Manejo Da Síndrome de Realimentação
Manejo Da Síndrome de Realimentação
Manejo Da Síndrome de Realimentação
DOI:10.34119/bjhrv3n6-238
RESUMO
A síndrome de realimentação (SR) possui alta prevalência, em especial em pacientes desnutridos,
no entanto, esta condição é negligenciada na maioria dos casos, apesar da sua potencial fatalidade.
Pode ser definida como um grupo de complicações relacionadas a uma mudança grave de líquidos
e eletrólitos associada a anormalidades metabólicas, em pacientes em jejum prolongado ou
desnutridos, que são realimentados com uma quantidade de nutrientes superior à sua capacidade
metabólica, podendo ser desencadeada ao reiniciar ou aumentar substancialmente o fornecimento
de energia por via oral, enteral ou parenteral nesses pacientes. A identificação precoce de pacientes
em risco e o reconhecimento da SR são cruciais. As principais recomendações que trazem o tema
foram publicadas em 2010, pelo National Institute for Health and Clinical Excelence (NICE) e
recentemente, em 2020, a American Society of Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN)
publicou um consenso, o qual incluiu adições aos critérios anteriores do NICE, como a adição de
resultados de exames físicos, incluindo perda de gordura subcutânea e massa muscular. Para a
prevenção da SR, é preconizada que a reintrodução da dieta seja feita de forma lenta e gradual,
com a monitoração diária dos eletrólitos, além de prescrição de vitaminas, com destaque para a
tiamina. A SR requer tratamento imediato com reposição de eletrólitos, diminuição da terapia
nutricional e controle imediato de sintomas. Diante disso, faz-se necessário que a equipe
multiprofissional tenha conhecimento amplo a respeito dessa síndrome, a fim de que medidas
efetivas de prevenção e tratamento possam ser tomadas.
ABSTRACT
Refeeding syndrome (RS) has a high prevalence, especially in malnourished patients, however,
this condition is neglected in most cases, despite its potential fatality. It can be defined as a group
of complications related to a severe change of fluids and electrolytes associated with metabolic
abnormalities, in patients on prolonged fasting or malnourished, who are fed with an amount of
nutrients greater than their metabolic capacity, which can be triggered upon restart or substantially
increase energy supply orally, enterally or parenterally in these patients. Early identification of
patients at risk and recognition of RS are crucial. The main recommendations on the topic were
published in 2010 by the National Institute for Health and Clinical Excelence (NICE) and recently,
in 2020, the American Society of Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) published a
consensus, which included additions to the criteria previous NICE tests, such as adding physical
exam results, including loss of subcutaneous fat and muscle mass. For the prevention of RS, it is
recommended that the reintroduction of the diet be done slowly and gradually, with daily
monitoring of electrolytes, in addition to the prescription of vitamins, with emphasis on thiamine.
RS requires immediate treatment with electrolyte replacement, decreased nutritional therapy and
immediate symptom control. Given this, it is necessary that the multiprofessional team has
extensive knowledge about this syndrome, so that effective prevention and treatment measures
can be taken.
1 INTRODUÇÃO
A prevalência de síndrome de realimentação (SR) corresponde a cerca de 36,8%, no
entanto, esta condição é negligenciada na maioria dos casos, apesar da sua potencial fatalidade
(OLTHOF et al., 2018). Alguns estudos demonstram que a incidência da SR pode ser de até 48%
em pacientes desnutridos e 14% na população geriátrica, no entanto, trata-se de uma condição que
pode ser evitada. Diante disso, faz-se necessário o rastreio para que se possa identificar
precocemente os pacientes que estão em risco, bem como o manejo adequado para prevenção e
tratamento dessa patologia (FRIEDLI et al., 2017).
2 FISIOPATOLOGIA
A SR pode ser definida como um grupo de complicações relacionadas a uma mudança
grave de líquidos e eletrólitos associada a anormalidades metabólicas, em pacientes em jejum ou
desnutridos, que são realimentados com uma quantidade de nutrientes superior à sua capacidade
metabólica (CAMPOS, 2013). Pode aparecer logo (horas a dias, até 5 dias) após reiniciar ou
aumentar substancialmente o fornecimento de energia nesses pacientes (DA SILVA; SERES;
SABINO, 2020). Pode desenvolver-se em todas as formas de nutrição (oral, enteral ou parenteral),
no entanto, é mais frequentemente observada em pacientes recebendo nutrição enteral (NE),
devido à estimulação do GLP-1, seguida pela nutrição parenteral (NP) (FRIEDLI et al., 2017;
OLTHOF et al., 2018).
A fisiopatologia da SR pode ser explicada pela redução na secreção de insulina induzida
pela inanição e baixa ingestão de carboidratos, provocando um estado catabólico, induzido pelo
jejum e aumento da secreção de glucagon, que faz com que as gorduras e proteínas sejam
catabolizadas para produção de energia, bem como depleção de fontes intracelulares de vitaminas
e eletrólitos (SOUZA; RIBEIRO, 2015).
Após o início da ingestão nutricional em pacientes em estado de jejum e catabolismo,
ocorre uma repentina mudança na fonte de energia de lipídios para carboidratos (CAMPOS, 2013).
O aumento da oferta de glicose leva a estímulo da secreção de insulina, promove aumento
repentino da captação de glicose, levando a uma grande mudança nos eletrólitos com captação
celular de fosfato, potássio, magnésio, além de aumento da retenção de sódio e água, e expansão
do volume extracelular (FRIEDLI, et al., 2017). Essa captação de nutrientes e eletrólitos leva a
um decréscimo repentino da concentração destes no plasma, por desvio desses íons para o espaço
intracelular (GARIBALLA, 2008).
As consequências clínicas potenciais são a sobrecarga de volume com risco de
insuficiência cardíaca e edema periférico, bem como o deslocamento transcelular e a redistribuição
de fosfato, potássio e magnésio com complicações que ameaçam a vida, como espasmo ou
arritmias cardíacas. Além disso, a hipofosfatemia também afeta a produção de adenosina trifosfato
dependente de fosfato, resultando em possível fraqueza muscular, rabdomiólise e
comprometimento da hematopoiese com sintomas de anemia e redução do suprimento de oxigênio
(FRIEDLI et al., 2017).
3 FATORES DE RISCO
A identificação precoce de pacientes em risco e o reconhecimento da SR são cruciais. As
principais recomendações que trazem o tema foram publicadas em 2010, pelo National Institute
for Health and Clinical Excelence (NICE) e recentemente, em 2020, a American Society of
Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) publicou um consenso, o qual incluiu adições aos
critérios anteriores do NICE, como a adição de resultados de exames físicos, incluindo perda de
gordura subcutânea e massa muscular.
O Quadro 1 (AUBRY, 2018; DA SILVA; SERES; SABINO, 2020), dispõe sobre os
critérios para identificação de pacientes adultos que estão em risco de desenvolver SR.
Disfagia e dismotilidade esofágica (por exemplo, esofagite eosinofílica, acalasia, dismotilidade gástrica)
Estados de má absorção (por exemplo, síndrome do intestino curto, doença de Crohn, fibrose cística, estenose
pilórica, má digestão, insuficiência pancreática)
Câncer
Cirurgia pós-bariátrica
Jejum prolongado
Desnutrição
4 PREVENÇÃO
A prevenção dos pacientes deve ser feita gradualmente, com reintrodução da dieta de
maneira cautelosa, com reposição de eletrólitos, minerais e vitaminas (SAKAI, 2017). De modo
geral, inicia-se a terapia nutricional com baixo aporte calórico e progride ao longo de 5 a 10 dias,
de acordo com o risco individual e as características clínicas (AUBRY et al., 2018). Além disso,
deve-se levar em consideração o status da hidratação, o qual confere um ponto chave no
gerenciamento da SR, uma vez que, mesmo que a conscientização sobre a SR esteja presente e
sejam feitas restrições na oferta de energia, a mesma pode ocorrer devido a mudanças ou
sobrecarga de fluidos intravenosos (TSIOMPANOU; LUCAS; STROUD, 2013).
O Quadro 3 mostra as recomendações detalhadas para o manejo da prevenção da SR
conforme a categoria de risco (AUBRY et al., 2018; DA SILVA; SERES; SABINO, 2020).
Enfermarias: Enfermarias:
Calorias 1º ao 3º dia: 10 – 15 kcal/kg/d 1º ao 3º dia: 5 – 10 kcal/kg/d
4º ao 5º dia: 15 – 25 kcal/kg/d 4º ao 6º dia: 10 – 20 kcal/kg/d
6º dia: 25 – 30 kcal/kg/d 7º ao 9º dia: 20 – 30 kcal/kg/d
A partir do 7º dia: Aporte pleno A partir do 10º dia: Aporte pleno
conforme requerimentos conforme requerimentos
UTI: UTI:
1º ao 3º dia: 10 – 15 kcal/kg/d 1º ao 3º dia: 5 – 10 kcal/kg/d
4º ao 6º dia: 15 – 20 kcal/kg/d 4º ao 6º dia: 10 – 20 kcal/kg/d
7º ao 8º dia: 20 – 25 kcal/kg/d 7º ao 8º dia: 20 – 25 kcal/kg/d
A partir do 9º dia: Conforme fase A partir do 10º dia: Conforme fase
metabólica, condições clínicas e metabólica, condições clínicas e
requerimentos requerimentos
Manter 300 mg, 1 vez ao dia, se paciente em uso de via oral ou enteral.
Nutrição Oral ou Enteral: multivitamínicos devem ser feitos uma vez por dia por no
Multivitamínicos mínimo 10 dias;
Eletrólitos d. Não iniciar ou progredir dieta em pacientes com níveis baixos de eletrólitos até
que seja realizada correção.
5 DIAGNÓSTICO
As definições de SR na literatura são heterogêneas, mas a maioria depende apenas de
distúrbios eletrolíticos, especialmente hipofosfatemia, e outras incluem também sintomas clínicos,
sendo considerado um preditor independente de mortalidade (AUBRY et al., 2018).
De forma geral, o diagnóstico da SR é baseado em hipofosfatemia, definida como uma
diminuição nos valores de fósforo de 0,5 mg/dL (0,16 mmol/L) de qualquer concentração inicial
ou fósforo < 2 mg/dL (0,65 mmol/L), ou se dois eletrólitos (K, P, Mg) diminuírem dos seus valores
normais, desenvolvendo-se logo (horas a dias) após o início da realimentação (DOIG 2015;
FRIEDLI et al., 2017). Excluindo-se pacientes com outras causas principais de hipofosfatemia
(como diálise), paratireoidectomia recente ou tratamento para hiperfosfatemia.
Os distúrbios eletrolíticos podem causar sintomas clínicos, como edema, insuficiência
respiratória ou insuficiência cardíaca, juntamente com desequilíbrio hídrico e deficiências de
micronutrientes (AUBRY et al., 2018).
O prazo crítico para a SR são as primeiras 72 horas, mas pode ocorrer dentro de 5 dias após
o início e progressão da alimentação (DOIG, 2015; DA SILVA; SERES; SABINO, 2020). Quando
distúrbios eletrolíticos estão presentes sozinhos durante esse período, é considerada “síndrome de
realimentação iminente”, e quando associados a sintomas clínicos, considera-se “síndrome de
ou
SIM
NÃ SIM
O
“Síndrome de “Síndrome de
Realimentação Realimentação
iminente” manifesta”
6 TRATAMENTO
Havendo a confirmação da SR, a reposição de eletrólitos deve ser intensificada e a terapia
nutricional deve ser reduzida em 50% por 2 a 3 dias, e os sintomas clínicos devem ser tratados
(AUBRY et al., 2018). O fluxograma para diagnóstico da SR está descrito na Figura 2 (AUBRY
et al., 2018).
7 MONITORAMENTO
O monitoramento deve contemplar:
- A avaliação dos sinais vitais a cada 4 horas nas primeiras 24 horas após o início da nutrição
em pacientes com risco.
- O acompanhamento cardiorrespiratório em pacientes instáveis ou com deficiências graves,
conforme os padrões de referência estabelecidos.
- A avaliação das metas nutricionais diariamente durante os primeiros dias até que o paciente
seja considerado estabilizado (por exemplo, nenhuma necessidade de reposição de
eletrólitos por 2 dias seguidos).
SIM
6.
8 CONCLUSÃO
A SR tem uma alta incidência, sendo uma condição grave que requer uma atenção especial,
devendo ser feitos rastreio e manejo adequados. É observada principalmente em pacientes
desnutridos ou em jejum prolongado, associada ao retorno do fornecimento de nutrientes (oral,
enteral ou parenteral) levando a alterações graves de líquidos e eletrólitos principalmente fósforo,
potássio e magnésio, com maior prevalência da hipofosfatemia. É preconizado que a reintrodução
da dieta seja feita de forma lenta e gradual, com a monitoração diária dos eletrólitos, além de
prescrição de vitaminas, com destaque para a tiamina.
A SR requer tratamento imediato com reposição de eletrólitos, diminuição da terapia
nutricional e tratamento imediato de sintomas. Nesse contexto é vital que a equipe
multiprofissional tenha conhecimento amplo a respeito dessa síndrome, a fim de que medidas
efetivas de prevenção e tratamento possam ser tomadas, uma vez que, quando negligenciada pode
ser fatal.
REFERÊNCIAS
AUBRY, E.; FRIEDLI, N.; SCHUETZ, P., et al. Refeeding syndrome in the frail elderly
population: prevention, diagnosis and management. Clinical and Experimental
Gastroenterology. v. 11, p. 255-264, 2018.
DA SILVA, J.; SERES, D.; SABINO, K. ASPEN Consensus Recommendations for Refeeding
Syndrome. Nutrition in Clinical Practice. v. 35, n. 2, p. 178–195, 2020.
FRIEDLI. N.; STANGA, Z.; SOBOTKA, L., et al. Revisiting the refeeding syndrome: Results of
a systematic review. Nutrition. v. 35, p. 151-160, 2017.
OLTHOF, L. E.; KOEKKOEKB, W. A. C. K.; VAN SETTEN, C., et al. Impact of caloric intake
in critically ill patients with, and without, refeeding syndrome: A retrospective study. Clinical
Nutrition. v 37, n. 5, p. 1609-1617, 2018.