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Resumo
Palavras-chave
„Wann wird man endlich die verkehrte Welt ein wenig gerade richten?“19
(Franz Kafka)
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Introdução
Ela é um fogo vivo como nunca vi na minha vida, mas um fogo, aliás, que
somente arde, todavia, por ele21. Mas que é extremamente delicada, corajosa,
inteligente e tudo ela lança na vítima ou, também se poderia dizer, tudo ela
conseguiu por intermédio da vítima. Mas também merece destaque o homem
que é capaz de suscitar isso.
19
Nossa tradução: “Quando finalmente se endireitará um pouco o mundo de pernas para o ar?”
20
Nas obras completas de Kafka editadas por Max Brod, o volume intitulado Briefe an Milena [Cartas a
Milena] foi organizado por Willy Haas (HAAS, 1952, p. 284), que assim explica o motivo: “A Max Brod,
o poeta e editor do espólio de Franz Kafka, dirijo principalmente meu cordial agradecimento por ter
deixado a meu encargo a edição deste volume epistolar. As próprias cartas me foram presenteadas em
Praga, na primavera de 1939, por minha adorada amiga Milena – um pouco antes da invasão das tropas
alemãs em Praga. Como não as pude levar comigo durante a fuga, meus familiares as guardaram
fielmente em Praga durante os anos sinistros até 1945. Tenho todos os motivos para supor que Milena
não tinha nada a objetar contra a publicação das cartas após sua morte. Da mesma forma, recebi, como
ato de disposição de última vontade, o consentimento de seu então esposo, agora já falecido, que nessa
correspondência desempenha um papel impossível de ser eliminado.” (Nossa tradução.)
21
Referência a Ernst Pollak, marido de Milena Jesenská.
Revista Entrelaces • V. 1 • Nº 16 • Abr.-Jun. (2019) • ISSN 2596-2817
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Esse é o primeiro registro escrito por Kafka sobre Milena Jesenská-Pollak, uma
intelectual tcheca, treze anos mais jovem que ele e casada com o bancário Ernst Pollak.
Por causa do emprego do esposo22, o casal vivia em Viena. Em seus Diários, a primeira
vez que Kafka mencionou o nome de Milena foi em 15/10/1921 (BROD, 1989, p. 397),
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quando já trocavam cartas havia mais de um ano. Ali não chega a escrever o nome dela
por extenso, apenas a letra inicial. Nesses registros, cerca de um ano e meio após o
início de um romance que viria a ser mais epistolar que físico, manifesta-se o estado de
tensão em que vivia Kafka, não só devido à difícil relação amorosa em que se
envolvera, mas também aos problemas de saúde cada vez mais graves. Veja-se o trecho:
15 de outubro [de 1921]: Há mais ou menos uma semana, dei todos os diários
a M. Um pouco mais livre? Não. Será que ainda sou capaz de manter uma
espécie de diário? [...] Eu certamente poderia escrever sobre M., mas também
não por livre opção; e isso também seria demasiadamente voltado contra
mim, não mais preciso me conscientizar dessas coisas de forma complicada
como antes, nesse sentido não estou mais tão esquecido como antes, tornei-
me uma memória viva, por isso também a insônia. (ibid.; p. 397)
Kafka já devia ter sabido de Milena muito antes de trocar as primeiras cartas
com ela. Supõe-se que já pouco tempo após o início da guerra, ela, na época
em que estava concluindo o Ensino Médio, ia regularmente ao Café Arco,
junto com duas amigas: tchecas jovens, extravagantes, no meio de literatos
alemães, elas trajando vestidos soltos, sem espartilho e sem meias, com fome
de viver, atrevidas e prontas para correrem riscos. Decerto que o olhar de
Kafka ocasionalmente repousava sobre essas groupies inconvencionais; é
lícito duvidar que ali ele tenha reconhecido mais do que a tendência
pubertária à autoencenação. As três eram um bem-vindo fermento erótico;
22
Cf.: “Ernst Pollak, nascido em 1886 [3 anos mais novo que Kafka] e com isso dez anos mais velho que
Milena, era um desconhecido na literatura de expressão alemã, mas em círculos [grifo do autor] literários
fazia parte das celebridades de Praga – o caso memorável de um ‘literato sem obras’. Assim como Brod,
Kafka, Pick, [Ernst Pollak] escolhera uma profissão profana – era secretário-tradutor no banco austríaco
Österreichische Länderbank –, mas sua erudição, eloquência e seu juízo literário diferenciado faziam de
si o conselheiro de toda uma geração de autores praguenses.” (STACH, 2008a, p. 353; tradução nossa)
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1. A amante-tradutora de Kafka
23
O próprio Kafka escreve em seu diário: “Senhorita F. B. Quando fui à casa de Brod no dia 13 de agosto
[de 1912], ela estava sentada à mesa e mais me pareceu uma criada. Eu também não tinha a mínima
curiosidade de saber quem era, mas acabei logo fazendo contato com ela. Rosto trivial, ossudo, acusando
abertamente sua trivialidade. Pescoço descoberto. Blusa vestida com desalinho, jogada sobre os ombros.
Estava vestida de forma muito caseira, embora, como se mostraria mais tarde, não o fosse. [...] Nariz
quase quebrado, cabelos louros, um tanto escorridos, desprovidos de encanto, queixo forte. Quando
estava me sentando, fitei-a pela primeira vez com mais vagar; e quando já estava sentado, já tinha um
juízo inabalável. Como se ... [interrupção do próprio autor].” (BROD, 1989b, p. 209; nossa tradução)
24
Cf. Stach, 2008, p. 293.
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Hoje, Milena, um dado que talvez esclareça algumas outras coisas (que nome
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rico e forte, difícil de ser erguido graças à sua plenitude, e no início nem me
agradava tanto, mais me parecia um grego ou romano perdido na Boêmia,
violentado pelo tcheco, adulterado na pronúncia, mas que prodigiosamente é,
por sua forma e cor, uma mulher que carregamos nos braços, para retirá-la do
mundo, do fogo, não sei; e, dócil e confiante, ela se aconchega em teus
braços, e dissonante é apenas a força da sílaba tônica no “i”; será que o nome
não fugirá de teus braços? Ou por acaso não será apenas o salto de felicidade
que tu mesma dás com o peso de teu corpo?):25 (HAAS, 1952, p. 55)26
O que ela já vivenciara até essa data certamente ia muito além dos boatos
fúteis que circulavam em Praga e não podia mais ser compatibilizado com a
vaga ideia de uma libertinagem “não burguesa”. Dois abortos. Duas
tentativas de suicídio. Furtos em lojas e falsidade ideológica. Uma relação
lésbica. Abuso de drogas. Nove meses de internamento em uma clínica
psiquiátrica. Alguns dias na prisão, mais uma vez devido a furto. Emprego de
carregadora de bagagens. Vida em comum com a amante de seu marido.
25
Depois dos dois pontos, vem o restante do trecho da carta que, não houvesse a intercalação das frases
entre os parênteses, seria a continuação daquela frase inicial da citação: “Hoje, Milena, algo que talvez
esclareça algumas outras coisas.” Por questão de espaço, omitiremos o trecho que vem após os dois
pontos.
26
Todos os trechos citados a partir das cartas compiladas por Willy Haas e editadas por Max Brod serão
apresentados aqui em nossa tradução.
27
Doravante, será omitida a menção do ano 1920, sempre que as cartas tiverem esse ano como
referência.
28
Milena se tornaria militante do Partido Comunista e da resistência contra os nazistas. Sem ser judia,
faleceu no campo de concentração de Ravensbrück, em 1944, em decorrência de uma cirurgia nos rins.
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Jan Jesenský, pai de Milena, era um homem de origem humilde que muito
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cedo ambicionou melhorar de vida; conseguiu fazer carreira de dentista – atuando não
apenas em seu consultório particular, mas também no ambulatório da Karsluniversität –
graças ao dote recebido ao contrair núpcias com Milena Hejzlarová. Filha única, a
menina herdou o prenome da mãe. Como os pais queriam que se formasse em
Medicina, foi matriculada em um prestigioso colégio para moças, o Ginásio Minerva,
que oferecia um currículo clássico orientado para a formação acadêmica (ibid.; p. 351).
Como “minervista”, estudava línguas estrangeiras modernas, frequentava exposições,
assistia a concertos e peças teatrais. Entretanto, uma anemia profunda abalou a saúde da
mãe, que após longo sofrimento veio a falecer em 1913. Durante a doença materna, o
pai encarregou a adolescente de atuar como cuidadora; aos 17 anos, após a morte da
mãe, Milena se transformaria “em uma diaba” e praticamente declararia guerra ao
próprio pai: fazia uso indevido da conta bancária paterna, enchia-se de dívidas, roubava
as roupas do pai para presentear amigos necessitados etc. (cf. ibid.; p. 352). Milena
deixaria de lado o plano de formar-se em Medicina; aos 20 anos, mais uma vez
contrariando o pai, envolveu-se e casou com Ernst Pollak: “um alemão, é claro, e, como
viria à tona, um judeu mal afamado devido às suas muitas ‘histórias envolvendo
mulheres’” (ibid.; p. 353).
Em abril de 1920, quando já estava em Merano, Kafka recebeu uma carta de
Milena, em que ela falava sobre a tradução do conto kafkiano O foguista. Em uma de
suas primeiras cartas a Milena, o escritor dá este testemunho: “Ocorre-me que na
verdade não consigo lembrar-me de nenhum detalhe específico de seu rosto. Apenas o
modo como a Sra. foi embora por entre as mesas do café, sua silhueta, seu vestido, isso
é o que ainda vejo” (ibid.; 1952, p. 10). Em carta de 02/06, Kafka refletia sobre a idade
dos dois:
As duas cartas chegaram juntas, ao meio-dia; estão aqui não para serem lidas,
mas para serem esparramadas, para pôr o rosto dentro delas e perder a
cabeça. Mas agora parece que é bom quase ter perdido a cabeça, pois o resto
a gente mantém intacto pelo máximo de tempo possível. E por isso meus 38
anos de judeu perante teus 24 anos de cristã dizem: Que tal? E onde estão as
leis do mundo e toda a polícia do céu? Tens 38 anos e apresentas um cansaço
que uma pessoa provavelmente não pode sentir apenas através da idade.
(ibid.; p. 67)
Agora algumas perguntas secundárias que a Sra. me permita fazer: por que e
desde quando a Sra. está sem dinheiro? Por que, como a Sra. escreve, antes
tinha contato com muitas pessoas em Viena e agora não circula com
ninguém? (ibid.; p. 24)
29
Em carta datada de 21/07/1920, ao fazer um pedido a Milena, Kafka nos informa em que revistas ela
escrevia: “Por favor, [escreva] algumas palavras sobre teus trabalhos! Cesta? Lípa? Kmen? Politika?”
(BROD, 1952, p. 114). Todos esses nomes eram títulos de revistas tchecas.
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Mas o fato de não estares comendo nada e teres fome (ao passo que aqui, sem
o menor apetite, estou sendo engordado já a ponto de estourar) [...], isso não
consigo te perdoar e nunca te perdoarei, e mesmo um dia, quando estivermos
diante de nossa barraquinha, daqui a cem anos, isso será motivo para eu te
murmurar reprimendas. Não, não estou brincando. Que contradição é essa?
Afirmas que gostas de mim, que vives por mim e passas fome contra mim;
aqui se encontra o dinheiro supérfluo e aí há o “Galo Branco”30. (ibid.; p.
126s)
30
Restaurante vienense frequentado por Milena.
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Foram no mínimo dois dias terríveis. Mas agora estou vendo que não tens
culpa nenhuma com relação a isso, que algum demônio maligno reteve todas
as tuas cartas de quinta-feira em diante. Na sexta-feira, recebi apenas teu
telegrama; no sábado, nada; domingo, nada; hoje, quatro cartas, de quinta-
feira, sexta-feira e sábado. Estou demasiadamente cansado para realmente
conseguir escrever, demasiadamente cansado para de imediato encontrar
nessas quatro cartas, nessa montanha de desespero, de sofrimento, de amor,
de amor correspondido, aquilo que sobra para mim; quando a gente está
cansado, fica tão egoísta, quando atravessou duas noites e dois dias se
consumindo nos pensamentos mais abomináveis. Mas, em todo caso – e
também isso é fruto de tua energia vitalizadora, Mãe Milena –, no fundo
estou menos destroçado do que talvez em todos os últimos sete anos, salvo o
ano que passei na aldeia. (ibid.; p. 98)
Pode-se supor que Milena talvez até se constrangesse por não poder manter
o mesmo ritmo frenético e incessante imposto pelo amante para a correspondência; ela
certamente vivia uma situação pessoal e familiar comparativamente mais complicada:
além de trabalhar dando aulas e escrevendo para jornais e revistas, nos outros momentos
talvez devesse estar na companhia do marido, o que – supõe-se – representaria mais um
empecilho para dar vazão às muitas e frequentes cartas do amante. Paralelamente,
Milena se tornaria a tradutora preferida de Kafka. Em abril de 1920, o escritor lhe
escreve: “Prezada Sra. Milena, a Sra. está se empenhando na tradução em meio ao
mundo sombrio de Viena. De alguma maneira, isso me emociona e me envergonha”
(ibid.; p. 10). Cotidianamente realizando um trabalho burocrático, Kafka se sentia
insatisfeito, mas não encontrava grande resistência, junto a seus superiores, para obter
licenças médicas. Muito amiúde, eram-lhe concedidas licenças para tratamentos,
terapias e temporadas de repouso em sanatórios ou estâncias termais. Assim, se a
doença lhe permitia distanciar-se de suas entediantes lides profissionais, ela também o
fazia aproximar-se daquilo que realmente lhe causava prazer: seu labor literário. Além
disso, usufruía do tempo de sobra para manter em dia suas correspondências. Tais fatos
são atestados por estas palavras:
de 1917. Kafka, que estava cônscio de que sua doença representava a morte,
tentava extrair algum sentido de sua luta física que se iniciava. Interpretava a
doença como uma saída das amarras burguesas em proveito da literatura.
Desse modo, no final de 1917 abriu mão definitivamente do plano de casar
com Felice Bauer. Ao mesmo tempo, já não mais estava dividido entre o
trabalho no escritório e a escrita literária. (KILCHER, 2013; nossa
tradução31)
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Nas cartas enviadas a Milena, também merece destaque o uso do tratamento
formal ou informal. Durante algum tempo, Kafka tratou Milena usando o pronome
pessoal alemão Sie, indicador de tratamento respeitoso, que em português pode ser
traduzido por “[a] Sra.”. Da mesma forma, no fecho de suas cartas, despedia-se com um
Ihr F. [do seu F.], recorrendo ao pronome possessivo (Ihr) correspondente ao pronome
pessoal Sie. Por vezes, também encerrava suas cartas com um simples F. Nas primeiras
cartas, o tratamento respeitoso se fazia presente através do acréscimo da palavra Frau
[senhora], antecedida de Liebe [cara, querida], ao primeiro nome: Liebe Frau Milena
[Cara Sra. Milena]. Em nenhuma das cartas, fez uso de Liebe Frau Pollak [Prezada Sra.
Pollak], fórmula usada para se destacar o distanciamento respeitoso/não-familiar.
Através da combinação do pronome Sie com o primeiro nome Milena, e não com o
sobrenome Pollak, quebra-se um pouco o tom solene, formal ou burocrático do uso do
pronome de tratamento respeitoso. Mas tal abrandamento ainda não chegava ao tom
íntimo e familiar conferido pelo pronome pessoal Du e pelo possessivo correlato Dein,
que, a partir de um dado momento, passariam a ser empregados. Ainda hoje – apesar de
algumas mudanças – os países de língua alemã fazem uma distinção bastante forte entre
o tratamento formal-respeitoso e o informal-íntimo. A primeira carta de Kafka a Milena
de que se tem notícia32 é datada de abril de 1920, e a última correspondência, um cartão
postal enviado de Berlim-Steglitz para o endereço de Milena em Viena:
Lerchenfelderstraße 113/5, 7º distrito, ostenta a data de 25/12/1923. Analisando-se as
cartas, conclui-se que somente a partir de 11/06 Kafka sugeriu a sua amada que o
tratasse de maneira informal e, por conseguinte, íntima: “Mais uma vez tiro a carta do
envelope; aqui é cabível [dizer]: Por favor, uma vez mais – não sempre, sequer estou
querendo isso – volta a tratar-me por tu” (HAAS, 1952, p. 38). A partir daí a
correspondência é mantida no tratamento informal, até o dia 20 de novembro de 1920,
31
Cf. matéria publicada no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung em 14/09/2013:
https://www.nzz.ch/freiheit-liebe-und-krankheit-zum-tod-1.18149736 ; último acesso:
10/01/2019.
32
Não se sabe quantas cartas foram destruídas ou simplesmente desapareceram. Desconhece-se, por
exemplo, se algumas cartas apenas não foram entregues por Milena a Willy Haas, visando, por exemplo,
a preservar a memória dos dois amantes ou de alguém mencionado nos textos.
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quando foi escrita a última carta desse ano de intensíssima correspondência. Depois de
uma lacuna de um ano e quatro meses, surge uma carta enviada por ele, de Praga, no
final de março de 1922. Nela, o tratamento já voltara a ser formal e distanciado: Frau
Milena e Sie dão lugar a Milena e du, mostrando como já haviam perdido o sentido de
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intimidade.
A distância e os múltiplos impedimentos – de ordem pessoal, burocrática,
oficial, prática etc. – tornaram o romance desenvolvido entre os dois um fenômeno mais
epistolar que presencial, mais literário que carnal. A troca de cartas foi demasiadamente
frequente e intensa sobretudo no primeiro ano, quando as mais diversas
correspondências eram enviadas quase todos os dias: Kafka enviava cartas e cartões
postais pelo correio tradicional, além de telegramas; no afã de obter respostas mais
rápidas, também apelava para o chamado correio pneumático, um sistema municipal de
envio de cartas e telegramas através de tubos de ar pressurizado33. Em suas cartas, não
raro há frases do tipo: “Se eu for a Viena, te enviarei uma carta por correio pneumático”
ou “Se na 5ª feira ainda não tiveres recebido nenhuma carta por correio pneumático, é
que fui para Praga.”
Quando Kafka voltou mais uma vez a Praga [após suas temporadas em
sanatórios e estâncias terapêuticas], a Dupla Monarquia estava à beira do
colapso. Em outubro de 1918, a província da Boêmia foi transformada na
República Tcheca; o contexto profissional de Kafka também foi tchequizado.
Em meio a esses acontecimentos, Kafka foi acometido de uma nova doença:
a perigosa gripe espanhola que custou a vida de milhões de pessoas e de que
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ele somente se livraria em dezembro [do mesmo ano] em Schelesen, no norte
da Boêmia. (KILCHER, 2013; nossa tradução)
É claro que entendo tcheco. Algumas vezes já quis lhe perguntar por que a
Sra. não me escreve alguma vez em tcheco. Não se trata de dizer, por
exemplo, que a Sra. não domine perfeitamente o alemão. Em geral, a Sra.
domina essa língua de maneira surpreendente, e se alguma vez acontece de
não a dominar, ela se curva espontaneamente perante a Sra., e é quando fica
ainda mais bonito; afinal de contas, um alemão não ousa esperar isso de sua
própria língua, pois não escreve de modo tão pessoal. Mas eu queria ler algo
escrito em língua tcheca pela Sra., já que a Sra. pertence a ela, porque só ali é
que está a Milena por inteiro (a tradução confirma isso), enquanto que em
alemão está apenas a Milena oriunda de Viena ou a que se prepara para
Viena. Portanto, por favor, em tcheco. (ibid.; p. 15)
Finanças. Uma união monetária e alfandegária e uma aliança econômica renovada a cada dez anos
garantia a unidade econômica de ambos os países.” BAMBERGER et al., 1995, p. 162)
35
Também chamada de Monarquia do Danúbio, Dupla Monarquia Imperial e Real ou Áustria-Hungria.
36
Na tradução italiana das cartas de Kafka a Milena (KAFKA, 1988b, p. 7), há uma nota em que se
especula se já não seriam algumas provas da tradução das Betrachtungen (Contemplações), a que ela já se
dedicava.
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Escreves: “Ano máš pravdu, mám ho ráda. Ale F., i tebe mám ráda”37 – leio
toda a frase com muita atenção, cada palavra, fico parado principalmente na
palavra “i”38, está tudo certo, não serias Milena, se não estivesse certo, e o
que seria eu, se não existisses, e é melhor que escrevas isso em Viena do que
se o dissesses em Praga, entendo isso tudo muito bem, talvez melhor que tu
[...] (ibid., p. 101s.)
Tua carta não se opõe à minha proposta, pelo contrário, pois escreves:
“nejrádějí bych utekla třetí cestou která nevede ani k tobě ani s ním, někam
do samoty”39. É a minha proposta, talvez a tenhas escrito no mesmo dia que
eu. (ibid., p. 116)
37
“Sim, tens razão. Gosto dele. Mas, F., também gosto de ti.”
38
“Também”.
39
“Eu preferia fugir por uma terceira via, que não leve a ti nem junto com ele, rumando para algum lugar
na solidão.”
40
Sobre esse tema, cf. Wagenbach (1989, p. 17): “A origem muito diferenciada dos pais de Kafka (nela
se encontra representada justamente a mistura social e linguística da antiga Boêmia) fica mais uma vez
visível no registro do casamento entre Hermann Kafka e Julie Löwy, no Cartório Civil de Praga, em
setembro de 1882: Hermann, oriundo do proletariado provinciano tcheco-judeu, também morava em
Praga, nas favelas do gueto, que muito tempo antes já havia sido abandonado e, duas décadas mais tarde,
foi definitivamente demolido. Julie provinha da burguesia abastada e culta teuto-judaica e morava em
uma das casas mais bonitas da Praça da Cidade Velha, na casa Smetana.” (nossa tradução)
41
Recorde-se que a capital do Império era Viena, onde o alemão era a língua natural e oficial.
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[…] nunca vivi em meio ao povo alemão, o alemão é a língua de minha mãe
e por isso me é natural, mas o tcheco me toca o coração, por isso a carta da
Sra. elimina algumas incertezas, posso ver a Sra. com mais clareza, os
movimentos de seu corpo, as mãos, tão vivas, tão decididas, é quase um
encontro; mas se eu quiser levantar os olhos até a altura de seu rosto, ao
longo da carta irrompe – que história! – fogo, e somente vejo fogo. (HAAS,
1952, p. 22s.)
Com base em suas pesquisas, Stach (2014, p.147ss.) informa que Kafka,
após fazer um balanço de uma série de interesses que teria acompanhado sem grande
convicção ou que simplesmente teria abandonado, citou “piano, violino, línguas”. No
tocante às línguas clássicas, Kafka dedicou-se ao estudo de latim e grego e “até poderia
ter mudado para uma faculdade de Letras Clássicas”. Em seu colégio, o Altstädter
Gymnasium, as línguas modernas tinham como foco o tcheco, que ele dominava muito
bem, e o francês, que usava para ler romances no original. De resto, sua família
mantinha uma governanta belga, o que não necessariamente garantia um domínio da
língua francesa. O interesse pelo hebraico somente surgiria mais tarde, já na idade
adulta, quando, influenciado por outros jovens intelectuais judeus, buscou estudar mais
sobre o judaísmo e pensou inclusive em fazer uma viagem à Palestina. Em sua lista,
42
Nossa tradução.
43
https://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buecher/autoren/war-kafka-eigentlich-kafkaesk-12968832.html;
último acesso em 10/01/2019.
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Em vários trechos das cartas de Kafka, surge a palavra alemã Angst [medo] Página
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cartas, põe-nas de lado, agora vem a realidade que é maior e melhor. Medo, no
momento, acho que só devemos ter por causa de uma coisa: teu amor por teu marido”
(ibid.; p. 94). Esse complexo de inferioridade de Kafka perante o rival é, de certa forma,
mais um leitmotiv que permeia algumas cartas. A distância física entre os dois e o pouco
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interesse de Milena por separação – embora em algum momento de sua vida conjugal já
tivesse se separado de Ernst Pollak – eram motivos sobejantes para fazê-lo temer a
perda da amada. Por vezes, Kafka também tentou encobrir outro tipo de temor: ciúmes.
É o que também fica implícito em uma carta de 15/07:
Curioso que teu marido diga que vai me escrever, isso e aquilo. E bater e
estrangular? Realmente não entendo. Claro que creio inteiramente em ti, mas
me é tão impossível imaginar isso que chego a ponto de não sentir nada,
como se fosse uma história bem distante e totalmente alheia a mim” (ibid.; p.
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não teria forças para enfrentar a monstruosidade do medo. De certo modo, esse temor
resumia seu imenso medo de ficar sozinho, de não poder sempre contar com uma Mãe
Milena a seu lado (cf. (ibid.; p. 98). Em carta de 09/08, mais uma vez aborda a questão
do medo, discorrendo sobre duas palavras tchecas que Milena mencionara na carta
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precedente: strach [medo] e touha [saudade, desejo]. Aproveita para também mencionar
um texto seu que, repetidas vezes, prometeu enviar a ela, a célebre Brief an den Vater
[Carta ao Pai]44, em que se veem bem estampados alguns dos medos que nutria por seu
pai. Afirmando só sentir strach, Kafka descreve na carta a Milena mais uma cena
marcada por medos, não necessariamente relacionados ao pai, mas à sua própria vida
sexual:
Nesses longos parágrafos, com pausas feitas mormente com vírgulas, veem-
se palavras que jorram aos borbotões, as quais muito bem traduzem, por um lado, a
sofreguidão da cena descrita e, por outro, anunciam a aflição sentida por ele perante o
novo. E mais uma vez esbarraria no medo: afinal de contas, sentia medo do mundo
inteiro. Apesar desse medo, instintivamente resolveu seguir o casal, em resposta a um
sinal feito pela moça. Em um dado momento, pararam para beber uma cerveja, e Kafka
fez o mesmo, sentando-se a uma mesa próxima. Em seguida, dirigiram-se à casa da
moça, sempre com o tímido rapaz em seus calcanhares; de repente, o desconhecido se
despediu. Após um instante de espera, a moça veio a seu encontro; Kafka e ela se
encaminharam a um hotel: “Já antes do hotel, tudo isso era excitante, empolgante e
abominável; no hotel não foi diferente” (ibid.). Na enumeração de três adjetivos, vê-se a
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Em carta do dia 21/06, Kafka escreve: “se um dia quiseres saber como era minha situação antes, envio-
te de Praga a gigantesca carta que escrevi a meu pai há uns seis meses, mas que ainda não lhe entreguei”
(HAAS, 1952, p. 66). Em 04/07, Kafka volta a abordar o mesmo tema: “Amanhã te enviarei, ao endereço
de tua casa, a Carta ao Pai, por favor guarda-a bem, pode ser que um dia eu queira entregá-la ao pai.
Toma cuidado, na medida do possível, para que ninguém a leia. E, quando a leres, compreende todas as
filigranas advocatícias, é uma carta de advogado. E, além disso, nunca te esqueças de teu grande porém”
(id.; p. 80).
Revista Entrelaces • V. 1 • Nº 16 • Abr.-Jun. (2019) • ISSN 2596-2817
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sequência de dois qualificativos positivos ser quebrada por um terceiro com conteúdo
bastante negativo: abominável. Embora possa ser traduzido como “abominável,
execrável, vil, desprezível” etc., o termo alemão originalmente usado pelo escritor
provém do substantivo Scheu, que também traz em seu bojo a ideia de timidez. A moça
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e ele passaram toda a noite juntos e na manhã seguinte, quando já cruzavam a
Karlsbrücke45 na direção de casa, o rapaz se sentiu feliz: “[...] mas a minha felicidade
consistia principalmente no fato de tudo não ter sido ainda mais abominável, ainda
mais sujo” (ibid.; grifos do autor). Essa experiência talvez tenha sido o motor de outras
dificuldades envolvendo a prática sexual na vida de Kafka. Ainda tiveram mais uns dois
rendez-vous, mas não tardou que ele passasse a encará-la como uma “inimiga”, embora
fosse “uma moça boa e amável, sempre me seguia com um olhar de quem não estava
entendendo nada” (ibid., p. 181). Em carta de 09/08, Kafka descreve, de forma cifrada,
seu sentimento quanto àquela cena:
Não quero dizer que o único motivo de minha hostilidade tenha sido (com
certeza não foi) o fato de a moça, com toda sua inocência, ter cometido uma
pequena abominação (que não vem ao caso), ter dito uma pequena sujeira
(que não vem ao caso), mas a lembrança permaneceu, no mesmo instante eu
soube que nunca esqueceria isso e ao mesmo tempo sabia ou achava saber
que essa coisa abominável e suja decerto não tinha necessariamente uma
ligação externa, mas necessariamente uma ligação interna com o todo, e que
justamente essa coisa abominável e suja (cujo pequeno indício fora apenas
seu pequeno ato, sua pequena palavra) me atraíra com uma força tão insana
àquele hotel, do qual eu normalmente me teria esquivado com minhas
últimas forças. (ibid.; p. 181s.)
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Tombada como patrimônio histórico e cultural da UNESCO, a Karlsbrücke – Ponte Carlos – é uma das
mais antigas da Europa e está situada sobre o rio Moldava (Vltava, em tcheco).
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ao pai” (BROD, [1947] 1960, p. 32). Binder & Parik (1982) apontam que Kafka parecia
ter encontrado, em Milena, justamente a mulher que “incorporava aqueles aspectos de
que ele, quando criança, sentia falta na atitude de sua mãe perante ele: a aceitação
incondicional de seu caráter singular, o acatamento de seus desejos-pulsões e o
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reconhecimento de sua carência amorosa” (BINDER; PARIK, 1982, p. 202). Stach
(2008b, p. 110) define melhor essa carência, afirmando que “Kafka ansiava por
intimidade, por convivência duradoura, mas essa convivência íntima somente lhe
parecia possível com uma mulher que estivesse igualmente distante das duas imagens
neuróticas da mulher – mãe e prostituta”.
Considerações finais
As muitas cartas escritas por Kafka a Milena podem ser entendidas sob
diferentes perspectivas. Por um lado, são a expressão de uma catarse empreendida por
ele ao abordar, a partir da meta-discussão gerada nas correspondências, seus problemas
como homem solteiro e como aspirante a uma nova relação. Por outro lado, podem
também ser interpretadas como peças de uma antologia íntima de natureza epistolar e
literária, em que Kafka se mostra romântico, sentimental e, mais que nunca, vulnerável
e nu perante todos, sobretudo diante do desejo, do amor e do sexo, grandezas que
geralmente o assombravam. Durante o namoro com Felice, Kafka já deixara patente,
como mostram registros em seu diário (KAFKA, 1989b), sua atitude em relação ao
sexo: “O coito como punição da felicidade do convívio. Viver o mais asceticamente
possível, mais asceticamente que um celibatário, eis, para mim, a única possibilidade de
suportar o casamento. Mas, e ela?” Esse registro foi feito em 13 de agosto de 1913; sete
anos mais tarde, as cartas a Milena ainda revelavam um forte apego a uma exaltação do
convívio – de preferência epistolar – em detrimento de uma vida a dois. Não se pode
negar que também buscava meios de encontrar a amada, diversas vezes insistiu em que
ela saísse um pouco de Viena e fosse até a Boêmia. Nas cartas entregues por Milena a
Haas somente se confirmam dois momentos de real encontro entre esses dois
personagens de um curto e denso romance epistolar: a primeira vez foi em Viena,
quando, ao deixar Merano, parou naquela cidade para ver a amada, e a segunda, após
longas negociações, em Gmünd. Antes de parar em Viena, Kafka afirmou claramente
que não gostaria de ir até lá, pois não suportaria esse “esforço psíquico” (HAAS, 1952,
p. 50). Ressaltava sobretudo seus problemas pulmonares, que decerto também
influenciavam em seu estado anímico. Perante Milena, também se sentia, “aos 37, quase
38 anos, quase uma geração mais velho [que ela], quase com cabelos brancos devido às
velhas noites e dores de cabeça” (ibid.).
A leitura de suas cartas traz a lume que Kafka quase sempre estava
preocupado com os muitos problemas que afligiam Milena, desde impasses em sua vida
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pessoal e financeira até suas doenças. Simultaneamente, por certo Milena também tinha
uma série de questionamentos sobre ele, a que infelizmente não podemos ter acesso
devido ao extravio ou à destruição de suas cartas. Todavia, essa breve e intensa
correspondência aponta para a quase impossibilidade de uma vida em comum
envolvendo Milena, uma mulher de certo modo acostumada a uma vida mais libertina e
um tanto à margem da lei, e Kafka, um homem extremamente sisudo, que temia o sexo
e a intimidade, por, ao que parece, associá-los a coisas abomináveis e sujas.
Referências
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In April 1920, Franz Kafka was in Merano, at that time a very well-known health resort
for people suffering from lung diseases, when he began a correspondence with Milena
Jesenská. She was a young Czech intellectual with a rather troubled past, who was
heartily interested in translating some of Kafka’s narrative work into Czech and
publishing them in Prague magazines. Married to the Jewish-Czech scholar Ernst
Pollak, Milena lived in Vienna, where, in the immediate aftermath of the World War I,
she experienced serious financial difficulties. For Kafka, his intense correspondence
with Milena would become an obsession and, for her, perhaps the promise of a
refreshing to soften her many daily problems. Both due to the geographical distance,
since Kafka lived in Prague, and perhaps to the sexual inhibitions of the writer, this
exchange of letters – of which only the letters written by him could be recovered –
ended up in few really intimate contacts, becoming much more, especially for Kafka, a
form of writing about letters (STACH, p. 363). The main objective of this article is to
present a panorama of three themes developed from Kafka’s letters to his beloved,
namely: a) Kafka’s lover and translator; b) Kafka and his relationship to foreign
languages; and c) fear, anguish and anxiety. One of the conclusions presented in this
article points to his almost impossibility of living together with Milena, who was quite
accustomed to a more libertine life and even outside of the law, and Kafka, an
extremely stern man who had many fears and concerns in relation to sexual practice.
Key words
Franz Kafka. Milena Jesenská. Correspondence.