A Crítica Literária Contemp - Brasil
A Crítica Literária Contemp - Brasil
A Crítica Literária Contemp - Brasil
Nathalia Campos
Rodrigo Vieira Ávila de Agrela
Roberto Bezerra de Menezes
produzida no Brasil
FALE/UFMG
Belo Horizonte
2019
Diretora da Faculdade de Letras
Graciela Inés Ravetti de Gómez
Vice-Diretora
Sueli Maria Coelho
Coordenadora
Emilia Mendes
Comissão editorial
Elisa Amorim Vieira
Emilia Mendes
Fábio Bonfim Duarte
Luis Alberto Brandão
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra
Sônia Queiroz
ISBN
978-85-7758-366-9 (digital)
978-85-7758-367-6 (impresso)
7 Apresentação
9 A crítica acadêmica brasileira
contemporânea e a questão da esfera pública
Tarcísio Fernandes Cordeiro
63 Benjamin e Proust
Pedro Alegre
4 SÜSSEKIND, Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna, 2003, p. 30.
5 CANDIDO, Literatura e sociedade, 2009, p. 45.
7 AUERBACH , Literary Language and Its Public in Late Latin Antiquity and in the Middle Ages, 1993, p. 252.
8 MOTTA, Crítica literária brasileira no último meio século, 2002, p. 198.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2009.
GOMES, Igor. Do que tem tratado a crítica acadêmica? In: GOMES, Igor. Suplemento Pernambuco.
Recife: Cepe Editora, maio 2017. Disponível em: <http://www.suplementopernambuco.com.br/
artigos/1859-do-que-tem-tratado-a-cr%C3%ADtica-acad%C3%AAmica.html>. Acesso em: 17
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MOTTA, Leda Tenório da. Crítica literária brasileira no último meio século. Rio de Janeiro: Imago,
2002.
SÜSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna. In:
SÜSSEKIND, Flora. Papéis colados. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003. p. 15-36.
Considerações iniciais
Há tempo se fala de uma crise na crítica literária, especialmente depois
do advento da Teoria da Literatura como disciplina, ao lado da criação
dos cursos de pós-graduação em Letras nas universidades brasileiras
no final da década de 1960, e dos tempos ditos pós-modernos. Já em
1971, por exemplo, Paul de Man diagnosticou uma crise na crítica no seu
ensaio Criticism and crisis, tomando como ponto de partida a crise do
verso, anunciada em um ensaio escrito por Mallarmé, e desenvolvendo,
ao mesmo tempo, uma releitura da modernidade. Refletir sobre o fazer
crítico tornou-se, atualmente, uma constante entre os estudiosos ligados
às Letras e/ou à literatura, o que implica inevitavelmente discordâncias
e radicalismos. Por alguns, ela é vista como uma prática indefinida,
cujo lugar no meio intelectual, sobretudo o brasileiro, parece ainda
se apresentar movediço; para outros, a produção crítica atual só tem
aumentado e inúmeros são os suportes que a veiculam. Diante de tais
impasses, a crítica, em vez de gerar e analisar problemas por meio da
leitura de um texto literário, é apresentada como um problema; logo,
parece necessário revisitar as questões em torno da referida instância,
levando em consideração tanto a crise geral dos valores (do sujeito,
da identidade, da razão, da representação, entre outros), nos quais a
crítica se sustentava, quanto a atual redução da literatura a mais uma
forma de cultura, resultado da velocidade das mutações tecnológicas e do
ecletismo de boas intenções dos estudos culturais.
Se atentarmos para a ideia de crise, vale acrescentar que esse termo
não deve ser entendido como “decadência” ou “fim do mundo”, conforme
defende Kujawski,1 mas como um desdobramento lógico, um movimento
dialético entre o que permanece e o que causa ruptura, entre o que
estaria no âmbito da tradição e os elementos da ordem (pós)moderna. O
teórico Paul de Man, no seu ensaio já citado, inferiu que é “no modo da
crise” que se dá a verdadeira crítica, pois esse modo estimula a reflexão
sobre a própria escrita crítica, como também a literária, “abr[indo] um
ciclo de questões” na medida em que “através da auto-reflexão, tem
lugar uma ‘separação’ entre aquilo que na literatura está conforme a
intenção original e aquilo que se afastou irrevogavelmente desta fonte”.2
A partir daí, se olharmos para a crise da crítica por esse ângulo, podemos
pensar que “estar em crise” não é algo tão devastador ou apocalíptico,
pois esse estado sintomático leva a crítica atual a um autoconfrontamento
produtivo e põe em reflexão os seus próprios instrumentos, no intuito de
reavaliar e atualizar a ideia que temos sobre como julgar determinada
obra. Interrogar-se a si mesma se confunde com o próprio ato crítico e
faz com que essa instância tome ciência dos seus verdadeiros problemas.
Portanto, pensar em uma crise da crítica literária contemporânea nos
conscientiza, enquanto estudiosos de literatura, da responsabilidade
que temos em manter a agudeza da reflexão e em saber lidar com a
transitoriedade de conceitos e de categorias com as quais trabalhamos,
como a própria ideia de literatura, por exemplo, especialmente “numa
época como a nossa, que levou a desarticulação de valores – e não só
artísticos, naturalmente – a extremos sem precedentes”.3
À vista disso, cabe desenvolvermos algumas considerações
em diálogo com determinadas falas que giram em torno da crítica
contemporânea no Brasil e de sua crise, considerando a abrangência de
sua atuação, que ultrapassa um reduzido espaço no jornal, a sua relação
com o meio digital e o notório descentramento do objeto literário.
Considerações finais
Não esgotamos aqui a discussão em torno da “crise” da crítica
contemporânea, mas nos parece haver um círculo vicioso a rondar tal
situação, geralmente, colocada como um bicho de sete cabeças cujo
propósito seria extinguir a figura do crítico. Na verdade, esse personagem
que transita no ambiente das Letras tem nas mãos elementos para cada
vez mais se autoafirmar e repensar os valores e métodos que pareçam
desgastados, no intuito de superar certo ceticismo latente concernente à
relevância do seu trabalho. Os novos dilemas nacionais, a crise geral dos
valores, a velocidade e a dinamicidade resultantes da vida internética,
a emergência de temas contemporâneos, o boom provocado pelos
estudos culturais nas universidades brasileiras... tudo isso não impede a
crítica de ter “autonomia para configurar o objeto literário conforme sua
sensibilidade ou necessidade” – sem negligenciar os processos estéticos
de criação individual e sem cair em fundamentalismos culturais e
ideológicos –, pois na literatura cada elemento é passível de significação.
Sendo assim, a atuação do crítico é indispensável para a filtragem desse
amplo efeito de significados aliada ao rigor e à lucidez indispensáveis
para o seu exercício intelectual. Sabemos que não é uma tarefa fácil, mas
a dificuldade desse empreendimento só pode servir de estímulo para que
Referências
BARTHES, Roland. Mitologias. Trad. Rita Buongermino, Pedro de Souza e Rejane Janowitzer. Rio
de Janeiro: DIFEL, 2009.
DERRIDA, Jacques. Posições. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
DURÃO, Fabio Akcelrud. O que é crítica literária?. São Paulo: Nankin Editorial/Parábola Editorial,
2016.
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www.revista.agulha.nom.br/graieb05.html>. Acesso em: 5 out. 2017.
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2, n. 35, 2012. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/5907/4504>.
Acesso em: 30 set. 2017.
KUJAWSKI, Gilberto de Melo. A crise do século XX. São Paulo: Ática, 1991.
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Lisboa: Edições Cotovia, 1999. p. 37-52.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Crítica literária: seu percurso e seu papel na atualidade. Revista
Floema, Vitória da Conquista, v. 1, n. 8, 2011. Disponível em: http://periodicos.uesb.br/index.
php/floema/article/viewFile/443/468. Acesso em: 14 out. 2018.
3 CHAGAS, Há uma gota de sangue em cada museu: a ótica museológica de Mário de Andrade, 2006;
CHAGAS. A imaginação museal: museu, memória e poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e Darcy
Ribeiro, 2009.
4 Cf. UZÊDA, Quem não estiver contente com o presente, viva, como eu, das saudades do passado:
política e educação patrimonial em Manuel Bandeira, 2017.
5 GUIMARÃES, Posfácio, 2006.
***
Pela presente proposta de pesquisa, pretendemos contribuir com
a fortuna crítica de Manuel Bandeira enfocando na produção em prosa do
poeta, especificamente sobre suas crônicas. O levantamento bibliográfico
inicial sobre sua crítica demonstra que o tratamento dado às crônicas
do poeta é secundário, comumente resgatando nos seus textos em
prosa possíveis chaves de leitura para a sua poesia. Contudo, tomadas
como objeto central de estudo, as crônicas de Bandeira carecem de
aprofundamento pela crítica literária.
Avaliar sua contribuição para um gênero tão caro no contexto da
historiografia literária brasileira – talvez o único efetivamente brasileiro,
como ressalta Candido18 – é tomar sua produção cronística como
importante fonte de pesquisa para os estudos dos gêneros literários no
campo da teoria da literatura e dos estudos de literatura comparada. Ler
positivamente a elaboração de um “gênero menor”19 praticado por “poeta
menor”20 nos permitirá propor como tópico de análise para esse projeto
a construção da identidade de Manuel Bandeira como “cronista menor”,
pensando em que medida essa chave traz ganhos para a abordagem do
“humilde cotidiano” de que nos fala Arrigucci Jr.21 – sem perder de vista
que há nessa adjetivação uma ironia do poeta, um dos maiores em língua
portuguesa.
A originalidade desse estudo consiste, sobretudo, na abordagem
de leitura interdisciplinar proposta, em que a discussão sobre o gênero
crônica, na teoria literária, dialoga com as áreas das ciências sociais
aplicadas explicitadas, especialmente com os pressupostos de patrimônio
Referências
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UZÊDA, André L. M. de. Quem não estiver contente com o presente, viva, como eu, das saudades
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Referências
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Cênicas). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. p. 25-35.
21 HAUPTMANN, Volkslieder: Die schönsten deutschen Volkslieder, 2010. Tradução minha do original em
alemão: “I. Flinke Träger springen/und die Mädchen singen,/alles jubelt froh!/Bunte Bänder schweben/
zwischen hohen Reben/auf dem Hut von Stroh”.
22 DE CERTEAU; JULIA, A beleza do morto: o conceito de cultura popular, 1989, p. 57.
Algumas considerações
Não há como negar a importância dos românticos no que se refere a coleta
e compilação de materiais sobre a tradição nacional e a ascensão dos
debates sobre a cultura popular. O anseio por uma identidade nacional e o
trabalho de resgate da concepção de “povo” são de extrema significância
para as pesquisas que ainda viriam após eles. Ao publicar seus trabalhos
sobre as Volkslieder, contribuiu para que os costumes, as festividades
e as lendas das épocas passadas não desaparecessem com o avanço
da modernidade. Da mesma forma, os irmãos Grimm, ao publicarem as
23 HAUPTMANN, Volkslieder: Die schönsten deutschen Volkslieder, 2010, p. 82. Tradução minha do original
em alemão: “I. Wenn ich ein Vöglein wär und auch zwei Flüglein hätt, flög ich/ zu dir,/ weil´s aber
nicht kann sein, weil´s aber nicht kann sein, bleib ich/ all hier./ II. Bin ich gleich weit von dir,/bin
ich doch im Schlaf bei dir/und red mit dir./Wenn ich erwachen tu,/bin ich allein./III. Es vergeht kein
Stund in der Nacht,/da nicht mein Herz erwacht/und an dich denkt,/dass du mir tausendmal/dein
Herz geschenkt.”
24 GYMNASIUM GOSLAR EUROPASCHULE, Das Volkslied, 2011, p. 2. Tradução minha do original em alemão:
“Herder meinte, ein Volkslied spiegele die Sitte, Denkart und die Sprache eines Volkes wider.”
Referências
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Companhia das Letras, 1989.
FIGUEIREDO, Sandro. A questão identitária alemã refletida em canções. 2014. Tese (Doutorado
em Língua e Literatura Alemã) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2014.
DE CERTEAU, Michel; JULIA, Dominique. A beleza do morto: o conceito de cultura popular. In: REVEL,
Jacques. A invenção da sociedade. Tradução de Vanda Anastácio. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989. p. 49-75.
HAUPTMANN, Cornelius et al. Volkslieder: Die schönsten deutschen Volkslieder. Stuttgart: Carus
Verlag, 2010.
ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas: cultura popular. São Paulo: Olho D'água, 1992.
Walter Benjamin
6 “Seu livro vai nos agitar como um sonho, mas um sonho mais claro do que aqueles que sonhamos a
dormir e cuja lembrança vai durar mais tempo.” (PROUST, No caminho de Swan, 1987, p. 87).
7 BENJAMIN, Magia e técnica, arte e política, 1994, p. 39.
8 BENJAMIN, Magia e técnica, arte e política, 1994, p. 40.
9 BENJAMIN, Magia e técnica, arte e política, 1994, p. 224.
10 PROUST, O caminho de Guermantes, 2007, p. 454.
11 BENJAMIN, Passagens, 2006, p. 504.
12 BENJAMIN, Passagens, 2006, p. 515.
Benjamin e Proust 65
no presente da madeleine. A história, para Benjamin, é anacrônica. Um
passado que se perde a todo instante para recuperá-lo como perdido.
Isso diria também respeito à melancolia que, como um véu,
perpassa as páginas de Proust, pois, levando a sério a noção da
temporalidade crítica a que se submete a história pela imagem, segundo
Didi-Huberman, somente assim é possível viver essa história – como “um
trabalho de luto e uma evocação sem esperança da coisa perdida”.13 O
mesmo autor vai definir a imagem que surge interrompendo o curso do
progresso histórico, forma originária, como um sintoma. Pois, os tempos
que sobrevivem como fósseis não estão mortos de todo, “são tempos
escondidos bem debaixo dos nossos passos e que ressurgem, fazendo
tropeçar o curso de nossa história”.14 Estaria Didi-Huberman pensando
no tropeço do narrador proustiano na casa dos Guermantes que o fez
relembrar, como um lampejo, Veneza perdida?
O passado, o objeto perdido, o amor, a imagem – tudo se
apresenta em Proust, para Benjamin, numa fantasmagoria que encontra
correspondência no mundo onírico das mercadorias, do ponto de vista
social, e no mundo intersubjetivo, do ponto de vista psíquico. A imagem
dialética aproxima a forma do tempo histórico e sua visualização, mas
também o não-pensado que se apresenta como forma inconsciente do
sintoma dessa mesma história. Nesse ponto, os detalhes do narrador
articulam, a um só tempo, psicanálise, história e linguagem na estrutura
sintomática da imagem dialética.
O historiador dialético, para Benjamin, deve “erguer as grandes
construções a partir de elementos minúsculos, recortados com clareza e
precisão. E, mesmo, descobrir na análise do pequeno momento individual
o cristal do acontecimento total”.15 Seu pensamento funciona também
como a forma narrativa de Proust, na qual os objetos revelam a época
no microcosmos da alta sociedade. O que parece decisivo em Benjamin
é que ele reivindica, para a teoria, um certo estatuto análogo à estética.
Nesse sentido, assim entendemos a passagem de Rancière, segundo a
qual nas coisas e objetos “Nelas são lidos os sintomas dos novos tempos,
16 RANCIÈRE, Politique de la littérature, 2007, p. 29. Tradução minha do original em francês :“on y lit
des symptômes des temps nouveaux, on y reconnaît les débris de mondes écroulés, on y reencontre
l’équivalent des divinités mythologiques défuntes”.
17 BENJAMIN, Passagens, 2006, p. 528.
18 BENJAMIN, Passagens, 2006, p. 506.
Benjamin e Proust 67
Para a história, a realidade nada tem de real, senão como uma
experiência extremamente perigosa. O rosto surrealista a que almeja
Benjamin é a expressão violenta da latência da realidade escondida por
uma suposta normalidade. O inimigo dessa visão da irrealidade dentro
da realidade – do rosto surrealista – é a filosofia do progresso que
experimenta a história como um tempo morto – sem reminiscência, sem
perturbações e sem renascimentos. Benjamin é dialético até o fim e,
como Proust, acredita na “indestrutibilidade da vida suprema em todas
as coisas”.19
Se seguirmos seu pensamento, chegaremos à ideia de que
o moderno é “o tempo do inferno”.20 É o mundo do sempre-igual, no
qual, contraditoriamente, “o mais novo permanece sempre o mesmo em
todas as partes”.21 O homem deve, com todas as forças, compreender
a realidade infernal da modernidade. Assim, “determinar a totalidade
dos traços em que se manifesta o ‘moderno’ significaria representar o
inferno”.22 O problema da filosofia em Benjamin é necessariamente o
problema da sua apresentação. Como na linguagem apresentar uma
realidade histórica? Ora, o primeiro passo é aplicar à história o princípio
da montagem que constrói a imagem em sua dialética.
Dessa maneira, penso a função de uma dialética das imagens, nas
palavras de Didi-Huberman:
Uma imagem em crise, uma imagem que critica a imagem – capaz
portanto de um efeito, de uma eficácia teóricos –, e por isso uma
imagem que critica nossas maneiras de vê-la, na medida em que,
ao nos olhar, ela nos obriga a olhá-la verdadeiramente. E nos
obriga a escrever esse olhar, não para “transcrevê-lo”, mas para
constituí-lo.23
Benjamin e Proust 69
da memória involuntária, tudo isso – acredito – se encerra na forma
crítica das imagens. Com isso, procura-se seguir os passos deixados por
Walter Benjamin, para quem a obra proustiana não é apenas um influxo
estimulante, mas também um operador dialético de seu pensamento. O
próprio Benjamin, nos esboços à sua teoria sobre o conceito de história,
elabora a imagem de um “olhar primordial sobre os começos”.29 Este é o
olhar do narrador proustiano. Não um olhar sobre os começos primordiais,
que nos remete a um recuo ao passado genético, mas um olhar original,
que reconhece, no presente, as marcas insistentes do passado que não
cessam de nos olharem. Este seria, para Benjamin, a “quinta-essência do
conhecimento histórico”.30 Daí que, para mim, o olhar de Proust para as
coisas produz uma verdadeira dialética das imagens na história.
O que nas páginas de Proust penetrou intensamente em Benjamin,
de modo a orientar seu pensamento sobre a história a partir da imagem?
Em poucas palavras, basta dizer que, em sua visão da história, persiste
uma imagem dialética que deve ser definida como a memória involuntária
da humanidade redimida.
Referências
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; Imprensa Oficial de São Paulo, 2006.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010.
PROUST, Marcel. No caminho de Swan. In: PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. Trad.
Mário Quintana. Rio de Janeiro: Globo, 1987. v. 1.
SIMMEL, Georg. Ensaios sobre teoria da história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.
Nicanor Parra
Walter Benjamin
1
Ao publicar o livro Poemas y antipoemas, no ano de 1954, Nicanor Parra
introduz no léxico da poesia latino-americana o conceito de “antipoesia”
nos leva a perguntar o que ele considera antipoesia e como devemos
distingui-la da poesia. Não devemos, assim, considerar a antipoesia
como oposição à poesia “em geral”. Não podemos pensar algo como uma
oposição a toda poesia “já feita” ou ao “estado histórico” da poesia como
um todo. Por mais que os antipoetas imprimissem marcas dessa procura
nos seus textos e manifestos, a visada geral e de longo alcance possui
antes um efeito de choque do que um efeito teórico. Por essa razão, antes
de validarmos a crítica generalizante à “poesia”, precisamos designar
que os “antipoemas” nascem como uma crítica à determinada forma de
poesia.
O conceito de “antipoema” não aparece unicamente no Chile e na
obra de Nicanor Parra. Podemos encontrá-lo tanto na obra dos irmãos
Campos, no Brasil, quanto na obra do polonês Tadeusz Rósewicz, por
exemplo, demonstrando que sua natureza privilegia, às vezes, uma
ruptura estética e, outras vezes, uma ruptura ética em relação a um certo
tipo de poema tradicional e seu vínculo com o mundo e a linguagem.
Os poetas do concretismo levariam o antipoema para uma abolição
da sintaxe e a uma inclinação do verbal para o visual, tomando distância
da gramática afetiva da lírica moderna. O projeto concretista se lança
à altura de um salto estético para além da língua. Ele ultrapassa a
fronteira e procura uma estética onde a palavra possa ser ancorada na
sua visualidade. O grau de ruptura com o “poema” levou tais trabalhos a
essa nomeação de “antipoemas”.
Tadeusz Rózewicz defende outro modo de antipoesia. Não há abolição
da sintaxe nem, tampouco, protagonismo da visualidade. Em Rósewicz
os poemas devem ser feitos a partir de “palavras desinteressantes”1
porque “uma das premissas” da sua poesia é “certo desgosto para com
a poesia”2 – desgosto que resulta da indiferente continuidade formal
da lírica no antes e depois da Segunda Guerra. Na sua obra insiste a
procura de um “prosaico” levado até o limite do irredutível, capaz de fazer
registros históricos do cotidiano, como um testemunho direto da vida,
sem referências na lírica. Nisso podemos deduzir, rapidamente, que as
preocupações da antipoesia de Rósewicz são antes preocupações éticas
do que, particularmente, uma pesquisa estética.
Mas o modelo de “ruptura” por detrás do antipoema, seja em
Nicanor Parra ou Tadeusz Rósewicz, localiza-se nas vanguardas do início
do século XX, particularmente no dadaísmo. Isso não ocorre porque
os antipoemas mimetizam a forma dadaísta ou porque reproduzem o
seu grau de ruptura. A centralidade do dadaísmo parte de sua ânsia
romântica em expandir o objeto artístico até o não-artístico, tornando
ainda mais irrestritas as possibilidades de aparência formal: “A arte não
possui esse valor celestial e geral que gostam de lhe atribuir. A vida é
muito mais interessante”.3 Esse novo parâmetro regulador do aceitável e
do não aceitável foi assimilado, na poesia do ocidente, como um contínuo
tensionamento nos limites do poema.
Na análise de Walter Benjamin, o dadaísmo “tentou criar, com os
meios da pintura (e da literatura), os efeitos que o público hoje em dia
procura no cinema”.4 Já podemos supor nessa observação uma neces-
sidade do poema em extrapolar sua forma específica, como se a forma
do poema não mais comportasse as suas próprias exigências, assim
como uma “virada” na perspectiva do poeta “simbolista”, cuja intenção
2.
Por não manter uma tradição imediata à qual se reportar, o antipoeta
necessita contagiar-se pela realidade circundante. Assim, encontraremos
no discurso da antipoesia todo um elogio ao realismo da vida e às
palavras realmente “úteis”, utilizadas pelas pessoas comuns, por aqueles
9 PARRA, Poetas de la Claridad, 2009, p. 183. Tradução minha do original em espanhol: “a la postre, no es
otra cosa que el poema tradicional enriquecido con la savia surrealista”.
10 BENJAMIN, O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia, 2012, p. 26.
3.
Tempos modernos
23 SAFATLE, O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo, 2016, p. 119.
24 PARRA, El último apaga la luz: obra selecta, 2017, p.270. Tradução minha do original em espanhol:
“Atravesamos unos tiempos calamitosos/ imposible hablar sin incurrir en delito de contradicción/
imposible callar sin hacerse cómplice del Pentágono.//Se sabe perfectamente que no hay alternativa
posible/ todos los caminos conducen a Cuba/ pero el aire está sucio/ y respirar es un acto fallido./
El enemigo dice es el país el que tiene la culpa/ como si los países fueran hombres./ Nubes malditas
revolotean en torno a volcanes malditos/ embarcaciones malditas emprenden expediciones malditas/
árboles malditos se deshacen en pájaros malditos:/ todo contaminado de antemano”.
25 BRECHT apud DIDI-HUBERMAN, Quando as imagens tomam posição: o olho da história, I, 2017, p. 167.
26 PARRA, El último apaga la luz: obra selecta, 2017, p. 318. Tradução minha do original em espanhol: "el
poeta maldito/ se entretiene tirándole pájaros a las piedras”.
27 PARRA, El último apaga la luz: obra selecta, 2017, p. 102. Tradução minha do original em espanhol:
“Ya no me queda nada por decir/ Todo lo que tenía que decir/ Ha sido dicho no sé cuántas veces”.
28 DIDI-HUBERMAN, Quando as imagens tomam posição: o olho da história, I, 2017, p. 119.
29 BENJAMIN, 2003 apud DIDI-HUBERMAN, Quando as imagens tomam posição: o olho da história, I, 2017,
p.119. BENJAMIN, Essais sur Brecht , 2003. p. 155 (carta de 21 de maio de 1934).
30 PARRA, El último apaga la luz: obra selecta, 2017, p.182. Tradução minha do original em espanhol: “El
pequeño burgués no reacciona/ Sino cuando se trata del estómago.”
31 BENJAMIN, O surrealismo: o último instantâneo da inteligência europeia, 2012, p. 34.
Referências
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Cosac Naify, 2007.
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SARTRE, Jean-Paul. Que é a literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 2004.
A Amazônia imaginada
Cronistas viajantes exerceram papel importante na revelação do espaço
amazônico ao mundo. Sobre eles, Neide Gondim menciona que “essa
natureza grandiosamente avassaladora, em algum momento fez com
que esses homens parassem e a escutassem”.2 Por meio deles e de
Referências
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CUNHA, Euclides da. À margem da história. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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PIZARRO, Ana. Imaginario y discurso: la Amazonia. In: JOBIM, José Luís et al. Sentido dos lugares.
Rio de Janeiro: ABRALIC, 2005. p. 130-149.
9 v. 845. Tradução do original em grego:" ou gàr génoit’ àn heîs ge toîs polloîs ísos".
10 SEGAL, Time and Knowledge in the Tragedy of Oedipus, 1995, p. 145.
11 SISSA, A Thetrical Poetics: Recognition and the Structural Emotions of Tragedy, 2006, p. 59. Tradução
minha do original em inglês: “If we look at all the means of recognition Aristotle mentions as less
elegant than the one chosen by Sophocles to conclude his plot (that is tokens, contrivances of the
poet, memory, inference), we can see that, in fact, they are there in the play as well. But they
remain (so to speak) available, as merely possible narrative solutions. First of all, there are the scars
engraved on Oedipus’ feet. Before the arrival of the messenger from Corinth, nobody seems to have
seen them. Second, there is what Teiresias sees and almost says, but does not spell out clearly enough
for Oedipus to understand. Third, there is the erratic memory of Oedipus who recollects at least twice,
by listening to Teiresias’ ‘riddles‘ and to Jocasta’s reminiscence about the oracle and laio’s death. And,
finally, with the accumulation of all these clues, there is both for Oedipus and Jocasta, the constant
possibility of putting two and two together and inferring the truth. Sophocles’ plot brings Oedipus as
close as possible to so many opportunities, only to let him miss them all”.
Referências
FOUCAULT, Michel. 2ª conferência. In: FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas.
Tradução de R. Machado e E. J. Moraes. Rio de Janeiro: Nau, 1996. p. 29-51.
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Theater. Baltimore: London: The John Hopkins University Press, 1986. p. 96-111.
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A Journal of Humanities and the Classics Third Series, vol. 14, nº1, Boston: Trustess of Boston
University, (spring – summer, 2006), p. 35-92.
SOPHOCLES. Oedipus rex. Edited by R. D. Dawe. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
Se o cinema não for feito para traduzir os sonhos ou tudo aquilo que
na vida desperta assemelha-se ao domínio dos sonhos, o cinema não
existe.
Antonin Artaud
Jean Cocteau
Introdução
Ritual é mídia. O ritual tradicional, normalmente associado às sociedades
ágrafas, é a fonte primordial das mídias modernas. O estudioso russo
Pavel Florensky já o demonstrara em seu texto “O ritual religioso como
síntese das artes”,1 ainda sem tradução em português. Em “A natureza
multimidiática do ritual e sua realidade atual em contato com as novas
mídias”, abordei o assunto em viés próprio.
Em âmbito cibernético, o ritual é fundamental para o significado,
para o conhecimento. Organismos cibernéticos (humanos, animais e
tecnológicos) ritualizam como método de aprendizado. Ações repetitivas
auxiliam na afixação do conhecimento, reafirmam o que é importante,
dão teor de verdade às abstrações. São a reafirmação concreta, palpável,
do caráter espiritual das coisas. São, em termos semióticos, a fatura do
significante do significado. O ritual é, assim, uma maneira de organizar
o caos em conhecimento utilitário: “o organismo se opõe ao caos, à
desintegração, à morte, da mesma maneira por que a mensagem se opõe
ao ruído”.2
A mídia, como mecanismo de troca de informação, mesmo estética,
é palco para rituais diversos. Toda linguagem tem seus ritos. Clichês e
demais fórmulas e procedimentos sedimentados de linguagem são fatos
Poética onírica
Entre os índios Maxakali ou Tikmû’ûn, as imagens experimentadas
no sonho costumam ser trazidas ao âmbito dos rituais. Quando, por
exemplo, um Maxakali sonha com os mortos, significa que estes o
querem levar ao seu mundo, ao hãmnõy, a “outra terra”, que é onde
vivem os yãmîy, seus espíritos. Os yãmîy são muitos e diversos. São
virtualmente qualquer coisa. Podem ser humanos, animais ou objetos. Os
yãmîy são produto do koxuk, a alma. Os vivos têm koxuk, os mortos têm
yãmîy. Segundo Popovich,3 as almas (koxuk) “podem temporariamente
se separar do corpo” para realizar andanças. “Os sonhos também são
andanças da alma”. Para os Maxakali, dentre outras situações, quando
a alma em tais andanças não encontra o caminho adequado de volta ao
corpo, tem-se a doença, a possibilidade de morte. “Como os antropólogos
já observaram, um dos acidentes mentais mais comuns entre os povos
primitivos é o que eles chamam ‘a perda da alma’ – que significa,
como bem indica o nome, uma ruptura (ou, mais tecnicamente, uma
dissociação) da consciência”.4 Max (pronuncia-se algo como baí) é a
palavra que designa o ideal Maxakali. Ela significa várias coisas, mas tem
um sentido geral de positividade. Bom, belo, feliz e saudável são algumas
de suas nuances. Para o Maxakali, estar saudável é estar feliz. A noção
psicossomática é óbvia. Assim como para o Araweté,5 para os Maxakali,
ao morrer, tornar-se yãmîy é tornar-se canto, música, harmonia. E não
o desarranjo, a cacofonia do urro selvagem, o apodrecimento da carne,
que acontece com Inmõxã.6 De acordo com a concepção cibernética de
Wiener, o yãmîy, em contraposição ao Inmõxã, é uma reorganização
Yoooooo Haiiii
Ûgnõy xeka te kãyãta xeka yûm
Pi tu hãmki mõg hãmki mõg
Ûgnõy xeka te kãyãta xeka yûm
Pi tu hãmki mõg hãmki mõg
Yoooooo Haiiii13
Por fim Joviel “usou” o canto para curar sua filha Rosineuda
cantando-o em um ritual yãmîyxop de cura para ela. Depois disso, ele
o deu de presente para Noêmia, mãe de Sueli, pois “ele já tem muitos”,
diz Sueli. Noêmia, por sua vez, depois de algum tempo, deu o canto
para Elisângela, sua filha caçula, pois esta “sabe cozinhar bem, rápido, e
Noêmia já está ficando velha”, completa Sueli.
O sonho de Joviel transformado em canto e usado para curar é
apenas uma das facetas de um processo que fica mais explicitado em
22 Educador indígena do Pueblo de Santa Clara no Novo México, Estados Unidos, professor do College
of Education da Universidade do Novo México, e diretor do Native American Studies da mesma
universidade.
23 CAJETE, Look to the Mountain: an Ecology of Indigenous Education, 1994, p. 143. Tradução minha do
original em inglês: “Dream and Vision are an integral dimension of artistic creation. For Indigenous
people, there exists a huge body of belief regarding the nature of dreams and visioning. This body
of belief is itself very ancient, with its roots first being reflected thousands of years ago during the
creative explosion of the upper Paleolithic. This is when both Neanderthals and Cro-Magnon first
began imaging their dreams on cave walls and in clay, wood, and stone. Of this diverse and extensive
body of belief, the understanding that dreams represent the life of our spirit is the most commonly
held and represented. A foundation of Lakota spiritual belief is that seeking a vision through the
execution of proper rituals, fasting, and sacrifice brings one into contact with the dream world and the
spiritual energy contained therein.”
24 RISERIO, Textos e tribos: poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros, 1993, p. 158.
25 CAJETE, Look to the Mountain: an Ecology of Indigenous Education, 1994, p. 144. Tradução minha do
original em inglês: “Indeed, Indian dreamers within a social context that valued dreams, developed
extensive abilities to plan and manipulate the content of their dreams toward desired outcomes. In
every tribe there were cultural and social rewards for dreams that helped the people. And through
rewarding culturally significant dreams, Indians reinforced the role of dreaming in the fabric of their
social/cultural being. With such incentive, Indian dreamers actively sought to catch hold of any dream
song or dream object that might symbolize an aspect of the deepest sense of themselves or of the
people, their tribe or clan. It was through such dreams and visions that Indians created meaningful
personal and group rituals, ceremonies or customs, many of which continue to be enacted today.
Indians also gave their dreams creative waking form through art, song, dance, poetry, ritual, or
ceremony. It is through art that Indian people continue to communicate their dreams today.”
26 CAJETE, Native Science: Natural Laws of Interdependence, 2000, p. 67. Tradução minha do original
em inglês: “Stems from a deeply held philosophy of proper relationship with the natural world that is
transferred through direct experience with a landscape, and through social and ceremonial situations
that help members or a tribe learn the key relationships through participation.”
27 CAJETE, Native Science: Natural Laws of Interdependence, 2000, p. 71. Tradução minha do original
em inglês: “Are a natural means for accessing knowledge and establishing relationship to the world.”
28 CAJETE, Native Science: Natural Laws of Interdependence, 2000, p. 71. Tradução minha do original
em inglês: “Native science begins with setting forth specific intentions to seek knowledge from
participation with the natural world and then exploring intuition and creative imagination. These
are foundations of the metaphoric mind - the mind without or before words - a natural tendency all
people intuitively exhibit when confronted with learning and knowledge. Native science builds on and
encourages this creative and instinctual way of learning.”
29 PEIRCE, Semiótica, 2005, p. 309.
Referências
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Dissertação (Master of Arts) – Universidade do Novo México, Nove México, 2004.
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de Pós-Graduação em Estudos Literários) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas
Gerias, Belo Horizonte, 2010.
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37 GLEICK, The Information: a History, a Theory, a Flood, 2011, p. 48. Tradução minha do original em
inglês: “The ideal of communication is a meeting of souls” […] “face-to-face human intercourse, alive
with gesture and touch – engages all the senses, not just hearing.”
38 LÉVI-STRAUSS, Pensamento selvagem, 1989.
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PEIRCE, Charles S. Semiótica. Tradução de José Teixeira de Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva,
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RANCIÈRE, Jacques. As distâncias do cinema. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:
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RISÉRIO, Antônio. Textos e tribos: poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros. Rio de Janeiro:
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WIENER, Norbert. Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos. Tradução de José
Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1968.
Dizer que fui visitado sem qualquer convite pelos nove poemas
aqui reunidos ajusta-se rigorosamente à verdade. Certo é que uma
grande parte da minha obra ficcional a partir de Don Julián é simul-
taneamente prosa e poesia. O ritmo das vozes narrativas responde
às disposições do leitor dotado de ouvido literário e musical, razão
pela qual a sua leitura ideal seria uma audição, a escuta do texto
em voz alta. Certo é também que no fim do romance El sitio de
los sitios figuram como appendicula dois poemários de conteúdo
muito distinto. Mas, nesse caso, foram escritos em resposta às
exigências da trama argumental em torno da dupla personagem
misteriosamente desaparecida. A poesia foi assim criada em função
de algo alheio ao seu próprio impulso.2
Ardores
1
Ardor de la contemplación.
Cráneo tallado por un dios,
rostro y trabazón corporal imaginados
al hilo de una vida.
El timbre incendiario de su voz.
¿Fue verdadero el lance?
Como dijo el verdugo ante la pira,
tan solo alumbra aquel que arde.
Referências
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Filho e Dirlenvalder do Nascimento Loyolla. Florianópolis: Ed. UFSC, 2015.
SLOTERDIJK, Peter. Morte aparente do pensamento. Trad. Carlos Leite. Lisboa: Relógio D’Água, 2014.
SLOTERDIJK, Peter. The Art of Philosophy: Wisdom as a Practice. Translated by Karen Margolis.
New York: Columbia University Press, 2010.
SLOTERDIJK, Peter. You Must Change Your Life. Translated by Weiland Hoban. Cambridge: Polity
Press, 2013.
3 STIVALE, Mythologies Revisited: Roland Barthes and the Left, 2002, p. 472.
Semiologia do mito
Mitologias, lançado em 1957, é um importante marco no pensamento cul-
tural francês por analisar produtos culturais “menores” com rigor – é pos-
sível afirmar – científico, ao passo que avança na proposição semiológica/
estruturalista que ganharia corpo na década seguinte, formulando, ainda,
proposições políticas “proto-marxistas”.4 A novidade do gesto barthesiano
reside na conjunção desses movimentos em ato único: partindo de uma
análise semiológica de fenômenos variados, Barthes expõe os artifícios
semiológicos de uma cultura dominante que visa naturalizar seus valores
e crenças.
Em “O mito, hoje”, ensaio escrito em 1956 que fecha Mitologias,
Roland Barthes define o mito como um sistema semiológico. Entretanto,
diferentemente da língua, por exemplo, o mito é um sistema semiológico
de segundo grau, que se utiliza de um sistema previamente estabelecido
para se formar:
Pode-se constatar, assim, que no mito existem dois sistemas se-
miológicos, um deles deslocado em relação ao outro: um sistema
linguístico, a língua (ou os modos de representação que lhe são
comparados), que chamarei de linguagem-objeto, porque é a lin-
guagem de que o mito se serve para construir o seu próprio sistema;
e o próprio mito, que chamarei de metalinguagem, porque é uma
segunda língua, na qual se fala da primeira.5
4 STIVALE, Mythologies Revisited: Roland Barthes and the Left, 2002, p. 459.
5 BARTHES, Mitologias, 2009, p. 206.
20 BARTHES, Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos, 2013, p. 7.
21 BARTHES, Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos, 2013, p. 13.
22 BARTHES, Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos, 2013, p. 35-36.
Mitologia da metalinguagem
Por fim, é preciso ressaltar a crítica à metalinguagem operada nestes dois
cursos, que se relaciona diretamente com o modelo dramático brechtiano,
como componente central das mitologias tardias de Barthes. Tanto em
Fragmentos de um discurso amoroso quanto em Como viver junto, o autor
deixa evidente sua escolha por procedimentos não metalinguísticos de
compreensão dos fenômenos estudados, como na citação já mencionada
acima em Fragmentos: “escolha do método ‘dramático’, que renuncia
aos exemplos e repousa unicamente na ação de uma linguagem primeira
(nenhuma metalinguagem)”.24 E de modo muito próximo em Como viver
junto: “Esse método de traços concerne, evidentemente, a uma certa
política […]: a que pretende descontruir a metalinguagem”.25
Roland Barthes opera, assim, uma radicalização de seu procedimento
mitológico. Se a crítica em seu livro de 1957 se voltava a certo tipo de
metalinguagem, que servia à ideologia dominante, se utilizando de
procedimentos semiológicos sofisticados; nos anos 1970, a preocupação
barthesiana sai do nível ideológico e passa a se empenhar em uma questão
de linguagem: da crítica a certa metalinguagem, Barthes passa a refutação
da metalinguagem, tanto no âmbito da produção quanto da recepção.
Apesar de evidentes nuances que mereceriam um estudo à parte,
existe uma tendência no pensamento barthesiano em formular noções
23 BARTHES, Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos, 2013, p. 243.
24 BARTHES, Fragmentos de um discurso amoroso, 2003, p. 17.
25 BARTHES, Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos, 2013, p. 39.
Referências
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Nova Fronteira, 1990.
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Janowitzer. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
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Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 6. ed. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2015.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Com Roland Barthes. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
SONTAG, Susan. Questão de ênfase: ensaios. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2005.
STIVALE, Charles J. Mythologies Revisited: Roland Barthes and the Left. Cultural Studies.
London, v. 16, n. 3, p. 457-484, 2002. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/
abs/10.1080/09502380210128333>. Acesso em: 22 nov. 2018.
Introdução
A figura das Musas está presente em diversas obras da literatura grega
antiga, sendo elas amplamente reverenciadas e homenageadas. Seu vasto
poder resultou em diferentes tipos de cultos e sua representatividade
ainda é foco de inúmeros trabalhos entre os estudiosos contemporâneos.
Dentre as obras mais aclamadas na antiguidade e nos períodos posteriores,
encontramos os poemas de Homero, fonte de diversas passagens que
mencionam as Musas e que nos proporcionam um vasto conteúdo para o
estudo das divindades. Nas epopeias homéricas, também nos deparamos
com a relação íntima entre aedos e Musas. Tendo os aedos como forma
de conexão com o mundo mortal, a relação entre as deusas e os cantores
estrutura uma das esferas fundamentais que compõem o mundo grego
antigo.
O principal elemento que relaciona Musa, aedo e os poemas
homéricos é representado pela tradição oral. Durante o período da
história da Antiguidade Grega em que a escrita era inexistente, a poesia
oral se tornou o instrumento de conservação da identidade de grupo,
pois, na ausência de registros escritos, ela era a única capaz de fazer
recordar e reutilizar as tradições gregas. O aedo tornou-se, portanto,
o responsável pela preservação e transmissão da visão de mundo e
consciência da própria história dessa sociedade. Era através do canto
do aedo que o homem comum se via capaz de romper as fronteiras
geográficas e temporais que o prendiam e entrar em contato com outros
mundos, homens e deuses de um tempo que seria inacessível não fosse
o canto que o carregava. É na palavra oral transmitida pelo aedo que
encontramos uma parcela significativa do conhecimento atual acerca da
sociedade grega antiga.
O ofício do aedo
Representantes das Musas no mundo humano, os aedos são os responsá-
veis por colocar em prática o ofício das deusas. Em Homero, o canto des-
ses profissionais possui duas funções principais: proporcionar distração e
divertimento e promover o esquecimento dos problemas e das limitações
da vida humana. Para além da performance diante de uma plateia, em
Referências
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Prolegômenos teóricos
Ian Watt,4 ao conceituar o realismo formal, diz que o romance é o gênero
moderno por excelência, centralizador do problema da representação
realista a ponto de diferençar-se dos modelos narrativos anteriores por-
que permite imitação mais imediata da realidade que as demais for-
mas literárias. Tal realismo consiste no modo como o romance engendra
representação circunstancial da vida na ficção por meio de um conjunto
de técnicas estéticas que raramente se apresentam em outros textos com
alguma narratividade.
No entanto, o romance inicial, dos séculos XVIII e XIX, repetia
a noção de representação enquanto imitação de um mundo orgânico e
homogêneo em que os fatos se conectam conforme a lógica da verossi-
milhança clássica, sendo causas e consequências uns dos outros e dando
à sua sequência uma noção de totalidade transcorrida em um espaço
inteiro e estático. É só com a problematização desse modo tradicional de
representar que se começa a tentar entender e conceber o efeito repre-
sentacional e sua relatividade. Apenas quando se questiona a organici-
dade e homogeneidade da representação do real e entende-se que este
não é acessível, sendo representável, somente as maneiras de percebê-
-lo, é que se pode falar no efeito representacional moderno. Mudança que
corresponde à crise da representação.
4 WATT, A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding, 2010, p. 12-36.
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Octavio Paz
20 ECO, Lector in fabula: a cooperação interpretativa nos textos narrativos, 2002, p. 64.
21 ZUMTHOR, Performance, recepção, leitura, 2014, p. 79.
22 ZUMTHOR, Performance, recepção, leitura, 2014, p. 75.
27 BAUMAN; BRIGGS, Poética e performance como perspectiva crítica sobre a linguagem e a vida social,
2006, p. 200.
28 Grifos do autor.
29 ZUMTHOR, Escritura e nomadismo: entrevistas e ensaios, 2005, p. 141.
30 ZUMTHOR, Escritura e nomadismo: entrevistas e ensaios, 2005, p. 146.
Referências
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5 Carta para Manuel Bandeira, 17 de fevereiro de 1948, datiloscrita. Acervo Vinicius de Moraes. Série
Correspondência Pessoal. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa (Grifo do autor).
6 Carta para Vinicius de Moraes, 12 de março de 1948, manuscrita. Acervo Vinicius de Moraes. Série
Correspondência Pessoal. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa.
7 O caso em análise parece exemplificar, portanto, a consideração de Sérgio Miceli, que, lendo o ensaio
Modernidade periférica, de Beatriz Sarlo, vê uma diferença entre os intelectuais os brasileiros e os
argentinos: “Os argentinos nunca lograram se subtrair às oportunidades de trabalho e de ganho na
imprensa; os brasileiros foram brindados com posições funcionais destacadas nos altos escalões do
serviço público federal”. (MICELI, O enigma portenho, 2010, p. 16).
8 HABERMAS, Mudança estrutural da esfera pública, 2014, p. 270.
Referências
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de Rui Barbosa, Rio de Janeiro.
3 ORTIZ, Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX, 1985.
4 RIBEIRO, Viva o povo brasileiro, 1984, p. 467-468.
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Letras Hoje, Porto Alegre, v. 25, n. 3, set. 1990, p. 61-74.
1 Para este ensaio, passei ainda por leituras como os textos de Elcio Lucas (2010), Joca Reiners Terron
(2015), Raduan Nassar (2015), Rogério Barbosa da Silva e Andréia Shirley Taciana de Oliveira (2015);
e, principalmente, Mário Alex Rosa (2012, 2013 e 2015), Daniel Bilac (2015) e Luciana Tonelli (2015), os
quais discutiram a elaboração do sujeito-lírico joviniano. Muitas outras leituras também ficaram de
fora, talvez por amnésia alcóolica do ensaísta.
Tim! Tim! Esse meu texto, antecipadamente bêbado, tropeçou
numa ideia e veio aqui pensar algumas questões presentes nas Sobras
completas. É que lembrei como é recorrente no percurso do escritor noções
como as de sobra, inutensílio, caco, fragmento, fratura. Não está apenas
no título publicado, em 2015, pela Guayabo Edições, naquele volume de
capa rosa apresentando mulher e cerveja, páginas variando cores e lá vou
eu novamente cambaleando o assunto. Mas eu ia dizendo que não falta a
noção de “sobra” nas obras quase completas de Jovino Machado. Em um
dos seus primeiros livros já constava este:
Caco de sonho
Cirrose
5 Paulo Leminski em carta enviada a Antonio Risério, publicada em A linha que nunca termina: pensando
Paulo Leminski, 2004, p. 363.
6 Sobre a noção de sujeito-lírico desdobrado, cf. COMBE, A referência dobrada: o sujeito lírico entre a
ficção e a autobiografia, 2009-2010.
7 MACHADO, Sobras completas: obra revisada e reunida, 2015, p. 354.
servir quente.
ideal para os dias de inverno.
bom para curar aquele mal-estar
causado pelas bebedeiras.8
ontem chorei
hoje chorinho
amanhã chop9
o tédio na banheira
é o intervalo
entre a ressaca
e a próxima bebedeira10
a vida é careta
você pula do acaiaca
eu bebo no maletta12
quis
kiss16
o haicai
Falecida manhã
de manhã cedinho
perdi meu amorzinho
e fiquei com meu lutinho17
feche o cruzamento18
Coração 2
Coração 3
1888
nietzsche21
deus22
A divina comédia
[…]
Candomblezado
jovino machado
36 anos
signo de leão
roupas pretas
jornal na mão
sábado à noite
dentro de um táxi
sem ter para onde ir25
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Introdução
Ao estudar os textos críticos de Walter Benjamin a respeito da obra de
Bertolt Brecht, especialmente “Bert Brecht”1 e “O que é o teatro épico?”,2
percebemos uma proposta comprometida com o enfrentamento das forças
atuantes no momento da ação, seja a ação da escrita, seja a ação cênica
empreendida pelo referido poeta. A leitura de Benjamin é tomada como
um testemunho da construção do teatro épico; mas também como refe-
rencial crítico para ele, tendo em vista que ela colaborou com sua progres-
siva (re)elaboração.
Erdmut Wizisla, no livro Benjamin e Brecht: história de uma ami-
zade, destaca como Brecht foi um divisor de águas para Benjamin. Quando
os dois se conheceram, Benjamin, que havia traçado planos, com o amigo
Gershom Scholem, para aprender hebraico e passar uma temporada em
Jerusalém, abandona o curso que iniciara e decide permanecer com seus
estudos de literatura alemã. Pontua o autor que “toda a esfera de ação do
poeta significavam, para o crítico, o maior desafio que se havia apresen-
tado a ele até aquele momento, ensejando-lhe a possibilidade de se con-
centrar em um dos eixos do trabalho que realizara até então”.3
Brecht, por sua vez, recebeu com aprovação a crítica produzida por
Benjamin, o que merece ser destacado, se considerarmos a ressalva que
O reencontro
“Quem detém o saber não pode lutar; nem dizer a verdade; nem
prestar um serviço; nem deixar de comer; nem recusar honrarias;
nem dar na vista. Quem detém o saber possui, de todas as virtudes,
apenas uma: ele detém o saber”, disse o sr. Keuner.”
Conclusões
A recepção contemporânea de Brecht, ao se valer da leitura empreendida
por Benjamin, encontra um testemunho e um referencial crítico. O
autor é um contraponto para o lugar de fala de Brecht, uma vez que
observa seu teatro de outro ponto de vista. Brecht escreve para o teatro,
Benjamin escreve sobre o teatro. Poeta e crítico iluminam reciprocamente
os lugares de onde falam e solicitam um esforço de leitura intertextual
pelo intérprete.
O teatro épico mostra as forças operantes no momento da ação,
através do destaque que confere ao gesto. Benjamin foi testemunha das
forças sociais em movimento à época da construção da dramaturgia e
teoria brechtiana, e da maneira como elas operavam no trabalho em
curso, servindo assim como referencial para se compreender as escolhas
realizadas pelo teatro épico e o progressivo aprimoramento de sua forma.
14 BRECHT, Pequeno Organon para o teatro: Estudos sobre Teatro, 2005, p. 146.
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Transespaços
Luis Alberto Brandão (Org.)