KOERNER INATOMI Juristas Entre Oligarcas e Plebeus
KOERNER INATOMI Juristas Entre Oligarcas e Plebeus
KOERNER INATOMI Juristas Entre Oligarcas e Plebeus
Andrei Koerner
Docente, Unicamp, Cedec, INCT-Ineu
cão adormecido. Todo perigo está em despertá-lo. Nossa política nunca apren-
deu a pensar normalmente no povo, a aceitar a expressão da vontade popular
com base da vida representativa.
(HERMES LIMA, “Notas à Vida Brasileira”, apud RAYMUNDO FAORO, Os Donos
do Poder, Porto Alegre, Globo, 1987, 7.ª ed., v. 1, p. 323).
Eu não sei bem com certeza, porque foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia.
(CHICO BUARQUE, Quem te viu, quem te vê)
1. Introdução
1
No texto, este termo é sinônimo de Poder Judiciário, mas implicitamente remete a outras insti-
tuições, como o Ministério Público, Procuradoria.
2
Usamos esta palavra para designar genericamente os profissionais do direito e não apenas os
teóricos ou doutrinadores.
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sal do poder real, ao lado dos agentes do fisco e dos militares. Funcionários por
excelência do Estado, eles são mais do que juízes, pois, além de julgar, assumem
diferentes papéis e responsabilidades. Eles exercem a justiça do ponto de vista do
bem-estar geral do reino, e na prática mantêm a ordem social pela sua imersão
na teia de relações de dependência social. Por serem corresponsáveis no exercício
do poder político, os magistrados não são, nem podem ser, propriamente inde-
pendentes em relação a ele. A sua autonomia se manifesta no exercício das suas
funções, em decorrência do seu estatuto social, das suas qualidades morais, do
prestígio, prerrogativas e vantagens de seu cargo, de seus conhecimentos do Di-
reito escrito. O seu ethos caracteriza-se pela sua imparcialidade e profissionalismo
no tratamento dos litígios, mas sua prática se realiza de maneira ‘prudencial’,
dado que, ao enunciar o Direito da monarquia, utiliza fontes e técnicas variadas
(inclusive a não-decisão) para alcançar soluções compatíveis com a preservação
da ordem social hierárquica, mantendo as redes de compromissos que a susten-
tam e das quais o próprio magistrado faz parte3. No Brasil, o programa conserva-
dor aparece, por exemplo, no centralismo imperial, no ultra-federalismo
republicano e, mais recentemente, no neoliberalismo. Eles têm em comum a na-
turalização das relações de poder social às quais se devem acomodar as institui-
ções estatais, incluídas as judiciárias, e a prática do Direito.
Os programas republicano e liberal colocam como fundamento da ordem po-
lítica a igualdade e a liberdade natural dos indivíduos. Para o primeiro, a ordem
política (independentemente da forma monárquica ou republicana de Estado) tem
como objetivo assegurar e promover a autonomia ativa dos cidadãos. A atuação
dos cidadãos como juízes leigos ou jurados é uma das formas da sua participação
política enquanto eleitores, governantes, legisladores ou dirigentes locais. A in-
dependência judicial é emergente de processos de deliberação coletiva, o que de-
pende de condições institucionais análogas às que asseguram a autenticidade da
representação política. O juiz é corresponsável pelo poder político, não na condi-
ção de funcionário, mas como cidadão. Essa condição é determinante do seu ethos
de julgador, pois, ao deliberar sobre as questões concretas, ele adota o ponto de
3
A. M. HESPANHA, Vísperas del Leviatán – Instituciones y poder político (Portugal, siglo XVII), Madrid,
Taurus, 1989; S. SCHWARTZ, Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial – A Suprema Corte da Bahia e seus juí-
zes: 1609-1751, São Paulo, Perspectiva, 1979; A. WEHLING/M. J. WEHLING, Direito e Justiça no Brasil Co-
lonial – O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808), Rio de Janeiro, Renovar, 2004.
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T. H. FLORY, Judge and Jury in Imperial Brazil, 1808-1871. Social Control and Political Stability in the
New State, Austin, University of Texas Press, 1975; A. SLEMIAN, Sob o Império das Leis – Constituição e
Unidade Nacional na Formação do Brasil (1822-1834), São Paulo, Hucitec, Fapesp, 2009.
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buições dos juízes de paz e do tribunal do júri, que se tornam os agentes mais re-
levantes para o exercício de funções judiciais, policiais e eleitorais. Mas essas fun-
ções são apropriadas pelos setores sociais dominantes que as utilizam para
reproduzir relações de compromisso e dependência pessoal. Afirma-se que, ao
invés de espaços de autonomia dos cidadãos, os tribunais locais seriam marcados
por práticas discriminatórias, decisões parciais, provocando a fragmentação do
Direito e do poder político do Império5.
5
T. H. FLORY, Judge and Jury in Imperial Brazil, 1808-1871. Social Control and Political Stability in the
New State, cit.; A. P. CAMPOS/A. SLEMIAN et al., Juízes de Paz – Um Projeto de Justiça Cidadã nos Primórdios
do Brasil Império, Curitiba, Juruá, 2017.
6
J. M. D. CARVALHO, A Construção da Ordem, RJ, Campus, 1980; R. GRAHAM, Clientelismo e Política
no Brasil do Século XIX, RJ, UFRJ, 1997.
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por isso mesmo, o efeito normativo de cada decisão deveria ser limitado ao pró-
prio caso. Essa prática tensiona com os princípios da separação dos poderes e da
prevalência da lei, e reproduz as relações sociais hierárquicas, assim como as de-
sigualdades estruturais da sociedade brasileira.
7
J. M. D. CARVALHO, A Construção da Ordem, cit., pp. 160-161.
8
JOAQUIM NABUCO DE ARAÚJO, Um Estadista do Império, São Paulo, Nacional, Rio de Janeiro, Civi-
lização Brasileira, 1936, I vol., p. 90, destaque do Autor.
9
Os liberais denunciavam que o governo editava avisos para a interpretação das leis, o que vio-
lava a Constituição por ferir a separação de poderes e invadir atribuição do Parlamento. Por sua vez,
os magistrados deixavam de julgar questões legais controvertidas, submetendo-as como dúvidas ao
Ministro da Justiça.
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ultra-federalistas adotam lógica semelhante, mas com outra base política, os Es-
tados, e outras referências intelectuais, como as doutrinas de Spencer10.
10
C. C. LYNCH, Da monarquia à oligarquia. História institucional e pensamento político brasileiro (1822-
1930), SP, Alameda, 2014.
11
E. AZEVEDO, Orfeu de carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo, Campinas,
Ed. Unicamp, 1999.
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12
G. S. RIBEIRO, “Cidadania e luta por direitos na Primeira República: analisando processos da
Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal”, in Tempo – Revista do Departamento de História da UFF,
v. 13, n. 26, 2009, pp. 101-117; A. C.-L. SEELAENDER, “Pondo os pobres no seu lugar–igualdade consti-
tucional e intervencionismo segregador na Primeira República”, in J. Coutinho e M. M. B. Lima (ed.),
Diálogos constitucionais: direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos, RJ, Renovar, 2006.
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No processo permeado de confrontos que sacodem o país a partir dos anos 1920
redefinem-se as bases do Estado, da economia e da sociedade brasileira. A assunção
ao governo federal de uma aliança política com viés industrialista desloca os setores
agroexportadores da direção do Estado, e se promove um conjunto de políticas
pelas quais o capitalismo financeiro e industrial se estabelece no país. O Estado de-
senvolvimentista implica maior centralização política e intervenção na economia e
na sociedade, mas acomoda os interesses das elites estaduais e frações de classe
menos dinâmicas. Ao mesmo tempo, organizam-se as bases da democracia com-
petitiva, com forte presença de burocratas civis e militares nos postos de direção
estatal, dada a frágil organização de partidos políticos nacionais e a baixa capaci-
dade de ação autônoma dos trabalhadores. São reconhecidos direitos sociais, arti-
culados num esquema corporativista estatal, mas são mantidas as relações de
exploração e dominação dos trabalhadores marginais urbanos e do campo.
A Constituinte de 1933-1934 resulta num compromisso das forças políticas a
respeito da organização do Estado. Com o golpe de 1937 e o Estado Novo, os na-
cional-corporativistas reorganizam o Estado segundo o seu projeto. Por sua vez,
seus opositores ganham força ao derrubar o Estado Novo em 1945 e são capazes
de promover importantes mudanças para redemocratizar o regime político e re-
compor a organização federativa do Estado. Na Constituinte de 1946, os repre-
sentantes liberais, agrupados em partidos como a UDN, o Partido Libertador e
setores do PSD, investem no Poder Judiciário para limitarem os poderes do Es-
tado. No entanto, não conseguem alterar as linhas básicas da intervenção estatal
na economia e na sociedade, nem desalojar os quadros associados a Getúlio Var-
gas, seja na burocracia estatal seja na política de boa parte dos Estados.
Nos sucessivos e instáveis compromissos políticos, são atribuídos novos pa-
péis de relevo ao Poder Judiciário. Os juízes têm o poder de atuar para garantir o
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13
M. S. FAGUNDES, “A Organização do Funcionamento do Poder Judiciário”, em AA.VV., Estudos
sobre a Constituição Brasileira, RJ, Fundação Getúlio Vargas/Instituto de Direito Público e Ciência Po-
lítica, 1954, p. 155.
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14
J. G. D. ARAGÃO, La Juridiction Administrative au Brésil, RJ, Serviço de Documentação DASP,
Seção de Publicações, 1955.
15
J. G. D. ARAGÃO, La Juridiction Administrative au Brésil, cit.; A. VENÂNCIO FILHO, A Intervenção do
Estado no Domínio Econômico, RJ, FGV, 1968.
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16
J. G. D. ARAGÃO, La Juridiction Administrative au Brésil, cit., pp. 136-137, p. 140.
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ráter judicial (efeito erga omnes pelo stare decisis ou decisão em cassação) ou político
(procedimentos de interpretação das leis pelo Congresso).
17
F. N. R. ALMEIDA, A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil, PPGCP/USP,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
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Em março de 1964 uma coalizão civil e militar derruba o Presidente João Gou-
lart, instaurando o que seria o mais longo período de exceção constitucional na his-
tória do país. Os objetivos manifestos da coalizão golpista são o combate ao
comunismo e à corrupção, e a promoção de alterações nas instituições políticas e
econômicas do país. Porém, há pouco consenso entre os golpistas sobre o conteúdo
dessas alterações e são tênues as articulações entre eles. Eles se dividem sobre a du-
ração do período de exceção bem como a profundidade e direção das mudanças.
Políticos civis veem o golpe como uma intervenção tópica, voltada para afastar os
trabalhistas e a esquerda, a que se seguiria o retorno à Constituição de 1946. Outros
propugnam a instituição de uma ditadura com tendências nacionalistas, mas o seu
programa não é claro. Enfim, há os chamados castelistas, que assumem a direção
do Estado e têm um programa mais definido. Combinam a repressão e o controle
das lideranças populares e organizações de esquerda com reformas institucionais
para racionalizar o poder político e promover a expansão acelerada da economia19.
Os governos militares são capazes de promover mudanças importantes, mas
sucedem-se tentativas infrutíferas de institucionalização do regime. O processo
político é marcado pela opacidade, devido às relações tensas e disputas entre os
participantes da coalizão golpista, a alternância de táticas governamentais de coo-
peração e de repressão com as oposições políticas, além da apatia política que se
sucede, mais tarde, à crescente mobilização da sociedade civil.
19
R. M. SCHNEIDER, The political system of Brazil: emergence of a “modernizing” authoritarian regime,
1964-1970, New York, Columbia University Press, 1971; S. C. V. CRUZ/C. E. MARTINS, «De Castello a Fi-
gueiredo: Uma Incursão na Pré-História da “Abertura”», in B. Sorj e M. H. T. D. Almeida (ed.), Sociedade
e Política no Brasil Pós-64, São Paulo, Brasiliense, 1983, pp. 13-61.
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J. GARDNER, Legal Imperialism – American Lawyers and Foreign Aid in Latin America, Madison, The
University of Wisconsin Press, 1980.
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M. H. MOREIRA ALVES, Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, 1984, p. 84.
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D. A. MACIEL/A. KOERNER, “O processo de reconstrução do Ministério Público na transição po-
lítica (1974-1985)”, in Revista Debates, v. 8, n. 3, set.-dez., 2014, pp. 97-117.
23
E. CARVALHO, “O Supremo Tribunal Federal: das trincheiras de defesa dos direitos individuais
ao processo decisório do Estado”, in S. Praça e S. Diniz (ed.), Vinte anos de Constituição, São Paulo, Pau-
lus, 2008, p. 87.
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M. D. A. G. KINZO, “O quadro partidário e a constituinte”, in B. Lamounier (ed.), De Geisel a
Collor: o balanço da transição, São Paulo, IDESP/Sumaré, 1990.
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P. DARDOT/C. LAVAL, La Nouvelle Raison du Monde – Essai sur la Societé Néolibérale, Paris, La Dé-
couverte, 2010; M. FOUCAULT, Naissance de la Biopolitique – Cours au Collège de France, 1978-1979, Paris,
Gallimard, Seuil, 2004.
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Nesse momento, são nítidas as relações entre as posições políticas e teóricas dos
juristas. Os que apoiavam o regime constitucional neoliberal adotam o conceito de
Constituição-garantia ou quadro, uma democracia representativa com baixa parti-
cipação e a atuação do Judiciário nas políticas públicas voltada, por meio de inter-
pretação consequencialista das normas, à sustentação das reformas. Os que criticam
o regime constitucional convergem com os partidos de oposição, sublinhando a di-
mensão comunitário-participativa da democracia, adotam conceitos substantivos de
Constituição, interpretações principistas das normas e reformas sociais-igualitárias.
Os debates sobre a organização judiciária e o ethos do juiz assumem outra fei-
ção. Desde o início do governo Fernando Henrique alardeia-se a “crise do judi-
ciário”, que coloca a reforma como imprescindível e emergencial, sustentando
uma agenda pública em que se combinam críticas aos poderes constitucionais do
Judiciário, depreciações do seu desempenho e denúncias de corrupção de juízes.
A ampliação das atribuições do Judiciário permitiria aos juízes intervirem em po-
líticas públicas em nome da proteção de direitos fundamentais, sem terem capa-
cidade, informações ou poderes para tal. As instituições judiciais seriam morosas,
custosas e produtoras de incertezas para os cidadãos. Seus poderes e opacidade
permitiriam aos juízes utilizarem-nos em benefício próprio, o que estaria na raiz
dos casos de corrupção26. Mas, em seu conjunto, esses fatores provocariam efeitos
perversos, aprofundando os problemas de governabilidade do país e minando a
ordem de mercado. Assim, o reformismo neoliberal associa a independência do
Judiciário e dos juízes profissionais à eficiência dos seus serviços, a ser alcançada
por controles externos, métodos gerenciais e a supervisão do desempenho dos
juízes e funcionários. Além disso, os juízes deveriam assumir o ethos neoliberal,
adotando em sua prática uma racionalidade instrumental para disseminar a con-
corrência na sociedade. As instituições judiciais poderiam ser separadas das de-
mais instituições estatais, mas a racionalidade neoliberal deveria ser incubada na
própria lógica de seu funcionamento e nas decisões de seus agentes.
26
A esse respeito, destaca-se a “CPI do Judiciário”, criada em março de 1999 a pedido do então
senador Antônio Carlos Magalhães com o objetivo de apurar denúncias de irregularidades praticadas
por integrantes de tribunais. Frederico Vasconcelos relata em Juízes no banco dos réus as dificuldades
da imprensa para conseguir tratar publicamente de casos de corrupção, dado o medo de sofrer reta-
liações por parte dos juízes. O jornalista fala, ainda, da demora no julgamento dos casos, das “apo-
sentadorias-prêmios” de juízes para abafar casos de corrupção, além da clara resistência do poder
judiciário a qualquer tipo de controle externo de suas atividades.
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A. SINGER, Os Sentidos do Lulismo – Reforma Gradual e Pacto Conservador, SP, Comp. das Letras, 2012.
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dades estruturais, mas também pelos efeitos de sua própria política. O enfoque
gerencial prevaleceu sobre visões alternativas, que tinham concepções distintas
do Judiciário enquanto poder político, que propunham controles democráticos,
participação cidadã e formas mais abertas de deliberação nos processos judiciais.
Nos debates jurídico-constitucionais ocorre importante redefinição dos dis-
cursos, pois ganham peso doutrinas do pós-positivismo jurídico e do neoconsti-
tucionalismo. Elas destacam a força normativa da Constituição, o caráter criativo
da interpretação judicial e exaltam o protagonismo dos juízes, em contraste, subs-
tituição ou oposição com os representantes eleitos. O neoconstitucionalismo des-
28
R. FRAGALE FILHO, “Conselho Nacional de Justiça: desenho institucional, construção de agenda
e processo decisório”, in Dados, v. 56, n. 4, 2013.
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Carta pública da Associação dos Juízes para a Democracia, de 2013. Disponível em https://
www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Juizes-para-a-Democracia-o-povo-nao-aceita-mais-o-coronelismo-
no-Judiciario/4/29641.
30
Entrevista de João Ricardo dos Santos Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasi-
leiros, em 3/4/2014. Disponível em https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Estado-Democratico-de-Di-
reito/Joao-Ricardo-dos-Santos-Costa-Judiciario-nao-pode-deixar-que-as-maldades-feitas-contra-a-sociedade-brasil
eira-sejam-esquecidas/40/30651.
31
Artigo de Hamilton Octavio de Souza para o site Carta Maior, “Adendo ao artigo ‘Show do
Mensalão é pura distração’”, publicado em 30/9/2013. Disponível em https://www.cartamaior.com.br/
?/Coluna/Adendo-ao-artigo-%27Show-do-mensalao-e-pura-distracao%27/29106.
32
Ele foi levantado, inclusive por observadores internacionais, como Herta Däubler-Gmelin, ex-
ministra da Justiça da Alemanha. Ver https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-luta-do-Judi-
ciario-brasileiro-contra-a-esquerda/4/39225.
33
Ver entrevista com Raúl Zaffaroni: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/-O-Judicia-
rio-brasileiro-e-seletivo-contra-o-PT-/4/36096; e artigos de Marco Weissheimer: https://www.cartamaior.com.
br/?/Editoria/Politica/Desembargador-critica-adocao-de-estado-de-excecao-pelo-Poder-Judiciario/4/36896; Ro-
51
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Wehling34, ao concluir a sua pesquisa sobre o Tribunal da Relação do Rio entre a se-
gunda metade do século XVIII e o início do século XIX, notava a continuidade de
problemas como a morosidade dos processos, as decisões conflitantes, o absenteísmo
e atos irregulares dos desembargadores, as dificuldades em responsabilizá-los.
A glorificação dos juízes para a salvação da República potencializou os efeitos
da combinação do insulamento institucional, o consequencialismo do enfoque ge-
rencial e os poderes discricionários dos instrumentos das autoridades policiais e
judiciais no combate à corrupção. O insulamento institucional impede a respon-
sabilização dos juízes e permite que eles mantenham alianças com lideranças po-
líticas e classes dominantes para que utilizem os espaços e recursos judiciais para
promoverem seus interesses privados. Juízes e juristas continuam a praticar ile-
galidades, associam-se a esquemas de poder informais, acomodam-se com a vio-
lência e arbitrariedades estatais, o patrimonialismo na administração pública e o
clientelismo eleitoral35.
O enfoque gerencial amplia o poder de decisão dos agentes judiciais, ao focar
os controles nos resultados de sua ação. O juiz torna-se um gestor de processos
sob sua responsabilidade e atua para manter o ‘estoque’ sob controle, por um con-
junto de medidas que aumentam a eficiência de sua vara e decisões judiciais vol-
tadas a atender às expectativas dos seus superiores. Ele contrasta com o consti-
tucionalismo democrático, no qual poderes dos juízes são ampliados tendo em
vista a concretização dos direitos. Os riscos de arbitrariedade são controlados por
padrões técnicos e éticos, segundo os quais a objetividade dos juízos é buscada
pela apuração técnica da linguagem, a apreciação exaustiva das provas, a justifi-
cação de escolhas, o exame argumentado de alternativas, o escrutínio crítico e pú-
blico pela “comunidade de intérpretes”, etc.
52
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R. K. LIMA/G. MOUZINHO, “Produção e reprodução da tradição inquisitorial no Brasil: entre de-
lações e confissões premiadas”, in Dilemas – Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 9, n. 3, pp.
505-529, 2017.
37
M. DOBRY, Sociologia das Crises Políticas, São Paulo, Editora da Unesp., 2014.
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