FREI LUÍS DE SOUSA de Almeida Garrett Aspetos Essenciais
FREI LUÍS DE SOUSA de Almeida Garrett Aspetos Essenciais
FREI LUÍS DE SOUSA de Almeida Garrett Aspetos Essenciais
A representação da peça foi precedida da sua leitura feita pelo próprio autor em 6 de Maio de 1843, no Conservatório Real de
Lisboa, perante um auditório muito exigente.
A 1ª representação foi feita num teatro particular na Quinta do Pinheiro em 4 de Julho de 1843, por oito atores. Por impossibilidade
de um ator, o próprio Garrett fez o papel de Telmo. A censura terá cortado certas partes, sendo o texto integral representado
apenas em 1850 no Teatro Nacional D. Maria II, num momento em que já não havia censura.
Tem-se escrito que este drama é a projeção poética da sua própria vida. Não se devendo confundir a obra e o autor, não deixa
de ser curioso mostrar as coincidências entre ambos.
Ação
Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com ele parte
D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também, desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa.
Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino.
Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas em vão. Casa então com
D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 13 anos. D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e
de intranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma
situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o
seu.
Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.
D. Madalena de Vilhena
• Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa) (I,2 e 4)
• Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher
• Bom marido e pai terno (I,4; II,7)
• Corajoso, audaz e decidido (I,7, 8, 9, 10, 11, 12; III, 8)
• Marcado pelo destino (I, 11; II, 3 e 8)
• Encarna o mito romântico do escritor: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento necessário à escrita.
• Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão domina os sentimentos pela
ação da vontade.
• Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu nacionalismo e o incêndio do
palácio).
• Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a serenidade e o equilíbrio clássico
que sempre teve e adquire características românticas. A razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes
manifestam-se com descontrolada violência. Exemplos:
o Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha).
o Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”, “vergonha”, “escárnio”,
“desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.).
o Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação socialmente condenável.
o Ao optar por esta atitude, encarna o mito do escritor romântico, como um ser de exceção, que se refugia na
solidão para se dedicar à escrita.
• Embora esteja ausente, de uma forma expressa, de todo o mito sebastianista que atravessa o drama, Manuel de Sousa
insere-se nele pela defesa dos valores nacionalistas.
D. João de Portugal:
Telmo Pais
Frei Jorge
• Irmão de Manuel de Sousa.
• Amigo da família.
• É confidente e conselheiro e à semelhança do coro clássico, faz comentários aos factos.
• Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam suavizados por uma perspetiva
cristã.
Espaço Físico
Ato I - Palácio de Manuel de Sousa Coutinho em Almada: moderno, luxuoso, aberto para o exterior, duas grandes janelas de
onde se avista o Tejo e Lisboa; retrato de Manuel de S. Coutinho vestido com o hábito da Ordem de Malta.
Simbologia: paz e aparente harmonia na família. Mas com o incêndio e com a destruição do retrato de Manuel há já um
prenúncio da catástrofe final.
Capela
Podemos concluir que o afunilamento gradual do espaço em Frei Luís de Sousa anda a par com o avolumar da tragédia.
Há um afunilamento quer a nível de luz, decoração ou amplitude. Ou seja, vai evoluindo no sentido da ação: vão surgindo
acontecimentos que afetam a vida normal familiar e que culmina com a morte de Maria. Caminha-se de objetos confortáveis para
objetos que são alusões cada vez mais nítidas à catástrofe. Do profano ao religioso/ da vida à morte.
O Espaço Psicológico
O espaço psicológico é aquele que surge como tradutor dos sentimentos e pensamentos das personagens. Através do diálogo,
apercebemo-nos destes fatores, mas ele aparece mais nitidamente em situações definidas. Na obra, o espaço psicológico é
constituído fundamentalmente através dos monólogos e dos sonhos.
• os monólogos - são de reter o monólogo inicial de D. Madalena, quando reflete sobre a sua própria vida, motivada pela
leitura do episódio de Inês de Castro, inserido na obra Os Lusíadas (cena I doa ato I); o monólogo de Manuel de Sousa
Coutinho, no momento em que decide incendiar a sua própria casa, pondo a hipótese de que, tal como seu pai, poderia
sofrer as consequências da sua decisão (final do primeiro ato, cena XI) e o monólogo de Telmo, que espelha o conflito
que domina a sua alma, aquando do reaparecimento de D. João, hesitando entre a fidelidade que lhe deve e o amor a
Maria (terceiro ato, cena IV). No segundo ato (cena IX), o monólogo de Frei Jorge, anunciando a perturbação que lhe
causa o estado em que vê a família do irmão, exprime os seus sentimentos, mas funciona igualmente como indício trágico
(Frei Jorge constata consigo mesmo: "A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça..."). No terceiro ato (cena
IX), o monólogo de D. Madalena, abraçada à cruz, lamentando junto do Senhor a sua desgraça, revela, por um lado, o
papel da religião como um consolo e, por outro, o próprio inconformismo da personagem, que luta até ao fim para
preservar uma réstia da sua felicidade antiga.
• os sonhos - os sonhos de Maria, para além de funcionarem como forma de caracterização da personagem, realçando a
sua tendência para a quimera e a sua crença nalgumas superstições populares, anunciam o seu receio semiconsciente de
que a fatalidade destrua a sua família.
Espaço Social
Existem várias indicações que contribuem para a integração das personagens numa classe social elevada - a nobreza: D. Madalena
tem o epíteto dona, que só se dava no século XVII às senhoras da aristocracia (D. Madalena de Vilhena, lembrai-vos de quem sois
e de quem vindes, senhora); Manuel de Sousa Coutinho é cavaleiro de Malta, uma ordem religiosa unicamente para nobres; D.
João de Portugal pertence à família de Vimioso e Maria, a dona bela, tem sangue dos Vilhenas e dos Sousas.
O espaço social é também delimitado pela crítica que o autor dirige à opressão social causada pelo domínio filipino e ao preconceito
que recai sobre a ilegitimidade (problema que afetou a própria filha de Garrett).
Tempo
Tempo histórico – conjunto de referências a acontecimentos reais que conferem cor epocal ao texto e que permitem a sua
inserção numa determinada época.
Levantamento de referências históricas presentes no texto a partir da referência a:
• Batalha de Alcácer Quibir, 4 de Agosto de 1578 (fala de D. Madalena, cena I).
• Reforma”… o homem é herege, desta seita nova de Alem
• anha ou de Inglaterra” – meados do séc. XVI (fala de Telmo, Ato I, cena II).
• “… os governadores de Portugal por D. Filipe de Castela, que deus guarde…”(fala de Frei Jorge, Ato I, cena II)- Filipe II
de Espanha, I de Portugal, aclamado rei em 1580.
• Didascália inicial “Câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância portuguesa dos princípios do séc. XVII”.
(A ação reporta-se ao final do século XVI, embora a descrição do cenário do Ato I se refira à "elegância" portuguesa dos
princípios do século XVII).
Conclusão: não há respeito pela unidade de tempo da tragédia clássica, mas verifica-se uma concentração temporal progressiva
que constitui um dos elementos fundamentais para a criação da tensão dramática.
21 anos > 14 anos > 7 anos > 8 dias > 1 dia > 5 horas da madrugada
Há um afunilamento temporal que reduz as hipóteses de saída para as personagens que ficam presas numa espécie
de rede da qual a única fuga possível é a morte.
Tempo da ação Tempo simbólico
Ato I • Visão de Manuel de Sousa Coutinho pela primeira vez, à sexta-feira
28/07/1599 • Alcácer-Quibir
04/08/1578
Sexta-feira Sexta-feira
Fim da tarde • Casamento com Manuel de Sousa Coutinho: 7 anos depois da batalha
Sexta-feira
Noite
Ato II • Regresso de D. João de Portugal no 21º aniversário da batalha
04/08/1599
04/08/1599 Sexta-feira
Sexta-feira
Sexta – feira – dia considerado aziago e fatal para Madalena: “ … ai que é
Tarde sexta- feira” (Ato II, cena V) e “É um dia fatal para mim” (Ato II, cena X).
Ato III Ambiente crepuscular e/ou noturno, caracteristicamente romântico: “ É no
fim da tarde” ( locus horrendus dos românticos) – símbolo da morte que se
04/08/1599 abaterá sobre a família.
A referência ao número 7: 7 anos de procura de D. João; 14 anos de
Sexta-feira casamento com D. Manuel ( 7+7); 21 anos desde o desaparecimento de D.
João ( 3x7) – o número 7 simboliza a totalidade: 7 dias da criação do mundo, 7
Alta noite são os pecados mortais e as virtudes que se lhe opõem, 7 são os dias da
semana, 7 as cores do arco-íris…
Hybris (desafio): Presente essencialmente no casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa Coutinho, sem a confirmação
da morte do seu primeiro marido, e no incêndio do palácio do Manuel de Sousa Coutinho pelo próprio.
Anaké (destino): responsável pela ausência e cativeiro de D. João de Portugal durante vinte e um anos e pela mudança da
família de Manuel de Sousa Coutinho para o palácio de D. João de Portugal.
Peripetia (peripécia): Mudança de situações, por exemplo: o incêndio de Palácio de Manuel de Sousa, originando a mudança
para o Paço que fora de D. João de Portugal, assume particular interesse para o agudizar do clímax. (“Ilumino a minha casa
para receber […] / Meu Deus, meu Deus!... Ai, o retrato de meu marido!... Salvem-me aquele retrato!”).
Catástrophe (catástrofe): O suicídio clássico em plena cena é aqui, substituído, por um lado, pela morte melodramática de
Maria, e, por outro, pela morte “simbólica” para o mundo, dois cônjuges que decidem tomar hábito religioso. (“Para mim aqui
está esta mortalha: morri hoje”…; “deixastes tudo até vos deixar a vós mesmos […]”).
Anagnórise (reconhecimento): A cena fulcral da peça, o reconhecimento de D. João de Portugal, na figura de Romeiro,
apressa o desenlace fatal. (“Romeiro, romeiro, quem és tu? _ Ninguém!”).
Cathársis (purificação): renúncia ao prazer mundano pelo casal, que se refugia num convento, e ascensão de Maria ao espaço
celeste, devido à sua inocência.
Agon (conflito): resulta da hybris, manifesta-se a nível psicológico nos conflitos interiores e dilemas vividos por Telmo e por
Madalena. Intensifica-se ao longo da ação.
Pathos (sofrimento crescente) : A aflição do herói é notória aqui, quer nos temores de D. Madalena, quer no fatalismo
sofredor de Maria. (“…este medo, estes contínuos terrores [… ]”; […] Que felicidade … que desgraça a minha” ; “dei decerto
que vou ser infeliz […]”).
• A crença no Sebastianismo.
• O patriotismo e o nacionalismo – tais sentimentos estão bem patentes no comportamento de Manuel de Sousa Coutinho
e no idealismo de Maria.
• As crenças – agoiros, superstições, as visões e os sonhos, bem evidentes em Madalena, Telmo e Maria
• A religiosidade – a permanente referência ao cristianismo e ao culto.
• O individualismo.
• O tema da morte.
• A presença da mulher-anjo: Maria e da mulher- demónio: Madalena.
• As características formais: o uso da prosa; a divisão em três atos e o estilo novo: caráter oralizante e coloquial da
linguagem: sintaxe afetiva, interrogações, exclamações, frases entrecortadas), vocabulário corrente, adequado ao
estatuto das personagens.
Almeida Garrett diz na Memória ao Conservatório Real, texto por meio do qual faz a apresentação da sua peça: "Contento-me
para a minha obra com o título de drama; só peço que a não julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição
de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao
antigo género trágico.” O conteúdo do Frei Luís de Sousa tem todas as características de uma tragédia. No entanto, chama-
lhe drama, por não obedecer à estrutura formal da tragédia.
Linguagem e estilo
Nesta peça, encontramos as marcas fundamentais do modo de expressão que constitui o diálogo, pelo que as estruturas discursiva
e frásica apresentam as características próprias da coloquialidade e da oralidade.
Aspetos que estruturam a linguagem e o estilo da obra :
• ao nível lexical
É de relevar as repetições e a carga emotiva que encerram determinados vocábulos (por exemplo, "desgraça", "escárnio",
"amor"; é de reter igualmente a utilização de classes de palavras como a interjeição e as locuções interjetivas ("Ah", "Meu
Deus") como tradutoras da ansiedade e da angústia das personagens e a repetição do advérbio de tempo "hoje", que torna mais
denso o ambiente trágico; por vezes, uma palavra substitui uma frase, dado que concentra, de forma expressiva, a trama de
sentimentos que invade uma personagem, numa determinada situação - é o caso do pronome indefinido "Ninguém", que fecha o
segundo ato, proferido pelo Romeiro.
• ao nível sintático
Predominam as frases inacabadas, que traduzem as hesitações ou a intensidade das emoções das personagens.
• registo de língua
Coexistem os registos familiar e cuidado.
• prosódia ( é a parte da linguística que estuda a entonação, o ritmo, o acento (intensidade, altura, duração) da
linguagem falada)
- A entoação é, essencialmente, traduzida através dos diferentes tipos de frase; é de salientar a recorrência dos tipos de
frase exclamativo e interrogativo como forma de expressão dos sentimentos que dominam as personagens e da entoação conferida
às subunidades discursivas.
- As pausas evidenciam os constrangimentos das personagens, a sua dor e as suas hesitações.
- O ritmo frásico e discursivo liga-se claramente ao estado de espírito do sujeito de enunciação.
• pontuação
É de considerar a ocorrência das reticências e dos pontos de exclamação como sugestão da tensão emocional e dramática.
Prof. Paula Mota