TCC Revisado Maria Luiza VP Cardoso
TCC Revisado Maria Luiza VP Cardoso
TCC Revisado Maria Luiza VP Cardoso
FLORIANÓPOLIS
2015
2
3
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais, familiares e amigos de perto e de longe que me apoiaram
durante todos esses anos e acreditaram que eu conseguiria chegar até aqui.
4
Quem construiu Tebas de sete portas?
Nos livros estão os nomes dos reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?
Bertolt Brecht
5
Resumo
Esse trabalho busca analisar livros didáticos brasileiros atuais, ao tentar compreender os
tipos de representação sobre o Egito Antigo, bem como os discursos utilizados para
apresentar o assunto na sala de aula. Optou-se pelo recorte do material do 6º ano do
Ensino Fundamental, uma vez que este é o momento de contato da maioria dos alunos
com o assunto na escola. Com essa pesquisa busca-se responder, então, como o livro
didático constrói a imagem do Egito Antigo, assim como pensar sobre o silenciamento
das complexidades da antiga sociedade egípcia.
6
Abstract
This paper analyses the current Brazilian textbooks trying to understand what kind of
image from the ancient Egypt is represented and what speeches are being used to
present the subject in the classroom. Opting for the cut material of the 6th grade of
elementary school since it’s the first contact that the majority of students have with the
subject. This research goal is to answer what kind of Ancient Egypt is shown in the
textbooks, considering how the Egyptian people are portrayed while other voices are
silenced.
7
Sumário
INTRODUÇÃO 9
CONSIDERAÇÕES FINAIS 33
BIBLIOGRAFIA 35
ANEXOS 40
8
Introdução
A sala de aula não deve se distanciar e esquecer a realidade fora de suas quatro
paredes; ela reflete, muitas vezes, a desigualdade que alunos enfrentam do lado de fora e
é papel do professor se utilizar dessas questões para trabalhar numa problematização
dos conhecimentos que serão abordados. Esse trabalho pretende se questionar sobre
como é possível estudar a História Antiga (com foco no Egito Antigo) na concepção de
uma educação libertadora1 em que o professor deixa de ser apenas um transmissor de
conhecimentos e passa a dialogar no espaço escolar, fazendo o aluno se sentir incluído
na reflexão sobre seus estudos e não ser apenas um agente passivo.
Não basta fazer os alunos decorarem conteúdos sem que eles entendam que
existe uma conexão com o que vivem. O professor não deve ser o agente ativo que
determina o que é certo ou errado, mas deve refletir sobre a matéria e incentivar os
educandos a pensarem de forma crítica.
1
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.39.
2
Ibidem, p.33.
3
Ibidem, p.33.
9
também a própria inserção da área de História Antiga no currículo sendo questionada
por muitos educadores. Existe certa dificuldade em entender a importância de se estudar
esse assunto por suas barreiras culturais e físicas4, entendendo que está muito longe da
nossa realidade, ainda privilegiando um estudo das chamadas “civilizações ocidentais”.
Como alterar a imagem de um Egito faraônico idealizado que continua congelado tanto
na mente dos alunos como no material escolar utilizado? Como trazer a antiguidade
para discussões na sala de aula de maneira com que o aluno se sinta incluído como
sujeito no processo educativo? Essas são algumas das questões que tentarei discutir
durante esse trabalho.
4
SILVA, T. R. da. “O sorriso da esfinge: reflexões sobre o ensino do Egito antigo no Brasil”, in Revista
Brasileira de Egiptologia Seshat, vol. 1, n. 1, 2014, p.66-82.
5
Ibidem, p.21.
6
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand,
1990. p. 17.
10
que está escrito em seus livros sem que seja apenas o portador da verdade: sua função é
de incentivar questionamentos.
No segundo capítulo, Análise do Egito Antigo nos Livros Didáticos, faço uma
analise crítica dos livros didáticos do 6º ano do Ensino Fundamental atual, buscando
refletir sobre o que está sendo representado (e às vezes silenciado) e como o mercado
das editoras, já mencionado no primeiro capítulo, influencia no que está inserido sobre o
Egito Antigo.
11
1. Ensino de História no Brasil
Se o aluno é visto como um agente passivo no processo educativo, como ele irá
se enxergar nas reflexões que deve fazer durante a aula? Para transformar seu
conhecimento é preciso que se origine de sua própria realidade, de onde possa construir
a problematização do mundo em que vive e partindo de sua vontade e desejos sobre o
que queira modificar de maneira participativa. Em contrapartida à educação bancária,
Freire defende então a educação libertadora em que:
7
FREIRE, Paulo, op. cit., p.33.
8
Ibidem, p.69.
12
mostrar figuras que não são apenas reis e grandes nomes de um passado elitista, colocar
o povo e as classes subalternas na frente da discussão em que minorias e oprimidos
façam parte vital da discussão de que foram excluídos durante tanto tempo.
Para que a educação seja inclusiva na sua reflexão sobre o mundo é preciso
partir primeiramente da realidade do aluno e, muitas vezes, isso não é possível pela falta
de uma maior discussão sobre uma realidade mais regional em que ele vive. Com os
livros didáticos trazendo um panorama nacional, na maioria das vezes, o professor pode
se restringir numa linguagem que não envolva relações com o meio em que a escola está
inserida, cada caso exige suas especificidades e é preciso também questionar essas
9
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais (PCNs). Objetivos do ensino fundamental. Ensino
Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
10
Ibidem.
11
COUTINHO, Carlos Nelson & TEIXEIRA, Andréa de Paula (orgs.). Ler Gramsci, entender a
realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.43.
13
desigualdades que são esquecidas na sala de aula diante da grande quantidade de temas
que são necessários serem estudados em um tempo restrito e limitados para cada aula de
determinada matéria escolar.
Os livros didáticos não devem ser considerados os vilões nas discussões sobre o
ensino brasileiro, ainda que estes se originem de um conjunto de pessoas e grupos
editoriais que se reúnem para produzir os materiais didáticos para os programas de
educação:
Além disso, o mercado editorial não é apenas constituído por sua produção em
si, mas também pela construção de representações e práticas que o sistema educativo
difunde, dentro de uma prática cultural e se submetendo a:
Para se compreender e analisar o livro didático é preciso pensar nele tanto como
um reprodutor de discursos históricos da sociedade em que está inserido quanto como
um produto que está sendo realizado e pensado para um mercado-alvo: as escolas.
12
MUNATAKA, Kazumi. “Devem os livros didáticos ser condenados?”, in ROCHA, Helenice et al.
(editores). A escrita da história escolar. Memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009, p.289.
13
BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: especialidades e abordagens. Petrópolis: Editora
Vozes, 2004, p.81.
14
Sendo responsável pelo forte enriquecimento da indústria de livros no país14, o livro
didático se torna objeto do capitalismo.
Por fim, também é preciso mencionar o seu consumo e utilização por parte dos
professores e alunos além das relações já mencionadas acima. Cada professor decide de
que forma se utilizará dos livros didáticos ocorrendo então diferentes leituras de um
mesmo material, sendo que os alunos irão interpretar o que estão lendo da maneira com
que possam melhor relacionar com o que conhecem. A intenção do autor e da editora
pode acabar sendo perdida após passar por todas as divergentes leituras a partir do
debate e conhecimento dos professores e alunos que o utilizam.
14
Segundo Saab, o mercado do livro didático movimenta cerca de 13,5% do PIB.
15
CASSIANO, Célia C. F. Mercado de livro didático no Brasil. [on-line] I Seminário Brasileiro sobre
Livro e História Editorial. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2004, p.5.
15
2. Análise do Egito Antigo nos livros didáticos
Para essa pesquisa foram selecionados doze livros didáticos de nove editoras
com edições entre 2009 e 2012 para o sexto ano do Ensino Fundamental, buscando uma
análise crítica do que está sendo reproduzido sobre o Egito Antigo nesses materiais.
Todos esses livros passaram na seleção do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) e, portanto, foram examinados como dentro das expectativas que o ensino
brasileiro considera necessário estar contido na educação dessa faixa etária.
Os livros analisados são produzidos por nove editoras: Positivo, Moderna, FTD,
Escala Educacional, Saraiva Livreiros Editores, Edições SM, Leya, Editora do Brasil e
Scipione. As quatro primeiras editoras parecem ser mais focadas no ramo de educação
enquanto as outras possuem uma ramificação de suas edições especializadas. Sendo
que, a escolha dos livros didáticos é feita por cada escola a partir do momento que o
Ministério da Educação (MEC) publica uma lista de livros aprovadas pelo PNLD em
seu site.
16
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais (PCNs). Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental
- História. Brasília: MEC/SEF, 1998, p. 55.
16
trechos durante os capítulos reservados para os egípcios, em alguns livros ocupando
apenas caixas em separado com títulos como “curiosidades” e não como sujeitos
principais da época. A seguir busco fazer uma análise específica de cada um dos livros
selecionados durante minha pesquisa.
Possui uma seção do texto intitulada “Mulheres Poderosas17” que fala sobre
rainhas como Nefertiti, Hatshepsut e Cleópatra, a realeza do Egito Antigo. As mulheres
da corte eram as únicas importantes o suficiente para serem mencionadas desta forma
no texto? Tenta mostrar uma imagem de que as mulheres da época possuem tanto poder
quanto os homens exemplificando isso com apenas essas três rainhas que tomaram lugar
de faraó, sendo que todas elas tiveram dificuldades em garantir seu poder como figura
feminina, muitas vezes tendo que se mostrar em feições masculinas como Hatshepsut
que teve muitas de suas imagens destruídas após a subida ao poder de seu enteado
Tutmósis III. O livro menciona brevemente numa caixa ao lado da figura dessa rainha
como ela usava a falsa barba do “rei”18, sendo retratada com um tom mais escuro em
referência ao deus Osíris para enfatizar a imagem masculina.
17
CAMPOS, Flávio de; CLARO, Regina & DOLHNIKOFF, Miriam. Jogo da História nos dias de hoje.
São Paulo: Editora Leya, 2012, p.83.
18
Ibidem, p.83.
17
“Filmes como Cleópatra e A múmia, entre outros com a mesma temática,
contribuem muito para criar uma ideia questionável a respeito do Egito Antigo, seus
habitantes e seu modo de vida.”19
Por dentro da História, dos autores Pedro Santiago, Célia Cerqueira e Maria
Aparecida Pontes insere o Egito Antigo com as sociedades africanas, falando na
introdução sobre o apartheid20 e problemas relacionados ao racismo no continente
africano no mundo contemporâneo.
Traz o rio Nilo como importante tema para o surgimento do povo egípcio antigo
com o uso da frase emblemática de Heródoto “o Egito é uma dádiva do Nilo”, como
muitos dos livros didáticos sempre trazem o rio como a principal razão do surgimento
da civilização sem uma melhor contextualização sobre as populações que viviam na
região.
Menciona brevemente que havia mais mulheres escravas do que homens, sem
questionar ou elaborar sobre o assunto, relaciona também esse trecho com a figura de
mulheres pagas para chorar em funerais ao mesmo tempo em que cita a “relativa
liberdade” que as mulheres tinham, resumindo assim toda a participação das mulheres
na sociedade egípcia.
19
Ibidem, p. 94.
20
Apartheid – segregação racial entre brancos e negros que ocorreu na África do Sul entre 1948 e 1994.
21
CERGUEIRA, Célia; PONTES, Maria Aparecida; SANTIAGO, Pedro. Por dentro da história. São
Paulo: Edições Escala Educacional, 2012, p. 88.
18
Os autores ainda criticam o historiador grego Diodoro ao ignorar o “trabalho
árduo do agricultor22” quando ele afirma “que a atividade parecia feita com pouco
trabalho e poucos recursos”. Relaciona numa caixa em separado o preconceito com o
trabalho manual hoje no Brasil e pede para que os alunos debatam com seus colegas
sobre o assunto, buscando soluções para combater esse preconceito.
Novo História
Escrito por Ricardo Dreguer e Eliete Toledo, começa a unidade sobre o Egito
Antigo relacionando-o com África, Ásia e América em filmes e seriados que mostram
imagens das antigas sociedades, utilizando uma cena do filme “O Príncipe do Egito”
como ilustração (ANEXO 1). O capítulo que fala sobre a África inclui egípcios e
núbios, separando o Egito Antigo de outros povos como Mesopotâmia e Hebreus que
normalmente aparecem em mesmas unidades em alguns livros didáticos.
Ainda em outra caixa de texto há uma seção sobre vida cotidiana em que
descreve as moradias egípcias. De todo modo, não se explica de que camada social eram
essas casas, apenas que pela maioria dos documentos encontrados atualmente falarem
22
Ibidem, p. 89.
23
DREGUER, Ricardo & TOLEDO, Eliete. Novo História, conceitos e procedimentos. São Paulo:
Saraiva, 2009, p.59.
24
Ibidem, p.94.
19
sobre a vida nas cidades grandes pouco se sabe sobre a vida dos camponeses que viviam
afastados.
Muito brevemente fala sobre o islamismo como a atual religião sem nunca
aprofundar sobre o assunto. Nesse mesmo texto “de olho no presente”26, encontra-se
informações sobre os camponeses chamados felás e a permanência de sua existência
desde a antiguidade. Tal informação pode, contudo, confundir o aluno não estimulado a
uma problematização prévia: o que a expansão do islamismo como uma mudança
radical no atual Egito tem a ver com o dado de os camponeses continuarem sendo a
maioria de sua população? Seria necessário discutir melhor essa seção durante a aula.
História em Documento
A autora Joelza Ester Domingues abre o capítulo sobre o Egito Antigo com o
título: “Por que e para quem foram erguidas as pirâmides27”, trazendo o mito de Osíris
para introduzir o Egito Antigo, utilizando-se da imagem mítica como a primeira
abordagem da matéria para os alunos.
25
Ibidem, p.85.
26
Ibidem, p.87.
27
DOMINGUES, Joelza Esther. História em documento. São Paulo: Editora FTD, 2009, p.80.
28
Ibidem, p. 86.
20
a vida após a morte se não teriam a chance de terem todos os mesmos rituais que as
camadas altas tinham como privilégio.
Projeto Radix
Do autor Cláudio Vicentino, inicia sua seção sobre a civilização egípcia com
uma imagem de duas páginas cartunizadas sobre o rio Nilo e como teria sido uma
cidade do Egito na antiguidade (ANEXO 2). Nessa imagem, vemos diferentes locais e
situações de uma cidade egípcia da época: no canto direito, o palácio do faraó está
murado para separá-lo do resto da população; o que parece ser uma área comercial está
localizada logo abaixo e construções de barcos sendo feitas próximas ao rio; no lado
esquerdo há um templo, algumas moradias e escondido, logo abaixo, trabalhadores;
ainda é possível ver as pirâmides ao longe no alto da imagem e montanhas cercando a
cidade.
Ao mesmo tempo em que esse tipo de imagem pode ser útil para ajudar o aluno
a entender os usos do Nilo e que tipo de atividades os egípcios da época realizavam,
essa é também uma maneira de idealizar o passado desse povo caso não se abra espaço
para uma discussão acerca das relações de desigualdade presentes na cidade. Desenhos
figurativos atuais de uma representação do passado perdem um pouco da visão que os
próprios egípcios tinham da sua realidade se não forem propriamente analisados e
problematizados pelos professores e alunos. Entendendo também que existiam cidades
diferentes no Egito Antigo e não apenas um modelo que se repetia igualmente em todas
as regiões.
Questiona-se sobre o que é uma civilização: “...o rio, sozinho, não criou
civilização alguma. Foram os homens e as mulheres estabelecidos às suas margens que
criaram uma cultura e uma maneira de organizar totalmente novas” 30, focando então na
29
Ibidem, p.118.
30
VICENTINO, Cláudio. Projeto Radix-história. São Paulo: Editora Scipione, 2011, p. 76.
21
importância das pessoas para o surgimento de uma sociedade. Ao explicar sobre o
significado de civilização traz também um trecho sobre o papel de dominação de
culturas que alguns povos forçam em outros:
Vontade de saber história dos autores Marco César Pellegrini, Adriana Machado
Dias e Keila Grinberg traz em sua apresentação: “Ao estudarmos História, percebemos
a importância do respeito à diversidade cultural e ao direito de cada um ser o que é, e
entendemos como esse respeito é indispensável para o exercício da cidadania e para
construirmos um mundo melhor”.
Na parte em que fala sobre as camadas sociais divide o texto entre “O faraó e
sua família”, “Uma camada de privilegiados” e “A camada pobre da população”.
Estando os camponeses, artesãos e escravos citados brevemente nessa última. Há uma
seção chamada “O sujeito na história” que fala sobre Harwa, um artesão egípcio33 que
fora mumificado por seu prestígio em relação ao trabalho que fez em esculturas e
pinturas. Nessa mesma página descreve a moradia de um artesão egípcio (ANEXO 3)
que possuía melhores condições do que os camponeses mesmo fazendo parte da camada
mais pobre da população. Na ilustração são descritas de que forma as paredes eram
feitas a partir de uma mistura de barro e palha, como o telhado da cozinha era mais leve
31
Ibidem, p. 77.
32
Ibidem, p. 82.
33
DIAS, Adriana; GRINBERG, Keila; PELLEGRINI, Marco. Vontade de saber história. 2ª ed. São
Paulo: Editora FTD, 2009, p. 59.
22
com galhos e palhas; mostrando também a parte da despensa e móveis utilizados como
bancos, caixas e mesas.
Em uma parte do texto fala sobre os trabalhadores das grandes pirâmides: “o que
motivava os egípcios a se dedicar a essas obras gigantescas era o orgulho de servir ao
faraó e de construir sua morada eterna”34. Mas será que nenhum deles era contrário a
isso? Como os camponeses deveriam se sentir ao serem obrigados a fazer algo tão
grandioso pelo faraó e, ao mesmo tempo, não ter acesso a nenhum desses privilégios?
Há outra ilustração sobre o rio Nilo de duas páginas com detalhes sobre como
funcionavam sua “fonte de vida” durante as cheias anuais (ANEXO 4) trazendo em
detalhes o que cada desenho representa; como os pequenos mercados, a pesca,
embarcações e os animais que habitavam a região, assim como quais eram utilizados no
trabalho das plantações. Ao longe, podemos ver edificações que provavelmente formam
uma cidade e construções como as pirâmides ainda mais distantes, mas sempre presente
nas imagens como que se fosse necessário sempre mostrá-las como um lembrete de que
está se falando do Egito Antigo.
Faz ainda uma relação com o Brasil nas atividades, ao abordar as coleções que
Museus possuem sobre o Egito pela adoração que D. Pedro II tinha para com os
tesouros. Também nas atividades traz a questão do roubo do patrimônio egípcio por
outros países35 e a reivindicação que o Egito tenta fazer de seus “tesouros culturais”.
Para viver juntos História, escrito por Débora Yumi Motooka, possui um trecho
do texto sobre a organização social que fala dos camponeses sendo a maioria da
população e de serem obrigados a trabalhar em obras públicas. Também há uma
pequena caixa em separado ao lado desse texto falando sobre a vida de um camponês
com trechos de um documento.
34
Ibidem, p. 61
35
Ibidem, p. 67.
23
[...] E dizem: - Dá os grãos! Não os há, [...] Então eles batem no
lavrador, caído no chão; deitam-no a um fosso de cabeça para baixo36.
Do autor Alfredo Boulos Junior, utiliza do tema “Vida urbana” para falar sobre o
surgimento e processo de formação das cidades na África e no Oriente. Traz relação
com o presente ao abrir o capítulo com uma imagem atual do rio Nilo (ANEXO 6).
Nessa foto há prédios, estradas, carros; mostrando uma cidade urbanizada onde não se
vê indícios da arquitetura faraônica com templos antigos ou pirâmides. Questiona o que
aluno já sabe sobre filmes e reportagens do Egito, o que ele gostaria de conhecer, onde
novamente parece querer se utilizar mais de um lado turístico.
Artesãos são citados por serem reconhecidos no mundo antigo por construírem
casas, palácios, armas, carros de guerra, etc. Camponeses tinham vida difícil fazendo
muito serviço e recebiam pequena parte do que plantavam tendo ainda que pagar
imposto: “Os felás trabalhavam também nas grandes obras públicas, como abertura de
36
BARBOSA, Muryatan Santana; MOTOOKA, Debora Yumi; NEMI, Ana Lúcia L. & REIS, Anderson
Roberti dos. Para viver juntos história. 3ª ed. São Paulo: Edições SM, 2011, p.50.
37
JÚNIOR, Alfredo Boulos. História sociedade & cidadania. 2ª ed. São Paulo: Editora FTD, 2012,
p.125.
24
estradas, limpezas de canais, transporte de pedras usadas na construção de túmulos,
templos e palácios.”38
Só vi violência por toda parte! Por isso, consagra teu coração às letras.
Contempla os trabalhos manuais e em verdade, nada existe acima das
letras. Ama a literatura, tua mãe. Faze entrar suas belezas em tua
cabeça. Ela é mais importante do que todos os ofícios. Aquele que,
desde a infância se dispõe a tirar proveito dela, será venerado.
Das autoras Vanisa Ribeiro e Carla Anastasia, Encontros com a História inicia a
unidade sobre os povos do Oriente Antigo com uma citação interessante: “partes do
38
Ibidem, p. 130.
39
Ibidem, p. 131.
40
Ibidem, p. 132
41
Ibidem, p. 140.
25
mundo a que os europeus denominaram de oriente”42, sendo o único livro analisado que
evidencia o fato de haver uma visão europeizada em relação ao que sabemos do oriente,
ainda que não confronte essa afirmação no texto é uma reflexão muito interessante que
pode ser utilizada na sala de aula.
42
ANASTASIA, Carla Maria K.& RIBEIRO, Vanise Maria. Encontros com a História. 2ª ed. Curitiba:
Editora Positivo, 2009, p. 42.
43
Ibidem, p. 58.
44
Ibidem, p. 59.
45
Ibidem, p. 63.
46
Ibidem, p. 72.
26
relaciona o domínio da escrita como privilégio de poucos ao acesso à alfabetização nos
dias atuais.47
47
Ibidem, p. 74.
27
3. Propostas para uma História Antiga
problematizadora
Como exemplo de proposta para se pensar sobre atividades para a sala de aula,
podemos utilizar de documentos que tragam em relevância a vida das personagens da
história que normalmente são apagadas dos livros e discursos que se utilizam em sala de
aula. Assim como no livro História Sociedade e Cidadania – que traz um trecho sobre a
vida do escriba como citado anteriormente em sua análise – é possível problematizar os
próprios documentos históricos em prol de uma conscientização do aluno, naquele seu
sentido de crítica às ideologias ocultadoras da divisão social.51
48
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
49
Ibidem, p. 97.
50
VENTURA DA SILVA, Gilvan. História antiga e livro didático: uma parceria nem sempre
harmoniosa. Trabalho apresentado no III Encontro Regional de História, Anpuh núcleo do Espírito Santo,
2000, p.4.
51
Confira CHAUÍ, Marilena. Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro. Belo Horizonte:
Autêntica, 2014, p.117-146.
28
A montagem literária de trechos de documentos com textos de historiografia que
tratem da importância dos camponeses para a sociedade egípcia poderia encaminhar
facilmente uma memória sobre como era a vida dessas pessoas, ao (re)construir o
cenário do trabalho árduo em seu cotidiano enquanto as camadas altas utilizavam-se de
sua posição privilegiada para a exploração de sua mão de obra.52 A partir de fragmentos
de rememoração interconectados da vida cotidiana e da literatura, poder-se-ia
compreender que a sociedade egípcia não teria suas grandiosas obras sem a participação
fundamental desses personagens da história que (ainda!) pouco aparecem nos livros
estudados.
Documento 1:
Documento 2:
52
Para Walter Benjamin, assumir o princípio da montagem na história é “erigir, em suma, as grandes
construções na base de minúsculos elementos confeccionados e talhados com precisão. Descobrir antes,
na análise do pequeno momento particular, o cristal do acontecer total”, em “Teoria do conhecimento,
teoria do progresso”, Memória e Vida Social, Assis, v.2, 2002, p.36.
53
Para a função fundamental da didática na construção de uma cultura histórica, veja Jörn Rüsen.
História Viva. Brasília: Editoria da UnB, 2007, p.85-133.
54
DONADONI, Sérgio. O Homem Egípcio. Lisboa: Ed. Presença, 1994, p.15.
29
Desejamos a inundação, nela achamos vantagem.
Mas nenhum campo lavrado cria-se por si mesmo.
(...)
Não esmagues o cultivador com impostos.
Se sua carga for leve (?), ele estará presente para ti no ano seguinte.
Se ele vive, tu (dispões de?) seus braços,
Mas se o tosquias, ele pensará em tornar-se um errante.
Fixa os impostos proporcionalmente (à produção de cereal do Alto
Egito),
Isso está (de acordo?) com o julgamento do deus.
A fortuna do injusto não se conserva.
Seus filhos não acham dela nem o resto.
O homem duro causa o fim de sua vida,
Eles não tem filhos a ele ligados.
Os servos são daquele que se domina.
Não há herdeiro para o ansioso,
Grande é o respeito por aquele que domina (seu) temperamento.55
Documento 3:
55
CARDOSO, Ciro Flamarion. Trabalho compulsório na antiguidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003,
p.80.
56
NOBLECOURT, Christiane Desroches. A mulher no tempo dos faraós. Campinas: Papirus, 1994,
p.230.
30
Documento 4:
Meu pai cometeu uma irregularidade (?) Tem em sua posse objetos
que me pertencem [e que] meu marido me deu. Mas ele (o pai)
transmitiu-os a sua [segunda] mulher Senebtisi. Eu poderia reentrar na
posse de meus bens?57
Outro exemplo que trago é o papel da mulher, como ela era vista na sociedade
antiga egípcia com base em documentos que prescrevem o modo como ela deveria se
comportar assim como que direitos teria. No caso do Documento 4 temos o exemplo de
uma mulher fazendo uma queixa a respeito de posses que lhe foram negados em
favorecimento de outros, sendo que estes seriam seus bens provindos da herança de seu
pai. Nenhum dos livros analisados traz um aprofundamento sobre esse assunto, muitas
vezes se limitando a falar sobre grandes rainhas que exerceram papel de faraó durante
certo período. Com esses trechos podemos questionar como a mulher egípcia deveria se
portar: “mulher perfeita, grande em favores na cidade, que estende a mão a todos
dizendo o que é bom”; questionando então o contraste entre os direitos que ela teria ao
mesmo tempo em que havia uma imagem a ser zelada. A mulher no Egito tinha seus
direitos, mas não significa que não existiam padrões em que ela precisava se encaixar,
assim como nos dias de hoje.
Já o documento 5 fala sobre uma inversão de valores que o autor acredita estar
ocorrendo na sociedade egípcia.
Documento 5:
57
Ibidem, p.212.
31
Em verdade o país como que roda no torno do oleiro:
O salteador torna-se o rico e <o rico> [torna-se] ladrão58.
Nesse documento é feita uma série de reclamações sobre o fato de que os pobres
estariam tendo condições suficientes para comprar roupas ou outras coisas consideradas
“luxo”. Na verdade, parece haver aqui certa organização popular que, inclusive, expulsa
os poderosos da cidade. Não por acaso, essa mudança é vista por uma camada de
privilegiados como uma inversão social que interfere na moral da sociedade egípcia. “O
salteador torna-se o rico e o rico torna-se ladrão”. Seria fundamental instigar o aluno a
questionar o que o autor quis dizer nesse texto: estarão os ricos roubando dos pobres ou
como esta seria uma metáfora para inversão de valores a partir do momento que os
subalternos se revoltam querendo também ter acesso a privilégios?
58
ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a eternidade. A literatura no Egito faraônico. Brasília: Editora UNB,
2000, p.178.
32
Considerações finais
Analisando os livros didáticos podemos concluir que muitos ainda focam numa
história cronológica que separa o Egito Antigo nas mesmas seções que falam sobre a
importância dos faraós, a religião politeísta e suas grandiosas construções que perduram
até hoje. As camadas baixas da população que incluem camponeses, artesãos e escravos,
assim como as mulheres que muitas vezes não são mencionadas, aparecem em pequenos
trechos para simplificar seu trabalho. Mesmo sendo a maioria da população, os
subalternos continuam aparecendo muito pouco no material didático, perdendo espaço
para deuses, múmias e pirâmides. A população egípcia é deixada de lado muitas vezes
para trazer o foco às construções e aos faraós enquanto aos seus trabalhadores resta
apenas um pequeno espaço. Entendendo que não se trata de valorizar apenas um lado da
sociedade egípcia, voltando-se agora totalmente para os seus subalternos e esquecer a
ligação que suas vidas tinham com a vida dos privilegiados, mas explorar os temas em
conjunto de forma inclusiva para que faraós, mulheres, camponeses, escribas, escravos,
entre outras figuras dessa sociedade, possam ter seu espaço de forma balanceada nos
estudos do Egito Antigo.
Encontramos algumas exceções que trabalham com fontes sobre essas figuras
históricas, mas que ainda são poucas comparadas com outros temas que tomam conta do
material didático. Essa disputa de espaço em livros não é apenas um problema do Egito
Antigo, mas também uma perda de relevância que a História Antiga vem sofrendo
atualmente pela quantidade de conteúdos que são necessários serem estudados em sala
de aula.
Parece existir certa pressão curricular para que seja simplesmente ‘passada’ uma
grande quantidade de informação rapidamente para que durante sua estadia na escola o
aluno tenha conhecimento desde os tempos pré-históricos até o que acontece nos dias de
hoje em forma cronológica. Ao invés de se preocupar em trazer detalhes nem sempre
relevantes sobre uma história europeizada, talvez fosse mais interessante trabalhar com
os temas geradores, como diz Paulo Freire, em que partimos de um fio condutor que
possa ser analisado, ao mesmo tempo, em um tema geral que faça parte de diferentes
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povos como trabalho, relação familiar, revoltas, urbanização e tantos outros que possam
gerar uma discussão relevante na sala de aula (sem cair, é claro, num anacronismo).59
59
Sigo aqui a proposta de Funari de que “o que nos interessa é a forma como um curso de História
Antiga, ao produzir reflexão de conhecimento sobre o passado, permite a formação de uma consciência
crítica que é geral e universal, sem restrição cronológica” (Pedro Paulo Funari, “Poder, posição,
imposição no Ensino de História Antiga: da passividade forçada à produção de conhecimento”, em
Revista Brasileira de História, v.8, n.15, 1988, p.262-264.)
34
Bibliografia
BAKOS, Margaret (org.). Egiptomania, o Egito no Brasil. São Paulo: Paris Editorial,
2004.
CARDOSO, C.F.S. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática, 1986.
35
CASSIANO, Célia C. F. Mercado de livro didático no Brasil. [on-line] I Seminário
Brasileiro sobre Livro e História Editorial. Rio de Janeiro: UFF, 2004. Disponível em:
<http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/pdf/celiacristinacassiano.pdf>. Acesso em: 15
de outubro de 2014.
CHOPPIN, Alain. “História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte”.
In: Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 549-566, 2004. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a12v30n3.pdf>. Acesso em: 15 de outubro de
2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
36
FUNARI, Raquel dos Santos. Imagens do Egito Antigo: um estudo de representações
históricas. São Paulo: Annablume, 2006.
GATTI JÚNIOR, Décio. A escrita escolar da história: livro didático e ensino no Brasil.
Bauru/Uberlândia: Edusc/Edufu, 2004.
37
PREGNOLATTO, F. P. A cultura material na didática da História. Dissertação de
Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, 2006.
RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento
histórico. Brasília: Editoria da UnB, 2007.
VENTURA DA SILVA, Gilvan. História antiga e livro didático: uma parceria nem
sempre harmoniosa. Trabalho apresentado no III Encontro Regional de História,
Anpuh, 2000. Disponível em: http://www.cchn.ufes.br/anpuhes/ensaio14.htm. Acesso
em: 16 de outubro de 2014.
38
Livros didáticos analisados
ANASTASIA, Carla Maria J. & RIBEIRO, Vanise Maria. Encontros com a História. 2ª
ed. Curitiba: Editora Positivo, 2009.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar história: das origens do homem à era digital. São
Paulo: Editora Moderna, 2011.
CAMPOS, Flávio de; CLARO, Regina & DOLHNIKOFF, Miriam. Jogo da História
nos dias de hoje. São Paulo: Editora Leya, 2012.
JÚNIOR, Alfredo Boulos. História sociedade & cidadania. 2ª ed. São Paulo: FTD,
2012.
PANAZZO, Silvia; VAZ, Maria Luísa Albiero. Jornadas Hist-história. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva Livreiros Editores, 2012.
BARBOSA, Muryatan Santana; MOTOOKA, Débora Yumi; NEMI, Ana Lúcia L. &
REIS, Anderson Roberti dos. 2ª ed. Para viver juntos história. Edições SM, 2011.
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Anexos
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Anexo 2 – A civilização egípcia – Projeto Radix
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Anexo 3 – A moradia de um artesão egípcio – Vontade de saber História
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Anexo 4 – Um rio de grande importância – Vontade de saber História
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Anexo 5 – Arquitetura entre o passado e o presente – Para viver juntos História
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Anexo 6 - Egito atual – História Sociedade e Cidadania
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Anexo 7 - A Imagem como fonte – História Sociedade e Cidadania
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