
senhores da metade da Amazonia. Os Tapuias baianos os
julgaram Tupis pelo seu nome de vizinhan9a. Todavia a palavra
Tupinaé podia ser no caso urna corruptela de Tupin-ae,
significando o amigo dos Tupis ou seus afei9oados, em lugar
da corrup9ao de Tupi-na, parentes ou consangüíneos dos
Tupis C7) .
A invasao da Bahia e o seu litoral atlantico pelos
Tupinaés, que durou muitos anos, nao teve repercussao na
história de maior importancia, nem se conhece qualquer outra
naquele período a algum trecho da costa brasileira oriental,
até o limite sul de Sao Paulo.
(6)- Idem.
(7)- Ibdem.
.. no
COLE<;ÁO ARTHUR RAMOS 10. A invasao da Costa Oriental do Brasil pelos
" Tupinambás
110
111
mar, indicando o forte interesse <leste gentio na primeira nalguma maneira diferem nesta parte, e tampouco, que se nem
vez, peias áreas na ribeira do oceano: o porque das pode fazer caso, nem particularizar cousas semelhantes entre
conquistas subseqüentes da costa do Brasil. outros mais notáveis, que todos geralmente seguem ... ''(2).
Os vencedores possuíram a Bahia por muitos anos, Alfred Metraux, um moderno antropólogo de valor,
até a chegada dos portugueses em 1500. Um século, tarnbém considera que "as migra9oes dos Tupis para o litoral
calculando-se o que ocorreu aos outros Tupinambás invasores. do Oceano Atlantico, ainda anteriores adescoberta do Brasil,
O senhorio <leste gentio verificou-se na passagem do século parece ter sido efetuadas em data relativamente recente."
XIV para o XV, cerca de 1400. Acrescentando:
No come<;o daquela informa9ao indígena, há urna "Por outro lado, a perfeita identidade de cultura entre
simples expressao da maior importancia, por se admitir urna todas as tribos Tupi-Guaraní da costa é urna das melhores
amplia9ao invasora, diversa da conquista isolada da Bahia. provas da data recente da sua dispersao sobre o litoral. ,Eles
Eis o <lito significativo: Os Tupinambás "se juntaram" e vieram próprios conservaram a lembran<;a de sua unidade primitiva"
de além do rio de Sao Francisco. Ora, juntando-se os (3)
112 113
da Quichua e Aymara dos Andes. Aglutinante, distingue-se deles tomou o rumo norte, navegando o rio até a sua foz na
pela uniao dos elementos formadores da palavra. Com o costa nordestina, que ia examinar. O outro subiu o Sao
tempo, surgiram pequenas diferen9as na fala de Tupis e Francisco na dire9ao sul, observando de passagem a parte
Guaranis. No Paraguai o Guarani denomina-se "abanhenhen" meridional da orla baiana, nao dominada pelos Tupinaés.
(língua de gente). O Tupi usado mais tarde na Amazonia Voltando ao rio, prosseguiu por ele chegando as suas nascentes
chamou-se "nhenhen-gatu"( língua-boa). E o idioma do resto na vertente setentrional da Serrada Canastra, muito distante
do Brasil, o Tupi era considerado a "língua geral", como o da orla oceanica. F oi míster transpor a serra, encontrando o
apelidaram portugueses e catequistas jesuítas, por ser falado rio Grande e seguindo-o a montante as suas cabeceiras na
em toda a costa brasileira.
Mantiqueira, donde desceu; e alguns indios foram conhecer a
. A "Guerra dos Tupinambás" da Bahía, confirmada costa do Rio de Janeiro, enquanto outros subiram o rio Paraíba
historicamente, nao fora mais que um setor da invasao indígena do Sul, e de lá a faixa marítima de Sao Paulo. Terminada a
da orla oriental do Brasil, realizada por um só povo e na mesma explora9ao de todo esse litoral, voltaram os índios ao ponto
ocasiao em torno de 1400, ao come9ar o século XV. da partida e a seus chefes. Assim ficara determinado o eixo
,
E de se imaginar o que acontecera nas regioes isoladas fluvial dorio Sao Francisco e o seu curso a ser seguido para
próximas das nascentes dos quatro grandes afluentes da as invasoes sucessivas do litoral atlantico brasileiro.
··margem direita do Amazonas, para onde se haviam expandido A missao de reconhecimento dos exploradores, que
·'Tupinambás, ao perceberem afinal os bons resultados dos
acabamos de apresentar o esquema, nao passa de urna
indios Tupinaés em súa conquista das terras da Bahía, a beira-
suposi9ao de nossa parte, devido a conseqüente ocupa9ao
mar.
dos Tupinambás da enorme faixa litoranea brasileira, um século
Todavía, aos chefes gentíos desse Maci90 Brasileiro antes da chegada dos lusos.
pareceu reduzida a orla marítima baiana senhoreada pelos
Os morubixadas de na9oes e tribos realizaram reunioes
Tupinaés, por serem muitos os Tupis daquelas áreas que
em pontos divisos da área, findando pela primeira
habitavam. E antes de mais nada, eles enviaram grupos de
guerreiros para explorar os litorais oceanicos a leste - suas Confedera9ao de Ameríndios do Brasil, a qual futuramente
condi9oes ambientais e os seus ocupantes indígenas. As seguiram mais duas de Tupis: urna no Maranhao, de Caetés
respostas recebidas dos índios espías devem ter sido das de Pernambuco e Alagoas, emigrados da Capitanía durante a
melhores, em virtude da atra9ao pelo mar que sentía o povo "Guerra dos Caetés": e a última, mais famosa, dos Tamoios e
Tupi, reminiscencia das ilhas do Pacífico. seus aliados, no Rio de Janeiro e Sao Paulo. A presumível da
Amazonia, como propósito dos Tupinambás conquistarem
Esses índios atingiram com as suas canoas o rio Sao
além da Bahia, costas oceanicas brasileiras, que já sabiam
Francisco, a altura da Bahia. Divididos em dois grupos, um
existir.
114 115
O povo amazónico aceitou a idéia da conquista
bélica, que julgava garantir o seu futuro. A Confedera9ao cerca de tres mil quilómetros da costa leste brasileira, desde o
compreendia milhares de guerreiros e suas famílias. E as Cabo Calcanhar no Rio Grande do Norte aCananéa em Sao
diretrizes da a9ao a cumprir foram estabelecidas. Paulo. O litoral mais ao sul, de clima menos quente, já era
dominado pela Na9ao Carijó dos Guaranís; na orla do norte
O soprar dos búzios e o som cadenciado dos do Brasil - nao havia gente suficiente para ocupá-la. Bastavam
tambores de guerra ecoaram a beira dos rios, igarapés e aos invasores os tres mil quilómetros de urna faixa
pelas veredas das florestas tropicais, que invocariam os
relativamente estreita em frente ao mar, lagoas e estuários dos
ameríndios para a conquista das regioes marginais do
ríos, abundantes de alimentos.
Atlantico.
Como este povo da selva amazónica projetou urna tao
Preparativos para a expedi9ao tiveram come90 por
grandiosa a9ao bélica, para ser realizada a um só tempo por
toda a parte do sul da Amazonia. Construíram as
colunas distintas de seus indígenas? Urna obceca9ao do mar
indispensáveis canoas que seriam usadas nas vias fluviais.
que a história compreendeu.
Desenterravam-se os inhames e fabricava-se a farinha de
guerra, Defumava-se a ca9a e a secava ao sol. Reuniam-se Aquelas terras peculiares eram entao habitadas por
os arcos e flechas, ao tacapes e utensílios necessários a Tapuias antigos, que as defendiam vigorosamente; e no
vida das selvas. entanto, foram delas despejadas. Tais invasores eram
Num dia determinado os Tupinambás e os seus experientes na arte de guerra e possuíam chefes de valor,
deixaram suas tabas, encaminhando-se para o oriente, com morubixadas de visao, que alcan9avam muito longe. Eram
a observancia do programa instituído. De cada aldeia saíam respeitados por isto em suas na9oes. A História do Brasil
em fileira centenas dos seus habitantes. Partiam com suas aponta muitos deles, capazes de sobressair por suas
cargas ao encontro de seus destinos. Eram dezenas de hostes inteligencias - um Arcoverde, um Ararigbóia, um Tibiri9á;
' todos tres aliados dos colonizadores. E um singular Tamoio,
que urna a urna, avan9am pelas matas fechadas.
Sucessivamente atingiram o Tocantins. Mais adiante, chegaram de nome Cunhambebe ... que os ultrapassaram na guerra naval
ao rio de Sao Francisco, onde foram· "se juntando" os contra os portugueses.
Tupinambás. Suas for9as, quando completadas, aproximaram- Os Tupinambás acampados aprontavam o necessário
se da margem do rio e ali armaram os seus acampamentos. para a luta que se avizinhava. A conserva9ao dos alimentos,
Pode-se avaliar o exército dos Tupinambás reunido junto os instrumentos para ca9ar e pescar, durante a viagem de
ao Rio Sao Francisco em mais de vinte mil gentíos: guerreiros aproxima9ao das áreas visadas; e principalmente as armas de
e índias, velhos e crian9as de todas as idades - pois a tarefa guerra. Construíram mais canoas além dos que trouxeram,
gigantesca que se propunham, compreendia a conquista de indispensáveis a navega9ao do Sao Francisco e outros rios
pelas colunas guerreiras.
116
1\ tropa formava o contigente destinado aconquista da Figuram no mapa todos os setores da primeira invasao
Bahía, iniciou o ataque aos que ocupavam, Tupinaés e Tapuias, Tupi da Amazonia, a duzentos anos antes do descobrimento
atravessando o Sao Francisco e dirigindo-se para o oriente. do Brasil, cujo eixo é o próprio rio Amazonas. Os Tupis
Esta guerra vitoriosa dos Tupinambás fora reconhecida pela conquistadores do1ninaram a margem direita do grande rio,
História do Brasil, através das informa96es dos índios locais. continuando pelo Peru, sobo nome de Maranhao; trecho com
Come9ara a conquista da orla oriental atlantica do Brasil, urna área do litoral norte do Amazonas e os diversos rios
desde o Rio Grande do Norte a Sao Paulo, com exce9ao do Madeira, Tapajós, Xingu e Tocantins-Araguaia, destacando-
Espírito Santo. se os Tapajós e Tocantis-Araguaia.
A "Guerra dos Tupinambás" da Bahía ocorrera cem Além <lestes setores, estao no mapa urna grossa faixa,
anos antes da chegada dos portugueses, data aceitável por que vai do Rio Grande do Norte aSao Paulo, onde ele encontra
várias razoes: a vinda dos Tupis em 13 00 para a Amazonia, a grande massa dos Guaranís, que ocupava o território
for9ada pela ofensiva dos Incas nos Andes, referida pelos adjacente até o rio Paraguai. A larga faixa estendida na costa
cronistas da história Inca; a tradi9ao dos velhos índios baianos; brasileira, relaciona-se a segunda invasao Tupi, apenas cem
a homogeneidade das na96es invasoras do leste brasileiro, anos antes dos portugueses. Finalmente, a expansao dos
mencionada por Gandavo atrás transcrita; as manifesta96es Guaranís no Paraguai e as terras do sudeste da América do
também referidas de Metraux sobre a identidade da cultura de Sul, que constituíram a terceira invasao <lestes gentíos
todas as na96es Tupinambás implantadas no litoral brasileiro. ameríndios.
Além Todas estas marcas salientes correspondem a época
, . . disto, a considera9ao que aquela guerra nao fora
un1ca, po1s ao mesmo tempo eclodira por quase toda a costa pré- histórica, enquanto urna estreita faixa litoranea da foz do
oriental brasileira pelos Tupinambás do mesmo povo que rio Pará ao Rio Grande do Norte, urna pequena curva no rio
atacava o gentío da Bahía. E em a9ao imediata das outras Sao Francisco e mais urna reduzida marca do rio Pilcomayo
colunas guerreiras, utilizando a via fluvial franciscana, as nas faldas dos Andes, foi o que sobrou para a era post-
levavam para as terras a invadir. colombiana no mapa.
Existe um mapa interessante do antropólogo Alfred Metraux, historiador dos problemas indígenas do Brasil,
Metraux, que é apresentado em vários livros, inclusive em consegue no seu mapa, tra9ar a imagem do que realizou a
"Culturas Indígenas" de Arthur Ramos. Contém urna ampla ra9a Tupi-Guaraní na América do Sul, numa concep9ao que
legenda do seguinte teor: "Área de maior extensao dos Tupi- se antecipa ahistória, obra rica da imagina9ao do autor.
Guarani na época pré e post-colombiana" <4).
119
11. Os Tupinambás da Babia
121
Curiosamente as seis grandes na9oes Tupis, que 1netros de profundidade; após a qual, as águas dorio atiram-
nascerarh com essa invasao da costa brasileira se impetuosamente pela queda em fundo canal entre dois
corresponderam quase exatamente as Capitanias criadas na' paredoes da rocha, obra de milenios da natureza. E seguem
inesma orla marítima do Brasil.
em desnível por léguas com matagais nas latas margens
No que conceme ao Rio Sao Francisco, Gabriel Soares escondendo o curso do rio, até onde acaba o "canyon" do
no final do século XVI de descobrimento do Brasil, esclarece Pará, o Velho Chico, na última cachoeira do Xingó, <liante da
aspectos do grande rio relativo ao fluxo das correntes em sua cidade alagoana de Piranhas. Ali se inicia o baixo Sao
barra, a distancia da foz a última cachoeira e desta a de Paulo Francisco, navegável até a foz, e passando novamente a ser
Afons.o. E ainda, sobre o fenómeno estranho para os antigos, visível.
o sum1douro do Sao Francisco, que ele descreveu a seu modo.
Antes de ser invadida pelos colonos portugueses e
escravos africanos, uns dez anos depois da abordagem da
Transcrevemos abaixo o trecho do seu livro sobre o armada cabralina, a Bahia recebeu o presente de urn náufrago
sumidouro dorio: ou aventureiro portugues, sern arnbi9oes rnaiores e de caráter
"Este sumidouro se estende no lugar onde este rio sai bondoso, acolhido pelos Tupinarnbás corno amigo, devido a
de debaixo da terra, por onde vem escondido dez ou doze sua cornpreensao do modo de ser dos índios, com os quais
léguas, no cabo das quais arrebenta até onde se ~ode navegar, . sempre viveu entre os seus parentes afins. O hornero chamava-
e faz seu caminho até o mar. Por cima <leste sumidouro está a se Diogo Álvares e o gentío dera-lhe o nome de Caramurú,
terra cheia de mato, sem se sentir que vai o rio por baixo e um peixe da Bahia. Corn esta alcunha, ele ficou conhecido na
<leste sumidouro para cima se pode também navegar ~m história.
barcos ... "0).
A primeira notícia sobre ·a existencia do Caramurú deve-
Confonne o autor, o sumidouro come9aria no ponto se ao historiador espanhol Gonc;alo Fernandez Oviedo e
em que o rio sai de baixo da terra, e nao quando entra nela de Valdez, que ainda
,
trabalhava sua obra "História General e
cima para baixo, que é o certo. E o mais importante a ser Natural de las Indias".
levado em conta, é que a água do rio nao corre debaixo da
Seguern-se trechos da narrativa de Oviedo referente ao
terra, mas abaixo do nível do solo, de onde se avista o rio em
seu leito. Caramurú, transmitida por tripulantes da expedi9ao da
Alcazaba, que escaparam numa chalupa e na costa do Brasil,
O entao falado sumidouro dorio Sao Francisco come9a acharam surta na Baia de Todos os Santos urna das naus
realmente na cachoeira de Paulo Afonso, com cerca de cem daquela expedi9ao, que seguiu viagem para Sao Domingos
(1)- Gabriel Soares, op.cit.p.64. em 1535:
Franc;a. Tivera eles, além de filhos e filhas legítimas da sua
"Ali acharam e vivia um Diego Alvarez, portugues, o mulher, outros ilegítimos de "cunhas" da terra. Alguns genros,
qual disse que havia 25 anos que estava naquela terra só, e como Adorno, distinguiram-se; e filhos seus receberam
que se encontrava muito bem comos índios, e o tinham por honrarías de Portugal.
seu capitao, lhe eram muito obedientes e os tinha tao sujeitos
e lhe guardavam tanto acatamento, como se nascera senhor Diogo Alvares Correia, o Caramurú, da povoac;ao
deles, e tinha consigo sua mulher, que era índia, da qual tinha a
Pereira, junto cidade de Salvador, faleceu em 1557. Sua
muitos filhos e duas filhas casadas com dois espanhóis que viúva viveu muitos anos depois da morte dele. Ainda fora do
ali estavam. tempo de Frei Vicente do Salvador a viúva, que a considerou
"1nui honrada amiga de fazer esmolas aos pobres e outras
... obras de piedade" <3) •
Aquela terra, segundo Diego Alvarez dizia, nao tem metal "Sem aquela chusma de mamelucos, filhos de Caramurú
algum; porém é fértil e abundantíssima de milho e alho e batatas e Joao Ramalho", escreveu Almeida Prado, "seria quase
e inhames, e de pescarías e cac;a da "canejos", e po.r cas impossível. .. a tare fa do estabelecimento de portugueses no
domésticas e muitas galinhas das nossas da Espanha... e deu litoral. Poderia ter-se malogrado por completo" <4)_
a entender que residía naquela cocta e solidao para salvar e
socorrer seus cristaos que por ali passassem, e disse que Na Bahia houve um caso semelhante da uniao de branco
havia salvo franceses, portugueses, castelhanos que por aquela e urna índia com outro patriarca, na mesma época de
costa se haviam perdido, e que se ele nao estivesse ali, que os Caramurú. Dessa vez aconteceu ao homem mais rico do Brasil
índios teriam morto a estes, que sobraram da armada de Simon de seu tempo, que acompanhara Tomé de Sousa, primeiro
de Alcazaba. governador da colonia, em 1549 ao país - Garcia d' Ávila, o
criador da "Casa da Torre", em Tatuapara. Fizera fortuna
... rápida com criac;ao de gado e em 1553, "tirou urna cabocla
Disse que a oitenta léguas dali, costa mais acima, tinha da choc;a paterna" e fora morar com ela. Deu-lhe o nome de
o rei de Portugal urna fortaleza, d'onde levamo brasil, que se f"'rancisca, Rodrigues, e dela teve urna filha ... que chamo u-se
chamam Femambuco, onde residem oito ou dez pessoas, e Isabel d 'Avil a.
que esperam de Portugal urna armada que ia povoar aquela Casou-se a filha em segundas núpcias com Diogo Dias,
costa ... "<2). neto de Caramurú. E o filho de Diogo e Isabel, neto da García
, ,
Caramurú casou-se com a filha do chefe da tribo, que d' A vi la, foi Francisco Dias D' A vi la, o herdeiro da "Casa da
ganhou o nome de Catarina, em homenagem a rainha da
(3)- J.F de Almeida Prado, "Prüneiros Povoadores do Brasil, 1503-1.531."- p.123 - Sao
(2)- Fernandez Oviedo e Valdez, "Historia General y Natural de las Indias" - Re- edü;:ao Pa ulo, 1935.
em 1959, Madrid.(2) - Femandez Oviedo e Valdez, "Historia General y Natural de las (4)- Idem, p.124.
Indias" - Re- edic;ao em 1959, Madrid.
125
partido, defendendo-os dos colonos pelas aldeias que criaram
Torre" com a morte do avo. "E cresceu Francisco Dias
para a sua catequese.
d' Avila, a taiz cabocla acentuada nos olhos negros e no cabelo
. t o... " , de mame1uco (S) .
ret in O segundo Governador Geral, D. Duarte da Costa, nao
Famílias ilustres da Bahia descenderam do Caramurú, se deu bem como primeiro bispo do Brasil, D. Pero Femandes
d' Á vi la da "Casa da Torre" e das índias brasileiras. Sardinha, chamado pelo rei aLisboa. Mem de Sá foi o terceiro
Governador Geral, que teve urna ac;ao enérgica contra os
Após a chegada dos portugueses no Brasil, o rei D.
franceses, que haviam ocupado o Rio de Janeiro, a sua "Franc;a
Joao III criou as Capitanias do seu litoral, na terceira década
Antártica", aliados aos Tamoios. Os gauleses foram expulsos
do século XVI. A da Bahia, com 50 léguas de costa,
da Guanabara. O sobrinho do Governador foi ferido e morto
coincidindo aliás com Nac;ao Tupinambá que a senhoreava, a
qual coube ao herói da Índia, Francisco Pereira Coutinho. O por urna flechada, o fundador da cidade do Río de Janeiro
'
donatário em discórdia com os índios da terra, foi morto por Estácio de Sá.
eles na ilha de Itaparica em 1545. Na primeira expedic;ao que Mern de Sá enviara ao rio
Estabelecido o Govemo Geral do Brasil, foi Tomé de Cricaré (Sao Mateus), contra o gentio Tupiniquim levantado,
Sousa o seu primeiro govemador. Acompanhando-o vieram perdeu o seu filho Femao de Sá, rnorto em combate. Seguiram-
quatro padres jesuítas, entre os quais Manuel da Nóbrega. se outras campanhas contra os mesmos índios em Ilhéus
'
Desembarcaram na povoac;ao do antigo donatário de nome vencendo-os na última o próprio Govemador.
Pereira, depois Vila Velha. O govemador construiu a urna légua
Havia entao na Bahia dois núcleos importantes de índios
dali a sua capital Salvador, da Bahia e do Brasil. Tomé de
Tupinambás: a capital Salvador e suas vizinhanc;as, e a grande
Sousa deixou o govemo em 1553.
bacia dorio Paraguac;ú ou Peroac;ú a oeste da Bahia de Todos
Na primeira fase do Governo Geral da Bahía, a os Santos. Estas duas concentrac;oes de indígenas deviam
mestic;agem dos portugueses com as índias locais predominou conter cada urna delas, cerca de cinquenta mil índios. Eram
pela ausencia de mulheres brancas e a necessidade de lares eles, principalmente os do Paraguac;ú, muito ciosos de sua
para os recém-chegados. Iniciara-se a escravizac;ao dos
cultura guerreira, nem aceitavam a escravizac;ao da sua gente.
indígenas pelos colonos, destinados aos servic;os domésticos.
E a montagem dos primeiros engenhos de ac;úcar nas De volta a Salvador, Mem de Sá teve conhecimento
redondezas do Reconcavo, a escravatura vermelha multiplicou- que índios escravos de engenhos haviam fugido , sendo
se, dando comec;o aos atritos das duas rac;as. Os jesuítas que acolhidos pelos Tupinambás do Paraguac;ú. O Governador
tinham por objetivo cristianizar os índios, tomaram o seu intirnou-se a restituir os fugitivos, nao sendo obedecido. Mem
de Sá formou um exército de 4.300 homens, dos quais 300
(5)- Do livro de Pedro Caln1on, "História da Casa da Torre" , pp.14, 32 e 34.
127
126
soldados brancos e 4000 índios apanhados nas aldeias jesuítas. O jesuíta Fernao Cardim, que acompanhou o visitador
E com ele marchou contra os da regiao do rio Paragua9ú (6). Cristovao Gouvea ao Brasil, onde escreveu a sua "Narrativa
Travou-se a "Guerra do Paragua9ú", ou Peroa9ú, em Epistolar",
,
com urna parte intitulada "Do Princípio e Origem
1559. Os Tupinambás d~quele núcleo tinham por chefe o dos Indios do Brasi ... ",Na qual escreveu:
principal Tarajó e a sua famosa fortaleza. O objetivo do "que os índios de dez na9oes (a maioria Tupis do
Govemador foi esta aldeia, atacada com todo o seu exército. litoral brasileiro) foram e. sao os amigos antigos dos
Vencida a resistencia de Tarajó, a seguir foi devastada a regiao portugueses, com cuja ajuda e armas, conquistaram esta terra
do Paragua9ú pela for9a de Salvador. "Anchieta fala em 160 pelejando contra seus próprios parentes e outras diversas
aldeias que Mem de Sá destruiu na guerra comos índios do na9oes bárbaras, e eram tantos os desta costa que parecia
Paragua9ú, fronteiros da Bahia e muito poderosos" C7). i1npossível poderem-se extinguir; porém os portugueses lhes
A vitória ao forte de Tarajó acortteceu a 28 de tem dado tal prensa, que quase todos sao mortos e lhes
setembro de 1559, e a guerra durara quinze dias. tem tal medo que despovoam a costa e fogem pelo sertao a
dentro até trezentas a quatrocentas léguas. es)
A aparencia da Bahia mudou daí por <liante. Os
maiores engenhos tinham no servi90 mais de mil índios Era o que acontecia aos índios da ·orla marítima do
cativos cada um deles. Fugiam quando possível para as Brasil ao final daquele século.
matas e os sertoes ou morriam cedo, por nao suportarem
0 eito e as moagens dos engenhos, tao diversos do seu
modo de v.iver.
Os índios do Paragua9ú que perderam suas aldeias
destruídas, ganharam os matagais próximos e o sertao. Dali
hordas de milhares dirigiram-se para terras distantes, como
a hacia do alto Paraguai ou a Amazonia, migrantes
comprovados por Metraux e exploradores portugueses. As
falhas dos índios escravizados pelos colonos e senhores
de engenho, foram sendo substituídos pela importa9ao de
africanos cativos, cada vez mais abundantes, dando outro
a
aspecto Salvador e suas imedia9oes.
(6)- Jesuíta Herbert Ewaldo Wetzel, "Mem de Sá"- Rio de Janeiro, 1972. (8)- Fernao Cardim, "Tratados da Terra e Gente do Brasil", p. 171 - Sao Paulo, Rio,
(7)- ldem, p.65. Recife, Porto Alegre - 1939.
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12. Os Tupiniquins de Porto Seguro e Ilhéus
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A segunda coluna invasora dos Tupinambás, que
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• aquela beira-mar, urnas léguas, de Camamú na Bahia ao rio
Cricaré (Sao Mateus) no Espírito Santo. Nao se expandiram
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.; entretanto para o interior, que nao os interessava. E os
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se deslocado para a banda do sertao baiano, junto as vertentes
dos rios. Dali guerreavam os novos vizinhos da orla marítima.
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132 133
Estes Tupiniquins primitivos do sul da Bahia, talvez para convivencia que tiveram na praia da enseada da Coroa Vermelha
diferenciar-se
,.. dos do norte, vieram a ser chamados no Porto Seguro. A compreensao que espontaneamente eclodiu
Tupiniquins, cujo significado da língua era que pertencia a um em ambas as ra9as de diferentes culturas, que nem se
ramo dos Tupis. Este nome prevaleceu até agora. entendiam pela fala, surpreendeu o próprio Caminha ao
Os Tupiniquins usavam nao somente a língua, mas escrever que os índios "enquanto ali andavam, dan9aram e
também os costumes e as gentilidades dos Tupiniquins. Eram bailaram sempre com os nos sos ... em maneira que sao muito
Tupis, sem dúvida. Asseverava-se um cronista de Quinhentos mais amigos que nós seus".
<I ), que "es se gen ti o é mais doméstico e verdadeiro que todo
Cabral manifestou-se atencioso com os naturais da terra.
outro da costa <leste Estado (Bahia)". "Eles foram grandes Quando dois mancebos Tupiniquins de urna almadia (jangada
pescadores e ca9adores; índios valentes e bons marinheiros;
de tres paus para 4 ou 5 pessoas) sao levados anau capitanea,
cantavam e bailavam como os Tupinambás. Enfim, eram
onde foram recebidos com muito prazer e festa, tratando-os
homens para muito ... "
o Capitao-mor como seus hóspedes. E se deitarem para
Estes célebres índios Tupiniquins tiveram um aspecto dormirá noite na alcatifa, Cabral delicadamente "lhes mandou
simpático a história do Brasil., Receberam amavelmente a por baixo das cabe9as seus coxins".
tripula9ao da armada de Pedro Alvares Cabra!, ao descobrir a
Terra de Santa Cruz. E tornaram-se desde entao amigos fiéis Vejamos alguns trechos da carta:
dos portugueses, ajudando-os nas guerras contra gentios de "Na praia acudiram obra de duzentos homens, todos
outras na9oes.
nus e com arcos e setas nas maos ... Davam-nos aqueles arcos
"A certidao de Nascimento do Brasil" e setas por sombreiros e carapu9as de linho ou por qualquer
O documeto primordial da descoberta do Brasil e seus coisa que homens lhes queiram dar".
habitantes índios, é a "Carta de Pero Vaz de Caminha", a D. "A fei9ao deles é serem pardos, mane ira de
Manuel de Portugal, escrita em Porto Seguro no primeiro dia avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feítos.
de maio de 1500, onde fez aguada
, a segunda armada da Índia, Andam nus, sem cobertura alguma. Nao fazem o menor caso
sob o comando de Pedro Alvares Cabral. A carta levava a
de encobrir ou mostrar suas vergonhas; e nisso tem tanta
El- rei as primeiras informa9oes da nova terra encontrada e
inocencia como em mostrar o rosto. Traziam os bei9os de
sua gente. Publicou-a pela primeira vez em 181 7, o padre Aires
de Casal, em sua "Corografia Brasílica". baixo furados e metidos neles seus ossos brancos ... Os
cabelos seus sao corredios. E andam tosquiados".
A famosa carta mostra como se deram bem os
marujos da armada portuguesa e seu Capitao-mor, com "Os Tupiniquins ajudaram aos marinheiros carregar
os índios Tupiniquins da costa brasileira, em ligeira lenha nos batéis com boa vontade".
No Domingo de páscoa, a 26 de abril, foi rezada a
(1)- Gabriel Soares, op.cit.p.88 primeira missa no Brasil, por Frei Henrique Soares Coimbra
134 135
num ilhéu (a Coroa Vermelha). A segunda, so lene, foi rezada nédios que o nao somos nós tanto, com quanto trigo e legllines
entre o rio e o mar, ao pé de urna cruz de madeira que fizeram comemos" <2) .
a chantousse na praia. Nesta última missa os índios ficaram Pero de Magalhaes Gandavo, filho de Braga e
de joelhos com os portugueses, acompanhando-os sempre descendente de flamengos, residiu algum tempo no Brasil,
nas rezas. Eles, segundo parece, nao te1n nem entendem em provavelmente no governo de Mem de Sá. Humanista
nenhuma cren9a. emérito, de volta a Portugal, escreveu o "Tratado da Terra
Pero Vaz de Caminha, na carta aSua Alteza, entusiasmou- do Brasil" e a "História da Província Santa Cruz", a última
se com as mo9as Tupiniquins, e em tres passagens adota um impressa em 1576.
dizer sutil e manhoso para El-rei, tais foram as cenas que Em seu elegante estilo, o cronista descre've "urna certa
tanto o agradaram, após a sua longa navega9ao em alto-mar. na9ao de gentio" na sua história, que veio do sertao há cerca
" ... entre eles (os índios) andavam quatro ou cinco de duas décadas para as terras de ·d uas capitanías do sul da
mulheres mo9as, nuas como os homens, que nao pareciam Bahia C3) ,
mal... Outra trazia... suas vergonhas tao nuas e com tanta Transcrevemos algumas das características singulares
inocencia descobertas, que nis so nao havi a vergonha alguma". desses índios, referidas por Gandavo em seu livro:
"Ali ·andavam entre eles tres ou quatro mo9as, bem "Chamam-se Aymorés e sao mais alvos e de maior
mo9as e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos estatura que outros índios da terra, com a língua dos quais
pelas espáduas, e suas vergonhas tao altas, tao cerradinhas e nao tem nehuma semelhan9a nem parentesco. Vivem todos
tao limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, nao entre os matos como brutos animais, sem terem povoa9oes,
tínhamos nehuma vergonha." nem casas em que se recolham. Sao mui for9osos em
"E urna daquelas mo9as era toda tingida, de baixo á extremo e trazem uns arcos mui compridos e grossos
cima daquela tintura; e certo era tao bem feita e tao redonda, e conforme as suas for9as, e a flecha da mesma maneira. Tem
sua vergonha ( que ela nao tinha) tao graciosa, que a muitas feíto muito dano nestas Capitanias [Porto Seguro e Ilhéus],
· mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais fei9oes fizera vergonha, depois que descerem a esta costa ... Nao planejam em
por nao terem a sua como ela." campo ... poem-se entre o mato junto de algum caminho, e
tanto que alguém passa, atiram-lhe ao cora9ao ... o matam, e
E afirma Caminha afinal: nao despedem flecha que nao a empreguem. As mulheres
"Esta gente é boa e simples. Eles nao lavram nem criam. trazem uns paus gros sos ... com que ajudam a matar... quando
Nao há aqui animais domésticos. Comem desse inhame [sic],
que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as (2)- A "Carta de Pero Vaz de Caminha", com u1n estudo de Jaime Cortezao. Ed. Livros
árvores de si lan9am. E com isto andam tais e tao rijos e tao de Portugal - Rio de Janeiro, 1943.
(3)- Gandavo, op.cit.pp.140-141.
136 137
se oferece a ocasiao. Até agora nao se achou nenhum remédio
para destr'Uir esta pérfida gente ... sao tao ligeiros e manhosos,
que quando cuidamos que vao fugindo ante quem os
persegue, entao ficam atrás escondidos atirando aos que
passam descuidados, e desta maneira matam muita gente ...
Sao finalmente estes selvagens tao ásperos e cruéis, que nao
se pode com palavras encarecer sua dureza ... Como sejam
tao bravos e de condi9ao tao esquiva, os portugueses nunca
o poderam amansar, nem submeter a nenhuma escravidao
como os outros índios da terra ... ".
Os ferozes Aymorés desceram de urna serra, o seu núcleo
original, a famosa Serrados Aymorés, para a planície, a partir
do ano 1555, aproximadamente segundo Gandavo. Tal serra
estendia-se em linha por mais de 300 quilómetros na fronteira
de Minas Gerais com o Espírito Santo e a Bahia. O seu gentio
passara a assaltar e matar os habitantes portugueses de Porto 13. Os Potiguaras da Paraíba e Rio Grande
Seguro e dos Ilhéus na borda do mar, e dentro da mataria
do Norte
principalmente os índios ali existentes em grande número. Nao
parou a devasta9ao naquele período da Na9ao Tupiniquim
que foi aniquilada pelos Aymorés. Assim terminaram os
Tupiniquins da regiao ainda no século XVI.
Os Aymorés tidos como selvagens animais humanos,
conforme antropólogos, devem ser originários da ra9a paleo-
americana da lagoa Santa. Pelo que, seriam os mais antigos
do Brasil.
Havendo já destruído as capitanías de Porto Seguro e
Ilhéus, os terríveis Aymorés entraram na própria Bahia e tinham
feito despejar as bacías do Jaguaribe e Paragua9ú, nao
conseguindo passar ao norte. Fez-se entao a paz dos Aymorés,
que desapareceram de toda esta costa.
138
"" 13. Os Potiguaras da Paraíba e Rio Grande do
JERONIMODE Norte
ALBUQUERQUE
1548 - 1618 Nao seria possível saber-se da ordem seguida pelas
quatro colunas ainda agrupadas amargem dorio Sao Francisco,
e1n terras da Bahia invadida pelos Tupinambás. Se partiram
urna a urna ou simultaneamente, ao mesmo tempo.
Come9amos pelos Potiguaras e os Caetés do nordeste.
A primeira destas colunas poderia ter sido a dos
Potiguaras, que se dirigira para o norte, descendo o Sao
Francisco. Embarcados os índios, como era da preferencia
dos Tupis, viajaram em suas igaras (canoas), carregando-as
nos ombros para completar os percursos fluviais, ou a pé
quando necessário. Tiveram a vencer os desníveis do
caudaloso rio, sobretudo seus "canyons" antes de come<;ar o
baixo Sao Francisco. Provavelmente foram até a foz do
Parapitinga dos indígenas, o futuro "Velho Chico" dos
ribeirinhos, porque queriam ver de perto o mar dos seus
sonhos.
Estes Tupinambás, que seriam chamados inicialmente
Petinguaras pelos portugueses, os comedores de fumo na
língua tupi, pois o mascavam, urna tradi9ao dos Andes, onde
se mastigava a folha da coca, que possui urna a9ao estimulante.
E o primeiro donatário da Capitanía de Pernambuco, Duarte
Pereira Coelho, os chamava Petiguaras. Afinal, substituí-se o
nome por Potiguaras, os que comiam camaroes.
JERÓN IMO DE J\L BUQUERQUE DETJ\L HE DE RETRATO SUPOSTO M J\NOEL VIC I\>R Os índios <leste grupo deixaram suas canoas na
embocadura do Sao Francisco e seguiram pela praia de areia
léguas e léguas, atravessando largos rios e barras de lagoas,
alimentado-se no trajeto até a dobra do litoral para o poente
140
do Rio Gr<¡nde do Norte, no Cabo Calcanhar, onde comec;ava Enguanto isso, os homens atacaram os portugueses a
a "Costa do Sertao", que nao apresentava a vegetac;ao e a flexas. Os marinheiros correram para os seus batéis varados
beleza oriental. Resolveram nao ir adiante os selvícolas na ~raia e deram tiros de bombarda contra os índios, que
restantes, pois os demais já tinham ficado pelo caminho desde fu~1ram amedrontados. Voltaram para bordo e os tripulantes
o rio Paraíba do Norte, que seria a sua fronteira com o grupo qu1zeram ~e-seer apraia para vingar a morte dos companheiros;
seguinte de Tupinambás. Os Tapuias porventura encontrados mas o cap1tao-mor nao consentiu, pois era outra a sua missao
naquela viagem eram despejados das terras litoraneas, de r~conhecimento do litoral. As caravelas partiram no dia
refugiando-se no sertao os que escapavam dos conquistadores. segu1nte. Os selvagens daquela praia "dos marcos" pertenciam
a tribos "Tarairius", terríveis tapuias de sertoes que depois
Assim formou-se avalente Nac;ao Potiguara, ocupando lutaram na Guerra Holandesa contra os luso-brasileiros Cl).
no limite do agreste o trecho da orla marítima que ia do rio
Paraíba, no estado do mesmo nome, ao Cabo Calcanhar A referencia mais remota da existencia daquele marco
divisório de litorais, no vizinho estado do Rio Grande do figurou ao limiar dos Seiscentos ( 1616), em atlas imputado ao
Norte. cartógrafo Joao Teixeira de Albernoz 1, que só foi publicado
em 1968 no Rio de Janeiro, com o título "Livro da Razao do
Um ano depois da descoberta do Brasil por Cabral, o Estado do Brasil".
rei D. Manuel preparou urna frota de tres caravelas para explorar
o litoral brasileiro pertencente a Portugal. A frota, sob o O comandante Vital de Oliveira, em seu "Roteiro da
comando de André Afonso Gonc;alves, atravessou o Atlantico Costa do Brasil, do rio Mossoró ao rio Sao Francisco do
Norte", escrito em 1864, passando <liante do "sitio dos
vindo fundear numa praia deserta da orla setentrional do Rio
marco~", na setentrional "Costa do Sertao", refere:
Grande do Norte, em 7 de setembro de 1501. Nela viajava '
como cosmógrafo o italiano florentino Américo Vespúcio. "formava urna enseada ampla e descampada,
Os navegadores desembarcaram ein terra e ali chantaram um defrontando o oceano. Tinha por coordenadas geográficas -
marco de pedra, tomando a posse da terra para o rei de 5º 04' 40" de Lat. S. e 35º 48' 30" de Long. S., meridiano
Portugal. F ora este o pri1neiro marco de posse implantado na de Greenwich... Na distancia de 1,5 ou 2 milhas da costa, a
costa do Brasil. n~;egac;ao é franca onde se encontrará 32, 40 e 48 palmos
d agua, fundo de areia".
No outro dia desceram na praia os tnarujos, para
abastecer de água e lenha de que precisavam as caravelas. No O capitao de fragata Vital de Oliveira morreu em
seguinte dois deles insistiram em ir ter comos indígenas que combate na Guerra do Paraguai, comandando o navio
apareceram ao longe; e jamais voltaram. No último dia da "Silvado" em Curupaity, 1867. Seu livro foi publicado por
presenc;a da frota, u1n moc;o luso acercou-se de um grupo de sua senhora em 1869.
índios e índias. F oi morto a tacape por urna mulher e as outras (1_)- Moacyr .S oares Pereira, "Navegai;ao de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio" cap.11-
o arrastaram para o morro a fim de assá-lo. Rio de Jane1ro, 1984. '
--~--~------- 143
monumento no acervo da Fortaleza de Natal. E por lembran9a,
Em 1890, José de Vasconcelos publicou .um trabalho
" fotografou a área da ocorrencia de um importante fato da
em Pernambuco que tratava de "Datas célebres e fatos notáveis
História do Brasil.
da História do Brasil", no qual estudou pela primeira vez o
"marco antíguo" da ''Costa do Sertao" do Rio Grande do Os Potiguaras nao se deram bem com os Tupinambás,
Norte. O historiador <leve te-lo examinado "in loco" e suas que os seguiram na invasao do litoral e se fixaram no sul do
vizinhan9as, pois as informa9oes que transmitiu foram seu território, os Caetés das grandes florestas. A fronteira do
confirmadas mais tarde por outro pesquisador de nomeada, rio Paraíba entre as duas na9oes nao foi sempre aceita pelos
Luís da Camara Cascudo. Potiguaras, que se atritavam na margem direita daquele rio
com os vizinhos do sul, Caetés e Tabaj aras do norte de
O local era entao chamado o "Arraial do Marco", a 5° Pernambuco, urna fra9ao do gentío Caeté.
de latitude - urna pedra quadrangular de mármore de Lisboa, '
alvíssimo e de fina gra, dois palmos de largura e um de Foram criadas por D. Joao III as duas capitanías ao
norte de Pernambuco. A de Itamaracá, que come9ava nesta
grossura, tamanho presumível de oito palmos. Nenhuma '
ilha e terminava no rio Guajú, "Baía dos Marcos"; a do Río
inscri9ao de data. Numa das faces a Cruz da Ordem de Cristo
Grande do Norte, que ali se iniciava, compreendia toda a
acima de escudo com as quinas portuguesas em cruz. Tinha
. ' "Costa .d o Sertao". Ambas eram habitadas pelos índios
de cada lado, duas outras pedras menores e lisas: os dois
Potiguaras. Continuaram as desaven9as entre eles e os Caetés
tenentes usuais.
e Tabajaras, seus contrários. A Capitanía de Itamaracá'passou
José de Vasconcelos concluíra que o marco fora posto a se chamar Paraíba devido a importancia do rio, que era
ali pelos navegadores portugueses em 1501, e que o padrao navegável por navíos algumas léguas depois da foz.
de Cananéa e suas características era "em tudo ao que está -Fortalecida a capitania pernambucana com os seus
no Arraial do Marco';. novos colonos do reino, após serem eliminados os índios
Luis da Camara Cascudo visitou em 1928 o Marco da Caetés, agravou-se o atrito dos povoadores brancos com os
"Costa do Sertao", o qual fora deslocado uns duzentos metros Potiguaras limítrofes, aliados dos franceses, que vinham a
da du.na de areia em que fora implantado original1nente. Paraíba e o Rio Grande negociar com eles o pau brasil, em
Cascudo voltara a ve-lo em 1955, estudando-o troca de utensílios de toda ordem e armamentos, que bs faziam
cuidadosamente. E vinte anos mais tarde, em 1975, o marco temíveis. Os navíos gauleses em grande escala, visitavam as
foi retirado do novo local e levado ao Museu do Forte dos costas das duas capitanías e penetravam nos rios Paraíba e
Potengy de bons calados, onde recebiam o .auxílio dos
Reís Magos em Natal, onde se encontra.
indígenas para carregá-los. Por seu lado, os colonos de
Em 1993, o historiador do Rio Grande do Norte O lavo Pernambuco conseguiam de Portugal e da Espanha, frotas de
•
de Medeiros Filho, foi conhecer o local do marco de 1501, na naus e caravelas para atacar os franceses e seus aliados da
praia que achou belíssima, já nao possuidora do antigo terra.
145
144
Tres naus francesas carregavam pau brasil na Baía da F ranc;a. Os invasores nao suportaram a pres sao dos brancos
Traic;ao na Paraíba, quando o Capitao-mor de ltamaracá dera- e índios vindos do Nordeste como seu comandante, e retiram-
lhes um assalto, matando alguns franceses e queimaram muito se deixando o Maranhao. O vencedor criou urna nova família
brasil. Houve entao um combate violento em que os índios nordestina, ao assinar-se daí por di ante Jerónimo de
inataram Diogo Dias e toda a sua gente. A situac;ao agravou- Albuquerque Maranhao.
se.
A legenda do capítulo 3 3 do livro de Frei Vicente do
F oi a "Guerra dos Potiguaras", govemando o Brasil Salvador indica "De como Hyerónimo de Albuquerque fez
Luís de Brito, em a era de 15 74 e dela se seguiram tantas que pazes com os Potiguaras e se comec;ou a povoar o Rio
duraram vinte e cinco anos" <2) . Grande" <3).
Conquistada a Capitanía da Paraíba após a construc;ao O Capitao-mor e um jesuíta consultado decidiram soltar
da fortaleza nas águas do seu río, feíta por Cristovao Lins, o um índio preso de boa fala, o principal e pajé Ilha Grande,
povoador das Alagoas, os Potiguaras recuaram para o Rio mandando-o a tratar das pazes comos parentes Potiguaras.
Grande do Norte. A lutados luso-brasileiros deslocou-se para Partiu Ilha Grande instruído no que deveria dizer, e logo na
esta capitanía dominada ainda pelos Potiguaras e os marinheiros primeira aldeia foi bem recebido por saberem ao que ia. E
dos navíos franceses. A forc;a originária de Pernambuco enviaram de pronto recado as demais aldeias da ribeira do
conseguiu levantar um outro forte no rio Potengy para mar e das serras onde se encontravam os maiores principais,
combater as naus de Franc;a e os índios aliados. que foram informados. Disse-lhes Ilha Grande para irem ao
Acabado o Porte dos Reis Magos em 1598, o Capitao- Forte dos brancos a falar com o Capitao-mor Jerónimo de
mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homero, entregou Albuq_uerque e os jesuítas, e fazer com eles as pazes, pois os
o comando do Porte a Jerónimo de Albuquerque, o mameluco, franceses de nada nos poderao ajudar. Todos aceitaram o
filho de Jerónimo de Albuquerque, o Velho, cunhado do conselho de Ilha Grande, muito principalmente as mulheres,
primeiro donatário de Pernambuco, Duarte Coelho e da índia que traziam amea9ados os maridos e receavam as contínuas
Maria Espírito Santo Arco Verde, filha do principal dos guerras.
Tabajaras, o Arcoverde. Com isto se vieram logo os principais ao F orte para
Jerónimo ficou mais seis anos no Governo da Capitanía tratar das pazes. E foi de todo avisado o Govemador D.
e foi o fundador da cidade de Natal a 21 de dezembro de Francisco de Sousa, o qual mandou que as ditas pazes se
1599. Chefiou a campanha contra os franceses que ocuparam fizessem com solenidade de direito, como se fizeram na Paraíba
a Ilha do Maranhao, denominada Sao Luis em honra do rei de a 11 de junho de 1599, estando presentes o Govemador da
146 147
Paraíba P eliciano Coelho de Carvalho com os oficiais da
Camara e Manuel Mascarenhas Homem com Alexandre
Moura, que o sucedera como Capitao-mor de Pernambuco;
o Ouvidor Geral Braz de Almeida e Prei Bemardino das Neves.
P eitas as pazes com os Potiguaras, logo se come9ou a
fazer urna povoa9ao no Rio Grande a urna légua do Porte, a
qual também governava o Capitao do Porte.
No século seguinte ocorreu a invasao holandesa do
Nordeste do Brasil e os nossos formaram um ter90 de
Potiguaras seus aliados, que tivera por comandante o herói
índio P elipe Camarao, filho do principal Potigua9ú de uma
aldeia junto a Natal. Enquanto os bárbaros Jandoins, do nome
de seu chefe indígena 0u Tarairiús, ficaram do lado dos
holandeses, tornando-se entao os dominadores dos sertoes,
e sendo mais tarde exterminados. Os Potiguaras, além de 14. Os Caetés de Alagoas e Pernambuco
outros índios, foram se extinguindo aos poucos pelas
mesti9agens com os descendentes de portugueses e franceses,
como aconteceu em toda a regiao do Nordeste, contribuindo .
para se formar o tipo nordestino.
Os Potiguaras tiveram o privilégio de ganhar as pazes
oficiais e respeitosas de urna longa guerra com os colonos
luso-br8;sileiros, determinadas pelo grande mameluco
pernambucano; o que nao aconteceu as outras poderosas
na9oes Tupis, senhoras da costa oriental do Brasil no século
do descobrimento, quando desapareceram do seu mapa.
148
14. Os Caetés de Alagoas e Pernambuco
152 153
Um ano depois do naufrágio, o Governo de Portugal Salvador, porto de partida da nau, ao sítio do seu naufrágio,
promulgava ato considerando legal a escravidao perpétua de sessenta léguas portuguesas, na praia de Santa Isabel, em
todos os índios Caetés e seus descendentes, sem distin9ao Sergipe. A carta seguinte do jesuíta Ruy Pereira viajando da
de sexo ou idade, por considerá-los culpados do sacrificio Bahia para Pernambuco, enviada aos padres da Companhia
do Bispo Sardinha. de Portugal em 1561, afirmando que "na enseada de Vazabarris
e aonde se perdeu o Bispo velho e os que em sua companhia
O tratadista Gabriel Soares de Sousa mencionou o
vinham". O terceiro jesuíta, o Visitador da Companhia na
trágico sucesso e suas circunstancias, dando a sua versao
Província do Brasil, Cristóvao de Gouvea, que se encontrava
sobre o que acontecera, em seu conhecido livro sobre o Brasil
por volta de 1586 no país, um ano antes do livro de Gabriel
em 1587, trinta e um anos depois do naufrágio de "Nossa
Soares, em viagem da Bahia para Pernambuco, escreveu que
Senhora da Ajuda". Escreveu o autor que em Coruripe de
havia o rio Cirigi (Sergipe):
Alagoas, perdeu-se o Bispo e os que o acompanhavam, e
foram devorados pelos índios Caetés (Z).
Até agora, os compendios que tratam do assunto adotam "assaz nomeado e conhecido por estar na enseada de
com ligeiras variantes a versao do livro de Soares: que o Vazabarris, tao temida dos navegantes desta costa, e onde
primeiro Bispo do Brasil
,
teria sido comido pelos Caetés numa mataram o primeiro hispo desta cidade (Salvador), com os
praia de Alagoas. E o que se ensina nas escolas brasileiras. mais que iam na mesma nau" (3) .
No entanto, a versao de Gabriel Soares nao era O quarto documento jesuítico é o livro de Francisco
verdadeira. Documentos conservados nos arquivos da Soares, contemporaneo da obra de Gabriel Soares, que traz
Companhia de Jesus, cartas de jesuítas do Brasil dirigidas a urna rela9ao dos primeiros bispos do Brasil, na qual está Dom
colegas ou a seus superiores, em época subseqüente ao Pero F ernandes, que "fora morto em Vazabarris"
afundamento da nau do hispo, contem referencias ao local da
Além destas provas jesuíticas, Frei Vicente do Salvador,
tragédia e o gentio que devorou o Bispo Sardinha e seus que terminou a sua "História do Brasil" em 1627, escreveu no
companheiros de viagem.
capítulo vigésimo do seu livro, que Cristóvao de Barros
Foram tres as cartas de jesuítas, além do livro conhecido decidira vingar-se dos gentíos de Sergipe "pela morte do seu
de um quarto jesuíta. A mais antiga das cartas escreveu ao pai Antonio Cardoso de Barros, que ali mataram e comeram,
jesuíta Antonio Blasques um ano depois da ocorrencia em indo para o reino como primeiro hispo <leste Bahía" (4) .
1557, a Santo Inácio de Loyola, o patriarca de Ordem, na
qual ela determina por duas vezes a distancia da cidade de
154 155
Na guerra travada comos í~dios sergipanos da Na9ao de Portugal, mas da Espanha, Itália e até da Alemanha.
Tupinambá da antiga Capitania da Bahia, que dominava a Eles chegavam esperan9ados de fazer fortuna na colonia, como
regiao, saiu vitorioso Cristóvao de Barros. as explora9oes agrícolas, e nata do c.o mércio da época. Mas
havia o obstáculo dos Caetés, que senhoreavam as melhores e
Acrescentava Frei Vicente:
amplas terras da capitanía para a planta9ao de canaviais e
montagem de engenhos de a9úcar. Estes gentíos nao aceitavam
"que dantes ninguém caminhava por terra (no caminho de bom grado a escravidao. Era mister pois exclui-los.
de Pernambuco), que o nao matassem e comessem os E em dado momento, o Capitao-mor decidiu atacar úma
gentíos. E o mesmo faziam aos navegantes porque ali come9a grande cerca dos Caetés nos outeiros que cercavam a várzea
a enseada de Vazabarris, onde se perdem muitos navi os ... e do Capiberibe, chamados Guararapes, das futuras batalhas
os que escapam do naufrágio nao escapam de suas maos e vitoriosas contra os holandeses.
dentes" <5) .
Jerónimo de Albuquerque levou os brancos que
conseguiu reunir e mais de dez de mil índios contrários aos
Em suma, a nau em que ia D. Pero Femandes Sardinha, Caetés, que eram apenas seiscentos, enquanto os outros sendo
primeiro hispo do Brasil, perdeu-se na costa de Sergipe próxima tantos, que acometeram confiantes por todos os lados,
do rio Sao Francisco, na entao chamada "Enseada Vazabarris", e parecendo-lhes que já haviam ganho. Mas os de dentro da cerca
nao ern Coruripe, litoral alagoano. E o Bispo com a maioria dos defenderam-se e os ofenderam, matando e ferindo tantos, que
seus companheiros de viagem foram devorados pelos índios locais, os seus capitaes, após muitas horas de luta, mandou-os recolher
Tupinambás que viviam na rnargem direita do Sao Francisco, .e numa cai9ara. No dia seguinte, os Caetés receberam urna ajuda
nao os Caetés seus inimigos, que sempre ocuparam a margem de duzentos flecheiros de outra aldeia, os quais atacaram os
esquerda <leste rio, no atual Estado de Alagoas <6>. inimigos com tanta fúria, que os outros come9aram a fugir,
menos o Capitao-mor "que se foi retirando com os
Nos anos seguintes a perda de "Nossa Senhora da portugueses ordenadamente", e perdeu urn olho de urna
Ajuda", aumentaram os conflitos entre Caetés e índios flechada naquela primeira arremetida, que nao quizeram
escravos dos colonos e os que eram seus aliados, como seguir aos índios senao os negros que iam fugindo, nas
os Tabajaras e de outras na9oes indígenas. A popula9ao quais fizeram grande destrui9ao e matan9a. Assim terminou
também crescera sensivelmente em Olinda coma vinda dos aquela primeira batalha vitoriosa dos Caetés, em
migrantes, alguns de alta categoria, oriundos nao apenas pequeno número, contra os portugueses e milhares de índios
contrários <7 ) .
(5)- ldem,p.337.
(6)- MoacyrSoares Pereira, "Naufrágio e Morte de D. Pero Fernandes Sardinha, Primeiro
Bis po do Brasi. Sua Revisao Histórica", in "Revista do Instituto Histórico e Geográfico (7)- A descri<;ao abreviada acima d e Frei Vicente do Salvador, do combate de Gurarapes
Brasileiro" - nº 387, Abril-Junho, 1995 - pg. 285 e seg. comos Caetés, as pp.119e120, da sua História do Brasil".
156 157
De imediato chegou ao reino a notícia do acontecido Cristóvao Lins, um nobre alemao. Também lhes mandaram da
em Guararapes, ordenando a rainha a voltar ao Brasil os jovens Ilha Itaparica outra companhia de 3 5 soldados brancos e dois
filhos de Duarte Coelho j á falecido: o segundo donatário mil indígenas flecheiros, totalizando mais de 22.000 homens do
da Capitania de Pernambuco, Duarte de Albuquerque exército da Vila de Olinda.
Coelho, e irmao Jorge de Albuquerque; em substitui9ao de la por general sobre todos o donatário novo Duarte
D. Beatriz e seu irmao Jerónimo no govemo, acudindo a Coelho, acompanhado de D. Felipe de Moura e Filipe
capitania. F oram tomadas importantes medidas militares, Cavalcanti, fidalgo italiano, ambos genros de Jerónimo de
<liante das queixas enviadas a Portugal, devido ao perigo Albuquerque, ficando só na vila alguns velhos e o antigo
em que se encontrava Pernambuco <liante da valente Na9ao Capitao-mor.
Caeté.
Duarte Coelho partiu com o seu exército, marchando
No ano de 1560 regressaram ao Brasil os dois filhos de até as primeíras cercas dos inimigos, onde o esperavam os
Duarte Coelho. O novo donatário Duarte de Albuquerque primeiros combates, havendo perdas de parte a parte. Mas
Coelho tomou posse de seu cargo e chamou a conselho os percebendo os Caetés ser impossível resistir a tantos, bateram
homens principais do govemo, elegendo-se para general de em retirada com grande pressa, acompanhados das famílias,
guerra o irmao Jorge de Albuquerque. deixando atrás suas aldeias com os seus mantimentos e
Vicente do Salvador explicou a presente situa9ao e a que planta9oes. E assim fizeram anoite urna retirada estratégica
levaría: sem perdas, para o sertao, enquanto o exército contrárío
interessou-se pelos mantimentos abandonados, de que tinham
necessídade para tanta gente <9) .
"Vendo Duarte de Albuquerque Coelho a muita gente Em verdade, nao chegou a haver batalha Caetés-
que acudia, assim Portugal, como das outras capitanias para Portugueses no Cabo Santo Agostinho. Os Caetés deíxaram
povoarem a sua de Pernambuco e fazerem nela engenhos e o campo de luta e o perderam para salvar o seu povo, que se
fazendas, e que as terras do Cabo (Santo Agostinho), que os deslocaria em massa para o Maranhao.
gentíos tinham ocupadas, eram as maís f érteís e melhores,
determinou de lhes fazer despejar por guerra" es). Come9ara a distríbui9ao da área do Cabo entre os
grandes da capitanía, para os canaviais e engenhos de a9úcar
Calculou-se entao a gente que se podía reunir, inclusive a por ser a terra f ertilíssima; e apenas um deles, J oao Paes do
da vila capital. Seis companhias iam repartidas em vinte mil Cabo, o futuro Morgado, fez oito engenhos que repartiu por
índios, sob o comando de vários chefes, entre os quais seus oito filhos.
(9)- ldem,p.199.
(8)- Frei Vicente do Salvador, op.cit.p.198.
158 159
As terras de Serinhaen, abaixo do cabo, também eram Travou-se em Serinhaen a terceira e última grande batalha
muito boaS' e as ocupavam os Caetés. Duarte Albuquerque dos Caetés, continuada por léguas e léguas até o serta.o, sempre
Coelho, com base nos atritos com indígenas seus aliados, combatendo a retaguarda os seus guerreiros, preservando as
enviou-lhes um ultimato, aoque lhe respondeu arrogante o mulheres e crian9as. E ao alcan9arem a cerca do final da
principal Caeté, "que ainda tinham bra9os para se defenderem retirada, desapareceram no horizonte, deixando a sua terra de
daqueles índios e dos brancos ...". O donatário convocou urna matas frondosas para urna nova vida ao norte do Brasil.
junta de pessoas do governo, a qual julgou "ser a causa A "Guerra dos Caetés" durou tres a cinco anos, a partir
bastante para se lhes fazer guerra justa e os cativar" <10) . de 1560. Naquela época, talvez somassem esses índios uns
oitenta mil, dos quais quase a nietade retirou-se da Capitanía
de Pernambuco, inclusive os do sul das Alagoas. Viajaram
Preparou-se imediatamente outro exército, composto
através dos sertoes para o norte e atingiram a Serrada Ibiapaba
· de duas for9as, urna marítima e outra terrestre, comandados
por Filipe Cavalcanti, que ia por mar embarcos e caraveloes; no litoral do Ceará e a Ilha do Maranhao. Daí foram a costa
e Jeronimo Albuquerque, em marcha por terra. ocidental do Maranhao e o rio Pará, onde criaram urna nova
na9ao Tupinambá, que se aliou aos franceses no século
seguinte.
"E tanto chegaram as cercas e aldeias dos inimigos, Os Caetés que ainda defenderam suas terras nordestinas
tiveram grandes encontros e resistencias; porque eram muitos nas lutas posteriores as grandes batalhas, foram mortos pelos
e rotas urnas, se acolhiam logo e fortificavam e defendiam em
vencedores brancos e gentíos inimigos, enquanto cerca de
outras com grande animo e coragem. Porém, quando viram o
vinte ou trinta mil ganharam a escravidao.
socorro dos barcos e ·q ue nao puderam impedir-lhes o
desembarque, posto que o acometeram animosamente, logo Voltemos a Frei Vicente:
desconfiaram e fugiram para o sertao, levando as mulheres e "A'
fama destas duas vitórias, ficou todo o gentío desta
os filhos <liante, e ficando os valentes fazendo-lhes costas,
costa até ao rio Sao Francisco tao atemoriz_a dos, que se
que nunca os viraram aos nossos aventureiros e índios nossos
deixaram amarrar dos brancos, como se foram seus carne iros
amigos, que os foram seguindo muitas léguas, até chegarem a
e ovelhas. E assim iam os barcos por esses rios e os traziam
urna grande cerca onde se meteram urna tarde ... Porém pela
carregados deles a vender por dois cruzados ou mil réis cada
manha a acharam despejada, que todos haviam fugido e só
um, que é o pre90 de um carneiro" <12>.
saíram de entre a mata um mo90 e outra mo9a de outro gentío...
os quais contaram que ... iam para bem longe e para nao mais E Gandavo, ao referir-se a Capitania de Pernambuco,
tomarem, como de fato assim foi ..." 01) . logo depois do término da "Guerra dos Caetés", que "Esta
(10)- Idem, p. 200.
(11)- Descric;:ao de Frei Vicente do Salvador da última batalha da " Guerra dos Caetés", (1 2)- Frei Vicente do Salvador, op.cit.p.201.
pp. 200-201. .
161
160
se acha urna das ricas terras do Brasil, tem muitos escravos de incrível grossura e admirável altura. Aí habitaram eles no
índios par(), todas as outras capitanias, porque há nesta muito, passado. E por serem considerados os mais valentes e os
e mais baratos que em toda a costa" (l3) . maiores guerreiros, usavam o nome de "Tupinambá", que
,
conservaram ate agora.
Em conseqüencia da guerra, despovoara-se a capitanía
de indígenas para o trabalho nos engenhos de ac;úcar e Apoderando-se os portugueses dessa regiao de Caeté,
,
improvisou-se a vinda de milhares escravos da Africa para o quiseram também sujeitar os habitantes as suas leis. Os
eixo canavieiro de Pernambuco e Alagoas, trazendo costumes Tupinambás, porém, sao livres por natureza e inimigos da
originais do seu continente, pois os Caetés nao se adaptavam rejeic;ao; por isso preferiram abandonar o seu próprio país a
se entregarem aos portugueses. Assim fizeram, embrenhando-
a tal genero de vida e cedo morriam, desaparecendo a brava
rac;a do nordeste do Brasil. se nos matos e nas mais reconditas florestas.
Mas nao se sentindo aí muito seguros, porque seus
E1n 1612, La Ravardiere comandou urna frota de tres
inimigos os perseguiam por toda a parte com ódio de morte,
navi os com urna forc;a de franceses, para ocupar a Ilha do
tomaram a resoluc;ao de atravessar campos e desertas.
Maranhao no Brasil. Vinhamjuntos quatro capuchinhos e um
Caminharam tanto que, finalmente, atingiram quase o Equador,
deles era o Padre Claude d 'Abbeville. Este missionário onde encontraram o grande Oceano, que os impediu de ir
demorou apenas quatro meses no Maranhao. De volta a París, além contando-lhes os passos do lado direito, assim como o
.d.' Abbeville escreveu o que vira em sua "História da Missao fazia do lado esquerdo o Rio Amazonas. Nao podendo
.d os Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhao e Terras continuar e nao ousando recuar de receio dos seus inimigos,
circunvizinhas". '
resolveram ficar nessa regiao, uns abeira-mar, os quais por
.
Nos capítulos XLIII a XLVI do livro d' Abbeville, estao isso se chamam "parana enguare" (habitantes do mar), outros
descritos especialmente como eram os índios Caetés na grande montanha de Ibiapaba. Apoderaram-se alguns da
provenientes da Capitania de Pernambuco e Alagoas, e se grande Ilha do Mranhao, por julgá-la lugar muito seguro e de
. - .
difícil acesso, e que talvez lhes tenha Deus reservado desde a
fixaram na Ilha do Maranhao e terras vizinhas. Contava o padre
.... ¡ ¡;- •
162 163
Muitos desses índios ainda vivem e se recordam de valentudinários, nem doentes, nao precisam de médicos nem
que, tempos após a sua chegada na regiao, fizeram urna festa de remédios.
ou vinho, a que dao nome de "cauim". Aconteceu que se
desavieram, que de grandes amigos e aliados que eram se Nao sao eles doentios; sao ao contrário muito fortes
tomaram grandes inimigos, devido a urna mulher. E desde bem dispostos, e em geral gerados de pais em identicas
entao se encontraram em estado de guerra permanente, condi9oes. Sao alegres e moderados na sua alimenta9ao. Esta
chamando-se uns aos outros de "Tabajaras", o que quer dizer, é constituída de carnes boas, comidas moqueadas ou-assadas.
grandes inimigos, ou melhor, segundo a etimologia da palavra: Tao saudável é o clima, que só morrem de velhice, de fraqueza
"Tu és o meu inimigo e eu sou o teu''. Embora sej am todos da natural e nao de moléstias. E vivem em geral de cem acento e
mesma na9ao e todos "Tupinambás". quarenta anos, o que nos parece admirável e prodigioso.
Segundo o Sábio "o máximo de existencia humana é
cem anos", há de parecer que a dura9ao da vida desses índios
é anormal. O fato é que ví alguns com cento e sessenta e
Estatura e longevidade dos índios Tupinambás do cento e oitenta anos, os quais presenciaram a funda9ao de
Maranhao Pernambuco e ainda se mostram robustos e bem dispostos.
Ví-os e falei-lhes muitas vezes.
Os índios Tupinambás sao em geral, de estatura Vivem eles em permanente estado de alegria, de festas,
mediana, próxima da média dos franceses. Encontram-se, contentes e satisfeitos, sem preocupa9oes, sem inquieta9oes
entretanto, alguns muito grandes, como me foi dado a ver nem tristezas, sem fadigas nem angústias que mortificam e
com seis a sete pés de altura. Sao todos naturalmente bem consomem o homem em pouco tempo.
feitos e proporcionados, em parte gra9as ao clima
temperado do país. Do que me admirei mais ainda foi ver mulheres de oitenta
a cem anos darem de mamar as crian9as, o que demonstra
O fato de terem de costume o nariz achatado, provém serem capazes de conceber a ter filhos nessa idade. J amais
da prática comum das maes, de o deformarem já no desistem de trabalhar naquilo a que estao habituadas.
nascimento. Nao falarei de sua tez azeitonada nem dos seus
lábios furados, porque tais caracteres nao lhes sao naturais. Apresentam-se todos com certa cor morena, azeitonada
Nao há entre eles quase nenhum zarolho, nem cegos, como dizemos, e que muitos lhe apraz; mas nao creio que
carcundas, coxos ou disformes. Seu andar é ordinariamente devam essa cor ao clima, que é temperado, e sim aos óleos e
reto e grave, natural porém modesto, sem humildade. Sao tint.uras que costumam deitar no corpo. Ao nascerem (ví-o
admiravelmente sadios, bem dispostos e muito mais robustos mu1tas vezes), sao tao alvos quanto os franceses; mas já a um
do que os nossos homens mais robustos. Como nao sao dia ou dois mais tarde esfregam o corpo das crian9as com
azeites e urucú, tintura vermelha.
164
Essa cor no entanto em nada diminui sua beleza natural.
Além de bem conformados e proporcionados, no que diz
respeito aos tra9os fisionomicos, muitos há tao belos quanto
os nossos. Aí se encontram rapazes e raparigas tao bonitas
quanto as de qualquer outro lugar, a exce9ao da cor.
Conservam os cabelos, que sao naturalmente lisos e nao
encarapinhados como os dos negros. As mulheres gostam
muito de pentear-se e arranjá-los em tomo da cabe9a e nao
deixam nunca pela manha, de lavá-los e untá-los com óleos e
,
urucu.
Os "Tupinambás", por mais estranho que pare9a, andam
sempre nus como ao sairem do ventre materno; e nao
demonstram em absoluto a menor vergonha ou pudor. Pode
se alegar, em sua defesa, que em virtude de ser velho costume
seu viverem nus, já nao sentem de mostrar o corpo descoberto
15. Os Tamoios do Rio de Janeiro
e o mostram com a mesma naturalidade que nós as maos.
Donde nao terem vergonha de andar nus, sem nenhuma espécie
de vestimenta para esconder a nuqez.
166
15. Os Tamoios do Rio de Janeiro
173
incansável, e esta cidade que é hoje a capital do Brasil, seria de dais falcoes, os levava consigo carregados, e sobre os
francesa agora" (3) ·
~
próprios ombros, lhes <lava fago em retirada, se era necessário,
agüentando ele o recua" <4) _
174 175
embarcar o pau-brasil, ajudados pelos índios seus aliados, que Na ao dos Tamoios, porque de franceses, apenas dois do
9
multiplicar~m ali suas aldeias, levantando fortifica9ao sob lado deles e mais um ingles.
orienta9ao de europeus. Em sua carta, o padre Luis da F onseca escreve que a
Em 1575, o novo rei de Portugal D. Sebastiao, dividiu aldeia onde os Tamoios se tinham fortificado, em campo
em dois o govemo do Brasil. A parte meridional compreendia cercado de triplo fosso e de trincheiras feitas com tal arte,
as capitanias do sul, desde Porto Seguro, sendo nomeado que pareciam inexpugnáveis. E les rec.ebiam diariamente
Antonio Salema para govemá-la, viajando para o Rio de Janeiro, refor9os das aldeias vi zinhas, arche1ros dos melhores
a sede do novo govemo do sul, onde veio a saber que no Cabo .
guerre1ros.
Frio continuava o tráfico do pau-brasil pelos franceses. . .. " .
Após algumas sortidas sem ma1ores consequenc1as, o
O govemador logo organizou urna expedi9ao militar para Govemador resolveu apertar o cerco da aldeia e render os
expulsá-los. Acompanhado do Capitao-mor do Rio, Cristovao índios pela fome . F oi sede, no entanto, q~e os !evaram ,ª
de Barros, o futuro conquistador das terras de Sergipe, marchou rendi<;ao, pois a aldeia que haviam escolh1do na~ possu1a
Salema com urna for9a de 400 portugueses e 700 índios amigos, nenhuma fonte, urna gota d ' água sequer, para saciar a se~e
ao encontro dos Tamoios. dos seus milhares de sitiados. E a água da chuva que ca1u
Existe um importante documento relatando a luta final corrompeu-se.
dos Tamoios, os antigos senhores do Rio de Janeiro - a carta Tiveram entao urna entrevista Salema e o principal dos
do jesuíta Luis da Fonseca, datada de 17 de dezembro de Tamoios, J apugua9ú, para negociarem os termos da rend~9~0
1577, dirigida ao Geral da Companhia·de Jesus. Divulgada e da paz entre as partes. O Governador antes de tudo, .ex1~1u
pela primeira vez no ano de 1578, em Paris, tradu9ao francesa. a entrega dos do is franceses e do ingles, e sendo sat1sfei.to,
No come90 <leste século, o Barao Stuart reproduziu-a em mandou enforcá-los. Exigiu ainda Salema que fos se demolida
italiano ( 1.909). Coube ao mestre Capistrano de Abreu parte da fortaleza Tamoia. Japugua9ú fe-lo imediatamente,
reconstituir a narrativa da terrível jornada em artigo da "Gazeta plantando urna cruz para os portugueses, entrando na aldeia,
de Notícias", a 6 de novembro de 1882 <6>. nao fizesse mal a ninguém.
Vejamos em linhas gerais, o ocorrido naquele fatídico Por sua vez, Japugua9ú pediu ao Govemador que lhe
26 de setembro de 1575 em Cabo Frio, conforme o que fosse permitido habitar aí com todos os seus, prometendo
escreveu o padre Luis da Fonseca. ser sempre fiel vassalo dos portugueses.
Confrontaram-se em Cabo Frio o exército de Salema e Salema nao acedeu. Exigiu que lhe fossem entregues
Cristovao de Barros, como que restava tao somente da gloriosa todos os que tinham vindo socorre-lo, e <lestes, entre os
quais haviam 500 bravos besteiros, uns foram mortos, outr?s
(6)- Visconde de Porto Seguro ( Vamhagen), Tomo Primeiro, 3ª Ed. - Nota II, Sec;ao XXI, f eitos escravos dos fidalgos. Quanto aos habitantes da alde1a,
de Rodolfo García - op.cit.pp.477-8.
176
foram destruídos pelos soldados. Isso aconteceu a 26 de
setembro daquele ano.
Logo que souberam que sorte os aguardavam, os
habitantes do Cabo Frio abandonaram suas aldeias e fugiram
para o interior; mas Salema, acossando-os matou mais de
2.000 e fez 4.000 prisioneiros. Talé a história triste e até hoje
pouco conhecida.
178
A O
16. Os Tupis de Sao Paulo, e das Bandeiras
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[.~~·...):::.
A última coluna dos conquistadores Tupinambás, que
- - ;-,- -
/
havia chegado amargem do Sao Francisco em terras da Bahia,
partiu rumo ao sul em suas canoas, a montante do rio, como
fizera a leva anterior. Seu destino era quase igual a dos
Tamoios, subindo em longa viagem o Sao Francisco a suas
nascentes. E dali também navegara pelo rio Grande até o
Itatiaia, onde deixara suas igaras. Depois de descerem da
Mantiqueira, estes Tupinambás alcan9aram o vale do rio
Paraíba do Sul. Mas nao prosseguiram para o mar, porque
deviam saber que aquele trecho da orla marítima já estava
ocupado pelos seus antecessores Tamoios.
Seguiram entao pela margem do Paraíba subindo o rio
e atingindo as imedia96es de Piratininga. Dividiram-se ali, como
é de supor-se, em dois grupos. Um dos quais preferiu
estabelecer-se no planalto de Sao Paulo, enquanto o outro
desceu para o litoral paulistano; e com o passar dos anos,
ocupou-o desde Ubatuba, próxima do Rio de Janeiro, a
Cananéa no sul. A extensao de seu domínio do interior, Hans
Staden avaliou "pelo sertao a dentro, cerca de 80 léguas". E
ao longo do mar "urnas 40 léguas" O).
Tanto os Tupinambás do planalto, como os da costa,
... ··.. ·..... . tiveram de enfrentar inicialmente os aborígenes de urna
'
~ numerosa na9ao, que vivia espalhada pela maior parte do
.·. . . .. . 1· -'. "
. . ,~ ..
• território de Sao Paulo.
. ....•·:'..
.-O.··.
. ~ -- ... ......... Esses índios primitivos chamavam-se Guaianases,
~- }\ " . ,.
. "f •
gentios simples e crédulos que nao comiam carne humana.
-(, . . .
O: .
··- -· · '' (1)- Hans Staden, "Viagem ao Brasil" - Versao do texto de Marpurgo de 1557, por
Alberto Lófgren- Revista e anotada pós Theodoro Sampaio, p .54 - Rio de Janeiro, 1930.
180
No entanto, lutav·a m valentemente a flechadas, no que eram O primeiro povoador europeu da regiao paulista de que
"
exímios. Gente que nao gostava de trabalho, nem fazia lavoura, se tem notícia, foi o portugues "Bacharel" de Cananéa. Nao
alimentando-se de ca9a e pesca nos rios e das frutas silvestres. se sabe quando e como chegou ao Brasil. A referencia positiva
Nao moravam em casas como os Tupis e Guaranis, mas em sobre ele é do capitao espanhol Diego Garcia, que em 1526
covas no campo, debaixo do chao. Falavam urna língua encontrou-se no porto de Sao Vicente, morador de mais de
diferente daquelas dos outros índios. Enfim, nao eram Tupis, vinte anos, com seus genros, que abasteceram as naves do
como julgaram alguns autores. E outros concluíram que os capitao com generos locais, além de construírem um
Guaranis os consideravam como bárbaros e incultos, da bergantim. E venderam aos tripulantes muitos escravos índios.
mesma 1naneira todos os Tapuias para os Tupis. Todavia, o mais importante povoador de Sao Paulo
As primeiras lutas dos Tupinambás paulistas foram com nessa época, sem dúvida, fora Joao Ramalho, também
os Guaianases, senhores dos territórios invadidos, sendo portugues. Caboto, que partira de Sao Vicente em 1530 de
for9ados a recuar na costa e no interior. Os Tupinambás volta a Espanha, levava Alonso de Santa Cruz, que em seu
ganharam terreno de outros inimigos mais fortes ao mesmo "Islário" descreveu o inicial porto de Sao Vicente, onde havia
tempo: os antigos aliados Tamoios do litoral leste. No sul, os duas ilhas grandes habitadas por índios. Numa delas os
irmaos de ra9a desconhecida até entao no sudeste brasileiro, portugueses tinham um povoado, Sao Vicente, de dez ou doze
dos Guaranís, com a sua principal na9ao dos Cariós, casas e urna torre para defesa contra os índios. Estavam os
chamados Carijós daí por <liante, localizados defronte da habitantes providos de coisas da terra: criavam galinhas e
Cananéa, e também a noroeste. porcos, fazendo grandes pescarías de bom pescado.
Estes Guaranís já haviam ocupado parte do noroeste Sao Vicente podía ser chamado o "Porto dos
do Estado de Sao Paulo com tribos de Carijós, além de Escravos", devido as transa9oes dos seus habitantes nas
importante grupo Kaingang, conforme se apresentam no mapa vendas de índios aos tripulantes dos navíos que tocavam
de Curt Nimuendajú, de 1944. Seus inimigos eram ainda os naquele porto. Crescera muito ali o tráfico de índios, facilitado
Guaianases, porém estes nao se encontravam mais na frente pelas rela9oes dos povoadores lusos com as tribos mais
noroeste do seu antigo limite com os Guaranís, devido a próximas. E J oao Ramalho fora o primeiro deles a galgar as
chegada dos Tupinambás, que os substituíram. serras, penetrando nos campos de Piratininga, onde tomou
,
E de notar-se que os Tupinambás de Sao Paulo, no por mulher a índía que se chamaría Isabel, filha de Tibiri9á,
século do descobrimento, passaram a ser chamados pelos chefe de urna tríbo local. Essa uniao de europeus com filhas
portugueses, Tupiniquins, como os do sul da Bahia, de maíorais, obedeciam em geral seus ritos gentílicos. O seu
significando "os parentes dos Tupis". Mais tarde, terminaram parentesco com o gentío tomou-lhe fácil a captura e o tráfico
com o uso de denomina9ao mais curta de Tupis, no tempo indígena.
das "Bandeiras".
183
Ramalho empregava mais a sua atividade nos campos . Joao Ramalho foi Capitao-mor da vila Santo André,
de Piratiniñga, onde morava Tibiri9á. Ligára-se a chefes de sentinela da "Borda do campo", que protegia o vale do Tiete
tribos de índios aprisionados na costa por principais aliados e vigiava o caminho do mar. Transferiu-se com toda a prole
e Ramalho encarregara-se de encaminhar cativos do interior mameluca para a vila dos sítios onde dantes morava. Ramalho
para as naus. Era hornero indispensável a Sao Vicente e aos foi proclamado .C apitao-mor de Sao Paulo, indo ao sertao
navios que ali aportavam. para combater os índios Tupiniquins levantados (2).
Manuel da Nóbrega, em carta de 1553 ao G0vemador, Os Tupiniquins de Sao Paulo aliaram-se depois aos
fez referencias a Ramalho: portugueses contra os Tamoios, que atacavam nos seus limites
orientais.
A popula9ao do porto de Sao Vicente aumentava com
"Neste campo está um Joao Ramalho, o mais antigo o desembarque de aventureiros e degredados d' além-mar. Os
homem que está nesta terra. Tem muitos filhos e mui aparentados novos habitantes iam subindo a serra e se dispersando pelos
em todo este sertao. Joao Ramalho é muito conhecido e campos de Pirapitinga ~ Logo apareceram as pequenas
venerado entre os gentíos e tem filhos e filhas casadas com os povoa9oes, como a vil a de Santo André, fundada por J oao ·
principais homens desta Capitanía, e todos estes filhos e filhas Ramalho.
sao de urna índia".
Os adventícios ocuparam pequenos espa9os, onde
E outra carta de Tomé de Sousa ao rei no mesmo ano, plantavam trigo, vinha, algodao, raízes da terra e criavam gado,
na qual também trata de Joao Ramalho: tudo modestamente para assegurar a subsistencia. Eles tinham
chegado solteiros. E por isto, tomaram como suas mulheres
índias Tupis da regiao, formando famílias mistas e contraindo
"Fiz capitao dela (a vila de Santo André) o Joao Ramalho, parentesco comos gentios da redondeza. As unioes gentílicas
natural do termo de Coimbra, que Martim Afonso já achou realizaram-se com mo9as das tabas Tupis, porque estes índios
nesta terra quando cá veio. Tem tantos filhos e netos, bisnetos já dominavam o centro de planalto paulista, falando a sua
e descendentes dele que o nao ouso dizer aV. A., nao tem na língua depois de expulsaremos Guaianases. Os filhos dessas
cabe9a cans nem no rosto, e anda nove léguas antes de liga9oes matrimoniais foram entao chamados "mamelucos",
jantar... ". mas Jaime Cortesao os chamou "luso-brasileiros", como de
fato eram (3).
Naquele ano de 1553, o alemao Ulderico Schmidel esteve
em Santo André, que lhe pareceu um "covil de bandidos". E (2)- O relato resumido acima da história d e Joao Rama lho, teve por base o que escreveu
J. F d e Almeida Prado sobre ele em "Prir•teiros Povoad ores d o Brasil, 1500-1530", pp.
que J oao Ramalho "havia guerreado a província reunindo 96-110 - Sao Paulo, 1935.
5.000 índ¡os, enquanto o rei de Portugal só ajuntaria 2.000". (3)- Jain1e Cortesao, " Raposo Tava res e a forma<;ao territorial do
Brasil", Vol.1- Lisboa, 1996.
184 185
Inicialmente, ao lado dos pais, tiveram eles parte ativa A palavra "bandeira" divulgara-se em fins do século
na ca9ada aos aborígenes das imedia96es, acrescida de Quinze, e ao come9ar o seguinte, em 161 O, D. Francisco de
prisioneiros dos morubixadas locaís. Mas nao tardou a faltar Sousa ordenou a Camara de Sao Paulo que se fizesse o
ca9a desses preadores de índios, tornando-se necessário alistamento militar de toda a gente de guerra, desde os 14
procurá-la em terras distantes - provavelmente Guaianases. anos; e as companhias deviam ter como auxiliares os índios
As "pe9as" capturadas eram trazidas para os intermediários, da terra, que eram em muito maior número que os brancos e
que as levavam para Sao Vicente, onde seriam vendidas nos navios. mamelucos. A "bandeira" passara a ter urna estrutura "Luso-
Após urnas poucas gera9oes, o número de mamelucos Tupi" (4) .
sobrepujou o dos portugueses. Falando melhor a língua Em 1580, o Brasil encontrava-se no período Filipino
materna e adaptados desde crian9as a vida selvagem, como de Portugal (1580-1640). Em 1636, as expedi9oes para a
vigor da juventude, eram necessários para a a9ao violenta que captura dos índios eram chamadas "Bandeiras" e os seus
herdaram. Sem a ajuda desses novos brasileiros e dos bravos capitaes denominados "Bandeirantes". A muitos anos antes
índios Tupis, nao teria havido o fenómeno "bandeirismo"
' já haviam ultrapassado a linha de demarca9ao do Tratado de
único em toda América.
Tordesilhas, invadindo o sul do Brasil e a província Guairá
Fundada a vila de Sao Pulo em 1560, desenvolveu-se a do Governo de Assun9ao. Tinham conquistado parte do
ocupa9ao dos " Campos de Piratininga"com maiores território espanhol, suas cidades destruídas bem como as
planta9oes e cria96es de gados. E sua popula9ao expandiu- missoes jesuitas; e levados milhares e milhares guaranís
se. Come9ara urna nova ca9a ao índio em áreas ainda mais escravisados para Sao Paulo.
afastadas fora do Brasil. Organizaram-se entao expedi96es
oficiais para viagens mais longas, com nomea96es para F oi assim o terceiro e último ciclo da "ca9a do índio".
comandá-las pelo "capitao da entrada" no sertao. Os nomes Os paulistas, brancos e mamelucos, haviam se aliado aos Tupis
de capitaes publicados eram naturalmente portugueses. na tarefa desbravadora e escravagista da selva sul-americana,
Entretanto também comandavam as "entradas" e futuramente em suas "entradas" e primeiras "bandeiras", que mantinham
as " Bandeiras" , muitos mamelucos que tinham nomes apenas em suas hostes entre cinco e dez por cento de brancos.
portugueses, originários dos pais. Os noventa ou noventa e cinco restantes eram índios Tupis
( 5)
U sava-se na ldade Média em Portugal o termo
" bandeira" para um pequeno conjunto de lanceiros. A Concluído este ciclo , foi seguido pelo do ouro ,
" companhia" era constituída por algumas "bandeiras" de diamantes e esmeraldas. E mais territórios também ocupados
hom.ens d' armas; e devia conter 250 homens. Em 1570, o pelos Bandeirantes com os seus Tupis. A maioria deles
Reg nnento de D. Sebastiao refería-se indiferentemente a
"co1npanhia" ou a"bandeira"; e tambérn urn capitao e capitaes
de "bandeiras". (4)- Jaime Cortesao, op. cit. p. 102
(5)- Id en1, p. 179
186 187
incorporou-se as novas terras, e os índios das Bandeiras Referencias Bibliográficas
transfonnaram-se em sertanejos criadores de gado, plantadores
de generos e garimpeiros das minas.
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dos "Quatrocentos" das famílias de Bandeirantes, originários Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhao e terras
de brancos e mamelucos, muitos dos quais amorenados. vizinhas", 1614. Tradu9ao original francesa de Sérgio
Lusos-Tupis de Sao Paulo que conquistaram para o Brasil Milliet. Introdu9ao e Notas de Rodolfo García - Sao
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188
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1. Joaquim Na buco: Aboli~ao e a República
Prof. Manuel Correia de Andrade
Southey, Robert - "História do Brasil"- 4ª Ed. Sao Paulo, 1977. Universidade Federal de Pernambuco - Editora Universitária - UFPE
8. Canais e Lagoas
Octavio Brandao
Universidade Federal de Alagoas - EDUFAL
14. Macau
Aurélio Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - EDUFRN
Cole9ao.Nord.estina
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