O Respeito A Diversidade Etnica e Cultural Dos Alunos
O Respeito A Diversidade Etnica e Cultural Dos Alunos
O Respeito A Diversidade Etnica e Cultural Dos Alunos
RESUMO
1
EMEF Bernardo Higgins.
ABSTRACT
The main objective of this work is the recognition of ethnic and cultural diversity of a group of 9th elemen-
tary school students of a municipal school in the city of São Paulo. It lies in the field of Humanities, having an
exploratory nature, characterized by an intervention project in the field of Human Rights Education. From that,
we realized that a simple change in the “school form”, within the restricted environment of a standardized
school class room, enabled the expansion of the network of collaborative relationships among students.
KEY WORDS:
Human rights. Ethnic and cultural diversity. Intervention Project.
to do Índio ainda são insuficientes para conter a vio- dos alunos em “pequenos grupos”, na segunda eta-
lência, como no crime perpetrado contra o índio pa do projeto, o que os levou a formar vínculos com
Galdino, em 1997. A condição de “exclusão social” colegas com os quais tinham pouco relacionamento,
que estigmatiza os indígenas atinge também outros seguiram práticas pedagógicas consolidadas no co-
migrantes, imigrantes, exilados e refugiados. Para tidiano escolar, o que em muito favoreceu os resul-
entender todas estas possibilidades foi necessário tados favoráveis obtidos, descritos brevemente no
buscar na “Teoria das Representações Sociais” e na quarto capítulo.
“Psicologia das Minorias Ativas” outros subsídios Este trabalho, desenvolvido a partir de um proje-
teóricos para reflexão e o entendimento destes efei- to que estava fortemente fundamentado na diversi-
tos nas comunidades escolares. A relação pedagógi- dade étnica e cultural dos alunos, acabou ganhando,
ca existente entre “mestre” e “alunos” passa a ser durante sua realização, uma característica mais am-
estudada como o modelo de socialização dominante pla, de reconhecimento das qualidades próprias de
e suas propostas de ação interativas, que ofereçam cada aluno, como indivíduo, e reconhecimento no
coexistência respeitosa entre indivíduos e grupos de “outro”, seu colega, um parceiro em potencial, com
diferentes origens étnicas e culturais. o qual é possível a divisão de tarefas em um trabalho
O segundo capítulo se inicia com a retomada da conjunto. Poderão, em suma, garantir o direito da
diversidade étnica e cultural que constitui o povo identidade individual e do reconhecimento da alteri-
brasileiro, e as dificuldades das relações interpes- dade do colega, atendendo aos ditames das normas
soais. A escola passa a ser considerada como o am- de respeito e convivência da escola.
biente onde “o modo escolar de socialização é o Um protótipo do questionário a ser aplicado aos
modo de socialização largamente e hegemônico” de alunos dos três turnos da escola observou o preceito
nossas formações sociais (VINCENT; LAHIRE, THIN, adotado no Censo 2010 do IBGE (IBGE, 2010, p. 15)
2001, p. 38). Desta forma os esforços desenvolvidos de autoidentificação étnico-racial, além de aproxi-
6 pelo corpo docente, sob orientação da equipe ges- mação com termos da língua falada e outros valores
tora, ficam entendidos neste sentido, adequando culturais. Pretende reconhecer não somente os indi-
projetos e ações à realidade das comunidades onde víduos dos povos indígenas, mas também identificar
estão localizadas, favorecendo a socialização dos os alunos em sua diversidade étnica e cultural, para
alunos. A escola onde foi desenvolvido o projeto de a proposição de estudos complementares e valoriza-
intervenção docente passa a ser descrita, desde seu ção da diversidade existente.
histórico, espaço e tempo escolar, normas e regula- Este protótipo será encaminhado à equipe de di-
mentos, práticas escolares e a sala de aula, em sua reção da escola, para que discuta sua validade, com
distribuição espacial e desenvolvimento do Projeto ou sem modificações por parte do corpo docente,
Pedagógico. para ulterior aplicação, com autorização do Conse-
No terceiro capítulo serão apresentados os prin- lho de Escola.
cipais aspectos considerados para a elaboração e de-
senvolvimento do projeto de intervenção, desde seus 1 – EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
objetivos e métodos até os primeiros resultados ob- E O RESPEITO À DIVERSIDADE
tidos. Importante ressaltar que, pela exiguidade de
tempo no planejamento das ações, e por se tratar de As desigualdades sociais são, muitas vezes, justifi-
cadas pela cor da pele, pelo tipo de cabelo e outras
uma pesquisa exploratória, sem referencial teórico
características físicas, a partir das quais um deter-
que subsidiasse as ações, especialmente quanto à
minado grupo é tomado como “superior” ou “in-
elaboração das “questões iniciais”, muito do que foi ferior”, supostamente “bom” ou “mau”, “civiliza-
feito deverá ser revisto, caso haja interesse desta es- do” ou não. As temáticas vinculadas à raça e à
cola, ou de outras, que porventura tenham interesse etnia ligam-se, portanto, a relações de poder es-
em desenvolver um projeto semelhante. Convém tabelecidas social e historicamente. (PMSP/SME/
FAFE, 2006)
considerar que as ações que provocaram o rearranjo
Ao se buscar o entendimento das relações de po- toda pensada na prevalência do interesse social, e a
der que se expressam entre os alunos, individualmen- propriedade foi reconhecida como um direito funda-
te, ou entre grupos de alunos com características di- mental dos brasileiros e estrangeiros aqui residentes.
ferentes, as questões ligadas às diversas etnias presen- Ela refere, em seu artigo 20, que as terras tradicio-
tes na escola e em todas as salas de aula logo se apre- nalmente ocupadas pelos indígenas são bens da
sentaram relevantes. A formação do povo brasileiro, União. Mais ainda, conforme considera Souza e Bar-
no entendimento de Darcy Ribeiro (1995, p. 19) foi bosa (2011):
determinada pela “confluência, do entrechoque e do [para] ...compreensão da situação jurídica dos
caldeamento do invasor português com índios silvíco- índios no Brasil, o disciplinamento de sua capacidade
las e campineiros com negros africanos”. Este é o co- por designação do Código Civil de 2002 (artigo 4º,
nhecido “mito das três raças”, que, mesmo questio- parágrafo único), encontra-se disciplinada no Esta-
nado no campo da Antropologia, serviu de suporte tuto do Índio (Lei n. 6.001/73), segundo o qual o
aos primeiros censos realizados pelo Instituto Brasilei- indígena brasileiro ao nascer já se encontra sob o
ro de Geografia e Estatística (IBGE). Renato Sztutman regime de tutela sendo incapaz para os atos da vida
(2008) apresenta esta inversão no quadro das grandes civil até que atenda certos requisitos (artigo 9º, Lei
interpretações do Brasil, garantindo a Darcy Ribeiro o n. 6.001/73) e torne-se livre desse regime. Tal situa-
papel de “divisar a maloca indígena no fundo da pai- ção afeta diretamente o efetivo exercício dos direitos
sagem da casa grande e senzala” (2008: 18). indígenas por seus titulares, se revelando como ex-
Entretanto, uma grande disparidade se apresenta pressão típica do sistema de integração defendido
ao se analisar a condição do direito dos índios quan- por tal legislação.
to à ocupação e demarcação do território que ocu- As terras indígenas representam 12,5% do terri-
pam depois da chegada dos europeus e outros es- tório brasileiro, segundo dados transcritos abaixo,
trangeiros ao país (FERRAZ JUNIOR, 2004). A Carta fornecidos pelo Censo de 2010 do IBGE (IBGE, 2010,
de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, foi p. 17):
7
Observando o Cartograma que acompanha este Quadro (Figura 1), pode-se notar que as terras indígenas
estão localizadas principalmente na região norte do País (IBGE, 2010, p. 18):
e educadores de todo o país no combate à violência. reconhecidos como outsiders, pois ficaram desloca-
A situação dos indivíduos indígenas, como no ca- dos perante a população local assim que chegaram
so citado, remete aos estudos sociológicos de “exclu- a seu destino atual. Trazem consigo traços de suas
são social”. Avelino da Rosa Oliveira (2000, p. 87) culturas originais e se destacam em relação à comu-
lembra que, quando se estuda o par cidadania-edu- nidade local, o que pode gerar estranhamento, pre-
cação encontramos, na outra face da mesma moeda, conceito e violência, nos casos mais extremos, como
a educação-exclusão. Este autor afirma que este é no caso do índio Galdino.
um campo que tem de ser estudado muito além do Na perspectiva das ciências sociais, o índio Galdi-
campo estrito da Educação, passando ao panorama no estava em busca dos interesses dos povos indíge-
socioeconômico das sociedades contemporâneas, nas, o que remete a dois campos complementares
ou seja, da Sociologia e da condição econômica em do conhecimento, ambos equivalentes e de igual im-
que estão situados os sujeitos objetos dos estudos. portância:
Após percorrer extensa bibliografia, indica que, no 1°) às “Representações Sociais”, através da “Teo-
estudo da sociologia do desvio, que dá origem às ria das Representações Sociais”, definida por Jovche-
ocorrências de casos de violência deste tipo, indica o lovitch da seguinte forma:
estudo de uma das obras centrais neste campo, de
autoria de Howard Becker, publicado originalmente A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS se articu-
la tanto com a vida coletiva de uma sociedade, co-
em 1963 e posteriormente traduzido e publicado no
mo com os processos de constituição simbólica, nos
Brasil. O título – Outsiders - remete ao conceito a
quais os sujeitos sociais lutam para dar sentido ao
respeito de indivíduos que não se conduzem segun- mundo, entendê-lo e nele encontrar o seu lugar,
do as regras acordadas pelo grupo. Becker faz as através de uma identidade social. (JOVCHELOVI-
seguintes considerações a este respeito (BECKER, TCH, 2003, p. 65)
2007, p. 15):
Um indivíduo, ou sujeito, ao assumir o papel de
9
Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em
um “representante social” assume para si o papel de
certos momentos e em algumas circunstâncias,
defender pessoalmente os interesses do grupo social
impô-las. Regras sociais definem situações e tipos
de comportamentos a elas apropriados, especifi- que representa e, consequentemente, os riscos que
cando algumas ações “certas” e proibindo outras disso advém, pois em muitas situações está distante
como “erradas”. Quando uma regra é imposta, a de seu ambiente nativo, ou natural. É a situação a
pessoa que presumivelmente a infringiu pode ser que se expôs o índio Galdino, ao distanciar-se de seu
vista como um tipo especial, alguém de quem não
grupo, à margem de sua comunidade, vítima de jo-
se espera viver com as regras estipuladas pelo gru-
vens de comportamento desviante – os outsiders –
po. Esta pessoa é encarada como um outsider.
das camadas dominantes da sociedade.
2°) à “Psicologia das Minorias Ativas”, pois ao
De toda forma, o conceito de outsiders - “indiví-
representar um grupo o sujeito, neste caso o índio
duos que não se conduzem segundo as regras acor-
Galdino, e “o mais importante é conhecer as forças
dadas pelo grupo” - definido por Becker (2007, p.
que impulsionam a minoria a assumir o risco de ser
17) é aceito por Oliveira (2000, p.100) e outros pes-
detestada, rechaçada e saber o que ganha com isso”
quisadores nas ciências sociais. É possível entender
(MOSCOVICI, 2011, p. 220). Os indivíduos e grupos
que este termo se aplica aos indivíduos, ou grupo de
em minoria, perante um grupo social majoritário,
indivíduos que estão afastados de seu ambiente cul-
buscam expressão e visibilidade.
tural original, e isto oferece uma visão mais ampla
para o problema dos povos indígenas e seus descen- Na realidade, os indivíduos gastam uma enorme
dentes quando deslocados das terras indígenas de- quantidade de energia para ser exemplo, ou mere-
marcadas institucionalmente. Todos os migrantes, cedores, da aprovação social. Isto não é uma neces-
imigrantes, exilados e refugiados podem também sidade vital para as minorias marginais, desviantes,
porém ativas. À custa de qualquer sacrifício, sua Logo, a relação pedagógica adquire um formato
primeira preocupação é fazer-se visível, alcançar o onde a relação entre “mestre” e “alunos” são sub-
pleno reconhecimento de sua existência aos olhos
metidos a regras impessoais estabelecidas pela “or-
da maioria e na mente de quem representa esta
dem pública” num espaço fechado e ordenado, onde
maioria. (MOSCOVICI, 2011, p. 221)
o tempo é cuidadosamente regulado e os espaços
são preenchidos, submetendo a todos aos “princí-
A partir destes referenciais é possível entender a
pios” ou regras que a regem. Com o passar do tem-
complexidade enfrentada ao buscar o desenvolvi-
po, esta “forma escolar” foi se aprimorando até os
mento de um projeto cujo objetivo é o de reconhe-
dias atuais, e constitui “o modo de socialização do-
cimento da diversidade étnica e cultural de um gru-
minante de nossas formações sociais” (VINCENT;
po, e que permita que todos se reconheçam como
LAHI; THIN, 2001, p. 38). As ações propostas e de-
indivíduos da mesma espécie, biologicamente falan-
senvolvidas na escola multiplicam-se e alcançam os
do, e que as diferenças étnicas e culturais sejam res-
pais, comunidade e nas formações das instituições,
peitadas, e que todos possam aprender e se benefi-
nos estágios de “inserção”, etc. A “forma escolar” se
ciar com esta interação.
impôs como um padrão de referência como um
Numa visão ampla, nas palavras de Edgar Morin
meio, legítimo e dominante, de socialização.
(2000, p. 54)
Entretanto, este modelo vem sendo alvo de nu-
No nível antropológico, a sociedade vive para o
merosos debates sociais, pois contém em si os con-
indivíduo, o qual vive para a sociedade; a sociedade
ceitos de “mestre” e “aluno”, ou seja, alguém que
e o indivíduo vivem para a espécie, que vive para o
ensina para alguém que aprende de acordo com o
indivíduo e para a sociedade.
que é estabelecido pela “ordem pública”. O “aluno”
hoje é visto como alguém que também detém sabe-
res e que pretende compartilhar com os outros “alu-
10 nos” e com os “mestres”. Quer opinar e esclarecer
suas dúvidas, numa relação dialógica, diferente da-
quela que foi estabelecida na concepção histórica da
“forma escolar”. As ações hoje estão voltadas para
escolas mais “voltadas para o exterior” ou aquelas
Figura 2 – Representação gráfica da relação do indi-
que convidam pais, comunidades e outras institui-
víduo com a espécie e a sociedade
ções a serem coparticipes em seus propósitos.
Como toda relação social no espaço e no tempo, a A convivência solidária e respeitosa dos espaços
autonomia da relação pedagógica instaura um lu- ao longo do tempo leva à ampliação de saberes
gar específico, distinto dos lugares onde se realizam
entre os habitantes de um determinado ambiente,
as atividades sociais: a escola. (VINCENT; LAHI;
seja natural ou urbano. A preservação dos ambien-
THIN, 2001, p. 13)
tes naturais pode ser facilmente ser ensinada por Caracterização da escola
seus habitantes de longa data, da mesma forma que
o ambiente urbano tem regras de convívio social a) Histórico
que se constroem ao longo do tempo. Quando ha-
bitantes do ambiente natural estabelecem o diálo- A EMEF Bernardo O´Higgins está localizada bem
go com habitantes do ambiente urbano, os saberes próxima à Diretoria Regional de Educação de Santo
podem ser compartilhados, o que irá permitir o en- Amaro, da rede municipal da Prefeitura de São Paulo.
tendimento de cada uma destas diferentes realida- Disso pode-se dizer que é uma escola bastante anti-
des e o trânsito irrestrito nestes ambientes, numa ga, cuja cultura reflete a história e desenvolvimento
perspectiva de cidadania consciente e responsável. do bairro desde as suas origens. O seu projeto de
construção original foi sendo ampliado e modificado
Justificativa e apresentação do tema com o passar do tempo, tendo ganhado um prédio
escolhido: anexo que contém um auditório, a Sala de Informá-
tica Educativa e algumas salas de aula. O que se ga-
Os povos indígenas que ocupavam desde longo nhou no acolhimento de mais alunos, em busca de
tempo o território que hoje conhecemos como “Bra- uma educação de qualidade, representada pela rea-
sil” mantinham seus hábitos de ocupação e preser- dequação de seus objetivos educacionais, perdeu-se
vação do ambiente natural de forma bastante inten- na redução dos espaços livres de circulação, de lazer
sa, mesmo que baseada na oralidade, conforme a e recreação, ou dedicados à prática de modalidades
eles se refere Carlos Alberto Ricardo: esportivas diferenciadas.
Sequer sabemos os seus nomes. Os povos indí- O bairro de Santo Amaro, que décadas atrás teve
genas que viviam no que veio a se chamar Brasil uma das poucas linhas de bonde da cidade, desen-
eram ágrafos e atualmente a maioria não domina a volve-se no polo que é hoje, que dispõe de uma rede
leitura e a escrita. Foram – e continuam sendo – de avenidas e o terminal da primeira linha de metrô
11
“batizados” por escrito por “brancos”, antes mes- da capital. Estes são alguns fatores que indicam seu
mo que alguém lhes compreendesse a língua. (RI- crescimento significativo, e esta mudança é visível
CARDO, 1995, p. 32) nesta escola. A busca constante da qualidade do en-
Desde então, a ocupação do território por levas sino pela equipe de gestão e docentes é visível, o que
de estrangeiros das mais diferentes etnias demons- torna a busca por vagas bastante disputada. Nesta
trou dificuldade em se adaptar a este ambiente re- condição, as identidades individuais se mesclam em
cém-ocupado de forma tão respeitosa quanto seus busca de interesses coletivos, num ambiente marca-
habitantes originais. Além disso, sofreram a mesma do pela presença de fluxos migratórios em busca de
dificuldade de interação sociocultural pela diversida- emprego nas recentes obras públicas, reflexo do des-
de linguística, marca característica de cada uma das locamento de famílias inteiras, no processo de urba-
etnias consideradas. nização das regiões periféricas da metrópole.
Considerando a escola o principal local onde
ocorre “o modo de socialização dominante de nos- b) O espaço escolar
sas formações sociais” (VINCENT; LAHIRE; THIN,
2001, p. 38), este trabalho focalizou nem tanto a O espaço escolar, desde a sua fundação, foi sendo
escola, como o todo, mas as ações desenvolvidas cada vez mais explorado e compartimentado. De um
em sala de aula perante uma turma de alunos, ações único prédio, de sua construção original, a demanda
estas voltadas para o reconhecimento de suas iden- da comunidade por mais vagas acabou por se cons-
tidades e compartilhamento de saberes socialmen- truir um prédio anexo. Os espaços de lazer originais
te construídos. foram reduzidos e, consequentemente, o lazer dos
alunos menores um pouco restrito.
Quadro 2 – Principais diferenças entre uma sala de aula regular e uma Sala de Leitura (BITTENCOURT, 2015,
p. 48)
Nas salas de aulas padronizadas, no início do ano 1947), que deu ênfase ao estudo dos pequenos gru-
letivo, os alunos costumam acomodar-se de acordo pos. Kurt Lewin propôs ainda a existência do “psico-
com os laços de amizade pré-estabelecidos, mas este -grupo”, como aquele formado por interesses rela-
arranjo pode ser modificado ao longo do ano letivo cionados às afinidades entre seus, diferente do “só-
de acordo com o interesse tanto do “mestre” quanto cio-grupo”, que seria o grupo incumbido de uma
dos “alunos” (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001), ou as determinada tarefa. (MAILHIOT, 2013, p. 31).
necessidades explícitas em alguma técnica a ser de-
senvolvida pelos professores em suas aulas. g) O Projeto Pedagógico em sala de aula
A forma como categoria do pensamento foi in- para a superação dos preconceitos e discrimina-
terpretada como “forma escolar”, estabelecida entre ções, introduzindo no currículo ações que possibi-
litem a reflexão sobre a diversidade e torne percep-
os séculos XVI e XVII (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001)
tíveis as potencialidades humanas.
e que vem sendo aperfeiçoada ao longo do tempo.
Tanto a escola EMEF Bernardo O´Higgins, apresenta-
A partir das reflexões teóricas percebidas durante
da em seus vários aspectos no Capítulo anterior,
este Curso de Educação em Direitos Humanos, asso-
quanto à comunidade que a compõe, vem sofrendo
ciadas aos conhecimentos acumulados durante a
contínuas transformações e promovendo modifica-
prática profissional e manejo da sala de aula, foram
ções na “forma escolar” que ocupa.
planejadas e desenvolvidas as ações relatadas, bem
A relação pedagógica, entendida como aquela
como os resultados e a avaliação pelos próprios par-
que se estabelece “mestre” e “alunos” em um pro-
ticipantes.
jeto de intervenção, deve atentar que tanto “mes-
A turma selecionada para o desenvolvimento do
tre” quanto “alunos” são indivíduos com caracterís-
“projeto de pesquisa-intervenção” (DAMIANI et all.,
ticas individuais próprias, que devem ser considera-
2013) é composta por 29 alunos matriculados, sendo
das. Relembrando o estudo de Bernadete Angelina
16 do sexo feminino e 13 do sexo masculino nascidos
Gatti sobre a heterogeneidade existente entre os
entre abril/2000 e dezembro/2002. Para salvaguar-
professores e inúmeros fatores que compõem sua
dar as identidades destes alunos, considerados “ado-
identidade profissional (GATTI, 1996), é preciso rei-
lescentes”, de acordo com o Estatuto da Criança e
terar que este projeto foi elaborado e desenvolvido
do Adolescente (Lei n° 8.069, de 13/07/1990) serão
tendo em vista os conhecimentos adquiridos e acu-
sempre referidos pelo número de chamada do Diário
mulados durante a prática profissional de longas
de Classe da Escola.
décadas em sala de aula desta profissional. Outros
profissionais, com identidades pessoais e profissio-
nais diversas, certamente teriam produzido um tra-
Justificativa 15
balho bastante diferente.
A proposta de intervenção decorrente deste Pro-
Depois destas considerações, é possível indicar,
jeto de Pesquisa foi desenvolvida na identificação
rapidamente, os principais aspectos que compõem a
das diferentes identidades dos grupos étnicos e cul-
ação interventiva focada no reconhecimento das di-
turais que compõem o corpo docente da escola.
ferenças étnicas e culturais entre os alunos de uma
Lançando um olhar abrangente sobre os alunos em
turma de alunos do 9° ano e promoção do respeito
uma classe ou em um evento escolar mais amplo,
a esta diversidade, numa perspectiva da Educação
tanto a equipe de gestão quanto o corpo docente
em Direitos Humanos.
pouco conseguem observar da diversidade que se
encerra em cada aluno ou aluna. Sentados ou brin-
Apresentação
cando, usando uniformes ou usando suas vestes
cotidianas, a visão de conjunto supera o reconheci-
Para o melhor desenvolvimento do Projeto Peda-
mento das origens étnicas das crianças e jovens que
gógico, especialmente no que se refere ao desenvol-
frequentam a escola.
vimento das práticas democráticas por parte dos alu-
nos, teoricamente referida na “teoria das representa-
Objetivo
ções sociais” (JOVCHELOVITCH, 2003), conforme foi
estudado o “Projeto Pedagógico em sala de aula”, no
Incrementar o relacionamento respeitoso entre
Capítulo 2. Neste documento consta como objetivo
os alunos, reconhecendo as diferenças individuais,
da Proposta Pedagógica para o corrente ano letivo:
dadas pela diversidade étnico-cultural, através da
promoção de ações colaborativas entre os estudan-
Desenvolver uma relação ética e diversificada com
práticas voltadas para o respeito às diferenças e tes que produzam boas práticas escolares e sociais.
colegas com os quais estava desacostumado de con- Depois de algumas semanas, a maioria dos alu-
versar e compartilhar impressões. nos ainda se mantinha nos novos lugares conquista-
A nova disposição dos alunos nas carteiras da dos, estreitando laços de coleguismo recém-conquis-
classe foi registrada pela professora e ficou estabe- tados. Como forma de finalização desta primeira
lecido que respeitariam este rearranjo dali por dian- etapa, a professora realizou uma pesquisa breve pa-
te. A classe, que estava disposta, desde o início do ra se informar da avaliação que os alunos poderiam
ano num arranjo oferecido simplesmente por apro- oferecer desta experiência. Foi dado a cada aluno um
ximações sociais fortuitas, definidas por “psico-gru- fragmento de papel branco, de aproximadamente
pos”, passou para uma distribuição originada por sete centímetros de lado, onde puderam desenhar,
uma dinâmica vinculada à realização de uma tarefa, simplesmente, os emoticons, com os quais estão bas-
o que transformou os antigos “psico-grupos” em tante acostumados por causa da linguagem mediá-
“sócio-grupos”, vinculados pelas características indi- tica que compartilham, que representavam seu grau
viduais, mas com aproximações melhor definidas, de satisfação com as ações desenvolvidas no projeto.
que favoreceram a realização de uma tarefa escolar. Os desenhos traçados pelos alunos foram juntados
e estão contidos na Figura 4, abaixo:
Cronograma
Recursos materiais
17
2°) O relacionamento entre os colegas da classe O questionário inicial, que foi elaborado com o
passou a ser mais harmonioso e o desempenho da objetivo de se identificar a origem étnica e cultural dos
turma nas tarefas tornou-se mais produtivo. alunos teve a resposta de algumas questões descarta-
3°) A dinâmica de toda a classe ao se decidir em da na avaliação, por erro na formulação ou falta de
torno de novas propostas, ou tarefas dos professo- conhecimentos por parte dos alunos. A partir dos re-
res, passou a ser recebida com maior entusiasmo do sultados obtidos e da ação que envolveu o rearranjo
que anteriormente, e passaram a ser realizadas mais dos alunos na classe, foi possível imaginar que a ela-
rapidamente. boração do questionário poderia ser feita a partir de
Quanto ao material produzido, o questionário quaisquer outras questões do cotidiano, tais como:
proposto inicialmente, já durante sua aplicação os cor de roupa preferida, ritmo musical que prefere ou-
alunos tiveram dúvida quanto à elaboração das al- vir, ocupação das horas de lazer. O foco da pesquisa
ternativas de três questões. Na revisão feita tanto tem de estar relacionado com a realidade cotidiana
pela Coordenação da Escola quanto pela Orientado- dos alunos da comunidade considerada e as questões
ra do projeto foram apontadas sugestões aplicáveis deverão ser elaboradas de forma a permitir o agrupa-
a uma reelaboração das mesmas. mento dos alunos em torno de preferências ou situa-
Convém notar que estes resultados foram obti- ções reais de seu cotidiano. A análise dos resultados
dos perante uma das turmas de 9° ano regular, do obtidos nos questionários deve privilegiar as questões
período da manhã, mas se torna importante insistir que envolvem poucos alunos, desconsiderando aque-
que outros professores desenvolveram também suas las que refletem a aspiração da maioria. As preferên-
propostas, adequadas à realidade de suas turmas. cias dos alunos introvertidos, ou que tenham poucas
Outros projetos, também com turmas de 9°s anos, relações sociais dentro da classe, devem ser observa-
foram desenvolvidos dentro da Proposta Pedagógica das com detalhe, de forma a criar ao seu redor um
da escola, dinamizando as ações voltadas para a va- “sócio-grupo” com quem este aluno possa se relacio-
18 lorização da diversidade étnica e cultural dos alunos, nar na realização da tarefa, e estabelecer com estes
e elaboração, até o final do ano do Trabalho Colabo- colegas novos laços de relacionamento.
rativo de Autoria (TCA). Finalizando, é possível considerar ainda duas ques-
tões que merecem reflexão. A primeira se refere à “for-
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ma escolar”: a ordem das carteiras favorece a intera-
tividade entre os alunos e maior cooperação no am-
As reflexões teóricas apresentadas nos dois primei- biente da sala de aula. A segunda remete ao fato de
ros capítulos poderão servir de referências a futuros que a escola, em seu projeto pedagógico, tem como
estudos e desenvolvimentos de projetos mais conclu- tema principal o reconhecimento e respeito às diver-
sivos, dentro deste e de outros campos de estudos que sidades. A “diversidade” remete à “diferença” que
envolvam o “modelo escolar” vigente, e que se expres- existe entre os indivíduos. O símbolo matemático que
sa atualmente em diversas instituições, além das es- expressa o “diferente” corresponde a dois pequenos
colas propriamente ditas, como a focalizada aqui. segmentos de reta cortados obliquamente. Se for re-
Com a aplicação do questionário inicial foi possí- tirado o corte oblíquo, surge o sinal de “igual”, que
vel identificar, além dos indígenas e seus descenden- representa a “igualdade”, e que se assemelha também
tes, também estrangeiros, ou seus descendentes, de uma “ponte” entre o “eu” e o “outro”. Neste trabalho,
outras partes do mundo. Apesar da precariedade dos ao tratar do reconhecimento e respeito às diferenças
resultados e da exiguidade do tempo para realização individuais, o caminho que foi percorrido foi o de en-
desta pesquisa-intervenção, os resultados obtidos contrar as “semelhanças”, ou “igualdades”, entre os
superaram as expectativas iniciais da pesquisadora, alunos e a partir delas estabelecer “pontes” de rela-
o que demonstra que a dinâmica da sala de aula cionamento entre o “eu” e o “outro”, surgindo então
muitas vezes é mais rica do que podemos supor, à novas relações de relacionamento respeitoso, numa
primeira vista. perspectiva dos Direitos Humanos.
CARBONARI, Paulo César et all (Org.) Educação em Direitos MAILHIOT, Gérald Bernard. Dinâmica e gênese dos grupos:
Humanos: sistematização de práticas de educação básica. atualidade das descobertas de Kurt Lewin. São Paulo: Vozes,
Passo Fundo: IFIBE, 2014. 2013.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e So- MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e 19
ciais. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000. quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília:
Ministério da Educação/Secretaria de Educação Fundamen-
CASTRO, Eduardo Viveiros de. Histórias ameríndias. In: No- tal, 1998.
vos estudos n° 36, 1993. Disponível em: http://novosestu-
dos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/70/20080625_ MOCKUS, Antanas. Convivência como harmonização da lei,
historia_dos_indios.pdf Visualizada em 02/07/2016. da moral e da cultura. In: BRASLAVSKY, Cecília. Aprender a
viver juntos: educação para a integração na diversidade.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, di- Trad. José Ferreira. Brasília: UNESCO, IBE, SESI, UnB, 2002.
reitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do
DAMIANI, Magda Floriana et all. Discutindo pesquisas do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya.
tipo intervenção pedagógica. Cadernos de Educação, Pelo- Ver. téc. Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez; Bra-
tas, n. 45, p. 57-67, mai./ago. 2013. Disponível em: https:// sília: UNESCO, 2000.
periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/
view/3822/3074 Visualizada em 29/05/2016. MOSCOVICI, Serge. Psicologia das minorias ativas. Trad. Do
Grupo de Leitura “Ideologia, Comunicação e Representa-
DOYLE, Walter. Classroom organization and management. ções Sociais”; responsável Pedrinho Guareschi. Petrópolis:
in: Handbook of research for educational communications Vozes, 2011.
and technology: a project of the Association for Education-
al Communications and Technology. New York: Mac Millan, NOËL, Émile. As ciências da forma hoje. Trad. Cid Knipel
1996.p. 392-431. Moreira. Campinas: Papirus, 1996.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A demarcação de terras OLIVEIRA, Avelino da Rosa. Exclusão social: o que ela expli-
indígenas e seu fundamento constitucional. In: Revista ca? in: VALLE, Lilian do (Org.) O mesmo e o outro da cida-
Bras. Direito Constitucional. N° 3, jan/jun 2004. Disponível dania. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
em: www.esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/down-
load/92/91 Visualizada em 02/07/2016. PIUBELLI, Rodrigo, Memórias e imagens em torno do índio
pataxó Hãhãhãe Galdino Jesus dos Santos (1997-