Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes
Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes
Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DOUTORAMENTO EM BELAS-ARTES
Especialidade em Educação Artística
2014
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
DOUTORAMENTO EM BELAS-ARTES
Especialidade em Educação Artística
2014
Agradecimentos
Às minhas orientadoras:
Margarida Calado
Maria Graça Carvalho
Ao:
Instituto Politécnico de Santarém
Escola Superior de Educação
A:
Alberto Rodrigues da Silva
Amélie Calado
Esmeralda Rodrigues da Silva
Fernando Brito
Maria Antónia Linhares
Maria João Amaral
Maria João Fernandes
Patrice Ahossi
Teresa Cavalheiro
João e Teresa Maia Carmo
Palavras-chave:
Ensino Público; disciplinas de Desenho e de Educação Visual; Modelos Educacionais;
Conteúdos Programáticos; Procedimentos Pedagógicos.
Abstract
The main and starting question underlying this research work was the following one: Was
there any relevant paradigm associated with the definition and learning of the Visual
Education discipline that aroused after the Portuguese Carnation Revolution (Portuguese
“Revolução dos Cravos”, also referred to as the “25 April”) in 1974?
To answer this question we conducted a broad and deep research to understand the
evolution of the contents and syllabus of the (former) Drawing discipline in the
Portuguese education systems, since its inception in the nineteenth century, with the
introduction of the public education in Portugal, until the post- 25 April period, more
specifically until the publication of the Law of Basics of the Education System in 1986.
This Law abolished the preparatory and unified/secondary teaching cycles, which
represented the end of the convergence between these two systems of education held
since 1968. This dissertation defends and explains that the fusion of technical and
secondary education systems, accentuated by a history of emergencies, particularly
revolutionary period, was at the genesis of the educational paradigms of the post- 25
April in Portugal.
This research analyzes the various reforms of education and focuses mainly on the
analysis of syllabus and textbooks from which we observed the main educational models
that occurred during the considered period.
The dissertation is structured throughout several chapters, presented in chronological
sequence, in which we analyze the major periods of the Portuguese educational system
history, and its impact on the syllabus of Drawing and Visual Education disciplines.
Keywords:
Public Education; Drawing and Visual Education disciplines, Educational Models,
Syllabus; Pedagogical Procedures
Índice
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Índice
Introdução . .................................................................................................................................... 3
1 Antecedentes ao ensino do Desenho no Sistema Escolar Público ....................................... 13
1.1 A relevância do Desenho no Sistema Clássico ................................................................... 13
1.2 Paradigmas do ensino artístico no Sistema Clássico ........................................................... 16
1.3 Conhecimentos formais implicados na “Ciência do Desenho” ........................................... 19
2 O Sistema de Ensino Público Secundário em Portugal (1836-1905) .................................. 25
2.1 Conceito de Instrução Pública ............................................................................................. 25
2.2 Da utilidade do Desenho ..................................................................................................... 28
2.3 Criação do Ensino Técnico ................................................................................................. 30
2.4 O Desenho nos planos de estudos do Ensino Técnico e do Ensino Liceal.......................... 34
2.4.1 Escolas de Desenho Industrial .......................................................................................... 34
2.4.2 Ensino Secundário- Liceal ................................................................................................ 35
2.5 As Reformas de Jaime Moniz (1894-95) e de Eduardo José Coelho (1905) ...................... 37
2.6 Manuais Escolares ............................................................................................................... 39
2.6.1 O Manual Escolar como objeto de transmissão de conhecimentos e os outros recursos
educativos. ..................................................................................................................................... 39
2.6.2 Compêndios de Theodoro da Motta ................................................................................. 41
2.6.3 Compêndios de José Miguel de Abreu e António Teixeira Machado .............................. 44
3 Primeira República (1910-1926) ........................................................................................... 53
3.1 O Ideário da Escola Nova ................................................................................................... 53
3.2 Faria de Vasconcelos........................................................................................................... 55
3.3 O Ensino Industrial e as Artes Aplicadas ............................................................................ 58
3.4 O Desenho no plano de estudos do Ensino Liceal (Reforma de 1918) ............................... 60
3.5 Manuais Escolares ............................................................................................................... 63
3.5.1 Compêndios de Ângelo Vidal........................................................................................... 63
3.6 Apontamento final ............................................................................................................... 67
4 Reformas Educativas nos anos 30 ......................................................................................... 71
4.1 Enquadramento ................................................................................................................... 71
4.2 Reforma de Cordeiro Ramos (1932) ................................................................................... 72
4.3 Reforma Carneiro Pacheco (1936) ...................................................................................... 74
4.4 Ensino Técnico Profissional ................................................................................................ 75
4.4.1 Programa de Desenho (1º e 2º Ciclos do Curso Industrial) .............................................. 77
4.4.2 Prespetivas para a ultrapassagem do modelo mimético.................................................... 79
4.5 Ensino Liceal....................................................................................................................... 80
4.5.1 Programa de Desenho ....................................................................................................... 81
4.6 Manuais Escolares ............................................................................................................... 83
4.6.1 O “Desenho de Projecções” de José Pereira ..................................................................... 83
4.6.2 Compêndios de Adolfo Faria de Castro............................................................................ 85
5 Reforma de Pires de Lima (1947-1952) ................................................................................ 91
5.1 Enquadramento ................................................................................................................... 91
5.2 Ensino Técnico-Industrial ................................................................................................... 93
5.2.1 Organização Curricular..................................................................................................... 94
5.2.2 Programa de Desenho no Ciclo Preparatório do Ensino Técnico-Industrial .................... 96
5.2.3 O 2º Ciclo do Curso Industrial.......................................................................................... 98
5.3 Ensino Liceal....................................................................................................................... 99
5.3.1 Programa de Desenho ..................................................................................................... 101
5.4 Modalidades de desenho nos sistemas de ensino técnico e liceal. Análise comparativa. . 102
5.4.1 Desenho de expressão livre ou “subjetivo espontâneo ................................................... 102
5.4.2 Trabalhos Manuais ......................................................................................................... 104
5.4.3 Desenho à vista ............................................................................................................... 106
5.4.4 Desenho Geométrico ...................................................................................................... 111
5.4.5 Composição Decorativa .................................................................................................. 114
5.5 Manuais Escolares ............................................................................................................. 118
5.5.1 O Compêndio de Betãmio de Almeida para o 1º Ciclo do Ensino Liceal ...................... 118
5.5.2 O Compêndio de de Helena Abreu e F. Pessegueiro Miranda para o 2º ciclo liceal ...... 124
5.6 Apontamento final ............................................................................................................. 128
6 Período de Transição nos anos 60 ....................................................................................... 133
6.1 Enquadramento ................................................................................................................. 133
6.2 Reforma de Galvão Teles (1964-68) ................................................................................. 135
6.2.1 Criação do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário .................................................... 135
6.2.2 Programa de Desenho ..................................................................................................... 138
7 Fatores de Mudança (início dos anos 70) ........................................................................... 143
7.1 Formação de professores ................................................................................................... 143
7.2 A Contribuição dos Metodólogos para a didática do Desenho ......................................... 145
7.3 Reforma de Veiga Simão (1970-1974) ............................................................................. 148
7.4 Programas de Desenho ...................................................................................................... 150
7.4.1 Ciclo Preparatório ........................................................................................................... 150
7.4.2 Ensino Técnico: “Educação e Comunicação Visual” ..................................................... 161
7.4.3 Ensino Liceal: “Educação Visual e Estética” ................................................................. 162
7.5 Manuais Escolares ............................................................................................................. 165
7.6 Apontamento final ............................................................................................................. 168
8 Pós-25 de Abril de 1974 ....................................................................................................... 171
8.1 Princípios fundamentais do sistema de ensino público ..................................................... 171
8.1.1 Educação para a Democracia .......................................................................................... 172
8.1.2 Participação da Escola na Comunidade .......................................................................... 174
8.1.3 Educação para a Defesa e Valorização do Património ................................................... 176
8.2 Currículo e Objetivos Gerais do Ensino Básico ................................................................ 179
8.2.1 Articulação entre os Objetivos Gerais do Ensino Básico e os Objetivos da disciplina de
Educação Visual .......................................................................................................................... 180
8.3 Programas de Educação Visual ......................................................................................... 182
8.3.1 Ciclo Preparatório, 1975-76 .......................................................................................... 182
8.3.2 Programa de 1978-79...................................................................................................... 185
8.3.3 Ensino Secundário Unificado, 1976 ............................................................................... 190
8.4 Os conceitos básicos do Programa de Educação Visual ................................................... 195
8.4.1 Educação pelo Design .................................................................................................... 195
8.4.2 Comunicação Visual ....................................................................................................... 199
9 Manuais Escolares ................................................................................................................ 205
9.1 Enquadramento ................................................................................................................. 205
9.1.1 Os manuais: Ver e Intervir.............................................................................................. 209
9.1.2 Os manuais: “Descobrir” / “Decidir” ............................................................................. 210
9.1.3 Os manuais: Ver/ Comunicar/ Intervir / Trabalhar ......................................................... 211
9.1.4 Os manuais para Educação Visual de Elza Ramos e Verónica Soares ........................... 212
9.1.5 Os manuais: A Imagem 1 e 2 .......................................................................................... 213
9.1.6 Os manuais de Manoel Lopes para o Ensino Unificado ................................................. 215
9.1.7 Os manuais de Júlio Tuna e Carlos Sousa Rocha para o Ensino Unificado ................... 217
9.2 Os Objetivos da disciplina de Educação Visual nos manuais para o Ciclo Preparatório .. 219
9.2.1 Ver .................................................................................................................................. 219
9.2.2 Comunicar ...................................................................................................................... 222
9.2.3 Intervir ............................................................................................................................ 227
9.2.4 Trabalhar......................................................................................................................... 229
9.3 Objetivos da disciplina de Educação Visual nos manuais para o Ensino Unificado ......... 233
9.4 Análise comparativa dos manuais escolares ..................................................................... 235
Conclusão …………………………………………………………………………………….241
Bibliografia …………………………………………………………………………………….249
Apêndice 1. Legislação para o manual escolar no ensino secundário (1836-1986) .............. 263
Antes da 1ª Républica.................................................................................................................. 263
1ª Républica................................................................................................................................. 265
Após 25 de abril 1974 ................................................................................................................. 271
Apêndice 2. Século XIX: A didática do Desenho nos manuais escolares estrangeiros, e outras
metodologias 273
Francoeur e o Dessain Linéaire ................................................................................................... 273
O Manual de Grandauer e o “Método Estimográfico” ................................................................ 275
Peter Schmith (1768-1853): método alemão para o ensino do Desenho ..................................... 276
O método Inglês (ou o método “a priori”)................................................................................... 276
Referências Bibliográficas (deste Apêndice) .............................................................................. 277
Apêndice 3. Análise transversal dos programas para o Ciclo Preparatório do Curso
Industrial (1952) ........................................................................................................................ 279
Língua Portuguesa ....................................................................................................................... 279
Ciências da Natureza ................................................................................................................... 280
Matemática .................................................................................................................................. 281
Desenho ....................................................................................................................................... 282
Apêndice 4. Ensino Técnico Industrial: Modalidades de Desenho e Disciplinas
Complementares ……………………………………………………………………………..283
Apêndice 5. O contributo dos metodólogos para a didática do desenho: décadas de 50-70 287
João Martins da Costa ................................................................................................................. 287
Calvet de Magalhães ................................................................................................................... 288
Betâmio de Almeida .................................................................................................................... 293
Referências Bibliográficas........................................................................................................... 301
Apêndice 6. Elisabete Oliveira: Conferência de Estágio, Liceu Normal Pedro Nunes (1967)
………………………………………………………………………………………………303
Referência Bibliográfica.............................................................................................................. 306
Apêndice 7. Design Education no sistema educativo inglês – Anos 50-70............................. 307
A educação visual é um dos objetivos da educação pelo Design ................................................ 308
Metodologia de Resolução de Problemas.................................................................................... 308
Design e Expressão: John Lidstone ............................................................................................. 310
Atividades de Ensino-Aprendizagem em Design Education....................................................... 311
Recursos para uma educação em Design ..................................................................................... 311
O professor como “designer” educacional .................................................................................. 312
Referências Bibliográficas........................................................................................................... 313
Apêndice 8. Análise transversal dos programas das várias disciplinas do ensino
preparatório (1975-76) .............................................................................................................. 315
Lingua Portuguesa ....................................................................................................................... 315
Lingua Estrangeira ...................................................................................................................... 316
Ciências da Natureza ................................................................................................................... 316
Matemática .................................................................................................................................. 317
Trabalhos Manuais ...................................................................................................................... 317
Estudos Sociais ............................................................................................................................ 318
1
2
Introdução
3
No plano generalista, remetemos para a Bibliografia a verificação dos conjuntos de
obras respeitantes aos diversos momentos da história desta disciplina. Mas queremos
destacar a História do Ensino em Portugal, desde a fundação da nacionalidade, até ao
fim do regime Salazar-Caetano (1986) de Rómulo de Carvalho, ou O Governo de si
mesmo de Jorge do Ó, textos cuja leitura nos inspirou subtilmente quanto ao plano da
narrativa. Por sua vez, e para a compreensão dos modelos educacionais na educação
artística, são referências incontornáveis a Tese de Doutoramento de João Pedro Fróis
(2005) e a Dissertação de Mestrado de Carolina Palma da Silva (2010).
Passando à análise na especialidade, fizemos o levantamento dos documentos oficiais,
com o objetivo de conhecer as principais Reformas Educativas (ao longo do período
considerado) e, decorrente destas, a publicação dos Programas para as disciplinas de
Desenho e de Educação Visual e dos Manuais Escolares correspondentes a cada época.
Procuramos compreender as mudanças que foram ocorrendo nestas disciplinas através
de sucessivos enquadramentos sociais, políticos e educacionais, de onde se destacam
protagonistas com atuação no sistema de ensino público e, em particular, na didática do
Desenho e da Educação Visual.
Quanto aos Manuais Escolares, é importante referir os critérios que presidiram à sua
seleção. Durante o período de vigência da disciplina de Desenho, verificamos que às
principais Reformas correspondem autores bem definidos, ou seja, com publicações que
vêm a servir à operacionalização dos programas propostos e, em determinadas situações,
observamos até uma coincidência entre a autoria do programa e a autoria do manual
escolar, em particular nos períodos de vigência do Livro Único, o que aconteceu pelas
Reformas de Jaime Moniz em 1895 e de Pires de Lima em 1947.
A apresentação dos manuais não é exaustiva, resumindo-se a um autor ou conjunto de
autores por cada um dos períodos onde se assistem a pontuais alterações na disciplina,
nomeadamente nos seus conteúdos ou nas suas metodologias. A escolha incidiu sobre os
autores que nos pareceram ter reproduzido mais adequadamente, pelo texto e pela
imagem, a ideologia das reformas e os programas por elas propostos.
Após 1974, com a mudança de regime político, as regras de produção e comercialização
dos manuais escolares são liberalizadas, fazendo surgir, por iniciativa das editoras,
várias publicações em simultâneo num regime de livre concorrência. Estas publicações
foram selecionadas e analisadas por nós, com o objetivo de verificar se existiam ou não
interpretações autorais, e em que medida é que estas interpretações concorreram para o
entendimento do programa da disciplina de Educação Visual.
Esquematicamente, poderíamos dizer que nos norteamos pelos seguintes objetivos:
- Compreender a origem dos saberes e das metodologias nas disciplinas de Desenho e
de Educação Visual;
- Analisar comparativamente a política das Reformas Educativas e os seus efeitos nos
enunciados programáticos;
4
- Identificar os saberes e as metodologias de ensino nas disciplinas de Desenho e de
Educação Visual;
- Analisar a articulação vertical dos programas de modo a compreender a
sequencialidade e progressão dos conteúdos;
- Analisar a articulação horizontal de programas de ciclos de estudos de modo a
compreender, em determinados momentos, a aplicabilidade de princípios
pedagógicos transformadores;
- Verificar a contribuição dos manuais escolares para a operacionalização dos
Programas.
Organização da Tese
A Tese é composta por um volume principal em suporte papel, um conjunto de textos
informativos e complementares reunidos em Apêndices e dois Anexos (Anexo A.
Programas e Anexo B. Manuais Escolares) apresentados em suporte CD.
Tendo em conta a extensão temporal desta investigação, decidimos proceder à
planificação do trabalho a partir de uma rigorosa estrutura cronológica, tendo como
referência, em cada período, (1) as reformas educativas, (2) os programas publicados
para as disciplinas de Desenho e Educação Visual do que se considera atualmente os 2º e
3º ciclos da escolaridade e (3) os manuais escolares respetivos. A observação das
ocorrências e dos mapas concetuais norteadores dos currículos das disciplinas analisadas
permitiu-nos avançar com a hipótese duma quebra da unidade tradicional (Desenho
Geométrico – Desenho à Vista – Composição Decorativa) a partir dos anos 70, com a
chamada Reforma Veiga Simão.
O nosso trabalho é constituído por nove capítulos. No primeiro capítulo apresentamos o
estado da educação artística em Portugal e as conceções dominantes, antes da
instauração do sistema público de ensino. Os cinco capítulos seguintes correspondem ao
período em que a disciplina, com a designação de Desenho, se organiza durante cerca de
um século à volta de uma estrutura composta por conteúdos estabilizados e comuns,
quer ao ensino técnico, quer ao ensino liceal, independentemente das suas diferentes
vocações e metodologias.
Os três últimos capítulos correspondem ao período compreendido entre 1973 e finais dos
anos 80. Um período caraterizado por ensaios e experiências pedagógicas acentuadas
pela ideologia revolucionária e reconstrutora do pós-25 de abril, em que se procura
romper com a estrutura programática anterior.
Pela publicação, em 1986, da primeira da Lei de Bases do Sistema Educativo após o 25
de Abril, verificam-se uma tendência à estabilização de toda a atmosfera de
experimentalismo vivida no período revolucionário e a confirmação dos novos
princípios educacionais.
5
No Capítulo 1 iremos referir-nos aos antecedentes do ensino do Desenho no sistema
público de ensino em Portugal, em particular as conceções dominantes na educação
artística durante o século XVIII. Estas concepções regulam-se pelos valores do “sistema
clássico”, pelo que daremos informação acerca dos paradigmas do ensino artístico com
origem neste modelo e dos conhecimentos formais implicados na ciência do desenho. Os
autores de referência para esta análise são Francisco de Holanda e Machado de Castro.
No Capítulo 2, abordaremos o surgimento do Sistema Público de Ensino em Portugal e
a criação dos sistemas de ensino técnico e liceal. O período considerado decorre entre as
Reformas de 1836 e de 1905. A ideologia que fundamenta a inclusão do Desenho como
matéria do elenco do plano de estudos é de natureza instrumental e utilitarista, se bem
que em 1905 se observe uma tendência que valoriza o Desenho como fator de
desanuviamento intelectual, educação moral e estética. Os manuais escolares
selecionados para a análise da disciplina de Desenho são da autoria de Theodoro da
Motta e da parceria formada por José Miguel de Abreu e Luiz António Machado, que
nos permitirão observar, respetivamente, as didáticas do desenho linear e do método
estimográfico.
O Apêndice 1: Legislação para o manual escolar no ensino secundário (1836-1986), é
transversal a todos os capítulos, uma vez que reúne informação acerca dos principais
diplomas que legislaram as condições de existência e produção dos manuais escolares.
Com o Apêndice 2. Século XIX: A didática do Desenho nos manuais escolares
estrangeiros e outras metodologias, pretendemos sintetizar e compilar informação
obtida a partir da investigação de Glaucia Trinhão1, pela qual nos dá nota das possíveis
influências sofridas pelos nossos programadores e autores de manuais escolares entre o
século XIX e inícios do século XX.
No Capítulo 3, focamo-nos nas ideologias educativas que emergem durante o período
da 1ª República e nas suas consequências ao nível da conceção da escola e do educando.
Analisamos as Reformas e respetivos programas para a disciplina de Desenho nos
sistemas de ensino técnico e liceal e verificamos, no compêndio de Ângelo Vidal, as
subtis mudanças que este introduz com a sua interpretação do programa, nomeadamente
pela conceção de um pequeno manual onde expõe paralelamente as matérias pelas vias
textual e iconográfica, pela simplificação dos enunciados e dos exercícios em
conformidade com um plano de progressão gradual mais adequado à idade dos alunos;
por uma linguagem coloquial que procura aproximar o aluno e o professor; pela
ilustração de exemplos tirados do quotidiano no pressuposto de que o aluno deveria
partir do concreto para o abstrato.
1
Gláucia TRINHÃO (2008). O Desenho como objeto de ensino. História de uma disciplina a partir dos Livros Didáticos Luso-
Brasileiros oitocentistas. Tese de Doutoramento. Universidade da Vale do Rio dos Sinos. S. Leopoldo. Brasil.
6
O Capítulo 4 corresponde ao primeiro período do Estado Novo, com as Reformas dos
anos 30: de Cordeiro Ramos, em 1932, e de Carneiro Pacheco, em 1936. Um período de
carência económica que obriga a uma redução curricular, verificando-se, entre outras
medidas, a associação das disciplinas de Desenho e de Trabalhos Manuais. Procuram
definir-se finalidades distintas para os 1º e 2º ciclos do ensino secundário e atender à
progressão cuidadosa das matérias. Na disciplina de Desenho, a principal alteração
consiste no surgimento da modalidade de “Desenho de Imitação à mão Livre” o que
representou um afastamento relativamente ao método estimográfico, ainda praticado nas
escolas. Os manuais escolares que selecionamos para representar este período, foram o
de José Pereira, Desenho de Projecções (Ensino Técnico), e o Livro de Desenho (1º, 2º e
3º anos dos Liceus) de Adolfo Faria de Castro, um professor que se destacou
particularmente na defesa do “desenho de imitação à mão livre”.
No Capítulo 5, abordamos a Reforma de Pires de Lima (1947-1952), pela qual se
verifica uma assinalável centralização administrativa e uniformização pedagógica e
curricular entre os sistemas de ensino técnico e liceal, ainda que, paradoxalmente, se
insista na vocação diferenciada destes sistemas de ensino. Consequentemente, o ensino
técnico perde a sua tradicional autonomia na gestão dos currículos, sendo publicados,
pela primeira vez e em extenso documento, todos os programas para as diversas
modalidades de desenho neste sistema de ensino, que abordamos resumidamente.
Apresentamos igualmente uma análise das modalidades de desenho nos sistemas de
ensino técnico e liceal, procurando verificar os seus aspetos comuns e os seus aspetos
divergentes. As principais alterações observam-se no 1º ciclo de ambos os sistemas,
agora regulados por opções pedagógicas que dão o primado aos alunos, surgindo novas
conceções tais como o valor da estimulação e os “centros de interesse”. Na disciplina de
Desenho, verifica-se a emergência de novos valores, como o desenvolvimento da
expressão pessoal e da cultura estética, surgindo como tal as modalidades do “Desenho
Livre” ou “Desenho subjetivo espontâneo” para o 1º ciclo e o “Desenho à vista” ou
“interpretativo” para o 2º ciclo. Os manuais escolares que selecionamos para a
observação destas alterações são o de Betâmio de Almeida para o 1º Ciclo liceal e o de
Maria Helena Abreu e Pessegueiro Miranda para o 2º ciclo liceal.
Parte das conclusões a que chegamos no que diz respeito ao ensino técnico industrial,
têm como sustentação a análise de programas, conforme detalhamos no Apêndice 4.
Análise transversal dos programas para o Ciclo Preparatório do Curso Industrial
(1952). Realizámos igualmente o levantamento de todas as modalidades de Desenho e
disciplinares complementares do currículo do Ensino Técnico Industrial, que
apresentamos esquematicamente sintetizado no Apêndice 5. Ensino Técnico Industrial:
modalidades de Desenho e disciplinas complementares
O Capítulo 6 reporta-se aos anos 60, um período que consideramos de transição,
caraterizado por uma sociedade em vias de modernização, mas também de contestação.
Neste capítulo referimos a criação do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, pela
7
Reforma de Galvão Teles entre 1964 e 1968, naquele que será o primeiro momento de
convergência curricular entre os sistemas do ensino técnico e liceal. Se por esta
convergência ainda não se verificam alterações significativas ao elenco dos conteúdos
tradicionais, observa-se no entanto um predomínio das metodologias provenientes do
ensino técnico, nomeadamente um tipo de trabalho mais ativo e a consideração pelo
meio ambiente como ponto de partida para as aprendizagens a realizar nesta disciplina.
No Capítulo 7, abordamos o período correspondente à Reforma de Veiga Simão (1970-
1974) e apresentamos um conjunto de ocorrências que nos parece terem contribuído para
o surgimento de novas perspetivas na didática do Desenho, nomeadamente o papel dos
metodólogos e a dinâmica gerada pela formação de professores. Apresentamos as
principais linhas da Reforma Veiga Simão e os programas para as disciplinas de
Desenho ou de Educação Visual (ainda se oscila entre as duas designações) para o Ciclo
Preparatório e para o curso geral do ensino secundário dos sistemas de ensino técnico e
liceal. Nestes programas observa-se a introdução de novos conceitos decorrentes das
teorias da perceção visual, nomeadamente os que dizem respeito à comunicação e à
gramática da linguagem visual.
A formação de professores e a ação decisiva de metodólogos relevantes, mereceu-nos
uma análise particular, que compilamos no Apêndice 5. O contributo dos metodólogos
para a didática do desenho: décadas de 50-70, e no Apêndice 6. Elisabete Oliveira:
Conferência de Estágio, Liceu Normal Pedro Nunes (1967), apresentamos uma análise
das experiências introduzidas por Elisabete Oliveira, num período que se carateriza pela
procura de novos caminhos na disciplina de Desenho.
Uma contribuição decisiva para o encontro com uma nova orientação a dar à disciplina
de Desenho encontra-se nas experiências educativas que ocorriam entretanto no sistema
de ensino técnico em Inglaterra, cujo conhecimento veio a influenciar as decisões
futuras dos nossos programadores. Este é o assunto que tratamos Apêndice 7: Design
Education no sistema educativo inglês – Anos 50-70.
O Capítulo 8 aborda o período decorrente do 25 de Abril de 1974. Começamos por
analisar os textos da Constituição da República Portuguesa de 1976 e da primeira
Revisão Constitucional, realizada em 1982, a partir dos quais extraímos o sentido do que
nos pareceram constituir os princípios fundamentais do sistema público de ensino,
nomeadamente: a formação de cidadãos para participar numa sociedade democrática;
uma educação que ensine a valorizar o património; e a promoção dos laços entre a
escola e a comunidade. Estes princípios são analisados à luz da história do nosso sistema
de ensino e verificados nos objetivos gerais do ensino e, decorrente destes, nos objetivos
gerais da disciplina de Educação Visual. Finalmente, analisamos os programas para a
disciplina de Educação Visual do Ensino Preparatório e do Ensino Unificado, dos quais
procuramos extrair os principais conceitos e orientações pedagógicas.
Em complementaridade com este capítulo apresentamos no Apêndice 8. uma Análise
transversal dos programas das várias disciplinas do ensino preparatório (1975-76) com
8
o intuito de verificarmos a visibilidade e aplicação daqueles que considerámos os
princípios fundamentais do sistema público de ensino no pós-25 de Abril.
No Capítulo 9, procedemos à análise crítica dos manuais escolares publicados para a
disciplina de Educação Visual no Ciclo Preparatório e no Ensino Unificado (7º e 8º
anos), entre finais dos anos 70 e meados dos anos 80. A partir desta análise pretendemos
verificar o modo como estes manuais souberam ou não operacionalizar os princípios
programáticos e qual é a “imagem” que eles nos dão da disciplina de Educação Visual.
A publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 constitui o limite temporal
da nossa investigação. Com esta Lei extinguem-se as designações “Ciclo Preparatório”
e “Ensino Unificado”, o que representa o final dum período transitório iniciado no final
dos anos 60. A escolaridade obrigatória passaria
a compreender os primeiros três ciclos do ensino básico.
Relativamente aos Anexos, reunimos no Anexo A, os Programas para as disciplinas de
Desenho e de Educação Visual correspondentes ao período em estudo. Estes Programas
são digitalizados e transcritos, em alguns casos parcialmente, devido à extensão e ao
mau estado dos documentos. No Anexo B apresentamos, digitalizadas, algumas partes
dos manuais escolares selecionados, de modo a dar a ver, em cada um deles, os
respetivos índices, grupos de páginas correspondentes à didática dos principais
conteúdos ou de unidades didáticas, como é o caso dos manuais realizados a partir de
finais dos anos 70. Nestas digitalizações poderá também observar-se a organização
textual e a estratégia iconográfica proposta pelos autores.
Pertinência do Estudo
O estudo que realizámos pretende colmatar uma lacuna na formação dos professores de
Educação Visual – a do conhecimento do passado desta disciplina no sistema público de
ensino português. Nomeadamente, a origem dos conteúdos que lecionamos, as
disposições pedagógicas pelas quais nos regemos, e princípios educativos que se foram
consolidando ao longo dos tempos e que, como o nosso trabalho demonstrará, são no
presente o resultado de uma longa laboração concetual. Assim é, que os vemos
repetidos, Reforma após Reforma, até se verificarem as condições políticas, sociais e
educativas para a sua devida concretização. Iremos demonstrar como os principios
básicos do - Ver, Representar e Criar - se vão mantendo constantes, mas reajustados em
função das caraterísticas dos educandos e, em cada época, em função do papel da escola
na sociedade e dos recursos existentes.
Conforme explicamos na descrição dos capítulos, a estratégia que escolhemos centrou-
se na análise de documentos oficiais (Reformas, Programas e Manuais Escolares), que
apresentamos por ordem cronológica. Verificámos que existem períodos durante os
quais parecem existir poucas alterações, de tal modo que a narrativa parecerá um tanto
repetitiva. Existem porém, outros períodos, onde mudanças significativas parecem
9
desencadear-se com uma urgência e uma aceleração imparáveis. Para utilizar uma
metáfora, veja-se a construção duma estrutura disciplinar como se fosse uma parede de
taipa. Algumas reformas contribuem com pequenas pedras, outras, com traves-mestras.
Ao tomar os documentos oficiais como principal fonte de informação, reconhecemos
que existe todo um potencial de investigação a realizar no dominío informal,
nomeadamente no que diz respeito às práticas dos professores, às suas representações
desta disciplina, ao feedback dos alunos. Em termos de futuras investigações, o nosso
trabalho poderá ser de bastante utilidade para: a localização precisa de informação
legislativa e manualística; a identificação de princípios educacionais na disciplina de
Desenho e de Educação Visual; o estudo separado dos conteúdos e da sua abordagem ao
longo dos tempos; e para uma melhor compreensão dos programas que nos regem desde
a Reforma Curricular de 1989 até hoje.
10
Fig.1. Ilustração de fernando Brito a partir do texto de Machado de Castro: Discurso sobre as utilidades do Desenho.
1787. Pp. 5-8.
11
12
1 Antecedentes ao ensino do Desenho no Sistema
Escolar Público
22
Francisco de HOLANDA (a partir do original de 1548). Diálogos de Roma. Livros Horizonte. 1984: Introdução e Prefácio de José
da Felicidade Alves. Pp. 53-54. Francisco de Holanda volta a referir-se às aplicações do desenho e á sua utilidade para o
desenvolvimento das diversas áreas do conhecimento e prestígio da nação, em carta datada de 1571 e dedicada ao Rei D. Sebastião.
Esta carta intitula-se De quanto serve a sciência do Desenho e entendimento da arte da Pintura, na república cristã, assim na paz
como na guerra (23 págs. nesta edição). Este documento conhecido mais comunmente por Da Ciência do Desenho foi divulgado
pela primeira vez por Joaquim de Vasconcelos na revista Archeologia Artística (1879), onde apresenta o estado da investigação
relativa às obras de Holanda (Prólogo: XXVII-XXIX).
13
cartografia); as Ciências Naturais (desenho científico); a Engenharia e a Arquitetura,
civis e militares (desenho construtivo e projetivo); as Belas Artes e todos os ramos das
chamadas “artes e ofícios”. A consideração pelo desenho devido à sua vocação utilitária
tem já visibilidade nos Estatutos Pombalinos da Reforma da Universidade de Coimbra
(1772) onde este saber é incluído no plano de estudos do curso de Medicina como
disciplina opcional, e cuja finalidade seria de ter em conta quando fosse necessário
executar as estampas botânicas e anatómicas. Em outros cursos, como os de Matemática
e de Arquitetura Civil e Militar, o desenho era já um saber historicamente consolidado3.
Em Portugal desde a época de D. João IV que o ensino do desenho associado às
especialidades militares é organizado em manuais ou Tratados, destacando-se Luís
Serrão Pimentel (1613-1638)4 e Manuel de Azevedo Fortes (1660-1749)5, pelo seu
pioneirismo neste domínio. Entre os finais do século XVII e XIX foram criadas uma
série de novas instituições educativas com predomínio para a formação militar e técnica
científica: em 1779, a Academia Real da Marinha, Lisboa; em 1790, a Academia Real
de Fortificação, Artilharia e Desenho; em 1796, a Escola de Engenheiros Construtores
Navais; em 1814, o Colégio Militar em Lisboa. Neste colégio verifica-se uma estrutura
embrionária do que mais tarde será conhecido por “formação geral”. Os cursos eram de
seis anos e das disciplinas do curso constavam: Desenho de Figura (1º e 2º ano) e
Desenho de Arquitetura (3º, 4º, 5º e 6º anos)6.
Durante o Reinado de D. Maria I são igualmente fundadas a Academia Real das
Ciências (1779) e a Real Casa Pia de Lisboa (1780), onde entre outras matérias se
ensinava o desenho e as “belas artes”, além de diversas tecnologias artísticas7.
No que diz respeito ao ensino artístico, ou seja, o ensino destinado aos estudantes das
artes plásticas e futuros artistas, o processo de transmissão do conhecimento entre os
séculos XVI e XVIII ter-se-á dado em sistemas fechados de ensino particular, ateliers e
academias, baseados sobretudo na experiência direta e no mimetismo do “ver e fazer”,
da passagem do conhecimento do mestre para o aprendiz. Além deste procedimento
direto existia a teorização a partir de uma prática profissional ou artística pela qual os
autores foram sistematizando e divulgando os seus conhecimentos.
Do escol do Renascimento, destacamos três artistas-teóricos que têm em Vitrúvio uma
fonte comum de saber e inspiração: Alberti (1404-1472) com De Pictura8; Leonardo Da
3
Rómulo de CARVALHO (1986). Pp. 475-478.
4
De Luís Serrão Pimentel: Arquitetura Militar ou Fortificação,1659; Método Lusitânico de Desenhar fortificações e praças regulares
e irregulares, 1680.
5
De Manoel de Azevedo Fortes: Tratado de Engenharia Militar, O Engenheiro Portuguez, 1722.
6
Rómulo de CARVALHO (1986): 515-517.
7
Idem: 523 e segs.
8
Este Tratado escrito em 1435 oferece uma análise de todas as teorias e técnicas da Pintura, conhecidas à época, e inclui a primeira
descrição da perspetiva geométrica linear, concebida por Brunelleschi por volta de 1416. O Tratado está dividido em três partes: I.
Os Rudimentos; II. A Pintura; III. O Pintor. Alberti aborda a arte da Pintura mediante três procedimentos sequenciais: o Disegno,
que consiste no delineamento das coisas, do estabelecimento da sua posição no espaço e demarcação de fronteiras entre os
elementos; A Compositio, ou composição, o que significa a organização da imagem, distribuição dos elementos e linhas de força, de
forma a apresentar o assunto ou tema da pintura, sendo que o objetivo seria o de inventar uma história através da imagem. O assunto
da Pintura e o modo como este seria apresentado, seria a forma de esta arte se conectar com a poesia e por sua vez com as ars
14
Vinci (1452-1519) e o Tratado de Pintura; Dürer e os estudos sobre a proporção
humana, a geometria e a perspetiva, normas que continuamos a ter como referência no
ensino artístico.
Em Portugal assinalamos como herdeiros e divulgadores do pensamento clássico e dos
modos de fazer a arte, Francisco de Holanda (1517-1785) e Machado de Castro (1731-
1822) e será através das suas obras escritas que iremos analisar os paradigmas deste
modelo e das suas perspetivas para o ensino artístico.
De acordo com Pereira o sistema clássico carateriza-se por um corpo único de definição
conceptual, informação artística, justificação histórica, vocabulário e método9. Pela sua
racionalidade e persistência temporal fez escola - o “academismo”.
As expressões “academismo”, “ensino académico” ou “ensino tradicional” significam
antes de mais, um tipo de método de ensino para a formação de artistas. Os conteúdos
pedagógicos têm origem no séc. XVI com a teoria e a revolução pictórica realizadas
pelos artistas do renascimento italiano. Como modelo escolar tem origem na Accademia
delle Arti del Disegno fundada em 1563 sob a orientação de Vasari, e na Academia de S.
Lucas em Roma, fundada em 1577. Um século mais tarde, em Paris, um grupo de
pintores liderados por Charles Le Brun fundaria em 1648 a Academia Real de Pintura e
Escultura de França10. Esta Academia contribuiu para a difusão dum corpo de
conhecimentos que se pretenderam universais, ao criar um modelo pedagógico baseado
na tratadística do sistema clássico, que se tornou um exemplo para todas as escolas de
formação artística. A grande inovação da Academia Francesa foi o facto de ter
compendiado uma ciência composta por saberes teóricos e práticos, passíveis de serem
ensinados através de métodos formais, sistemáticos e progressivos, tendo como principal
paradigma, a imitação: imitação do mestre, a imitação da natureza e a imitação das obras
helenísticas, secundadas pelos grandes artistas do Renascimento.
A aproximação aos valores da cultura clássica e o aperfeiçoamento dos artistas
portugueses torna-se o motivo pelo qual ao longo dos séculos XVIII e XIX se irá
promover uma política de intercâmbios entre Portugal e Itália, no sentido de receber
artistas aí formados e de enviar os nossos melhores alunos de Belas Artes como
bolseiros nesse país. A este propósito, Machado de Castro viria a afirmar em diversos
escritos, que as lacunas portuguesas no domínio das artes resultariam da deficiente
instrução, pelo que reivindica a necessidade da aprendizagem do desenho por parte de
liberalis, objetivo formulado pela expressão ut pictura poiesis. O terceiro parâmetro corresponde à Luminium, ou seja, aos aspetos
relacionados com a aplicação da cor e da luz.
Alberti defende a prática artística como um dos ramos das arts liberalis, e nessa medida, ao aprendiz não bastaria a prática do
ateliê, um processo típico da formação do artesão, mas uma preparação que se iniciaria pelo estudo da geometria e da ótica.
No Livro III, dedicado à formação do pintor, refere a necessidade deste ser virtuoso do ponto de vista moral e do ponto de vista do
saber, persistente e dedicado ao estudo. Na crença de que a capacidade de inventar seria uma atributo humano e racional, esta
capacidade resultaria da convergência dos diversos conhecimentos e de capacidades pessoais.
9
José Fernandes PEREIRA (1999). A Cultura Artística Portuguesa. Sistema Clássico: pag.3.
10
VITET, Ludovic (1802-1873). L'Académie Royale de Peinture et de Sculpture : étude historique. Michel Lévy Fréres, Libréres
Editeurs. Paris 1861. In: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k58322551/f6.image (acedido em 13-09-2011).
15
todos os cidadãos, apelando às entidades régias para a proteção e desenvolvimento do
ensino artístico em Portugal, a criação de bolsas de estudo para Itália, o país
artisticamente fundador, e preconizando que dessas viagens resultasse também a
aquisição de material didático11.
De facto, ao longo do século XVIII, observam-se diversas iniciativas em prol da
formação artística, tais como a fundação da Academia de Portugal em Roma (local de
acolhimento e estudo dos melhores alunos portugueses); a Escola de Escultura de Mafra;
a Aula de Gravura Artística; a Aula de Desenho da casa Pia; ou a Academia do Nú de
Cirillio Volkmar Machado.12 De acordo com Ana Marques, assiste-se no virar do século,
a uma grande proliferação de escolas e aulas das mais diversas artes, mas com uma clara
afirmação do desenho como instrumento da pintura, da escultura e da gravura, artes que
começam nesta altura em Portugal a intervir de forma ativa no panorama educativo,
sistematizando o seu ensino e propiciando o começo da intervenção teórica por parte dos
seus artistas13.
A procura de uma unidade no sistema de ensino artístico irá verificar-se em finais do
século XVIII, primeiramente pela criação da Aula Régia de Desenho, e em 1836, com a
Reforma de Passos Manuel. Esta Reforma permite-nos observar o delineamento de uma
estrutura educativa moderna, que inclui a educação artística ao nível dos estudos
secundários, criando-se para o efeito, as Academias de Belas Artes de Lisboa e do Porto
e a inclusão do desenho como matéria do currículo escolar desde a instrução primária.
11
Em Discurso sobre as utilidades do Desenho, p. 9, Machado de Castro refere-se às qualidades inatas dos portugueses para o
trabalho artístico, mas a quem faltaria instruir e animar. Neste sentido apela à Rainha para que promova a instrução e proteção das
Artes.
12
Guia da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa: “O ensino artístico e as origens da FBAUL”: 14, 15.
13
Ver Ana Marques : O Ensino das Artes em Portugal. In: http://www.academia.edu/1230787/O_ensino_das_artes_em_Portugal
(acedido em 21-10-2011).
16
No sistema clássico todas as artes se realizam segundo uma metodologia, caraterizada
pela progressão. O método proposto por Francisco de Holanda, à semelhança dos seus
contemporâneos renascentistas, que dão à Arte o estatuto de Ciência, supõe a observação
de três regras: a primeira é invenção ou ideia; a segunda é proporção ou simetria; a
terceira é decoro ou decência14.
Quer na pintura quer na escultura, o ponto de partida é a ideia, ou a observação e
imitação da natureza, seguida da análise e síntese das formas através do esquisso e do
desenho, e posterior composição segundo as particularidades de cada um dos meios de
expressão. Nas obras de expressão tridimensional a figura humana é o principal motivo
da representação. A sua construção implicaria primeiramente um estudo racional da
estrutura, mediante cálculos matemáticos, regras da geometria e da proporcionalidade.
Na pintura, haveria de proceder-se a uma “arquitetura” compositiva dos elementos do
cenário jogando com as leis da perspetiva, e a representação das figuras obedecendo aos
cânones da proporcionalidade. Finalmente o acabamento haveria também de
corresponder a uma judiciosa aplicação da luz e da sombra em acordo com uma
estrutura cromática contida.
A representação visual podia revelar tanto os objetos reais (concretos) como as
realidades invisíveis e totalmente imaginárias. Um dos aspetos valorizados quer numa
situação quer na outra, é a ousadia pictórica, e a capacidade de inventar ou alterar a
natureza formal das coisas. Neste sentido, o “bom” pintor não seria somente aquele que
executaria bem, mas aquele que conseguia exprimir e suscitar emoções.
O conceito base do sistema clássico é o da imitação. É baseado nesse princípio
ordenador que a arte é feita e pensada, distinguindo-se da sua antecedente, a arte
medieval, e é contra esse paradigma que a arte contemporânea se irá instaurar.
O conceito de imitação surge no desenvolvimento da expressão grega mimesis, podendo
significar: representação, apresentação e também expressão. Aplicada às artes plásticas,
mimesis, é no seu sentido mais comum, a reprodução das aparências de qualquer coisa,
se bem que este sentido no sistema clássico ultrapasse a mera cópia, uma vez que é
valorizada a genialidade do artista na superação da natureza pela sua capacidade de
expressão individual.
Imitação implica a existência de modelos (objetos, imagens ou seres vivos), o que
inclui igualmente um valor moral. Poderá tratar-se da imitação de objetos ou imagens
que correspondem à ideia clássica de belo, e trata-se igualmente da imitação do Mestre,
como modelo humano de comportamento e sabedoria, ou descendo na escala, a imitação
do “bom” aluno. A imitação da natureza e a imitação do Mestre são referidas por
Francisco Leitão Ferreira (1667-1735) na Nova Arte dos Conceitos, publicada em 1721.
Este autor considera que a imitação é “a Mestra dos mestres e a arte de todas as artes”,
pois todas as artes nobres ou mecânicas “se estudarão pelos exemplos de ilustres e
14
Da Pintura Antiga (1984): p. 20.
17
afamados artífices e até com os próprios animais. Assim é com a arquitetura como o
trabalho das abelhas, ou com a tapeçaria, derivada do exemplo das aranhas”. Segundo
José Fernandes Pereira “em Portugal, a imitação enquadra-se em vários graus já
precisos pelo autor setecentista. Tendo como incontornável a existência dum modelo, a
imitação pode produzir estes resultados: adotar uma disposição e um significado
diferentes; aumentar ou diminuir; transformar-se; exprimir o contrário; imitar por
semelhança o mesmo resultado com recursos diferentes”. 15
Além da consideração pela Natureza, o Sistema Clássico pressupunha uma arqueologia
das formas e o seu domínio, nomeadamente, das técnicas construtivas, registo, história
e teorização. Trata-se da imitação de ideais filosóficos e formais da Antiguidade, o que
terá sido um dos grandes problemas para a cultura visual em Portugal, uma vez que os
vestígios patrimoniais da presença romana não se encontravam propriamente em obras
de arte pictórica ou escultórica, mas em obras de engenharia. Este facto terá provocado a
necessidade de se recorrem a modelos: estampas e cópias em gesso, como auxiliares de
ensino nas Academias setecentistas e oitocentistas, e nos primeiros manuais para a
disciplina de Desenho no sistema público de ensino.
Finalmente, importa compreender o que se entende por decoro ou decência, uma vez
que estes conceitos estão intimamente ligados ao que no sistema clássico se entende por
belo, e que veremos no século XIX, frequentemente traduzido pela expressão gosto ou
bom gosto. No sistema artístico clássico, o belo é a concordância com os valores
harmónicos da Antiguidade Clássica, mais propriamente a justa proporção e a simetria, o
decoro e a racionalidade. O belo é também sinónimo de bom gosto. Este adquirir-se-ia
através da sábia observação e imitação da natureza reunida, à maneira dos gregos; do
decoro, ou seja, da relação equilibrada entre a conformidade e a utilidade, onde a
racionalidade seria verificada pela capacidade de síntese, pela procura do equilíbrio e
exclusão do supérfluo, pela adequação entre a forma e a emoção. Neste sentido, a obra
bela equivaler-se-ia em verdade e utilidade, ou como diz Francisco de Holanda a este
propósito: que não se faça nenhuma coisa que não seja desejada de se ver da maneira
como está.16 O mesmo entendimento é traduzido por Machado de Castro, para quem a
ordem, clareza e adequação, são em suma os valores que devem regular o belo, ou o
bom gosto. Fazer uma obra bela, parece-nos assim, uma questão de racionalidade e de
contenção formal, pois conforme afirma este artista:“Imitaremos pois a Natureza como
casualmente a encontramos? Não: pois neste caso, não attendemos à conformidade;
faltamos ao preciso e adoptamos o supérfluo; e em consequência não atinamos com o
bom gosto”17
15
O Sistema Clássico, 1999: 8.
16
Da Pintura Antiga. Pag. 75.
17
CASTRO, Machado de. Discurso sobre as utilidades do Desenho, proferido a 24 de Dezembro de 1787 na Casa Pia do Castelo de
S. Jorge. Lisboa. Impressor António Rodrigues Galhardo. P. 21.
18
Além dos fundamentos conceptuais, existe uma ordem de procedimentos, aplicação de
saberes e posturas físicas, conforme descreve Francisco de Holanda em Da Pintura
Antiga.
1º - Faz-se o esquisso: são as primeiras linhas ou traços que se fazem com a pena ou com o
carvão, dados com grande mestria e depressa, os quais traços compreendem a ideia e
invenção do que queremos fazer, e ordenam o desenho; mas são linhas perfeitas e
indeterminadas, nas quais se busca e se acha o desenho e aquilo que é nossa tensão
fazermos18.
Segundo Joaquim de Vasconcelos19, Holanda, distingue o Desenho, do debuxo ou
esquisso, representando o primeiro a conceção ideal do artista, algo próximo do dessain,
(intenção, desígnio, invenção), enquanto o debuxo seria a representação material e
gráfica dessa intenção, ou seja: esboçar, delinear, traçar – delinear qualquer coisa em
superfície pela simples expressão de linhas; ou imitando-a em claro-escuro20. A esta
primeira fase, seguir-se-ia a composição e finalmente a aplicação da cor e dos
sombreamentos. Um procedimento que iremos ver plasmado e que constituirá a estrutura
programática da disciplina de Desenho no ensino secundário em Portugal até ao início
dos anos 70.
18
Idem, p. 45.
19
Joaquim de VASCONCELOS (1879). Francisco de Hollanda : Da fabrica que fallece á cidade de Lisboa : Da Sciencia do
Desenho. Porto. Imprensa Nacional. Pp. XXII-XXIV.
20
Da Pintura Antiga (edição de 1984). P. 114.
19
Fig. 2. Pietro Francesco Alberti (1584–1638) Academia di Pictori. (Academia de S. Lucas em Roma).
Fonte: http://pt.wikipedia.org/
Um, chegado à direita observa com detalhe um cadáver, na intenção de compreender os
aspetos anatómicos do corpo humano. À esquerda deste grupo, vemos um aprendiz
riscando com uma régua os primeiros traços compositivos na tela, provavelmente uma
das linhas dos sistema perspético da representação espacial, atrás dele o mestre afasta-se,
olha e confirma a correta horizontalidade do traço.
No Plano intermédio um grupo realiza estudos de geometria e um outro observa num
esqueleto, a anatomia do corpo humano. Finalmente em primeiro plano, três grupos
fechando em arco a composição geral. Dois destes grupos analisam mapas, documentos,
poderão fazer cálculos, e um último grupo de dois jovens modela a figura humana em
barro, em escala reduzida, num típico exercício escolar.
A teorização Clássica e Neoclássica deixou-nos aqueles que são considerados em inícios
do século XIX, os conteúdos básicos numa aprendizagem artística, e que veremos
parcialmente reproduzidos nos programas para o ensino do desenho no ensino publico,
nomeadamente no que diz respeito às representações do corpo humano, do espaço, e na
representação do volume e utilização da cor. A saber:
O corpo humano. Considerado desde Vitrúvio, como exemplo perfeito de proporção e
de harmonia entre as partes e o todo, será o principal cânone envolvido nas composições
visuais e também na arquitetura. Contudo, como diz Holanda, não seria suficiente ao
pintor saber representar o aspeto exterior das coisas, pois este haveria de saber e
20
conhecer como debaixo daquela pele e superfície está a razão das coisas interiores e
secretas21, surgindo assim a justificação para o estudo da anatomia.
A Perspetiva. Trata-se do conhecimento necessário para sugerir afastamento ou
profundidade tridimensionais, no plano bidimensional. Holanda refere-se à perspetiva
linear, por virtude das linhas piramidais que saem do nosso olho, e à perspetiva aérea,
como um tipo de saber próprio dos pintores, (desenvolvido por Leonardo da Vinci e
teorizado no seu Tratado de Pintura), ignoto aos perspetivos e aos matemáticos e que
não se alcança com regra, nem compasso, nem por razão de linhas, nem medidas (…).
São as cores que pintam aquela cidade, ou casa muito ensolvida e esfumada, porque
está longe, e a mão muito clara porque está perto.22 Ainda no âmbito da perspetiva
refere-se ao recursado, ou escorço, como aquele efeito, segundo o qual os objetos vistos
de frente apresentam dimensões reduzidas, arte de representar os objetos em
proporções menores que a realidade.23 Intimamente relacionado com a perspetiva, está
o enquadramento ou “ponto de vista”: é a parte da perspetiva onde na tábua ou lugar
que se quer pintar se deve escolher ou determinar uma vista.24 Na sua obra, Do Tirar
Polo Natural, uma obra dedicada ao retrato, Holanda diz que quando se pretende “tirar
do natural”, o desenhador deve escolher o ponto de vista em que o modelo fique mais
favorecido, tendo em conta a iluminação e a “boa sombra”25.
Luz e a Sombra. A luz serve para dar realce, a sombra acentuará a forma delineada,
formando o que chama do incorpóreo da pintura.
Cor. A aplicação da cor na teoria académica é tão restrita e austera quanto se exige no
desenho e na representação em geral. Trata-se de aplicar o decoro, uma regra de
contenção tão cara aos artistas clássicos e a toda a sua linhagem: A luz e da sombra,
contém a doutrina e o princípio de todas as cores (…) que, não devem ser muito
coloridas (…) mas antes tristes e graves26.
Para a realização das composições pictóricas ou escultóricas, o pintor teria de ter, para
além dos conhecimentos técnicos e formais, muitos outros derivados de várias ciências,
nomeadamente, filosofia natural, teologia, poesia, cosmografia, geometria,
matemáticas, fisionomia, anatomia.27
21
Idem. Capítulo 18º. Da Anatomia. Pp. 48-49.
22
Idem. Capítulo 39º. Da Perspetiva. P.77
23
Idem. Capítulo 41º. Do recursado. P.117
24
Idem. Capítulo 40º: Do ponto a que acode a pintura. P. 77.
25
Do Tirar pelo Natural (edição de 1984). P.17.
26
Da Pintura Antiga. Capítulo 37º Das cores. P. 72 (os capítulos 34º, 35º e 36º, são intitulados respetivamente: Da luz e do claro; Da
sombra e escuro; do branco e do preto).
27
Idem. Que ciências convêm ao pintor. P..32-35. Os mesmos argumentos, relativos à formação dos artistas, igualmente são
exprimidos por Machado de Castro no Discurso sobre as utilidades do Desenho, proferido a 24 de Dezembro de 1787 na Casa Pia
do Castelo de S. Jorge. Lisboa. Impressor António Rodrigues Galhardo, p.14.
21
Fig. 3. Extrato de texto de Machado de Castro em Discurso sobre as utilidades do Desenho.
28
Chervel analisa a origem da expressão “disciplina” escolar no sentido em que a utilizamos hoje, como secção ou corte no universo
do Saber, e da sua reorganização para efeitos de construção dos currículos. Histoire des disciplines scolaires (pp.60-64). in: Histoire
de l´Education.
http://ife.enslyon.fr/publications/editionelectronique/histoireeducation/INRP_RH038_3.pdf
29 Miguel Figueiredo de FARIA (2008): Machado de Castro (1731-1822). Estudos. O autor cita Francisco Assis Rodrigues,
discípulo de Machado de Castro e posteriormente regente da Aula de Escultura de Mafra, mais propriamente excertos da sua obra
escrita Memória sobre o méthodo e processos de trabalho na pedra (Lisboa, 1829), pela qual descreve a metodologia de trabalho do
22
Veremos igualmente noções como as do enquadramento e perspetiva, no desenho à vista
de objetos ou elementos da natureza, a que se acrescenta o escrutínio anatómico destas
formas.
O processo de racionalização e contenção formal implicado nas noção de decoro, belo e
bom gosto será operacionalizado, para efeito deste ensino aos jovens estudantes, na
prática da estilização das formas, um aspeto do programa de Desenho suprimido
somente a partir do início dos anos 70 do século XX.
Finalmente importa referir as fontes (iconografia) que virão a ser dadas através de
estampas com reproduções de monumentos e fragmentos arquitetónicos, e de
ornamentos em gesso, correspondentes ao período clássico, mas também à Antiguidade
e aos estilos de arte árabe e europeia (românico, gótico, renascimento, barroco, etc.).
Estas fontes, também reproduzidas nos compêndios de Desenho, representarão o
contributo da educação artística para a formação cultural e erudita do aluno do Ensino
Secundário.
aprendiz de escultura. Primeiramente “o estudo do desenho evoluirá das estampas aos gessos e, por fim, ao “do natural”, conduzindo
o aluno à segunda fase, a da modelação” (…) “ depois de huma constante aolicação ao modelo em barro, deve passar o Discípulo ao
trabalho da pedra, que he, como se disse o fim e o complemento de todos os seus estudos” (pp. 49-50). Os estudos do escultor seriam
de natureza enciclopédica como vimos anteriormente, com os quais se pretende que o aluno adquira cultura e bom gosto.
23
24
2 O Sistema de Ensino Público Secundário em
Portugal (1836-1905)
30
In: Reformas Educativas 1835-69, p. XXI.
31
Opúsculos, Tomo VIII, pag.75.
27
2.2 Da utilidade do Desenho
No processo de organização do sistema público de ensino em Portugal, o grande
argumento para validar a inclusão do desenho como matéria de ensino foi o facto de este
ser considerado um saber útil para a formação profissional de numerosos quadros, quer
artísticos, na vertente das artes e ofícios, quer sobretudo técnicos.
No Discurso sobre as utilidades do Desenho (1787), Machado de Castro refere os
múltiplos e imprescindíveis usos do mesmo, que considera a base de todas as artes,
comparando-o a uma frondosa árvore, cujos vigorosos ramos, viçosas folhas e frutos
salutares, se espalharão em benefício de todas as ciências e artes, nomeadamente:
Medicina, Anatomia, Botânica, Geografia, Comércio, Milícia, História, Arquitetura,
Escultura, Pintura e Gravura.(Fig.1).32
Também Francisco Vieira “Portuense” (1765-1805), em 1802, aquando da inauguração
da “Aula de Desenho”33 no Porto, viria a afirmar que o ensino do desenho poderia ter
uma intervenção social, uma vez que desenvolveria a apuração do bom gosto do qual
resultaria o aperfeiçoamento dos produtos fabris e manufaturas. A sua ação e benefício
haveria, de um modo mais geral, de alargar-se a toda a Nação, dotando-a da elegância
que caraterizava outros povos34. As referências culturais e hábitos de trabalho são
objetivos perseguidos por Vieira Portuense, que se congratulava pela qualidade do
material escolar que tinha à sua disposição: coleções de livros dedicados à geometria, à
perspetiva e à arquitetura, e exemplares de ornatos e de estampas reproduzindo
esculturas gregas. Apesar de Vieira Portuense se reger pelos valores e regras do Sistema
Clássico, será o argumento da utilidade industrial do desenho que irá ser utilizado para
legitimar a Aula de Desenho.
Uma outra vertente da educação artística é proposta por Almeida Garrett (1799-1854).
Exilado em Londres, publica Da Educação em 1829, onde, a pretexto da educação da
futura soberana (D. Maria II), ensaia um tratado de educação geral. A finalidade da
educação, diz, é formar o corpo, o coração e o espírito, de modo a fazer do cidadão um
membro útil e feliz da sociedade35, o que seria concretizado através de um conjunto de
atividades (dança, música, desenho) com início na instrução elementar da criança. Na
sua opinião, o conhecimento e aprendizagem das belas-artes devia ser dado a todos os
“pupilos”, pois estas ofereciam “consolo e alívio na velhice, na doença e nos reveses da
32
CASTRO, Machado de. Discurso sobre as utilidades do Desenho, proferido a 24 de Dezembro de 1787 na Casa Pia do Castelo de
S. Jorge. Lisboa. Impressor António Rodrigues Galhardo. Pp. 5-9.
33 Criada com o apoio da Companhia das Vinhas do Alto Douro, da qual o “Portuense” havia sido anteriormente beneficiário com
uma bolsa de estudos para Itália, onde esteve entre 1789 e 1801.
34 Vieira Portuense. Discurso Inaugural. P.26. In. J F Pereira, 1999: 189.
Segundo informação do catálogo (pp. 283, 284) Francisco Vieira o Portuense (1765-1805), publicado pelo Museu de Arte Antiga
em 2001, por ocasião de uma exposição retrospetiva dedicada a este artista, o discurso inaugural proferido pelo artista em 14 de
Junho de 1802 foi publicado em 1803 com a seguinte referência: Discurso feito na abertura da Academia de Desenho e Pintura da
Cidade do Porto, por Francisco Vieira Junior, Primeiro Pintor da Câmara e Corte, e Lente da mesma Academia. Por ordem de Sua
Alteza Real. Lisboa. M.DCCC.III. Na Regia Officina Typográfica.
35
Da Educação. Editor Ernesto Chardon e Tipografia de A.J. da Silva Teixeira. Edição de 1883. Pp. 9-10 (Livro Primeiro: Da
Educação doméstica ou Paternal comum para ambos os sexos. Parte I: Da Infância à Puerícia).
28
sorte”.36 Como ponto de partida para esta educação estaria o despertar dos sentidos para
o sentimento do belo37.
A tendência utilitarista haveria contudo de predominar, o que se justificava face ao
atraso do país, e constituiria argumento de peso aquando da criação da Academia de
Belas Artes em 1836. Podemos ler no seu Regulamento: ”Querendo eu [a Rainha D.
Maria II] promover a civilização geral dos portugueses, difundindo por todas as classes
o gosto do Belo, e proporcionando meios de melhoramento aos Ofícios, e Artes, pela
elegância das formas dos seus artefactos, a fim de que se goze quanto antes das
incalculáveis vantagens que as nações mais cultas da Europa estão colhendo deste
ramo de Instrução Pública (…)38. Pelo Art.2º desse Estatuto afirma-se que o objeto
imediato desse estabelecimento seria unir em um só corpo de escola todas as Belas
Artes com o fim de facilitar os seus progressos, de vulgarizar a sua prática, e de a
aplicar às Artes Fabris”39.
O argumento em defesa da utilidade do desenho seria protagonizado, na segunda metade
do século XIX, por Joaquim de Vasconcelos. Assente nas teorias positivistas francesas e
inspirando-se em Ruskin (1819-1900) e em Gotfried Semper (1803-1879), Joaquim de
Vasconcelos (1849-1936) defendeu o ensino do desenho enquanto conhecimento e
linguagem, tanto para o desenvolvimento das faculdades humanas (a educação do
espírito era a expressão usada na época), quanto para o progresso industrial do país. Por
meio da educação e do aperfeiçoamento do “gosto”, pensava-se promover uma
revolução nas manufaturas e na criação de produtos consentâneos com uma civilização
moderna. O saber em Desenho Industrial, associado ao desenho geométrico ou “exato”,
tornou-se o símbolo da formação e especialização das classes trabalhadoras dos setores
industrial e artístico. Neste sentido, o rigor era proporcional à capacidade de reproduzir
exatamente o modelo, a máquina, o ornato, nas mais diversas tecnologias industriais e
artísticas, pela precisão dos resultados e pelo uso dos instrumentos no ato da sua
execução. Para Vasconcelos, o desenho é a base de todo o ensino artístico e das formas
em geral. No seu texto sobre A Reforma de Bellas-Artes (1877) aponta para a
necessidade de duas reformas: a reforma geral do ensino do Desenho e a reforma do
Ensino Artístico de Aplicação, incluindo nesta a organização dos Museus de Artes
Industriais e das Escolas de Artes e Ofícios. Relativamente à primeira, critica a falta
dum projeto para a reforma do ensino do Desenho que, na sua opinião, deveria
compreender três graus: o primário, o secundário e o superior. Criticando também a falta
de preparação dos alunos que acediam à Academia de Belas Artes (Lisboa e Porto),
defende que esta deveria ser equiparada ao ensino superior, exigindo-se aos alunos a
frequência prévia dos cursos liceais ou dos cursos de formação profissional em artes e
36
Carta Undécima: Ornamentos da educação: prendas, música, desenho, dança. P. 229.
37
Idem. P. 130.
38
Reformas do Ensino em Portugal. Tomo I Vol. I. pp. 23-35. Ministério da Educação 1989.
39
Com a criação da Academia de Belas Artes, extinguiram-se a Aula de Gravura criada em 1763, a aula de Desenho de Figura e de
Arquitetura Civil criada em 1781, bem como as Casas do Risco e da Escultura, dependentes da Repartição das Obras Públicas.
29
ofícios. Nesta lógica, a preparação em desenho decorreria dum plano de estudos
articulado e progressivo entre os cursos secundários e os cursos das Academias de Belas
Artes.
Para Vasconcelos, o insucesso deste ensino no sistema público dever-se-ia à inexistência
de uma didática adequada e de manuais escolares por onde os alunos pudessem estudar
os elementos do desenho. No seu texto de 187940, Vasconcelos dá conta de diversos
exemplos colhidos em experiências educativas levadas a cabo por países como a
Alemanha, a Áustria e a Inglaterra, que vieram a servir de modelo em Portugal, mais
exatamente através dos manuais escolares de José Miguel de Abreu e António Luiz
Machado, publicados após a Reforma de Jaime Moniz, em 1894.
Quanto ao Ensino Artístico de Aplicação, Vasconcelos defende uma aprendizagem da
arte aplicada à indústria e a relação recíproca entre ambas, com características e
conteúdos que o distinguissem do ensino realizado nas Academias de Belas Artes.
Segundo informação do autor, em Portugal, à data deste relatório, o ensino da arte
aplicada à indústria era unicamente ministrado em aulas noturnas, frequentadas por
centenas de operários, onde se ensinava Desenho de Ornato, Desenho de Arquitetura e
Desenho de Figura e do Antigo41. Vasconcelos critica este elenco de matérias de cariz
académico, defendendo a necessidade de se ensinar o desenho linear ou geométrico,
que, em sua opinião, seria muito mais útil no desempenho das profissões destes alunos42.
Tanto quanto às escolas de artes aplicadas, quanto aos museus industriais, Vasconcelos é
um adepto da descentralização, defendendo o desenvolvimento das indústrias e ofícios
tradicionais, através da criação de escolas implantadas regionalmente e vocacionadas
para essas indústrias.
40
A Reforma do Ensino das Belas Artes III. Reforma do Ensino do Desenho. Porto, Imprensa Nacional, 1879.
41
Idem, ibidem: 13-15. De acordo com o relatório, os alunos provinham de profissões como: canteiros, carpinteiros, comerciantes,
entalhadores, escultores, estucadores, fabricantes, marceneiros, ourives, pedreiros, pintores, serralheiros, trolhas, tipógrafos.
42
A Exposição das Escolas de Desenho Industrial. Porto Tipografia do Comércio do Porto, 1891: 10.
43
Decreto de 30 de Agosto, publicado no Diário do Governo de 1 de Setembro de 1852.
30
O ensino industrial, constituindo um subsistema do ensino secundário, seria destinado à
formação especializada dos operários fabris e técnicos das artes e dos ofícios. Um dos
problemas com que o Governo se deparou na organização do Ensino Técnico, foi a
idade dos aprendizes, pois nessa época encarava-se com naturalidade que uma criança
trabalhasse desde muito cedo. Admitia-se, pois, que a escolaridade primária pudesse ser
feita nos próprios estabelecimentos do ensino técnico. É assim que, em 1864, João
Crisóstomo de Abreu propõe a divisão do Ensino Industrial Elementar em duas etapas: o
Ensino Geral Elementar para crianças até aos doze anos de idade, com um currículo
comum a todas as profissões industriais, artes e ofícios; e, numa segunda etapa, o Ensino
Especial, com currículos distintos conforme as diferentes artes e ofícios. A componente
prática do curso seria ministrada em oficinas, fábricas ou estabelecimentos do Estado.
Contudo, será nas décadas de 80 e 90 que voltarão a ser tomadas medidas importantes
para o desenvolvimento deste sistema de ensino. Com António Augusto de Aguiar
(Decreto de 3 de Janeiro de 1884), são criadas a Escola Industrial da Covilhã e oito
escolas de desenho industrial: três em Lisboa: Alcântara, Belém, junto ao Museu
Industrial e Comercial, e outra em qualquer dos centros fabris de Lisboa; três no Porto,
sendo uma no Bonfim, uma junto ao Museu Industrial e Comercial e a outra em
qualquer um dos centros fabris do Porto; uma nas Caldas da Rainha; uma em
Coimbra45. Estas escolas teriam por fim ministrar o ensino do Desenho exclusivamente
industrial e com aplicação à indústria ou indústrias predominantes nessas localidades.
De acordo com o Regulamento Geral das Escolas Industriais e das Escolas de Desenho
Industrial,46 algumas destas, em conjunto com os museus industriais e comerciais,
criados pelo Decreto de 24 de Dezembro de 1883, teriam a vocação de divulgar as
indústrias e o artesanato regionais, além de que passariam a funcionar como Escolas
Normais destinadas à formação de professores deste sistema de ensino, o que não veio a
acontecer. Em vez disso, optou-se, no final desta década, por recrutar professores no
estrangeiro47. Subjacentes a este plano de modernização do ensino industrial estariam
instituições como a Normal School of Design, criada em 1837, o Museu de Kensington
(1852) e o Real Museu de Arte e Indústria de Viena cuja ação educativa, divulgada entre
nós por Joaquim de Vasconcelos, teria sido precursora na promoção do ensino industrial
e na difusão do ensino racional do desenho elementar e do desenho industrial.48
44
Pelo Decreto de 30 de Dezembro de 1852, foram criados o Instituto Industrial de Lisboa e a Escola Industrial do Porto. Esse
sistema de ensino dividir-se-ia nos graus elementar, secundário e complementar. No Instituto Industrial, existiam os três graus de
ensino; na Escola Industrial, existiam só os dois primeiros, onde, entre outras, seriam lecionadas as disciplinas de Desenho Linear,
Ornato Industrial, Desenho de Modelos e Máquinas e Geometria Descritiva Aplicada às Artes.
45
Decretos creando escolas Industriais e Escolas de desenho Industrial. Ministério das Obras Públicas, Comércio e Industria.
Direção Geral. Lisboa, Imprensa Nacional. 1888. (pp.3-4).
46
Regulamento Geral das Escolas Industriais e das Escolas de Desenho Industrial (6 de Maio de 1884), in: Reformas do Ensino em
Portugal, Tomo I, Vol. II, M.E. 1991; pp. 140-144.
47
A proposta de recrutamento e respetivo programa é autorizada por despacho de 25 de Fevereiro de 1888, pelo Ministro Emídio
Navarro.
48
VASCONCELOS, 1879: Reforma do Ensino das Belas Artes III. Reforma do Ensino do Desenho.
31
Em 1886, no âmbito da Reforma de Emídio Navarro, é publicado o Plano de
Organização do Ensino Industrial e Comercial49, operando-se a distinção entre o ensino
do desenho no sentido estritamente artístico, o desenho artístico com aplicação à
indústria, e o desenho industrial, criando-se escolas distintas para cada tipo de ensino.
Surgem assim as escolas industriais e as escolas de desenho industrial.
As primeiras seriam destinadas à formação de contramestres, encarregados e operários, e
as segundas ao ensino do desenho com aplicação à indústria, mais propriamente às
indústrias predominantes nas localidades onde essas escolas seriam estabelecidas. As
escolas de desenho industrial tinham como principal finalidade a valorização e o
desenvolvimento das pequenas indústrias, manufaturas e artesanato regionais. Como tal,
os cursos diferiam consoante o seu local de implantação. Até junho de 1888, e em
muitos casos a pedido das próprias localidades, foram criadas cinco escolas industriais e
dezassete escolas de desenho industrial (Fig. 4). O plano de estudos é fixado para cada
um dos ramos do curso, deixando-se liberdade aos professores para a organização dos
programas, que seriam posteriormente analisados pelos inspetores e alvo de relatório a
apresentar superiormente.
Durante a década de 90, assiste-se ao momento da estabilização curricular no ensino
técnico profissional. Os Decretos de 8 de outubro de 1891 e de 5 de outubro de 1893,
emitidos pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, procuram
reorganizar todo este sistema de ensino que à data contava com trinta cursos, publicando
os planos de estudo de todas as escolas e os programas das diversas disciplinas.
A estreita colaboração entre o ensino teórico e o ensino prático marca a orientação que
se desejava para este sistema de ensino: “(...) o ensino scientifico, bem como o ensino do
desenho e da modelação, serão sempre ministrados em harmonia com os trabalhos
officinaes” 50.
Para fazer face às necessidades educativas dos diversos públicos, criou-se o ensino
primário noturno e diurno, a par do ramo do ensino elementar. Assim, são criados os
cursos gerais (Elementar e Complementar) das escolas industriais e das escolas de
desenho industrial. O Curso Geral Elementar conjugava-se com o ensino primário e
tinha a duração de dois anos. Neste curso eram ministradas as disciplinas de Desenho
Geral I e Trabalhos Manuais (madeira e ferro para o sexo masculino e costura e
bordados para o sexo feminino). O programa de Desenho Geral I preparava os alunos
para reproduzirem apenas desenhos geométricos.
49
Decreto de 30 de Dezembro, emitido pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria e publicado em 1887, pela
Imprensa Nacional, Lisboa.
50
Decreto de 8 de Outubro de 1891.
32
Fig. 4. “Decretos creando escolas industriais e escolas de desenho industrial”. Lisboa. Imprensa Nacional, 1888.
O Curso Complementar tinha a duração de quatro anos e era composto pelo Desenho e
pelos Trabalhos Práticos na oficina. No primeiro ano do Curso Complementar, era
lecionado o Desenho Geral II, dando continuidade ao desenho geométrico, e introduzia-
se o Desenho Ornamental com exercícios de estilização, obrigando à utilização de
motivos de arte nacional. Nos restantes três anos do Curso Complementar, era lecionado
o Desenho Industrial Especializado conforme o ramo profissional a que a escola se
destinasse.
Em 1897, procede-se a nova reorganização e regulamentação das Escolas Industriais e
de Desenho Industrial, começando por afirmar-se, no Art.1º do Decreto 14 de dezembro,
que estas se destinariam a ministrar o ensino industrial e profissional completo «pela
criação de cursos adequados à indústria ou indústrias predominantes nas localidades
onde se acham estabelecidas, tendo por base a difusão do ensino do desenho elementar
e do desenho aplicado»51. Em 1901, são criadas as Escolas Industriais e as Escolas
Comerciais, operando-se uma distinção entre as mesmas, não só fisicamente mas
também ao nível do plano de estudos, pois no ensino comercial não existia a disciplina
de Desenho.
O princípio do currículo regionalizado e da autonomia pedagógica parece ter sido
consensual entre os especialistas, a opinião pública e os empresários locais, impondo-se
51
Reorganização e Regulamento das Escolas Industriaes e de Desenho Industrial e Elementares de Commercio. Aprovados por
Decreto de 14 de dezembro de 1897. Lisboa: Imprensa Nacional, 1897.
33
desde logo como o principal paradigma deste sistema de ensino. A este propósito,
escrevia António Arroio em 1911:
«(...) a distribuição das disciplinas e a fixação dos cursos e dos horários deve preceder, para
cada escola, do conhecimento completo e justo das necessidades das industrias e do
operariado locais, necessidades sempre diversas de caso para caso; e que, portanto, toda e
qualquer regularização é nefasta ao ensino, e obriga a despesas, em parte, improfícuas. Só
inquirindo, especializando e convertendo, tanto quanto possível, cada escola numa entidade
pedagógica distinta é que o ensino se torna eficaz».52
52
ARROIO, António José , Relatórios sobre o Ensino Elementar Industrial e Comercial. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911, p. 26.).
53
Portaria do Ministério das Obras Publicas, Comércio e Industria de 6 de Maio de 1884. D.G. nº 103, de 7 de maio de 1884.
34
Pretendia-se que os alunos, ao terminarem o curso, pudessem reproduzir à vista qualquer
objeto, não já somente nas suas linhas ou contornos, mas também na sua aparência real.
Para esta classe recomendava-se o uso do papel estigmográfico amarelo ou cinzento, o
carvão, o lápis preto, o lápis branco e os lápis de cores. Apesar destas recomendações,
dava-se liberdade ao professor para escolher os métodos de ensino que entendesse serem
os mais práticos e eficientes54. Contudo, a precocidade dos alunos, o analfabetismo da
maioria dos adultos e a dificuldade em prepará-los para o Grau Especial, acrescentada à
indeterminação dum método comum de ensino, fizeram com que, no ano letivo seguinte
(1884/85), se adotasse o método estimográfico para a classe preparatória em todas as
escolas55.
O Grau Especial dividia-se em três ramos: Ornamental, Arquitetural e Mecânico. O
curso do Ramo Ornamental era destinado aos aprendizes e oficiais estucadores, pintores,
douradores, litógrafos, gravadores, encadernadores, correeiros, escultores em madeira ou
pedra, marceneiros, entalhadores, torneiros, serralheiros, ourives, louceiros. Este curso
era constituído pelas seguintes disciplinas: Desenho Geométrico (ou rigoroso, com o
auxílio dos respetivos instrumentos: régua, compasso, transferidor, esquadro, duplo-
decímetro, etc.); o Desenho de Ornato, abrangendo nesta designação os elementos
ornamentais naturais (figura, flores, frutos, animais, etc.), os geométricos, e as
combinações de ambos; o estudo da perspetiva; o estudo das aguadas; e a modelação em
cera ou barro, de figuras, animais, flores e frutos.
O curso do Ramo Mecânico destinava-se aos aprendizes e oficiais serralheiros,
montadores e ajustadores, maquinistas, relojoeiros, telegrafistas. Da sua aprendizagem
constava o desenho geométrico, perspetivas e aguadas, tal como no curso anterior, o
desenho à vista de máquinas e aparelhos industriais; a elaboração de cortes, planos,
épures, e a construção minuciosa e geral das máquinas motoras e industriais. O curso de
cada um dos ramos tinha a duração de dois anos e podia ser lecionado em regime diurno
e noturno.
54
José Miguel de ABREU: Compêndio de Desenho Linear Elementar para uso dos alunos da Instrução Primária Elementar e
Complementar, dos que frequentam o primeiro ano do curso dos Liceus, dos das Escolas Normais, e dos das Escolas de Desenho
Industrial. Coimbra, 1884 (5ª ed.). pp.15-16.
55
Segundo Parada Leitão (Relatórios sobre as Escolas Industriaes e de Desenho Industrial da Circunscrição do Norte, 1884-1885 a
1886-1887. Lisboa: Imprensa Nacional, 1888, p. 12), no ano letivo 1885-1886 não tinha sido completamente excluído o uso da
estampa, dando-se preferência à “ cópia do natural” a partir de modelos de arame, os sólidos geométricos de madeira e os modelos de
gesso ou em cartão. Para a classe preparatória preconiza-se o método estigmográfico de Grandauer seguido de noções de geometria e
perspetiva.
35
um Conselho a existir em cada liceu, constituído por todos os professores desse liceu e
presidido pelo decano. A função destes órgãos seria a de vigiar abusos e impedir o
relaxamento pedagógico e disciplinar. A organização interna do liceu caberia ao
respetivo Conselho, refletindo-se em decisões como, por exemplo, diretrizes sobre os
exames e escolha e composição dos compêndios. Os objetivos do Ensino Secundário são
formalizados através do plano de estudos e respetivas disciplinas. São apresentados sete
conjuntos disciplinares, sendo o Desenho incluído no 4º conjunto designado como “A
Aritmética, a Álgebra, a Geometria, a Trigonometria e o Desenho” (Art.38º).
Entre 1872, data da publicação do Programa de Desenho Linear56, e 1894 (Reforma de
Jaime Moniz), decorrem anos de ajustamento curricular no curso liceal. O Desenho
separa-se do 4º conjunto e passa a ser lecionado como matéria independente. Contudo, a
sua situação no plano de estudos não é clara, uma vez que não lhe é dado o estatuto de
disciplina nem os professores têm estatuto idêntico aos demais57.
O Desenho entendido como “matéria” obrigatória, a lecionar em horário não curricular,
é uma espécie de curso independente e paralelo ao restante elenco disciplinar.58 A sua
frequência e aproveitamento eram obrigatórios para a admissão nas Faculdades e Escola
de Ciências Físico-Matemáticas, Histórico-Naturais e Médicas59, a que se acrescentam,
pelo Regulamento Geral dos Liceus publicado em 12 de agosto de 1886, as Faculdades
de Teologia e Direito e o Curso Superior de Letras.
É através da leitura do Cap. VI do Regulamento dos Liceus Nacionais, publicado em 31
de março de 1873, que percecionamos os métodos e os conteúdos que o curso de
Desenho desenvolveria. O Art.37º, relativo aos exames dos alunos dos liceus, diz que no
curso de Desenho a passagem para os anos superiores consistiria na apreciação e
julgamento dos trabalhos que os alunos executassem durante o ano letivo. Já os exames
finais da 1ª parte de Desenho constariam de três provas com a duração de quatro horas
(Art.47º):
1ª - Escrita em papel fino contendo uma linha de bastardo, três de cursivo, uma de itálico
ou gótico, e o abecedário de letras maiúsculas;
2ª - Desenho de duas figuras de geometria, compreendidas no programa do 3º ano;
3ª - Ornato copiado do gesso com as dimensões do exemplar.
No exame final do curso completo de Desenho (2ª parte do programa, no 4º ano do
curso) as provas seriam:
56
Portaria de 5 de outubro de 1872. Ver o Programa no Anexo A.1.
57
A Reforma de 1886 estabelece regras bem definidas para o exercício da profissão docente, sendo exigida a dedicação exclusiva.
São reduzidos os quadros com o pessoal docente, mas oferece-se aos que ficam melhor gratificação, sendo legislados vários aspetos
do exercício da profissão, nomeadamente, provimentos, concursos, transferências, salários, funções. Os professores de Desenho,
tanto nesta reforma (Art. 4º) como na de 1873 (Secção II, cap. III, Art. 97º), são um caso à parte, fora das categorias, fora do quadro
dos professores “proprietários”, ou seja, dos que por concurso acedem a quadros do Estado.
58
Cap. II – (Disciplinas e Cursos dos Institutos Secundários) da Reforma da Instrução Secundária publicada a 14 de junho de 1880;
Art. 2º da Reforma da Instrução Secundária, publicada a 29 de julho de 1886; Art.6º do Regulamento Geral dos Liceus publicado a
12 agosto 1986 (Ministro Luciano de Castro).
59
Decreto de 23 set. 1872, Art. 8º.
36
1ª - Desenho de duas figuras de geometria compreendidas no último ano do curso;
2ª - Ornato copiado do gesso com as dimensões determinadas pelo júri no começo do
exame (Art.48º).
Em 188060, os exames de Desenho introduzem provas escritas e orais. Conforme a
estrutura curricular, existem então dois tipos de exame, os de Passagem (de ano) e os de
Classe (correspondiam a finais de ciclos de aprendizagem, os alunos podiam ficar só
com a habilitação da 1ª classe do liceu ou com a 2ª ou com a 3ª classe, representando
esta última o curso completo). O Exame de Passagem constaria de uma prova escrita
com a duração de uma hora. Essa prova seria mais exatamente um desenho à vista,
conforme o programa do respetivo ano (Art. 44º). O Exame de Classe teria a duração de
uma hora e meia e constaria de uma prova escrita e oral (Art.41ª).
A prova escrita trataria da execução do desenho de uma figura geométrica plana e a
prova oral consistiria em dois interrogatórios, de 10 minutos cada, sobre as matérias que
haviam sido lecionadas nos respetivos anos ou ciclos, conforme a natureza do exame
(Art.42º). Os exames de Passagem (1º,3º e 5º ano) só seriam exigidos aos alunos
externos, e aos internos, no caso de terem obtido entre sete a nove valores na frequência.
O aluno interno que obtivesse no mínimo 10 valores passaria de ano sem a
obrigatoriedade do exame.
Contudo, o sistema de ensino liceal, contrariamente ao ensino técnico, e de acordo com
os documentos analisados, parece ter sido relegado para segundo plano, de tal modo que,
de acordo com M. M. Calvet de Magalhães, “Em 1894, só existia em Portugal um liceu
com 250 alunos e a taxa de analfabetismo era de 80 por cento.”61
60
Capítulo II da Reforma da Instrução Secundária de 14 de junho de 1880.
61
M.M. Calvet de MAGALHÃES (1974). O Direito à Educação In: Revista Lusófona da Educação. (Documentos), nº8, 2006. Pág.
177.
62
Publicada no Decreto nº 2 de 22 de dezembro 1894.
37
aluno e na consideração pelas suas características como aprendente e respetivas
necessidades de aprendizagem. Em consequência, os conteúdos disciplinares,
transformados em assuntos ou temas programáticos, vão organizar-se por parcelas de
informação, doseadas ao longo do curso liceal, com a correspondente organização no
plano de estudos e nos manuais escolares, de modo a articular as partes (disciplinas:
progressão das matérias e precedências) com o todo (finalidades da educação ou do
curso) 63.
A estrutura do curso liceal reparte as matérias evolutivamente ao longo do ciclo de
estudos. O curso geral dos liceus (da I à IV classe) destinava-se a ministrar um conjunto
de conhecimentos imediatamente úteis para a vida ativa, enquanto o curso complementar
(da V à VII classe) visava a preparação para o ingresso nos cursos superiores.
Os estabelecimentos do ensino secundário dividiam-se em duas categorias: os liceus
nacionais centrais e os liceus nacionais, sendo que só nos primeiros existiria o curso
complementar. A disciplina de Desenho estava prevista unicamente para o curso geral,
com três horas semanais nas três primeiras classes e duas horas na quarta classe. Com
esta Reforma, a designação da disciplina passa de “Desenho Linear” a “Desenho”
mantendo-se contudo o termo “Desenho Linear e de Ornato” no programa da Instrução
Primária. No programa de Desenho do curso liceal introduz-se uma distinção entre o
ensino oral descritivo e o ensino gráfico,64 e pela primeira vez irá observar-se uma
estreita correspondência entre o programa desta disciplina e os manuais autorizados pelo
Conselho Superior da Instrução Pública, da autoria de José Miguel de Abreu e António
Luiz Teixeira Machado. A didática estimográfica, divulgada entre nós por Joaquim de
Vasconcelos, e praticada no ensino técnico desde a década de 80 é alargada ao sistema
liceal, sendo desenvolvida nos manuais destes autores. Por meio de exercícios de
complexidade crescente, o valor educativo do Desenho é sublinhado pela capacidade de
desenvolver faculdades cognitivas (desenvolvimento de operações mentais), sociais
(organização e disciplina) e morais (interdisciplinaridade, cooperação com outras áreas
do saber) 65.
Em 1905, pela Reforma de Eduardo José Coelho66, procede-se a nova revisão do Ensino
Secundário. Considerando a falta de recursos económicos e materiais para o ensino
público, bem como o excesso de burocracia, este diploma propõe medidas muito liberais
e democráticas centradas na responsabilização e autonomia dos professores nas decisões
pedagógicas, através da gestão dos programas e planificação conjunta em grupos
disciplinares e de turma. Contrariamente às anteriores tendências legislativas, o diploma
propõe uma maior liberalização do ensino particular, justificando que a concorrência é
63
Jorge Ramos do Ó (2003). O Governo de si mesmo: modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último
quartel do séc. XIX-meados dos séc. XX). Educa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Pp.234-235
64
Decreto de 18 de Outubro 1902. Ver igualmente o Programa de Desenho da Reforma Jaime Moniz in: Anexos A. 2 e A.3.
65
Decreto de 14/9/1895.
66
D.G. nº 194 de 29 de agosto de 1905. pp. 382-388.
38
um meio profícuo de aperfeiçoamento em questões de ensino e, pelo mesmo princípio da
concorrência, propõe a substituição do regime do livro único, legislado na Reforma
anterior, na esperança de que os alunos aprendam por bons livros, passando a seleção e a
adoção destes a ser da responsabilidade dos professores.
Afirma-se que o liceu não deve ser só para ensinar, mas também para educar. Mantém-
se o plano de estudos da Reforma de 1895, com pequenas mas significativas alterações.
Reconhecendo a sobrecarga escolar a que os alunos estão submetidos, é proposta a
redução dos programas e institui-se o princípio de alternância entre blocos horários de
disciplinas teóricas com disciplinas práticas. O Desenho, com três horas semanais ao
longo dos cinco anos do curso geral, surge como fator de desanuviamento intelectual,
educação moral e estética, a par de atividades como a educação física e os trabalhos
manuais. Neste sentido, as quintas-feiras e os intervalos entre os períodos letivos da
manhã e da tarde seriam destinados exclusivamente a exercícios de educação física,
trabalhos práticos nos gabinetes, excursões escolares e outros meios educativos, onde se
incluía a lecionação do Desenho67.
Trata-se do início de uma mudança de paradigma relativamente àquele, funcional e
mecanicista, que serviu de pretexto para a inclusão deste saber nos planos de estudo do
sistema público de ensino.
67
Idem: Art.6º - 1ª e 2º.
39
Gláucia Trinhão68, a designação de “livro didático” abrange toda e qualquer publicação
destinada à educação escolar, não fazendo por isso distinção entre os termos “manual”
(livro que cabe na mão) e “compêndio” (resumo de matérias). Independentemente das
denominações, os livros escolares são, antes de mais, objetos de cultura e suporte de
memória escolar. Segundo Johnsen, o manual escolar é um complexo dispositivo de
informação visual em que a componente gráfica desempenha uma função tão importante
quanto o conteúdo verbal69. Com efeito, a análise que realizámos aos manuais para as
disciplinas de Desenho e de Educação Visual permitiu-nos concluir que a organização
por capítulos, a articulação entre os conteúdos e a iconografia correspondente, e o facto
dos manuais sugerirem métodos de ensino e propostas sequenciais e progressivas de
aquisição de conhecimentos, são indicadores de que eles constituem um efetivo discurso
sobre o Desenho.
As primeiras edições portuguesas de manuais escolares para o ensino do Desenho no
sistema de ensino público primário e secundário provêm da iniciativa autodidata de
professores-autores que socializam assim os seus saberes, obtidos por compilação,
tradução ou adaptação de outros textos e adquiridos ao longo da sua própria experiência
profissional. Entre 1836, data da criação do sistema público de ensino em Portugal, e
1895, ano em que pela primeira vez é decretado o livro único para o ensino liceal
(Reforma de Jaime Moniz), ocorre um período durante o qual, devido a todo o tipo de
carências, a tutela incentiva o aparecimento de autores e obras escolares mediante
prémios pecuniários. Sendo assim, e em parte devido à inexistência de programas (como
foi o caso da disciplina de Desenho), foram os professores-autores, desde os níveis
primário ao superior, os responsáveis pela organização das matérias e métodos de
ensino, sob a forma de compêndios, e da respetiva publicação. Entretanto, os sucessivos
decretos vão assinalando a necessidade de se regularizar e controlar estas publicações,
em prol da uniformidade e da qualidade do ensino70.
As ocorrências e os motivos que expusémos explicam o surgimento e a regularização do
uso do manual escolar para a disciplina de Desenho no sistema de ensino público.
Contudo, a nossa investigação permitiu-nos também concluir que o manual escolar não
é, no caso do ensino técnico, o seu recurso educativo priveligiado. Para esta conclusão
contribuiu o estudo empreendido por Maria Natália Lobo71 junto da Escola Secundária
Soares dos Reis, no Porto (antiga Escola Industrial Faria de Guimarães). Lobo faz o
levantamento do espólio existente nessa escola, no que diz respeito aos materiais
didáticos para a disciplina de Desenho, desde a sua fundação, nos anos oitenta do século
XIX até aos anos 40, do século XX. Este levantamento recaiu sobre 127 obras
68
Gláucia TRINHÃO (2008). O Desenho como objeto de ensino. História de uma disciplina a partir dos Livros Didáticos Luso-
Brasileiros oitocentistas. Tese de Doutoramento. Universidade de Vale do Rio dos Sinos. S. Leopoldo. Brasil. Pp. 238-240.
69
Johnsen, 2001, traduzido por Graça Carvalho (2010) na nota de rodapé 3, pág. 22.
70
Ver Apêndice 1. “Legislação para o manual escolar no ensino secundário (1836-1986)” .
71
Maria Natália de Magalhães Moreira LOBO (1998): O ensino das artes aplicadas (ourivesaria e talha) na Escola Faria de
Guimarães de 1884 a 1948. Mestrado em História da Arte – Universidade do Porto, Faculdade de Letras.
40
didáticas72 existentes na biblioteca, sobre as coleções de estampas73 e sobre os modelos
tridimensionais (gessos e sólidos geométricos em madeira e em arame). Este acervo
confirma os termos do relatório de Parada Leitão74, segundo o qual, no ano lectivo
1885/1886, já todas as escolas industriais teriam ficado equipadas de forma a
corresponder às necessidades urgentes do ensino do desenho do ramo ornamental.
Também José Miguel de Abreu75 nos seus Apontamentos se refere aos materiais
adquiridos para as diversas escolas industriais, dizendo que constam de estampas,
gessos, modelos de arame e de madeira quase todos obtidos no estrangeiro (os modelos
recebidos da Alemanha e de França pertenciam às coleções de material didático para o
ensino do desenho desses mesmos países). Seguindo as suas informações ficamos a
saber que os modelos utilizados nas escolas de desenho industrial consistiam em
modelos de gesso, alabastro, louça, aparelhos para o ensino das projeções e amostras de
entalhes de madeira. Os modelos de gesso eram indispensáveis para o desenho de
ornato, sendo portanto necessários tanto em quantidade quanto em variedade. Para
conseguir munir todas as escolas dos mesmos modelos de gesso contava-se com o
trabalho de alunos e professores para a sua multiplicação, através de exercícios
reprodutivos.
72
Relativamente às “obras didáticas” verificamos que existe uma percentagem significativa de livros publicados na década de 80 do
século XIX, o período da criação do ensino técnico em Portugal e de diversas escolas de desenho industrial. Estes livros provém de
países como a Alemanha, a Áustria, França, Inglaterra e França, o que nos faz concluir que efetivamente algum investimento
significativo se terá feito na criação deste ensino, equipando-o de bibliografia atualizada. Os temas são maioritariamente sobre artes
decorativas, aplicadas e ornamentos, designadamente para a área a que a escola se destinava (ourivesaria e talha/ mobiliário) e ainda
os têxteis. Encontramos também algumas obras sobre o ensino da Geometria Descritiva, Perspetiva e Desenho Linear (esta temática
é sobretudo difundida pelos livros franceses), e técnicas de expressão plástica.
Pp.112-124 e 231-243.
73
Nomeadamente um conjunto de pastas temáticas com estampas selecionadas de vários livros, organizadas por forma a servirem de
apoio à lecionação de algumas modalidades de Desenho e Oficinas: estampas para modelação com reproduções de de motivos
naturais como plantas e animais; fotografias de gessos Arte Nova; papéis pintados; Desenho, gravura, pintura e escultura; flores e
frutos; arquitetura e monumentos; desenho ornamental; cerâmica e cinzelagem; arte aplicada; cartões de construções, e estampas
retiradas do suplemento da revista Art et Decoration. ( pp. 125-126 e 243-244).
74
Relatórios sobre as Escolas Industriaes e de Desenho Industrial da Circunscripção do Norte - 1884-1885 a 1886-1887. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1888, p. 41. / referido por LOBO na pág. 126.
75
José Miguel de ABREU: Apontamentos acerca do Ensino do Desenho Industrial no Porto. Congresso Pedagógico Hispano-
Portuguez-Americano. Lisboa: Imprensa Nacional, 1892, p. 14.
41
com o livro de texto, e desenhos de ornamentos e elementos da arquitetura que serviriam
como modelo a um desenho aplicado.
Theodoro da Motta começa por publicar um compêndio para o 1º ano do liceu (1868),
antecipando-se à publicação dos programas para o “Curso de Desenho Linear”, o que
ocorre em 1872 com a Reforma Rodrigues Sampaio. Ao longo dos cerca de vinte cinco
anos de publicações deste autor, observa-se uma progressiva definição na graduação das
matérias, como é evidente no índice do Compêndio de Desenho Linear para uso dos
alumnos dos Lyceus Nacionaes: 3º Anno (1870), onde apresenta um plano evolutivo
para a aprendizagem do Desenho Geométrico entre o 1º e o 3º ano do Liceu76. Em 1884,
faz publicar um manual para o 4º ano do liceu, distendendo parte da matéria
anteriormente reservada ao 3º ano77.
Desenho Linear: conceito e método
“Desenho Linear” é uma designação e um conceito surgido na implementação do
sistema público de ensino em Portugal78. O termo inaugura-se no Regulamento da
Instrução Primária em 1835, alargando-se o seu uso à Instrução Secundária (técnica e
liceal): a partir de 1860 observa-se a entrada oficial do Desenho Linear no plano de
estudos liceais como cadeira independente e surge igualmente em 1879 no regulamento
do Instituto Industrial de Lisboa a propósito do elenco disciplinar dos respetivos cursos.
Estamos, portanto, em presença dum sistema de ensino, com um programa e
metodologias próprias, que abarca todo o século XIX. Pelas reformas educativas da
década de 90, desaparece a expressão “Linear”, passando esta disciplina a chamar-se de
“Desenho”, conforme se verifica nos títulos dos Compêndios de José Miguel de Abreu e
Teixeira Machado, publicados entre 1901 e 1905.
Para Theodoro da Motta, o Desenho é “uma espécie de linguagem destinada a transmitir
a outros uma certa conceção do espírito”, ou seja, “os elementos de que o artista carece
para construir em relevo um objeto igual ou semelhante ao que vê desenhado”79. Neste
sentido, ele concilia as vertentes científicas e artísticas do desenho, sob o paradigma da
imitação:
“Desenho linear é a parte do desenho que tem por objeto representar as superfícies, ou
os corpos por uma determinada combinação de linhas. Acaba-se um desenho linear,
dando-lhe as sombras próprias e produzidas e reproduzindo quaisquer efeitos produzidos
à ação direta ou indiretamente exercida pela luz sobre os corpos. O desenho linear
aplicado à mecânica, à arquitetura ou à indústria, depende imediatamente do
conhecimento de certos princípios gerais e de algumas construções próprias da
geometria, e por isso convém que o seu estudo seja precedido de uma parte da geometria
76
Anexo B.1.2. pp. 10-22.
77
Anexo B.1.3.
78
Sobre a origem do conceito “Desenho Linear” ver Apêndice 2. “Séc. XIX: a didática do desenho nos manuais escolares
estrangeiros e outras metodologias (“Francoeur e o Dessin Linéaire”).
79
Compêndio de Desenho Linear para os alunos do 1º Ano dos Liceus Nacionais, 1868. Digitalização no Anexo B.1.
42
prática. O conhecimento de algumas propriedades das linhas, ou das superfícies, fornece
também um bom auxílio para o desenho de imitação executado à simples vista, como é
por exemplo o desenho de ornato, o de paisagem e o de figura”80.
Fig. 5. Compêndio de Desenho Linear para uso dos alumnos dos Lyceus Nacionaes. Theodoro da Motta, 1892.
80
Theodoro da Motta, Compêndio de Desenho Linear,1868. Página digitalizada no Anexo B.1.
81
Theodoro da Motta, Compêndio de Desenho Linear,1892. Página digitalizada no Anexo B.1.
43
O autor propõe que se comece por um delineamento geral (esboçar o desenho),
confirmando o traçado de cada uma das linhas antes de passar a outra. Trata-se de uma
observação e registo rigorosamente controlados pelo professor, principiando pelo
desenho à mão livre de linhas (retas, curvas, ângulos e, posteriormente, figuras
geométricas), acompanhadas por uma demonstração gráfica e respetiva enunciação
verbal. Será também ao professor que cabe a seleção dos modelos, segundo padrões
estéticos clássicos, o uso dos materiais e as orientações para os registos gráficos.
Neste autor observamos uma metodologia progressiva no ensino do Desenho, no
entendimento de que esta aprendizagem requeria um bom controle visual e motor. O
Desenho Geométrico, matéria predominante do programa, dividido em “geometria
plana” (1º e 2º anos) e “geometria no espaço” (3º e 4º anos), requeria uma longa
aprendizagem, iniciando-se sem instrumentos e por cálculo visual, até ao domínio total
dos instrumentos e dos traçados rigorosos. De tal maneira que, para o 4º ano do curso
liceal, as matérias tomam contornos mais técnicos, nomeadamente em exercícios de
composição arquitetónica e desenho de engrenagens.
O ensino do Desenho à Vista segue uma metodologia paralela, passando por exercícios
de dificuldade progressiva desde o primeiro ano do curso, para o qual o autor apresenta
estampas com figuras ponteadas para serem contornadas, até ao terceiro ano do curso,
onde se esperaria que o aluno soubesse analisar a estrutura de uma forma, geralmente
um motivo floral, e representá-la de modo naturalista.
Além das possíveis influências de Tratados de Arquitetura, Tratados de Engenharia
Militar, ou mesmo do manual de Desenho Linear de Francoeur, na organização dos
compêndios de Theodoro da Motta não podemos deixar de ver uma adaptação da
metodologia clássica. Por um lado, temos uma formação de base racional (o desenho
geométrico), complementada com uma observação intuitiva (de estampas e de objetos)
numa primeira fase, e criterial numa fase posterior: proporcionalidade, análise estrutural,
simulação volumétrica e estratégias gráficas. A observância mimética, o rigor
construtivo, o preciosismo gráfico das estampas de sua autoria e as referências visuais
aos ornamentos e à arquitetura do passado, são sinais evidentes dos seus referentes
artísticos e daquilo que entendia dever ser a cultura estética e visual do estudante liceal.
82
Ver Apêndice 2.“Séc. XIX: A didatica do desenho nos manuais escolares estrangeiros e outras metodologias”.
44
modelo didático83 esteve na base da organização dos compêndios de José Miguel de
Abreu84 e António Teixeira Machado, aprovados como “Livro Único” a partir de 1900,
propondo, de acordo com o programa, duas didáticas complementares: a “oral
descritiva” e a “gráfica”, esta dividida, por sua vez, em ”rigorosa” e “à vista”. A
primeira ocupar-se-ia da orientação teórica e a segunda da execução gráfica.
O compêndio publicado por José Miguel de Abreu em 1884 oferece a particularidade de
possuir um Parecer apresentado por Joaquim de Vasconcelos ao Conselho Científico da
Sociedade de Instrução do Porto. Aí se felicita a capacidade de Abreu adaptar o
Compêndio Oficial Austríaco do Professor Joseph Grandauer, transformando-o num
manual para os alunos das escolas portuguesas. Efetivamente, como diz Vasconcelos85,
o compêndio de Grandauer destinava-se aos professores e era composto exclusivamente
por estampas. No que respeita ao texto, somente a 1ª edição havia sido acompanhada de
instruções, que Abreu traduz com adaptações e relativamente às quais Vasconcelos faz o
seguinte comentário:
Atrevemo-nos a afirmar que a cópia vale, para o nosso ensino, mais do que o original,
porque não é cópia. É uma “redução”, e uma redução feita com verdadeiro tino pedagógico,
como não se consegue senão com sólido estudo, aliado a uma aptidão natural para o ensino.
Reduzir a matéria que se aprende em três anos nas escolas austríacas, às acanhadas
proporções de um ano letivo, à nossa moda, sem prejudicar a continuidade, sem omitir nada
de essencial, e sem copiar servilmente, antes imitando, e não poucas vezes inventando, novos
problemas para estabelecer novas transições, não é tarefa fácil.86
São ainda destacados os seguintes aspetos: uma adequada exposição teórica,
nomeadamente ao nível das definições; a exposição sobre o material necessário à prática
do desenho; e as instruções dadas aos professores.
Dum modo geral, a paginação dos compêndios inclui texto e ilustrações e uma secção
constituída por estampas litografadas pelas quais se pretende ilustrar os resultados a
83
Curiosamente, os termos, “estimográfico”, “stigmográfico” ou “método (e)stimográfico”, não existem no Dicionário de Francisco
Assis Rodrigues: Diccionário Technico e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e Gravura, publicado em 1875. Este facto
poderá significar que o surgimento do termo é uma novidade na sua época. Relativamente à origem desta expressão, ela vem do
grego Stigma, significando marca. No método estimográfico, todos os suportes como as estampas, o papel, ou as ardósias, eram
marcados com pontos ou linhas quadriculadas, de dimensões variáveis, para onde os alunos iriam transferir, em escalas diversas, as
figuras dadas. ´Na origem do método podemos considerar as influências de Pestallozi e Froebel, pelas quais se realiza um
paralelismo entre a aprendizagem da escrita e do desenho, nomeadamente pelo uso de uma espécie de escanquilhões normativos do
grafismo. Na prática artística, o antepassado desta metodologia didática é a ampliação por quadrícula.
84
Na autoria de compêndios para o ensino do Desenho no sistema público, José Miguel de Abreu destaca-se por abranger diversos
graus e níveis de escolaridade. Em 1879 inaugura-se com uma publicação, para uso dos alunos da instrução primária e em geral dos
principiantes em desenho, compêndio que será reeditado com modificações até 1895, com o título Compêndio de Desenho Linear
Elementar. Após 1897, esta obra é reformulada para se adaptar aos novos programas, sendo aprovada por cinco anos sob o título
Compêndio de Desenho para o Ensino Primário (1º e 2º graus). Em 1881, e antecedendo a publicação dos programas para a
disciplina de Desenho no ensino Técnico, o que ocorre em 1884, Abreu publica Problemas de desenho linear rigoroso seguidos de
muitas aplicações: compêndio destinado para o ensino desta espécie de desenho nos liceus nacionais e nas escolas normais,
industriais e superiores. Em 1884, publica Problemas de Desenho Linear rigoroso, destinado para o ensino desta espécie de desenho
nos liceus nacionais e nas escolas normais, industriais e superiores.
85
Problemas de Desenho Linear Elementar para o uso dos alunos da instrução Primária Elementar e Complementar, dos das Escolas
Normais, e dos das Escolas de Desenho Industrial. 1884: Pag. 8.
86
Idem. Pp. 8 e 9.
45
obter no Desenho rigoroso e no Desenho à vista. A correspondência entre os enunciados
escritos e as construções ilustradas nas estampas é feita mediante uma numeração
rigorosa de todos os exercícios. Os compêndios incluem também planificações de
sólidos geométricos em cartão para serem recortados e montados pelos próprios alunos,
e conjuntos de quadros parietais com estampas para reprodução. Além destes, os autores
realizam para venda diversos materiais de apoio à aprendizagem, nomeadamente:
cadernos com os diversos tipos de redes, para o ensino elementar do Desenho; coleções
de sólidos geométricos em zinco; e a Caixa de Omnibus, com os respetivos acessórios e
modelos de sólidos de arame, para o estudo das projeções ortogonais.
A principal alteração decorrente da Reforma passa a ser a graduação das matérias em
função da classe ou ano de escolaridade, pelo que observamos compêndios
expressamente dirigidos às diversas classes do curso liceal. Comparando o enunciado do
programa legislado e o índice das matérias apresentado nos compêndios destes autores,
verifica-se o cuidado em descompactar o texto oficial, onde essas matérias são
apresentadas em bloco, e clarificar gradualmente a ordem e a precedência pela qual se
deveriam fazer as aprendizagens.
O Compêndio para o 1º ano dos liceus, publicado em 1900, imediatamente após a
promulgação do Programa aprovado pela Reforma de 1895, é o mais completo no que
diz respeito à descrição dos procedimentos e das modalidades de ensino-aprendizagem
de acordo com a didática estimográfica. Em conformidade com os termos do Programa,
nos primeiros dois anos do curso liceal, a disciplina de Desenho visava desenvolver os
poderes de análise e de síntese do espírito de modo a preparar os alunos para os estudos
geométricos e outros, do quadro secundário87. Reconhecendo-se o alcance
revolucionário e as exigências do novo método de ensino, é ao professor que cabe a
responsabilidade de dosear a matéria e utilizar os métodos mais adequados às
capacidades dos alunos, de modo que eles conseguissem adquirir ideias nítidas que
haveriam de traduzir, correta, singela e claramente por meio da linguagem verbal e da
representação gráfica.88
A comunicação do professor na vertente “oral descritiva” é alvo de recomendação
pormenorizada:
Na exposição oral, o professor não empregará a forma dogmática, mas enfeixará factos que,
à semelhança de premissas, tornem as conclusões intuitivas.
O enunciado dos teoremas deve seguir a exposição dos factos, como resumo; as definições,
ou descrições, serão dadas em conclusão, também como resumo.
Na enunciação dos teoremas, ou na análise da resolução de problemas, irá o professor
esclarecendo os alunos com respeito à demonstração, por processo compreensível, e
ordenado ao intuito de conferir-lhes ao espírito a forma necessária para o estudo das
87
Compêndio de Desenho. Ensino Secundário Oficial – Classe I (Primeiro ano dos liceus), 1900, pág. 14.
88
Idem, pág. 15.
46
matemáticas puras89. (…) O professor à medida que faz o desenho, analisa-o e descreve-o
com exatidão, clareza e concisão enunciando as regras necessárias para a execução, e
repetindo-as muito, a fim de que os alunos, à força de as ouvirem e de constantemente se
lhes exigir que as pratiquem, as fixem bem na memória e as apliquem com a inconsciência
do hábito90.
O ensino do desenho seria realizado progressivamente, partindo do conhecido para o
desconhecido, do simples para o composto, e do concreto para o abstrato. No 1º Grau do
curso liceal este ensino começaria por uma abordagem elementar e intuitiva, pelo que a
introdução à geometria seria enquadrada por analogias com exemplos reais e pelo
contato sensorial com os modelos geométricos tridimensionais.
(…). Não importa que nesses primeiros estádios, quando por exemplo é desconhecido o
esferoide, se compare uma laranja com uma esfera. (…)91.
Seguir-se-ia uma ordem na análise dos sólidos geométricos (o cubo, o cilindro, a esfera)
devidamente justificada pela possibilidade de dar a conhecer progressivamente os
conceitos: superfície plana, linha reta; superfície curva, linha curva; e, finalmente, o
ponto.
As lições de formas de sólidos devem ser dadas não só com eles à vista dos alunos, mas em
suas mãos (…); Os alunos serão conduzidos a descobrir nos sólidos (pela vista e pelo tato),
os carateres destes, das superfícies e das linhas afinando-se-lhes a inteligência para a
conceção de ideias abstratas.92
A metodologia implicava uma sucessão de momentos de complexidade progressiva:
- Recordação (associação de ideias, questionamento)
- Observação (pela vista e pelo tato);
- Nomenclatura técnica (respeitante à observação);
- Exercícios (de conhecimento das formas e de nomenclatura técnica);
- Aplicação em outros objetos;
- Representação gráfica da forma (rigorosamente e à vista).
A vertente gráfica do Programa é complementada por dois tipos de desenho: o Desenho
Rigoroso e o Desenho à Vista. O primeiro é entendido como necessário para o
conhecimento elementar das formas e como preparação para o desenho à vista.
Relativamente ao “Desenho à Vista”, consideram-se nove modalidades93:
- desenho de redução e na escala natural;
- desenho à voz;
- desenho ditado;
- desenho com tempo marcado;
89
Idem, pág. 17.
90
Idem, pág. 22.
91
Idem, pág. 16.
92
Idem, pág. 17.
93
Compêndio de Desenho para o primeiro ano dos liceus, 1900. As definições e desenvolvimento destas modalidades de desenho
podem ler-se nas págs. 19-25.
47
- desenho de memória;
- desenho de prova
- desenho livre;
- desenho de invenção;
- desenho de objetos.
O desenho de redução seria uma das primeiras modalidades da disciplina de Desenho
por ser o mais elementar. Basicamente, é um exercício de cópia e imitação de modelos
apresentados pelo professor. Os recursos necessários seriam um quadro preto ponteado
por uma leve rede de linhas horizontais e verticais formando quadrados de 10cm, onde
estariam gravadas duas circunferências concêntricas com o centro no cruzamento das
diagonais do quadro e os raios 0m,3 e 0m,5, e uma elipse cujo centro será o das referidas
circunferências, com o eixo maior, horizontal, de 1m e o menor de 0m,6. As molduras,
esquerda e superior do quadro, teriam pintada uma faixa de 1m dividida em decímetros e
centímetros. O material necessário para os alunos seriam os cadernos ou lousas, onde
estaria imprimida uma rede estimográfica com uma quadrícula correspondente à do
quadro preto, mas em escala reduzida. Além destes, ainda existiriam os quadros
parietais, basicamente estampas ampliadas, onde se poderiam observar os exercícios
finalizados. O professor, sem auxílio de régua, esquadro ou compasso, executaria no
quadro preto os desenhos que seriam replicados pelos alunos em escala reduzida.
As modalidades de desenho à voz, desenho ditado e desenho com tempo marcado
pretendiam desenvolver a atenção e a velocidade de execução. Invariavelmente, estes
exercícios partiam dum enunciado ditado pelo professor, que faria a descrição dos
traçados numa linguagem correta e precisa, a que o aluno deveria corresponder com
prontidão. Por sua vez, o “desenho de memória” e o “desenho de prova” destinavam-se
a preparar o aluno para as avaliações periódicas e para os exames finais. Em qualquer
uma das situações, os alunos executariam, sem modelo nem explicação prévia, algum
dos trabalhos anteriores escolhidos pelo professor.
O desenho livre procurava habilitar os alunos para o trabalho tranquilo, sério e fácil, sem
auxílio do professor, de modo a prepará-los para a emancipação. Exigiria que os alunos
colocassem em prática conhecimentos já adquiridos (como, por exemplo, a medição e
divisão de segmentos por estimativa), executassem com desembaraço e soubessem
analisar formas, tanto de estampas como de objetos.
48
Fig. 6. Exemplo de exercício de desenho rigoroso, de acordo com o método estimográfico. Compêndio de Desenho
para a Classe I dos liceus, 1900, de Luiz Miguel de Abreu e de António Teixeira Machado.
Fig. 7. Exercício de iniciação ao desenho à vista segundo o método estimográfico. Compêndio de Desenho para a
Classe I dos liceus, 1900, de Luiz Miguel de Abreu e de António Teixeira Machado.
Entendido como uma variante do desenho livre, o desenho de invenção teria por
finalidade desenvolver o gosto dos alunos. O exercício partiria de um enunciado dado
pelo professor, de entre as construções já estudadas, com o qual os alunos fariam um
desenho da sua invenção.
Deixamos para o fim o desenho de objetos, de onde se exclui a cópia de estampas por
ser considerada um desenho de objetos em segunda mão.
Este exercício começaria pela observação e representação perspética de sólidos
geométricos em gesso, madeira, cartão e arame, estes com a vantagem de darem a ver a
estrutura dos mesmos. (Fig.8.).
No acabamento do desenho de objetos, apagariam-se todos os traçados auxiliares e
proceder-se-ia ao acentuamento de superfícies de acordo com os valores de claro-escuro
(Fig.9).
49
Fig. 8. Compêndio de Desenho para a Classe I dos liceu, Fig. 9. Compêndio de Desenho para a Classe I dos liceus,
1900. Luiz Miguel de Abreu e António Teixeira 1900. Luiz Miguel de Abreu e António Teixeira Machado.
Machado
Fig. 10. Compêndio de Desenho para a Classe I dos Fig.11. Compêndio para a Classe I dos Liceus, 1900. Luiz
Liceus, 1900. Luiz Miguel de Abreu e António Miguel de Abreu e António Teixeira Machado.
Teixeira Machado.
50
Além da observação mediada pelo Perspetógrafo, são dadas as definições e os
procedimentos para a representação perspética linear (Fig.11):
A perspetiva diz-se linear, se na representação dos objetos atendermos somente às linhas
que os determinam; e diz-se aérea quando, além da representação das linhas referidas,
procuramos representar os efeitos que a luz produz nos objetos (claros, escuros e cores).
Para se fazer o desenho da perspetiva linear de um objeto A, (fig. 333) supõe-se que entre
ele e o observador está colocado o quadro M N, e que do olho do observador se dirigem
raios visuais para os diferentes pontos do objeto. Os traços desses raios visuais no quadro
unem-se depois convenientemente por meio de linhas, resultando assim o desenho do objeto
em perspetiva, ou a sua superfície linear94.
Em capítulo intitulado “Unidades do desenho. Figuras estilizadas”, tratam-se as
questões do desenho de ornato, entendido como um desenvolvimento e síntese do
desenho geométrico e do desenho à vista. Nos primeiros anos este exercício incidia em
motivos geométricos e vegetalistas (Fig. 12.); nos anos seguintes seria progressivamente
mais complexo e teria como referentes os estilos ornamentais do passado (Fig.13). O
desenho ornamental introduz as regras de organização da superfície e as noções de
estilização e de padrão.
Unidades do desenho são certas figuras de ornamento geométrico, vegetal ou misto,
empregadas na decoração em que se adota qualquer dos processos seguintes: repetição,
alternação, ou irradiação. Algumas unidades de desenho são dispostas, às vezes
simetricamente, constituindo assim outras unidades, que, a seu turno, podem ser
repetidas, alternadas ou irradiadas. A unidade de desenho denomina-se também padrão
ou motivo.
Uma das fontes de ornamentação é a flora. As formas naturais são, porém, quase sempre
subordinadas a formas geométricas, o que permite dar àquelas uma regularidade que elas
não têm. A regularidade dada aos produtos naturais, sem contudo lhes alterar a forma
média, denomina-se estilização95.
94
Compêndio de Desenho para o 1º ano do curso liceal; 1900: pág. 148.
95
Idem, pág. 139.
51
Fig. 12. Compêndio de Desenho para a Classe I do Liceu. 1900. Luiz Miguel de Abreu e António Teixeira
Machado.
Fig. 13. Compêndio de Desenho para as Classes III, IV e V do Liceu. 1901. Luiz Miguel de Abreu e António Teixeira
Machado.
52
3 Primeira República (1910-1926)
96
Jorge do Ó chama de “pedagogia psi” a uma forma de pedagogia baseada na psicologia, sendo esta considerada, em finais do séc.
XIX, uma ciência não exata que trata a moral e o comportamento humanos.
97
Formados em Genebra, no Instituto Jean-Jacques Rousseau, e próximos de pedagogos eminentes como Claparéde ou Adolphe
Férriére, surgiram entre nós alguns eminentes praticantes e difusores de novos ideais pedagógicos, dos quais destacamos: António
Sena Faria de Vasconcelos (1880-1939), que foi, com António Sérgio, o principal autor da Reforma de João Camoesas, apresentada
ao Parlamento em 1923, tendo lecionado, na Escola Normal da Faculdade de Letras de Lisboa, a cadeira de Psicologia Geral; Álvaro
53
O grande pressuposto científico de finais do século XIX, segundo o qual a diversidade
entre os espíritos seria inata-congenital e já não, como antes se admitira, fruto da
educação externa, baseou-se em inúmeras investigações experimentais:
A enorme mole de artigos científicos e outros trabalhos académicos iria documentar as
diferenças individuais numa imensidão de registos: da fadiga às associações e à duração dos
actos psíquicos, da imaginação à memória e desta à atenção, à percepção e aos esquemas
visuais, da inteligência, ao trabalho e à habilidade, etc. Só esse labor sistemático permitiria
acabar de vez com a nefasta influência da escola tradicional que não distinguia ninguém na
sua visão unidimensional e massificadora da criança (...)98. A actividade mental não podia
mais ser percebida como uma estrutura composta de faculdades autónomas e isoladas. A
memória, a imaginação, a inteligência, a vontade, a razão, a linguagem, passaram a ser
analisadas pela geração experimentalista como instrumentos de acção.99
A partir dos resultados das pesquisas e observações de médicos, psicólogos e pedagogos,
constatou-se a necessidade de uma escola nova onde os métodos e as técnicas educativas
se veriam adaptados à realidade particular de cada criança e às suas caraterísticas inatas.
Neste sentido, reconhece-se pela primeira vez a necessidade de planear o processo de
ensino-aprendizagem para uma “educação funcional” (Claparéde) de acordo com as
necessidades intelectuais e aptidões especiais das crianças, o que não acontecia
anteriormente, quando esse processo partia de circunstâncias criadas artificialmente. A
psicologia infantil começou por validar o princípio de que a estrutura moral e intelectual
das crianças e jovens diferia, segundo as várias etapas-estádios do seu crescimento,
dando origem a uma “escola por medida” (Claparéde), ou seja, adaptada à idade, ao sexo
e à mentalidade de cada um dos seus alunos, numa abordagem tanto quanto possível
individualizada.
A necessidade de rentabilizar os recursos humanos atendendo às caraterísticas e
qualidades individuais (a memória, a atenção, a motricidade e a inteligência (…)
probidade, o ardor ao trabalho, a lealdade, a obediência, a modéstia, etc.)100, dará azo a
uma nova preocupação pela orientação profissional do aluno, tornando-se argumento
para a reorganização dos planos de estudos, quer no ensino liceal, quer no ensino
técnico.
Os modelos educacionais e os ideários pedagógicos que viriam a ser associados ao
movimento apelidado de “Escola Nova” desenvolvem-se a partir de finais do século
XIX, a par da “psicologia”, uma nova ciência em emergência nos meios académicos dos
Viana de Lemos (1881-1972), docente na Escola Normal de Coimbra e da Escola Normal de Lisboa, de cujas obras escritas
destacamos Trabalho manual na escola, publicado em 1919; Adolfo Lima, defensor da escola única, que realizou experiências
pedagógicas segundo o ideário da Escola Nova, na Escola Oficina nº 1 de Lisboa, criada em 1905, e na Escola Normal Primária de
Lisboa, onde foi professor de Metodologia; e Joaquim Augusto Alves dos Santos (1866-1924), que funda em 1913, na Universidade
de Coimbra, o primeiro laboratório de Psicologia e Pedagogia Experimental, de cujas obras destacamos Educação Nova: as bases,
Lisboa, 1919.
98
Candeias, 1995 :13, citada por Jorge do Ó, 2003: 128.
99
Do Ó (2003): p. 128.
100 Idem, pág. 133.
54
países do centro e norte da Europa, particularmente, Suíça, França, Bélgica e Alemanha.
Em 1913, foi apresentada uma proposta de Lei para a criação de escolas novas
portuguesas, tendo sido rejeitada pelo Parlamento101.
Em 1921, o Congresso da Liga Internacional para uma Educação Nova (Ligue
Internationale pour une éducation nouvelle), realizado em Calais, adota os sete
princípios da “Educação Nova”.102 Estes exprimem principalmente duas grandes
tendências:
- A descoberta das caraterísticas psicológicas da criança e, em consequência, a
mudança da atitude educacional ;
- A preocupação por uma formação global do indivíduo conciliando o interesse
coletivo (educação cívica) e as motivações individuais.
Numa clara reação contra o modelo da escola tradicional, propõe-se em alternativa, uma
escola aberta, descentralizada e crítica da sociedade. Nela são valorizadas as interações
com o meio social e as vivências dos alunos, incorporando no curriculum a cultura
circundante. Dá-se uma particular importância à participação, autogestão e sentido de
responsabilidade. O aluno torna-se o principal protagonista do processo de ensino /
aprendizagem desenvolvendo-se em torno dele, os programas curriculares e a atividade
profissional do docente.
Os princípios que regem as relações sociais na escola passariam a ser: atividade,
vitalidade, liberdade, individualidade e coletividade, estreitamente relacionados entre si.
Neste sentido, o currículo deveria ser diversificado, contemplando todos os aspetos da
formação integral do indivíduo: a "vida física", a " vida intelectual", a "organização e
procedimento de estudo", a "educação artística e moral" e a "educação social".
O professor conduziria o processo de aprendizagem partindo da experiência do aluno, da
observação, da manipulação e de atividades sobre realidades concretas como forma de
se atingir, através do método indutivo, a abstração. Dentro deste entendimento, defende-
se a relação entre a teoria e a prática, o que levará à valorização dos trabalhos manuais.
Os materiais didáticos continuam a incluir livros didáticos, associados de um conjunto
de recursos de diversa natureza que o aluno utilizaria nas suas experiências e atividades.
A avaliação seria preferencialmente de natureza qualitativa103.
101 Joaquim Ferreira GOMES. Estudos para a história da educação no século XIX. Coimbra: Almedina, 1980, Lisboa: Cap. 6: Uma
proposta de lei para a criação de “escolas novas” apresentada ao Parlamento da 1ª República.
102 Sintese dos “30 princípios para as escolas novas” que Adolphe Férriére (1879-1960) enunciara no prefácio de Une écolle
nouvelle en Belgique (1915) de Faria de Vasconcelos.
103 A síntese que apresentamos relativamente ao modelo da Escola Nova foi realizada a partir de Carlos Fontes: Modelos
Organizativos de Escolas e Métodos Pedagógicos. In: http://educar.no.sapo.pt/metpedagog.htm (consultado em 16-09-2011).
55
artística. Este pedagogo defende o ensino do desenho em termos bastante distintos
daqueles que vinham a ocorrer nas escolas portuguesas. Na sua opinião, este ensino não
deveria ter como finalidade fazer desenhadores, mas ensinar a criança a ver, a olhar e a
observar:
(…) os antigos métodos de ensino do desenho não fazem apelo à iniciativa do aluno, que lhe
impunham a imitação exacta dos mesmos modelos, áridos, monótonos, aborrecidos como
sólidos geométricos, gessos, motivos de arquitectura e de ornamentação antigas, bustos
romanos e gregos, cuja beleza abstracta não interessava a criança, estão hoje condenados
pelos pedagogistas que defendem um método intuitivo e directo do desenho d´aprés nature.
(…) O novo método baseia-se na psicologia da criança, nas suas aptidões, no seu gosto, nas
suas tendências, na sua idade. O professor limita-se a guiar e ensinar a criança no que
interessa os seus sentidos e as suas faculdades. É um método vivo que se adapta à criança e
que apenas lhe pede a representação dos objectos que a interessam, pelos processos que lhe
agradam.104
O novo método defendido por Faria de Vasconcelos baseava-se nos seguintes
princípios:105
- “O desenho educa a vista” (incidência na observação detalhada)
- O desenho desenvolve a memória (a memorização visual permitirá uma melhor
compreensão de um objeto)
- O desenho desenvolve a atenção e a vontade (partindo de objetos do interesse da
criança)
- O desenho desenvolve o raciocínio (pela análise das partes, suas relações e respetiva
verbalização).
Na opinião deste pedagogo, a aprendizagem do desenho deveria começar pela
modelação e deveria associar-se aos Trabalhos Manuais” e aos trabalhos decorativos.
No respeitante à educação estética, ou “educação da beleza”, como lhe chama, diz que
esta deve abarcar todo o ambiente que envolve a criança, nomeadamente, a casa e os
objetos que a compõem (mobiliário, vestuário, brinquedos), bem como a escola, o liceu,
ou o colégio, pois estes, atendendo às novas ideias para a educação, deveriam perder a
sua austeridade, para se tornarem espaços de acolhimento:
Não é só o lugar, a situação da escola, a que tudo deve atender. A arquitectura, a
iluminação, as salas de estudo, a decoração, devem aliar à higiene, a arte, a fim de criar
na escola, uma atmosfera de conforto, de bem-estar, de alegria, de beleza, que
predisponha a criança para o estudo, encantando-lhe o coração.106
Vasconcelos enumera as iniciativas que, desde os finais do século XIX, diversos países
europeus tinham vindo a tomar no sentido de contribuir para o embelezamento do
104
“Lições de Pedologia e Pedagogia experimental”, in: Faria de Vasconcelos, Obras Completas. Vol. I (1900-1909). Fundação
Calouste Gulbenkian,1986. Pp. 602-603.
105
Idem, pp.603-604.
106
Idem. Pág. 600.
56
espaço escolar, e que passavam pela integração de obras de arte e imagens apropriadas
ao nível de escolaridade e idade das crianças. Referindo-se ainda às condições das
escolas do meio urbano, preconiza uma escola “extra-muros”, que promova o contacto
dos alunos com a natureza.107
Por sua vez, as escolas do ensino técnico, tendo em conta a existência de uma certa
autonomia na organização dos cursos consoante as necessidades e características locais,
vão colocando em prática novas experiências pedagógicas. Francisco Nobre Guedes
(1863-1969) comenta as instruções gerais do programa de Desenho Geral da Escola
Industrial de Afonso Domingues, datado de 1915. Este programa, influenciado por
exemplos internacionais, introduz alterações didáticas significativas nessa disciplina,
antecipando o que veio a acontecer no início da segunda metade do século XX, com o
estabelecimento do “modelo expressivo” e as vertentes do “desenho livre” e do
“desenho interpretativo.” Reiterando as ideias anteriormente defendidas por Faria de
Vasconcelos, Nobre Guedes diz o seguinte:
O método do ensino do desenho tem de basear-se nos seguintes princípios: Primeiro, a
liberdade do sentimento, e mesmo da interpretação, dentro dos limites de uma correção
gradual que compete ao professor, devendo este animar toda a iniciativa, segundo o
temperamento próprio de cada aluno; Segundo, fazer do desenho não em absoluto uma
arte para distração geral de cultura mas como elemento para desenvolver o raciocínio, a
sensibilidade e a memória; Terceiro, tomar como base a natureza, estudada e traduzida
diretamente nas suas linhas, nas suas formas e na sua cor. Nenhuma teoria geométrica se
deverá estabelecer entre o aluno e o objeto natural que se desenha. Observar o modelo,
sentir a sua expressão e reproduzi-lo com sinceridade, deverá ser a única preocupação do
aluno em face da natureza que, sob mil aspetos, será sempre o eterno modelo. Nenhuma
confusão entre os assuntos da geometria e os da natureza, o que tornaria o desenho
estéril. (…) O fim do ensino do desenho industrial não é de modo algum o exclusivo
intuito de formar desenhadores, mas sim preparar o futuro operário, esclarecendo-lhe a
inteligência e o bom gosto. Para isso, o que principalmente se deve exigir do professor é
a direção inteligente para assim poder obter do aluno um desenho útil.108
Nobre Guedes refere-se ainda ao sentido que o “desenho à vista” viria a tomar. Ao
expurgar a cópia e a imitação rigorosa dos modelos dados, possibilitaria a livre
interpretação gráfica de modelos escolhidos em função das futuras profissões dos
alunos, e de outros interesses seus.
107
Idem. Ibidem.
108
GUEDES, Francisco Nobre - Notas sobre a Instrução Profissional. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1930, pp. 74-77
(citado por Natália LOBO na pág.75).
57
3.3 O Ensino Industrial e as Artes Aplicadas
Em 1913, sob a presidência de Afonso Costa, reinstaura-se o Ministério da Instrução
Pública e nele se incluem os sistemas de ensino agrícola, industrial e comercial 109. Pelo
Decreto de 17 de novembro de 1914, são criadas novas escolas do ensino elementar
industrial e comercial, bem como novos cursos e oficinas em escolas já existentes. Os
programas e os planos de estudo promulgados em 1893 continuam em vigor. Contudo,
em 1915, o Decreto n° 1878 de 11 de setembro reclama a necessidade de se atualizarem
os programas das disciplinas lecionadas nas escolas do ensino elementar industrial e
comercial, determinando que os diretores das mesmas os fizessem aprovar no Conselho
Escolar, cabendo a cada professor a redação do seu programa.
Em 1918, sob o ministério de Ernesto Júlio Navarro, é apresentada uma nova
reorganização do Ensino Técnico Elementar110, detalhada no ano seguinte pelo Decreto
n° 6286 de 19 de dezembro (Regulamento Geral das Escolas Industriais). As escolas
industriais passam a ministrar Cursos de Aprendizagem, constituídos pelo Grau
Preliminar e pelo Grau Geral, com a duração de um e de quatro anos, respetivamente, e
o 3º Grau ou Curso Complementar, com a duração de dois anos.
O plano de estudos do Curso de Aprendizagem conta já com a introdução de disciplinas
de formação geral como Português, Aritmética e Geometria, Geografia e História, Física
e Química e Francês, para além do Desenho Geral (9h semanais no 1º ano), Desenho
Especializado (12h semanais nos 2º, 3º e 4º anos) e dos Trabalhos Oficinais (que se
mantêm desde 1891 e que têm entre 15 e 20h semanais). De um modo geral, reforça-se a
carga horária das disciplinas de Desenho e de Trabalhos Oficinais. Estas duas disciplinas
nucleares funcionam em sintonia, uma vez que os trabalhos oficinais seriam sempre
ligados à especialização do desenho: ao desenho de construção corresponderiam os
trabalhos oficinais em madeira; ao desenho mecânico, os trabalhos oficinais em metal; e
ao desenho artístico, os trabalhos oficinais de modelação e pintura. Os trabalhos
oficinais femininos desenvolveriam a aprendizagem de costura, bordados, rendas e
cartonagem (Art.8º).
O plano de estudos e a organização do Curso Complementar seriam variáveis segundo
as indústrias locais, e especializados, de acordo com a natureza das escolas (Art. 9º).
Dependentes das mesmas condições, poderiam ainda funcionar, em regime noturno,
Cursos de Aperfeiçoamento para operários que pretendessem aperfeiçoar-se ou instruir-
se. Mantém-se o princípio da autonomia pedagógica e, sendo assim, tal como no
passado, os programas seriam elaborados por cada escola e postos em execução depois
109
Lei nº 12, de 7 de Julho de 1913. Art.2º (Esta era uma antiga reivindicação, protagonizada por Bernardino Machado no seu
discurso à Câmara dos Deputados em 1890. Neste discurso, critica o divórcio existente entre o ensino técnico e o ensino liceal,
reclamando a necessidade de um Ministério da Instrução Pública que reunisse todos os sistemas de ensino: liceal, profissional,
militar, artístico, eclesiástico, infantil, etc. In: Bernardino MACHADO (1890). Instrução Publica. Discurso Parlamentar proferido à
Câmara dos Deputados, em 16 de Julho de 1890. Lisboa. Imprensa Nacional.
110
Art.9º do Decreto n° 5029, de 1 de dezembro de 1918, e Art.14º do Regulamento das Escolas Industriais, aprovado pelo Decreto
n° 6 286, de 19 de dezembro de 1919, D.R. nº 258, I Série.
58
de aprovados pelo Governo, mediante parecer do Conselho do Ensino Comercial e
Industrial.
As escolas são incentivadas a desenvolverem atividades de divulgação e complemento
do ensino industrial: conferências, cursos dominicais, criação de bibliotecas e de museus
próximos. Promove-se a parceria entre a escola e a sociedade civil, particularmente o
empresariado e as indústrias locais, podendo ocorrer, por parte destas últimas, pedidos
de formação específica, utilização das oficinas, bem como apoios filantrópicos para
aquisição de recursos para as escolas. Ainda que a organização deste sistema tome
contornos de maior flexibilidade relativamente ao sistema liceal, nem por isso deixam de
existir mecanismos de controle e certificação da qualidade do ensino. Para esse efeito, é
criada uma “Comissão de aperfeiçoamento do ensino”, composta por um diretor, um
professor eleito pelo conselho escolar e três vogais escolhidos pelo Governo de entre os
sócios de associações industriais ou profissionais das indústrias locais (Art. 24º). As
funções destas comissões seriam, entre outras, dar o parecer acerca dos programas dos
cursos especiais, ocupar-se da colocação dos alunos e elaborar e enviar anualmente ao
Governo um relatório sobre os trabalhos da Comissão (Art. 26º)111.
Os Regulamentos do ensino industrial desde sempre focaram a necessidade de diversos
recursos para o desenvolvimento das especialidades de ensino. Contudo, para a
disciplina de Desenho (Geral) e Desenho (Especializado), não são recomendados livros
didáticos, exceto para a matéria de Desenho Geométrico, a qual se poderia seguir em
qualquer compêndio adotado para os liceus. Em contrapartida, criam-se e equipam-se
Oficinas, Gabinete Fotográfico, Biblioteca e Museu, entre outros. As oficinas, além de
ministrarem o ensino prático, seriam também destinadas à realização de trabalhos para o
Estado e entidades particulares, mediante remuneração. A biblioteca deveria conter
obras de tecnologia, livros, revistas, estampas e desenhos de interesse para o ensino. O
gabinete fotográfico seria destinado ao ensino prático e à reprodução de desenhos,
modelos, obras de arte e trabalhos realizados na escola. Organizados em coleções, estes
trabalhos seriam intercambiados com outras escolas, ou vendidos para custeio do
gabinete. Finalmente, o museu destinava-se a colecionar os modelos, as ferramentas,
aparelhos, desenhos, amostras, materiais e produtos que pudessem ser introduzidos nos
métodos de trabalho das indústrias locais e também a patentear a história dos processos
da indústria local.112
111
Idem.
112
Idem: Art.ºs 163º-179º.
59
3.4 O Desenho no plano de estudos do Ensino Liceal
(Reforma de 1918)
Para este grau de ensino decretam-se, desde 1911, reformas que vão sendo
sucessivamente contrariadas, mantendo-se no geral o plano estrutural ditado pelas de
1894-95 e de 1905. O Decreto n° 637, de 9 de junho de 1914, reforma o ensino
secundário liceal e publica os planos de estudos do curso geral e do curso complementar.
O Desenho fica associado ao grupo de disciplinas que compreende também os Trabalhos
Manuais Educativos e o Canto Coral. No Curso Complementar, a disciplina de Desenho
fica integrada na secção de Ciências. A avaliação em disciplinas como Trabalhos
Manuais Educativos, Canto Coral ou Ginástica, seria puramente qualitativa. Já a
disciplina de Desenho enquadra-se no regulamento das restantes incluindo os exames.
Aos Professores de Desenho é atribuído o 9º Grupo de docência. Por este Decreto
instituem-se as Exposições de Final do Ano Letivo, onde se exibiriam os melhores
trabalhos escritos, manuais e de desenho.
Em 1918, é publicado o Regulamento da Instrução Secundária113 e, a 28 de novembro
desse mesmo ano, são promulgados os programas para as disciplinas do curso liceal114.
Nas recomendações enunciadas no Capítulo VII (Da orientação do ensino) do referido
regulamento, pode verificar-se uma clara intenção em distinguir a chamada 1ª secção do
curso geral (as duas primeiras classes) da 2ª secção (as três últimas classes desse curso).
Para a primeira secção recomenda-se um ensino de carácter intuitivo e elementar,
tendendo a desenvolver o mais possível o poder de observação dos alunos e a
experimentação. A segunda secção destinar-se-ia ao desenvolvimento destas faculdades,
associado a um tipo de conhecimentos julgados importantes como função da educação
geral.115 Estes conhecimentos ou “conteúdos programáticos” são normativos e, como
tal, haveriam de ser escrupulosamente seguidos, quer pelos professores, quer pelos
autores dos manuais escolares. As orientações prosseguem no sentido de apelar a um
ensino que parta do concreto para o abstrato, nomeadamente pela presença dos objetos e
correspondentes descrições gráficas em escrita ou desenho. Por isso, também, na
comunicação expositiva, o professor deveria utilizar uma linguagem com clareza,
correcção e pureza, de modo a tornar os ensinamentos acessíveis aos alunos; propõe-se
o uso da retroação didática (uma parte do tempo da aula há-de consagrar-se à
averiguação de doutrinas já explicadas, outra parte à explanação de matéria nova,
etc.), bem como o uso da revisão, de modo a cultivar no aluno o espírito de
sequência.116 Estas orientações são justificadas pelo pensamento tantas vezes enunciado
pelos grandes pedagogistas acerca da marcha graduada do ensino(…): - que primeiro
se trata de transmitir directamente um material de instrução, explicando-o,
113
Decreto nº 4:799 de 12 de setembro de 1918.Secretaria de Estado da Instrução Pública, Diário do Governo nº 198, I Série.
114
Decreto nº 5:002 de 28 de novembro de 1918. Secretaria de Estado da Instrução Pública, Diário do Governo nº 257, I Série.
115
Decreto nº 4:799 de 12 de setembro de 1918: pág. 1652.
116
Idem: págs. 1652 e 1653.
60
esclarecendo-o, elucidando-o, para a assimilação ou apropriação; - depois se trata de
estreitar as novas representações, ideias ou noções obtidas por este meio, com as já
existentes no espírito do aluno, grupando e ordenado os conhecimentos assim
desenvolvidos.117
Segundo o pensamento da reforma, ao Desenho, disciplina predominantemente artística,
caberia desenvolver e cultivar as faculdades de observação visual e de diferenciação das
formas, o senso das proporções, a memória plástica, e criar no estudante a indispensável
destreza manual, tudo conducente a estimular o sentimento da beleza.118 Contudo, apesar
destas intenções, não se verificam mudanças significativas no programa desta disciplina,
que se divide em Desenho Rigoroso e Desenho à Vista.
O desenho rigoroso ou geométrico continua a preponderar como a primeira e a mais
extensa matéria do enunciado programático, se bem que se verifique uma maior
adequação aos vários anos da escolaridade. Assim, na I Classe iniciar-se-ia o aluno pela
observação das formas geométricas tridimensionais para chegar à compreensão do
plano, ou seja, às formas poligonais constituintes, partindo-se depois para a verificação
das arestas e destas para as linhas, suas propriedades, relações e posições no espaço. A
matéria terminaria com o traçado da circunferência e o conhecimento das suas linhas
estruturais. Na II Classe, e seguindo uma sequência rigorosamente planificada,
recomeçar-se-ia pela(s) circunferência(s) e suas relações de tangência, paralelismo, etc.;
traçado dos polígonos inscritos e exercícios de escalas.
Para o Desenho à Vista na I Classe, continua a recomendar-se o uso da rede
estimográfica, variando os intervalos e as distâncias dos estigmas, em exercícios de
combinações simples de segmentos de reta e de arcos de circunferência. Na II Classe,
previa-se o desenho de folhas naturais e a observação da forma geométrica fundamental.
Estes desenhos aplicar-se-iam ao estudo da composição pelas leis da repetição,
alternância e irradiação. Por sua vez, as formas derivadas dos polígonos regulares
estudados no Desenho Geométrico (triângulo, quadrado, pentágono, hexágono e
octógono), seriam aplicadas no ornamento vegetal119.
Na III Classe desenvolvia-se o traçado dos polígonos e a construção da elipse, da
hipérbole e da parábola. Introduz-se o estudo das cores: primárias, binárias e terciárias.
O desenho à vista compreendia a cópia de sólidos definidos simplesmente pelas suas
arestas, em arame de ferro, e o desenho esquemático de aparelhos simples de física e de
química.120
A matéria de geometria na IV Classe progride para os traçados da oval, óvulo e espirais;
arcos, de volta abatida, aviajados e em ogiva, e traçados de curva aplicados ao
117
Idem, ibidem.
118
Decreto nº 5:002 de 28 de Novembro de 1918 pág. 2015.
119
Idem: pág. 2020.
120
Idem: pág. 2027.
61
ornamento. O desenho à vista incidia sobre a cópia de sólidos geométricos simples e
agrupados; curvas e elementos vegetais aplicados ao ornamento; continuação do
desenho esquemático iniciado na classe anterior e o desenho em contorno simples da
figura humana, estudando ao mesmo tempo as suas proporções.121
Fig. 14. Instruções para o ensino do desenho do Curso Geral. Decreto nº 5:002 de 28 de Novembro de 1918. Pág.
2021.
121
Idem, ibidem.
62
Finalmente, na última classe do ensino geral, o desenho rigoroso compreendia o traçado
de molduras; conhecimento geral das ordens arquitectónicas e dos seus caracteres
diferenciais, tomando como exemplo o Parthenon, mas também a ordem toscana; estilos
arquitectónicos e seus principais caracteres. Monumentos da Batalha, Jerónimos, e
Convento de Cristo em Tomar. Estudo e representação dos planos, ângulo diedro e
rebatimentos. Iniciação ao estudo da perspetiva com o auxílio do perspectógrafo. No
desenho à vista seria dado desenvolvimento ao tipo de exercícios do ano anterior, ao que
acresceria o ornamento em relevo.122
A disciplina de Desenho mantém a mesma estrutura do programa saído da reforma de
1895, no que diz respeito às orientações didáticas e ao uso do método estimográfico
como forma de iniciação ao desenho. Verifica-se no entanto, uma melhor adequação do
desenho rigoroso aos anos de escolaridade e correspondentes níveis etários,
acrescentando-se, de acordo com o espírito nacionalista e patrimonial da 1ª Républica, a
abordagem a um conjunto típico de monumentos nacionais.
Aprender a ver e a desenhar continua sujeito a uma oferta de modelos, cuja estética e
cultura visual têm como referente a arquitetura do passado.
122
Idem, ibidem.
123
“O Desenho das escolas primárias” (em co-autoria com Manuel Joaquim de Oliveira Júnior) Porto, 1899.
124
Ver Anexo B.3.
63
novas representações, ideias ou noções obtidas por este meio, com as já existentes no
espírito do aluno.
O reflexo destas orientações observa-se nos compêndios de Ângelo Vidal, quer no
discurso textual, quer na iconografia, quer na organização dos manuais. Contrariamente
aos manuais anteriores, nestes pequenos livros resume-se a matéria pela via textual e
iconográfica, estabelecendo-se uma relação direta entre ambos, desparecendo assim os
Atlas, ou coleção de estampas, publicadas como complementos do manual.
No compêndio para a 1ª classe do liceu, merece particular destaque o tipo de estratégia
discursiva. O autor desenvolve a vertente oral descritiva usando uma linguagem
coloquial, o discurso direto e o método socrático (diálogo e questionamento). As
definições são dadas em jeito de interrogação e acompanhadas de analogias, podendo
este considerar-se o primeiro compêndio dirigido aos alunos, atendendo à idade dos que
frequentavam a 1ª classe do ensino liceal.
A título de exemplo, vejamos a primeira página, onde, sob o conteúdo “Sólidos,
Volume, Superfície”, o autor começa assim o seu discurso:
Meus amiguinhos: todos vós tendes visto uma caixa de fósforos, mas talvez não tenhais ainda
notado que há nela um certo comprimento (da esquerda para a direita), uma certa largura
(de diante para trás) e uma certa altura (de cima para baixo). Notai e exprimi isto, dizendo
que ela tem três dimensões: comprimento largura e altura.
Sucederá o mesmo nos outros objectos? Analisai um estojo de desenho, um livro, uma lousa,
etc. e notareis que em todos há comprimento, largura e altura, embora na lousa, esta última
dimensão que toma o nome de grossura ou espessura, seja relativamente pequena.
Aqui tendes uma folha de papel. Haverá nela espessura? Há, a-pesar de tão pequena que
mal se vê. A prova é que se fordes colocando uma folha sobre outra, estas pequenas
espessuras reunidas dão uma espessura total bem visível, como observareis no vosso
caderno de desenho.(…).
Usando destes termos para a apresentação de cada um dos elementos básicos da
geometria plana, segue-se, no final de cada explicação, um questionário para a
consolidação das anteriores definições:
Que é sólido? Citai exemplos de sólidos. Quantas dimensões tem um sólido? Enunciai-as.
Que outras denominações pode ter a altura? Exemplificai. Que ideias vos sugerem um
sólido? Mostrai sólidos com a forma redonda; outros com a forma não redonda. Que é o
volume dum sólido? E capacidade?
Quando se passa aos traçados geométricos, a organização da matéria, devidamente
identificada com título e sub-título, passa a incluir, em primeiro lugar, a explicação do
conceito, particularidades e procedimentos de traçado acompanhado da respetiva
ilustração; posteriormente, e para consolidação dos conhecimentos, segue-se o
questionário; e, por fim, um conjunto de exercícios para aplicação dos mesmos.
64
As ilustrações do autor oferecem a particularidade de apresentar figuras tiradas do
mundo real para exemplificar conceitos ou procedimentos no desenho (Figs. 15 e 16).
Para a realização do Desenho à Vista, Ângelo Vidal elimina o uso do papel
estimográfico, iniciando-se esta modalidade pelo treino da mão no domínio dos traçados
elementares, como as linhas nas suas diversas posições, divisões e medições a “olho” e o
desenho de polígonos básicos. Na 2ª classe, o desenho à vista realiza-se a partir da
observação de estampas dadas pelo professor, ou sugeridas no próprio compêndio:
figuras geométricas compostas; frisos aplicando as leis da repetição e alternância;
rosetas e outras figuras de origem vegetalista geometrizadas (Fig.17.); desenho
naturalista de animais, insetos e aves, partindo dos eixos estruturais destas figuras
(linhas verticais, horizontais, oblíquas e enquadramentos geométricos) (Fig.18).
Nas 3ª, 4ª e 5ª classes do liceu não há Desenho à Vista. O Programa é exclusivamente
dedicado à Geometria Descritiva.
A Teoria da Cor (“Quadro das cores”) é uma matéria abordada sumariamente na 1ª
classe e um pouco mais desenvolvida no manual para as últimas classes do liceu, se bem
que o seu uso se limitasse à realização de aguadas uniformes.
Fig.15. Compêndio de Desenho para o 1º ano dos liceus. Ângelo Coelho Vidal.
65
Fig.16. Compêndio de Desenho para o 1º ano dos liceus. Ângelo Coelho Vidal
Fig. 17. Compêndio de Desenho para o 1º ano dos liceus. Ângelo Coelho Vidal
66
Fig. 18. Compêndio de Desenho para o 1º ano dos liceus. Ângelo Coelho Vidal.
125
Decreto nº 4:799 de 12 de setembro de 1918.Secretaria de Estado da Instrução Pública, Diário do Governo nº 198, I
Série.
67
Em ambos os sistemas de ensino observamos os reflexos do ideário do movimento da
Escola Nova. A preocupação com uma educação integral dará origem a um conjunto de
disciplinas de formação geral no ensino liceal e no ensino técnico. No ensino liceal
incluiem-se nesta finalidade, disciplinas como ginástica, a música e o canto coral e os
trabalhos manuais (masculinos e femininos), valorizadas pelo seu potencial de formação
e de desanuviamento intelectual. No ensino técnico, as disciplinas de educação geral
ainda ficariam em minoria no currículo, uma vez que a carga horária nestes cursos
incidia maioritariamente no Desenho, nas especializações e nos trabalhos oficinais.
Relativamente ao pensamento pedagógico e didático, valoriza-se a dedução, através dos
trabalhos práticos individuais; a observação e a experimentação; incentiva-se o contacto
com a natureza e com o património cultural do país, pelo facto de possibilitarem a
formação e a a educação estética dos alunos. As exposições escolares representam uma
rutura com metodologias de ensino e de aprendizagem de rotina, características do
período anterior, e vêm reforçar a ideia, se não duma escola nova, pelo menos duma
escola mais dinâmica. Ainda que não se utilizasse a palavra “interdisciplinaridade”,
esperava-se de algum modo que estas atividades pudessem contribuir para quebrar o
excessivo individualismo dos professores.
No ensino técnico, estas atividades poderiam constituir-se como complemento ao plano
de estudos, mediante conferências, criação de bibliotecas e museus junto da escola e
cursos dominicais. O ideário da Escola Nova encontra um bom terreno neste sistema de
ensino, tendo em conta que, desde a sua fundação, é dado um particular relevo à
flexibilidade curricular e à articulação entre a teoria e a prática. Contudo, os programas
de Desenho no ensino secundário não revelam alterações dignas de relevo.
Contrariamente, é no ensino primário que se verificam grandes alterações, uma vez que
o método estimográfico é suprimido radicalmente, surgindo então as expressões
“desenho livre” e “modelação livre”126.
Com o esgotamento da 1ª República, a pedagogia progressista viria a ser coartada na sua
verdadeira dimensão. Em junho de 1923, quase no termo da 1ª República, João
Camoesas, o então Ministro da Instrução, apresentou para discussão à Câmara de
Deputados, o "Estatuto da Educação Pública". Nesta proposta, da autoria de Faria de
Vasconcelos e de António Sérgio, o Curso Geral do Ensino Secundário passaria a ter a
duração de quatro anos, a que se seguiriam três anos de Curso Especial, distribuído por
quatro áreas: Letras, Ciências, Técnico e Normal. Com um alcance que ainda hoje se
admira, a proposta, defendida por António Sérgio, entre outros progressistas, ficou como
documento histórico, pois o governo em que Camoesas era ministro caiu em novembro
do mesmo ano.
O regime autoritário que se avizinhava, exerceu todo o tipo de repressão e perseguição
aos cultores da educação democrática. Alguns pedagogos foram vigiados pela censura e
126
Decreto de 6:203 de 7 de novembro de 1919. Diário do Governo nº 227, I Série. Pág. 2244.
68
impedidos de se manifestar: Irene Lisboa, Faria de Vasconcelos, António Sérgio ou
Bento de Jesus Caraça, defensor de uma “escola única” como fator de democratização
do ensino e garantia de igualdade de oportunidades.
A 1ª República, mais do que resultados, propiciou um ambiente favorável ao
desenvolvimento de novas práticas e ideias, cujas experiências pedagógicas se
verificaram sobretudo no contexto educativo informal. A luta contra o analfabetismo e a
promessa de amplo desenvolvimento das instituições educativas fizeram parte das
prioridades políticas. De acordo com o ambiente anti-clerical da época, defendeu-se
energicamente a laicização e a expansão do ensino, empreendendo-se ações de educação
popular levadas a cabo por universidades, grupos independentes e cooperativas de
trabalhadores.
Ao afã experimentalista deste período não terá sido alheio o destaque que então se deu à
formação de professores, aspeto que vinha a ser consolidado desde o princípio do
século. Em 1901, na Faculdade de Letras de Lisboa, havia sido criado o primeiro curso
de formação de professores do ensino secundário. Com a duração de quatro anos e uma
forte componente psicopedagógica, seguia-se-lhe uma prova pública – exigência que
passou a ser feita também aos professores de Desenho (9º Grupo de Docência) a partir
de 1911, equiparando-os assim aos demais docentes no acesso à profissão. A habilitação
académica requerida aos docentes do 9º grupo passa a ser o diploma de qualquer um dos
cursos ministrados pelas escolas de Belas Artes ou pelas Escolas Industriais127 de artes
decorativas. Este facto coloca-os em pé de igualdade com os docentes provenientes das
universidades, no acesso às Escolas Normais Superiores, e à formação pedagógica
específica. O estabelecimento das habilitações e acesso à formação profissional viria a
operar transformações qualitativas na preparação dos professores do ensino secundário,
cujos reflexos havemos de verificar nos anos 50 e 60, muito particularmente na
disciplina de Desenho.
127
Decreto nº 4:650 de 14 de julho de 1918: pág. 1668. Decreto nº 4:799 de 12 de setembro de 1918:pág. 1668.
69
70
4 Reformas Educativas nos anos 30
4.1 Enquadramento
A 28 de Maio de 1926, um movimento liderado pelo exército dissolve o parlamento,
pondo fim à 1ª República. Entre 1926 e 1933 vive-se um período dominado por uma
ditadura militar e, em 1933, já com António de Oliveira Salazar como Presidente do
Conselho, é aprovada por referendo uma nova Constituição. Portugal entrava na era do
Estado Novo, um regime político ditatorial que se prolongou até 25 de Abril de 1974.
O regime, obra de design do próprio ditador e seus colaboradores, baseou-se em parte
nos sistemas totalitários de direita existentes na época (o Fascismo italiano, desde os
finais dos anos 20; o Nazismo, a partir da subida de Hitler ao poder, também em 1933; e,
um pouco mais tarde, a ditadura de Francisco Franco (1939-1976) em Espanha). As
71
principais estratégias ideológicas do Estado Novo foram o nacionalismo, um ideal
cultivado desde o século XIX, e exaltado com a comemoração do tricentenário da morte
de Camões (1880) e com o ultimato inglês (1890), a que a 1ª República dará
continuidade, e por um intencional isolamento do país relativamente ao exterior,
sobretudo durante a 2ª Grande Guerra (1938-1945).
O argumento da “salvação nacional” e a divisa “Deus, Pátria, Família” são os suportes
ideológicos que sustentam a criação de estruturas corporativas pelas quais se
circunscreve todo o tipo de atividade associativa, contemplando as várias fases etárias,
estratos sociais e organizações de trabalhadores. Aos insurgentes respondia-se com a
censura, vigilância, perseguição e coerção de ideias.
No que respeita à política educativa, encontramos, durante o extenso período do Estado
Novo, três fases reveladoras de condições sociais e ideológicas distintas: a década de
trinta, com os Ministros Cordeiro Ramos (1930-32) e Carneiro Pacheco (1936); as
décadas de 50 a 60, após o final da 2ª Grande Guerra, com a Reforma de 1948 (Pires de
Lima); e, finalmente, o período que decorre entre finais dos anos 60 (Reforma de Galvão
Teles) e a primeira metade de 70 (Reforma de Veiga Simão).
128
Decreto nº 20: 741 de 11 de janeiro de 1932. Repartição de Ensino Secundário. Ministério da Instrução Pública. Ministro
Cordeiro Ramos.
72
secundário, e consequentemente ao ensino superior, aquele grau de elevação que ambos,
cada um na sua esfera devem manter.129
Como se não bastasse a passagem por exame ser um poderoso filtro seletivo, sabemos
que o pretexto da aptidão é uma forma de mascarar a inexistência de um acesso
democrático à educação. O ensino secundário liceal tinha como objetivo principal a
perpetuação do status quo e dos quadros superiores, a continuidade hereditária dos
profissionais liberais e dos elementos ideológicos do poder dominante, fosse este poder
legislativo, executivo, comercial, cultural ou industrial.
Face à necessidade de cercear o desejo de ascensão social por parte das camadas menos
favorecidas da população, e para desviar este público da frequência dos liceus, pensam-
se medidas que passam pelo desenvolvimento e expansão do ensino primário e pela
organização e difusão do ensino profissional.
Os mecanismos de controle do Estado verificam-se, como temos vindo a ver, na
introdução das orientações metodológicas que pretendem uniformizar e disciplinar a
ação do professor em sala de aula. De acordo com o espírito corporativista, legislam-se,
sob a designação de “trabalhos circum-escolares e pós escolares”130, as já existentes e
legisladas durante o período da 1ª República: visitas de estudo, excursões escolares,
aprendizagens facultativas, assistência, festas e associações escolares. Acrescentam-se e
tornam-se obrigatórias as exposições escolares. Uma inovação da Reforma é a
introdução do cinema escolar, com a finalidade de contribuir para a formação científica,
moral e patriótica da mocidade e promover o conhecimento das regiões (continente,
ilhas e colónias) de Portugal.
A estrutura do ensino secundário mantém-se, no essencial, idêntica à que havia sido
legislada na Reforma de 1918. O plano de estudos desenvolve-se ao longo de sete anos,
correspondendo ao curso geral os primeiros cinco anos e ao curso complementar os dois
últimos. O curso geral é dividido em dois ciclos, o primeiro correspondente aos dois
primeiros anos ou classes, o segundo compreendendo os 3º, 4º e 5º anos ou classes. No
1º ciclo, há cinco disciplinas fundamentais: o Português, o Francês, a Matemática, as
Ciências da Natureza e o Desenho. No segundo ciclo, acrescentam-se o Latim, o Inglês,
129
Idem.
130
O serviço circum-escolar é promulgado no Dec. nº 20: 741 de 11 de janeiro de 1932 com o propósito de procurar superar o
caráter individualista dos professores, cada um demasiado cioso da sua independência, e promover situações onde estes tivessem que
colaborar em atividades educativas que fossem para além das respetivas fronteiras disciplinares. Estas atividades deveriam articular-
se, sempre que possível, com as da Mocidade Portuguesa (masculina e feminina), uma organização juvenil tutelada pelo Estado que
passa, a partir destes regulamentos, a ser sediada nos estabelecimentos de ensino secundário e alvo de inscrição e frequência
obrigatórias por parte dos alunos. Igualmente se estabelece a obrigatoriedade de colaboração e dinamização por parte de todos os
professores, ainda que alguns fossem mais diretamente implicados: os professores de Educação Física, Canto Coral e Lavores
Femininos passam a ser, nos liceus, os grandes animadores das atividades a desenvolver, mediante os serviços que lhes eram
designados pelo Ministro ou pelos reitores. Também o serviço prestado a estas atividades pelos professores do 1º Grupo (Língua
Portuguesa) e do 9º (Desenho e Trabalhos Manuais), ou do 5º Grupo no caso dos professores de Desenho e Trabalhos Manuais do
Ensino Técnico, seria considerado docência.
73
a Geografia e História e as Ciências Físico-Naturais, disciplina esta em substituição das
anteriores Ciências da Natureza.
Em ambos os ciclos do curso geral, existem outras cinco áreas disciplinares de caráter
obrigatório mas não avaliativas, a lecionar em sessões semanais: a Educação Moral e
Cívica, o Canto Coral, a Educação Física, os Trabalhos Manuais e, em turmas
exclusivamente femininas, os Lavores.
Relativamente à formação de professores, estabelecem-se os Liceus Normais, lugar da
formação pedagógica específica ou estágio (de dois anos), coordenado pelos professores
metodólogos. O Liceu Normal Pedro Nunes em Lisboa, além dos estágios, estaria
também autorizado a realizar “ensaios pedagógicos”.
131
Decreto-Lei nº 27:084 de 14 de outubro de 1936 (publica a Reforma do Ensino Liceal); Decreto-Lei nº 27:085 de 14 de outubro
de 1936 (publica os programas para todas as disciplinas do curso liceal).
132
Decreto-Lei nº 27:084 de 14 de outubro de 1936. Pág. 1235.
74
ciências. Este serviria à consolidação dos conhecimentos até aí adquiridos em volta de
novos centros de estudo.
Em virtude das restrições económicas generalizadas, o plano de estudos do curso liceal é
consideravelmente reduzido. A disciplina de Desenho é eliminada do 2º ciclo e do ciclo
complementar. No 1º ciclo, ela é associada aos “Trabalhos Manuais”133, passando a
dispor de uma carga horária semanal de hora e meia. O programa para a disciplina de
Desenho e Trabalhos Manuais não é mais que a soma dos dois programas anteriores, em
condições desiguais, uma vez que o Desenho é considerado uma “disciplina”, e os
Trabalhos Manuais, um “saber de interesse educativo” 134. Relativamente à organização
e matéria do Desenho, não existem alterações significativas, mantendo-se a trilogia
desenho geométrico, desenho de invenção e desenho de imitação à mão livre.
O enunciado programático oferece instruções para o compêndio de Desenho. Contudo, e
apesar da associação entre o Desenho e os Trabalhos Manuais, com um programa em
conjunto e professores polivalentes, não há qualquer sugestão apontando para um
compêndio de Trabalhos Manuais ou para um compêndio que associe estas duas
matérias. As indicações referem-se exclusivamente às matérias do Desenho.
O livro de desenho deverá ser para o aluno não só um elemento de informação, mas também
um factor importante da sua formação estética. (…) Para isso, deverá ter as figuras muito
bem desenhadas, cheias de expressão e cuidadosamente ordenadas, de maneira a formarem
um conjunto agradável e apresentará bom aspecto gráfico, quer no papel quer na impressão.
Convém não perder de vista o objectivo fundamental do livro de desenho, que é facultar no
aluno o conhecimento das questões, mais por meio da visão do que por meio da memória.
Deverão, portanto, as figuras ser apresentadas com a clareza bastante, para evitar as
dimensões demasiado reduzidas, sobretudo quando se trate de construções geométricas (…).
A leitura deve ser feita mais na figura do que no texto, razão pela qual este não deverá ser
muito extenso. As construções geométricas serão apresentadas, de preferência, apenas por
um processo. No desenho de invenção, pelo contrário, serão apresentados vários processos
de utilizar e combinar as figuras geométricas estudadas. A cada uma das construções acima
referidas seguir-se-á imediatamente o desenho de invenção respectivo, mas sem que nele se
indiquem linhas construtivas. Alguns exemplos de desenhos de invenção serão
coloridos.(…).135
133
Os Trabalhos Manuais, antes desta reforma, constituíam-se como uma área disciplinar independente: o seu funcionamento e
programa mantinham-se conforme o legislado pelos artigos 116º e 117º do Decreto nº 7:558 de 18 de junho de 1918.
134
Ver Anexo A.5.
135
Decreto Lei nº 18:885 (DG. Nº 225, I Série) de 27 de setembro de 1930. Pag.2022.
Ver Apêndice 16.“ Legislação para o manual escolar no ensino secundário (1836-1986)”
136
Decreto n° 18 420 de 4 de junho de 1930, publicado no Diário do Governo n° 128, I" Série de 4 de junho de 1930.
75
formação profissional dos alunos passaria também por uma educação geral, considerada
indispensável, mas com limites. Limites de modo a não se confundir este sistema de
ensino com o liceal e a não desvirtuar a sua missão, que seria a preparação de indivíduos
de ambos os sexos para as carreiras da indústria ou do comércio. O objetivo seria
proporcionar uma formação global que passasse pela Educação Plástica, pela “Educação
Geral do Espírito e Científica” e por uma Educação Profissional. A aprovação dos
programas deixa de ser uma atribuição dos Conselhos Escolares, pois, conforme se passa
a regulamentar, a Direção Geral do Ensino Técnico nomearia uma comissão de
professores efetivos incumbida de realizar os novos programas das escolas técnicas 137.
Ainda assim, procura-se conciliar a organização deste sistema de ensino com as
características específicas do meio onde a escola funcionaria, profissões e indústrias
locais138.
O funcionamento dos cursos passa a depender da quantidade de alunos, existindo desde
escolas com dois cursos, dois professores e dois mestres, como a Escola Industrial de
Rendeiras de Peniche, a outras, como a Escola Industrial Marquês de Pombal, em
Lisboa, com sete cursos, 12 professores e sete mestres. Destacam-se as únicas duas
escolas de artes aplicadas no país, a Escola Industrial Fonseca Benevides em Lisboa, e a
Escola Faria de Guimarães, no Porto, a primeira com treze cursos, dezasseis professores
e doze mestres, e a segunda com dez cursos, dez professores e oito mestres. O Ministério
propõe a extinção de escolas com número insuficiente de alunos, o que levará a uma
reorganização geográfica dos cursos industriais e a uma maior uniformidade curricular.
A Reforma dos anos 30 reforça o curso médio de nível secundário, com cinco anos de
escolaridade para os alunos regulares em regime diurno, à semelhança do que acontece
no curso geral dos liceus. Os cursos complementares passam a existir somente em
Lisboa, no Porto e em Coimbra. Em regime noturno, continuam a oferecer-se cursos
especiais de aperfeiçoamento para o operariado ativo. Às escolas de arte aplicada acima
referidas, é conferido um estatuto específico que as distinguirá dos restantes cursos
industriais.
A pretexto duma formação de caráter geral, o currículo das escolas técnicas tende a
uniformizar-se, perdendo caraterísticas regionais, tomando o Governo a seu cargo a
organização dos cursos e a regulamentação programática. Vários protagonistas,
professores eméritos deste sistema de ensino, vêm a público pronunciar-se contra a
uniformidade curricular, defendendo a especialização das escolas, particularmente as de
ensino artístico industrial. Reclamam igualmente dos métodos ainda em uso na
generalidade das escolas, propondo outros mais adequados às realidades dos alunos e à
função social da escola. A política de centralização e especialização do ensino técnico,
bem como a defesa de escolas industriais especializadas no domínio das artes aplicadas,
virá a dar origem à reabertura, em 1935, da Escola Industrial António Arroio, em
137
Idem: Arts. 388º e 389º.
138
Idem: Arts. 7º, 8º e 12º.
76
Lisboa,139 que, com a sua congénere no Porto, a Escola de Desenho Industrial de Faria
de Guimarães, teria um currículo adequado à formação de artistas “industriais”,
conferindo ainda habilitação para a frequência das escolas de belas artes.
A educação profissional nas indústrias de carácter artístico seria obtida, a partir do 2º
ano até ao final do curso, frequentando disciplinas como o Desenho Profissional e o
Desenho Ornamental (Fauna e Flora, Estilos, Pintura), a Modelação e a Oficina de
Trabalhos Práticos. À última é atribuída uma progressiva carga horária semanal, sendo,
neste aspeto, a mais favorecida entre todas as disciplinas do currículo.
Em 1932, são publicados os programas das disciplinas comuns a todas as escolas
industriais,140 nas suas componentes de formação geral (Português, Geografia e História,
Matemática e Físico-Química). Desta componente faz ainda parte a disciplina de
Desenho Geral141, que inclui o desenho à vista ou “à mão livre”, o desenho geométrico
rigoroso e a modelação educativa. No programa de Desenho do Ensino Técnico,
introduzem-se pela primeira vez indicações metodológicas para os professores.
139
Fundada em 1919 sob a designação de “Escola de Arte Aplicada”, foi extinta em 1930, devido ao pouco número de alunos, e
reaberta em 1935. Pela Reforma de 1948 passou a designar-se “Escola de Artes Decorativas António Arroio”, tomando o nome do
Professor e Inspetor do ensino industrial que fora grande defensor da especialização do ensino artístico. Quanto à Escola Industrial
Faria de Guimarães, no Porto, só em 1948, pelo Decreto nº37029 de agosto, é que passará a designar-se como “Escola de Artes
Decorativas Soares dos Reis”.
140
Decreto n° 21:082 publicado no D.G. nº 86, I Série, de 12 de abril de 1932 .
141
A disciplina de Desenho Geral só seria ministrada no 1º ano com 10h semanais; destas, aconselham-se 6h para o desenho à vista e
4h para o desenho geométrico.
77
combinando figuras em padrões repetidos, alternados, etc., conforme a índole da oficina
que o aluno frequentasse ou da profissão a que se destinasse.
Após o 1º ano do “Desenho Geral” existiriam duas outras modalidades de desenho, de
acordo com os grupos profissionais a que se destinassem os estudantes: o Desenho
Profissional (incluindo o desenho de projeções, o desenho de máquinas e o desenho de
construções), e o Desenho Ornamental, que seria lecionado exclusivamente a alunos
cujas profissões se relacionassem com as artes aplicadas (cursos de: Cerâmica, Têxteis,
Ourivesaria, Lavores Femininos, etc.). Nesta modalidade do desenho incluíam-se o
estudo dos estilos e o desenho do natural (fauna e flora).
Para o 2º Ciclo do ensino industrial, recomenda-se que, desde as primeiras lições, o
aluno seja familiarizado com os vários utensílios de trabalho e com os processos de
execução. Os conhecimentos a ministrar pretendiam preparar para a leitura de desenhos
de projeções e para a compreensão da formas a que os mesmos corresponderiam. O
ensino das projeções ortogonais começaria pela observação intuitiva dos planos de
projeção, seguida de traçado rigoroso. Tal como acontece com o desenho de imitação à
mão livre, onde se passa a admitir o esboço, aqui introduz-se o traçado de linhas
auxiliares, não só como meio útil de adquirir firmeza e precisão, mas também para
habilitar o aluno na compreensão dos traçados e respetivos processos de construção.
No Desenho de Imitação à mão livre é vedada a utilização de modelos de estampa,
passando a utilizar-se como referentes, “objetos-modelo” geométricos e não
geométricos, que seriam dados a observar aos alunos, progressivamente, de acordo com
a complexidade crescente das suas caraterísticas formais.
Para a coloração destes desenhos, aconselha-se uma aproximação à cor real do modelo,
podendo nós imaginar que, para os objetos de barro seria usada a sanguínea, para os de
madeira, o lápis sépia, e para os objetos de metal ou de loiça branca, o carvão ou o giz.
Na primeira classe, o desenho a grafite ou a lápis de cor seria apenas o registo do
contorno. A cópia de sólidos geométricos deveria ser auxiliada com a observação dos
mesmos em arame, para que o aluno pudesse ver as porções que no mesmo sólido cheio
lhe são ocultas, e compreender melhor as modificações ocasionadas pela perspetiva. Os
sólidos em cartão, gesso e arame serviriam ao ensino das projeções ortogonais e da
perspetiva, cuja aprendizagem nos primeiros anos se queria intuitiva.
O Desenho de Invenção visava educar a iniciativa, sendo por isso desaconselhada a
cópia. Recomenda-se a realização dum esboceto feito numa só aula sob tema dado pelo
professor, esboceto que seria inalterável, servindo como ideia para a execução do
desenho definitivo. A partir da 3º classe do curso liceal, o desenho de invenção deixa de
ser de base geométrica, passando à estilização decorativa de folhas e flores. Uma das
etapas do desenho de invenção passava pelo exercício de estilização, momento de
síntese e convergência entre o desenho geométrico ou o desenho de imitação à mão livre
e o desenho de invenção. Este deveria ser sempre ser feito na presença do motivo natural
78
que lhe servisse de base e o professor evitaria fazer emendas no desenho do aluno. Em
caso de necessidade, estas emendas ou explicações poderiam ser indicadas na margem
do papel ou exemplificadas pelo professor no quadro preto, à vista dos alunos, onde,
através dum traçado, fizesse observar as suas linhas fundamentais, bem como a marcha
do trabalho até ao acabamento. Outro dos referentes para o desenho de invenção passam
a ser, nos 4º e 5º anos, os estilos da arquitetura, nomeadamente os seus elementos
decorativos. O conhecimento das principais características da arte era dado por meio de
estampas, por desenhos feitos pelo professor no quadro preto, e por visitas aos museus e
monumentos.
A consulta do livro adotado seria igualmente útil para fornecer sugestões e mostrar
exemplos, isto no caso do ensino liceal, pois nas escolas técnicas fazia-se a replicação
dos modelos e a amostragem de exemplos realizados pelos alunos, de estampas
coloridas e de outros livros de informação artística que deveriam existir na biblioteca
privativa das instalações de desenho. Pretendia-se, com este ensino, que o aluno saísse
do liceu habilitado a reconhecer o caráter de qualquer monumento, decoração ou outra
manifestação de arte plástica.
142
Ver Apêndice 2. “Séc. XIX: a didática do desenho nos manuais escolares estrangeiros e outras metodologias.”
143
GUEDES, Francisco Nobre - Notas sobre a Instrução Profissional. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1930, pp. 71-72.
144
PEREIRA, José (1935): O desenho infantil e o ensino do desenho na escola primária. Imprensa Nacional. Lisboa.
79
a dar uma resposta com rigor, tendo em conta os problemas que lhe fossem colocados.
Trata-se dum equilíbrio entre o raciocínio e a experiência, só passível de ser adquirido
pela aprendizagem do desenho e pelo conhecimento da oficina. José Pereira afasta,
portanto, a ideia do desenho como fator de desanuviamento intelectual, atribuindo à
aprendizagem desta disciplina uma grande responsabilidade tendo em vista a futura
profissionalização do educando.
Também em meados dos anos 30, António Arroio (1856-1934), faria o balanço do
ensino do Desenho nos liceus e nas escolas industriais, referindo que esse ensino, nos
liceus, além de não dar a menor noção da vida real, não satisfazia o seu verdadeiro fim,
que era o de preparar para a vida na sua maior generalidade e realidade, pois era
inteiramente especializado na geometria, ou seja, no domínio das abstrações. De acordo
com Arroio, nos liceus não se aprendia a desenhar nenhum dos vários aspetos da vida
real. Criticando a didática mimética, afirmou ainda que o desenho, no ciclo
complementar das escolas técnicas, não era entendido como um sistema de linguagem
destinado a transmitir as ideias, as formas, as cores, os seres e os movimentos da vida,
mas a reproduzir o que já havia sido expresso por outros145.
145
ARROIO, António José - Algumas palavras acerca do trabalho do professor José Pereira sobre o desenho na escola primária.
Boletim Oficial do Ministério da Instrução Publica. Lisboa: Imprensa Nacional, Ano V, 1935, Fascículo II, pp. 282-283. Citado por
LOBO: 73.
146
Decreto nº 18:885 (27 de setembro de 1930).
80
4.5.1 Programa de Desenho
Em 1926, e já após a instauração da ditadura militar, publicam-se os programas dos
cursos da Instrução Secundária147. A disciplina de “Desenho” está presente nos cinco
anos do curso secundário, sendo organizada mediante três rubricas: Desenho
Geométrico, Desenho de Invenção e Desenho de Imitação à mão livre. Nos dois últimos
anos acrescenta-se o “conhecimento das principais caraterísticas” da arte antiga e
medieval (IV Classe) e da arte moderna e contemporânea (V Classe). O desenho
geométrico e a composição decorativa são os aspetos dominantes do programa, servindo
o primeiro de pretexto e de base para a realização das composições, que tomam aqui a
designação genérica de desenho de invenção.
O sentido de rigor proveniente do desenho geométrico alarga-se à aplicação da cor no
“desenho de invenção”, prevendo-se primeiramente a utilização do lápis de cor e,
progressivamente, a da aguarela e do guache.
O desenho de imitação à mão livre compreende a observação e cópia rigorosa de
modelos escolhidos pelo professor, que começam por ser estampas e elementos simples
da natureza, como folhas, evoluindo para a observação e cópia de modelos com relevos,
até ao objeto comum ou ao objeto do museu liceal. Basicamente, esta progressão
significa uma metodologia de ensino do desenho que vai da observação simples para a
observação complexa. Ou seja, começava-se pela representação linear e de contorno,
evoluindo para a representação do volume, onde são convocadas as estratégias de
simulação do mesmo a partir do domínio gráfico do claro-escuro.
Em 1930, o programa de Desenho148 mantém-se idêntico ao legislado em 1926, mas
verifica-se um maior grau de exigência, desproporcionado até relativamente às idades
das crianças. Desenvolvem-se, pormenorizadamente e em extensão, os conteúdos do
desenho geométrico, mantendo-se a organização das matérias tripartida entre o desenho
geométrico, o desenho de invenção e o desenho de imitação à mão livre.
As alterações que registamos verificam-se nos próprios termos do enunciado, onde se
procura maior clareza e definição. O desenho geométrico é predominante e os conteúdos
são acrescentados e pormenorizados. O desenho de invenção continua a ser, nos
primeiros dois anos, uma aplicação decorativa dos traçados geométricos, e só na terceira
classe seria introduzida a observação de folhas e flores naturais tendo como finalidade a
sua estilização decorativa. Na quarta classe, este tipo de desenho desenvolver-se-ia à
volta da composição decorativa baseada nos estilos arquitetónicos e decorativos da arte
antiga e medieval e, na quinta classe, a partir dos conhecimentos desses elementos na
arte moderna e contemporânea. O emprego da cor e a introdução das tintas sofre
alteração: se, antes, os alunos faziam uma progressão de ano para ano, do lápis de carvão
147
Decreto Nº12: 594. 2 novembro de 1926. Direcção Geral do Ensino Secundário, Ministério da Instrução Pública. Ministro Artur
Ricardo Jorge.
148
Ver Anexo A4.
81
para o lápis de cor e, finalmente, para a aguarela e para o guache, neste programa de
1930 começariam logo na primeira classe pelas “aguadas uniformes”, passando aos
“esbatidos” a partir do 2º ciclo.
Quanto ao Desenho de imitação à mão livre, verifica-se um afastamento da cópia de
estampa e da didática do método estimográfico, o que se consubstancia na expressão “à
mão livre”. Com a nova metodologia, passa a dar-se prioridade à observação direta dos
sólidos geométricos (1ª classe) e dos modelos de gesso em baixo relevo (2ª classe). No
2º ciclo, os modelos dados à observação anteriormente mantêm-se, acrescentando-se
peças de cerâmica branca para a continuação do estudo do claro-escuro, e objetos de uso
comum para uma cópia esboçada e acabada.
As principais alterações introduzidas pelo novo programa são, no 2º ciclo, o desenho
esboçado de objetos de uso comum. Os objetos passam a ser selecionados com a
intenção de aproximar o aluno dum referente que lhe fosse familiar. A introdução do
esboço ou croquis representa, a nosso ver, a valorização da espontaneidade gráfica e do
desenho enquanto “obra em progresso”. Estes dois aspetos dão visibilidade às tendências
pedagógicas emergentes, que, como já vimos, pretendem que a educação visual do aluno
ocorra em situações de aproximação ao mundo real.
Tal como acontece no ensino técnico, nos programas de 1926 e 1930 emitem-se
“Orientações Metodológicas” no sentido de uniformizar e esclarecer a atuação do
professor. Um dos motivos para o surgimento das “orientações metodológicas”, além do
natural desejo de regular todos os comportamentos dentro da escola, poderá estar
relacionado com o facto de, nesta época como anteriormente, existirem muito poucos
professores de Desenho realmente com uma formação artística.149
Apesar de se recomendar que as diversas rubricas do desenho fossem dadas o mais
paralelamente possível, as observações destinadas a orientar os professores na didática
da disciplina são dirigidas separadamente às três rubricas do programa. Dando
continuidade a uma pedagogia mimética que tem no professor a figura central do
processo de ensino-aprendizagem, todos os exercícios de desenho deveriam ser
executados na aula e sob a direção e vigilância do respetivo docente. No desenho
geométrico, este deveria traçar as figuras no quadro preto, para que estas fossem
reproduzidas e fixadas pelos alunos. O reforço e o desenvolvimento da matéria seria
feito em casa, em caderno apropriado150, o qual seria visto e corrigido pelo professor.
149
Penim (2008): pág.75. No entanto, e de acordo com o estudo realizado por Ana Sousa (A formação de professores em Portugal.
Dissertação de mestrado em Educação Artística, FBAUL, 2007, p. 130), pela Reforma do Ensino Superior Artístico de 1932, os
Cursos de Pintura, Escultura e Arquitetura passariam a ser entendidos como aqueles que “poderiam garantir de melhor maneira a
capacidade bivalente para a exploração plástica e para a docência em torno dela”. Esta preferência formativa viria a contribuir para
uma qualificação do corpo docente, o que veio a dar origem a profundas modificações no entendimento da disciplina de Desenho no
final da década de 40.
150
O Decreto nº 18:827 implementa uma série de dispositivos de controle escolar, tornando obrigatório o uso de caderno diário. Este
foi visto como “um orientador da marcha do ensino”, onde os alunos e os encarregados de educação teriam um “meio seguro de
direção do estudo fora das aulas”. Para as autoridades escolares, o seu confronto com o livro de ponto das aulas constituiria um
importante elemento para verificar o cumprimento do programa.
82
As preocupações com o dispêndio mental dos alunos e com a sua eventual sobrecarga
aconselham a não forçar a memória com mais do que um processo construtivo para cada
problema. São desaconselhadas lições seguidas de construções, sugerindo-se que a cada
construção geométrica correspondesse um trabalho prático. Podemos imaginar que,
como forma de desanuviamento do espírito e alternância com o ritmo imposto pela
geometria, a parte do “trabalho prático” referido seria certamente de aplicação
decorativa, tanto mais que o domínio da matéria seria verificado através de traçados
diferentes dos reproduzidos, mas neles baseados. Esta estratégia parece indiciar que o
paradigma da cópia tende a ser ultrapassado pelo da resolução de problemas, por onde
se poderia avaliar não só a autonomia, mas também a criatividade do aluno.
151
Calvet de Magalhães escreve o prefácio para uma reedição deste manual em 1960, aí dando conta do historial da disciplina e das
condições em que nasceu este manual escolar.
83
indústria. Neste sentido, deveria ser responsabilidade da escola técnica a orientação dos
seus alunos para um terreno prático, levando-os a aplicar os conhecimentos adquiridos
nas aulas, ao trabalho das oficinas.
Distinguindo o desenho artístico, do desenho técnico, Pereira define o desenho de
projeções e justifica a sua necessidade no plano de estudos do ensino técnico-
profissional nos seguintes termos:
Há dois modos de representação de qualquer objecto, completamente distintos um do outro:
Um, dá-nos uma visão imediata das coisas, representa-nos os objectos na sua completa
aparência, com as faces ligadas entre si; proporciona-nos uma ideia do conjunto ou
configuração geral dos objectos, mas sem o carácter exacto do contorno e de dimensões, no
sentido estrito da palavra. O outro, representa apenas as faces isoladas de cada objecto, em
desenhos sucessivos, e mantém o rigor constante nas relações de dimensões e de direcções
lineares entre os contornos das diferentes faces. É por este modo que podemos apreciar
matematicamente as diferentes medidas, os comprimentos das linhas, as dimensões das
superfícies, as grandezas dos ângulos, etc. O primeiro, que se chama desenho à vista ou
perspectiva, é o que se estuda no campo da arte para representar, pela perspectiva, até a
perfeita ilusão, o aspecto exterior das coisas que se nos oferecem à vista. O segundo, de que
nos vamos ocupar, denominado desenho de projecções, indispensável à maior parte dos
ofícios, não pretende dar-nos a ilusão dos objectos, mas sim, definir-nos, precisamente, a sua
estrutura, nas diferentes partes de que se compõem, com a respectiva medição exacta; é por
assim dizer, um desenho de construção.
A definição das diversas rubricas do desenho são um aspeto fundamental do ensino
técnico profissional por, justamente aqui, se praticar, conforme os cursos, um desenho
mais ornamental e interpretativo ou um desenho objetivo e exato.
Vista como uma proposta inovadora neste sub-sistema de ensino, a nova disciplina de
Desenho de Projeções pretendia ser um meio preparatório para o desenho técnico
especial, metalo-mecânico, trabalhos construtivos em madeira, etc. Trata-se do tipo de
desenho cujo conhecimento e domínio é necessário ao engenheiro, ao arquiteto, ao
artífice serralheiro, torneiro, carpinteiro, marceneiro, canteiro, pedreiro, etc., aos
construtores em geral. A sua metodologia assenta, segundo as novas bases da pedagogia
moderna, no pressuposto de que a Geometria Descritiva, pelo facto de ser uma ciência
demasiado abstrata, não seria adequada aos primeiros anos de uma Escola Industrial.
Para o professor José Pereira, o ensino do desenho deve ser sempre o produto da visão
que o aluno recolhe do objeto real. Nesse sentido, organiza o seu manual escolar de
modo a fazer acompanhar, tanto quanto possível, todos ou quase todos os exercícios de
exemplos de objetos reais perspetivados.
Em 1947, José Pereira publicaria um livro escolar para o ensino técnico intitulado
Geometria e formas das coisas. Na abertura deste livro, o autor começa por fazer
algumas reflexões pedagógicas afirmando que a moderna técnica pedagógica se
fundamenta na necessidade de as escolas cada vez mais ensinarem os alunos a aprender,
ou seja, «a fazer e não só a dizer; a observar e não só a copiar; a experimentar e não só
84
a acreditar; a raciocinar e não só a repetir; a trabalhar e não só a iludir». O autor
valoriza o ensino do desenho artístico (à vista) na educação do operário, defendendo que
o mesmo deveria iniciar-se na escola primária. O facto de a criança ser iniciada num tipo
de educação visual que lhe forneceria uma linguagem útil e necessária para a expressão
de ideias e sentimentos, facilitaria as aprendizagens a iniciar na escola técnica.
Reconhece a importância da íntima ligação entre o desenho à vista e o desenho
geométrico, pois só a observação metódica e detalhada das coisas permitiria a sua
compreensão e consequente representação gráfica.
152 Além dos compêndios de Faria de Castro, foram publicados na mesma época os compêndios dos seguintes autores:
Luís Manuel Passos da SILVA; Martins BARATA: Elementos de Desenho para os 1º, 2º e 3º anos dos Liceus. Lisboa. Sá da Costa.
1937 [reeditado até 1946].
José Augusto do NASCIMENTO: Compêndio de desenho, de harmonia com os programas em vigor para o ensino liceal. 2ª Ed. s.n;
s.i. 1940 (reeditado até 1946)
José Vicente de FREITAS: Desenho: 1º, 2º e 3º anos do Liceu; 2ª Edição. Depósito Geral: Livraria Rodrigues, R. Do Ouro, 188,
Lisboa. 1941.
De acordo com o estudo de Lígia Penim (2008: pp. 73-94), todos os autores assinalados, à exceção de José Vicente de Freitas, que
foi ministro, general e professor da Academia Militar, eram possuidores duma formação artística superior e professores de Desenho
no ensino liceal, além de terem em geral desempenhado outras funções pedagógicas de responsabilidade.
85
Referindo-se às conclusões saídas do Congresso Internacional de Desenho de Bruxelas,
realizado em 1935, afirma que o desenho à mão livre a partir da observação do natural
passa a ser entendido como um dos princípios básicos da educação visual do indivíduo:
(…) o desenho do natural tem valor próprio porque forma a visão, coordena as sensações
visuais e impõe a análise dos objectos que servem de modelo. Constitui a iniciação da arte
de ver, parte importante da arte de viver e, portanto, precioso meio de educação moral. É
preciso educar a visão. A compreensão dos objectos ajuda a vê-los. Além disso, um aluno
não pode compor sem saber desenhar (…)153.
“A criança desenha por instinto, mas comete erros que o professor deve corrigir. Por isso
insistimos no método pedagógico a seguir no desenho do natural, o que se impõe para os
alunos conhecerem os fundamentos da arte de bem desenhar”154
153
In: Prefácio de - Desenho à Mão Livre - práticas para serem usadas nos liceus, colégios, escolas técnicas profissionais e escolas do
magistério primário, 1939.
154
In: Prefácio de – Livro de Desenho para o 1º,2º e 3º anos do Liceu. 1944 (Ver Anexo B.4.)
86
pluricêntricos e das cónicas. O desenho de invenção continua a ser, como antes,
estreitamente ligado aos traçados geométricos e a sua complexidade é progressiva,
conforme o seriam esses mesmos traçados. Ao desenho de invenção ou “Composição
decorativa” são associadas a Teoria da Cor, com aplicações a aguarela ou guache em
aguadas e esbatidos, e as regras de composição decorativa, agora exemplificadas no
livro com reproduções a cores. No 3º ano, são dadas orientações de estilização
decorativa a aplicar aos elementos obtidos pelo estudo “do natural”.
Fig. 20. Compêndio de Desenho para o 1º, 2º e 3º anos do Liceu. Adolfo Faria de Castro.
Fig. 21. Compêndio de Desenho para o 1º, 2º e 3º anos do Liceu. Adolfo Faria de Castro
87
Fig. 22. Compêndio de Desenho para o 1º, 2º e 3º anos do Liceu. Adolfo Faria de Castro
A segunda parte do livro trata das questões do “desenho de imitação à mão livre”,
devendo este incidir, conforme o texto programático, em objetos de uso comum. Esta
modalidade do Desenho também chamada “do natural”, iniciar-se-ia pela observação e
representação de sólidos geométricos, após o que se passaria à observação e perspetiva;
construção das linhas estruturais; proporções e valores de claro-escuro (Figs. 22, 23 e
24). O autor começa por explicar, textualmente e pela demonstração visual, como,
depois da observação e análise do modelo, se estabelecem as grandes proporções e se
constroem as partes essenciais dos volumes tendo em conta as deformações perspéticas
(Fig. 22). Explica a repartição lógica das luzes e das sombras sobre sólidos-tipo
(cilindros, cones, esferas, pirâmides, prismas), introduzindo finalmente a noção de
croquis, ou seja, a execução rápida, em traços incisivos, das formas representativas dos
objetos e das figuras (Figs. 23 e 24).
88
Fig. 23. Compêndio de Desenho para o 1º, 2º e 3º anos do Liceu. Adolfo Faria de Castro.
89
Fig. 24. Compêndio de Desenho para o 1º, 2º e 3º anos do Liceu. Adolfo Faria de Castro.
90
5 Reforma de Pires de Lima (1947-1952)
5.1 Enquadramento
A Reforma de Pires de Lima ocorre entre 1947 e 1952, num período de pós-guerra em
que Portugal, à semelhança dos restantes países europeus, é impelido ao
desenvolvimento, forçado em parte por acordos e organizações internacionais. No país
verificam-se movimentos de emigração das zonas rurais para as cidades, em busca dum
melhor nível de vida e de mais e melhores oportunidades de trabalho. Este facto vem a
provocar um aumento considerável da frequência do ensino secundário, verificando-se
uma maior procura do ensino técnico. Em 1950, o ensino secundário, liceal e técnico
91
profissional, registava um total de 87.129 alunos. O ensino liceal público contava com
1.158 professores e 21.966 alunos. O ensino técnico público, com 1.539 professores e
31.159 alunos.
Com esta Reforma, são publicados novos estatutos para o ensino liceal e para o ensino
técnico. O ensino secundário apresenta, de forma mais nítida, duas grandes vias, muito
diferenciadas, quer quanto aos conteúdos, quer quanto à origem social dos respetivos
alunos. No ensino liceal, são repostos os planos curriculares anteriores a 1936. O curso
geral volta a ter 5 anos, em regime de classes, e o curso complementar divide-se em
letras e ciências. Na totalidade, o curso liceal comporta três níveis de escolaridade: o 1º.
Ciclo (1ª e 2ª classes), o Curso Geral (3ª, 4ª e 5ª classes) e o Curso Complementar (6ª e
7ª classes). Este sistema dava acesso aos cursos superiores, sendo frequentado por
alunos predominantemente oriundos das classes de maiores rendimentos. O ensino
técnico dava acesso aos Institutos Comerciais e Institutos Industriais e era frequentado
sobretudo pelos filhos das camadas da população com menores rendimentos. Oferecia
cursos nas áreas dos Serviços, Formação Feminina, Indústria e Artes. A uniformização
destes cursos acarreta a perda da sua tradicional vocação regionalista, passando a servir
à formação de quadros intermédios nas áreas do comércio, indústria e serviços, aqueles
(quadros) de que o país realmente necessitava para o seu desenvolvimento a curto prazo.
É criada a Inspeção do Ensino Liceal e analisa-se o que foram, até ao momento, as
estruturas pedagógicas para a formação de professores. Este aspeto interessa-nos
particularmente para compreendermos o papel da instituição escolar nesta formação e
nela situarmos o papel desenvolvido pelos metodólogos.
O primeiro requisito a ser referido quanto à admissão de professores é a idoneidade dos
mesmos, nomeadamente em termos intelectuais. Com isto, quer dizer-se que se
considera habilitação para a docência do ensino liceal, primeiramente a habilitação do
ensino superior e, além desta, uma formação e cultura pedagógica. Para este fim, em
1911, haviam sido criadas duas escolas normais superiores, mais tarde substituídas por
dois Liceus Normais, que, com as secções de Ciências Pedagógicas das Faculdades de
Letras, ministravam a formação pedagógica necessária à entrada na profissão docente.
Nessa secção da faculdade, realizava-se a parte curricular da formação com cadeiras de
pedagogia e psicologia (Pedagogia e Didática, História da Educação, Organização e
Administração escolares, Psicologia Geral, Psicologia Escolar e medidas mentais, e
Higiene Escolar)155. Seguia-se a prática pedagógica num estágio de dois anos, realizado
nos Liceus Normais, culminando este com a defesa de um relatório e, finalmente, um
Exame de Estado. Todavia, este percurso formativo não seria suficiente para garantir no
ensino os melhores candidatos à educação nacional. Havia que certificar o candidato à
docência em termos de carácter moral, cívico e político, sendo obrigatório a todo o
funcionário do Estado assinar uma declaração de anti-comunismo. O estado de
155
Decreto Lei nº 36: 508 de 17 de setembro de 1947.
92
vigilância manifesta-se igualmente através de ações repressivas exercidas sobre
professores que, por motivos ideológicos, foram impedidos de manter a sua atividade
profissional.
Para evitar a discrepância de critérios de avaliação e de classificações, o Decreto-Lei nº
36:508 suspende os dois Liceus Normais existentes à época e determina que haja um
único, em Coimbra. O mesmo estabelece que os professores de Desenho e de Trabalhos
Manuais farão parte do 9º grupo e que, como habilitações académicas, deverão possuir
os cursos superiores de Arquitetura, Pintura ou Escultura, das Escolas de Belas-Artes.
Salvaguardava-se exceção para os professores de Canto Coral e Lavores Femininos, cuja
habilitação seria verificada por meio de provas públicas156.
Relativamente ao ensino técnico industrial são atribuídos grupos de docência distintos,
conforme os cursos (Metalomecânica, Carpintaria, Serralharia, Construção Civil, Artes
Aplicadas, etc.) e respetivas modalidades disciplinares. Os professores de Desenho
Geral, Desenho Profissional de índole artística, Modelação e tecnologias
correspondentes, passariam a pertencer ao 5º grupo157, sendo-lhes exigidos, como
habilitação científica, os cursos superiores de Pintura e de Escultura das Escolas de
Belas-Artes158. O facto de se estabelecerem as habilitações, quer académicas, quer
pedagógicas, para a docência do Desenho, irá dar origem, como adiante veremos, a um
crescente protagonismo dos professores formados em Belas-Artes, o que implicará
grandes alterações na evolução concetual deste ensino.
156
Idem, Artº 19.
157
Idem, Artº 178: pág.859.
158
Estatuto do Ensino Técnico Industrial e Comercial: Decreto n° 37 029, de 25 de agosto de 1948, publicado no Diário do Governo
n" 198, I" Série, de 25 de agosto de 1948.pág. 863.
159
Estatuto do Ensino Técnico Industrial e Comercial: Decreto n° 37 029, de 25 de agosto de 1948, publicado no Diário do Governo
n" 198, I" Série, de 25 de agosto de 1948.
93
promoção da relação entre a escola, a família e a comunidade160. Pela primeira vez,
institui-se a figura do professor “delegado” da disciplina, ao qual competiria orientar e
coordenar o ensino das respetivas disciplinas, bem como fiscalizar o trabalho dos
professores e supervisionar as provas de avaliação161.
O Estatuto indica as orientações que regulariam a publicação dos livros escolares162.
Para a disciplina de Desenho do Ciclo Preparatório, é recomendado um livro de desenho
geométrico somente no 2º ano163. Para as diversas modalidades do Desenho nos Cursos
de Formação e nos Cursos Complementares, não é recomendado qualquer livro, uma
ausência que os programadores procuram colmatar com extensas e detalhadas
orientações na redação dos diversos programas de cada curso164.
É desta época a criação do boletim de ação educativa Escolas Técnicas, publicado pela
Direção Geral do Ensino Técnico sob a supervisão do Diretor Geral e a cargo de uma
comissão constituída por professores metodólogos designados pelo ministro. Neste
boletim podemos recolher informação valiosa para o estudo deste sistema de ensino. Foi
nele que Manuel Maria Calvet de Magalhães, entre outros, publicou os seus ensaios
sobre o ensino do desenho.
160
Decreto n° 37 029; Artº 103: pág. 852.
161
Idem, Artº 114. pág. 853.
162
Idem: Capitulo XXV: Dos Livros Escolares. Pp. 888-890.
163
Programas do Ensino Profissional, Industrial e Comercial: Portaria n° 13 800, publicada no D.G. nº8 de 12 de janeiro de 1952.
Pág. 31.
164
Idem. Cursos Complementares de Aprendizagem (pp. 36-75); Cursos de Formação (pp. 75-220); Secção Preparatória para os
cursos de pintura e de escultura das escolas de belas-artes (pp- 220-221); Cursos de Mestrança (pp.221-136).
165
Idem (Portaria nº13:800, Artº 24). Ver Também Apêndice 3. “Análise Transversal dos programas para o Ciclo Preparatório do
Curso Industrial (1952).”
94
Aperfeiçoamento; e os cursos de Mestrança. Findos estes graus, existiam ainda, para o
ingresso nos Institutos Industriais e nos Cursos de Pintura e Escultura das Escolas de
Belas-Artes, os Cursos Especiais de Habilitação. Os Cursos de Formação seriam
frequentados por alunos com o ciclo preparatório. Os respetivos planos de estudos e
programas passariam a ser inteiramente coordenados pelo Ministério da Educação
Nacional, tendo como objetivo facultar a educação geral e técnica, necessárias para o
ingresso em carreiras de indústrias análogas ou para o prosseguimento de estudos nos
Institutos Industriais e nas Escolas de Belas-Artes, acrescentando-se-lhe neste caso o
Curso Especial de Habilitação.
Nestes cursos, a formação em Desenho e respetivas modalidades, associada à prática
oficinal, constitui o núcleo central dos saberes. As Oficinas, devidamente equipadas,
seriam destinadas ao ensino prático, metódico e gradual das profissões a que
respeitassem os cursos ministrados nas escolas, podendo ser rentabilizadas a partir da
satisfação de encomendas exteriores à escola, tornando-se deste modo auto suficientes
em termos de custo e manutenção166. Com o objetivo de promover o desenvolvimento
local e a fixação das populações, institui-se o Estágio Profissional. Este seria realizado
pelos alunos do último ano dos Cursos de Formação, em fábricas ou oficinas, mediante
acordo entre as direções das escolas e as entidades patronais da respetiva área. Após um
estágio profissional de pelo menos seis meses, os alunos seriam posteriormente
submetidos a um exame de aptidão profissional. Nas escolas de índole artística, o
estágio era facultativo e os cursos de formação feminina eram dispensados do mesmo. A
especialização das escolas e a uniformização dos planos de estudos vieram dar origem à
criação das duas únicas escolas de Artes Decorativas do país: a Escola António Arroio,
em Lisboa, e a Escola Soares dos Reis, no Porto.
A partir dos anos 50, encontramos as seguintes variantes nos estabelecimentos de ensino
técnico: Escolas Técnicas Elementares, destinadas exclusivamente ao Ciclo
Preparatório; Escolas Industrias; Escolas Comerciais; Escolas Industriais e Comerciais,
podendo qualquer uma delas incluir ou não o Ciclo Preparatório. A complexidade do
sistema é acentuada com a obrigatoriedade preferencial pela separação dos sexos, quer
ao nível dos alunos, quer ao nível dos docentes (escolas destinadas ao sexo masculino
lecionadas por professores e escolas destinadas ao sexo feminino lecionadas por
professoras). O ensino industrial uniformiza o seu plano de estudos criando os cursos de
Formação de Serralheiro, Carpinteiro-Marceneiro, Eletricista, Formação Feminina, e
Geral do Comércio em quase todas as escolas. Mantêm-se, contudo, certas
especialidades nos Cursos Complementares de Aprendizagem e nos Cursos de
Especialização relacionados com o artesanato e industrias manufatureiras, de acordo
com a tradição das regiões do país (por exemplo: Covilhã: técnico de tecelagem;
Coimbra e Caldas da Rainha: ceramista; Gondomar: filigranista; Estremoz: canteiro de
arte; Marinha Grande: vidraria; Peniche: bordados).
166
Idem, Artº 465; Artº 470: pp. 882-883.
95
5.2.2 Programa de Desenho no Ciclo Preparatório do Ensino Técnico-
Industrial
Por esta época, e relativamente ao ensino artístico, a 2ª Conferência da Unesco (1947)
recomendava aos Estados que dessem importância às artes nos programas de cultura
geral. No ano seguinte, um grupo de peritos que, entre outros, integrou Herbert Read e
Thomas Munro, estabeleceu uma série de recomendações onde a abordagem das
expressões artísticas deveria passar pela participação ativa das crianças, pela observação,
pela crítica e pela contextualização histórica, fazendo diminuir consideravelmente os
processos passivos do ouvir, falar e observar.
Em Portugal, a disciplina de Desenho do Ciclo Preparatório do Ensino Técnico167
pretende desenvolver no aluno um meio de expressão pessoal, de representação e de
cultura estética. Coordenando o espírito, a vista e a mão numa ação de conjunto, o
Desenho tem como principal prioridade, ensinar a ver. Como meio de representação, o
desenho tem uma técnica em cujo conhecimento o aluno haveria de ser iniciado a fim de
progredir através de um domínio sucessivo de conteúdos formais: a cor, a forma, o
movimento, as direções, a iluminação, o espaço. O enunciado programático refere pela
primeira vez a “estimulação”, sendo esta relacionada com os “centros de interesse” dos
alunos e com a estetização do ambiente escolar.
O Programa de Desenho oferece um conjunto de novas designações, desdobrando o
ensino desta disciplina numa série de práticas sequenciais e intercambiáveis,
recuperando-se modalidades como o “desenho de memória” ou o “desenho a tempo
marcado”. As rubricas do Programa, adotadas das nomenclaturas de Modesto Medina
Bravo168, são as seguintes:
- Teste (T)
- Desenho Subjetivo Espontâneo (DSE)
- Desenho Objetivo Interpretativo (DOI)
- Desenho Objetivo Matemático (DOM)
- Desenho Subjetivo Decorativo (DSD)
- Desenho Geométrico (DG)
- Trabalho Manual (TM)
Ao verificarmos as definições para cada rubrica, podemos concluir que, à exceção das
alterações introduzidas pelo “Teste”, pelo “Desenho Subjetivo Espontâneo” e pelo
“Trabalho Manual”, todas as outras modalidades não são mais que novas roupagens para
o mesmo modelo educacional. Na nossa opinião, o aspeto realmente revelador desta fase
de transição entre modelos de ensino é o caráter experimental do processo de ensino-
aprendizagem, que, ao quebrar o relativo isolamento das três rubricas habituais desta
167
Programas do Ensino Profissional, Industrial e Comercial: Portaria n° 13 800, publicada no D.G. nº8 de 12 de janeiro de 1952:
pp.30-33.
168
A obra deste autor é referida na pág. 31 da Portaria 13:800: Metodologia del dibujo (Ediciones Losada. Cuadernos de Trabajo.
Buenos Aires, 1945).
96
disciplina (desenho geométrico, desenho à vista e composição decorativa), passará a
tornar-se mais complexo e a depender decisivamente da orientação do professor.
Tendo em conta que o curso de Desenho do Ciclo Preparatório era entendido como uma
sucessão de tarefas para os alunos (uma ordem de estímulos e sugestões que deverão
parecer ao aluno como interiores)169, o Programa propõe que se organize a disciplina
mediante a combinação de exercícios de acordo com as diversas modalidades de
desenho, numa sequência articulada entre as mesmas, respeitando contudo o princípio da
progressão entre o 1º e o 2º ano. Neste sentido, e com o objetivo de orientar os
professores, são dadas diversas sugestões de trabalho onde se procura exemplificar a
referida “articulação”.
1º Ano:
Exemplo 1 (sequência entre o Desenho Objetivo Interpretativo e o Desenho Subjetivo
Decorativo): após a representação de uma “jarra”, pedir-se-ia aos alunos para
modificarem as cores à sua vontade e, se o quisessem, supor que a jarra tinha uma ou
mais flores.
Exemplo 2 (sequência entre os Trabalhos Manuais e o Desenho Geométrico):
(…) em Trabalhos Manuais, o aluno traça, com um compasso, circunferências de vários
diâmetros em papéis opacos de diferentes cores. Recorta os círculos e cola-os sobre a
folha de papel branco de forma a que as várias circunferências fiquem tangentes entre si
formando à sua vontade um conjunto decorativo. Ou, ainda, outra variante: para
reproduzir em desenho o efeito decorativo anterior, o aluno aprende o processo
geométrico de traçar circunferências tangentes (…), o aluno terminará o exercício
colorindo os círculos à sua vontade.170
Os exemplos dados no programa são variados e não seguem uma ordem única,
observando-se uma certa associação entre o desenho geométrico, o desenho subjetivo
decorativo, e os trabalhos manuais. Verificamos que esta associação favorece a
necessidade de se recorrer aos traçados geométricos, que passam a tomar contornos
lúdicos e de descoberta.
A mesma constante se aplica na associação entre o desenho subjetivo interpretativo e o
desenho objetivo matemático. Inicialmente, o aluno começaria por fazer um registo livre
de determinadas formas dadas. Posteriormente, seria levado a observar e constatar as
proporções e as deformações perspéticas dessas formas, após o que estas seriam sujeitas
a uma representação rigorosa e geométrica, incluindo o traçado de plantas e alçados de
objetos muito simples, com as medidas reais.
Na nossa opinião, as rubricas do programa que permitem dar azo à expressão criativa
são o desenho subjetivo espontâneo, o desenho subjetivo decorativo e os trabalhos
169
Idem: pág. 31.
170
Idem, pág. 32.
97
manuais. A aprendizagem racional do desenho, feita através do desenho geométrico e do
desenho objetivo matemático, é substancialmente reduzida para o 1º ano, adequando-se
às possibilidades dos alunos através da criação de situações devidamente
contextualizadas por exemplos reais.
171
a) Cursos de profissões Metalo e Eletromecânicas: Carpinteiro de Moldes; Fundidor e Serralheiro; Montador Eletricista e
Eletromecânico de Precisão. Curso de Mecânica Aplicada: Torneiro, Fresador, Ajustador, Maquinista, Mecânico de Automóveis;
b) Cursos de formação de construção civil e do mobiliário: Carpinteiro-Marceneiro e Marceneiro-Embutidor;
c) Cursos de profissões de caráter artístico: Pintura Decorativa, Escultura Decorativa; Cerâmica Decorativa; Ceramista; Cinzelagem;
Gravador de cobre, bronze e aço; Mobiliário Artístico e Entalhador;
d) Cursos de Artes Gráficas: Fotógrafo de artes gráficas; Gravador Fotoquímico; Compositor Tipógrafo; Impressor Tipógrafo e
Encadernador-Dourador;
e) Cursos diversos: Formação Feminina; Relojoeiro; Técnico de Ótica; Auxiliar de Laboratório Químico; Ajudante de Farmácia e
Técnico de Tecelagem.
98
do Ensino Industrial, tendo em conta o tipo de profissão para que os cursos se
destinavam a preparar.
Cursos Complementares de Aprendizagem
Estes cursos172 seriam de quatro anos e tinham como objetivo dar uma formação geral e
profissional na área de trabalho exercida ou escolhida pelo aluno. A formação geral é
constituída por um conjunto de disciplinas comuns a todos os cursos: Português e
História de Portugal; Matemática; Elementos de Física; Mecânica Geral e Aplicada;
Orçamentos e contas de obras; Formação Corporativa; Noções de Higiene. Conforme os
casos, existem outras disciplinas exclusivamente destinadas a certas formações, como
Eletricidade, no curso de Eletricista, ou Noções de Física e Química nos cursos de
Fiandeiro ou de Tecelão Mecânico, por exemplo. A formação profissional é realizada
sobretudo pelas disciplinas de Desenho e de Trabalhos Oficinais, que, pelos seus
conteúdos próprios e adequados a cada profissão, permitem caraterizar a especificidade
de cada curso.
A disciplina de Desenho tem como principal finalidade a preparação e a rápida
especialização do aluno para uma profissão. Neste sentido, importaria que ele
aprendesse a ler e a comunicar tecnicamente pelo desenho, quer este fosse a reprodução
dum modelo ou uma criação sua. Para isso, os alunos seriam iniciados no desenho à
vista, seguindo-se, dum modo geral, o desenho técnico, que incluiria os traçados
geométricos e as projeções ortogonal e axonométrica de modelos correspondentes à
especialidade profissional (peças, máquinas, ferramentas) e a transposição de escalas.
Esta aprendizagem seria complementada pelo ensino oficinal, onde se concretizariam as
peças projetadas em desenho. A educação visual do operário visa objetivos meramente
técnicos, excluindo-se as únicas rubricas com aproximação à educação estética e
criativa, como a composição decorativa ou a utilização da cor. Quanto ao desenho
geométrico, este quer-se estreitamente ligado à resolução de problemas concretos e, de
preferência, surgido pela necessidade de os resolver, excluindo-se tanto quanto possível
a excessiva teorização. Contudo, alguns cursos de formação, devido à sua vocação para
as artes aplicadas, têm mais que uma modalidade de Desenho173.
172
Serralharia; Carpintaria e Marcenaria; Eletricista; Entalhador ;Vidraria; Estucador-Formador Ceramista e Oleiro; Cinzelador;
Compositor Tipógrafo; Encadernador; Fiandeiro; Tecelão Mecânico Tintureiro Acabador; Filinigrista; Canteiro.
173
Ver Apêndice 4.
99
vozes que chegam dos estadistas de todo o mundo.” 174 A grande preocupação da época
é a procura de soluções para resolver os problemas relativos ao ensino médio. Segundo o
legislador, os principais motivos para esta reforma, em Portugal, prendem-se com a
necessidade de coordenar os sistemas de ensino liceal e técnico. As soluções
preconizadas encontram-se, não nas propostas e soluções porventura encontradas nos
outros países, mas nas nossas caraterísticas específicas e na história do nosso sistema de
ensino. Quanto à duração dos estudos liceais, decide-se, tal como em 1931 (Dec. Lei nº
20.741 de 18 de dezembro), manter os sete anos de estudos secundários, dividindo-os
em dois ciclos: o curso geral (1º e 2º ciclos) e um 3º ciclo de dois anos, este destinado
preferencialmente à preparação para o ensino superior. A aproximação curricular entre
os primeiros ciclos dos sistemas de ensino técnico e liceal é justificada com a
necessidade de facilitar a transição dos alunos, entre estes dois sistemas, a partir do 2º
ciclo.
Defende-se (i) o regime de classe, entendida esta como uma secção do conjunto dos
anos da escolaridade secundária; (ii) o desenvolvimento normal, gradual e progressivo
do espírito das crianças; (iii) o doseamento gradual das matérias e, em crescendo, o
respetivo grau de complexidade e dificuldade; (iv) a dimensão formativa das várias
matérias disciplinares, paralelamente, e ano após ano.
Em suma, justifica-se a necessidade de organizar o plano de estudos articuladamente e
de forma vertical e horizontal. Assim, pugna-se pelo ensino do essencial, tendo em conta
que a vocação do curso geral seria o estritamente útil e necessário, como saber e como
“exercício mental e elemento de formação” cultural, para um humanismo em
consonância com os valores do tempo. A análise dos documentos que legislam esta
reforma permitiu-nos concluir que os princípios que conduzem a organização dos
programas, teriam em vista os seguintes objetivos175:
- Formar os alunos para que se tornem aptos para a satisfação das necessidades
comuns da vida e para o prosseguimento dos estudos
- Despertar nos alunos o espírito de observação
- Criar hábitos de raciocínio e de esforço pessoal
- Estimular o exercício ativo de reflexão e crítica
- Desenvolver o sentido ético e estético, e a imaginação criadora
Pretende-se evitar a acumulação desordenada de conhecimentos, a especialização
prematura e a excessiva sistematização. Ao defender-se um curso “geral” de natureza
mais formativa, criam-se as condições para a ultrapassagem do anterior modelo,
mimético e reprodutivo.
174
Decreto-Lei nº 36 507 (promulga a reforma do ensino secundário) e Decreto-Lei nº 36 508 (Estatuto do Ensino Liceal), ambos de
17 de setembro de 1947, D.G. nº 216, I Série; Decreto-Lei nº 37 112 de 22 outubro de 1948. D.G. nº 247, I Série (publica os
programas das disciplinas do ensino liceal).
175
Decreto-Lei nº 36 507: pág. 882.
100
5.3.1 Programa de Desenho
Quanto ao lugar da disciplina de Desenho no plano de estudos liceais, a Reforma prevê a
sua existência nos três ciclos do curso liceal. Pelo Decreto- Lei nº 37:112 de 22 de
outubro de 1948, publicam-se os programas para o ensino liceal, com aplicação a partir
de 1 de outubro de 1950. A disciplina de “ Desenho e Trabalhos Manuais” no 1º ciclo do
ensino secundário liceal desenvolve as modalidades do “desenho livre,” “desenho
geométrico,” “composição decorativa” e “trabalhos manuais”. As mesmas modalidades
são destinadas ao 2º ciclo, com exceção dos Trabalhos Manuais.
Ainda que a designação programática continue a ser “Desenho e Trabalhos Manuais”,
incluindo ambas as matérias, o facto é que a posição dos Trabalhos Manuais continua a
ter um estatuto dúbio no plano de estudos. Não sendo tratados propriamente como uma
disciplina, tal como acontecia antes de 1936, é-lhes atribuída uma hora semanal por
“sessão” a par de outras áreas curriculares não disciplinares como Canto Coral,
Educação Física e Religião e Moral.
Em virtude da fundamentação pedagógica apresentada no Decreto nº 36:507,
verificamos alterações significativas, sobretudo ao nível das orientações programáticas,
tanto no programa de Desenho como no de Trabalhos Manuais.
Nomeadamente: a preocupação pelo doseamento progressivo dos conteúdos, de acordo
com as idades e as possibilidades de compreensão dos alunos; o surgimento de novas
designações para as rubricas programáticas nos 1º e 2º ciclos, correspondendo à
introdução de novos conceitos; e o aligeiramento de alguns conteúdos e melhor
adequação de outros.
Com efeito, os agora propostos: Desenho Livre no 1º ciclo e Desenho à vista no 2º ciclo,
vêm substituir o anterior Desenho de imitação à mão livre. No caso do desenho
geométrico do 2º ciclo, são retiradas as axonometrias e a geometria descritiva, passando
estas para o 3º ciclo. O mesmo acontece com a cópia de gessos, animais e plantas, antes
considerada na rubrica Desenho de Imitação à Mão Livre, do 2º ciclo, que passa para a
rubrica Desenho à vista, do 3º ciclo176.
176
No 3º ciclo, a disciplina de Desenho, comportando as modalidades do Desenho Geométrico / Geometria Descritiva e Desenho à
Vista (cotado e não cotado), seria obrigatória conforme os cursos a que os alunos se destinassem, nomeadamente para as
licenciaturas em Medicina, Ciências Matemáticas, Físico-Química, Geofísica, Geologia, Biologia, Geografia, Agronomia,
Veterinária, Farmácia, Educação Física, Arquitetura e Belas-Artes.
101
5.4 Modalidades de desenho nos sistemas de ensino técnico e
liceal. Análise comparativa.
Tendo em conta as alterações introduzidas pela Reforma, os legisladores dedicaram
especial atenção às orientações didáticas para cada uma das modalidades do Desenho,
particularmente ao nível das definições, objetivos e organização do processo de ensino-
aprendizagem. Seguidamente, procuraremos analisar os aspetos convergentes e
divergentes dos programas para estes dois sistemas de ensino, no que diz respeito à
disciplina de Desenho no caso do curso liceal, e às diversas modalidades do desenho no
curso técnico industrial e escolas de artes decorativas.
177
Programas para o Ensino Técnico Industrial: Portaria nº 13 800, pág. 31-32
178
Idem, ibidem.
102
memória e à observação e escolhe livremente os materiais com que trabalha179. O texto
programático apresenta argumentos teóricos para a criação desta modalidade. Este novo
aspeto do ensino do desenho é inspirado em Franz Cizek, professor austríaco, que no
final do século XIX concluiu que, de um modo geral, toda a criança possui o poder inato
de criar e que cabe à escola aproveitá-lo e desenvolvê-lo. Segundo Cizek, até à idade de
11 anos, em regra, toda a criança narra, escreve ou desenha sob uma forte influência da
imaginação,180 e é tendo em conta esse pressuposto que se formulam as orientações para
o Desenho Livre. A educação artística e plástica, através da exploração do desenho, da
modelação e da pintura em grande formato, passa a ser valorizada pelo seu potencial
educativo no desenvolvimento da inteligência e da autonomia da criança. Se, no
passado, se procurava principalmente a perfeição da técnica, agora, sem esquecer a
perícia manual, procura-se também desenvolver a capacidade de expressão, o poder
criador e o gosto artístico, acreditando-se que estas capacidades poderiam vir a revelar-
se úteis e benéficas ao longo da vida. Com o alargamento dos meios de expressão,
também se abre o leque de materiais a utilizar nas aulas de desenho, reconhecendo-se
que a sua variedade é uma das formas de despertar o interesse nos alunos e procurar a
revelação das suas potencialidades: o guache, a aguarela, o lápis de cor e outros, são
aconselhados de acordo com a intenção estética e as possibilidades económicas.
A nosso ver, o conceito de “desenho livre,” tal como é apresentado neste Programa,
revela um dilema. Em primeiro lugar, a “liberdade” do “desenho livre” não significava
abandonar o aluno a si próprio, recomendando-se a assistência e a orientação do
professor, de preferência individual. Por outro lado, entende-se que o “desenho livre”
não pode, pela sua natureza, ter um programa taxativo. A resolução para superar este
conflito passa pela sugestão temática. Os temas seriam escolhidos entre aqueles sobre os
quais a imaginação do aluno atuasse com mais vivacidade e interesse, principalmente os
que se relacionassem com cenas que o aluno viveu ou vive, com assuntos que, entre si,
os alunos mais correntemente tratassem. Os temas são também um bom pretexto para
fazer passar a doutrina ideológica do Estado. Dão-se exemplos de assuntos que parecem,
na sua maioria, herdeiros do “Naturalismo Português”: tradições locais; elementos da
cultura popular portuguesa; festas fixas do ano; profissões, trabalhos do campo, estações
do ano, natureza mortas; flores e pássaros de fantasia; acontecimentos sensacionais,
cenas da vida diária. Os temas deveriam suscitar a representação da figura humana e de
animais, chamando-se a atenção para os efeitos perspéticos que a natureza e as coisas
oferecem a partir de breves noções de perspetiva linear.
Atendendo às etapas do desenvolvimento gráfico infantil, esperava-se que, no 2º ano, se
denunciasse em alguns alunos um enfraquecimento da capacidade imaginativa e um
aumento do sentido autocrítico, tomando o gosto por um tipo de desenho mais objetivo,
e supostamente menos expressionista. Nestes casos, e tendo em conta que a orientação
179
Decreto nº 37 112. Pp. 1169-1170.
180
Idem. Pág. 1170.
103
seria individual, devia dar-se aos alunos a possibilidade de se iniciarem no desenho à
vista. Betâmio de Almeida, inspirador deste programa e autor do manual de Desenho
para o 1º ciclo após esta Reforma, demonstra nessse compêndio, os vários tipos de
sugestão temática e orientação técnica que o professor deve dar, de onde não estão
ausentes algumas regras compositivas, tais como o enquadramento do desenho na folha
de papel, a dimensão das figuras atendendo aos planos de proximidade e afastamento, ao
esboço prévio ou a ordem da pintura.
181
Idem, pág. 35.
182
Os exercícios a realizar consistem na execução de «construções» com materiais divididos em três categorias de acordo com o seu
grau de plasticidade (plásticos, semi-plásticos e rígidos), tendo em vista o princípio da utilidade
Materiais plástico: barro, ceras, plasticinas;
Materiais semi-plásticos: papel, cartão, lata, arame;
Materiais rígidos: madeira e metais.
104
ensino correto das técnicas construtivas. Após esta fase, os trabalhos manuais são
divididos por género. Os trabalhos manuais masculinos constam de trabalhos em
madeira (caixas, jogos, cabides, prateleiras, banquinhos, etc.) e em metal (recorte de
desenhos em folha, pequenos objetos onde se possam aplicar a serra, a lima e a
soldagem). Os trabalhos manuais femininos compreendem a costura e os bordados
(começando por exercícios muito básicos, como aprender a fazer pontos ou a tirar fios
do tecido, até ao corte de peças simples), a culinária (fazer café, fritar ovos, etc.),
trabalhos caseiros (passar a ferro, passajar, lavar roupa), cestaria e pintura decorativa de
pequenos objetos.
No 2º Ano, dá-se continuidade a cada uma destas áreas de trabalho, evoluindo para os
materiais rígidos e exigindo-se um pouco mais em termos de execução de acordo com as
novas técnicas e ferramentas, de que o programa oferece listagem detalhada. Os
exercícios seriam preferencialmente acompanhados dum desenho, correspondendo este
ao “projeto prévio”, cuja temática surgiria dos interesses revelados no curso, ou por via
da etnografia local.
Nos cursos de Formação e Complementares de Aprendizagem do 2º ciclo do Ensino
Técnico em que se requer a aplicação do desenho ao projeto tridimensional,183 surge a
disciplina de Modelação. Inicialmente, o aluno começaria por reproduzir uma forma
com fidelidade ao modelo, fosse este tirado do natural ou a partir dum desenho realizado
na aula de Desenho. No curso de canteiro, por exemplo, é sugerido que os alunos
copiem capitéis e fechos de abóbadas dos principais monumentos portugueses (Batalha,
Alcobaça, Tomar). Os exercícios tornar-se-iam mais complexos à medida que o aluno
procurasse dar expressão tridimensional a composições decorativas ou a projetos para
execução na Oficina.
No 1º ciclo do ensino liceal, os Trabalhos Manuais, associados ao Desenho, constituem-
se como o campo da expressão tridimensional. Em virtude da introdução do modelo
expressivo, é-lhes retirado o caráter técnico e oficinal, afirmando-se essencialmente a
sua natureza formativa.
Esta disciplina deve satisfazer alegremente a necessidade de construir e a natural
disposição da criança para a atividade, além de constituir um auxiliar precioso no ensino
de outras disciplinas. Sem prejuízo da exigência na execução, que deve ser compatível
com a idade do educando e aumentar gradualmente, os trabalhos devem ter caráter
infantil e falar à imaginação e tendências naturais da criança184.
A autonomia criativa é associada a um ensino de caráter ativo:
O ambiente das aulas de trabalhos manuais será resultante da disciplina espontânea e
gostosamente aceite, e o professor procurando sempre que os alunos apliquem com
183
Ver Apêndice 4. (1952: Ensino Técnico Industrial: modalidades de Desenho e disciplinas complementares).
184
Idem: pág. 1171.
105
persistência o seu esforço para vencer qualquer dificuldade, deve parecer um
companheiro amigo e mais sabedor. 185
Os materiais preferenciais e respetivos meios de expressão são o barro e a madeira, ou
seja, a modelação e a construção, além do recorte, colagem e dobragem em variados
tipos de papéis, exercícios que requeriam condições e ferramentas adequadas. A fim de
tornar mais claro o programa, são fornecidas sugestões para cada modalidade de
trabalho. Nos trabalhos de modelação, os assuntos deveriam ir ao encontro da fantasia e
da liberdade de expressão do aluno, usando-se diretamente as mãos e, em certos casos,
os “teques” de madeira, que o próprio aluno poderia fazer. O papel recortado com
tesoura ou com os dedos teria a qualidade de desenvolver o sentido das cores e das
formas. Os trabalhos desta modalidade serviriam para se fazerem pequenos quadros,
para decorar as pastas para guardar desenhos, caixas (feitas ou aproveitadas pelos
alunos), calendários, papéis de fantasia. Com cartolina, cartão, pano e percalina,
poderiam executar-se trabalhos tais como pasta para guardar os desenhos, caixas, sólidos
geométricos, paciências, tabuleiro de xadrez, porta-chaves, animais estilizados,
molduras, álbuns, estojo para livros, pasta para cadernos, quadros em relevo e trabalhos
relativos a outras disciplinas, principalmente à matemática e às ciências naturais. Além
dos trabalhos acima indicados, para as alunas aconselhavam-se os seguintes: caixa de
costura, agulheiro, trabalho de feltro recortado, etc.
Os trabalhos feitos em madeira seriam executados com ferramentas verdadeiras e a
madeira devia ser fornecida aos alunos em dimensões próximas das do trabalho a
executar. As construções deviam iniciar-se com formas simples, geométricas, com
execução e procedimentos tanto quanto possível rigorosos. A seguinte lista exemplifica
alguns dos trabalhos que nesta modalidade poderiam ser realizados: brinquedos:
modelos de barcos à vela, aviões, navios de guerra, animais estilizados, locomotivas,
etc; objetos de uso comum: paleta, caixa para guardar os lápis, cabide, faca de abrir
livros, etc.; trabalhos relativos a outras disciplinas, especialmente à matemática e às
ciências.
Finalmente, é sugerida a gravura em linóleo, um trabalho intimamente ligado ao
desenho livre e à composição decorativa, que obrigava a um seguro domínio de mão.
185
Decreto-Lei nº 37 112: Pp. 1168, 1169, 1171,1172.
106
suas caraterísticas constituintes e expressivas e respetiva representação. Seriam
apresentados aos alunos determinados “modelos-tipo”, que colocariam diferentes
problemas de representação da forma. Os fatores em destaque são os da proporção e da
estrutura básica (geométrica) do modelo, individualmente ou em relação com outros:
relação entre a altura e o maior diâmetro, simetria, contraste entre as alturas e as massas;
estrutura e predominância vertical ou horizontal; estrutura geométrica, triangular ou
quadrangular186.
Exemplos:
1º ano: uma jarra colorida num só tom ou com barras de cores diferentes; um utensílio
ou um objeto usual de dimensões apropriadas para que não haja necessidade de redução,
e com uma forma simples baseada em superfícies de revolução; um utensílio ou
ferramenta simples com predomínio de linhas horizontais; idem, com predomínio de
linhas verticais; objeto de forma geral triangular; objeto usual com simetria marcada;
dois objetos usuais com simetria marcada.187
No 2º Ano, devia partir-se da observação de “modelos-tipo” como elementos naturais
(folhas, flores, frutos), objetos usuais com volumes marcados, ferramentas e utensílios.
O desenho realizar-se-ia à mão livre, e dos modelos seriam destacadas as formas
geométricas das linhas envolventes e os valores: iluminação, claro-escuro, textura e cor.
Numa fase mais avançada, poderiam ensaiar-se composições simples de natureza morta,
com e sem fundo, e esboços de representação esquemática de conjuntos, introduzindo
variações na representação do mesmo modelo com diferentes técnicas: pena, pincel,
pauzinho, etc. Para os alunos “de mais apurada sensibilidade estética”, a gama de
modelos poderia alargar-se a formas orgânicas como borboletas, caracóis, conchas,
pinhas, búzios, etc., e até a representação física ou o retrato dos colegas.
Nesta modalidade, sugere-se igualmente o “desenho a tempo marcado”, onde um dado
modelo é dado a ver por alguns minutos, pedindo-se, depois de retirado, o desenho do
mesmo, testando assim a capacidade de retenção visual do aluno.
No 2º ciclo do ensino técnico, surgem as designações “Desenho de observação” e
“Desenho à vista”, correspondendo a duas disciplinas distintas, conforme os cursos.
Apesar da utilização das duas designações, o seu significado é o mesmo. Esta
modalidade é a primeira atividade no ensino do desenho, uma vez que todas as
competências a exigir posteriormente, quer no desenho profissional, quer no desenho
artístico, partem da educação visual do aluno para a observação e representação das
formas. Desenvolvido nos primeiros dois anos dos cursos de artes aplicadas, o desenho
de observação tem como principal objetivo a rápida especialização do aluno com vista à
futura profissão, de modo a que fique apto a ler um desenho e a reproduzir à mão livre
qualquer objeto dado, ou a exprimir uma sua criação. O Desenho é então entendido
186
Portaria nº 13 800, pág. 33.
187
Idem, ibidem.
107
como linguagem cuja técnica é necessário conhecer para se adequar às funcionalidades a
que se destine: “executados a lápis (os desenhos) deverão ter maior preocupação com a
verdade documental do que com a apresentação estética”. O uso da estampa como
modelo e a cópia do desenho executado no quadro pelo professor, são práticas
condenadas, defendendo-se a observação do objeto real, possível de manusear pelo
aluno e colocado à frente dos seus olhos. A imagem (estampa) passará a ser utilizada
somente como recurso informativo e como fator de estímulo, ou como exemplo para
melhor compreensão do exercício.
Tendo em conta essa aproximação ao real, os modelos para o desenho de observação
são escolhidos pela sua proximidade à futura vida profissional do aluno, ou por ela
sugeridos. Nos cursos predominantemente técnicos (construção e mecânica), os modelos
são objetos como serrotes, plainas, tesoura, martelo, régua e esquadro, ou outros de “uso
comum”. Nos cursos predominantemente artísticos ou destinados às artes aplicadas, os
modelos são preferencialmente tirados do natural (fauna e flora “regional”: frutos,
flores, folhas, rebentos, conchas, insetos, borboletas, caracóis, lagartos, etc.), uma vez
que os seus elementos formais irão servir posteriormente ao desenho de ornato e à
composição decorativa. O aspetos que se pretende que o aluno analise nos modelos são
os seguintes:
- Caraterização da forma (elementos formais: eixos, proporções, valores, cor e
matéria)
- Ponto de vista (variação do aspeto do modelo consoante a posição e o ponto de
vista” do observador) em objetos simples e em composições de objetos/ natureza
morta
- Perspetiva (intuitiva: noção de grandeza, afastamento e deformação, por observação
direta)
- Afinidades formais entre objetos
- Forma-Função
Contrariamente ao Desenho Linear, onde se pretendia que o aluno representasse a forma
exclusivamente pela linha de contorno, agora é pedido que se represente o modelo com
todas as caraterísticas visuais que ele oferece, incluindo as deformações da perspetiva.
Trata-se duma visão global e analítica, decorrente duma observação naturalista, e não
sintética como é próprio do Desenho Linear. No 1º ano, as indicações vão no sentido do
desenvolvimento da observação intuitiva e do adestramento no manejo dos instrumentos
de desenho, evoluindo no 2º ano para noções de perspetiva, dada a partir da observação
e representação de sólidos geométricos, registo de sombras, própria e projetada,
estratégias gráficas de representação do claro-escuro, esbatimentos, meias tintas e
transparências.
Além destas disciplinas, existem ainda, nos cursos de arte aplicada, as de Desenho de
Observação e Ornato, e o Desenho de Figura.
108
O Desenho de Ornato destina-se aos últimos anos dos cursos de artes aplicadas, após o
treino no desenho de observação do natural e a aprendizagem dos traçados geométricos.
Segundo o texto programático, a prática da cópia dos gessos de estilo clássico, só por si,
não é aconselhada, uma vez que não permitirá revelar a capacidade criativa do aluno:
Os gessos de estilo não devem coarctar as tendências naturais do aluno, originando uma
enfadonha mecanização de expressão ornamental, pois não podem esperar-se grandes
revelações e apreciáveis dons de estilo, de personalidade e de raciocínio por parte de um
aluno que se tenha limitado a aglutinar sem sentido várias unidades da composição
clássica.188
Neste sentido, e como fonte de recriação ornamental, os elementos da fauna e da flora
passam a ser vistos como modelos preferenciais. Na recriação estão implicadas as
modalidades de desenho de observação, de memória e de imaginação. As técnicas, agora
entendidas como “meios de expressão”, devem ser as mais variadas (sépia, sanguínea,
pastel, lápis de cor, guache, aguarela, etc.), pois serão elas o veículo da expressão do
sentimento ou a imitação expressiva do sentimento.189 Além do reportório formal
proveniente da natureza, o desenho de ornato deveria basear-se no conhecimento da
história da arte, particularmente a história do ornamento, e na pesquisa das origens
naturais das leis da composição ornamental. Para tal, o professor deveria dedicar
algumas aulas à projeção das obras dos grandes mestres e a problemas das artes
decorativas.
Nos cursos especificamente destinados à formação artística, como o de Pintura
Decorativa, existia nos 3º e 4º anos, a disciplina de Noções de História de Arte, com um
programa extensíssimo cujo estudo decorreria entre Pré-História e a Antiguidade, no 3º
ano, e entre a Arte Românica e as tendências da arte oficial em Portugal nos anos 50. O
último parágrafo deste programa apresenta o seguinte texto: “Evolução das artes
decorativas desde o fim do século XIX até aos nossos dias. Abuso do realismo; sua sua
decadência e mediocridade. Renascença das artes decorativas e sua influência nas
tendências actuais da pintura. Tendências actuais das artes decorativas.” 190 A
condenação do Realismo nas artes decorativas que vemos plasmada nesta frase,
corresponde, a nossso ver à promoção da estética do Regime, o “modernismo
português”, pela qual se valorizam os símbolos e temas iconográficos nacionalistas,
devidamente estilizados pela normalização geométrica. O melhor exemplo escolar da
divulgação desta conceção estética pode ser observado nas diversas ilustrações
existentes no Compêndio de Helena Almeida para o 2º ciclo do ensino liceal, do qual
damos o seguinte exemplo (Fig.25).
188
Portaria nº 13 800, pág. 114.
189
Idem: pág.57.
190
Idem, pág. 118.
109
Fig. 25. Ilustração do Compêndio de Helena Almeida, pág. 66.
O Desenho de Figura, reservado aos dois últimos anos dos cursos de pintura e escultura
decorativas, cinzelagem, gravador e fotógrafo, visava a representação, por observação
direta e memória visual, de modelos em gesso e de modelo vivo. Pretendia-se o estudo
anatómico (esqueleto e musculatura) do corpo humano e de animais, no todo e em partes
(busto, torso, cabeça, mãos); o estudo das proporções, planos, carateres, valores e
formas; o estudo e a representação gráfica do movimento; o estudo e a representação dos
panejamentos.
O Desenho à Vista, no ensino liceal, é uma modalidade existente a partir do 2º ano do 1º
ciclo, sendo tratada globalmente. Como tal, não se enumeram nos vários anos os
modelos que os alunos haveriam de desenhar, deixando-se ao professor o cuidado de os
escolher, devendo ter em vista que os objetos de mais simples interpretação seriam os de
expressão plana. Recomenda-se o esboço rápido porque, prescindindo dum esmerado
acabamento, haveria a possibilidade de se fazerem mais exercícios, considerando-se
mais importante procurar o caráter geral do modelo do que a minúcia dos seus
pormenores. Todavia, alguns desenhos seriam finalizados para que os alunos se
exercitassem na prática do claro-escuro, tirassem partido de certos fundos e tomassem
gosto por um desenho esmeradamente acabado. Algumas noções de perspetiva, das
quais muitas já teriam sido adquiridas no ensino do desenho livre, seriam dadas sempre
que fosse necessário esclarecer dificuldades na interpretação dos modelos. Um
esclarecimento realizado por meio de breves desenhos feitos no quadro pelo professor,
ou pela observação de modelos especiais em posições que exemplificassem bem as
modificações ocasionadas pela perspetiva. Com o auxílio de sólidos geométricos de
gesso, poder-se-ia mostrar como se comportam as sombras, própria e projetada, o
reflexo e a penumbra.
Um modo de tornar esta modalidade mais atraente seria através da encenação dos
objetos (“natureza morta”). Os modelos deveriam ser, tanto quanto possível, variados,
podendo utilizar-se desde objetos de uso comum, de barro, de porcelana (de que se
reproduz a decoração), de vidro, de metal, de madeira, até flores, frutos, animais
embalsamados, brinquedos. Muitos modelos de pequenas dimensões, até como um
aparo, uma lâmina de barbear, uma borboleta, um apara-lápis ou um carrinho de linhas,
seriam desenhados numa escala maior do que a natural. Havia, neste caso, a vantagem
de estarem junto do aluno, sobre a sua carteira.
110
Nos grupos de objetos procurar-se-ia sempre um arranjo com algum valor estético.
Aconselha-se que, em alguns casos, um dos objetos fosse um modelo de gesso com
forma geométrica, com a vantagem de servir de termo de comparação dos valores
cromáticos que a composição apresentasse.
Tanto para o modelo como para o grupo de modelos, aconselha-se a utilização de fundos
em papel mate, cartolina de cor, papel de parede, gravuras, tecidos, etc.
Surge pela primeira vez o termo “meios de expressão” para se referirem os materiais de
execução. Também pela primeira vez, é dada uma grande abertura à utilização de
diversos materiais para efeitos expressivos, neles se incluindo a tinta da china, a
plumbagina e o pastel. Todos estes materiais se podem associar a um tipo de grafismo de
cariz expressionista. Quanto aos suportes, aconselham-se formatos grandes (isto se
pensarmos que o formato tradicional devia ser o A4 em papel cavalinho e almaço) e
papéis com cores variadas, devendo o professor ter em vista que, tanto o uso dos meios
de expressão, quanto o dos suportes dependeria das possibilidades e das predileções de
cada aluno.
Também é aconselhado o “desenho de memória”, entendendo-se este como aquele em
que se mostra, durante um curto espaço de tempo, um modelo que em seguida os alunos
interpretarão. A palavra “cópia” é substituída pela palavra “interpretação”, aspeto
revelador dum grande avanço na compreensão do papel da visão e da perceção visual. O
programa propõe a observação direta por um lado, e por outro, a observação diferida, ou
seja, a retenção do modelo e suas caraterísticas formais através da memória visual do
mesmo.
191
Portaria nº 13 800, pág.33.
111
de efeitos decorativos, realizados à vontade do aluno e coloridos por este a lápis,
aguarela, papéis recortados, etc. (…)192
No 2º ano, e com o objetivo de capacitar a traduzir o exterior que o aluno contempla,
este tipo de desenho é realizado com os instrumentos de traçado rigoroso, procurando
respeitar as formas nos seus mínimos pormenores, medindo e anotando rigorosamente as
dimensões, de modo a facultar uma reprodução exata. Além dos conhecimentos básicos
de traçados geométricos, introduz-se o desenho de projeção (vertical e horizontal) de
modelos reais, que os alunos haveriam de ter diante dos olhos, proibindo-se o desenho
do modelo no quadro preto para os alunos copiarem. Os modelos começariam por ser
muito simples, indo progredindo em grau de complexidade.
Associado ao desenho geométrico introduz-se o Desenho de Letra. O objetivo parece ser
a realização dum escantilhão de letras. O professor deveria fornecer pelo menos dois
tipos de alfabetos, um de maiúsculas, outro de minúsculas, a executar inicialmente em
papel quadriculado, desenhando-se primeiro a lápis e passando-se em seguida a tinta, e à
mão livre, utilizando de preferência o aparo de disco (Redis). O programa aconselha que
esta aprendizagem seja progressiva, executando-se primeiro as letras onde só entram
segmentos de reta; em seguida, as que são formadas por segmentos e curvas; e,
finalmente, as que são formadas só por curvas. Uma vez na posse da proporção das
letras e do seu arrumo, o aluno usá-las-ia sempre que fosse necessário.
No 2º ciclo do ensino liceal, o desenho geométrico e o desenho à vista constituem as
bases do saber da educação artística plástica e técnica, numa articulação complementar.
Se o primeiro apela à observação intuitiva e à livre interpretação dos modelos
observados, o segundo desenvolve processos de entendimento racional das formas e
rigor na sua execução. As tendências pedagógicas emergentes nesta reforma refletem-se
nas orientações dadas ao professor para o ensino-aprendizagem desta matéria. Assim,
apela-se a um ensino que desperte a iniciativa do aluno, levando-o não só a servir-se das
mãos, mas do espírito, indo ao encontro do seu gosto inato de pesquisa. O professor
desenharia no quadro e apresentaria um ou mais processos de construção dos traçados
geométricos, estimulando o aluno na procura de outras soluções. A matéria ensinada no
1º Ciclo é desenvolvida e enquadrada com exemplos de estilos arquitetónico. Assim, por
exemplo, como introdução ao estudo dos arcos, devia falar-se da sua evolução,
relacionando-os com os períodos da história da arte que os caraterizam e com os
problemas construtivos que resolvem. O ensino do traçado das cónicas seria precedido
do estudo prático feito no cone seccionado. Os exercícios de aplicação dos traçados,
sensivelmente mais complicados de ano para ano, teriam em vista a boa execução e
deveriam ser de preferência apresentados com um caráter concreto. Por exemplo: uma
rosácea, uma janela gótica, um grade simples, etc. 193
192
Idem, ibidem.
193
Dec.-Lei nº 37112, pp. 1168, 1169 e 1173.
112
O 2º Ciclo do Ensino Técnico oferece um conjunto distinto de disciplinas de raiz
geométrica conforme os cursos: Desenho de Projeções e Perspetiva, Desenho
Profissional e Desenho de Letra.
O Desenho de Projeções e Perspetiva pretendia dar continuidade às noções de geometria
ministradas no ciclo preparatório (Desenho Objetivo Matemático) quanto à maneira de
representar os corpos nos planos de projeção. O aluno começa por fazer à mão livre um
esboço das projeções do modelo e apõe as respetivas medidas:
A partir desse esboço executa o desenho rigorosamente em tamanho natural e em
escalas, quer de redução quer de ampliação. Os desenhos de perspetiva axonométrica
realizam-se à régua e à mão livre, depois do aluno ter adquirido a técnica necessária. As
primeiras noções de perspetiva devem ter como finalidade levar o aluno a observar, a
medir e a proporcionar os objetos.194
O Desenho Profissional vem substituir o anterior Desenho de Projeções (reforma de
1932). A finalidade do Desenho Profissional seria habilitar o aluno para interpretar
convenientemente, na oficina, os desenhos que lhe fossem confiados para a execução
dos trabalhos correspondentes, em que se requer a aplicação do desenho ao projeto
tridimensional195. O programa desta disciplina nos cursos tecnológicos inclui outros
tipos de desenho lecionados em cadeiras independentes: Desenho de Máquinas,
Desenho Tecnológico e Desenho à Escala.
O primeiro compreende o esboço cotado à mão livre de máquinas e detalhes das mesmas
e a representação convencional conforme as normas técnicas em vigor, incluindo letras,
algarismos e legendas. O Desenho Tecnológico aborda a representação rigorosa,
mediante as projeções ortogonais e axonométrica, de cortes, secções e interseções de
sólidos, eventualmente acabada com traçados a tinta e aguadas.
O Desenho à Escala exige como pré-requisitos a prática do desenho de observação e a
aprendizagem dos traçados geométricos obtidos no ciclo preparatório. Serve à
representação do objeto através do máximo de informação com o mínimo de vistas e
pormenores, às quais serão atribuídas as respetivas cotas. Começa-se pela representação
à mão livre (esboço) de objetos simples e fáceis de colocar à escala: sólidos
geométricos, objetos de uso comum, máquinas e ferramentas. Posteriormente, os
modelos passam por um processo de “decomposição à vista” através da sintetização da
forma (eixos e geometrização). Seguiam-se os exercícios de projeção rigorosa em
escalas determinadas (ampliação ou redução) e esboços cotados.
O Desenho de Letra surge associado à aprendizagem das artes gráficas e à expressão
ornamental da arte aplicada. A tabela de conteúdos inclui as seguintes matérias: estudo e
194
Portaria nº 13 800, pág.123.
195
Ver Apêndice 4. (1952: Ensino Técnico Industrial: modalidades de Desenho e disciplinas complementares).
113
análise de diversos tipos de letras e seus elementos construtivos; letra caligráfica e letra
desenhada; noção de ritmo; espacejamento ótico e geométrico e intervalos entre as letras
e as palavras; proporções; letras maiúsculas e minúsculas; títulos e subtítulos; disposição
gráfica da letra, dos períodos e dos parágrafos; legibilidade; forma-função; estudo dos
quatro tipos de letra clássica e dos alfabetos mais necessários às artes decorativas;
composição de letra; letra a cores e letra decorativa; capitulares; composição com texto e
esquema. Exercícios de Aplicação: ex-libris, capas para livros, iluminuras, prospetos,
papel de embrulho, marcas de fábricas, diplomas.196
196
Idem. Págs. 123-124 (1º e 2º anos do curso de Pintura Decorativa).
197
Portaria nº 13 800, pág. 33.
198
Portaria nº 13 800, pág.50.
114
Não se trataria só de simplificar ou sintetizar a forma, mas de a transformar através de
uma reflexão lógica. Por esse motivo, estilizar poderia implicar simplificação ou
complexidade. No primeiro caso, ocorria uma redução das suas caraterísticas formais à
estrutura e geometria básicas. No segundo caso, por acentuação, acrescentar-se-ia às
caraterísticas iniciais uma expressão artística mais complexa e rica de elementos
formais.
De um modo geral, verificamos uma certa preocupação com o que mais tarde se virá a
designar, na linguagem do design, como “relação forma-função”. O enunciado
programático do curso de Pintura Decorativa199 oferece o texto mais extenso e
pormenorizado de todas as observações preambulares dedicadas à Composição
Decorativa. Nele se faz um acerto histórico com as questões da ornamentação e da sua
aplicação nas artes decorativas. Distinguindo-se das artes plásticas, a arte decorativa,
desde a sua origem, define-se como aquela que aceita como razão determinante um
pressuposto funcional, utilitário e prático, material e espiritualmente necessário, e tenta
realizá-lo num plano de equilibrada beleza em que todos os elementos da obra se
combinem harmoniosamente.200 Estes pressupostos aplicar-se-iam na criação de projetos
desenhados, maquetes e ornamentos destinados a superfícies bidimensionais ou
tridimensionais. Os temas, apresentados ao aluno como um problema simples, claro e
limitado a um objeto (exemplos: pintura mural, cercadura, frisos, papel de parede,
mosaicos, vitral, ornamentações interiores e exteriores, ornato de móveis), seriam,
dentro de uma lógica a que poderemos já chamar projetual, analisados em conjunto com
os alunos, em aspetos como: dimensões, material, diferentes modos de decorar,
harmonias cromáticas, finalidade, etc.
Contudo os critérios estéticos que prevalecem continuam a ter origem no paradigma
clássico: inteligência, a ordem e a escolha, pois, compor é juntar duas ou mais partes
num todo, ordenado e harmonioso201. Para que a composição decorativa tivesse sentido,
seria fundamental adequar-se a uma utilidade, o que obrigaria a uma relação ajustada
entre a matéria e o objeto, algo que os antigos nomeavam de decoro. O desenvolvimento
do sentido estético através da composição decorativa, inspirar-se-ia em diferentes
técnicas de expressão, na observação de recursos externos à escola, através de visitas de
estudo, e na observação de recursos iconográficos existentes na escola.
No ensino Liceal, a Composição Decorativa é, tal como no ensino técnico, enunciada
em ordem à função utilitária do Desenho, visando responder a problemas concretos.
O tratamento deste conteúdo é transversal a todos os anos, verificando-se uma
significativa flexibilidade programática. No 1º ciclo, pretendia-se com esta rubrica
promover as faculdades criadoras e imaginativas, pelo que haveria que ser indulgente
para com a inexperiência, ingenuidade e cores berrantes que geralmente caracterizam
199
Idem. Págs. 124-126.
200
Idem. Pág. 124.
201
Idem, ibidem.
115
os primeiros trabalhos dos alunos202. Certos conhecimentos como, por exemplo, a teoria
das cores, sem serem matéria prescrita, poderiam ser abordados se o professor o julgasse
conveniente para o aluno, ou se a ocasião o pedisse. Surge, pela primeira vez na redação
programática, a expressão “projeto para” uma composição decorativa,203 numa
enunciação primária do que, a nosso ver, mais tarde virá a ser conhecido como “projeto
de design”. À partida, e tendo em conta os meios de expressão disponibilizados, estes
projetos ficariam só pela execução bidimensional, faltando a sua realização tecnológica
ou oficinal. Ainda não se entende que os recursos existentes nos Trabalhos Manuais
poderiam ser utilizados no desenvolvimento completo destes projetos. Além da
aplicação decorativa em objetos de equipamento, enunciam-se já, decorrentes do estudo
da letra, os primeiros exercícios de aproximação ao design gráfico: lettering, cartaz,
rótulos, anúncios. Apenas com o fim de exemplificar, segue-se uma lista de sugestões de
trabalhos para rapazes e raparigas onde se nota uma tendência para uniformizar os
conteúdos superando as diferenças de género: projeto para um tecido, projeto para um
tapete, pintura para um prato, letra capitular, disposição dum pequeno texto, projeto para
um cartaz, pintura para uma almofada, desenho para uma caixa de pó de arroz, vitral,
emblema para uma blusa de rapariga, rótulos, anúncio para qualquer artigo, friso para o
quarto de uma criança, barra para um vestido, cercaduras, projetos para mosaicos,
tampas de caixas de formas geométricas diversas.
O professor, sempre que a natureza do trabalho o permitisse, indicaria técnicas que
facilitassem a sua realização de modo a torná-lo mais agradável. Sem tomar nunca o
aspeto de uma aula teórica, falaria dos princípios da composição decorativa: equilíbrio,
subordinação, unidade e finalidade, tanto das formas como do colorido. Sempre que
nos trabalhos a realizar, surgisse a necessidade de desenhar letras, o professor procuraria
que o aluno as concebesse com originalidade e as executasse com beleza e perfeição,
mostrando a sua adequação conforme o fim a que se destinassem.
Tal como para o ensino técnico, a estilização é o procedimento básico na composição
decorativa. Os motivos seriam tirados por observação direta, a partir do natural (folhas e
flores), ou a partir de exemplos tirados do passado e do presente, para o que se
aconselhava que, a pouco e pouco, dentro de cada liceu, se organizassem coleções de
reproduções. Quando viesse a propósito, o professor deveria dar um conhecimento
sucinto da composição decorativa em vários períodos da história de arte e da arte
decorativa regional, mas unicamente através da imagem e de visitas de estudo que por
sua vez, serviriam de pretexto para falar da história da arte nacional.
No quadro 1. que apresentamos seguidamente, procuramos realizar uma interpretação, à
luz dos conhecimentos que possuímos hoje, dos diversos passos do processo de ensino-
aprendizagem no exercício de Composição Decorativa, de acordo com a lógica dos
programas analisados.
202
Dec. Lei nº 37:112, pág. 1171.
203
Idem: pág. 1172.
116
Quadro 1. O Processo Criativo em Composição Decorativa
1ª Fase: OBSERVAÇÃO
Objetos de uso comum - Sólidos Geométricos - Elementos do Natural (fauna e flora; figura
humana).
OBJETIVOS
Aprender a comunicar (ler e representar) através do desenho, para fins de uso prático e
profissional; desenvolver a capacidade de observação e a expressão gráfica pessoal.
APRENDIZAGENS A REALIZAR
Caracterização da forma (Elementos Formais: eixos, proporções, valores, cores e matéria) e
das Configurações (Pontos de Vista) em objetos simples e em composições de objetos;
Perspetiva (intuitiva: noção de grandeza, afastamento e deformação, por observação direta);
Afinidades formais entre objetos; Compreensão da relação entre a forma e a função.
2ª Fase: RECRIAÇÃO
Composição Decorativa
OBJETIVO
Realização de projetos de natureza estética com aplicação a uma situação ou objeto concreto
tendo em conta os materiais, a tecnologia e a sua funcionalidade.
CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS
Traçados geométricos; Desenho à Escala, Desenho de letra; Leis da composição ornamental;
História da arte e do ornamento e Teoria da Cor. Conhecimento da tecnologia artística a que
se destine o exercício (no caso do ensino técnico).
PROCESSO
Estilização em execução bidimensional ou tridimensional (modelação no ensino técnico).
MEIOS DE EXPRESSÃO
Lápis, Lápis de Cor, Sanguínea, Pastel, Aguarela, Guache, Barro, Gesso, etc.
117
5.5 Manuais Escolares
204
Decreto Lei 37:112 de 22 / 10 / 1948 – DG 247, I Série. P. 1173.
205
Adolfo Faria de CASTRO; Rodrigo Faria de CASTRO: Desenho Livre. 1º ciclo dos liceus. Santarém, Tip. Dias Ferreira, 1950;
Desenho. 2º ciclo dos liceus. Lisboa. Oficinas gráficas da Papelaria Fernandes.1950; Manuel FILIPE: Compêndio de desenho para o
segundo ciclo dos liceus. Lisboa. Liv. Popular Francisco Franco. 1955 (este autor e professor de Desenho foi um pintor associado à
corrente do Neo-Realismo, e sofreu a perseguição do Regime devido às suas opções políticas e ideológicas);
M.M. de Sousa Calvet MAGALHÃES: O segundo ano de Desenho do Ciclo Preparatório. Lisboa, Tip. Silvas. 1951.
A. Alves PRUDENTE; Ramachondra Xencora NAIQUE: Compêndio de Desenho. Nova Goa. Dep. Artur & Viegas [reedições entre
1956-1961].
206 A aprovação dos compêndios de Desenho de Betâmio de Almeida (1º ciclo liceal) e de Helena Abreu e Pessegueiro Miranda (2º
ciclo liceal) como “livros únicos” é publicada, respetivamente, no Diário do Governo, nº 95, II Série, de 23 de abril de 1955 (pág.
2467) e no DG nº 110, II Série, de 8 de maio de 1968.
118
Betâmio de Almeida, inspirador deste programa e seu aplicante enquanto autor do
manual de Desenho para o 1º ciclo após esta Reforma, deixa clara a didática do Desenho
Livre na forma como organiza o próprio compêndio.207 Neste sentido, procede à
contextualização das aprendizagens apresentando reproduções de trabalhos realizados
pelos alunos, escolhendo temas correspondentes às vivências e aos interesses dos jovens
da faixa etária a que o manual se destina e utiliza um discurso direto e amigável, cuja
intenção é uma evidente aproximação aos educandos.
Esta mesma preocupação pela contextualização dos conteúdos verifica-se no capítulo
dedicado à Composição Decorativa, onde o autor começa por introduzir noções
históricas sobre as artes decorativas, eruditas e populares, dando exemplos concretos da
sua aplicação com fotografias apropriadas (Fig.26). Os exemplos são bastante ecléticos:
rendas, bordados, tapeçaria, faiança, o azulejo na arquitetura, em monumentos e em
edifícios modernos, elementos estruturais onde se aplicam as leis da composição
decorativa, e mosaicos de caráter abstrato e geométrico com que os prédios das novas
avenidas eram decorados.
A Composição Decorativa teria por finalidade a conceção e realização de projetos para
uma aplicação concreta. Betâmio dedica uma única estampa à exemplificação deste tipo
de aplicações (mosaicos, tampa de caixa, babete bordado, calendário (Fig. 27), deixando
liberdade ao professor e aos alunos para encontrar outras soluções.
Fig. 26. Compêndio para o 1º Ciclo do Ensino Liceal, Fig. 27. Compêndio para o 1º Ciclo do Ensino Liceal,
Betâmio de Almeida, 1966. Betâmio de Almeida,1966.
207
Ver Anexo B.5.
119
O conceito de Desenho Livre é apresentado na primeira página do compêndio nos
seguintes termos:
Deu-se o nome de Desenho Livre àquela modalidade de desenho em que tu, rapazinho ou
menina que pegaste neste livro, podes representar numa folha de papel, usando apenas o
lápis, ou, o que é preferível, utilizando tintas, aquilo que te impressionou, aquilo de que te
recordas mais vivamente. Ou então: aquilo que não viste, que pode mesmo não existir, mas
que tu imaginas. Não ponhas no teu desenho livre, nada que já viste representado num papel.
Procura desenhar como tu és capaz, sem te poupares ao esforço de o teu trabalho resultar o
que te parece o melhor possível. Não copies coisa alguma, um bom desenho livre é o que
revela uma forma nova e pessoal de ver ou de imaginar uma coisa.
Deves preferir as tintas a qualquer outro meio. As cores “prendem” mais a nossa atenção.
Pinta com as cores que mais gostares e pensa que uma pintura deve, acima de tudo, ser
agradável aos olhos e não copiar fielmente qualquer coisa.
Este texto é ilustrado com uma pintura legendada nos seguintes termos: tema ou título:
“Aldeia”; género: “rapaz”; e a idade do aluno:“12 anos e onze meses” (Fig. 28), como o
serão aliás todas as reproduções de trabalhos realizados pelos alunos. Esta
particularidade representa um dos critérios de avaliação utilizados pelo professor, que
seria a aferição do desenvolvimento gráfico dos alunos de acordo com a sua idade.
Fig. 28. Compêndio para o 1º Ciclo do Ensino Liceal. Betâmio de Almeida, 1966.
120
atendendo aos planos de proximidade e afastamento, e o esboço prévio ou a ordem da
pintura .208
A opção metodológica do autor parece corresponder ao momento de transição que os
alunos sofrem ao passar do 1º para o 2º ciclo, mais propriamente e dentro da lógica do
desenvolvimento gráfico infantil, de uma fase caraterizada pela expressão livre, durante
o 1º ciclo, a uma outra, a acontecer por volta do 3º ciclo e que se caraterizará por um
“logicismo” crítico, e que requerá uma orientação por parte da escola. Betâmio de
Almeida acredita firmemente que só a orientação do professor pode desenvolver no
aluno, a consciência estética e as potencialidades criadoras209. Neste sentido, pensamos
que ao organizar o Compêndio para o 1º Ciclo Liceal, o autor terá refletido acerca dos
aspetos mínimos, mas essenciais, a transmitir aos alunos, no que diz respeito a regras de
composição e canônes na representação do corpo humano.
Em primeiro lugar, o autor do compêndio, colocando-se no papel do professor em
situação real, começa por captar a atenção dos alunos para temas ou assuntos de
marcado interesse infantil (Paisagem; Festas; Figura Humana; Animais; Trabalhos do
Campo; Trabalhos da Cidade; Profissões; Desportos; Transportes; Fantasias; Das casas).
Para cada um destes assuntos dá algumas ideias que serviriam de incentivo aos alunos e
permitiriam avivar lembranças e analogias.
Exemplo:
“FANTASIAS
Uma cidade chinesa – Uma gruta fantástica – Uma floresta pré-histórica – Um barco de
piratas – Num jardim estava uma fada – Aves ou peixes de fantasia.
Sabes, pequeno leitor, nestes temas ainda se pode dar maior liberdade à imaginação do que
nos outros. As figuras e as coisas podem ser exageradas e coloridas de modo a conseguir-se
uma impressão mais intensa. (1º ano: p. 18).
Betâmio coloca-se também no papel do professor que não tem todas as soluções e pede
ajuda aos alunos, ou que não é indiferente, manifestando preferências. Exemplos:
“ANIMAIS
Cavalos a pastar – Cenas de hipismo – Cães caçando.
Confesso-te, pequeno leitor, que não me lembro de mais assuntos onde figurem animais. Mas
tu, por certo, com a tua imaginação és capaz de descobrir melhores assuntos” (2º ano: p.
103);
208
Os dois primeiros aspetos: sugestão temática e orientações no uso dos materiais, são abordados de forma idêntica por Calvet de
Magalhães no seu artigo “Síntese das Etapas na Educação pela Arte” (Boletim das Escolas Técnicas, nº38, 1966: 51-63), onde em
tabela, dividida por idades e correspondentes níveis escolares, propõe uma taxionomia de comportamentos em matéria de ensino-
aprendizagem desde a 1ª infância até aos 19 anos de idade. Calvet situa o 1º ciclo liceal numa fase de transição entre um período
determinado pela fantasia e outro caraterizado pelo surgimento do pensamento critíco e analítico. A grande diferença relativamente à
proposta de Betâmio de Almeida, é que propõe meios de expressão muito diversos.
209
Educação Estético-Visual no Ensino Escolar: 8, 9.
121
“TRABALHOS DA CIDADE
Os operários que saem da fábrica – A pintura dum prédio – Um polícia orientando o
trânsito.
Confesso-te que eu destas sugestões gosto, particularmente, da segunda, por causa dos
efeitos que se podem tirar dos andaimes.” (2º ano: p.103).
De facto, Desenho Livre não significa deixar o aluno entregue a si mesmo, pois ao
professor competia a tarefa de orientar e estimular. As orientações ao nível da execução
das pinturas passam por um ensino muito claro. Socorrendo-se de exemplos visuais
(Figs. 29 e 30), são explicados princípios de composição elementares que vão introduzir
o aluno num tipo de representação típica do realismo visual conforme se esperaria, de
acordo com os parâmetros do desenvolvimento gráfico infantil, a partir desta fase etária.
Fig. 29. Compêndio para o 1º Ciclo do Ensino Liceal. Betâmio de Almeida, 1966.
Fig. 30. Compêndio para o 1º Ciclo do Ensino Liceal. Betâmio de Almeida, 1966.
122
Os três caminhantes, com um saco às costas, mostram como as coisas e os seres quanto mais
afastados estão de nós mais pequenos nos parecem, e como os seus contornos e cores menos
nítidos se apresentam.”210
Com a didática do Desenho Livre é erradicada a aprendizagem da perspetiva linear, uma
metodologia demasiado complexa e racional para o 1º ciclo. Betâmio de Almeida opta
por fazer a abordagem ao espaço com exemplo de perspetiva aérea, o que se revela
muitíssimo mais adequado aos alunos destas idades, para os quais esta observação se
realiza duma forma intuitiva.
A representação da figura humana acontece naturalmente na expressão espontânea da
criança, logo ela estará presente no Desenho Livre. No segundo ano, tentar-se-ia
desenvolver esta representação, trazendo as figuras para o primeiro plano e imprimindo-
lhes a sugestão de movimento, pelo que o compêndio oferece um breve apontamento
visual sobre proporções, posições e partes do corpo humano, de acordo com o Canône
clássico (Fig. 31), procurando dar algumas bases para o ínicio de um tipo de
representação, conforme se esperaria ou se acha necessário desenvolver nesta fase etária,
correspondente ao surgimento do realismo na expressão gráfica da criança.
Fig. 31. Compêndio para o 1º Ciclo do Ensino Liceal. Betâmio de Almeida, 1966.
210
Compêndio de Desenho de Betâmio de Almeida para o 1º ciclo liceal: 13.
123
5.5.2 O Compêndio de de Helena Abreu e F. Pessegueiro Miranda para o 2º
ciclo liceal
O Compêndio de Maria Helena Abreu e Fernando Pessegueiro Miranda apresenta uma
organização idêntica ao Compêndio de Betâmio de Almeida, se bem que os autores não
separem as matérias por anos de escolaridade. Na introdução aos conteúdos, verifica-se
a preocupação em referir os conhecimentos que se esperariam ter sido obtidos no ciclo
anterior, criando assim uma relação de continuidade entre as aprendizagens e um ponto
de partida para o desenvolvimento das matérias. Este compêndio cumpre as diretrizes do
programa oficial e supera-o graças às capacidades interpretativas, opções estéticas e
conhecimentos artísticos dos seus autores. Observa-se, pela primeira vez num
compêndio de Desenho, a representação do sexo feminino como sujeito da
aprendizagem.
Fig. 32. Compêndio de Maria Helena Abreu e F. Pessegueiro de Miranda para o 2º Ciclo do Ensino Liceal, 1972.
211
Ver Anexo B.6.
124
O “Ponto de Vista” do observador relativamente ao objeto observado e as diferenças
entre a forma real e a forma aparente de um mesmo objeto (Fig.32), são as principais
noções que sustentam a compreensão da perspetiva, um aspeto revelador da intenção dos
autores em valorizar uma abordagem interpretativa e dinâmica da representação visual.
Além do desenho de observação direta, incentiva-se o desenho de memória pelo facto de
este permitir reter as imagens no cérebro, sublinhando-se a importância do esboço como
auxiliar da memória visual. Propõem-se exercícios de complexidade progressiva, numa
ordem que começaria pela representação de objetos comuns de expressão plana,
seguidos de objetos com formas poliédricas e, finalmente, de objetos com formas de
revolução, completadas pelo sombreado monocromático ou colorido.
Para a execução do desenho à vista, são dadas noções práticas em tudo idênticas àquelas
que têm sido referidas desde Theodoro da Motta o que representa, a nosso ver, a
estabilidade dum procedimento pedagógico com uma longa tradição:
- observar o modelo a uma certa distância
- desenhar a forma global a partir duma síntese geométrica e marcar os eixos
estruturais; - colocar o desenho no centro do papel;
- tirar as medidas e as proporções por comparação visual (Fig.33).
Fig. 33. Compêndio para o 2º Ciclo do Ensino Liceal. Maria Helena Abreu e Pessegueiro Miranda, 1972.
125
Fig. 34. Compêndio para o 2º Ciclo do Ensino Liceal. Maria Helena Abreu e Pessegueiro Miranda, 1972.
Fig. 35. Compêndio para o 2º Ciclo do Ensino Liceal. Maria Helena Abreu e Pessegueiro Miranda, 1972.
212
Compêndio de Helena Almeida e Pessegueiro Miranda, 2º Ciclo liceal, p. 68.
213
Idem, p. 70.
127
Programa de Desenho. Referimo-nos à Arte Publicitária, onde se inclui a realização do
cartaz e do logotipo, nos quais se aplicariam os princípios da composição já enunciados
e a letra artística, conteúdo igualmente tratado no 1º ciclo mas a um nível elementar
(Fig. 35).
Desde meados do século XIX que a disciplina de Desenho se regula por um sistema de
conteúdos estabilizados: o desenho geométrico, o desenho à vista e a composição
decorativa, ainda que, conforme observamos ao longo deste período, vão mudando as
metodologias de ensino, de acordo com as conceções que cada época vai formulando.
Os Compêndios de Betâmio de Almeida e de Helena Abreu e Pessegueiro Miranda,
representam simultaneamente o corolário e o fim de um ciclo na disciplina de Desenho
no sistema público de ensino.
A análise dos programas para a disciplina de Desenho e suas modalidades, nos sistemas
de ensino técnico e liceal, permitiu-nos observar uma considerável coincidência de
conceitos e procedimentos pedagógicos, a que os estudiosos das correntes artísticas da
educação atribuem a designação de “Modelo Expressivo”214. Este facto levou-nos
concluir que, a partir da Reforma de 1948, se entra num período de convergência entre
estes dois sistemas de ensino ao nível do 1º ciclo do curso geral, cujo consenso gira à
volta das teorias da Psicologia do Desenvolvimento. Estas, já anunciadas no período da
1ª República com o movimento da Escola Nova, têm agora, uma vez ultrapassada a 2ª
Guerra Mundial, o momento propício para a sua implementação. Sendo assim,
consideramos que estamos em presença de um sistema que apresenta as seguintes
características:
Promove um ensino mais formativo que informativo: Mais intuitivo e experimental,
em particular nos primeiros anos da escolaridade, com maior incidência na expressão do
sujeito do que na aquisição de conhecimentos formais. Dentro da lógica experimentalista
e funcional do ensino técnico, agora também alargada ao ensino liceal, estabelecem-se
objetivos com incidência no processo de ensino, mais do que nos conteúdos ou nas suas
temáticas, uma vez que estas haveriam de ser enquadradas pelos centros de interesse dos
alunos e desenvolvidas a partir dos pré-requisitos, conhecimentos e competências
adquiridas. Na nossa opinião, parece-nos igualmente merecedora de destaque a
deslocação de uma intenção educativa predominantemente profissionalizante no ensino
214
Ver FRÓIS, 2005: Cap.2; Carolina SILVA, 2010: págs. 14-16.
128
técnico, para outra de natureza formativa e moral onde a formação cultural passará a ser
considerada.
Promove a interdisciplinaridade e a abertura à comunidade: As atividades “circum-
escolares” – Oficinas, Bibliotecas, Visitas de Estudo, Sessões Culturais, Festas
Escolares, Exposições, o Cinema e a Atividade Coral – são entendidas como atividades
coadjuvantes do ensino e como meios educativos215.
Promove a estetização do meio escolar: De acordo com Fróis, pela Educação Estética
(fruição / criação) pode educar-se a pessoa a ter bom gosto, a criar um ambiente
agradável e a adornar tanto os seus atos, como as suas produções, dando-lhe um aspeto
atrativo e prazenteiro, capaz de levar os outros e o próprio a gostar216.
No ensino liceal, a pedagogia para a sensibilidade e apreciação estética era realizada nos
últimos anos do curso geral, tendo como motivos a arte monumental e histórica ou, no
caso do ensino técnico, abordando a arte e o artesanato. Com esta reforma, e sobretudo
no 1º ciclo, onde o modelo expressivo se faz sentir mais acentuadamente, a educação
estética é considerada um fator de estimulação, passando sobretudo pela criação de
atmosferas espaciais envolventes e pela seleção de bons condutores (temas ou modelos)
do processo de ensino-aprendizagem217. Ela é igualmente suscitada através de
exposições na sala de aula e de concursos e exposições gerais de alunos, que se
tornariam uma prática comum, dentro e fora da escola218. A relação entre a estimulação
e a educação estética tem igualmente visibilidade nos manuais escolares da disciplina de
Desenho do Ensino Liceal, para os quais se dão orientações nesse sentido desde 1930.
O livro de desenho deverá ser para o aluno, não só um elemento de informação, mas
também um factor importante da sua educação estética. (…). Deverá ter as figuras muito
bem desenhadas, cheias de expressão e cuidadosamente ordenadas, de maneira a
apresentarem um conjunto agradável, e apresentará um bom aspecto gráfico, quer no
215
O “Serviço circum-escolar”, criado pelo Dec. nº 20: 741 de 11 de janeiro de 1932, é reafirmado pela Reforma de 1947-48,
através de detalhada regulamentação e nos mesmos termos para o ensino liceal e para o ensino técnico (Estatuto do Ensino Liceal:
Decreto nº 36 508 de 17 de setembro de 1947. DG nº 216, I Série (Trabalhos circum-escolares. Capítulo XIII, p. 919). Estatuto do
Ensino Industrial e Comercial: Dec. Lei nº 37 029, (Das actividades circum-escolares. Capítulo XXIV. Pp. 888-889). Os
Regulamentos dão indicações precisas para cada uma destas atividades, cujos objetivos pedagógicos e educativos se adequariam aos
dois sistemas de ensino, contemplando as suas subtis diferenças. Para o ensino técnico destacamos os seguintes fragmentos do
Decreto nº 37 029: Em cada escola deve existir uma biblioteca composta de obras que interessassem ao aperfeiçoamento técnico e
profissional dos alunos (Art. 524º); As visitas de estudo a estabelecimentos fabris e industriais, exposições, feiras de amostras,
museus, bibliotecas, monumentos, lugares de interesse geográfico ou científico, destinar-se-iam a completar o ensino feito em aula
ou em oficina (Art. 528º); As festas escolares, paralelamente aos seus objetivos religiosos, de educação artística e social, deveriam
proporcionar a expressão nacional dos alunos (Art.532º). Para o ensino liceal, as visitas de estudo, quer na localidade onde se
situasse o liceu, quer a outras localidades, deveriam ser objeto de palestras por parte dos professores e exercícios dos alunos. As
visitas aos museus e aos monumentos nacionais aproveitar-se-iam para “ministrar o conhecimento dos padrões da história pátria,
como motivo de instrução geral e de educação cívica”. As sessões culturais, sob a forma de palestras feitas pelos professores, por
médicos escolares e pessoas estranhas aos liceus, ou ainda por alunos excecionalmente dotados, visariam de modo particular “o
conhecimento do Império Colonial, factos culminantes da história pátria, a arte portuguesa e as vantagens da educação física”.
216
Fróis (2005): pág.82.
217
Portaria 13 800: pp.30-31.
218
M.M. Calvet de Magalhães (1960): “Educação pela Arte”. Boletim das Escolas Técnicas, nº25, Direção Geral do Ensino Técnico
Profissional. Pp. 15-46. Apresenta na bibliografia uma extensa lista de exposições escolares e respetivos organizadores.
129
papel, quer na impressão. Convém não perder de vista o objetivo fundamental do livro
de desenho que é o facultar ao aluno conhecimentos das questões mais por meio da
visão do que por meio da memória.219
Efetivamente, tanto o Compêndio de Betâmio de Almeida, para o 1º ciclo liceal, como o
de Maria Helena Abreu, para o 2º ciclo, são exemplares no cuidado com a imagem e a
ilustração dos textos. No primeiro caso, acrescenta-se a utilização inédita de trabalhos
das próprias crianças como referência e motivação para o desenho livre.
Promove uma mudança na atitude do professor: O modelo educacional que rege a
presente Reforma confirma a posição central do professor no processo de ensino-
aprendizagem, uma vez que este é responsabilizado pelo sucesso ou insucesso do
processo que conduzirá ao despertar da expressão pessoal do aluno. Além das
competências académicas, seriam necessárias competências pedagógicas,
designadamente o conhecimento da psicologia do desenvolvimento e a sua relação com
as características do grafismo infantil. Nas disciplinas de Desenho e suas modalidades, e
em Trabalhos Manuais, o professor é convidado a deixar a atitude autoritária de detentor
e transmissor de saberes, a deixar de ser aquele indivíduo que corrige e penaliza, para se
tornar um guia iluminador, afetuoso e com capacidade para desenvolver a confiança e a
empatia dos alunos. O professor deveria excitar, mais do que criticar, propor mais do
que impor, regular-se pelo procedimento dos seus alunos e adaptar-se às suas
necessidades em vez de os regular pela sua medida220.
A atitude mais importante do professor seria a de sugerir. Sugerir o material que se
coadunasse com a maneira de ser do aluno, o assunto mais interessante, os elementos
que valorizassem sob o ponto de vista estético, as cores que tornassem o trabalho mais
belo e a eliminação de um ou outro pormenor que prejudicasse o conjunto da obra221. O
professor deveria ainda fornecer esclarecimentos e elementos documentais de modo a
manter o interesse e o entusiasmo pelo trabalho. Neste sentido, enquanto no ensino liceal
se recomendam especiais cuidados na conceção do manual escolar, no ensino técnico
apela-se a que o professor disponha de uma coleção de gravuras abundante e variada e
utilize projeções luminosas.
A organização do processo de ensino-aprendizagem é centrada no aluno: A grande
mudança operada por esta Reforma é, como afirma Penim, a passagem de uma
fundamentação centrada na nação para outra centrada na criança.222 A flexibilização
programática, apanágio do ensino técnico por via da adequação às necessidades e
caraterísticas locais, passa a ter no aluno o principal argumento. Ele deixa de ser
entendido como um “depósito vazio” que a escola tem de preencher e modelar com
219
Relativamente a este assunto pedemos observar a repetição do mesmo texto, quer no Decreto Lei nº 18:885 de 27 de setembro de
1930, p. 2022, quer no Decreto 37: 112 de 22 de outubro de 1948, p. 1173.
220
Portaria 13 800: pp.30-31.
221
Decreto nº 37: 112 de 22 de outubro de 1948 (Programas para o Ensino Liceal): pág. 1170.
222
Lígia PENIM, 2008: pág. 188.
130
conhecimentos e competências, para passar a ser entendido como um ser “no mundo” e
“com mundo,” ao qual se deverá dar uma atenção individualizada. A fim de equilibrar
esta vertente de subjetividade, os enunciados programáticos, genericamente, sugerem
que se parta dos “centros de interesse” dos alunos (temas e situações reais) para o
processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo momentos de resolução de problemas.
Na execução dos programas, recomenda-se que se facilite, tanto quanto possível, a
manifestação das tendências e aptidões especiais dos alunos, com o fim de os orientar na
escolha das profissões. Ao professor competiria a realização de um diagnóstico “clínico”
relativamente às capacidades e tendências vocacionais manifestadas, de modo a orientar
o processo de ensino-aprendizagem e a via profissional mais adequada223.
Promove uma abordagem lúdica dos conteúdos: Com o objetivo de criar uma
aproximação ao universo dos alunos, e tendo em conta as caraterísticas de cada fase
etária, promove-se a “pedagogia da descoberta”, dando-se uma imagem da escola e do
estudo como uma aventura com um “roteiro” e um percurso a empreender.224 No ensino
do Desenho, os temas e os referentes passam a ser escolhidos em função dos interesses
do aluno e em aproximação com o seu mundo subjetivo e imaginário, mas também com
o meio ambiente e os objetos com os quais está familiarizado. O desenho geométrico é
um dos casos mais evidentes da estratégia lúdica, conforme se pode verificar nos
Compêndios de Betâmio de Almeida e de Helena Abreu (Fig.36).
223
Para cada aluno seria organizada uma ficha destinada ao registo de todos os elementos que pudessem interessar na sua orientação
profissional. Esses registos, feitos por professores e mestres e pelo médico escolar, de acordo com perfis psicológicos e escolares,
pretendiam o apuramento dos tipos e respetivas diferenças individuais. A escola contaria ainda com o apoio do Instituto de
Orientação Profissional, criado em 1925 por Faria de Vasconcelos.
224
Conclusões retiradas a partir da análise transversal dos programas para o Ciclo Preparatório do Curso Industrial in: Apêndice 3.
131
Fig. 36. Compêndio de Desenho para o 2º Ciclo do Liceu, de Helena Abreu e Pessegueiro de Miranda. 1972.
132
6 Período de Transição nos anos 60
6.1 Enquadramento
O período a que chamamos de “transição” corresponde ao início da abertura de Portugal
ao mundo e à emergência de uma sociedade em vias de modernização, com
consequências assinaláveis na vida social e cultural. Relativamente a esta última, há que
referir as novas configurações e instituições que se afirmam no campo artístico, o
aprofundamento do movimento de “Educação pela Arte” e o surgimento de conceitos
como o de design, que vem legitimar um tipo de atividade exercida por artistas e
arquitetos, bem como revolucionar práticas na educação.
133
Em termos sociais, segundo os dados do INE, a aceleração económica teve início em
1959, dando azo a uma década que se caraterizou pela Industrialização, crescimento
económico, emigração maciça interna e externa, e guerra colonial.225 Pode dizer-se que
a década de 60 foi um período de crescimento económico rápido e de importantes
alterações na estrutura produtiva, com importância crescente da indústria em relação à
agricultura e dos ramos industriais modernos em relação aos ramos tradicionais e à
indústria ligeira. O principal motivo desta aceleração terá sido, segundo Rocha226, a
abertura de Portugal ao exterior, consequência do pós-guerra que se traduziu num maior
investimento estrangeiro e na expansão dos mercados externos. Esta é a imagem que nos
oferece o meio urbano. Lisboa e Porto são, com as suas periferias, os locais
privilegiados da indústria pesada e dos serviços, e os lugares de modernização de
Portugal Continental. No entanto, à margem de algumas restritas áreas socialmente
privilegiadas nas quais os diversos elementos utilitários da civilização moderna
atingiram já uma notável difusão, perdura e estende a toda uma zona social mais
extensa, condições e formas de civilização tradicionais.227 Pois, ainda que o setor
primário tenha perdido posição para o setor industrial, no final da década de 70, a
população ativa no setor primário era de 30%, a mais alta da Europa da OCDE.
Em 1960, o ensino secundário registava um total de 209.283 alunos, dos quais 111.821
frequentavam o ensino liceal e 97.462, o ensino técnico. No final desta década, começa
uma fase de grandes transformações no ensino em Portugal, que teve como principal
consequência a sua rápida expansão e massificação. Fruto dessa expansão, a frequência
do ensino secundário por mais de 404 mil alunos em 1970. Três anos depois, atingia os
592.400 alunos. Face à carência de professores para o ensino secundário, modificam-se
profundamente as condições de acesso à efetivação: acaba a discriminação entre os
sexos e extinguem-se também o exame de admissão e o pagamento de propinas,
passando os professores estagiários a ser equiparados, para efeitos remuneratórios, aos
professores eventuais228.
Estas medidas permitiram a entrada no corpo docente de professores com muitos anos
de experiência profissional, mas afastados do ensino por diversos motivos, entre os quais
o facto de serem considerados politicamente adversos ao regime ou o de terem
licenciaturas sem a tese concluída, atribuindo-se-lhes a designação de licenciandos.
Apesar das alterações sociais ocorridas nas décadas de 50 e 60, a vida política
portuguesa mantém as grandes linhas do regime, acentuando-se o estado de vigilância.
Algumas mudanças surgem involuntariamente, como a queda de Salazar em 1968 e a
sua substituição por Marcelo Caetano nesse mesmo ano. A partir de finais da década de
225 Edgar ROCHA (1977): Portugal, anos 60. Crescimento económico acelerado e papel das relações com as colónias. Análise
Social, Vol. XIII (51; 3º), pp. 593-617.
226 Idem: pág. 595.
227 Mário MURTEIRA (1993): Um olhar (dos anos 60) sobre Portugal. Análise Social, Vol. XXVIII (123-124: 4ª e 5ª), pp. 745-
752.
228 Dec.-Lei 48.868.
134
50, com a campanha de Humberto Delgado, o país começara a dar sinais de
insurgimento contra o regime, em iniciativas pontuais mas significativas. O ano de 1961,
pela sua conflituosidade,229 é já revelador de uma sociedade com desejo de mudança.
Uma mudança a que o Regime resiste desencadeando a guerra colonial.
229 São diversos os acontecimentos que evidenciam a contestação ao regime vigente: ataque ao navio Santa Maria; assalto às prisões
de Luanda; tentativa de golpe de Botelho Moniz; resolução da ONU condenando a política africana de Portugal; a União Indiana
invade Goa, Damão e Diu; revolta de Beja; 1ª crise estudantil.
230 Decreto-Lei nº 47.480, de 2 de janeiro de 1967 (fundamenta a criação do Ciclo Preparatório e alarga a escolaridade obrigatória)
e Decreto nº 48546 de 27 de agosto de 1968 (coloca em paridade os ensinos elementar primário, direto ou em telescola, com o curso
do Ciclo Preparatório).
135
programas do 1º ciclo do ensino liceal e do ciclo preparatório do ensino técnico já
pouco diferissem entre si, havia entre eles acentuada diferença de métodos e de espírito,
assumindo caráter mais cultural o ensino nos liceus e mais prático o ministrado nas
escolas técnicas.
Considerando também os aspetos psicológicos da criança na pré-puberdade (10-12
anos), não seria aconselhável, desse ponto de vista, um corte demasiado profundo no seu
estádio evolutivo. Por consequência, cria-se, com este novo ciclo de estudos, um modelo
de transição entre a escolaridade primária e o curso geral do ensino secundário.
Relativamente à sua duração, considerou-se principalmente a questão prática da
articulação com o já existente ensino primário complementar (5ª e 6ª classes), tanto mais
que, enquanto a rede escolar não fosse devidamente alargada, este iria continuar em
paralelo e apoiado pela televisão (a telescola havia sido implementada em 1965).
Eliminou-se o exame de admissão ao ensino secundário, bastando o exame da 4ª classe.
O plano de estudos e os programas das diversas disciplinas haviam de ter um caráter
unitário, prevendo-se conjuntos disciplinares de modo a corresponderem às modalidades
fundamentais dos estudos posteriores e a tornarem mais fácil e segura a orientação
escolar. Passariam a designar-se “Escolas Preparatórias do Ensino Secundário” aquelas
que fossem criadas exclusivamente para este fim, prevendo-se uma escola preparatória
em cada concelho. Enquanto isso não aconteceu, o Ciclo Preparatório, com o seu
programa específico e comum, foi ministrado indiferenciadamente nas escolas
industriais e comerciais e nos liceus existentes.
Após a conclusão deste ciclo de estudos, o aluno submeter-se-ia a um exame de aptidão
ao ramo de ensino secundário (liceal ou técnico) pelo qual optara. Para os alunos que
não desejassem prosseguir estudos, a habilitação do ciclo preparatório seria obtida
mediante exame de fim de ciclo.
Estatuto do Ciclo Preparatório e Plano de Estudos
O Ciclo Preparatório começou a funcionar no ano letivo 1968-69, ano em que se
publicam também o seu Estatuto e Programas231. Pelo primeiro estabelecem-se as
finalidades deste ciclo de estudos conforme enunciadas anteriormente, a que acresce a
seguinte redação:
O ensino do ciclo preparatório, como a educação em geral, deve orientar-se pelos princípios
da doutrina e moral cristãs tradicionais do país e promover a integração nos valores
espirituais e culturais permanentes da Nação, estimulando a devoção à Pátria, o sentido da
unidade nacional, a valorização da pessoa humana, dentro de um espírito de justiça social,
de respeito da sãs tradições, de adaptação às circunstâncias dos tempos modernos e das
várias parcelas do território português, de compreensão e solidariedade internacionais.232
231
Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário: Decreto nº 48 572 de 9 de setembro de 1968. D.G. nº 213, I Série.
Programas do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário: Portaria nº 23: 601 de 9 de setembro de 1968. D.G. nº 213, I Série.
232
Decreto nº 48 572, pág. 1343.
136
Apesar de estarmos em finais dos anos 60, e apesar das emergências políticas, sociais e
culturais que vão ocorrendo em Portugal, no Ultramar e pelo mundo fora, o discurso
político e ideológico do Regime mantém-se firme nas mesmas convicções que havia
definido como linhas de orientação desde os anos 30. O nacionalismo com as suas
matrizes identificadoras, incluindo a doutrina cristã, o fechamento ao exterior e a
diplomacia política são as estratégias encontradas para resistir à pressão dos tempos.
Na organização do Ciclo Preparatório, o plano de estudos contempla cinco conjuntos
letivos agrupados de acordo com as seguintes designações: Formação Espiritual e
Nacional; Iniciação Científica; Formação Plástica; Atividades Musicais e
Gimnodesportivas e Linguas Estrangeiras233.
A Formação Plástica compreende o Desenho (2 horas semanais no 1º ano e uma hora
no 2º ano) e os Trabalhos Manuais (1 hora semanal no 1º ano e 2 horas no 2º ano), se
bem que em disciplinas separadas, contrariamente ao que vinha acontecendo desde o
início dos anos 50. O programa de Desenho começa a evidenciar sinais de rutura com a
tradição, nomeadamente por uma certa confusão que irá surgir na direção da disciplina,
tendo em conta uma clara desadequação entre os novos objetivos e os conteúdos
anteriores. Para acentuar este conflito, é alargado o conceito de “recurso educativo”,
surgindo pela primeira vez na redação programática, uma secção dedicada aos
“instrumentos didáticos”, sendo assim classificados: compêndios, livros de texto e outros
livros de consulta, quadros, mapas, tabelas, gráficos, exemplares e modelos,
instrumentos de observação, medida e traçado, material audiovisual, máquinas,
aparelhos e ferramentas, e ainda outro material de trabalho ou demonstração
preparado pelos professores e pelos alunos, ou adquirido.234
Neste sentido, os compêndios deixam de ser considerados como meio exclusivo na
orientação do ensino, no caso da disciplina de Desenho, ele é mesmo suprimido235. Em
articulação com os instrumentos didáticos, referem-se igualmente as condições para o
ensino, preconizando-se que as salas de aula sejam organizadas de acordo com as
necessidades específicas de cada disciplina, de modo a permitir a utilização fácil dos
instrumentos didáticos e dos dispositivos apropriados à realização de um ensino ativo e
prático.
233
Idem. Ib. Formação espiritual e nacional (Tem como objetivo específico a valorização humanística dos alunos, a progressiva
tomada de consciência da origem e valor da comunidade nacional e uma implantação mais fecunda dos valores religiosos, base de
uma aceitação e de uma prática conscientes das normas morais);
Iniciação científica (Tem por finalidade despertar o interesse pela compreensão dos fenómenos naturais e iniciar na prática da
investigação experimental dentro da disciplina de raciocínio que enforma toda a ciência);
Formação Plástica (Destina-se ao cultivo das representações estéticas e das atividades plásticas, ao desenvolvimento da
sensibilidade e à iniciação no domínio dos materiais e na utilização e coordenação das forças naturais);
Atividades musicais e gimnodesportivas (Visa cultivar o sentido do ritmo e o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das
forças sensoriomotoras);
Línguas estrangeiras (Propõe-se fazer a iniciação no emprego de meios de compreensão e convívio internacionais).
234
Idem: Art. 97º, pág. 1350.
235
Idem: Arts.98º e 99º
137
Aparentemente inóquas, estas alterações irão provocar uma mudança significativa no
entendimento da escola e do seu papel formativo, passando a caber cada vez mais aos
professores, face à disponibilidade de opções, a seleção das matérias e dos recursos
educativos, a escolha das metodologias e a orientação do ensino, favorecendo um clima
de experimentalismo, que certamente não estaria previsto no discuso oficial.
236
Idem (Decreto nº 48 572): pág. 1413.
237
Idem: pág. 1412.
138
longo do ano letivo, a que dá as designações de “exercícios iniciais”, “exercícios de
continuação” e “exercícios finais.” 238 O facto de cada atividade dever corresponder a
uma única sessão (110 minutos ininterruptos) inviabiliza um tipo de exercício ou um
eventual projeto mais prolongado no tempo.
I. Exercícios iniciais (1º ano: desenho livre; desenho interpretativo; desenho de memória
e desenho geométrico; 2º ano: desenho do natural, desenho decorativo e desenho à
vista);
II. Exercícios de continuação (1º ano: desenho livre, desenho interpretativo e desenho
geométrico no 1º ciclo; 2º ano: desenho à vista e desenho geométrico);
III. Exercícios finais (1º ano: desenho do natural e composições livres; 2º ano: desenho
do natural e desenho decorativo).
A “esquematização programática,” explicada a partir de “exemplos-tipo” decalcados do
Programa de Desenho do 1º ciclo do Ensino Industrial (1952), é mais uma evidência da
dificuldade em encontrar uma metodologia didática de acordo com princípios
enunciados, nomeadamente o desejo de quebrar rotinas, o encontro com pontos de
partida provenientes dos “centros de interesse” dos alunos ou temáticas
interdisciplinares, ou mesmo a contextualização a partir da observação do meio
ambiente.
Alguns aspetos já indiciados pela Reforma de 1948 acentuam-se agora:
- Menoriza-se a teorização (“interessa o que se faz, não como se o chama”) e, por essa
razão, nesta disciplina não haveria necessidade, nem de escrever os sumários das
lições, nem de caderno para os alunos. A atividade da aula seria documentada pelo
conjunto dos trabalhos de cada um deles. Neste sentido, e também com o objetivo de
quebrar as “receitas” e as rotinas escolares, não é recomendado nenhum compêndio
escolar, nem mesmo para o desenho geométrico.239
- No pressuposto de que o desenho traduz completamente a personalidade do
executante240, cria-se uma “ficha de orientação escolar” e precisam-se os critérios a
observar pelo professor no diagnóstico e avaliação contínua do aluno – capacidade,
inibições, atenção, memória, inteligência, coordenação motora e outros.241
Ponderadas as novas designações atribuídas às rubricas a desenvolver na disciplina de
Desenho, não existem, de facto, diferenças substanciais na orientação que havia sido
dada a esta disciplina pela Reforma de 1948-52, onde o fator de convergência fora a
consideração pelas caraterísticas específicas dos alunos neste ciclo de escolaridade,
tendo em conta as teorias do desenvolvimento.
238
Idem: pp. 1413 – 1415.
239
Idem, ibidem.
240
Idem, pág. 1411
241
Idem, pág. 1413.
139
Em síntese, pretendemos afirmar que a instauração do modelo expressivo na disciplina
de Desenho no ensino público português, considerando o período de 1948 a 1969, se
manifestou de forma regular nos seguintes aspetos:
- Entendimento do desenho como método clínico, psicopedagógico, de diagnóstico e
de avaliação das potencialidades e caraterísticas das crianças e dos jovens, com vista
a uma orientação individual e vocacional do ensino.
- Valorização de estímulos suscitando imagens interiores com ativação da imaginação
e da memória. Este tipo de expressão, no 1º ciclo, é contextualizado tematicamente,
mas interdita a observação direta de objetos e da realidade envolvente.
- Focagem na direção do processo de ensino-aprendizagem no aluno, com a
correspondente mudança de atitude do professor.
- Superação das indefinições quanto à orientação do processo de ensino-aprendizagem
por parte dos autores dos manuais escolares para o 1º e o 2º ciclos que, durante os
anos 50 e 60, realizam uma interpretação dos programas e encontram um fio lógico
neste processo, introduzindo a prática do enquadramento teórico e visual no ensino
dos conteúdos e das destrezas disciplinares, o que dá oportunidade à aquisição de
conhecimentos de natureza artística e cultural.
140
Quadro 3. Comparação entre as designações para as rubricas programáticas, referentes aos
programas do 1º ciclo do ensino técnico e do ensino liceal em 1948 e em 1967 com a criação do
Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
141
142
7 Fatores de Mudança (início dos anos 70)
Na sequência do período de transição, que se verifica a partir dos anos 60, iremos
abordar aquele que consideramos o fator determinante para o surgimento de novas
perspetivas na didática do desenho. Na nossa opinião, estas mudanças são o resultado da
dinâmica introduzida pela formação de professores e pelo contributo teórico e
pedagógico de alguns metodólogos relevantes. Este é portanto o primeiro aspeto que
trataremos neste capítulo.
O início dos anos 70 é marcado pela proposta de Reforma do Sistema Educativo de
Veiga Simão para a qual são convocados os professores mais destacados dos sistemas de
ensino técnico e liceal. Para a revisão curricular da disciplina de Desenho forma-se uma
comissão que dará origem a um misto de Programa e manual para os professores a que
se deu o nome de “Caderno do Professor do 5º Grupo”.
Analisamos, então, as principais linhas da Reforma Veiga Simão e os Programas para a
disciplina de Desenho: para o Ciclo Preparatório: “Caderno do Professor do 5º Grupo”;
para o 2º ciclo do Ensino Técnico: “Educação e Comunicação Visual”; e para o 2º Ciclo
do Ensino Liceal: “Educação Visual e Estética.”
Passamos à observação do manual para o 2º Ciclo do Ensino Liceal (“Educação
Artística”), de Maria Helena Abreu, publicado em 1973, pelo qual verificamos o
contributo desta autora para a formação estética e cultural dos alunos.
Fechamos este capítulo com um apontamento final, onde realizamos uma síntese
comparativa entre os diversos programas pela qual concluímos os aspetos em que estes
programas diferem dos anteriores e pelo acolhimento de novos conteúdos decorrentes
das teorias da perceção visual, nomeadamente os que dizem respeito à comunicação
visual e à sua gramática.
143
Pintura, Escultura ou Arquitetura; e aos de Trabalhos Manuais, os cursos de formação
do ensino técnico-profissional, nomeadamente o Curso de Artes Decorativas, das escolas
Soares dos Reis e António Arroio, o curso geral do liceu, ou ainda o curso de auxiliar
social. O facto de se aceitar uma desproporcionalidade na qualidade da formação inicial
e da formação pedagógica entre os professores de Desenho e de Trabalhos Manuais terá
sido, na nossa opinião, o início do desinvestimento numa área disciplinar que tem as
suas raízes nos princípios educacionais mais avançados do século XIX e que consta dos
nossos planos curriculares desde essa época. Além das já referidas, consideram-se ainda
habilitação académica para as disciplinas de Desenho e de Trabalhos Manuais, como
para os 1º e 4º grupos (Português e Matemática/ Ciências), a aprovação no Exame de
Estado do Magistério Primário e dois anos de serviço como professor provisório do
Ciclo Preparatório prestado em escolas públicas e classificado de Bom ou de Muito
Bom.
Quanto à obtenção da formação pedagógica, para os professores de Desenho
mantinham-se as mesmas condições que no passado, exigindo-se-lhes a frequência do
Curso de Ciências Pedagógicas, ministrado pelas Faculdades de Letras, e um estágio de
dois anos, realizado para este efeito em escolas preparatórias, a que se seguia um Exame
de Estado. Este modelo de formação, também alargado aos professores de Desenho do
ensino secundário técnico e liceal, é abordado por Ana Sousa na sua Dissertação de
mestrado242. A autora analisa as componentes teóricas da formação pedagógica
ministradas no Curso de Habilitação a Professores de Desenho dos Liceus nas Escolas
Normais Superiores (1915-1930) e no Curso de Ciências Pedagógicas nas Faculdades
de Letras de Lisboa e de Coimbra (1930-1974), concluindo que, para além da ausência
de articulação entre teoria e prática, este modelo não oferecia uma didática específica
que ensinasse os professores a planificar as suas atividades de ensino-aprendizagem, ou
mesmo a avaliar os alunos.243 O Estágio que se seguia a este curso obedecia a um
modelo de mimetismo entre mestre e formando, decorrendo sob estreita supervisão e
vigilância dos professores mais graduados do liceu244. E àqueles professores que não
tivessem oportunidade para realizar a sua formação pedagógica restaria, supomos, o
texto dos próprios programas e as “orientações programáticas” aí discriminadas.
Contudo, não podemos deixar de reconhecer igualmente o papel marcante de alguns
metodólogos na orientação da disciplina, particularmente entre os anos 50 e 70, nem tão-
pouco o das experiências pedagógicas ensaiadas em escolas selecionadas para o
efeito245. Mais: segundo Gandra do Amaral, (…) apesar da tentativa de domínio
ideológico e da repressão do regime, são conhecidos diversos exemplos (…) em que a
ação corajosa e abnegada de muitos professores procurou contribuir para o
242 Ana Isabel Tudela Lima Gonçalves de SOUSA. A Formação de Professores de Artes Visuais em Portugal. Mestrado em
Educação Artística. Universidade de Lisboa. Faculdade de Belas Artes. 2007.
243 Idem. Pp.130; 137.
244 Idem. P. 139.
245 Decreto-Lei nº 47 587, publicado no Diário do Governo nº 59, I Série, a 10 de março de 1967 (o Ministério da Educação
autoriza a realização de “experiências pedagógicas” em “escolas-piloto” designadas para o efeito).
144
esclarecimento cultural e estético dos alunos,246 fatores que terão estado na origem das
grandes mudanças que se vieram a operar ao longo dos anos 70.
Quanto à formação pedagógica dos professores de Trabalhos Manuais, e tendo em conta
a inconsistente formação académica destes docentes, o Ministério da Educação procura
oferecer um conjunto de ações de formação e certificação profissional. Assim, a
formação pedagógica seria da responsabilidade do Ministério, em cursos organizados
pela Inspeção do Ciclo Preparatório e ministrados por metodólogos ou outras pessoas de
reconhecida competência durante o estágio, no final do qual haveria lugar a provas
escritas. O processo de formação proposto para os professores de Trabalhos Manuais, e
também para os de Educação Musical, passou pela criação dum plano ministerial para a
formação pedagógica e didática específica, a que se associariam os conselhos
pedagógicos das escolas na organização de cursos, conferências ou seminários sobre
organização e orientação escolar, técnicas audiovisuais, psicopedagogia, documentação
e princípios de biblioteconomia e de museologia.247
Com este modelo reforça-se o papel dos metodólogos, designados pelo Ministro, que
teriam a responsabilidade de dirigir o estágio, e também o papel das escolas como motor
da inovação pedagógica – processo, aliás, que veio a generalizar-se em todas as
disciplinas após o 25 de Abril de 1974, tomando a designação de “profissionalização em
serviço.”
246
Mário Gandra do AMARAL. Criatividade e Educação Artística. Tese de Doutoramento. Universidade do Porto. Ciências da
Educação. 2005. Pág. 449.
247
Decreto nº 48 572, de 9 de setembro de 1978. D.G. nº 218, I Série. Pág. 1369-1370 (Estatuto do Ciclo Preparatório
do Ensino Secundário).
145
como testemunho de um ensaio didático onde aquela professora procura introduzir
novos paradigmas educacionais que, embora subordinados ao modelo existente, revelam
já uma intenção de superação do mesmo, o que viria a verificar-se claramente em 1973
com o Caderno do Professor do 5º Grupo.
Na nossa opinião, João Martins da Costa, Calvet de Magalhães e Betâmio de Almeida
personificam, pelo papel que desempenharam na formação de professores e pelo seu
protagonismo no campo educativo, os principais pontos de vista relativamente ao ensino
do desenho entre os anos 50 e 70, os quais virão a contribuir para as grandes linhas da
reforma desta disciplina sob o ministério de Veiga Simão, em 1972. Qualquer um destes
metodólogos criou uma genealogia de professores que deu continuidade à sua ação e
pensamento educativo após o 25 de Abril de 1974 248.
Contudo, estes eminentes professores dirigem os seus interesses pedagógicos para
distintas finalidades, que de certo modo correspondem aos modelos de ensino e aos
objetivos da disciplina de Desenho tal como estes eram perspetivados nos sistemas de
ensino técnico e liceal. Martins da Costa representa, na nossa opinião, o Orientador de
Estágio envolvido localmente com o desenvolvimento dos processos da didática do
desenho, resolvendo pragmaticamente o tipo de utopias associadas ao modelo
expressivo, a que acrescenta a reflexão sobre a dimensão relacional da educação249.
Calvet, um homem que combina o idealismo com a ação, parte dum modelo pragmático
para um modelo expressivo-social. Interessa-lhe a Pedagogia Geral, à qual não são
alheias a política e a economia social, defendendo uma escola "extra-muros".
Efetivamente, toda a sua ação, quer ao nível da formação de professores, quer ao nível
da gestão escolar, vai no sentido duma escola dinâmica e em interação com a
comunidade educativa e com o meio. A sua perspetiva da educação baseia-se na crença
de que a sociedade só poderá modificar-se com indivíduos escolarizados.
Ao longo dos anos 50 e 60, Calvet escreve diversos artigos sobre o ensino nas
disciplinas de Desenho e de Trabalhos Manuais do ciclo preparatório do curso geral do
ensino técnico e sobre as questões da “educação pela arte,” movimento ao qual se
entregou desde o momento da sua criação em Portugal, em 1957. A sua contribuição
para a mudança de paradigma nesta disciplina não pode ser ignorada, tanto mais que este
professor revela, nos seus escritos, um conhecimento profundo não só da história
disciplinar do Desenho no ensino público, mas também de autores e teorias que, por seu
intermédio, vêm a sustentar o modelo expressivo, implementado no final dos anos 40.
Betâmio de Almeida é contemporâneo de Calvet de Magalhães. O primeiro exerce a sua
atividade e influência no ensino liceal e o segundo, no ensino técnico. Em ambos,
contudo, verifica-se uma sintonia de pensamento e os mesmos propósitos quanto à
introdução do “desenho livre” e quanto à importância da “educação pela arte.”
248 Ver Apêndice 5. “O contributo dos metodólogos para a didática do desenho: décadas de 50-70”.
249 Idem
146
Na nossa opinião, esta feliz coincidência representa o início da convergência entre os
propósitos e os currículos para a disciplina de Desenho nos sistemas de ensino técnico e
liceal, que tem o seu primeiro momento na criação do Ciclo Preparatório do Ensino
Secundário.
Betâmio acredita que a educação estética e artística poderá contribuir para a
transformação interior do indivíduo. Durante as décadas de 50 e 60 bate-se, tal como
Calvet, pela compreensão da didática do “desenho livre” em diversos artigos escritos na
revista Palestra, que compila em 1967 no livro intitulado Ensaios para uma didáctica
do desenho, e no Manual Escolar de Desenho para o 1º ciclo do Liceu, que será
aprovado como “livro único” durante essas duas décadas. Contudo, na década de 60,
Betâmio já investigava as teorias cognitivas da educação visual, tornando-se o grande
responsável pela introdução de uma linguagem específica e de conceitos estritamente
relacionados com aspetos da comunicação visual. Ele parte do modelo expressivo para
um modelo formalista de natureza cognitiva. Interessam-lhe as teorias e os problemas da
educação artística e a sua didática, verificando-se em todas as suas obras esta
preocupação pela operacionalização dos saberes. O pensamento pedagógico que
Betâmio revela no seu livro A educação Estético-Visual no Ensino Escolar, publicado
em 1976, onde propõe um “Curso Básico de Arte,” será ensaiado antecipadamente no
programa intitulado “Educação Estética e Visual”250, destinado ao 2º Ciclo do curso
liceal, no ano letivo de 1974-75. Por sua vez, neste mesmo ano letivo, será proposto
para o 2º Grau do Ensino Técnico um novo programa intitulado “Educação e
Comunicação Visual”251.
Das dificuldades na transição entre modelos de ensino nesta disciplina constitui
testemunho o texto da Conferência de Estágio de Elizabete Oliveira252. Realizado em
1967 sob a orientação do professor Betâmio de Almeida, este estágio procurou testar os
princípios enunciados por Betâmio no seu “Curso Básico de Arte”, mas acabou por
deparar-se com dificuldades de transição entre modelos educacionais, mais
propriamente, entre o modelo expressivo e aquele que a própria Elizabete Oliveira
apelidou de “formal” e que, em sua opinião, terá ocorrido entre 1970 e 1974253.
A proposta da jovem estagiária e os ensaios didáticos que leva a cabo no seu período de
profissionalização deixam adivinhar um desejo de mudança nos fundamentos e na
prática disciplinar. Pensamos que a intenção de Elisabete Oliveira, ao inverter o sentido
do modelo expressivo, pelo qual os alunos dos primeiros anos eram iniciados na prática
do desenho através da expressão livre, após o que aprenderiam progressivamente as
técnicas de representação, terá sido o desejo de compreender a recetividade e a
capacidade dos alunos do Ciclo Preparatório na iniciação aos elementos da linguagem
250
Ver Anexo A.10.
251 Ver Anexo A.11.
252 Ver Apêndice 6. “Elisabete Oliveira: Conferência de Estágio de Liceu Normal Pedro Nunes (1967)”
253 Elizabete OLIVEIRA: “As Dimensões Estéticas em Educação Visual e Tecnologias e as suas implicações nas metodologias de
um ensino reflexivo” in: O Professor (1998), nº 60, III Série, Abril-Maio, p. 16.
147
visual, que, supostamente depois de dominados, dariam azo a uma expressão livre e
intencional, no final do 2º ciclo liceal.
Na nossa opinião, a sua recriação didática, de certa forma inspirada na didática dos
artistas e professores da Escola da Bauhaus durante o seu período de funcionamento na
Alemanha dos anos 20 e operada experimentalmente no seio da formação de professores
em Portugal, é despida, contudo, dos seus fundamentos essenciais, uma vez que a escola
da Bauhaus, sob o pretexto do estudo e aplicação dos produtos artísticos, arquitetónicos
e artesanais às novas tecnologias industriais, procurou sobretudo criar, participar da
realidade e acrescentar-lhe novas formas, numa preocupação de caráter social e em
consonância com uma modernidade emergente254.
Verifica-se assim, entre nós, a tentativa de repor uma “modernidade artística” com um
desfasamento de 40 anos, correndo-se o risco de os academismos já anacrónicos em
plenos anos 60 serem, com esta proposta, substituídos por um novo tipo de academismo
fundado na “gramática da linguagem visual”. De facto, poderia cair-se num método de
carácter formalista, autofágico, na continuidade dos programas intencionalmente
alienados do “real” e exclusivamente concentrados sobre os valores visuo-plásticos
numa clara estratégia de abordagem da “arte pela arte”. Ainda assim, a opção por uma
educação visual fundada na cognição de conceitos da linguagem visual indica-nos uma
outra direção que esta disciplina virá a tomar a partir dos anos 70, onde a “expressão
livre” adotará o termo de “expressão não condicionada”, tornando-se de certo modo
subalternizada nos futuros enunciados programáticos.
254
Giulio Carlo ARGAN (1989). Walter Gropius e a Bauhaus. Ed. Presença. Col. Dimensões (original publicado em 1951 pela
movimentos contemporâneos. S. Paulo,
Einaudi Ed., Torino). Do mesmo autor, Arte Moderna. Do Iluminismo aos
Companhia das Letras. 1992 (do original publicado em 1988 pela Sansoni Ed. Firenze).
255
Rogério FERNANDES (1973). Situação da Educação em Portugal. Lisboa, Moraes Editores; e Calvet de MAGALHÃES (1974):
“O direito à Educação”. In: Os direitos do homem em Portugal no 25º aniversário da declaração universal, de A. Taborda, Anselmo
Borges, Armando Castro, Calvet de Magalhães, F. Pinto Balsemão e M. Brochado Coelho, com introdução de Francisco Sá Carneiro,
editado pela Livraria Telos Editora, Porto (p. 181).
148
- Obrigação do Estado em assegurar a todos os cidadãos o acesso à educação e à
cultura, independentemente de outra distinção que não fosse a resultante do mérito e
da capacidade do indivíduo
- Introdução dos conceitos de educação pré-escolar e educação permanente;
obrigatoriedade da “instrução primária” para todas as crianças
- Expansão do ensino obrigatório para oito anos, dos quais quatro anos
corresponderiam ao ensino preparatório, ministrado em escolas preparatórias e
através de postos de receção de telescola (ensino televisivo)
- Extinção do “livro único” no ensino preparatório
- Polivalência do ensino secundário, permitindo diversas possibilidades de ingresso no
trabalho ou de seguimento de estudos superiores
- Quanto à formação de professores preconizavam-se diversas possibilidades,
mediante a criação das seguintes instituições:
- Escolas do Magistério Primário e de Educadoras de Infância (para a formação inicial
e permanente dos agentes educativos destes níveis de ensino)
- Institutos Superiores de Educação Especial (formação dos professores de crianças
deficientes ou inadaptadas)
- Institutos de Instrutores de Educação Física e das Escolas Superiores de Educação
Física e Desportos (formação dos docentes de Educação Física)
- Escolas Normais Superiores (formação para a docência no ensino preparatório)
- Institutos de Ciências da Educação das Universidades (formação complementar
requerida para o exercício de funções docentes no ensino secundário).
Contudo, e ainda hoje matéria de alguma perplexidade, nesta Reforma preconizava-se
que o Ensino Superior Artístico, fosse atribuído ao sistema Politécnico e não ao
Universitário, o que poderá representar, a nosso ver, um entendimento puramente
instrumental das Artes.
Para a Reforma dos sistemas de ensino técnico e liceal, Veiga Simão convoca os
melhores professores de cada área curricular e forma equipas para a revisão dos
programas na especialidade. Esta escolha comprova, na nossa opinião, o reconhecimento
do trabalho desenvolvido pelos professores metodólogos e seus estagiários, sobretudo a
partir de 1967, com a publicação do Decreto-Lei nº 47 587 de 10 de março, que
autorizava a realização de experiências pedagógicas em determinados estabelecimentos
do ensino oficial. No caso do 5º grupo (professores de Desenho), forma-se, pela primeira
vez na história do nosso sistema educativo, uma comissão composta por elementos do
ensino técnico e do ensino liceal. O debate e o consenso entre os seus membros viria a
dar origem a uma proposta verdadeiramente inovadora, que se objetivou no Caderno do
Professor do 5º grupo.
149
Fig. 37. Caderno do professor do 5º Grupo, 1973. Capa e Contracapa. 29,5x21 cm.
256
A referência bibliográfica indica uma publicação da Morais Editora, sem data.
150
com a intenção de levar os alunos a refletir sobre a liberdade e o crescimento em direção
a uma autonomia responsável, ideais em que assentava, na época, a construção de uma
sociedade democrática.
257
Ver digitalização do Índice no Anexo A.1.9. Este anexo inclui extratos do documento.
151
trabalho de organização e seleção de informação para os professores, bem como a
preparação dos mesmos para os novos paradigmas em emergência, representou um
empenho inédito no âmbito das diversas Reformas ocorridas, desde meados do séc. XIX,
nesta disciplina.
Fundamentação do Programa
O plano proposto parte da necessidade de preparar cidadãos para uma “sociedade do
saber”, paradigma que vem a dar origem à revisão dos currículos formais e a encontrar
novas finalidades para a escola pública. Mais do que transmissora de saberes, ela surge
como agente de transformação, cabendo-lhe formar cidadãos autónomos não só na
procura de formação ao longo da vida, mas também na capacidade de intervir
prospectivamente.
Os nossos programadores indicam alguns eventos internacionais258 onde se discutem as
grandes questões da educação artística desta época, temas que se destacam pela focagem
nos problemas de uma educação visual típica das sociedades desenvolvidas ou em
desenvolvimento, nomeadamente a necessidade de uma análise crítica como parte ativa
da educação e o efeito do meio ambiente sobre o desenvolvimento estético do indivíduo.
A este contexto acresce o fenómeno provocado pelo alargamento da escolaridade
obrigatória, uma vez que a Reforma Veiga Simão previa o alargamento da mesma até ao
que hoje designamos por 8º ano do ensino básico. Surge assim a tendência para
modificar o currículo de modo a torná-lo relevante para os alunos que sairiam do sistema
educativo por volta dos catorze anos. Nesse sentido há um movimento generalizado para
tornar os conteúdos mais adequados às idades, compreensão e interesses destes alunos,
tendo em conta a diversidade dos respetivos meios de origem, cultura, antecedentes
psicofísicos e sociais.
A psicologia educativa encarrega-se do estudo do “como” se aprende e, relembrando o
importante papel da motivação, reitera as metodologias disciplinares centradas no aluno
e nos seus interesses. A descoberta de que existem diferentes velocidades de
aprendizagem reivindica um sistema mais flexível, contemplando o acompanhamento de
situações individualizadas ou de pequenos grupos. Além disso, reconhece-se ser mais
eficiente uma aprendizagem ativa, adquirida na manipulação quer de materiais, quer de
informações e na interação com os outros alunos e professores.
Plano curricular
Antes de mais, devemos destacar o facto de, pela primeira vez, o texto programático
para a disciplina de Desenho apresentar e desenvolver separadamente terminologias
como “Objetivos”, “Áreas de Exploração”, “Técnicas e Materiais” ou “Sugestão de
Projeto”, aproximando-se, enquanto redação e organização, dos demais programas do
plano de estudos. Quanto ao plano curricular e à organização dos conteúdos, este
258
“Seminário de Desenvolvimento do Curriculum e Pesquisa de Educação pela Arte”, realizado na Pennsylvania State University;
e Conferência “Estética do Meio Urbano”, realizada na Universidade do Wisconsin em 1965.
152
Programa incide sobretudo no desenvolvimento da Expressão e da Comunicação
Visual. A primeira, tomando a designação de “expressão não condicionada”,
desenvolve os pressupostos anteriormente defendidos pela “expressão livre”, se bem
que, aos argumentos iniciais, formulados tendo em conta a exteriorização do mundo
interior da criança, se acrescente agora o de uma educação estética, orientada pela
exploração sensorial, contacto e experimentalismo, e desenvolvida através da perceção
visual, observação e envolvimento físico com estímulos exteriores à criança, como os
objetos, o meio ambiente ou a obra de arte. A revelação e a exteriorização destas
capacidades seriam realizadas fundamentalmente através da livre experimentação de
materiais, com destaque para o exercício tridimensional.
A problemática da “Comunicação Visual” é abordada mediante a reflexão sobre os
meios e as mensagens emitidas intencionalmente pelo “homem” e as mensagens não-
intencionais, oferecidas pela natureza. Esta exploração, realizada com base na perceção
visual e na oralidade, seria efetivada em aula, a partir da conceção de mensagens onde se
observaria a aplicação dos códigos da comunicação visual e o recurso a meios de
expressão como a fotografia, o filme ou o diapositivo.
O contacto com espaços e objetos fisicamente reais, por um lado, e a imagem, sob a
forma impressa ou luminosa, por outro, tornam-se os principais recursos educativos.
Esta opção sustenta-se no entendimento de que a imagem é um meio de comunicação
“comum a todos os homens”. Reproduzindo as ideias desenvolvidas por Betâmio de
Almeida no que o próprio designa por curso básico de arte,259 consideram-se as
vertentes comunicativa e linguística. Na primeira situação, a análise da imagem passa
pela deteção da intencionalidade e compreensão da mensagem. O entendimento dos
aspetos linguísticos implicaria a desconstrução da imagem e a deteção dos elementos da
linguagem visual aí constituídos. Uma outra vertente é a contextualização e o papel
globalizador da imagem. A introdução desta abordagem no programa de Desenho revela
a crescente importância das teorias da sociologia em todos os campos de estudos
humanísticos. Trata-se de valorizar, neste caso, o documento visual, pela capacidade de
suscitar história, valor patrimonial, condições sociais de produção, aspetos biográficos,
entre outros.
Objetivos
Fazendo a distinção entre “objetivos formativos” e “objetivos informativos”, é intenção
deste Programa promover o desenvolvimento, nos alunos, de capacidades e
conhecimentos em três domínios: educação estética, educação visual e educação para o
design.
259
Expressão utilizada por Betâmio de Almeida na proposta apresentada em Educação- Estético-Visual no Ensino
Escolar. Livros Horizonte, 1976, pp. 9, 12, 17, etc. Betâmio inspira-se no livro de Leslie W. Lawlay A basic course
in art, publicado em 1962. Os objetivos deste curso visam desenvolver a educação visual, enquadrada, segundo
Betâmio, pela teoria da “Visualidade pura” (p.12).
153
Objetivos formativos
- Desenvolvimento de capacidades, - criadora, - crítica, - expressão e comunicação, -
de aquisição de conhecimentos, - sensorial e psicomotora, - de integração social, - de
hábitos de trabalho.
- Desenvolvimento da sensibilidade estética.
Objetivos informativos
- Compreensão do mundo visível através da análise dos elementos visuais (espaço,
forma, luz e suas implicações);
- Exploração da estrutura da linguagem visual no campo da comunicação e expressão;
Realizações nos espaços bi e tridimensional;
- Aquisição de experiência no tratamento de meios de comunicação e expressão da
linguagem visual – técnicas e materiais260.
7.4.1.1Conceitos Operativos
Educação Estética
Relativamente à Educação Estética, os autores do programa fundamentam-se em Robert
Fleming261, para quem a aprendizagem estética é uma ação ativa gerada a partir do
interesse do aluno. Este autor defende que todas as experiências de aprendizagem podem
comportar uma dimensão estética, não dependendo esta propriamente dos saberes em si
mas do modo como são transmitidos e adquiridos. Sendo a experiência estética uma
qualidade passível de existir em toda a atividade de ensino e de aprendizagem, ela deve
ser pensada interdisciplinarmente, de modo a permitir ao indivíduo o reconhecimento de
experiências adquiridas e o seu reforço e desenvolvimento na construção identitária.
A experiência estética desenvolve-se a partir da participação sensorial e do
envolvimento emocional com os objetos e com o meio ambiente, no que se inclui a
aprendizagem das artes, as artes manuais, as visuais e as artes “não-verbais” como a
música, a dança e a dramatização, consideradas fundamentais devido ao facto de
permitirem experimentar o mundo com o corpo, proporcionando prazer – um aspeto da
experiência estética, considerado fundamental.
Educação Visual
A educação visual fundamenta-se em duas conceções: a da atividade artística como
processo de perceção e como processo de aquisições (visuais, técnicas e teóricas) e sua
transformação criativa. Mantêm-se os objetivos enunciados por Betâmio de Almeida:
“formar o gosto” e adquirir critérios de seleção rigorosa, quer enquanto fruidor, quer
enquanto produtor de imagens ou objetos, acrescentando-se a sensibilização visual para
260
Caderno do Professor do 5º Grupo, 1973, pág. 39. Transcrito no Anexo A.9.
261
Robert S. Flaming (Currículo moderno. Lidador, 1970), é o autor de referência para o texto “O desenvolvimento da experiência
estética na criança” (págs. 20-29 da I Parte do Caderno do Professor do 5º Grupo, 1973).
154
os problemas do meio ambiente e o desenvolvimento do sentido crítico. A focagem no
real desencadeia o surgimento do “problema” como ponto de partida para a atividade
letiva e enquadra a exploração dos elementos da gramática visual.
Educação para o Design
Design é uma palavra de origem anglo-saxónica que quer dizer “designium, desígnio,
desenho, projeto, intenção”262. Algo, portanto, presente em toda a ação humana quando
desencadeado a partir da necessidade de resolver um problema. De acordo com Sena da
Silva, trata-se de um termo abrangente porque leva em consideração o processo que
tanto pode dar origem a um produto para produzir em série, como a um novo método de
pesquisa, a um programa de intervenção, a um livro de texto. Quer do ponto de vista do
que concebe, quer do ponto de vista do consumidor, design implica um contexto social
onde o cidadão possa ter um contributo responsável e participativo. A Educação pelo
design pretende superar o conflito entre as três conceções da educação artística: a arte
para as elites, eminentemente passiva e contemplativa, a arte como habilidade manual,
associada ao artesanato e aos ofícios, e a arte como terapia.
Contrariando a tendência das sociedades modernas, onde a escalada das tecnologias e o
nível de complexidade e especialização das mesmas vem operando uma separação entre
os diversos setores da atividade humana, Patrix defende, de acordo com a ideia clássica
da arte como experiência de vida, que a tarefa do design é ligar os elementos físicos e
humanos às suas funções de uma forma harmoniosa263.
De acordo com Ken Baynes, Peter Green ou Georges Patrix, a necessidade de uma
educação pelo design justifica-se por um tipo de sociedade caraterizada pelo capitalismo
desenfreado onde os alunos deverão aprender a tomar opções, na crença de que são estas
opções que os definirão como pessoas e como cidadãos. Um dos objetivos da Educação
pelo Design é a literacia visual, ou seja, o desenvolvimento da educação da forma visual.
De acordo com estes autores, a que acrescentamos a visão de Arnheim, a educação
visual exerce-se a partir de tudo o que nos rodeia (environement), desde os objetos com
existência física tridimensional aos meios de comunicação visual, sons, cheiros, enfim,
tudo aquilo que percecionamos através dos nossos sentidos. Quer na observação das
formas materiais do nosso envolvimento, quer no entendimento das ideias que estas
formas comunicam, é importante compreender a mensagem que está por detrás do
objeto e o seu processo de realização. A educação visual afasta-se assim da mera
apreciação contemplativa, uma vez que implica uma nova maneira de olhar, crítica e
inquisitiva. Uma nova maneira de olhar só possível nas sociedades democráticas.
A escolarização do Design ao nível do ensino básico e secundário toma direções
diversas. Durante os anos 50 e 60, ocorrem em Inglaterra diversas experiências
pedagógicas em Escolas Técnicas Secundárias onde se pretendeu conciliar a formação
155
científica, artística e tecnológica com o mundo real. Ao integrar, sob a designação de
Design Education, as artes plásticas (art), as tecnologias artísticas (crafts), os trabalhos
manuais (handycraft), a formação feminina (homecrafts) e a educação tecnológica, o
Sistema Educativo Inglês, na continuidade da tradição do Arts and Crafs, propõe um
plano formativo global que pretende valorizar, e adequar às necessidades da sua época, o
sistema de ensino técnico e artístico264.
Uma outra vertente do Design Educacional (John Lidstone), dirigida sobretudo para os
primeiros e segundos ciclos de escolaridade secundária, sugere um programa menos
preocupado com a função social do design e mais centrado no desenvolvimento de
projetos de natureza plástica e expressiva (Fig. 39).
Esta parece-nos ser a linha de orientação tomada no Caderno do Professor, pela qual se
dá continuidade ao modelo expressivo, agora num grau de maturidade esclarecido por
um enquadramento teórico de caráter cognitivista265.
A natureza do design que os nossos programadores propõem tem um sentido holístico e
predominantemente estético, operando a partir da observação e aplicação dos elementos
da linguagem visual.
A criança vê os elementos visuais nas coisas mais simples que a rodeiam e que os adultos
raramente notam. Ela pode trazer para a sala de aula as coisas de que gosta, tais como: um
sapo verde com bossas nas costas, hastes de cardos e flores multicoloridas, uma pedra
chata, um bocado de vidro que reflecte a sua cor brilhante, etc. Um insecto coberto com
manchas brilhantes de cor, que apresente duas antenas vibráteis é fascinante para o aluno.
264
Ver desenvolvimento do tema no Apêndice 7 “Design Education no sistema educativo inglês – Anos 50-70”.
265 Autores referidos no Caderno do Professor a propósito do “Desenvolvimento da percepção visual” (Parte 2: p.9): Rudolf
Arnheim; Bartlett Hays; Juneking Mofee.
156
Apanhar uma borboleta é um triunfo supremo. Através destas descobertas naturais, a
criança experimenta diferentes sensações de cor, forma e textura. A emoção gerada é uma
motivação natural para a iniciar na descoberta dos elementos do “design”. (…)266
Desta conceção está ausente qualquer indício de utilidade prática, o que entra em
contradição com a tendência que vinha sendo tomada, tanto na disciplina de Desenho,
como na de Trabalhos Manuais, no sentido de criar para uma finalidade concreta.
Contudo, apesar da justificação sensorial e fenomenológica, que podemos depreender do
texto anterior, o facto é que, para efeitos de didática, o design passa a ser entendido e
praticado nos seus aspetos meramente formais:
Mas o que é o design? Fundamentalmente é organização. É o plano específico, através do
qual qualquer coisa é criada ou executada. O design é a integração da linha, cor, textura,
forma e espaço, dá visibilidade e unicidade aos objectos naturais e aos feitos pelo homem.
(…) No que difere ela da aparência de uma concha, da Torre Eiffel, ou da pintura de uma
cena de Ballet por Degas? Coisas tão diferentes como as destes exemplos já que cada um
representa uma organização visual especial, têm em comum, no entanto, os mesmos
elementos do design.
Esses elementos básicos são visuais e plásticos.
São visuais - linha, forma, cor, textura, espaço, etc. e plásticos os caminhos pelos quais eles
podem ser usados para produzir a qualidade e o interesse da obra de arte. A compreensão
destes elementos é essencial para o desenvolvimento dos conhecimentos da criança e da sua
capacidade de apreciação das obras criadas pelo homem e do meio ambiente onde viva,
evidentemente, do seu próprio trabalho criador. No entanto é essencial notar que aqueles
elementos não podem ser ensinados de uma maneira formal, abstrata e teórica e
apresentados como leis ou teorias do conhecimento visual. Seria substituir um academismo
pedagógico por outro, de sinal contrário mas igualmente errado. A criança deverá ser
encorajada, através da inspiração, do desafio criador e do contacto com bons exemplos de
design, natural ou feito pelo homem, a investigar, a identificar os elementos e qualidades
visuais dos objectos, vendo-os, tocando-os, cheirando-os e experimentando-os…267
Com efeito, e de acordo com este argumento, os conteúdos da disciplina passam a
incidir nos elementos estruturais da linguagem visual (espaço, luz, cor, forma, volume,
superfície, linha, padrão, textura, estrutura, movimento), sendo que para cada um destes
elementos se apresenta um pequeno texto elucidativo268.
Áreas de Exploração
As áreas de exploração são consideradas o “veículo” pelo qual se irão tratar os
conteúdos. Basicamente, são duas: a exploração de temática regionalista e a exploração
de jogos plásticos. No primeiro caso, e de acordo com o exemplo dado, na verdade, seria
mais indicado o título “exploração do meio ambiente”, uma vez que o que se pretende é
157
que a criança investigue numa zona que lhe é familiar, e crie em relação a ela novos
laços. No segundo caso, trata-se da criação a partir dos materiais, das suas caraterísticas
expressivas, da observação qualitativa dos elementos da linguagem visual, no
pressuposto de que estas atividades hão-de permitir o enriquecimento do mundo interior
da criança. 269
Meios e Materiais de Ensino
Os autores dão uma particular atenção à importância aos exercícios de expressão plástica
no domínio do tridimensional, chamando a atenção para a utilização dos materiais de
desperdício e para a aplicação de novos “média” de projeção e reprodução visuais no
ensino desta disciplina, com o que dão diversas sugestões relativamente à sua utilidade
educativa e operacionalização em sala de aula.
Avaliação
A questão da avaliação na disciplina de Desenho ainda surge incipiente, não existindo
qualquer rubrica específica sobre este assunto. As indicações são diluídas nos textos, se
bem que, no essencial e na continuidade do “modelo expressivo”, verifiquemos uma
abertura ao outro através da estratégia da hetero-avaliação: Os resultados obtidos nas
realizações individuais, poderão ser julgados pela turma, meio pelo qual, a criança
aprende a aceitar uma crítica e a dá-la também.270 Todavia, além deste aspeto mais
comum da avaliação, a dos resultados, o texto aponta igualmente para um tipo de
capacidade individual de apreciar e julgar esteticamente a obra plástica, quer seja a sua,
a dos colegas, e a Arte em si mesma, como um processo evolutivo de auto-conhecimento
e de maturidade cultural, em grande parte assente na experiência de ateliê.
158
do professor. Este é certamente o domínio de atividade onde terão mais visibilidade os
objetivos de natureza formativa como (desenvolver a…): integração social ou hábitos
de trabalho.
A um segundo nível de planeamento, apresentam-se uma “sugestão de projeto” para o
desenvolvimento do programa nos primeiros dois anos do ensino secundário e um
exemplo de planificação letiva a partir de um dos elementos da linguagem visual, a
Textura272. Relativamente à alteração dos métodos escolares, é de assinalar a tendência
para a planificação letiva globalizadora, pelas vantagens que esta oferece na consecução
simultânea de diversos objetivos e desempenhos. Este método desencadeia as seguintes
atitudes:
Suscita o incentivo, uma vez que os alunos podem escolher, dentro de um campo de
estudo, os temas que mais lhes interessarem;
- Permite a aprender a aprender, ou seja, estimula metodologias de auto-descoberta:
busca de informações em várias fontes, apontamentos e registos, apresentação de
resultados
- Desenvolve atitudes de cooperação social pelo trabalho em pequenos grupos para
fins comuns
- Desenvolve atitudes pessoais (tais como a iniciativa e a capacidade de planear
atividades individualmente)
- Desenvolve a comunicação verbal
- Proporciona oportunidades para a manifestação da criatividade e da expressão em
trabalhos de projeto
Contudo, esta forma de organização curricular centrada nos processos de aprendizagem
exige condições, ainda não existentes à época, quer quanto à natureza dos materiais
postos à disposição dos alunos, quer relativamente à maneira como se utiliza o tempo e o
espaço, e para os quais os programadores chamam a atenção, alertando para a
necessidade da sua reivindicação em cada estabelecimento de ensino.
159
Fig. 40. Diagrama do esquema programático para a disciplina de Desenho do Ciclo Preparatório do Ensino
Secundário. Caderno do Professor, 1973. II Parte. Pág. 45.
160
7.4.2 Ensino Técnico: “Educação e Comunicação Visual”
Os Programas para a disciplina de Desenho do 2º Ciclo do Ensino Secundário para o
Ensino Técnico e para o Ensino Liceal , no ano letivo de 1974/75, intitulam-se,
respetivamente, “Educação e Comunicação Visual” e “Educação Visual e Estética”.
Trata-se de programas provisórios, a aguardar reformulações no âmbito da reforma geral
do ensino, promulgados para o ano letivo de 1973-74. São já diversos os pontos em
comum, nomeadamente a organização do discurso, de onde constam os itens Objetivos,
Conteúdo Programático, Áreas de Exploração e Orientações didáticas. Dando
continuidade ao programa do Ciclo Preparatório, são introduzidos os estudos da
Comunicação Visual e dos elementos estruturais da linguagem visual, a partir da obra de
arte e do Design.
Este programa destina-se aos cursos gerais: industrial, comercial e agrícola. Excetua-se
o Curso Geral de Artes Visuais, que na época era ministrado nas escolas António Arroio,
em Lisboa, e Soares dos Reis, no Porto, com um plano de estudos particular, como
vimos anteriormente. Relativamente ao programa anterior, são suprimidas as
designações “desenho subjetivo interpretativo”, “noções de projeção ortogonal e
projeções” e “esboços de figura humana e animais”.
Os objetivos da disciplina também são alterados. Se anteriormente eles visavam
exclusivamente a aquisição duma “ linguagem gráfica e visual”, agora são investidos
para “o conhecimento e enquadramento humano, fundamentado na necessidade de
integração do aluno no mundo de hoje”, a partir de situações que suscitassem uma
participação ativa. Passam, então, a ser objetivos desta disciplina:
- Dar oportunidade ao aluno de participar em atividades de tomada de decisão e de
resolução de problemas em condições realistas e objetivas.
- Utilização de processos que levem o aluno à investigação, experimentação, critica e
verificação dos resultados. 273
Os Conteúdos Programáticos concentram-se à volta do estudo dos elementos da
linguagem visual [Ponto; Linha; Forma (bidimensional / superfície;
tridimensional/volume, espaço); Luz (influência na forma, textura e cor dos objetos);
Cor (idêntico ao Ciclo Preparatório); Textura (análise e criação de texturas); Padrão
(organização visual); Estrutura (análise e criação de estruturas bi e tridimensionais);
Movimento (real e aparente; cinetismo)]; da análise, interpretação e representação do
real (forma, proporções, eixos, estruturas, cor e textura); do Estudo de sinais, signos e
símbolos; e na resolução de Problemas gráficos básicos e métodos de representação
(interpretações gráficas; transformações; geometria aberta e fechada; desenho perspético
e cotado; conhecimento e leitura de plantas, alçados e cortes; planificações).
273
Educação e Comunicação Visual. Programa de Desenho para o curso geral do Ensino Técnico. Ano letivo
1974/75. P. 1-2.
161
As Áreas de Exploração incidem sobre o “Meio Ambiente”, os “ Estudos Sociais” e a
“Obra de Arte e de Design”.
Dum modo geral, mantêm-se as mesmas orientações dadas para o Ciclo Preparatório,
quer quanto ao papel do professor, quer quanto à organização das unidades de ensino ou
projetos. Sugere-se que os alunos participem no processo de planificação das atividades
letivas, propondo e analisando, com o professor, os temas e o modo de os desenvolver.
A planificação dos projetos passa pela consideração dos seguintes itens: Tema de
exploração; Atividades de expressão visual; Processos de realização e Materiais e
Técnicas a utilizar.
Ao professor cabe educar a capacidade de ver e apreciar e estimular uma atitude de
criatividade, evitando a instalação de rotinas e “receitas”. Na sua planificação, o
professor deve atender à sugestão da progressividade proposta pelo Programa, de modo
a promover a aprendizagem gradual dos conteúdos. Será, no entanto, livre na escolha da
ordem das rubricas, tendo em conta o nível do ou dos alunos e os meios à sua
disposição.
O estudo da linguagem visual faz-se com recurso “à totalidade do real”, do qual a obra
de arte é considerada um recurso particularmente útil em termos de motivação e
exploração.
162
Quadro 4. Mapa de conteúdos de acordo com o programa para a disciplina de Desenho do
Curso Geral do Liceu, para o ano letivo 1974/75.
163
Exploração-base
. Na Arte em Geral
. Na Arte em Portugal
. Na natureza
. No meio ambiente
274 A bibliografia não apresenta as datas das publicações. Para as obras relacionadas com a didática dos meios de expressão plástica
e a forma visual, destacamos: da editora Reinhold Pub. Corporation, New York, os seguintes títulos: Paper constructions for children
(Krinsky, Norman; Brerry, Bill); Silhouettes, shadows and cutouts (Laliberté, Norman; Magelon, Alex); Rubbings and textures
164
também outras de natureza mais teórica relativas à educação visual e artística,275e uma
única sobre design funcional: A Arte como ofício, de Bruno Munri.
O programa oferece ainda um roteiro pormenorizado sobre a história de arte geral e
sobre a história de arte portuguesa, através do qual se dão sugestões aos professores para
a exploração dos conceitos relativos à “Organização Formal e Comunicação Visual”.
Tanto estas sugestões, extensas e pormenorizadas, como a bibliografia final pretendem
apoiar o professor na preparação das aulas, na realização de recursos informativos, como
conjuntos de estampas ou diapositivos, e na preparação de visitas de estudo. No âmbito
das publicações independentes, destaca-se a coleção de títulos da autoria de Elvira Leite
e Manuela Malpique, publicados em 1974 pela editora ASA, Porto: “Forma”, “Palavra-
Imagem”; “Cabelos”; “Medidas”; “Metades”; “Posições”; “Ritmos”; “Seis Cores”;
“Trisósceles”.
(Boder, John, J.); Exploring with polymer (Chavatel, George); Exploring with paint (Pettreson, Henry; Gerring, Ray); Children make
murals and sculptures (s.a.). Da Editora Ginn and Company, London: Education par la forme et par la couleur (Tritten, G. Editons
Delta, Suisse) ; The shapes we need; Pattern and shape; the shape of towns (s/d /s.a.); The development of shape (s.d./.s.a.). E ainda
as seguintes obras: Design in three dimensions (Randal, Reino Unido. Davis publ. Worcester, Massachusetts); Photography in art
teaching (Kay, Allan, B.T. Batsford Ltd. London); Dessins et Bulles. La bande dessiné comme moyen d´expression (Fresnault-De
Ruelle, Pierre. Bordas. Paris); Design activities for the elementary classroom (Lidstone, John. Davis public. Worcester.
Massachusetts); Basic design. The dynamics of visual forms (Sausmarez, Maurice. Dtudium Vista).
275 Para as obras relacionadas com a educação visual e artística, destacamos os seguintes títulos: Experiencing Art in the elementar
school (Hern, Georg F., Davis Publications, Worcester, Massachusetts); Education artistique et formation globale (Brassart, Simone
Fontanel, Librairie Arman Colin. Paris); Learning to see (Rowland, Kurt.Ginn and Company. London); L´art à l´école (Gloton,
Robert. Presses Universitaires de France. Paris) ; Developing artistic and perceptual awareness (Earl W. Linderman and Donald W.
Herberholz; W.C. Brown Comp. Publ. Iowa); Desarrollo de la capacidad creadora (Lowenfeld, Viktor. Ed. Kapeluz); Educazione
artística (Abelardi, P. M., Lattes Editor Torino); Artes plásticas na escola (Sousa, Alcídio de. Ed. Bloch, Brasil); L´art pour les
enfants. Paul Klee/ Pablo Picasso (Raboff, Ernest. Wewber Ed. Genéve); Education de la vision (Kepes, Gregory, Bibliothèque des
Syntèses) ; Developing Artistic and Perceptual Awareness (Linderman, Earl & Herberholz, Donald. W.C. Brown Comp. Publ. Iowa).
276
Do mesmo período encontramos na Biblioteca Nacional um manual intitulado Educação Visual e Estética de Luís Gonçalves,
publicado pela Didática Editora em 1974.
165
consonância com as práticas artísticas do seu tempo, a organização do manual reporta-se
à lógica do Programa de 1948.
Fig. 41. “Educação Artística”, Livro de Desenho para o Fig. 42. “Educação Artística”, Livro de Desenho para o
2º Ciclo do Ensino Liceal de Maria Helena Abreu, 1973. 2º Ciclo do Ensino Liceal de Maria Helena Abreu, 1973
Fig. 43. “Educação Artística”, Livro de Desenho para o 2º Ciclo do Ensino Liceal de Maria Helena Abreu, 1973.
166
Fig. 44. “Educação Artística”, Livro de Desenho para
o 2º Ciclo do Ensino Liceal de Maria Helena Abreu, 1973
277
Educação Artística: 47.
167
estudo, acompanhadas da realização de apontamentos desenhados, dos pormenores ou de
algumas estruturas arquitectónicas…(…).278
278
Educação Artística, Livro de Desenho para o 2º Ciclo do Ensino Liceal de Maria Helena Abreu, 1973. P.77.
168
- Meios de comunicação visual (arte e design) e audiovisual. Reconhecendo-se a
atração do aluno pela televisão e pelo cinema, convertem-se estes meios em pontos
de partida para experiências artísticas na dupla vertente de concetor e fruidor.
A partir da análise e interpretação de elementos do real, pretende-se desenvolver nos
alunos as capacidades de representação formal. O campo de atividade integra-se no
anteriormente chamado “Desenho à vista”, eliminando-se o “modelo” com caráter
obrigatório e uniformizador. Pretende-se então alargar os domínios da observação e da
organização formal, tendo em conta o desenvolvimento de conceitos derivados da
“gramática da linguagem visual”. Nos últimos anos do Curso Geral acentua-se a
preocupação com a representação rigorosa em diversos sistemas perspéticos.
O termo design surge pela primeira vez, no programa para a disciplina de “Educação e
Comunicação Visual” do Ensino Técnico. No encadeamento das lógicas deste sistema
de ensino, parece encontrar-se finalmente um conceito que permite enquadrar e
desenvolver as práticas históricas do mesmo à luz das necessidades contemporâneas. Os
objetivos enunciados centram-se na resolução de problemas concretos e respetiva
metodologia.
Em contrapartida, nos programas do Ciclo Preparatório e do Ensino Liceal, o termo
design é entendido para efeitos educacionais como o desenvolvimento da forma plástica.
De acordo com John Lidstone279, as atividades em design permitem a organização de
processos criativos através da livre exploração dos materiais. Neste sentido, o design vai
ao encontro das intenções programáticas ao ajudar o aluno a tomar consciência da sua
capacidade de auto-expressão.
Relativamente à Educação pela Arte, a utilização do objeto artístico como exemplo ou
como motivação para as atividades de ensino-aprendizagem não é novidade nos
programas de Desenho do ensino liceal. No entanto, as referências oferecidas aos alunos
detinham-se sobretudo na arte do passado, em particular na arquitetura monumental e no
fragmento ornamental.
Pela Reforma de 1973, o programa para o ensino liceal oferece, na rubrica “Exploração-
base”, um roteiro pela história de arte geral, associado a temáticas ou áreas de
exploração que se constituem como sugestões de trabalho para o professor. Será de
destacar a inexistência de qualquer tipo de hierarquia, recorrendo-se aos exemplos que
se julgam mais adequados para explicitar os saberes disciplinares. As referências vão
desde a arte pré-histórica, arte das civilizações antigas, arte romana, árabe, românica,
medieval, renascentista, barroca, até à modernidade, com artistas como Rodin,
Kandinsky, Brancusi, Picasso, Léger, Moore, Calder, Vazarely, Chirico, Dali, Rivera,
Tápies, César, etc. São referidos artistas portugueses como Nuno Gonçalves, Domingos
Sequeira, Malhoa, Silva Porto, Eduardo Viana, Dordio Gomes, Pavia, Bernardo
Marques, Amadeo, Almada, João Abel Manta, Vieira da Silva, Jorge Vieira. Da história
279
LIDSTONE, John (1977). Design Activities for the classroom. Davis Press, Inc. Worchester, Massachusetts. USA.
169
do design, a Bauhaus, Le Corbusier, Siza Vieira. Das artes não europeias, escultura
africana e pré-colombiana, teatro grego e japonês. E, no que se refere “à integração das
artes”, o happening e o environment.
Mais do que analisar esta proposta pela sua melhor ou pior adequação aos conteúdos da
disciplina, interessa-nos considerá-la por ser a primeira tentativa para colocar o objeto
artístico numa perspetiva eclética como principal fonte de conhecimento num programa
de Desenho. Este facto parece-nos revelador da abertura do campo artístico que, desde
os anos 60, vinha ocorrendo em Portugal e da rutura que este impõe ao modelo artístico
do Estado Novo.
Esta tendência verifica-se, como vimos, em grupos de professores, artistas e
psicoterapeutas que, desde os anos 50, se movem em defesa da “Educação pela Arte” e
cuja ação se desenvolve através da Imprensa, em Congressos, na Formação de
Professores ou em experiências educativas em contextos não formais.
170
8 Pós-25 de Abril de 1974
171
No que diz respeito à política de juventude (Art. 70º), enunciam-se como objetivos
prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, o gosto pela criação livre e
o sentido de serviço à comunidade.
Relativamente à Educação e à Cultura (Art.73º), o Estado compromete-se na
democratização da educação e na criação de condições para que esta, proporcionada pela
escola e por outros meios formativos, contribua para o desenvolvimento da
personalidade dos cidadãos, para o progresso social e para a participação democrática na
vida colectiva. A política de ensino (Art.74º) proclama o direito de igualdade de acesso e
de oportunidades a todos os cidadãos. Para tanto, o Estado pretendia modificar a
estrutura do sistema educativo de modo a superar a sua função conservadora da divisão
social do trabalho; assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; garantir a
educação permanente e eliminar o analfabetismo; garantir a todos os cidadãos, segundo
as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação
científica e da criação artística; e estabelecer a ligação do ensino com as actividades
produtivas e sociais.
No que diz respeito à fruição de bens culturais, o Estado pretende promover, e tornar um
dever do cidadão, a preservação, defesa e valorização do património cultural do povo
português, tornando-o o elemento vivificador da identidade cultural comum (Art. 78º e
Art. 66 na I Revisão Constitucional).
Do texto da Constituição da República Portuguesa recortamos os extratos que
consideramos representar os princípios surgidos no pós-25 de Abril no respeitante à
formulação das finalidades gerais do Sistema de Ensino Público. Na nossa opinião, eles
são os seguintes:
- Educação para a Democracia.
- Participação da Escola na Comunidade.
- Educação para a defesa e valorização do património português.
Em seguida, desenvolveremos separadamente cada um destes princípios. A “Educação
para a democracia” é um paradigma inteiramente inédito na nossa história política e
social e parece-nos ser aquele que irá determinar as principais finalidades do sistema
educativo. Os dois últimos, não constituindo propriamente uma novidade no nosso
sistema de ensino público, merecem-nos um acerto histórico de modo a entendermos a
sua persistência no novo modelo social.
172
diversidade e pela tolerância. Três elementos são indispensáveis e interdependentes para
um plano que pretenda desenvolver uma educação para a democracia:
- A formação intelectual e o direito à informação (está em causa o desenvolvimento
da capacidade de conhecer para melhor escolher. A falta ou insuficiência de
informações reforça as desigualdades, fomenta injustiças e pode levar a uma
verdadeira segregação).
- A educação moral (laica e vinculada a uma didática de valores que não se aprendem
intelectualmente apenas, mas sobretudo pela ação e aquisição de atitudes de acordo
com uma ética de cidadania).
- A educação do comportamento (enraizamento de hábitos de tolerância diante do
diferente ou divergente, assim como aprendizagem da cooperação ativa e da
subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum).
Neste sentido, a Educação Democrática pode ser entendida como a formação do ser
humano para desenvolver as suas potencialidades de conhecimento, julgamento e
escolha a fim de viver conscientemente em sociedade. Ela está intimamente relacionada
com uma “didática dos valores” onde estão implicadas duas dimensões formativas: a
educação para os valores democráticos e a formação para a cidadania ativa, ou seja, para
a participação na vida pública. O estabelecimento de princípios para uma educação
democrática foi-se construindo progressivamente até à sua confirmação na Lei de Bases
do Sistema Educativo, em 1986.
Da análise dos diversos programas para o currículo do ensino preparatório publicados
em 1974/75280, a disciplina de Estudos Sociais é a única que diz pretender contribuir
para uma integração das crianças enquanto elementos ativos no presente estádio de
evolução da sociedade portuguesa. Dos objetivos desta disciplina, cujo centro temático é
a atividade humana, destacamos o desenvolvimento de duas capacidades: a de analisar
situações e tomar decisões, e a de analisar problemas concretos e atuais da vida nacional
com base nas suas condicionantes históricas. Estes objetivos, porventura demasiado
exigentes para alunos do 2º ciclo, com idades compreendidas entre os 10 e 12 anos,
poderão ter estado na origem da supressão desta disciplina aquando da reformulação de
programas ocorrida em 1978/79.
Com a reformulação curricular ocorrida em 1978, definem-se os Objetivos Gerais para o
Ensino Básico, onde encontramos uma forte incidência no desenvolvimento do sentido
crítico e reflexivo dos alunos, nomeadamente:
- Educação para a autonomia (visando uma formação de cidadãos responsáveis e
intervenientes, dotados de sentido crítico).
- Uma metodologia ativa centrada no aluno (baseando-se na problematização e
vivência das aprendizagens, na procura de soluções e na reflexão crítica por parte
dos alunos).
280 Apêndice 8. “Análise transversal dos programas das várias disciplinas do ensino preparatório (1975-76)”.
173
Decorrentes destes comportamentos, particularizam-se os Objetivos Gerais do Ciclo
Preparatório, que são os seguintes:
- Aquisição de saber e instrumentos de aprendizagem que sirvam de apetrechamento
de base para a compreensão do mundo, para a inserção na vida prática e para estudos
subsequentes.
- Desenvolvimento da autonomia e da socialidade.
- Sensibilização de valores subjacentes à melhoria da qualidade de vida. 281
A partir deste momento, o currículo tenderá a valorizar exponencialmente a dimensão
formativa, pormenorizando e esclarecendo os comportamentos a desenvolver nos
alunos, duma forma convergente, em todas as áreas do currículo.
No que se refere a
281 Ver Anexo A.14.: Quadro II. Comportamentos referentes aos Objetivos Gerais.
este parâmetro importa particularmente o Ponto2. Desenvolvimento da autonomia e da
socialidade.
174
integral do indivíduo: a "vida física", a " vida intelectual", a "organização e
procedimento de estudo", a "educação artística e moral" e a "educação social".
No ensino Técnico Industrial, são incentivadas as atividades de divulgação e
complemento educativo, designadamente, conferências, cursos dominicais e a criação de
bibliotecas e museus. Promove-se a parceria entre a escola e a sociedade civil, o
empresariado e as indústrias locais, podendo ocorrer, por parte destes últimos, pedidos
de formação específica, de utilização das oficinas, bem como apoios filantrópicos para
aquisição de recursos para as escolas.
Os reflexos do ideário da “Escola Nova” no ensino liceal dão azo a medidas no sentido
de quebrar o tradicional individualismo dos professores, afirmando-se pela primeira vez
a inter-relação entre todas as disciplinas do plano de estudos. Uma das estratégias passa
pela promoção de atividades a realizar no exterior, nomeadamente as de contacto com a
natureza e com o património cultural do país, que, pelo facto de propiciarem o convívio
entre alunos e professores, poderiam suscitar objetivos e planeamento comuns. A partir
dos anos 30, com a política educativa do Estado Novo, assiste-se, sob pretexto de uma
formação de caráter geral, a uma progressiva uniformização do currículo das escolas
técnicas e ao afastamento das matrizes regionais. Vários protagonistas, professores
eméritos deste sistema de ensino, vêm a público pronunciar-se contra a uniformidade
curricular, defendendo a especialização das escolas em resposta às necessidades locais.
No prosseguimento das recomendações para o Ensino Liceal, legislam-se os “Trabalhos
Circum-escolares”, compreendendo atividades não letivas como visitas de estudo,
excursões escolares, aprendizagens facultativas, assistência, festas, associações e
exposições escolares. Em 1948, com a Reforma Pires de Lima, as atividades “Circum-
escolares” passam a incorporar igualmente as atividades da Mocidade Portuguesa,
tornando-se obrigatórias, quer no Ensino Técnico, quer no Ensino Liceal.
A partir dos anos 50, verifica-se a influência do modelo expressivo na fundamentação e
construção dos currículos. Defende-se assim a conceção duma escola “ativa”, mais
formativa que informativa, com maior incidência no desenvolvimento da expressão
pessoal. Em geral, os enunciados programáticos sugerem que se parta de situações reais
e dos “centros de interesse” dos alunos. Nesta lógica, investe-se no desenvolvimento da
interdisciplinaridade, no recurso ao exterior e a fontes de informação não normativas.
Calvet de Magalhães, grande defensor duma escola ativa e cultural, postulava que esta
deveria concentrar-se no fornecimento das bases da vida coletiva e na aprendizagem da
vida social, o que implicava muito mais do que a ação ao nível da sala de aula.
Pela Reforma Veiga Simão, a escola pública começa a enfrentar o problema da
massificação e da heterogeneidade de alunos. O discurso legislativo e programático
aponta, com alguma ansiedade e expetativa, para um modelo de sociedade que se
aproxima a passos largos (“a sociedade do saber”), o que vem provocar a revisão dos
currículos formais e a procura de novas finalidades para a escola pública. Mais do que
transmissora de saberes, ela surge como agente de transformação, cabendo-lhe formar
175
cidadãos autónomos não só na procura de formação ao longo da vida, mas também na
capacidade de intervir prospectivamente.
Com a queda do regime ditatorial, em Abril de 1974, desaparece do discurso educativo a
expressão “prospetivo”, uma vez que se abre o caminho para a construção de um
presente que requeria a participação de todos os portugueses. Nesta lógica, caberia à
escola a formação de cidadãos capazes de contribuir para a construção duma sociedade
mais justa e para a melhoria da qualidade de vida. Esta ação reconstrutora passa pelo
desenvolvimento do sentido crítico em situações concretas do mundo envolvente, do
qual se recolhem os motivos ou as problemáticas suscetíveis de ser tratadas na sala de
aula como matéria de ensino e aprendizagem. O objetivo final do processo educativo
seria a intervenção nesse mesmo mundo envolvente com ações tendentes à resolução dos
problemas detetados para uma melhoria da qualidade de vida e da defesa do ambiente,
incluindo-se neste, o património cultural e artístico, erudito e popular.
282 LEAL, João (2002). Metamorfoses da Arte Popular: Joaquim de Vasconcelos, Virgílio Correia e Ernesto de Sousa. Etnográfica.
Vol. II (2), p. 271.
176
temáticas regionalistas (bordados regionais, tapetes de Arraiolos, canga de bois, barco
moliceiro, olaria) e correspondentes exemplos iconográficos283.
Após a 2ª Grande Guerra, verifica-se neste domínio uma assinalável revolução nos
métodos de investigação e na conceção do que se poderia entender por “Património”. O
desenvolvimento de novos ramos históricos, nomeadamente a história regional e rural,
permitiu que a defesa do património se alicerçasse numa base científica mais sólida,
dando origem a conceções como as de defesa, salvaguarda, conservação e valorização
do património284. No decurso dos anos 60 surge um novo interesse pela arte popular a
partir de posicionamentos teóricos provenientes do campo da sociologia e da
antropologia. Autores como Lévi-Strauss e Leiris, Greimas e Foucault, Eliade e Lévy-
Bruhl, influenciam toda uma geração constituída por arquitetos, artistas e estudantes.
João Leal destaca Ernesto de Sousa como aquele que melhor teoriza o novo gosto por
um tipo de arte que ele preferia classificar como “arte ingénua”. Ernesto de Sousa
inaugura uma nova sensibilidade, marcada pelos critérios estéticos do chamado
“primitivismo modernista”, que passa a ser visto como uma fonte de renovação de
práticas artísticas e de vanguarda na luta contra o academismo. De acordo com João
Leal, a questão levantada pelos praticantes da etnografia crítica, que, no decurso das
décadas de 50 e 60, se distanciam da etnografia do regime, é uma leitura da cultura
popular capaz de a tornar um aliado das causas da esquerda na sua luta pela
transformação política, cultural e ideológica do país. Como tal, não é de estranhar que
este seja um dos temas abordados pelos intelectuais e artistas de esquerda após o 25 de
Abril, o que virá a justificar toda uma atividade interventiva com contornos pedagógicos
junto da população285. Para Rocha da Silva, a arte popular é socialmente interveniente e
caracteriza-se por uma estreita ligação com o modo de vida do povo. Desligada da vida,
a apreciação desta arte pelas camadas burguesas assume um carácter abstrato,
conduzindo a visões estereotipadas e cristalizadas em museus e massmedia. Ora, tendo
em conta uma sociedade onde a ciência e a tecnologia assumirão um papel
preponderante, colocam-se as seguintes questões:
283
Desde o séc. XIX e durante o Estado Novo, o património nacional, nas suas formas, popular e erudita, foi associado ao turismo,
ao pitoresco e à construção de símbolos nacionalistas. A sensibilização para os bens culturais, em especial os monumentos, foi
desenvolvida em revistas como Universo Pittoresco, Archivo Pitttoresco, Revista Pittoresca e Descritiva, Arte Photographica
(séc.XIX) e Panorama ou a Revista Portuguesa de Arte e Turismo (Estado Novo).
284
Em Portugal é de destacar a ação do Professor Pais da Silva (1929-1977) da Faculdade de Letras de Lisboa, pelo estímulo dado
aos estudos do Património e dignificação da História da Arte como modalidade independente dos estudos universitários.
285
Após 1975, verifica-se uma associação espontânea de cidadãos, organizados em comissões, núcleos, ligas ou centros e
associações em defesa do património comunitário local. Estas associações surgem principalmente em resposta à incapacidade
institucional portuguesa e ao alheamento dos poderes públicos. Entre 1977 e 1979, surgiram entre nós diversos movimentos
associativos em defesa do património cultural e natural. De 1977 a 80 institucionalizaram-se cerca de 57 associações e, em 1980,
ocorreu em Santarém o I Encontro Nacional de Associações de Defesa do Património. De acordo com Jorge Custódio (1981), a
proliferação dos movimentos de Defesa do Património ocorrida no Pós-25 de Abril deveu-se a todo um conjunto de acontecimentos
prévios, nomeadamente aos movimentos que, nos finais dos anos 60, colocaram em causa a crença cega no progresso e consequente
hegemonia cultural, tendo aberto uma nova via à valorização das identidades locais, e aos encontros internacionais e europeus, onde
se definiram e precisaram os conceitos de património cultural e natural, de monumentos de conjuntos e de sítios, ampliando-se em
extensão e profundidade a noção vaga de património (Carta de Veneza, 1964; Convenção para o Património Mundial, Cultural e
Natural, 1972; Carta Europeia do Património Arquitetural, 1975; Declaração de Nairobi, 1976).
177
- Haverá contradição entre a defesa duma sociedade socialista e a preservação das
artes e tradições culturais populares?
- Não deverá a arte popular acompanhar a transformação?
- Sob que critérios deverá a arte popular evoluir sem perder a sua autenticidade?
- Em que medida o inventário e a preservação das tradições culturais poderão
contribuir para a construção duma sociedade socialista? 286
Em resposta a estas questões, Helder Pacheco vem defender a preservação da arte
popular como fator de independência e identidade nacional contra a hegemonia e o
imperialismo culturais. Na sua opinião, o novo modelo de sociedade distinguir-se-ia do
anterior regime pela criação dum sistema de igualdade de oportunidades no acesso à
educação para todas as crianças, do campo ou das cidades, que mostrassem uma
verdadeira vocação para as artes. Neste sentido, a possibilidade de frequentar escolas
adequadas daria origem a artistas representativos da cultura de todo o povo e ao
ressurgimento do património artístico e cultural do país. Um património que, na opinião
de Helder Pacheco, vinha empobrecendo devido a problemas como o envelhecimento da
população, o isolamento das zonas rurais e, em consequência, o abandono do interior e
das ocupações ligadas ao artesanato. Associam-se a este fenómeno o desinteresse das
entidades oficiais e a dificuldade em reconverter as pequenas empresas familiares, em
parte devido ao baixo nível da instrução de muitos artesãos e à falta de formação
técnico-científica tendo em conta as novas tecnologias. Pacheco vê na revitalização da
nossas tradições populares uma possibilidade de dar continuidade às tradições locais,
permitindo desenvolver áreas como o turismo, a exportação e, ainda, a expressão e
comunicação e a ocupação dos tempos livres da população.
Defende para isso a iniciativa de ações tendentes a uma formação cultural generalizada
da população; a criação massiva de interessados pelas artes; a criação de condições para
a completa manifestação e satisfação das necessidades e capacidades espirituais dos
indivíduos; a compreensão e o respeito pelas tradições culturais do passado e do
presente. Em suma, uma cultura que se manifestasse em todos os aspetos da vida do
homem, a começar pela configuração do ambiente em que vive, de modo a que cada vez
maior número de cidadãos participasse ativamente na definição da política cultural do
país. Uma cultura em que os professores e os intelectuais fossem responsáveis por essas
manifestações, as quais passariam pela escola através da pesquisa das tradições culturais
locais e, de forma privilegiada, pela promoção da ligação da escola à comunidade.287
286 Filipe Rocha da SILVA. Arte Popular. Arte Opinião nº6, 1979. Associação de Estudantes da Escola Superior de Belas Arte de
Lisboa (p. 6-8 e 28).
287 Em 1973, durante a Reforma de Veiga Simão, Helder Pacheco faz parte da equipa de remodelação do programa de Desenho,
por parte do Ensino Técnico, e envolve-se entusiasticamente na conceção do Caderno do Professor do 5º Grupo. É um dos
professores que faz a transição da disciplina do “antes” para o “pós-25 de Abril,” mantendo-se na direção dos programas para o
Ensino Unificado, e a ele se atribui a escolha da designação “Educação Visual”.
Do seu vasto trabalho de investigação e publicações sobre as questões do Património, destacamos, pela sua relação direta com a
revolução em curso na recém criada disciplina de Educação Visual, os seguintes artigos: “Cultura popular e socialismo (v). Tentativa
de uma clarificação” necessária. Revista O Professor, nº 16, Março de 1979. pp. 9-10., e: “Cultura popular e socialismo (vi).
Situação do artesanato popular”. Revista O Professor, nº 18, Maio 1979. pp. 20-23.
178
8.2 Currículo e Objetivos Gerais do Ensino Básico
Realizamos uma análise transversal dos programas das várias disciplinas do ensino
preparatório publicados para o ano letivo de 1975-76288, tendo verificado que, para além
dos conteúdos específicos de cada disciplina, existem orientações programáticas comuns
a algumas delas em aspetos que vêm reiteradamente focados desde finais dos anos 50.
Ainda que à luz de uma outra contextualização social, mantêm-se actuais, as questões da
interdisciplinaridade, do enquadramento dos saberes e das metodologias ativas.
Na maioria dos programas não existem referências à interdisciplinaridade e, quando
existem, o conceito é demasiado abrangente, entendendo-se esta como utilização dos
recursos locais e documentais (Ciências da Natureza) ou como enquadramento dos
temas e das práticas (Língua Portuguesa e Trabalhos Manuais). No programa de
Matemática, por exemplo, apesar de a geometria oferecer conceitos comuns à disciplina
de Educação Visual (linha, plano, superfície, volume), não é feita qualquer alusão à
interdisciplinaridade. A disciplina de Educação Visual é aquela onde esta questão se
coloca com mais pertinência, considerando-se fundamental a “regionalização das
aprendizagens” através de uma planificação conjunta dos professores das várias
disciplinas do currículo, partindo de temas significativos e concretos do mundo próximo
da criança, de modo a ir ao encontro de um tipo de escola que pretende proporcionar
“uma visão integrada do real, recusando a fragmentação de conhecimentos.”289
288
Apêndice 8.
289
Programa de Educação Visual para o ano letivo de 1974-1975 em Anexo A.11.
290
Idem.
179
programas apontam para o desenvolvimento do processo do ensino aprendizagem
através de métodos ativos em articulação com o contexto real.
180
Uma pedagogia de exigência e rigor em relação à qualidade do ensino no que respeita quer
ao conteúdo e aos métodos, quer à sua adequação à realidade discente concreta.
Uma aprendizagem que integre as realidades do meio e que se fundamente numa cultura
nacional, visando um saber atuante dentro da comunidade e integrando-se numa perspetiva
humanista e universalista.
Uma metodologia ativa centrada no aluno, baseando-se nas suas vivências e na
problematização das aprendizagens, na procura de soluções e na reflexão crítica.
Uma orientação da aprendizagem no sentido da procura da qualidade de vida e da defesa do
ambiente, nele se incluindo o património cultural e artístico, erudito e popular.291
Em 1978, ocorre uma reformulação dos programas publicados em 1975 pela qual se
equacionou o problema da interdisciplinaridade, tendo esta sido entendida como um
projeto global de ensino, sem compartimentações curriculares. De acordo com os
redatores do documento, tal projeto implicaria uma reestruturação total do sistema
escolar e, como tal, considerando as limitações existentes, procurou-se fazer uma
articulação vertical com os Programas do Ensino Primário e uma coordenação entre as
várias disciplinas do ensino preparatório nos seguintes aspetos:
Definição de objetivos gerais comuns e uma atitude pedagógica idêntica por parte de todos
os professores.
Articulação dos objetivos específicos de todas as disciplinas com os objetivos gerais.
Coordenação, sempre que possível, entre as disciplinas, a nível de atividades a organizar,
conteúdos a tratar e capacidades a desenvolver.292
A definição de objetivos gerais correspondeu à preocupação em assegurar uma
formação básica, tendo em conta os dois últimos anos da escolaridade obrigatória e o
facto de que grande parte dos alunos poderia não ter outras oportunidades de
aprendizagem escolar. Como tal, definiram-se três objetivos gerais, englobando os
domínios cognitivo e sócio-afetivo.
1– Aquisição de saber e instrumentos de aprendizagem que sirvam de apetrechamento de
base para a compreensão do mundo, para a inserção na vida prática e para estudos
subsequentes.
2 – Desenvolvimento da autonomia e da socialidade.
3 – Sensibilização de valores subjacentes à melhoria da qualidade de vida293.
Para cada um desses objetivos, indica-se uma amostragem de comportamentos
significativos, os quais seriam concretizados em cada uma das disciplinas294.
291
Ver Anexo A.14. “1978-1979: Reformulação dos Programas para o Ensino Preparatório.”
292
Idem. Ibidem.
293 Ver Anexo A.14.”1978-1979: Reformulação dos programas para o Ciclo Preparatório: Objetivos Gerais e Comportamentos”
correspondentes.
294 Anexo A.15. “1978-79: Programa (reformulado) para a disciplina de Educação Visual do Ciclo Preparatório”. Ver o
desdobramento dos Objetivos Gerais e os Resultados e Comportamentos pretendidos na disciplina de Educação Visual.
181
A publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1986, constitui o epílogo de
todo o período pós-revolucionário295. Entre 1974 e 1986, decorrem doze anos durante os
quais se aprofundam e detalham os aspetos relacionados com a estrutura do sistema
educativo, nomeadamente a articulação horizontal e vertical do currículo do ensino
básico, a correspondência entre os objetivos das diversas disciplinas do plano de estudos
e a avaliação.
295 Lei de Bases do Sistema Educativo; Ponto 4 do Artº 2. Princípios Gerais: “O sistema educativo corresponde às necessidades
resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos.
Incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e dignificando a dimensão humana do trabalho”;
Ponto 5: “A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias,
aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em
que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva”.
182
no currículo do Ensino Preparatório e a sua contribuição para o processo educativo geral
é fundamentada nos seguintes termos:
- Pela capacidade de ativar e desenvolver os mecanismos de perceção, assimilação,
compreensão, criação e comunicação. Um processo que se inicia a partir do contacto
direto com mundo exterior até à elaboração de conceitos e imagens mentais e sua
comunicação por meio de símbolos.
- Para compreender e aprender a utilizar a comunicação visual como instrumento de
formação pessoal e social.
- Pela possibilidade de aprender o tipo de conceitos que podem visualmente ser
comunicados, os processos conducentes à sua realização e o seu impacto sobre o
meio envolvente.
- Para aprender a ter uma atitude crítica relativamente ao envolvimento,
nomeadamente às decisões e aos produtos da conceção humana, investigando os seus
métodos, as razões da sua existência e o seu significado.
- Pela proposta de desafios à imaginação criadora em situações que contribuam para a
compreensão e a intervenção no presente e sejam estímulo para a conceção do
futuro.
Em termos gerais, o programa proposto para o ano letivo de 1975-76296 representa
algumas diferenças significativas relativamente àquele que fora proposto pelo Caderno
do Professor do 5º Grupo (1973), verificando-se uma maior incidência e abrangência no
plano do “design”, ainda que as referências bibliográficas297 indiquem uma continuidade
da tendência do design como forma de expressão plástica. Verificamos igualmente a
recuperação da abordagem temática,298 deduzida do Programa de 1948 e do Compêndio
de Betâmio de Almeida, e que consideramos ser a verdadeira estrutura deste Programa,
ou pelo menos o seu aspeto mais claro em termos operativos.
Por outro lado, a soma dos conteúdos provenientes do ensino técnico e do ensino liceal,
dá azo a um programa com uma extensão difícil de se concretizar na prática, abrindo
contudo possibilidades ilimitadas aos professores para a sua própria gestão do mesmo.
As áreas de conteúdos a considerar no plano de desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem são as seguintes:
- Abordagem temática (experiências e atividades lúdicas; expressão a partir de
experiências emocionais ligadas ao mundo da criança; objetos, factos e
acontecimentos derivados das experiências da criança através da prospeção do meio
296
Anexo A.12.
297
ECHEVERRIA, J. – Escuela y conscientizacion, Editora Zero, Bilbao, 1974; FAURE, Edgar e outros – Apprendre à être, Unesco
– Fayard, Paris, 1972 ; GERARDIN, Lucien – Os futuros possíveis, Morais Editora, Lisboa, 1973.; PATRIX, Georges – Design et
environnement, Casterman, Paris, 1973 ; PALMER, Frederick – Visual Awareness, B.T. Batsfard, Londres, 1972; PICKRING, Juhn
- Visual education in the Primary School, B.T. Batsfard, Londres, 1971; GREEN, Peter – Design Education, B.T. Batsfard, Londres,
1974.
298
Ver no Anexo 12. “3. Sugestões para o desenvolvimento do Programa” pp. 74-78.
183
ambiente; objetos, factos e acontecimentos derivados das experiências futurológicas
da criança através da planificação prospetiva da comunidade).
- Comunicação Visual e conceitos da linguagem visual (estrutura da imagem;
qualidades sensoriais dos elementos da realidade; organização visual dos elementos
do real; processos de execução adequados a cada meio de comunicação; técnicas e
materiais; meios de comunicação visual).
- Design (atividades predominantemente estéticas: Pintura - Escultura - Desenho-
Arquitetura - Artes Gráficas - Fotografia e Filme - Banda Desenhada - Cinema e
Televisão - Etc.; e outras de caráter prático: design de objetos; design gráfico; design
de interiores; design de meio ambiente, urbano, de interiores, paisagístico).
- Contacto com a obra de arte.
- Relativamente a este último conteúdo, é de notar que não só é apresentado no final
do programa, como aparece destacado como se fosse um “outro” programa299, sem
articulação com os conteúdos anteriores. Este facto parece-nos um sinal evidente do
conflito já existente entre as duas principais conceções da educação artística na
época, a “Educação pela arte” e a manifesta e progressiva tendência da “Educação
pelo Design.”
299
Ver em Anexo A.12.: “4. Sugestões Programáticas para o Contacto com a Obra de Arte (englobando nesta designação todos os
meios de comunicação visual como arquitetura, pintura, escultura, artesanato, cinema, fotografia, televisão, etc.) na disciplina de
Educação Visual do Ensino Preparatório.” Apresenta-se um programa destacado com objetivos e procedimentos próprios. Na
verdade o programa que mais se aproximou das conceções da “Educação pela arte” terá sido aquele que foi proposto no Caderno do
Professor em 1973.
184
- Desenvolvimento do processo de aprendizagem: definido o ponto de partida e as
aprendizagens a promover, há que prever as fases do projeto e como a aprendizagem
vai decorrer em cada uma delas.
- Auxiliares didáticos: instrumentos e materiais necessários (exs: diapositivos, filmes,
cartazes, estampas e fotografias, revistas, livros, desdobráveis, etc.), incluindo
aqueles que os alunos pudessem recolher e obter no seu meio envolvente.
- Meios e Materiais de Expressão: guaches, ceras, marcadores, pasta de papel, gesso,
barro, papéis, cartões e cartolinas de formatos e qualidades variadas, linóleo ou
madeira para gravura, materiais recuperados (trapos, arame, plástico, película
fotográfica ou de cinema inutilizada, etc.), esquadro, compasso, etc.
- Tempo previsto (varia de acordo com a complexidade do projeto e o seu
desenvolvimento faseado).
- Articulação com outras disciplinas.
- Avaliação.
A avaliação assume um caráter formativo e sumativo. No primeiro caso, a avaliação faz-
se ao longo do projeto através de reflexões individuais ou de conjunto para orientar ou
superar possíveis dificuldades. No segundo caso, a avaliação ocorre no final dum ciclo
temporal e pretende classificar o rendimento individual dos alunos.
185
1.3. Conhecer os elementos visuais e a sua interação
1.4. Empregar termos específicos
2.1. Desenvolver o sentido crítico
2.2. Criar hábitos de resolução metódica de problemas
2.3. Abrir-se socialmente
3.1. Reconhecer a importância da valorização estética do ambiente
3.2. Identificar elementos do património artístico local
3.3. Reconhecer a importância do legado artístico e da sua preservação e valorização300.
Orientações Pedagógicas
Mantém-se o mesmo modelo pedagógico evidenciado no programa anterior,
nomeadamente em aspetos como a valorização da experiência, da interdisciplinaridade e
da flexibilidade curricular. Na rubrica “Contacto com a obra de arte”, apresentada no
programa anterior, verifica-se uma redução do seu âmbito de investigação, dando-se
predominância às artes populares e regionais, numa empenhada clarificação da nossa
entidade nacional e no valor das raízes culturais que a alimentam.
É então com uma pedagogia centrada nas atitudes, e a partir de uma base de trabalho
adequada à prospeção do meio, que a disciplina de Educação Visual pretende
desenvolver no aluno a compreensão dos aspetos visuais e vivenciais da tradição
regional, em relação com o contexto sócio-cultural e natural em que aquele se insere.
Será importante destacar que, com a presente reformulação dos programas para o Ciclo
Preparatório, desaparece do currículo a disciplina de Estudos Sociais. Por sua vez, a
disciplina de Educação Visual parece absorver grande parte dos temas tratados nessa
disciplina, afastando-se da matriz conceptual do programa de 1975. As três áreas de
exploração temática passam então a ser o “Ambiente”, “A Comunidade” e o
“Equipamento”, acentuando-se a vertente do design utilitário, numa clara imersão no
real301.
300 Ver Anexos: A.14. e A.15. Neste último apresenta-se o quadro de “comportamentos” que se desejaria desenvolver na disciplina
de Educação Visual do Ciclo Preparatório.
301 AMBIENTE: A Natureza – rios, mar, animais, estações do ano; Parques e Jardins – organização, pavimentação e
embelezamento; Poluição e defesa do ambiente – habitações, escola, oficinas, edifícios agrícolas; Urbanismo – problemas locais
referidos a necessidades coletivas; Património artístico – edifícios e monumentos locais; artes populares. COMUNIDADE: Trabalho
– agricultura, pecuária, pesca, artesanato, industria, comércio, serviços (domésticos e outros); Saúde – Higiene, poluição
(atmosférica, sonora, visual, etc.), hospitais, problemas da terceira idade e diminuídos; Alimentação – O que se come, donde vem,
como se faz, o que se deve comer, novos métodos de produção de alimentos em pequenas unidades agrícolas; Circulação –
transportes coletivos e individuais, do passado e para as necessidades que sentimos, segurança e economia; benefícios e problemas
criados pelos automóveis; Cultura e Recreio – Tradições das festas populares, teatro, comemorações relevantes (25 de Abril, 1º de
Maio, Dias Mundiais, da criança, do ambiente, da árvore, Natal). EQUIPAMENTO: Pessoal – vestuário, utensílios, móveis,
equipamento doméstico, proteção, moda; Escolar – para o estudo, a manutenção e o recreio; de apoio às escolas primárias e infantis
na zona; Urbano – parques e recintos desportivos, de recreio e de cultura, miradouros, abrigos, quiosques, coretos, sinalizações.
186
Planificação do processo de Ensino-Aprendizagem
Tal como anteriormente, a planificação das atividades letivas organiza-se por núcleos de
aprendizagens à volta de projetos, agora designados por “Unidades de Trabalho”. As
atividades propostas devem adequar-se, respetivamente ao 1º ou ao 2º ano, atendendo
aos interesses, capacidades e pré-requisitos das crianças. Para o 1º ano recomendam-se
unidades de curta duração, incidindo sobre a exploração do meio próximo (a aula, a
escola, o bairro) com o principal objetivo de aprender a ver e a representar. Já no 2º ano,
as Unidades de Trabalho devem ser orientadas para a resolução dos problemas (das
pessoas, da escola, da comunidade). Em cada turma, o professor deverá definir com toda
a clareza os objetivos específicos de cada Unidade de Trabalho, os conteúdos
programáticos a explorar e os comportamentos que pretende desenvolver nos alunos,
uma vez que é sobre estes que a avaliação deverá incidir.
187
- Avaliação (professor e alunos refletem sobre o trabalho realizado e procuram
verificar em que medida ele responde ao problema detetado).302
302
Anexo A.15. “1978-79: Programa (reformulado) para a disciplina de Educação Visual do Ciclo Preparatório”
303
Idem: 109
188
Espaço e Movimento), reconhecidos pela sua interação e intervenção (necessidades,
meios disponíveis, forma-função). O desenvolvimento da criatividade far-se-ia também
através de “atividades não condicionadas”, um outro termo que passará a substituir o de
“expressão livre”.
189
Executar traçados e construções
geométricas simples (paralelas e
perpendiculares, triângulos e
retângulos; divisão do segmento de
reta e da circunferência em partes
iguais) na resolução de problemas
práticos.
304
DIÁRIO DA REPÚBLICA.Decreto-Lei nº 26/89, de 26 de agosto.
191
O processo criativo é despertado pela área de “Expressão e Comunicação Visual”, pela
qual o aluno é levado a desbloquear as suas inibições gráficas e a desenvolver
capacidades de análise e criação de objetos de comunicação visual.
Como resultante de todo o processo educativo deveria surgir, em atitude permanente, a
intervenção valorizadora do meio envolvente. Estes estudos, na medida em que
pretendem conduzir à solução de problemas concretos, constituem uma introdução ao
Design. Para o 9º ano reserva-se a disciplina de Desenho, também presente em todas as
áreas vocacionais, a qual pretendia dotar os alunos das bases fundamentais para a
expressão e a representação técnica e interpretativa, necessárias à criatividade em todas
essas áreas, com destaque para os cursos de Mecanotecnia, Eletrotecnia, Construção
Civil e Arte e Design.
Relativamente à proposta programática de 1973, mantêm-se comuns os conteúdos
derivados da linguagem visual e a observação e representação de formas do real. São,
contudo, eliminadas as atividades exploratórias a partir de exemplos da arte em geral e
da arte em Portugal, acentuando-se a abordagem ao design, quer em objetos de
comunicação visual, quer em objetos de equipamento.
Como sugestões de trabalho, são referidos os exercícios de observação direta (esboços,
apontamentos, fotografias); a exploração dos diversos meios expressão plástica; a
recolha e a recuperação de materiais para uso coletivo; a conceção e realização de
objetos de execução simples; a representação rigorosa; a leitura e realização de gráficos,
plantas e outros esquemas elementares; a pesquisa e análise de documentos escritos e
visuais; a organização de dossiers e de painéis informativos; a realização de exposições,
jornais, folhetos, etc.; a discussão e as conclusões em grupo.
Relativamente à avaliação, propõe-se pela primeira vez um conjunto de parâmetros com
a intenção de regular o processo de ensino-aprendizagem, nomedamente
- Criatividade e expressão adequada às diferentes situações;
- Compreensão crítica do envolvimento visual;
- Aquisição de conhecimentos e domínio das técnicas de expressão;
- Intervenção valorizadora do meio e colaboração positiva no trabalho de grupo305.
Para a organização desse processo, e no seguimento do Ciclo Preparatório,
recomendam-se aos professores as seguintes atitudes:
- Coordenação interdisciplinar;
- Atender à progressiva e gradual dificuldade ou intensidade dos conteúdos a integrar
nas propostas de trabalho;
- Aprofundamento dos conteúdos em função dos alunos e das caraterísticas do meio;
- Propor situações que permitam diversas opções.
305 Ministério da Educação Direção Geral do Ensino Secundário. Divisão de Programas e Métodos: Programa do Curso Geral
Unificado a vigorar a partir do ano letivo de 1976-77 (Pág. 5).
192
Sugere-se uma metodologia para a planificação por Unidades de Trabalho e, tal como
preconizado para o ciclo anterior, concebidas a partir do Processo de Resolução de
Problemas ou Metodologia do Design.
No processo de ensino-aprendizagem, os auxiliares didáticos306 seriam abrangentes e
francamente abertos ao exterior. Além da extensa bibliografia para os professores
apresentada no Programa, consideram-se outros mais dirigidos para as situações de aula:
livros, revistas, fotografias, estampas, desenhos técnicos, catálogos, amostras, folhetos e
cartazes; recursos audiovisuais tais como coleções de diapositivos e filmes editados pelo
ITE (Instituto de Tecnologia Educativa)307; equipamentos de diversa natureza como
ferramentas e aparelhagens audiovisuais; objetos (modelos com interesse formal ou
construtivo), quadro negro, material de pintura, gravura e fotografia, material para o
desenho geométrico, etc.; e atividades de conhecimento promovidas através de visitas de
estudo (centros de produção, centros de arte), exposições e espetáculos.
306
Além dos programas para a disciplina de Educação Visual, o Ministério da Educação e Investigação Científica, através da
Secretaria de Estado e Orientação Pedagógica, faz publicar, entre 1975 e 1979, um conjunto de cadernos temáticos para apoiar os
professores desta disciplina: “Educação visual: organização formal”; “Educação visual: fotograma e heliografia: fotografia:
documentação e textos de apoio para os professores do 7º ano de escolaridade”; “Educação visual: signos visuais: representação do
real”; “Educação visual: design”; “Educação visual: documentação e textos de apoio”; “Educação visual: banda desenhada”;
“Educação visual: luz-cor”.
307
O Instituto de Tecnologia Educativa, instituído pelo Decreto-Lei n.º 408/71, de 27 de Setembro, sucede ao Instituto de Meios
Áudio-Visuais de Educação, para ele transitando todos os seus direitos e obrigações. Pelo Decreto-Lei n.º 71/73 de 27 de Fevereiro
detalham-se as funções deste organismo, nomeadamente o de colocar ao serviço de todos os sectores educativos os meios mais
actualizados, particularmente os áudio-visuais. Betâmio de Almeida assume a função de direção do ITE em 1976, que exerceu até ao
seu falecimento em 1985. Aqui desenvolveu um assinalável trabalho de investigação e coordenação de equipas na produção de
materiais áudio-visuais para a disciplina de Educação Visual. Relativamente à promoção das tecnologias educativas em Portugal, ver
artigo de Elias Balnco e de Bento Silva, com o título “Tecnologias Educativas em Portugal: conceito, origens, evolução, áreas de
intervenção e investigação”, publicado na Revista Portuguesa da Educação, 1993, 6 (3), 37-55, e disponível em:
http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/521/1/1993,6(3),37-56(EliasBlanco%2526BentoDuartedaSilva).pdf
193
Comunicação e signos visuais exemplos da natureza e objetos
(índices, signos e sinais visuais fabricados pelo Homem (objetos de
no envolvimento; uso pessoal, equipamento, arte e
Expressividade do gesto, artesanato).
mímica).
Técnicas de representação (a Evolução das formas funcionais
8º Ano partir da análise da qualidade Análise da qualidade formal e
visual do meio envolvente). funcional do meio envolvente.
Educação Visual
A comunicação através de
signos visuais (o processo de
Representação técnica de formas:
transmissão e receção;
denotação e conotação; Noção de vista e de corte.
monossemia e polissemia; os Desenho cotado: planta, alçado, e
suportes visuais, leitura de corte; escalas.
diversos tipos de mensagens Traçados geométricos relacionados
visuais). com as formas funcionais estudadas.
A evolução dos meios de
comunicação visual (pintura
mural, tapeçaria, vitral, baixo-
relevo; invenção da Imprensa;
cartaz, livros, revistas, jornais,
B.D., tecnologias da imagem;
fotografia, cinema, T.V., etc.).
194
8.4 Os conceitos básicos do Programa de Educação Visual
No que se refere aos conteúdos, são os elementos da linguagem visual que se mantêm
em continuidade como saberes nucleares, ainda e sempre à volta do estudo,
representação e criação de formas, ou em exercícios de comunicação visual. O elemento
inovador neste programa parece-nos, sem dúvida, a valorização da experiência do real e,
consequentemente, do sentido crítico e interventivo virado para a resolução de
problemas do envolvimento. A este respeito não podemos deixar de particularizar as
duas grandes questões que passam a dominar a disciplina de Educação Visual – Design,
e Comunicação Visual – e que, pelo estabelecimento de métodos e conteúdos
aparentemente novos, nos conduziu a uma revisão destes conceitos desde o passado, ao
longo da vigência da disciplina do Desenho, até ao estabelecimento da disciplina de
Educação Visual.
195
em meados dos anos 70, o design tornou-se uma disciplina com capacidade de resposta
ao tempo e respetivas condições sociais.308 Sendo assim, vimos o conceito ir-se
alargando a partir de preocupações predominantemente formais até à resolução de
problemas da vida dos homens e das sociedades contemporâneas, tomando
configurações tão diversas como design ambiental, design social e design ecológico. A
problemática do design urbano e ambiental começa por ser alvo de estudo dos arquitetos
da Bauhaus, um percurso interrompido pela 2ª Guerra Mundial e pelos regimes
ditatoriais que se serviram da arquitetura como símbolo e afirmação do poder. Uma das
expressões de divulgação e desenvolvimento desse pensamento pioneiro derivou dos
CIAM (Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna), com uma primeira edição
em 1928, cujo propósito inicial foi a luta contra a influência das Academias e do seu
formulário inadequado à nova sociedade. Após a guerra, o congresso de 1947 em
Bridgwater lançava como objetivos a criação de um ambiente físico que desse satisfação
às necessidades emocionais e materiais do homem e que simultaneamente estimulasse o
seu espírito. Acrescem, pelos estudos de psicologia, psicanálise e sociologia, o
reconhecimento da relação dialética entre a razão e a emoção e o surgimento de teorias
fundadas na motivação individual e no reconhecimento do locus como meio de
construção da individualidade.
O Design, entendido como um processo de intervenção consciente e determinado no
mundo em que nos inserimos, constitui, por si próprio, um fator determinante no
processo de transformação do ambiente e dos equipamentos do homem e, por
consequência, do próprio homem, proporcionando uma significativa capacidade de
intervenção no quadro das transformações sociais309. O designer assume
responsabilidades que o obrigam a participar ativamente na realidade em que vive e
sobre a qual atua, devendo manter-se profundamente consciente do valor cultural dos
objetos e dos espaços, nomeadamente no respeito pelas características locais
relativamente à tradição cultural e à produção de forma, de modo a operar uma síntese
entre as necessidades e as soluções com os valores e símbolos comunitários pré-
existentes. Uma tarefa que implica o contributo interdisciplinar de múltiplas
especialidades, um apurado sentido de observação, uma visão de prospetividade e de
integração. Ao alargamento do design aos modos de organização de vida damos o nome
de “design social”.
António Sena da Silva310 aborda a perspetiva didática do Design, não só em termos de
organização de ferramentas para o ensino, mas também enquanto método didático. Este
308
Ver: Margarida FRAGOSO (2012). Design Gráfico em Portugal. Livros Horizonte.
309
Manuel Costa MARTINS. O design e a sociedade de consumo. Arte Opinião nº 9, Mar/Abr. 1980. Associação de Estudantes da
Escola Superior de Belas Arte de Lisboa (pp. 2-4). Manuel Costa Martins (1922-1995) foi arquiteto, pintor, fotógrafo, tendo feito
parte da primeira geração de professores do IADE após a sua fundação, em 1969. Com o arquiteto Victor Palla (1992-2006), expôs e
publicou em 1957-1959 Lisboa Cidade Triste e Alegre, uma obra considerada excecional no panorama da fotografia portuguesa.
310 SILVA, António Sena da: Design e didática. Arte Opinião nº 13, Jan/Fev. 1981. Associação de Estudantes da Escola Superior de
Belas Arte de Lisboa (p.36-37).
196
último aspeto permite-nos compreender todo um programa incidindo no percurso do
ensino- aprendizagem. Na vertente das ferramentas para o ensino, o design poderia criar
instrumentos físicos para melhorar (ou acelerar) certas formas de aprendizagem,
reforçando eventualmente o peso do discurso didático em sentido único (máquinas de
ensinar, apoios audiovisuais diversos, fichas de ensino, gráficos, mapas, organogramas,
ilustrações e paginação de textos didáticos). Para além deste aspeto específico, o autor
considera que o design pode, de um modo mais alargado, desenvolver em cada
indivíduo (e em cada grupo) a capacidade de interrogar, de propor e, sobretudo, de
intervir e afastar, pelo método de interrogação e questionamento crítico, todas as formas
de totalitarismo. Para Sena da Silva, refletir e produzir artefactos com as suas próprias
mãos são atividades que têm sido quase totalmente eliminadas da vida do homem
contemporâneo, aspeto que, na sua opinião, implica uma alienação generalizada que
retira o sentido da participação democrática na gestão das sociedades.
O homem que não tem o hábito de analisar uma situação, enunciar um problema, definir
um objetivo, estabelecer um inventário dos meios desejáveis e dos recursos
disponíveis… O homem que não tem o hábito de intervir participando em opções
coletivas, transformando ou criando com as suas próprias mãos respostas a necessidades
materiais detetadas. A este homem só resta tornar-se em instrumento dócil de
totalitarismos tecno-burocráticos adjetivados de democráticos” (…) “Aprender a refletir
sobre situações correntes, trazendo-lhes uma contribuição crítica e criativa, numa
perspetiva interdisciplinar, permite uma formação eventual mais capaz de responder às
necessidades de uma vida social caracterizada por uma sucessão de situações novas e
divergentes, incompatíveis com um regime de respostas pré-elaboradas. 311
Partindo do princípio de que a intervenção educativa tem por fim formar homens
capazes de participar numa sociedade melhor, para Sena da Silva, a práxis do design
pode oferecer exemplos de métodos e de atitudes que, na escola e sob o aspeto didático,
podem contribuir para atingir esse objetivo. Na sua opinião, um processo de
aprendizagem que recorra a uma metodologia do design pode ser desenvolvido de várias
maneiras, nas circunstâncias mais diversas e a partir de qualquer pretexto. A procura do
enunciado correto dos problemas e dos objetivos e a avaliação obrigatória de cada
diligência pela produção de um testemunho visível, são em geral suficientes para evitar a
especulação desordenada e a falta de objetividade. Ainda que a metodologia do projeto
ou da resolução do problema tenha, da tradição positivista, a propensão para a
racionalidade e para a objetividade, a flexibilidade do método e a sua necessária meta-
reflexão não incidem na busca da verdade e da universalidade, mas na procura de
soluções que se sabem à partida transitórias tendo em conta o dinamismo social. Neste
sentido, a educação para o design e pelo design tem como uma das suas finalidades
preparar o público/educandos para assimilar e compreender a utilidade do design na vida
311
Idem, ibidem.
197
das pessoas e das comunidades e a incorporação do método como modo de pensar a vida
própria e a da comunidade, tomando sentido na expressão de Moholy Nagy: “Design
para a vida.”312 A metodologia do design, é explicada por Sena da Silva nos mesmos
termos em que surge no Programa de Educação Visual, o que nos dá uma ideia do
consenso teórico e concetual que na época se gera à volta deste modelo educativo.
Helder Pacheco, já referido neste trabalho a propósito da sua intervenção como
programador durante a Reforma Veiga Simão, fundador da disciplina de Educação
Visual no pós-25 de Abril e co-responsável pelo programa no âmbito do Ensino
Unificado, oferece, num artigo publicado em 1984, um esclarecimento acerca do que
entende esperar-se duma educação pelo Design313. Refletindo a sua própria experiência
como professor do ensino técnico e o conhecimento das experiências educacionais que,
conforme já referimos, vinham sendo levadas a cabo pelo ensino técnico no sistema
educativo inglês314, nomeadamente o Schools Council Design and Craft Education
Project, Pacheco problematiza a didática tradicional da disciplina de Desenho,
repudiando as abordagens formalista e utilitarista. Em linhas gerais, para este professor,
a Educação Visual é aprender a ver o ambiente, o património cultural, e intervir no
sentido de valorizar as culturas tradicionais do país. O seu principal contributo centra-se
na valorização do património nacional, propondo um currículo flexível e regionalizado.
Defende a organização do programa por “grandes blocos” ou “unidades temáticas” e a
imersão na realidade para o encontro com o ponto de partida das atividades na disciplina
de Educação Visual. Para a operacionalização destas intenções, propõe uma pedagogia
de intervenção desenvolvida a partir do trabalho de projeto. Nestes termos concebe um
plano de desenvolvimento curricular tendo como princípios estruturais a abertura da
escola ao meio, a flexibilidade programática e a imersão no real (utilização do meio
ambiente como principal recurso educativo), cuja finalidade é o desenvolvimento das
seguintes atitudes:
- Aprender a observar;
- Aprender a realizar (criação ou recriação);
- Aprender a intervir (individual ou coletivamente).
312
MOHOLY-NAGY, Lazlo. Vision in Motion. Chicago, Paul Theobald, 1947. Para Nagy, o design não é uma profissão, mas uma
atitude.
313 Helder PACHECO: Acerca de “Design”. Contributo para uma reativação criadora do trabalho escolar. In: O Professor, nº 69.
Novembro 1984.
A maioria das referências bibliográficas apresentadas neste artigo revelam os autores e as obras que inspiram a sua conceção de
design educacional:
MALDONADO, Tomás (1972): Ambiente humano e ideología, Ediciones Nueva Visión, Buenos Aires;
BAYNES, Ken: About design. Design Council, London, 1976.
SCHOOLS COUNCIL DESIGN AND CRAFT EDUCATION PROJECT. You are a designer, Edward Arnold, London. 1974;
Design for today; Looking at Design, 1975; Education through design and craft.
THOMPSON, Russel e STUART, Jayne E. (1973). Design and the environement. Holmes MacDougall, Edinburg.
EGGLESTSTON, John (1976). Developments in Design Education. Open Books, London.
BERNSEN, Jens (1983). Design: The problem cames first. Danish design Council, Copenhaga.
GASSON, Peter (1974). Theory of Design. B.T. Baresford, London.
314
Ver Apêndice 7. “Design Education no sistema educativo inglês – Anos 50-70”.
198
A Educação Estética passa a ser entendida como um campo de ação criativa, traduzido
no trinómio “Saber Pensar – Saber Ver – Saber Fazer”.
É nesta ordem de ideias que surge a proposta de uma educação integral através do
Processo de Design (resolução de problemas / tomada de decisões), com planeamento
letivo faseado e evolutivo, organizado por unidades de trabalho.
315 João Manuel Rocha de Sousa (n. Silves, 1938). Artista plástico, escritor, crítico de arte e professor, realizou ainda diversos
filmes e documentários televisivos sobre arte e artistas portugueses. Diplomado em Pintura pela Escola Superior de Belas Artes de
Lisboa, aí desenvolveu a partir de 1964 a sua atividade como docente, tendo-se distinguido na área da investigação e da Coordenação
Científica. Foi Professor Auxiliar Convidado no Núcleo de Tecnologia de Ensino à Distância e na Universidade Aberta, onde regeu a
cadeira de Tecnologia do Vídeo no Mestrado de Comunicação Educacional Multimédia e a cadeira de Didática da Educação Visual.
Fez parte de comissões para programação do ensino secundário, de onde resultaram diversas obras de caráter didático.
199
linguagem; “Forma plástica integrada”; “Outros modos de formar” e “Projecto
Artístico”.
Das várias publicações didáticas, só em Para uma didática introdutória às Artes
Plásticas encontramos as suas referências teóricas. De uma extensa lista de bibliografia
não datada e maioritariamente dedicada à linguagem e comunicação visual, destacamos
autores como Rudolf Arnheim (Arte y Percepción Visual; Vers une Psychologie de
l´art), David Katz (Gestalt Psycologie), Gyorgy Kepes (Il linguaggio della visione;
Education de la vision; Signe, Image Symbole; Module, Proportion, Symétrie, Rythme),
Johannes Iten (The art of Colour;Design and form), Munari (Design e Comunicazione
visiva), M. de Sausmarez (Basic Design), A. Marcolli (Teoria del campo), Mukarovsky
(Arte y Semiologia), etc. Muitas destas obras vêm a ser traduzidas e editadas em
Portugal ao longo dos anos 80, constituindo uma base teórica para alunos, professores e
praticantes do Design e das Artes Visuais e autores dos manuais escolares para a
disciplina de Educação Visual.
O manual com o título Desenho publicado pelo Ministério da Educação em 1980 para a
Área das Artes Plásticas do Ensino Secundário, é considerado pelo autor, conforme a
nota prévia aí inscrita, o trabalho que melhor sintetiza as publicações anteriores. Ainda
que o título da obra corresponda a uma designação programática oficial, na verdade a
sua intenção foi apresentar um conjunto de textos e imagens visando os dados essenciais
da perceção visual, no que chama de “ Introdução à problemática básica das artes
visuais”, onde assume a recorrência a dois conhecidos trabalhos de Rudolf Arnheim:
Arte e Percepção Visual e Para uma Psicologia da Arte. Pelo que propõe um programa
organizado de acordo com os seguintes conteúdos:
1ª Parte: 1. A Visão; 2. Elementos estruturais da linguagem plástica: 2.1. Ponto / Linha;
2.2. Textura; 2.3. Cor /Valor.
2ª Parte: Perceção e Forma Plástica: 1.1. Simplificação /Acentuação; 1.2. Rotação /
Sobreposição; 1.3. Construção / Representação; 1.4. Movimento / Ritmo; 1.5. Espaço;
1.6. Agrupamento / Pares.
3ª Parte: Oficina e Modos de Formar: 1.1. Forma Pictórica; 1.2. Forma Escultórica; 1.3.
Técnicas Mistas; 1.4. Análise Ilustrativa.
As referências apresentadas nos textos e as imagens escolhidas (obras de arte, esquemas
gráficos e algumas referências fotográficas ao mundo dos objetos e da natureza) têm a
intenção de mostrar uma perspetiva alargada das artes plásticas (Desenho, Pintura,
Escultura) em âmbitos de ordem técnica, científica, cultural e mesmo profissional, num
contexto de um maior conjunto de disciplinas de índole artística afins como o design, a
arquitetura e os meios de intervenção estética no ambiente.
Quando se fala de visão não se fala apenas da capacidade de olhar, essa espantosa
capacidade que nos permite registar as sensações e perceções visuais. (…) Ver é ir ao
encontro das coisas, é a coordenação dos diferentes olhares, das diferentes sensações, das
200
diferentes perceções, das próprias memórias que nos informam os atos e as escolhas (…). O
ato de ver não é um ato passivo. Ele é tão dinâmico como a própria vida, como a própria
realidade, como o desenvolvimento constante da nossa cultura sobre as coisas. 316
Para Rocha de Sousa, “Ensinar a ver é a mais difícil das artes. Porque passa pela ciência e
não recusa a poética”317. Na sua opinião, o professor das disciplinas de índole artística é o
que centraliza o conteúdo fundamental de toda a formação, sobretudo a nível básico, onde a
educação da visão “integra a consolidação profunda da consciência do mundo envolvente,
aciona apropriações culturais indispensáveis à compreensão de várias disciplinas, atitudes e
métodos de pesquisa”.318
Além das acima mencionadas, Rocha de Sousa participou ainda na realização da
primeira obra expressamente realizada para tratar as questões da Educação Visual.
Publicada pela Didática Editora em 1977 e composta por três volumes, dos quais só
conseguimos localizar o primeiro e segundo319(Figs. 45 e 46). Trata-se de uma coletânea
de textos de diversos docentes, alguns dos quais na Escola de Belas Artes de Lisboa,
envolvidos na instauração da disciplina de Educação Visual: Betâmio de Almeida,
Carlos Sardinha, Elisabete Oliveira, Júlio Tuna, Moreira de Sousa, Pedro Fialho e Rocha
de Sousa, e diretamente envolvidos na redação dos programas, quer em 73, quer após o
25 de Abril, provando que existe um trabalho de continuidade que acompanha as
mudanças introduzidas pela revolução.
Fig. 46. Educação Visual 1, Co-autoria, 1977. Fig. 47. Educação Visual 2, Co-autoria, 1977.
Contudo, esta obra não nos parece propriamente destinada aos alunos, ou a algum ano da
escolaridade em particular, nem se nos afigura essa a intenção dos seus autores.
Consideramo-lo, no entanto, como a primeira expressamente dedicada ao esclarecimento
das novas questões colocadas pela disciplina de Educação Visual, e pela qual certamente
316
SOUSA, Rocha de: Desenho, 1980: 11, 12.
317
SOUSA, Rocha de Sousa. Formação de professores para as disciplinas de indole artística: aspectos do ser e do fazer. Actas do
Seminário sobre Formação de professores, SPGL 9-10 nov. 1979: 72.
318 Idem: 73.
319 A obra encontra-se na Biblioteca-Arquivo do Ministério da Educação. No Anexo B.12. apresentamos os índices dos Volumes 1
e 2, pelos quais o leitor pode verificar os temas abordados e respetiva autoria.
201
os professores, e até os futuros autores de manuais escolares, poderão ter vindo a
orientar-se em termos teóricos.
A “nota explicativa” que abre qualquer um dos livros é assinada por Júlio Tuna e reflete
a preocupação em elucidar o leitor relativamente ao que se pretende com a Educação
Visual e em como esta difere da tradicional disciplina de Desenho.
“Durante muitos anos houve o consenso generalizado de que, para se fazer educação visual
não havia necessidade de livros, bastava olhar as coisas e, a partir delas, executar tarefas de
representação gráfica. Daí que a educação visual fosse confundida com uma disciplina de
desenho.
Hoje em dia, a simples prática de exercícios soltos com base em experiências ocasionais é
insuficiente para se adquirir noções concretas para a compreensão do mundo visual e não
responde às exigências de um mundo cada vez mais científico e tecnológico. O impacto das
imagens visuais quotidianas – televisão, cinema, cartazes, revistas e publicidade (…)
obrigam-nos, em termos de cultura geral e de educação visual em particular, ao
conhecimento e reconhecimento desses processos conseguidos através do estudo teórico /
prático apoiado em noções básicas concretas.
Por isso, propusemo-nos publicar um conjunto de livros onde são tratados, nos mais
diversos aspetos, problemas visuais – educação, comunicação e artes visuais – orientados
para a compreensão das realidades do mundo envolvente e que, por outro lado, possibilite a
iniciação no campo do design. (…).
Por sua vez, o último parágrafo do Volume 1, da autoria de Rocha de Sousa, confirma a
necessidade de um aprofundado conhecimento teórico no domínio de conceitos, de um
conhecimento da linguagem visual própria dos mais diversos meios de comunicação e
de uma cultura artística alargada.
(…) por muito sedutor que seja o poder da imagem – na pintura, na comunicação gráfica, na
banda desenhada, no cinema, na própria publicidade – há conceitos e circunstâncias que só
a escrita pode abarcar com a devida propriedade. Por isso apelamos no sentido de que este
livro seja lido com esforço e atenção: ele está reforçado pela imagem, mas o seu sentido
inteiro só se encontrará pela análise cuidadosa do que nele se escreveu. A educação da visão
não dispensa esse esforço.
A obra é profusamente ilustrada com fotografias de espaços e figuras do mundo real,
diagramas, desenhos e reproduções de obras de arte. As temáticas introduzidas no 1º
volume abordam os problemas da perceção visual, da representação expressiva do real e
os suportes, matérias e instrumentos, de acordo com o respeito pela individualidade no
ver e no fazer.
O ambiente em que uma criança cresce, a qualidade dos estímulos visuais e sensoriais,
contribui para o seu modo de “ver” e para a capacidade de encontrar soluções associadas
ao “fazer” e à natureza das mensagens que irá produzir. Ver será portanto uma forma de
compreender – um processo de formular juízos, mais ou menos completos sobre as
coisas. Desta maneira, a visão é tanto mais profunda e fecunda quanto maior for o
202
nosso conhecimento do mundo em que vivemos, das coisas e dos seres que nele existem.
Se temos um passado rico de experiências, rico de memórias, tanto mais vasta será a
nossa consciência do meio envolvente – e portanto, em princípio, a nossa capacidade de
agir e comunicar.320
A abordagem visual à forma natural e à forma criada pelo homem é realizada em termos
distintos do passado, onde a sua representação era sujeita a uma observação
unidirecional e cenográfica, na ideia de uma realidade fixa, imóvel, quase inalterável – a
perceção das coisas deixou de ser passiva para ser activa. Os artistas procuraram
passar a ver e a representar os objetos a partir de vários ângulos, mudando
sucessivamente o seu significado321. O movimento à volta do objeto (rotação,
aproximação, afastamento) evidencia os elementos caraterizadores da forma e, fazendo
cair convenções antigas, confirma que a realidade está em permanente mutação. Aos
elementos compositivos (proporção, unidade, equilíbrio) tradicionalmente associados à
representação na disciplina de Desenho, acrescentam-se agora novos fatores como
“movimento, ritmo e tempo”, corpo, gesto, expressividade, acentuação, matéria.
Perscrutar o objeto é vê-lo e compreendê-lo nas suas diversas dimensões: organização,
valor expressivo e função: as questões do design do objeto são um assunto tratado com
mais detalhe no 2º volume, onde as noções de antropometria e ergonomia, representação
técnica das formas, estruturas e consumo, são articuladas com os contextos sócio-
culturais de produção.
Não podemos deixar de nos referir aos últimos dois textos do segundo volume, da
autoria de Júlio Tuna, uma vez que tratam temáticas que cremos constituírem o terceiro
eixo da disciplina de Educação Visual. São eles, a Sensibilização à necessidade da
defesa e valorização do Património Artesanal e Artístico e A análise da qualidade
visual do meio ambiente322.
O autor define Arte como um fenómeno cultural na medida em que é uma parte
significativa das manifestações do ser humano. É um fenómeno universal porque tem
visibilidade em todas as épocas e em todos os lugares. E, tendo em conta que é um
produto da sociedade, ela é reveladora do pensamento e das condições tecnológicas e
científicas a cada momento. Pelo texto são caraterizados os aspetos que identificam as
chamadas “arte erudita” e “arte popular”. A “arte erudita” ou “Belas-Artes”, diz, tem
como pressupostos: espírito criador, profissionalismo, acompanhamento da evolução
científica e técnica da sua época, comunicação com grupos sócio-culturais mais
evoluídos e, na maioria dos casos, uma produção representativa da ideologia dominante.
Contudo, diz o autor, a formação e individualização de um país assenta nas
manifestações culturais do seu povo. Trata-se de um tipo de produção localizada, ligada
à maneira de viver e mais próxima das necessidades do homem. Realiza objetos que lhe
320
Vol. 1.”A Educação Visual” p.5.
321
Idem, p. 21.
322
O primeiro texto corresponde às págs. 91-102, e o segundo às págs.. 103-113.
203
são úteis e lhe dão prazer estético. Tal é o caso do artesanato que resulta das
necessidades concretas sentidas por um povo e é determinante da sua cultura. Os
objetos da arte popular permitem compreender costumes locais e regionais. As soluções,
estreitamente ligadas à função, são transmitidas entre gerações, dando um caráter de
permanência e perpetuidade a que chamamos tradição.
O que se pretende com esta abordagem é o despertar no aluno para uma consciência dos
valores identitários, para uma cultura visual desenvolvida a partir da observação, da
curiosidade, da identificação e da valorização do objeto artístico e artesanal. Como tal
coloca-se a seguinte questão:
Que fazer aos objetos quando deixam de estar em uso? Ignorá-los ou deixar que se percam é
o apagamento do património, da nossa identidade. Vamos conservá-los e organizar museus
escolares, locais, regionais, se possível integrados no seu meio ambiente para mantermos os
elos culturais que nos unem aos nossos antepassados e com eles assegurar a transmissão da
cultura”.
O “meio ambiente” pode ser descrito como tudo o que nos rodeia. O desequilíbrio entre
os espaços naturais e os espaços edificados, as imagens, os média, a poluição, o “ruído”
visual e sonoro, são fenómenos das sociedades atuais, caraterizadas por um excesso de
consumo e de contaminações culturais. Face a uma tal agressão, impõe-se uma atitude
crítica e ativa. Que podemos nós fazer pela qualidade do meio ambiente? Como
podemos intervir em prol dum maior equilíbrio entre a natureza e a intervenção humana,
e nesta os objetos criados pelo homem, onde se incluem os meios de comunicação
visuais? São questões que se deixam em aberto, e às quais a disciplina de Educação
Visual pretende dar uma resposta.
204
9 Manuais Escolares
No último Capítulo desta Tese procedemos à análise crítica dos manuais escolares
publicados para a disciplina de Educação Visual no Ciclo Preparatório e no Ensino
Unificado (7º e 8º anos), entre finais dos anos 70 e meados dos anos 80. A partir desta
análise pretendemos verificar o modo como estes recursos educativos souberam ou não,
operacionalizar os princípios programáticos, e qual a “imagem” que eles nos dão da
disciplina de Educação Visual.
Começamos por fazer a apresentação dos manuais agrupados por autoria, tendo como
critérios de apreciação a organização geral e as estratégias textuais e iconográficas
propostas pelos autores. Após esta análise passamos a levantar os modos como são
abordados os objetivos da disciplina de Educação Visual nos manuais para o Ciclo
Preparatório e nos manuais para o Ensino Unificado.
Concluímos com uma síntese comparativa das concepções autorais relativamente aos
procedimentos didáticos e interpretações programáticas, na disciplina de Educação
Visual.
A publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 constitui o limite temporal
da nossa investigação. Com esta Lei extinguem-se as designações: “Ciclo Preparatório”
e “Ensino Unificado”, o que representa o final dum período transitório iniciado no final
dos anos 60. A escolaridade obrigatória passa a compreender os primeiros três ciclo do
ensino básico.
9.1 Enquadramento
Entre 1967, data da criação do Ciclo Preparatório, e o início dos anos 80, verifica-se um
vazio na publicação de manuais escolares para a disciplina de Desenho (do ciclo
preparatório do ensino secundário) e, após o 25 de Abril, para a disciplina de Educação
Visual. Como vimos anteriormente, tanto em 1967 quanto em 1973, o manual tornou-se
um elemento dispensável à aprendizagem. Ao invés, o Ministério da Educação investe
na formação de professores para estas disciplinas, com diversas publicações de caráter
didático e profusas listas de bibliografia e de recursos para o ensino. Ainda assim, Maria
Helena Abreu faz publicar, em 1973, um manual intitulado Educação Artística, a que já
nos referimos.
205
Em 1979 voltam a regulamentar-se normas para a publicação de manuais escolares323.
Eliminada a política do “livro único”, o processo de concurso, apreciação e aprovação
pelos serviços do ME é idêntico ao procedimento anterior, alterando-se somente os
avaliadores, que passariam a ser “dois professores em exercício com prática de ensino na
matéria”, a nomear pelo respetivo Diretor Geral. Os manuais aprovados pelo Ministério
da Educação seriam divulgados em Diário da República e a sua adoção competiria aos
conselhos pedagógicos de cada estabelecimento de ensino preparatório e secundário. A
divulgação dos manuais seria da responsabilidade dos autores ou das editoras, prevendo-
se a oferta às escolas de exemplares para efeitos de apreciação.
Os manuais escolares que selecionamos, correspondem às primeiras edições destinadas à
disciplina de Educação Visual para o Ensino Preparatório e para o Ensino Unificado
após 1974. A massificação do ensino e a liberalização do comércio editorial fazem
surgir diversas publicações em simultâneo e novos autores, muitos dos quais
mantiveram até hoje uma atividade na conceção e autoria de manuais escolares. No seu
estudo sobre o design do manual escolar, Graça Carvalho dá-nos algumas perspetivas
das dimensões que atualmente este assume, enquanto “tipo de literatura compósita
agrupada e compilada por diversas partes interessadas (especialistas, autores, editores,
autoridades) ela tem como objetivo servir vários grupos de utilizadores (professores,
estudantes / alunos, pais)”.324 Os manuais para a disciplina de Educação Visual
publicados a partir de meados dos anos 70 resultam do trabalho de equipas pelas quais
se dividem tarefas como coordenação, realização dos textos, ilustração, fotografia,
paginação, etc., e por uma presença maioritária de autores do sexo feminino.
Tendo sempre como perspetiva que um manual escolar tem nos alunos os seus naturais
destinatários, foi importante para nós descobrir quais as estratégias utilizadas pelos
autores para comunicar os objetivos, os conteúdos e os procedimentos, e verificar se os
manuais publicados no período após a instauração da disciplina de Educação Visual,
conduzem à aquisição dos comportamentos que se queriam desenvolver no aluno, e em
que moldes o fazem textual e iconograficamente.
Apresentamos seguidamente, no Quadro 7. a lista dos manuais publicados para a
disciplina de Educação Visual, no Ciclo Preparatório e no Curso Unificado, dos quais
realizamos fichas individuais e digitalizações que reunimos no Anexo B.
As digitalizações compreendem os índices dos respetivos manuais e outros elementos,
como textos introdutórios ou bibliografia. Além destes elementos, que informam acerca
das intenções dos autores, incluímos também algumas unidades didáticas e fichas de
conteúdos pelas quais esperamos conseguir transmitir a forma como os autores propõem,
textual e iconograficamente, a organização do processo de ensino-aprendizagem.
323
Decreto Lei nº191 de 23 de Junho e a Portaria nº 572 de 31 de Outubro. Ver: Apêndice 1. “Legislação para o manual escolar no
ensino secundário (1836-1986)”.
324
Graça Carvalho 2010: pág.22. Nota de rodapé 2.
206
Os critérios utilizados para a observação individual dos manuais são os seguintes:
- Descrição física;
- Organização do manual;
- Estratégias Textuais;
- Estratégias Iconográficas.
Decorrente desta análise, apresentaremos uma caracterização de cada um dos manuais
após o que passaremos à sua análise comparativa em aspetos como:
- Abordagem aos objetivos da disciplina;
- Desenvolvimento dos comportamentos;
- Progressão dos conteúdos;
- Organização do processo de ensino-aprendizagem.
207
2ª Edição Editora ASA Ver / Comunicar / Margarida B.9. 1
1984 Intervir / Trabalhar. Magalhães
Educação Visual Arminda
5º Ano de Escolaridade Figueiredo
208
9.1.1 Os manuais: Ver e Intervir
Os manuais intitulados Ver não é só olhar 1 e Intervir é projetar e trabalhar 2 325 são as
primeiras publicações para a disciplina de Educação Visual do Ciclo Preparatório após o
lançamento dos respetivos programas em 1974 e 1978. Segundo a nota introdutória do
manual 1, trata-se de uma obra em dois volumes que aborda os estudos básicos da
educação visual de acordo com os programas.
Fig. 48. “Ver não é só Olhar”. Educação Visual 1. Ciclo Fig. 49. Intervir é projectar e trabalhar. Educação
Preparatório do Ensino. Visual 2. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
325
Júlio TUNA; A. Pedreira VILELA; M. Valente MORAIS: VER não é só olhar. Educação Visual 1. Ciclo Preparatório. Ed.
Plátano. 1980 (1ª ed.). Anexo B.7.1.
Júlio TUNA; Luísa OLIVEIRA; M. Valente MORAIS: INTERVIR é projectar e trabalhar. Educação Visual 2. Ciclo Preparatório
do Ensino Secundário. Ed. Plátano. 1984. Anexo B.7.2.
209
9.1.2 Os manuais: “Descobrir” / “Decidir”
Os manuais escolares Descobrir (5º ano) e Decidir (6º ano)326 foram realizados por
Fátima Coutinho, Maria Alberta Menéres e J. Alberto Cardoso, com a coordenação de
Júlio Tuna. As ilustrações são de Isabel Quintino Cardoso. Esta obra em dois volumes é
um convite à leitura, uma proposta verdadeiramente invulgar dentro da lógica dos
manuais para o Desenho e, como veremos, para a Educação Visual. Maria Alberta
Menéres, uma brilhante escritora para a infância e para a juventude, consegue
transformar o ensino-aprendizagem em Educação Visual numa autêntica aventura,
usando todas as técnicas da narrativa para explicar o que se aprende, como se aprende e
para quê.
Fig. 50. Descobrir. Educação Visual 1. Ensino Fig. 51. Decidir. Educação Visual 2. Ensino Preparatório.
Preparatório.
Os temas são enquadrados por informações e reflexões próprias do mundo das crianças,
utilizando a estratégia do diálogo entre alunos ou entre os alunos e o professor. Trata-se
de uma história que se desenrola ao longo de dois anos letivos (cada volume
corresponde a um ano letivo: 5º e 6º anos) com uma turma da qual se destacam, para
efeitos de protagonismo, cinco alunos e o professor. O manual apresenta uma sucessão
encadeada de Unidades de Trabalho ou “micro-narrativas” enquadradas por informações
relativas aos conteúdos, aos procedimentos e aos comportamentos que se pretendem
desenvolver nesta disciplina.
A iconografia, exclusivamente composta por delicadas ilustrações a aguarela e desenhos
a tinta da china que surgem intercalados com o texto, esclarece questões técnicas e dá
imagem aos momentos de trabalho, de discussão, de pesquisa.
326
Anexo B.8.
210
9.1.3 Os manuais: Ver/ Comunicar/ Intervir / Trabalhar
Estes manuais, quer para o 5º ano, quer para o 6º ano, são organizados em três partes,
correspondendo cada uma, a um tema da disciplina: Equipamento, Ambiente e
Comunidade. Para cada tema são dados textos e imagens de caráter informativo,
exercícios de aplicação e “propostas de trabalho” onde se integram os conteúdos:
Linguagem Visual; Meios de Expressão; Técnicas e Materiais.
Fig. 52. Ver / Comunicar/ Intervir/ Trabalhar. Educação Fig. 53. Ver / Comunicar/ Intervir/ Trabalhar. Educação
Visual 6º ano de escolaridade. Visual 5º ano de escolaridade.
211
O manual é ilustrado com fotografias, esquemas, desenhos, com particular destaque para
diversos apontamentos em banda desenhada. No geral, a imagem cumpre sobretudo uma
função informativa, com exceção dos dois protagonistas do livro (cartoons) que
procuram estabelecer uma relação de identificação com o público-alvo (professor e
aluno).
Fig. 54. Educação Visual. 5º ano de escolaridade. Elza Fig. 55. Educação Visual 6º ano de escolaridade. Elza
Ramos e Verónica Soares. Ramos e Verónica Soares.
O manual compreende duas partes dirigidas, cada uma, aos objetivos da disciplina: Ver
e Comunicar.
1ª Parte Ver: as formas na natureza; as formas produzidas pelo homem; elementos
definidores das formas: estrutura, cor, geometria, forma-função.
2ª Parte Comunicar: meios de expressão bi e tridimensionais, teoria da cor; traçados
geométricos; linguagem visual e códigos normativos.
Relativamente, aos objetivos Intervir e Trabalhar, as autoras apresentam textos sintéticos
onde explicam o modo como estes se cumprem, quase sem se dar por isso, ao longo do
ano letivo.
O manual para o 6º ano visa o aprofundamento dos conteúdos de modo a permitir que,
no final do ciclo preparatório, o aluno seja capaz de se exprimir e comunicar
visualmente com autonomia e criatividade. Os enquadramentos são mais aprofundados
212
no domínio dos contextos (p.ex. introduz-se a temática do Património) dando mais
referências culturais e artísticas.
Este livro desenvolve os conteúdos da Linguagem Visual nos domínios Espaço, Forma e
Cor, de modo a dar cumprimento aos objetivos Ver e Comunicar, e sugere a realização
de novos exercícios pelos quais se alarga o conhecimento relativamente a técnicas e
meios de expressão.
O manual organiza-se mediante apresentação de um conjunto de curtas e sucessivas
unidades temáticas (“Tu em relação a…”; “Tu e o teu espaço”, etc.) invariavelmente
divididas em duas tarefas: em primeiro lugar “Ver / Observar” e depois “Representar /
Comunicar”. Para ambas as tarefas são dados enquadramentos teóricos e visuais, sendo
que para a segunda, de natureza mais ativa, são apresentadas propostas de trabalho que
incluem a explicação das técnicas e de meios de expressão.
O manual apresenta textos curtos onde as autoras utilizam uma linguagem em discurso
direto que, sem ser infantilizada, nos parece acessível ao público-alvo.
Predominantemente visual, este livro é ilustrado com fotografias a preto e branco,
reproduções de obras de arte, trabalhos dos alunos e desenhos explicativos. As imagens,
determinadas pela temática, e por vezes ocupando páginas duplas, têm impacto visual e
contribuem para a educação estética e visual dos alunos.
Fig. 56. A Imagem 1. Educação Visual, 5º ano de Fig. 57. A Imagem 2. Educação Visual, 6º ano de
escolaridade. escolaridade.
213
O livro para o 6º ano é organizado de forma idêntica ao anterior, sendo apresentadas
novas Propostas de Trabalho (O Pátio; O Património; O Teatro; O Ruído) e Meios de
Expressão (Impressão; Fotografia; Papiroflexia; Criação de Volumes). Introduz-se no
final um capítulo sobre Valores da Arte Popular e da Arte Erudita.
As “propostas de trabalho” são descritas de acordo com a metodologia de resolução de
problemas. Através de pequenos sinais geométricos vão sendo dadas aos alunos,
orientações, sobre o tipo de comportamento esperado em cada uma das fases deste
método. No final de cada “Proposta de Trabalho”, as autoras desenvolvem a questão da
Avaliação na disciplina, apresentando critérios adequados à natureza do trabalho
desenvolvido.
Os textos são curtos, com predominância da imagem, que ocupa de metade a 2/3 de cada
página. Todo o manual é escrito no discurso indireto e na 1ª pessoa do plural (Vamos
resolver o problema da comunicação…, Começamos por…).
O manual é ilustrado com fotografias, reproduções de obras de arte, trabalhos dos alunos
e banda desenhada. No geral, a imagem cumpre uma função informativa, sentindo-se
contudo uma preocupação estética na sua escolha e enquadramento nas páginas.
Os temas são contextualizados por fotografias do real.
A utilização de reproduções de obras de arte ou de trabalhos dos alunos exemplificam os
resultados que se podem obter com as técnicas e os meios de expressão.
Os manuais oferecem uma organização muito clara, sugerindo, de forma sintética,
soluções para a planificação na disciplina e, quando tal se justifica, a possibilidade de
colaborações interdisciplinares. As matérias de contextualização são tratadas de forma
eclética, dando exemplos da natureza, de formas construídas pelo homem e, nestas, de
obras de arte.
214
9.1.6 Os manuais de Manoel Lopes para o Ensino Unificado
Manoel Lopes realiza, entre 1979 e 1984, dois manuais destinados à disciplina de
Educação Visual do Ensino Unificado onde aborda todos os conteúdos programáticos
destinados a este ciclo de escolaridade.
Fig. 58. Educação Visual 1. 7º ano do Ensino Secundário Fig. 59. Educação Visual 2. 8º e 9º anos do Ensino
Unificado. Manoel Lopes. Secundário Unificado. Manoel Lopes.
215
- Aprofundamento do conhecimento dos elementos visuais, da sua interação e
intervenção funcional, numa atitude de descodificação (leitura da mensagem) do
envolvimento pessoal;
- Desenvolvimento da capacidade de realização (entendida como apoio à atividade
criativa) através da manipulação de materiais, como forma de produção estética.328
As unidades didáticas abordam as seguintes temáticas: Ponto; Linha; Texturas;
Estruturas; Módulo-Padrão; Organização Formal; Transformações; Deformações;
Relação Forma-Função; Signos Visuais; Luz-Forma; Luz-Cor; A geometria no Meio
Envolvente.
Cada uma destas unidades é organizada mediante três itens: (1.) “Generalidades”, um
texto que introduz o aluno na problemática a estudar; (2.) “Objetivos”, com a
determinação daquilo que o aluno deverá ser capaz de fazer ao nível da observação e da
concretização e (3.) “Observar” e “Concretizar”, onde o autor apresenta enquadramentos
relativos aos conteúdos e propostas de trabalho para a resolução de problemas de
natureza formal.
O manual para os 8º e 9º anos publicado em 1979, é organizado em duas partes. Na
primeira parte abordam-se as duas grandes áreas de estudo do 8º ano – Relação Forma-
Função (1º Cap.) e Expressão e Comunicação Visual (2º Cap.) – e do 9º ano: A
Geometria e o meio envolvente (3º Cap.). Os conteúdos, apresentados numa perspetiva
teórica, são acompanhados de exemplos visuais. No final do último tema, dedicado à
geometria, são apresentadas 14 fichas de revisão das construções geométricas. Na 2ª
parte do manual, o autor desenvolve um “plano de trabalho concreto” pelo qual pretende
orientar o professor na planificação do processo de ensino-aprendizagem, numa
perspetiva de compreensão do meio em que a escola está inserida.
Relativamente às estratégias textuais e iconográficas, observa-se uma regularidade nos
manuais. Cada unidade didática é enquadrada por textos introdutórios com uma
linguagem acessível aos alunos e bem circunscritos a cada uma das temáticas propostas.
Acrescenta-se uma síntese ou resumo onde o autor sintetiza as principais ideias e
conceitos. Além destes textos, um pouco mais longos, os restantes circunscrevem-se às
legendas das imagens que ilustram cada unidade didática, no pressuposto de que o aluno
aprenderá mais pelo exemplo visual do que pelo discurso textual.
Os manuais são ilustrados com fotografias, desenhos, esquemas e reproduções de obras
de arte. As imagens, articuladas com o texto, cumprem uma função informativa, sendo
indispensáveis para a compreensão dos conteúdos e dos exercícios que se pretendem
concretizar, podendo neste último caso atuar como agente motivador.
216
9.1.7 Os manuais de Júlio Tuna e Carlos Sousa Rocha para o Ensino
Unificado
Fig. 60. Educação Visual, 7º ano do Ensino Secundário Fig. 61. Educação Visual, 8º ano do Ensino Secundário
Unificado. Júlio Tuna e Sousa Rocha. Unificado. Júlio Tuna e Sousa Rocha.
329
A bibliografia referida no manual, não datada, com uma exceção, indica-nos as orientações teóricas seguidas pelos autores destes
manuais:
A. Marcolli: Teoria del campo. Ed. G.G Barcelona.
Abraham Moles: O cartaz. Ed. Perspetiva.
Bruno Munari: A arte como ofício. Ed Presença.
Bruno Munari: Das coisas nascem coisas. Ed 70.
Bruno Munari: Design e comunicação visual. Ed. 70.
Educação Visual 7 e 8 – Didática Editora (1977)
Herbert Read: O significado da arte. Ed. 70.
Júlio Tuna: Desenho 9º ano. Ed. Plátano.
Lewis Munford: Arte e Técnica. Ed. 70.
Rocha de Sousa e Helder Batista: Para uma didática introdutória às Artes plásticas. Ed Fundação Calouste Gulbenkian.
Maioritariamente na área do Design e traduzidas em português, estas publicações revelam o investimento que terá, à época, sido
realizado pelas editoras nacionais na divulgação das teorias que sustentam o surgimento desta área de estudos em estabelecimentos
como o IADE ou a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, e que enformam igualmente o novo programa da disciplina de
Educação Visual.
217
organização da forma: simetria, rotação, translação, alternância, movimento, artes
cinéticas).
4. “O Registo” (meios e suportes).
5. “Formas adequadas às funções” (relação forma-função, o arco; agentes naturais e
artificiais; redes e estruturas: módulo, padrão; produção industrial e artesanal: protótipo,
dimensões).
6. “Representação técnica de formas”.
7. “Expressão Pessoal” (o gesto, a expressividade, deformação, cor)330.
8. “Comunicação Visual” (comunicação voluntária e involuntária; recetor, emissor,
mensagem; filtros e interferências; a forma caracterizadora de um objeto).
330
Ver digitalização no Anexo B.14.1.
218
A ilustração dos manuais oferece desenhos, esquemas e, maioritariamente fotografias e
reproduções de obras de arte que nos parecem, em geral, contribuir bastante para o
entendimento das matérias. Veja-se, por exemplo, o tema “Expressividade”, que
apresentamos digitalizado no Anexo B.14.3.
Apesar de nos parecer existir progressão dos assuntos em níveis de complexidade, do 7º
para o 8º ano, a organização geral destes manuais suscita-nos alguma dificuldade na sua
consulta, pois não se entende qual o plano ou intenção pedagógica, se os houve, para a
apresentação dos conteúdos. Em ambos os manuais faltam mecanismos de auxílio à
compreensão e aplicação dos conhecimentos, como seria adequado a uma obra dirigida
aos alunos e a esta disciplina.
9.2.1 Ver
De um modo geral, todos os manuais para o 5º ano abordam textualmente este objetivo,
a partir de notas introdutórias cujo sentido comum pode sintetizar-se pela seguinte frase:
“Ver não é só olhar”.
“Saber ver é observar atentamente as coisas; reparar como elas são e qual o seu significado
(…). É interpretar uma mensagem desconhecida ou compreender imediatamente uma
mensagem visual conhecida”331.
Os manuais B.8.1. e B.10.1. procuram explicar, numa linguagem dirigida aos alunos,
como é que a disciplina de educação visual irá contribuir para o desenvolvimento dessa
capacidade e em que medida é que ela se relaciona com outros comportamentos. As
autoras Elza Ramos e Verónica Soares dão um particular destaque à descoberta “do que
nos rodeia” pela via sensorial:
Na Educação Visual, tu vais:
Descobrir o mundo à tua volta
Desenvolver a tua curiosidade em relação às coisas
Aprender a pesquisar
219
Observar aquilo que conheces e descobrir tudo o que te pode escapar a um primeiro “olhar”
porque o hábito conduz-nos a “olhar” sem ver.332
Muitas vezes passamos e olhamos para aquilo que nos rodeia sem vermos, analisarmos e
criticarmos bem o que estamos a ver. Se te aproximares da relva verás que essa mancha
verde por onde costumas passar é composta de pequenas plantas, florinhas e às vezes,
joaninhas (…) observar é ver o conjunto e descobrir os pormenores (…) é compreender
o seu significado, é ouvir, é tocar, é cheirar, é pesquisar, analisar, criticar, é pensar…
- E porque será isto importante?
- Porque tudo aquilo que te rodeia faz parte do teu mundo e só conhecendo esse mundo
muito bem o podes vir a amar e defender, intervindo quando necessário para o
proteger”333.
“Saber ver” e “Observar” são temas que surgem recorrentemente no manual para o 5º
ano de Maria Alberta Menéres e Fátima Coutinho. Estas autoras referem-se à
necessidade de saber observar para descobrir a beleza das coisas, analisar e formar uma
opinião crítica:
“Saber ver é saber apreciar. É não passar por nada sem dar por isso, é ser sensível à
presença das coisas (…) saber ver é descobrir o que é belo (…) é saber sentir. É ser capaz de
escolher entre o melhor e o pior. É ser capaz de ter prazer ou desprazer perante o que nos
rodeia.334
Registar o que se observa ajuda a observar (…). Quando se desenha observando, as mãos e
os olhos trabalham em harmonia (…) Desenhar o que se observa é estudar as formas das
coisas – é um trabalho de pesquisa e experiência.335
Olhar com atenção ensina-nos a distinguir as diferenças (…) a analisar e a ser capaz de ter
uma opinião.336O nosso bem estar anda muito relacionado com os espaços, os sons, as
formas e as cores que nos envolvem. É preciso olhar e pensar antes de decidir sobre a
construção do nosso ambiente.”337 Um ambiente carregado de expressividade e em constante
mutação, assim como quem o observa: As coisas que nos rodeiam (…) têm uma vida bem
complexa feita de forma, espaço, cor e movimento; sons e cheiros. A expressão do mundo em
que vivemos é a relação destes elementos. Esta relação muda constantemente e isso faz com
que o nosso ambiente mude. O ambiente da rua é diferente de manhã e de noite, num dia de
trabalho, ou num domingo. Não é igual o ambiente do parque num dia de chuva ou quando
brilha o sol.
Quando se está triste ou quando se está bem disposto. O que muda? As formas e os espaço,
as cores e os movimentos, os cheiros e os ruídos… e nós próprios. Mudam os elementos que
fazem a vida e a expressão das coisas.338
332 Educação Visual 5º ano de Elza Ramos e Verónica Soares. p.5. Anexo B.10.1.
333 Idem p.13.
334 Descobrir (5º ano). Mª Alberta Menéres / Fátima Coutinho p.11. Anexo B.81.
335 Idem, p.25.
336 Idem, p. 73.
337 Idem, p.105.
338 Idem, p.77.
220
No manual Ver / Comunicar / Intervir/ Trabalhar, “VER” é sempre associado às
atividades de pesquisa que decorrem da necessidade de encontrar solução para um
problema detetado e surge habitualmente pela “voz” do personagem que representa o
aluno. Exemplos:
Vou observar como se processa a comercialização dos alimentos.
Vou observar como as pessoas utilizam a água no meio rural.
Vou ver como se identificam os guarda-chuvas noutros sítios.
… para iniciar o meu projecto, vou observar alguns calendários publicitários.
… para iniciar o meu projecto vou observar alguns desdobráveis.
O desenvolvimento deste “ver” interrogativo e ativo pode ser operacionalizado através
de registos escritos, entrevistas, registos visuais (gráficos ou fotográficos).
Outra estratégia praticada pelas autoras do manual é a utilização das pequenas figuras
que representam o professor e o aluno, para chamar a atenção do leitor para as imagens
dispostas no manual. Tais imagens constituem, a nosso ver, um substituto da realidade,
que será sempre uma situação preferencial e variável em função da localização da escola
ou das oportunidades suscitadas pelas visitas de estudo. Exemplos:
Vais ver alguns exemplos do património;
Antes de responderes, observa bem…
Antes de fazeres o teu autocolante vais ver alguns exemplos.
Vou ver alguns exemplos de arquitetura ao longo dos tempos; /…vamos ver exemplos da
natureza; /…vou ver os locais da escola que precisam de identificação, diz o “aluno”
apontando para as diversas fotografias expostas na página do manual.
Esta mesma estratégia é utilizada no manual de Elza Ramos e Verónica Soares para o 5º
ano 339. Estas autoras partem de imagens de grande qualidade visual e estética, utilizando
frequentemente a fotografia a preto e branco em página dupla, o que, na nossa opinião,
constitui a melhor forma de, por via do manual, sensibilizar os alunos para a qualidade e
variedade visual das formas do meio envolvente.
É por isso comum encontrar chamadas de atenção para as imagens:
Tenta encontrar diversas naturezas de espaço nestas fotografias relacionadas com: dentro e
fora, acima e abaixo, perto e longe.
Forma é tudo aquilo que os nossos sentidos apreendem. Ela pode ser bidimensional ou
tridimensional. Repara nos exemplos…
Perguntar-se-ia finalmente:
- E o que é que nos é dado a observar?
339
B.10.1.
221
De um modo geral, em todos os manuais, VER está relacionado com a perceção do
espaço (natural e construído) e da forma (natural e construída pelo Homem): o espaço
que nos rodeia; as imagens que nos rodeiam; as mensagens publicitárias; a expressão
dos objetos, dos corpos, dos rostos; os elementos visuais existentes nas formas; as cores
na natureza e na obra de arte, etc. E como se trata de ver em pormenor, chama-se a
atenção para os seus elementos definidores (linha, estrutura, textura, cor, geometria,
função, padrão, expressividade, perspetiva, simetria, contraste, etc.), conceitos
enquadrados por textos e imagens ou desenvolvidos ao longo das unidades de trabalho.
9.2.2 Comunicar
As formas de comunicação oral e visual são competências a desenvolver nas aulas de
Educação Visual. No primeiro caso, o aluno será encorajado a exprimir a sua opinião
sobre as coisas que observa no seu meio ambiente, a contribuir com ideias para a
planificação das atividades, a participar na avaliação e a pronunciar-se utilizando termos
específicos da linguagem visual. Quer nos manuais escolares, quer no decorrer do
processo do ensino-aprendizagem, a compreensão dos conteúdos e o domínio de
conceitos específicos da linguagem visual passam a depender de enquadramentos de
diversa natureza. Este aspeto – o enquadramento dos conteúdos – que já havíamos
observado nos manuais de Helena Abreu, por via das imagens, ou de Betâmio de
Almeida, por via da sugestão temática, ganha agora, em virtude do alargamento dos
conceitos e dos meios de expressão, uma dimensão textual e iconográfica que vem a
222
caraterizar os manuais escolares publicados nos anos 80. O livro de educação visual é
para ser lido e observado.
Em termos de estratégias comunicativas inerentes ao próprio manual escolar,
destacamos dois exemplos. Nos manuais Ver, Comunicar, Intervir, Trabalhar340, o
entendimento das matérias e dos procedimentos é conduzido por cinco “personagens-
tipo” (professor e alunos), figuras de banda de desenhada, através das quais as autoras
procuram estabelecer uma relação de identificação com o público-alvo. Estas figuras
funcionam como protagonistas do manual e, por transferência, duma turma-tipo. Através
delas, as autoras sublinham determinados aspetos que surgem no texto, estabelecem a
passagem entre as tarefas ou os enunciados. Utilizam-nas ainda como modelo do próprio
raciocínio do aluno e da relação professor-aluno, exemplificando que a reflexão, o
debate e o consenso, são formas de comunicação promovidas pela disciplina de
Educação Visual.
O segundo exemplo a que nos referimos é o manual para o 6º ano de Elza Ramos e
Verónica Soares. Esta publicação apresenta diversas propostas de trabalho organizadas
tematicamente, contemplando a dupla tarefa de Ver/ Observar e Representar
/Comunicar, realizando-se a transferência entre a observação e a representação através
das imagens oferecidas pelo manual. Para a observação são apresentadas imagens
fotográficas de pessoas, animais, objetos e espaços reais. Como exemplo de
representação são dados a observar produtos realizados pelo Homem e reproduções de
obras de arte.341
340
Anexo B.9.
341
Ver Anexo B.10.
223
verbal e não verbal.342 Ou …na educação visual tu vais aprender a servir-te da linguagem
desta disciplina, a usar a ferramenta que ela utiliza (…) e então será capaz de comunicar
aos outros através desta forma de expressão aquilo que pensas, sentes, vês, ouves, tocas,
usando os meios que aprenderes a utilizar. (…) a função deste livro é proporcionar-te o
conhecimento da linguagem visual, meios de expressão e o domínio de algumas técnicas e
materiais, a fim de poderes resolver situações que surgem nas aulas ou fora delas e
comunicar com os outros com clareza e originalidade, através de uma pintura, de um cartaz,
etc 343.
Enquanto conteúdo de aprendizagem, a comunicação é apresentada na dupla vertente de
um “saber” e de um “saber fazer”.
Enquanto “saber”, é um tema geralmente contextualizado por situações comuns e
exemplos do quotidiano, formas não intencionais e intencionais de comunicação. No
primeiro caso, os sinais emitidos pela natureza, a expressão dos animais ou dos seres
humanos aos quais atribuímos um significado. A comunicação intencional é uma das
grandes capacidades do ser humano. Para isso …
Desde os tempos mais remotos, o Homem criou diversas formas de comunicação usando os
meios de que dispunha - as paredes (para pintar), o tambor (para comunicar através do
som), o fumo (para transmitir mensagens à distância) (…); os alfabetos, as bandeiras, os
códigos dos marinheiros, o braile, a língua gestual, enfim, tantas formas quantas as
necessidades344.
Contudo, hoje, o excesso de informação visual e sonora sobrecarrega o nosso meio ambiente
(imagens, cores, símbolos, sinais, letreiros, cartazes, ruídos, “música ambiente”, etc.),
criando a necessidade de desenvolver o sentido crítico do jovem aluno a fim de o ensinar a
distinguir aquilo que lhe poderá interessar daquilo que é realizado mais com intuito
lucrativo do que tendo em vista as necessidades das pessoas345.
No que respeita ao “saber-fazer”, a comunicação visual intencional é associada à
representação espontânea e expressiva pela qual o artista inventa muitas vezes os seus
próprios códigos, e ao sistema de códigos regularizadores de mensagens visuais. Em
qualquer uma das situações, as mensagens visuais dependem dos meios de expressão,
das técnicas e dos materiais. Também na organização dos manuais, vemos associadas,
por extensão, aos problemas da representação e da comunicação visual, sugestões de
exploração de meios de expressão, de técnicas e de materiais.
A aplicação de materiais tão diversos como o barro, o papel, o vidro, o gesso, a cerâmica, o
arame e o plástico, influencia a forma e a expressão dos objetos346.
342
B.9.1., p.6.
343
B.10.1., pp.5-6.
344
B.10.1., p. 106.
345
Idem, p.109.
346
B.7.1., p.38.
224
Fig. 64. Detalhe de ilustração do manual Ver, Comunicar, Intervir, Trabalhar.
De um modo geral, observa-se um critério comum aos diversos manuais escolares, pelo
que a comunicação é dada como expressão e representação no 5º ano, deixando-se para
o 6º ano a abordagem aos meios de comunicação visuais dependentes de códigos
normativos ou do desenho técnico. Nos manuais para o 5º ano de Maria Alberta Menéres
& Fátima Coutinho (B.8.1.) e de Elza Ramos & Verónica Soares (B.10.1.), é dado um
particular relevo à comunicação enquanto forma de expressão:
Desenhar é também uma forma de exprimir o que sentimos, recordamos ou imaginamos.
Desenhar é como outra maneira de falar.
Explica-se que a expressão depende da pessoa que comunica, dando como exemplo da
singularidade do sujeito o modo próprio de cada indivíduo andar, o tom de voz ou a
expressão facial. Se na comunicação visual a expressão depende dos meios, das técnicas
e dos materiais utilizados:
(…) é importante saber escolher. A maneira de fazer um desenho depende do nosso gosto e
da intenção com que desenhamos347.
Saber comunicar visualmente implica portanto o domínio de certos conhecimentos e
procedimentos.
Para representares um objeto, uma cena da realidade ou da tua imaginação, podes usar
vários processos a que chamamos técnicas de representação visual. Hoje temos ao nosso
alcance a fotografia, o cinema, a televisão (…) para representares um objeto tens várias
maneiras de o fazer: ou tiras uma fotografia, ou desenhas, pintas, modelas, etc. usando
várias formas de expressão e as técnicas a elas adequadas348.
Muitas vezes terás necessidade de transmitir mensagens que têm de ser entendidas por
aqueles a que se dirigem e para isso tens que recorrer a meios de comunicação que
obedecem a certas regras, as quais tens de conhecer e dominar (…) Quando queres anunciar
uma festa de natal na tua escola ou uma campanha sobre alimentação, higiene, etc., podes
fazê-lo de várias formas escolhendo os meios de comunicação apropriados349
347
B.8.1., p.113.
348
B.10.1. pp. 55-58, Capítulo “Ver e Representar”.
349
B,10.1., p.109.
225
Também o manual Intervir (6º ano) se refere ao desenho como forma de comunicar, ao
que acresce a necessidade de conhecer e dominar determinadas de regras de
representação, justificando a aprendizagem do desenho geométrico e outros
procedimentos normativos:
Quando se desenha qualquer coisa de modo a que outra pessoa entenda, está-se a
comunicar. Comunicar implica o conhecimento de certas regras: na representação do real, o
conhecimento da perspetiva, no desenho técnico, a representação por vistas; no desenho
geométrico, o conhecimento dos traçados básicos350.
O manual Decidir351 (6º ano) aborda as questões do desenho técnico e formas
convencionadas de comunicação visual (normas, convenções, perspetiva cavaleira,
escalas, plantas e alçados)352; da representação, onde o esboço é entendido como
trabalho de investigação (o olhar perscruta e procura compreender a forma) 353; da
representação de espaço (planos, profundidade, perspetiva aérea, perspetiva
rigorosa)354; desenho topográfico (mapas e plantas)355; criação de sinais e símbolos356;
desenho esquemático; organigramas357.
A realização de objetos de comunicação visual é pretexto para a aplicação adequada dos
elementos da linguagem visual: espaço (perspetiva, composição); forma (ponto de vista,
escala, proporções, geometria); cor (expressividade, contrastes).
No manual Descobrir (5º ano), as autoras recomendam que na realização de um desenho
se comece por esboçar a traços gerais as formas observadas ou imaginadas, atendendo a
aspetos como ponto de vista, escala, proporções, perspetiva, geometria e composição.
Nos manuais Ver / Comunicar / Intervir/ Trabalhar (B.9) e A Imagem (B.11), o facto de
a organização dos mesmos se processar pelo método de resolução de problemas faz com
que não se observem textos isolados acerca da comunicação visual. No entanto, ela está
presente através das atividades propostas, tais como, no primeiro manual: identificação
da capa, sinalética para identificar os espaços da escola, realização de autocolantes sobre
o dia mundial da árvore, realização de cartaz sobre a poluição, realização de um jogo
sobre a alimentação, pelos quais se ministram aprendizagens como desenho de letra,
forma-função, cor, geometria. No segundo manual: realização de um símbolo e de um
desdobrável sobre as profissões; realização de desdobráveis e cartazes para campanha
contra o ruído, banda desenhada.
350
B.7.2., p.30.
351
B.8.2.
352
Idem p. 177.
353
Idem p. 225.
354
Idem pp. 247, 249.
355
Idem, p. 265.
356
Idem, p. 291.
357
Idem, p. 311.
226
9.2.3 Intervir
Este objetivo é tratado textualmente em manuais que não chegam a propor atividades
neste âmbito e é implícito nos manuais organizados por unidades de trabalho segundo o
método de resolução de problemas, designadamente em Descobrir (5ºano) e Decidir
(6ºano); Ver/ Comunicar / Intervir / Trabalhar (5º e 6º anos) e A Imagem (5º e 6º anos).
O manual Intervir para o 6º ano apresenta uma boa definição do conceito que lhe dá o
título. No entanto, o livro consiste num conjunto de propostas no âmbito das técnicas e
dos materiais, não existindo uma única sugestão para atividades de intervenção.
“Intervir supõe detectar situações e procurar resolver problemas que transcendem os das
necessidades estritamente pessoais.
Ao nível das atitudes, intervir exprime o empenhamento individual na esfera social. Neste
contexto “intervir” pode ocorrer em várias situações. Depende do envolvimento e do meio
ambiente, da situação geográfica, do condicionamento económico, exigência cultural, da
relação aluno/aluno, aluno/professor, aluno /comunidade (…). Para essa concretização, o
aluno tem necessidade de dominar algumas técnicas, conhecer os materiais e saber
manusear os instrumentos. (…).358
O mesmo acontece no manual Educação Visual, de Elza Ramos e Verónica Soares, para
o 5º ano. Apesar de explicar textualmente o que significa “intervir”, a organização do
livro concentra-se nas problemáticas do “ver/observar” e “representar/comunicar”, não
chegando a propor qualquer sugestão de intervenção – ou, quando muito, a intervenção é
exclusivamente relacionada com a realização de objetos de comunicação visual como o
cartaz, o postal o autocolante, assuntos tratados no manual para o 6º ano. Vejamos então
alguns fragmentos deste texto, idêntico ao anterior nas suas linhas principais mas onde
verificamos uma preocupação em adequar a linguagem aos jovens alunos:
“Intervir, significa interferir, modificar (…). Trata-se de “despertar o teu interesse por
situações reais relacionadas com a comunidade escolar e com o meio a que pertences, de
modo a que possas dar o teu contributo na resolução de problemas ao teu alcance.(…) A tua
participação na resolução de um problema na tua escola (funcionamento da cantina ou do
bufet, campanhas de limpeza ou de saúde) ou do meio (proteção da natureza – praia,
floresta, campos, animais…) ou até a tua colaboração com as autarquias (defesa do
património, levantamento de tradições…) pode parecer-te de pequena envergadura. Mas é
assim que vais apurando o teu sentido crítico e aprendendo a atuar perante as várias
situações. Todos temos algo a dizer sobre a cidade, vila ou aldeia onde vivemos e é com a
contribuição de todos que será possível tornar mais habitável o nosso mundo.”359
Já o manual A Imagem (5º ano), organizado segundo o método de resolução de
problemas, avança outras formas de intervir, nomeadamente na valorização estética do
358
Introdução do manual Intervir, p. 5.
359
Educação Visual, 5º ano de Elza Ramos e Verónica Soares. P. 120-121.
227
ambiente e no reconhecimento da importância do património artístico e sua valorização
e preservação:
A educação visual, envolvendo problemas de percepção, comunicação, função estética e
social, estrutura, aparência e consumo, produção e distribuição de coisas, não pode ser
realizada apenas pelo desenho e pela pintura numa área isolada de atividade. Deve, sempre
que possível, transformar-se numa área de estudo prático, integrada interdisciplinarmente
com as restantes áreas do currículo. O programa, baseado numa procura de soluções para
problemas concretos da vida, nas relações com a sociedade, a natureza, a técnica, o futuro
da colectividade, etc., é o suporte de uma educação criativa, com uma função critica em face
à realidade (…). Relacionadas com a capacidade interventiva são apontadas as seguintes
intenções formativas:
(…) - Compreensão dos problemas e da importância do meio ambiente onde vivemos para
que possamos intervir responsavelmente;
- Aquisição dum conhecimento vivo do trabalho artístico, considerado na perspetiva de um
processo social e cultural do povo e do País.360
360
Manual A Imagem 5º ano. P. 5-6.
361
Idem. 6º ano: Unidade de Trabalho “O Património”. P.14.
228
9.2.4 Trabalhar
A representação ou a fotografia de grandes planos das mãos em laboração tornou-se uma
estratégia iconográfica utilizada regularmente até hoje. Nos manuais de Ângelo Vidal
(1910; 1914), observamos pela primeira vez, ilustrações onde as mãos, representadas em
grande plano, pretendem mostrar os processos de trabalho no desenho à vista. E no
manual de Adolfo Faria de Castro, é também um grande plano de uma mão desenhando
sem instrumentos que vem a simbolizar o “desenho de imitação à mão livre”.
Fig. 65. Detalhe de ilustração de Compêndio para o 1º, 2º e 3º anos do Liceu, de Adolfo Faria de Castro, 1932
A partir de finais dos anos 60, os programas insistem na relação pedagógica entre
professores e alunos, abrindo a possibilidade a uma maior participação e interação de
parte a parte. Uma participação que passa pela iniciativa, autonomia e responsabilidades
individuais e coletivas, utilização e apropriação de espaços variados e uma maior
flexibilidade corporal na ocupação dos mesmos. Estas são questões a que alguns
manuais publicados nos anos 80 procuram dar resposta.
Trabalhar é um dos objetivos da disciplina de Educação Visual, pelo que os manuais
explicita ou implicitamente se lhe referem, na maioria dos casos em termos sumários,
em texto introdutório destinado a apresentar os objetivos da disciplina. Geralmente,
encontram-se definições convergentes sobre este objetivo nos livros destinados ao 5º
ano, o que faz todo o sentido na medida em que a aprendizagem das regras de
funcionamento e dos comportamentos desejáveis na disciplina de Educação Visual se
deverá aprender desde o primeiro momento. Saber trabalhar, nesta disciplina, é ser
rigoroso nos procedimentos e na utilização dos materiais, é pensar e ser previdente, é
ser exigente; é saber organizar o espaço próprio e o espaço coletivo.
Nas nossas aulas tu vais adquirir conhecimentos, regras, princípios que te auxiliarão a
encontrar um método e organização de trabalho. Terás necessidade de trabalhar com
rigor, de saber utilizar processos e materiais e de escolher a técnica adequada ao
trabalho, ser cuidadoso, exigente. Terás de pensar, escolher e decidir, terás de saber estar
229
em relação contigo próprio e em relação aos outros. Tudo isto faz parte de um objetivo
da nossa disciplina que deverá estar presente em todos os momentos (…).362
No caso do trabalho de grupo: (…) colaboramos com outras pessoas e cada um de nós
dá a sua contribuição para uma tarefa a realizar. Neste caso é muito importante falar,
ouvir, debater, acolher ideias, aceitar opiniões, escolher as melhores soluções, decidir
em comum. Para trabalhar assim é preciso organizar, definir o que cada um deve fazer
(…)363. Investigar também é trabalhar: procurar informações, “(…) recolher dados,
observando à nossa volta, consultando livros, falando com pessoas, vendo filmes,
fotografias ou diapositivos (…). Se o trabalho a realizar é a representação de objetctos
ou a expressão da figura humana, recorrer à observação de modelos é também
investigar”364.
Os manuais Descobrir e Decidir apresentam uma iconografia exclusivamente composta
por delicadas ilustrações a aguarela, e desenhos a tinta-da-china, da autoria de Isabel
Quintino. Estas ilustrações surgem intercaladas com as páginas de texto e dão-nos
imagens dos processos de trabalho, dos momentos de debate, de pesquisa, do ambiente
que se deseja numa aula de Educação Visual, e da relação entre alunos e alunos e entre
estes e o professor, cumprindo, como tal, uma verdadeira função pedagógica.
Fig. 66. Ilustração do manual “Descobrir”. Educação Fig. 67. Ilustração do manual Descobrir. Educação Visual
Visual. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário. 1. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
362
B.10.1. p.122.
363
B.8.1. p. 129.
364
Idem.
230
Fig. 68. Ilustração do manual Descobrir. Educação Fig. 69. Ilustração do manual Descobrir. Educação Visual 1.
Visual. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
Fig. 70. Ilustração do manual Decidir. Educação Visual Fig. 71. Ilustração do manual Decidir. Educação Visual 2.
2. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
231
Fig. 72. Ilustração do manual Decidir. Educação Visual 2. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário
Fig. 73. Ilustração do manual Descobrir. Educação Visual Fig. 74. Ilustração do manual Descobrir. Educação Visual
1. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário. 1. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
Fig. 75. Ilustração do manual Decidir. Educação Visual 2. Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
232
9.3 Objetivos da disciplina de Educação Visual nos manuais
para o Ensino Unificado
Recordemos os objetivos e os procedimentos pedagógicos, de acordo com programa da
disciplina publicado em 1976:
- Desenvolver a capacidade de comunicar (expressar, representar, projetar, recriar) a
partir de, e em resposta a problemas concretos;
- Promover a formação de um sentido crítico relativamente à ordem visual e estética
do envolvimento, no sentido de o aluno vir a contribuir para uma melhoria da
qualidade de vida e da valorização do património natural e humano;
- Para a organização do processo de ensino-aprendizagem e no seguimento do Ciclo
Preparatório, recomendam-se aos professores as seguintes atitudes:
- Coordenação interdisciplinar;
- Atender à progressiva e gradual dificuldade ou intensidade dos conteúdos a integrar
nas propostas de trabalho;
- Aprofundar os conteúdos em função dos alunos e das caraterísticas do meio;
- Propor situações que permitam diversas opções.
Quanto à coordenação interdisciplinar e ao regime de trabalho em sala de aula, não se
observam quaisquer sugestões nos manuais para o ensino unificado. O primeiro caso
parece-nos revelador do fechamento da disciplina sobre os seus próprios conteúdos, num
desenvolvimento mais especializado dos elementos da linguagem visual, com uma
abordagem de natureza, em geral, teórica e formalista; no segundo caso, parece-nos
evidente que os autores partem do princípio que o sistema de trabalho em Educação
Visual já viria sendo treinado desde o 5º ano, e como tal seria familiar aos alunos.
No que respeita à progressividade dos conteúdos, de ano para ano, esta preocupação
verifica-se nos manuais de Manoel Lopes e, de forma um pouco mais confusa, nos de
Júlio Tuna e Sousa Rocha, onde conforme já nos referimos os autores parecem ter
organizado o seu trabalho como se se tratasse de um catálogo de assuntos.
O manual de Manoel Lopes para o 7º ano começa por introduzir o aluno no estudo dos
elementos da linguagem visual, apelando a uma observação do real, a partir de exemplos
fotográficos. Seguem-se sugestões para composições de natureza formal e abstrata (“A
linha”, Anexo B.13.1.), correspondendo pela quantidade e variedade, a diversas opções
gráficas (Fig. 76).
“A organização formal”, tanto no caso dos manuais de Manoel Lopes como no caso do
de Júlio Tuna e Sousa Rocha, é assunto que incluirá as referências às leis da disposição,
conforme vinha sendo tradição na modalidade de Composição Decorativa: a simetria, a
alternância, a translação, a rotação, surgindo de novo a deformação e a decomposição,
aspectos que refletem as invenções formais oferecidas por movimentos artísticos como o
cubismo, o expressionismo e o surrealismo. O mesmo se verifica no capítulo
“Vocabulário Visual” do manual para o 8º ano de Júlio Tuna e Sousa Rocha, onde são
233
realizadas associações entre determinadas configurações formais e expressões artísticas
como o Construtivismo, a Op Art e o Expressionismo.
As problemáticas da Comunicação e da Expressão são tratadas amplamente nos manuais
observados, quer enquanto registo expressivo, sobretudo no 7º ano, quer enquanto
registo técnico, particularmente no 8º ano. Relativamente ao registo de natureza
expressiva, o manual para o 7º ano de Júlio Tuna e Sousa Rocha (unidade digitalizada
no Anexo B.14.1.) apresenta a “expressividade” sob o ponto de vista do artista e do
designer, em exemplos como a caligrafia, a construção de um logotipo, a pintura, a
caricatura, o desenho, a fotografia, a escultura e o design. No caso dos manuais de
Manoel Lopes, que organizam todas as suas unidades didáticas mediante a dupla tarefa
de observar e concretizar, está implícito que, de acordo com os conteúdos a tratar, os
alunos venham a exprimir-se expressivamente, quer na criação a partir do estudo dos
elementos da linguagem visual, quer na criação de objetos de comunicação e de objetos
funcionais.
Fig. 76. Manual de Educação Visual. 7º Ano do Ensino Secundário Unificado. P. 21. Manoel Lopes
234
O modo como os conteúdos são apresentados apela à observação do real, mas não se
condiciona à especificidade do meio, uma tarefa que, supomos, teria de ser
contextualizada por cada professor de acordo com a localização da escola e os recursos
existentes. Contudo, Manoel Lopes apresenta, no manual para o 8º ano, um projeto de
trabalho que serve a título de exemplo para uma programação do processo de ensino-
aprendizagem a partir das caraterísticas do meio envolvente365. Apesar de não se referir
à metodologia da resolução de problemas, preconizada também pelo Programa para o
Ensino Unificado, Manoel Lopes apresenta um plano para um trabalho de projeto
faseado, que parte da prospeção do meio que envolve a escola, desenvolvendo-se em
duas etapas. Na primeira etapa, os alunos sairiam para o exterior, com o objetivo de
realizarem um levantamento local, onde recolheriam elementos a partir da observação
da natureza e das realizações humanas. Os procedimentos indicados incluem o
levantamento de mapas da localidade ou da região, a recolha de informações
documentais e entrevistas, o registo gráfico e fotográfico. Após esta recolha, proceder-
se-ia à análise da documentação e dar-se-ia uma orientação ao trabalho, que neste caso
foi a escolha do tema “o Rio Douro e o vinho do Porto”. Na segunda etapa, confrontar-
se-iam o tema e os elementos recolhidos no sentido de planear o desenvolvimento do
trabalho de acordo com as rubricas programáticas. Manoel Lopes propõe catorze
atividades, entre elas o estudo dos traçados geométricos a partir dos elementos
construtivos oferecidos pelos monumentos, o estudo da forma-função em objetos
relacionados com a produção do vinho do Porto e a realização de cartazes publicitários.
365
Ver digitalização deste projeto no Anexo 13.2.
235
através da metodologia de resolução de problemas. De acordo com esta metodologia, os
conteúdos são desenvolvidos a partir das necessidades de conhecimento ou de aplicação
exigidas pelos projetos.
Nos manuais de Júlio Tuna e Valente Morais, para o Ciclo Preparatório, observa-se uma
clara indefinição metodológica. Apesar de o manual para o 6º ano incluir, no seu início,
uma explicação acerca do processo de resolução de problemas e um exemplo descritivo
da planificação de uma atividade, o facto é que este livro se concentra na proposta de
diversas atividades explorando meios de expressão, técnicas e materiais, numa clara
aproximação aos trabalhos manuais.
Os livros de Mª Alberta Menéres e Mª de Fátima Coutinho incidem particularmente no
dinamismo do processo de trabalho em Educação Visual e, ainda que não se refiram ao
método de resolução de problemas, ele está implícito na condução das atividades e no
facto de estas partirem sempre de um problema detetado, para o qual os alunos propõem
e executam uma solução com a qual intervêm, ou na escola, ou na comunidade.
Os manuais de Arminda Figueiredo e Margarida Magalhães partem explicitamente da
metodologia de resolução de problemas, cujo processo descrevem no início do manual
para o 6º ano. Estas autoras organizam o livro de modo a corresponder às três grandes
áreas de temáticas da disciplina – Equipamento, Ambiente e Comunidade – e, de acordo
com cada uma delas, apresentam pontos de partida e sugerem atividades de investigação,
após as quais se deixa ao professor e aos alunos a liberdade para conduzir o seu trabalho,
escolhendo os meios de expressão e a forma de comunicar e intervir.
Elza Ramos e Verónica Soares fazem uma interpretação muito própria do Programa,
propondo unidades didáticas destinadas à observação e à representação em várias
situações que convergem para assuntos do interesse dos alunos e para a exploração do
meio ambiente. A organização destes manuais informa-nos acerca do tipo de
planificação do processo de ensino-aprendizagem proposto pelas autoras, onde
verificamos uma valorização do modelo expressivo da educação artística.
Nos manuais de Isabel Pereira e Margarida Cannas, observamos uma distribuição
equitativa das rubricas programáticas, pelas quais se procura oferecer, duma forma
equilibrada, informações relativamente aos elementos da linguagem visual e aos meios
de expressão a partir de exemplos de atividades realizadas de acordo com a metodologia
de resolução de problemas.
Os manuais para o Ensino Unificado comportam duas estratégias distintas. No caso dos
de Júlio Tuna e Sousa Rocha, a abordagem é puramente conteudística e fragmentada,
não se verificando quaisquer propostas para a operacionalização dos conhecimentos.
Manoel Lopes, pelo contrário, aborda os conteúdos dentro de uma mesma lógica regular,
organizando cada unidade didática mediante a enunciação dos objetivos, o
enquadramento do tema pela via textual e iconográfica e propostas de atividades ao
nível da observação e da concretização.
236
Importa ainda referir o modo como estes manuais abordam, ou não, a questão da
avaliação na disciplina de Educação Visual, pois este é, até ao momento, um aspeto
deficitário na redação dos programas.
A este respeito, verificamos somente em dois conjuntos de manuais (Descobrir: 5º ano e
a Imagem 1 e 2) uma abordagem explícita à avaliação.
Nos manuais A Imagem, no final de cada uma das “Propostas de Trabalho”, há um
momento dedicado à avaliação. Por exemplo, relativamente à realização da Capa, a
primeira unidade do manual para o 5º ano, as autoras formulam questões que servirão de
orientação para professores e alunos:
- O conjunto das capas da turma mantém os trabalhos organizados ?;
- A capa protege efectivamente os trabalhos ?;
- As dobragens da capa estão feitas com rigor, respeitando as dimensões ?;
- A identificação da capa permite o seu reconhecimento ?;
- A organização da capa agradou-nos ?.366
Ou, no caso da 1ª unidade do manual do 6º ano, a realização de jogos de chão no pátio
da escola:
- Contribuímos para melhorar o ambiente escolar e aproveitar com lógica os
espaços?
- Considerámos os aspetos indispensáveis de forma-função?
- Procedemos com rigor nos traçados geométricos, nas técnicas e na racionalização
do trabalho?
- Torna-se evidente a utilidade da nossa intervenção? Agradou-nos a execução destes
trabalhos?367
As questões formuladas referem-se aos objetivos iniciais e visam aferir em que medida
foram cumpridos, nomeadamente quanto aos processos desenvolvidos e às
aprendizagens realizadas, e quanto à satisfação colhida da atividade realizada.
No manual Descobrir, para o 5º ano, são apresentados seis textos sobre a avaliação. Em
cada um deles aborda-se um aspeto da mesma, considerada sobretudo na sua vertente
formativa.
Sobre a avaliação enquanto apreciação:
“(…) Avaliar é pensar em alguma coisa e formar uma opinião sobre o seu valor. (…) Pintar
e desenhar, são, muitas vezes expressão livre, e neste caso nem sempre sabemos explicar as
razões porque se gosta ou não.”368
(…) “Avaliar um objecto que planeámos e construímos é observá-lo depois de pronto e
verificar se está de acordo com as regras que definimos antes. Se estiver de acordo com
essas regras, consideramos que está bem feito”369
366
A Imagem, 5º ano. P. 13.
367 A Imagem, 6º ano: P.13.
368 Descobrir, 5º ano, p. 39.
237
Sobre a avaliação reflexiva durante o processo de trabalho:
(…)“Pensar no que se está a fazer, verificar o que está bem e o que está mal e dizer porquê é
avaliar. Avaliar é um trabalho que ajuda a aprender”370
(…) Tomar notas é uma maneira de ajudar a pensar. Também ajuda a perceber se afinal
sabemos ou não o que queríamos aprender. Ajuda a avaliar”371.
E relativamente à auto e hetero-avaliação:
(…) A regra para a avaliação de nós próprios é o progresso que fizemos. O progresso mede-
se comparando o que sabíamos e éramos capazes de fazer no princípio e o que sabemos e
somos capazes de fazer no momento em que refletimos sobre isso. Avaliar é um trabalho que
ajuda a progredir”.372
(…) “Avaliar um trabalho de grupo é também dizer o que pensamos sobre a nossa
participação e a participação dos outros, dizermos o que achamos bem e o que nos pareceu
mal, perguntar-lhes porque fizeram isto ou aquilo, criticar em conjunto o funcionamento de
todos e de cada um”373.
No manual para o 5º ano de Elza Ramos e Verónica Soares, encontramos um pequeno
texto sobre a avaliação, onde se explica que esta se realiza de uma forma espontânea
quando se tomam decisões, por exemplo, quando se escolhe determinado meio de
expressão, ou quando se aprecia um trabalho pessoal ou de outros, dando uma opinião
refletida.
Apesar de o programa para o Ensino Unificado propor um conjunto de parâmetros com a
intenção de regular o processo de ensino-aprendizagem – nomeadamente: criatividade e
expressão adequada às diferentes situações; compreensão crítica do envolvimento
visual; aquisição de conhecimentos e domínio das técnicas de expressão; intervenção
valorizadora do meio e colaboração positiva no trabalho de grupo; – não se verifica
qualquer referência à avaliação dos alunos, nem aos objetos de avaliação, nem aos seus
critérios, nem aos procedimentos de trabalho em sala de aula ou a estratégias
conducentes ao desenvolvimento do sentido crítico do envolvimento. Estas falhas
observadas nos manuais para o Ensino Unificado revelam a dificuldade dos autores em
articular os conteúdos com a dimensão formativa da disciplina, pois esta dimensão teria
de se apresentar mediante exemplos concretos de resolução de problemas e de
dispositivos pedagógicos para a sua consecução.
238
239
240
Conclusão
243
ensino básico, e os planos de estudos caracterizaram-se por um conjunto de princípios
assentes na construção duma sociedade democrática; pela formação de cidadãos
autónomos; e participantes nas transformações sociais. A leitura da Constituição da
República Portuguesa de 1976, e da primeira Revisão Constitucional de 1982, permitiu-
nos encontrar os princípios que nos parecem ter estado na base da formulação das
Finalidades do Sistema de Ensino Público. Na nossa opinião, eles são os seguintes:
- Educação para a defesa e preservação do Património
- Participação da Escola na Comunidade
- Educação para a Democracia
Os dois primeiros, pelo facto de não serem uma novidade no nosso sistema de ensino
público, mereceram-nos um acerto histórico de modo a entendermos a sua persistência
no novo modelo social. O último (“Educação para a Democracia”) foi um aspeto
inteiramente inédito na nossa história política e social.
A disciplina de Desenho passa a chamar-se Educação Visual. A nova designação
encontra um suporte conceptual na psicologia da visão e nas teorias da forma visual. Os
Programas afirmam-se minimamente prescritivos, oferecendo uma grande flexibilidade
na escolha e organização dos conteúdos, de modo a permitirem experiências de
aprendizagem adequadas às realidades locais, e aos diferentes ritmos de aprendizagem
dos alunos. Reforça-se a dimensão da interdisciplinaridade e propõe-se uma
metodologia ativa, centrada no aluno, na problematização e vivência das aprendizagens,
na procura de soluções e na reflexão crítica.
Os conteúdos programáticos mantêm-se na continuidade daqueles que haviam sido
propostos em 1973. No entanto, pela criação do Ensino Unificado, e com a fusão dos
programas, acrescentaram-se saberes e práticas provenientes das diversas modalidades
de Desenho do ensino técnico, nomeadamente as técnicas de representação rigorosa
(axonometrias, desenho cotado, desenho à escala e o design funcional).
A disciplina de Educação Visual define-se por uma linguagem própria e uma
metodologia que a coloca em situação de poder contribuir para resolver as necessidades
da sociedade da sua época.
O Pós-25 de abril revela-se o momento de todas as concretizações. Se neste período
existe algum novo paradigma na disciplina, ele é decalcado das emergências nacionais.
É um convite à ação, à observação crítica, e à intervenção no meio envolvente, na
convicção de que a escola pode formar cidadãos socialmente implicados na construção
do país que se queria ter.
Pretendemos obter uma panorâmica histórica da evolução da disciplina associada a um
dos seus principais recursos pedagógicos, o manual escolar. Pretendemos conhecer os
mecanismos legais que favoreceram ou condicionaram a sua produção; observar o modo
como os autores operacionalizaram os programas curriculares, legislados superiormente;
concluir acerca do seu contributo para a evolução de conceitos e metodologias nestas
244
disciplinas. Para isso, analisámos os manuais escolares que julgamos mais
representativos da disciplina de Desenho durante o seu longo período de vigência, e
todos os manuais de Educação Visual para o Ciclo Preparatório e para o Ensino
Unificado, publicados entre meados dos anos 70 e 80.
Da análise realizada, concluímos que o Manual Escolar é referido em todas as reformas
educativas, evidenciando a sua importância no aparelho curricular, a par da escolha das
matérias, dos métodos e da distribuição das disciplinas.
Pelo seu aspeto formal e como objeto material, o manual escolar fornece um testemunho
histórico e sociológico: condições tipográficas que condicionam a sua apresentação;
enunciado dos saberes e imagens associadas; representação dos valores nacionais, e
tendências da educação artística.
Quanto aos autores, no passado foram poucos e bem situados no tempo. A realização do
manual escolar era um trabalho prestigiante, pelo qual se revelavam as competências
científicas, pedagógicas e artísticas dos seus autores. Estas competências e a confiança
institucional são comprovadas pelos currículos académicos e profissionais (Penim,
2008), uma vez que estes autores integraram órgãos de gestão escolar, exerceram
funções na formação de professores, publicaram textos didácticos e pedagógicos e,
muitas vezes, estiveram implicados na conceção dos próprios programas.
Após o 25 de abril de 1974, mais propriamente a partir de meados dos anos 80, o sector
editorial dinamiza-se e a concorrência entre editoras provoca uma progressiva e
acentuada oferta de manuais escolares. Estes, maioritariamente elaborados por equipas e
co-autorias, passarão a tornar-se vez mais uma questão de projeto editorial.
Relativamente aos manuais escolares publicados para o Ciclo Preparatório e para o
Ensino Unificado, concluímos que, de um modo geral, cumprem o programa no que diz
respeito aos conteúdos programáticos. Contudo, a organização que os autores imprimem
aos manuais revela diversos modos de interpretar o programa da disciplina, no que diz
respeito à metodologia de ensino e organização das matérias. Dum modo geral, os
pontos de partida e enquadramentos temáticos passam preferencialmente pela análise
critíca de elementos colhidos a partir da observação do meio envolvente, e de exemplos
de objetos de natureza técnica e artística, facilitados pela reprodução fotográfica.
A maioria dos manuais para o Ensino Preparatório revela a preocupação em integrar
comportamentos que visam uma educação para a cidadania e para a participação ativa,
através da metodologia de resolução de problemas. De acordo com esta metodologia, os
conteúdos são desenvolvidos conforme as necessidades de conhecimento ou de
aplicação, exigidas pelos projetos.
Nos manuais para o Ensino Unificado (7º e 8º anos) verificamos uma tendência para a
apresentação dos conteúdos, dum modo que definiríamos como “catálogo” e, em geral,
na sua aplicação em exercícios de natureza puramente formal. O “método de resolução
de problemas” não é sugerido em nenhuma destas obras, o que nos causou alguma
245
estranheza, uma vez que este fora definido pelos programas como metodologia
unificadora dos dois ciclos de escolaridade. Como tal, ainda que os manuais de Manoel
Lopes, ofereçam exemplos do tratamento dos conteúdos através de metodologias
sequenciais, o facto é que a atitude interventiva na resolução de problemas concretos e
toda a educação para a cidadania daí decorrente, são aspetos que não vimos abordados
nestes manuais. Perplexos, perguntámo-nos qual o motivo pelo qual, numa fase da vida
onde os jovens se confrontam com inúmeras dúvidas acerca do seu papel no mundo, são
alheados dos procedimentos que poderiam conduzi-los a uma melhor integração e
compreensão do mundo em que vivem.
O motivo, em termos escolares, parece residir na força da tradição liceal, pela qual, o
aprofundamento dos estudos visa o afunilamento e especialização do conhecimento e
consequente escolha vocacional ou profissional. Um caminho linear, que vemos hoje
quebrado pelas emergências sociais: desemprego, requalificação, formação ao longo da
vida.
Apesar das diferentes abordagens à disciplina de Educação Visual, cremos que o grande
paradigma educacional nesta disciplina no pós-25 de Abril é sem dúvida o apelo à
participação, operacionalizado pelo método de resolução de problemas.
Passadas quase três décadas, a pertinência deste paradigma educacional renova-se face
às problemáticas contemporâneas, conforme verificamos no Parecer sobre as Metas de
Aprendizagem (Parecer n.º 2/2011 in: Diário da República, 2.ª série — N.º 1 — 3 de
Janeiro de 2011). Neste texto, considera-se necessário voltar a favorecer o uso social
das aprendizagens escolares, a fim de diminuir ou anular os obstáculos de transferência
das mesmas para o mundo do trabalho e para a vida quotidiana. Situações que têm sido
postas em causa nas últimas duas décadas pelo fechamento da mentalidade académica,
das escolas sobre si próprias e pelo enclausuramento curricular.
Pelo que se afirma: “A escola continua a trabalhar mais para a manutenção das
performances do que para o afirmado e explicitado ideal democrático de uma escola de
oportunidades para todos.”
Por tudo isto, propomos que se repense a dimensão formativa da escola e, nela, a
contribuição da disciplina de Educação Visual no ensino básico.
246
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escolaridade. 1ª ed. Porto. Porto Editora (reeditado até 1992).
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TUNA, Júlio; OLIVEIRA, Luísa Valente. (1984). Intervir é projectar e trabalhar.
Educação Visual 2. Ciclo Preparatório. Plátano Editora (1ª ed.).
TUNA, Júlio; ROCHA, Carlos Sousa (1983): Educação Visual 7. Lisboa, Plátano, 1ª ed.
TUNA, Júlio; ROCHA, Carlos Sousa (1984): Educação Visual 8. Lisboa, Plátano, 1ª ed.
VIDAL, Angelo Coelho (1910): Desenho Geométrico dos liceus. 4ª e 5ª classes, em
conformidade com o programa, contendo como preliminares, toda a parte do programa de
terceira classe que se refere a projecções. Porto. J. Pereira da Silva.
VIDAL, Angelo Coelho (1911): Desenho dos liceus: 2ª classe. Porto. J Pereira da Silva.
VIDAL, Angelo Coelho (1914): Desenho dos liceus. 1ª classe. Porto. J Pereira da Silva.
259
260
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
APÊNDICES
2014
261
262
Apêndice 1. Legislação para o manual escolar no
ensino secundário (1836-1986)
Antes da 1ª Républica
Decreto de 7 de Setembro de 1835 Ministro, Secretário d´Estado dos Negócios do
Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães
Art.5. O Conselho Superior da Instrucção Publica consultará directamente o Governo
(...): 4. Sobre os melhoramentos e reformas dos Regulamentos literários, métodos de
ensino, e adopção de compêndios, e de quaisquer outros livros clássicos. (pag.9).
263
compêndios das várias disciplinas de instrução secundária, adjudicando os prémios aos
seus melhores autores, conforme os regulamentos.
264
2º Os directores e professores de quaisquer instituição de instrução primária particular
serão punidos na primeira transgressão com a pena de encerramento do respectivo
instituto ou com a suspensão do exercício do magistério por um ano. Nas reincidências
serão estas penas elevadas a três anos.
1ª Républica
Reforma da Instrução Secundária por José Alfredo Mendes Magalhães
Dec-Lei nº 4:650, Diário do Governo nº 157, I Série de 14 de Julho de 1918
Artº 107 – Logo após a publicação dos programas da presente reforma será aberto
concurso, por um prazo de seis meses, para a escolha dos livros de ensino secundário.
Art. 108º- As comissões revisoras que serão constituídas por professores de liceu com
cinco anos, pelo menos, de bom e efectivo serviço, darão o seu parecer dentro de três
meses depois de encerrado o concurso.
Art. 109º- Serão aprovados todos os livros que o merecerem pela exactidão da doutrina,
clareza e método de exposição, em harmonia com os programas e carácter do ensino
secundário, e a aprovação será válida por cinco anos”.
É considerado o procedimento de recurso; No caso do não aparecimento de
concorrentes ou a não aprovação dos livros apresentados, proceder-se-á à abertura de
novo concurso;
Art.112º - “ de entre os livros aprovados pelo Governo, o Concelho Escolar de cada
liceu escolherá os que devem ser adoptados nesse estabelecimento de ensino.
265
- Prevêm-se medidas de arquivo e divulgação dos manuais por parte dos organismos
centrais (Art.222º e Art. 224º);
- Nenhum livro pode ser alterado durante o período (5 anos) da sua adopção (Art. 229º) .
Estado Novo
Decreto Lei nº 18:885 (DG. Nº 225, I Série) de 27 de Setembro de 1930
Regulamenta os Programas para o Ensino Secundário. (Ministro Gustavo Cordeiro
Ramos): Livros para o Ensino (de Desenho)
Um compêndio em três Volumes para as três primeiras classes. Um compêndio em dois
volumes para as classes 4ª e 5ª.
Nota: O livro de desenho deverá ser para o aluno não só um elemento de informação,
mas também um factor importante da sua formação estética. Deverá ser consultado com
prazer, com verdadeiro entusiasmo, incutindo no aluno o desejo de o estimar e de o
conservar com verdadeiro carinho. Para isso, deverá ter as figuras muito bem
desenhadas, cheias de expressão e cuidadosamente ordenadas, de maneira a formarem
um conjunto agradável e apresentará bom aspecto gráfico, quer no papel quer na
impressão. Convém não perder de vista o objectivo fundamental do livro de desenho, que
é facultar no aluno o conhecimento das questões, mais por meio da visão do que por
meio da memória. Deverão, portanto, as figuras ser apresentadas com a clareza
bastante, para evitar as dimensões demasiado reduzidas, sobretudo quando se trate de
construções geométricas (…). A leitura deve ser feita mais na figura do que no texto,
razão pela qual este não deverá ser muito extenso. As construções geométricas serão
apresentadas, de preferência, apenas por um processo. No desenho de invenção, pelo
contrário, serão apresentados vários processos de utilizar e combinar as figuras
geométricas estudadas. A cada uma das construções acima referidas seguir-se-á
imediatamente o desenho de invenção respectivo, mas sem que nele se indiquem linhas
construtivas. Alguns exemplos de desenhos de invenção serão coloridos.(…). Pag.2022.
266
Art.1º Os livros de ensino que devem ser adoptados em cada liceu serão escolhidos pelo
conselho escolar de entre os que forem aprovados pelo Governo, mediante concurso
geral de cinco em cinco anos.
Art. 2º O concurso é aberto pela Direcção dos Serviços do Ensino Secundário um ano
antes do termo do quinquénio e pelo prazo de seis meses”.
Art. 5º “Terminado o prazo do concurso, a DGES fará publicar no Diário do Governo a
relação das obras que houverem sido recebidas, e submete-las-á à apreciação da Secção
do Ensino Secundário do Conselho Superior da Instrução Pública…
Art. 11º. O relatório referente a cada obra deverá considerá-la em primeiro lugar sobre
a conformidade dos programas relativamente à matéria, em segundo lugar sobre a
exactidão da doutrina e a correcção da linguagem, e finalmente sobre a sua
conformação didáctica (…).
Considera-se um período para os autores recorrerem das decisões. Depois de aprovadas e
impressas as obras serão sujeitas a exame pelas autoridades da sanidade escolar, e o seu
preço será fixado mediante parecer da Direcção Geral da Imprensa Nacional. Cumpridas
estas disposições, seriam publicada no Diário do Governo a lista definitiva das obras que
podem seriam adotadas no ensino secundário (Art.20- 1 e 2.).
No fim de cada ano letivo o conselho escolar de cada liceu, para esse efeito apenas
constituído pelos professores efetivos, procederia à escolha, sob proposta dos professores
de cada disciplina, dos livros a aprovar para o ano imediato, de entre os aprovados para o
ensino secundário (Art.21º).
267
2º - Nenhuma modificação nos programas do ensino pode ser posta em vigor durante o
quinquénio a que este artigo se refere.
3º- Nenhuma alteração dos livros adoptados num liceu pode ser aplicada de forma a
obrigar à compra de novos livros os alunos que sigam regularmente o curso liceal, ainda
que se trate de livros rejeitados em novo concurso.
Art. 158ª A apreciação das obras apresentadas ao concurso é da competência da Secção
do Ensino secundário do Conselho Superior da Instrução Pública, havendo direito a
recurso para a Comissão Central do mesmo Conselho sobre preterição ou ofensa das
formalidades regulamentares.
# único – Poderá o Ministro, para esse efeito, agregar à Secção quaisquer pessoas da
sua livre vontade.
Art. 159º. A aprovação definitiva de qualquer obra fica sempre dependente da condição
de, impressa, satisfazer as prescrições da higiene escolar e de ser respeitado o preço que
lhe for fixado.
269
Diário do Governo, nº 43, III Série, de 22 de Fevereiro de 1951
Ministério da Educação Nacional / Direcção Geral do Ensino Liceal: Para os devidos
efeitos se publica a lista dos livros apresentados a concurso a que se refere o aviso
publicado no Diário do Governo nº 145, III Série de 24 de Junho de 1950”,
nomeadamente para a disciplina de Desenho do 2º ciclo, os compêndios de Adolfo Faria
de Castro e Rodrigo Faria de Castro; de António Marques da Rocha e José de Moura
Machado; de Augusto Aníbal de Lacerda Ferreira; de Marília Neves Guanilho e Álvaro
Rodrigues Duarte. (Pág. 294).
Decreto Lei nº39 807, Diário do Governo, nº 198, I Série, de 7 de Setembro de 1954
Introduz algumas modificações nos programas de Desenho dos três ciclos do Ensino
Liceal, afirmando na pág. 1066, que a estes programas corresponderão compêndios, um
para cada um dos ciclos.
270
Após 25 de abril 1974
Portaria nº 572 de 31 de Outubro de 1979
3. Entende-se por Manual Escolar o instrumento de trabalho que permita a aquisição de
conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades e atitudes definidas pelos programas
aprovados.
4. O Manual escolar a que se refere o número anterior poderá revestir três aspectos:
a) Livro de Informação (L.I.) – Contém a informação básica necessária a todas as
rubricas programáticas;
b) Livro de Texto (LT) – Contém um conjunto de textos, constituindo cada um deles uma
unidade, e que são organizados segundo uma ou mais linhas unificadoras;
b) Livro de aplicação (LA) – Contém actividades para aplicação e avaliação das
aprendizagens efectuadas, ou roteiros e pistas de actividades.
272
Apêndice 2. Século XIX: A didática do Desenho
nos manuais escolares estrangeiros, e outras
metodologias
Apesar dos nossos primeiros autores de compêndios de Desenho para o ensino publico
não apontarem quaisquer referências a partir das quais se poderiam ter inspirado para as
suas propostas, o facto é que temos notícia da circulação e divulgação de compêndios de
origem estrangeira em Portugal e que poderão ter contribuído para o delineamento da
disciplina de Desenho no sistema de ensino público português no século XIX e princípios
do séc. XX.
374
Acontecimento referido por TRINHÃO na pág. 289. “A “Mesa Censória” havia sido criada por alvará em 5 de Abril de 1768.
Tratava-se duma instituição criada com a finalidade de reformar o sistema de censura usado até à data e no qual participavam três
entidades: o Santo Ofício, o Ordinário e o Desembargador do Paço. Por Alvará de 4 Junho de 1771, é cometida à «Real Mesa Censória
toda a Administração e Direcção dos Estudos das Escolas Menores destes reinos e seus domínios...» (R. Carvalho, pág. 453).
273
Para Francoeur, o Desenho é uma linguagem e uma arte (habilidade) formadora com
aplicação em diversos campos profissionais e como tal justifica a sua aprendizagem ao
lado de matérias tradicionais como ler, escrever e contar. Na esteira dos ideais
iluministas, além do Desenho, outros conhecimentos passam a compor o plano de estudos
da instrução primária375.
Tendo em conta a sua própria formação académica, Francoeur procura uma ciência do
Desenho, com contornos de exatidão, encontrando-a a partir da geometria. Foi pois dos
campos científico da matemática e da engenharia que partiu o elenco de matérias e os
métodos selecionados para a sua recriação didática.
Francoeur realizou a transposição dos elementos básicos da Geometria Descritiva a partir
do Sistema de Gaspard Monge (1746-1718) adaptando-o aos alunos do ensino primário e
respetivos professores. O seu método excluía explicações teóricas e processava-se pelo
exemplo e demonstrações visuais a realizar pelo professor, reforçadas pela observação de
estampas com os traçados geométricos que os alunos desenhariam por imitação. Os
elementos selecionados foram: o ponto, a linha, o ângulo, as figuras geométricas e os
seus processos construtivos. Influenciado por Pestalozzi, procurou também um método
equivalente à didática da escrita e do cálculo adotando materiais e métodos utilizados por
essas didáticas. O método de Francoeur baseava-se nos seguintes princípios: (i) Todo o
ponto de partida para a aprendizagem do desenho decorre da observação da figura
geométrica. Esta(s) deve ser introduzida progressivamente por grau de dificuldade; (ii) A
cada figura corresponde uma “ordem” (enunciado) que o mestre devia dar aos seus
alunos; (iii) O mestre deve apresentar ao(s) aluno(s) um trabalho previamente preparado
ou executado por ele, para que fosse possível avaliar as dificuldades do traçado e fazer
compreender as diversas “ordens” (execução sequencial do exercício). Francoeur
acreditava que em curto espaço de tempo, mesmo os menos hábeis, quer em geometria,
quer em desenho, conseguiriam traçar corretamente todas as figuras das artes. Essa
capacidade, ou habilidade, seria conseguida através do exemplo e da imitação, sem
preceitos especiais ou teoria. Tal como a aprendizagem das letras e dos algarismos, a
aprendizagem das figuras e elementos geométricos começa por ser puramente visual,
imitativa e repetitiva.
Os capítulos do manual de Francoeur correspondem às sucessivas etapas do seu método:
1º - Traçado à mão livre de figuras geométricas;
2º - Traçado das mesmas figuras mas com a iniciação aos instrumentos de traçado
rigoroso (o mestre demonstraria a utilização dos mesmos);
3º- Resolução de problemas práticos (os que se colocariam aos agrimensores,
carpinteiros, pedreiros…) no cálculo da aritmética aplicada à geometria;
375
Em Portugal, o primeiro Regulamento para a Instrução Primária define o seguinte plano de estudos: “A Instrução Primária
compreende a leitura, a escrita, e os elementos da Gramática Portuguesa, Aritmética, Desenho Linear, Civilidade, Moral, Religião,
Direito Político e algumas Noções de História e de Geografia.” (Regulamento Geral da Instrução Primária” Decreto de 7 de Setembro
de 1835 Titulo I, Art. 1º); O Plano da Instrução Primária (15 Nov. 1836) acrescenta os exercícios gímnicos ao currículo anterior; Na
Reforma da Instrução Pública de Costa Cabral (1844), o ensino primário é dividido em dois graus. Entre as matérias do segundo grau
está o Desenho Linear e a Caligrafia, surgindo esta pela primeira vez.
274
4º - Compreensão da agrimensura e da elevação de planos (topografia);
5º - Introdução ao desenho à mão livre por observação e imitação de corpos naturais;
6º- Introdução aos princípios da projeção ortogonal e sua aplicação ao desenho de
máquinas, arquitetura, peças de carpintaria, etc.;
7º - Introdução ao estudo da perspetiva através do ensino das principais regras e
observação das faces dum objeto.
Os materiais para este ensino são elementares: um quadro de ardósia parietal, onde o
mestre desenha a giz as figuras a serem reproduzidas pelas crianças; as estampas dos
livros correspondentes aos exercícios, que serão igualmente afixadas à vista de todos;
réguas, compasso e esquadros de quadro, e para os alunos, os mesmos instrumentos mas
em tamanho proporcional à lousa onde inscreverão os desenhos.
A didática do Desenho Linear marca uma rutura com a história do ensino artístico das
Academias baseado na observação e representação da figura humana. Com este método a
aprendizagem centrou-se no traçado de figuras geométricas cuja principal aplicação
passou a ser o desenho construtivo e o desenho do ornamento. Além das finalidades de
ordem cognitiva e motora, o Desenho Linear incluía valores morais ao pretender
desenvolver hábitos de ordem e disciplina assim como o gosto pelo trabalho bem feito.
277
278
Apêndice 3. Análise transversal dos programas
para o Ciclo Preparatório do Curso Industrial
(1952)
Língua Portuguesa
As atividades de ensino-aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa centram-se na
leitura, na poesia, na narrativa e na gramática. Os temas propostos procuram conciliar os
interesses das crianças e as suas caraterísticas juvenis com a doutrina ideológica do
Estado:
- “Histórias” de todo o mundo e de Portugal, estas últimas acerca das tradições
nacionais, da lusitanidade, património popular e histórias do povo (“querem-se
narrativas serenas e jucundas, de leitura repousante, críveis quanto possa, sem
fantasmas nem dragões, discretamente edificantes, com moralidade implícita, nada
mais”);
- “Ação e Aventura”, do passado (heróis da história nacional: “temos que refazer a
Jornada da India,” Fernão Mendes Pinto, Fernão de Magalhães, etc.); e do presente
(descobertas científicas, explorações geográficas, etc.);
- “Da vida e da morte dos bichos” (fabulário, histórias de animais);
- - “Descrições dramáticas do universo” (convergência possível com a disciplina de
Ciências da Natureza);
- “A batalha sem fim” (sobre a ação histórica do homem sobre a terra, as primeiras
letras, a invenção do alfabeto; os primeiros livros, o papel, a imprensa e factos dos
domínios científico e artístico);
- “Portugal” (“o discurso das almas”: lendas, tradições, costumes “que se contam à
lareira, na labuta campestre, nas romarias, datas festivas, etc.).
Recursos para o ensino: livro de leitura e a biblioteca da escola ou da turma.
376
Programas do Ensino Profissional, Industrial e Comercial: Portaria n° 13 800, publicada no D.G. nº8 de 12 de Janeiro de 1952
(220 págs.).
279
Para a composição escrita propõem-se exercícios a desenvolver em composições livres
ou sugeridas cuja taxionomia, na nossa opinião, se relaciona diretamente com aquela que
é proposta nas rubricas da disciplina de Desenho. Far-se-iam então exercícios de:
- reprodução (mimesis: cópia, ditado)
- desenvolvimento (capacitação técnica para o uso da linguagem, regras gramaticais);
- reconto (criação);
- imitação (mimesis, repetição, capacitação técnica para o uso da linguagem, regras
gramaticais );
- teatralização (criação)
As orientações pedagógicas apelam mais à expressão da língua do que à aprendizagem da
gramática, propondo-se para isso a revisão do sistema tradicional deste ensino. A
gramática deveria surgir como necessidade de uma boa expressão linguística, dada a
partir de situações concretas. Admite-se o “ensino não sistematizado” remetendo para o
professor a decisão relativamente à gestão do programa, como tal o livro escolar é visto
como uma sugestão para consulta ou referência.
Os temas sobre o “real” são expandidos através das visitas de estudo a fábricas, oficinas,
ateliers, estúdios, jardins públicos, campos (fainas agrícolas), etc., e de métodos ativos,
como reportagens e entrevistas, intercâmbio e correspondência escolar, jornais e
bibliotecas de turma, conferências e anuários (p. 21, 22).
Estas propostas, decorrem de acordo com a citada Portaria, das experiências levadas a
cabo e conclusões retiradas dos estágios dos Professores.
Ciências da Natureza
Na disciplina de Ciências da Natureza um dos objetivos é “Proporcionar ao aluno uma
visão da realidade física que o envolve em correspondência com a sua idade e aptidões
mentais”. O processo de ensino-aprendizagem é apresentado como uma “viagem de
exploração”, com um ponto de partida e um itinerário.
O ponto de partida tem de ser o mundo da mais próxima experiência dos educandos, pois
é esse que eles têm interesse em entender, e a respeito do qual possuem ideias suas. A
tarefa essencial do mestre consistirá em promover a ampliação do mundo com que as
crianças estão em contacto. É mister que obtenham na escola a compreensão inteligente
da vida e das tarefas de hoje”377
O Programa, entendido como um “roteiro”, oferece uma visão dinâmica deste processo
que tem nos conhecimentos e interesses do aluno o seu ponto de partida. Contudo há que
ter em conta que os conhecimentos que os alunos duma mesma sala possuem não são
idênticos uma vez que foi diferente a experiência sobre os quais foram elaborados. Esta
diversidade quase caótica, diz o texto do programa, da bagagem de cada um dos
377
Portaria nº 13 800, p. 24.
280
componentes da expedição, obriga naturalmente o comando a um esforço rigoroso de
organização.
Na elaboração do “roteiro”, o professor deverá então cuidar para que cada um contribua
com a sua experiência e conhecimentos prévios num percurso dominado pela atividade
exploratória.
Os alunos hão-de percorrer o caminho por seu pé, com esforço e de olhos voltados para
a realidade e para as interrogações do seu próprio espírito, não apenas para as páginas
do compêndio, nem apenas para a voz exterior que expõe, disserta e explica378.
Partindo do princípio de que a criança / o jovem não vai à escola para conhecer o mundo
“de ouvido” mas para o descobrir, conta-se com os seus interesses espontâneos e
objetivos e a tendência expressiva-construtiva própria da idade.
As capacidades desenvolver-se-iam através de um ensino ativo, onde o aluno aprendesse
a estudar, a trabalhar intelectualmente e a elaborar o seu próprio conhecimento. Na base
desta filosofia educativa está a ideia de que a experiência prova que a criança aceita
alegremente todo o esforço desde que ele dê satisfação às suas necessidades de saber e de
criar. Num processo de ensino-aprendizagem assim entendido, o professor haveria de
estar “sempre vigilante e solícito” tomando os contornos do mestre que guia.
Os principais recursos externos de apoio ao processo de ensino-aprendizagem passam
pela análise de imagens (estampas e gráficos) e visitas de estudo, mas também pelo apoio
de outras disciplinas, como é o caso da Língua Portuguesa, ou da disciplina de Desenho
que ensinaria a tomar registos gráficos do natural, e dos Trabalhos Manuais onde se
poderiam realizar materiais e instrumentos para a realização de experiências laboratoriais.
Matemática
Além das finalidades de desenvolvimento mental e social, o valor material da disciplina
de Matemática pretende afirmar-se na resolução de problemas da vida prática.
No ciclo preparatório, que se pretende que seja uma escola de acção (…) as actividades
dos alunos (…) não devem exercer-se em meras abstracções ou construções numéricas
sem conteúdo real. (…) A aula de matemática é portanto como as restantes disciplinas
do ciclo preparatório, mais uma série de experiências vividas pelo aluno, dentro dos seus
centros de interesse real (…). A feição desta disciplina será mais formativa que
informativa (…) tanto no 1º ano como no 2º ano, o ensino será, como se disse, intuitivo e
experimental” 379
O ensino quer-se individualizado, significando isto, que “toda a turma e cada aluno deve
estar em permanente actividade”. Em termos de interdisciplinaridade, propõe-se o
contacto “intimo” com as disciplinas de Desenho e de Trabalhos Manuais no que se
refere à aprendizagem e aplicação prática da geometria.
378
Idem. Ibidem.
379
Idem. p. 25.
281
Relativamente ao manual escolar, ele não é recomendado para o 1º ano, mas no ano
seguinte seria adotado um manual organizado de acordo com o Programa.
Desenho
A disciplina de Desenho do Ciclo Preparatório tem como finalidades dar ao aluno um
meio de expressão pessoal, de representação e de cultura estética. Coordenando “o
espírito, a vista e a mão numa ação de conjunto, o Desenho tem como principal
prioridade, “ensinar a ver”380. Como meio de representação, “o desenho tem uma técnica”
de cujo conhecimento o aluno haveria de ser iniciado e progredindo sucessivamente por
uma ordem de conteúdos formais: “a cor, a forma, o movimento, as direções, a
iluminação, o espaço”381. Os primeiros exercícios a realizar no início do ano letivo seriam
um “desenho à vontade” para juízo da capacidade de expressão do aluno, e um teste (de
Decroly) destinado a averiguar o seu grau de representação mental. Este teste deveria ter
um enunciado “perfeito e claro, mas seco e despido de explicações complementares ou de
preparação prévia”, sendo indispensável a classificação exata dos resultados e a sua
anotação pelo professor na ficha individual do aluno. O enunciado programático refere
pela primeira vez a estimulação, sendo esta relacionada com os “centros de interesse” dos
alunos mas também como fator de educação estética: “O desenvolvimento da estimulação
poderá fazer-se com a apresentação de modelos a desenhar e com a exposição de motivos
e temas desenhados, procurando-se que a sala de aula tenha um aspeto novo todos os
dias, com uma ornamentação que variará de acordo com a marcha do programa.” 382 A
aquisição de cultura estética, preconizada para os alunos deste ciclo preparatório passa
sobretudo pela criação de atmosferas espaciais envolventes e condutoras do processo de
ensino-aprendizagem.
Sendo assim, o programa aposta numa abordagem individualizada, onde o professor
deveria indagar o aluno acerca da sua vontade de expressão gráfica, de modo a
aconselhá-lo no seu percurso sem prejuízo da sua espontaneidade. Para isso o professor
deveria excitar, mais do que criticar, propor mais do que impor, regular-se pelo
procedimento dos seus alunos e adaptar-se às suas necessidades em vez de os regular pela
sua medida383
380
Idem: pág.30.
381
Idem. Ibidem.
382
Idem, Ibidem.
383
Idem, Ibidem.
282
Apêndice 4. Ensino Técnico Industrial:
Modalidades de Desenho e Disciplinas
Complementares
CURSOS DE FORMAÇÃO
CURSOS MODALIDADES DO DISCIPLINAS
DESENHO COMPLEMENTARES
Carpinteiro de Moldes Desenho Profissional
Carpinteiro-Marceneiro (Desenho de máquinas e
283
Cinzelagem Desenho de Observação e Noções de História de Arte;
Ornato; Desenho de Figura Modelação;
Composição Decorativa;
284
CURSOS COMPLEMENTARES DE APRENDIZAGEM
285
286
Apêndice 5. O contributo dos metodólogos para a
didática do desenho: décadas de 50-70
384
Toda a informação que aqui reproduzimos foi recolhida a partir da entrevista realizada por Elizabete Oliveira a João Martins da
Costa em 1969, e que pode encontrar-se no Anexo 1.8.2., em CD, do seu livro publicado em 2010.
385
Idem p. 2.
386
Idem p. 3
387
Idem p.4
388
Idem p.6
287
Relativamente à didática do desenho no âmbito do estágio orientado, “a primeira coisa
que fazíamos era um comentário sobre a programação (…) procurando a maneira de lhe
dar a volta”.389 A metodologia que propõe para o desenvolvimento das atividades nesta
disciplina passava por uma “articulação” das diversas rubricas programáticas, começando
pela observação, a partir de um estímulo sugerido ou escolhido pelo aluno, que tanto
poderia ser um tema, como um objeto, seguindo-se um desenvolvimento gráfico que
culminaria na composição (decorativa). À partida, esta proposta parece não ter nada de
especial, uma vez que segue estreitamente as orientações programáticas, porém o que nos
interessa é o processo, que descreve nos seguintes termos: “as minhas aulas partiam de
pequenos módulos e, depois acabávamos por falar de coisas transcendentes, com
diapositivos”. Na sua opinião o professor de Desenho deveria ser um “humanista”,
possuidor de uma cultura enciclopédica, capaz de captar e reunir qualquer tipo de assunto
e meios, de modo a potenciar a descoberta. É nesse sentido que dá o exemplo da
utilização das lupas ou do microscópio para ensinar a ver bem e em detalhe, aquelas
coisas que nos escapam390. Outra vertente da sua didática aponta para a realização de
projetos com funções úteis, não se podendo descurar nesta vertente a influência dos
professores formados em arquitetura, que começam a entrar em número significativo para
os quadros da disciplina.
Finalmente, importa referir um aspeto não menos importante para Martins da Costa, e
que concerne aos aspetos relacionais a considerar no sucesso do processo de ensino-
aprendizagem: a construção dum bom clima de trabalho na aula, a qualidade da relação
professor-aluno, a responsabilização pelo espaço e pelos materiais, o respeito pelo seu
trabalho e pelo do outro, enfim, toda uma série de atitudes que surgem intimamente
relacionadas com o modelo expressivo, onde a liberdade, não significa falta de disciplina,
tanto mais, que a disciplina é para este professor, não só uma oportunidade para aprender
a viver em sociedade, mas também uma manifestação de sentido estético391.
Calvet de Magalhães
Calvet de Magalhães392 (1913-1974) é uma figura dominante no sistema de ensino
técnico durante cerca de três décadas. Foi professor de Desenho, inspetor, metodólogo e
diretor da Escola Francisco Arruda entre 1956 e 1974. Foi também ilustrador, pintor
premiado, membro da direção da INSEA e participante na fundação da Associação
Portuguesa para a Educação pela Arte393.
O reconhecimento público que obteve como pedagogo, deve-se em parte à sua
colaboração com diversos jornais, periódicos e revistas, cujos artigos disseminavam o seu
389
Idem p.9
390
Idem p.10
391
Idem p.19
392
Ver Currículo em Anexos.
393
Em 1957, por iniciativa de Alice Gomes (1910-1983), funda-se a Associação Portuguesa de Educação pela Arte, com estatutos
aprovados pelo D.G. nº 233, III Série de 24 de Setembro.
288
pensamento. A publicação e divulgação das ideias de carater pedagógico e educativo em
meios de comunicação de massa foi uma caraterística notória de Calvet de Magalhães,
atendendo ao regime político em vigor, e que na nossa opinião poderá ter influenciado
diretamente o Ministro Veiga Simão, em 1972, na iniciativa de colocar à apreciação
pública a proposta de Reforma do Sistema Educativo.
Como pedagogo, o seu pensamento incide em duas vertentes: uma, decorrente da sua
proximidade às organizações nacionais e internacionais de Educação pela Arte, dirige-se
à disciplina de Desenho, para cuja reforma contribuiu sobretudo entre os anos cinquenta e
sessenta. A outra vertente, de natureza mais geral, é uma ideia de Escola que ele próprio
na sua função de diretor dinamizou, retirando-se dessa experiência importante modelo
para a política de gestão e organização curricular nas propostas das reformas a partir de
meados de setenta.
Foi um defensor entusiástico das atividades circum-escolares, tendo criticado a sua
extinção pela Reforma de Galvão Teles em 1964-68. Para Calvet de Magalhães, a ação da
escola deveria concentrar-se no fornecimento das bases da vida coletiva e da
aprendizagem da vida social, o que implicava muito mais do que a ação ao nível da sala
de aula. Como diretor da Escola Francisco Arruda, desenvolveu uma conceção de escola
como centro de educação e não apenas de instrução, tendo mobilizado pessoas e
interesses em torno de múltiplas realizações pedagógicas quer dentro da escola
(experiências pedagógicas de coeducação, integração de alunos deficientes, o 7º e 8º anos
experimentais, utilização de meios audiovisuais), quer externas, de natureza cultural
(organização de exposições de arte infantil, sessões aos sábados, com filmes e palestras
por escritores, artistas, pedagogos). Como diretor da Escola Francisco de Arruda, criou
um inédito serviço de apoio à comunidade, a Escola da Chiquinha - infantário, infantil e
primária para filhos de professores e funcionários da área, e apoiou o Grupo de Estudo do
Pessoal Docente do Ensino Secundário, embrião do futuro Sindicato dos Professores,
desde a sua criação em 1969/70. Nas páginas de "O Professor", uma revista associada à
esquerda, defendeu o direito de associação dos professores.
António Torrado recorda-o: “Era uma força jubilosa de vida, dotado de um dinamismo e
de um apetite de acção, quer educativa quer artística, que no Portugal mortiço dos anos
60, em que o conheci, sobressaía de forma quase escandalosa”. E ainda: “Não seria
homem de investigação e gabinete, mas de invenção e de gabinetes, o dos outros, por
onde destemidamente entrava, sobraçando projectos, atirando ideias, inflamando ânimos,
desinquietando. Era um agitador pedagógico, uma acendalha perigosíssima.(…) “Enfant
terrible” institucionalizando, o Prof. Calvet desse título de desplante tirava partido
excepcional para, numa sociedade arreganhada por desconfianças e ressentimentos,
estabelecer consensos, atenuar diferendos, com as armas do bom humor, o sentido
prático, da jovial divisa dos ganhadores: “O que tem de fazer faz-se!” E fazia-se, porque
era o Calvet o irresistível dinamizador do que havia a fazer”(…) Entre margens opostas o
Prof. Calvet de Magalhães ajudou a levantar pontes úteis”394. A irreverência de Calvet de
394
Boletim do Instituto de Apoio à Criança – Nov. /Dez. 1994.
289
Magalhães é de imediato adivinhada, quando escolhe a temática dos bordados,
tipicamente associada ao feminino, como alvo de estudo para o relatório de estágio
profissional docente395. Em 1964 escreve o prefácio (“Tradição não é traição”) do artigo
resultante de um trabalho de investigação empreendido pelo Professor Fernando Louro de
Almeida, relativamente aos bordados de “Tibaldinho” ou de Alcafache, no qual afirma a
importância da arte popular e a sua reinvenção na atualidade. O objetivo de Calvet é
relançar o interessar das pessoas pelo bordado e provocar o entusiasmo por um trabalho
de qualidade, ajudando a manter viva uma importante tradição do país. Na sua opinião é
preciso estudar (investigar) novos motivos para o desenho, e ter conhecimentos artísticos
de modo a renovar o bordado em Portugal e fazer com que esta prática artística ainda faça
sentido no séc. XX. Uma renovação a partir do estudo do passado, ou seja, das suas
raízes. Contudo, remarca, este estudo não deve ser confundido com cópia e imitação, pois
“tradição não é traição” e “utilizar nestas circunstâncias um modelo, não é copiar, mas
organizar e criar um desenho”. Com um alcance visionário, afirma que no bordado pode
haver todo o tipo de desenho, sendo lamentável ver o trabalho rotineiro e desprovido de
interesse, quanto ao desenho, de bordadeiras altamente capacitadas tecnicamente396.
Na sua conceção, observa-se o afastamento do puro mimetismo reprodutivo, da cópia
rotineira do modelo, e da perpetuidade tradicionalista e folclórica, tão cara ao Estado
Novo. Como professor e metodólogo da escola técnica defende um trabalho baseado em
teoria, métodos e informação tecnológica geral, exemplos práticos, estudo de amostras e
pormenores, aspetos práticos do trabalho, enfim aspetos do que hoje chamamos de
“trabalho de projeto”. Nesta lógica, para Calvet, o bom professor deve estabelecer os
princípios fundamentais pelos quais os alunos possam aprender, o chamado “ensinar a
fazer,” onde aqueles aprendam a dominar os processos de aprendizagem e de trabalho.
A partir de 1947, torna-se professor de Desenho do Ensino Técnico e durante os anos 50
dedica-se à reflexão sobre esta disciplina no Ciclo Preparatório (1950: “O primeiro ano
de Desenho e os Trabalhos Manuais Educativos do Ciclo Preparatório”; 1951: “O
segundo ano do ciclo preparatório”; 1952: “O desenho e as outras disciplinas do ciclo
preparatório”), e à realização de experiências pedagógicas (1952: “Pinturas e desenhos
coletivos infantis”), inspiradas pelas metodologias da educação pela arte e pelas teorias
dos desenvolvimento gráfico infantil (1954: “Arte na Escola”; “Organização dos Centros
de Interesse”). Ao longo dos anos 60 aprofunda e divulga o seu conhecimento sobre as
questões da Educação pela Arte (1960: “Educação pela Arte”); e as características da
expressão visual das crianças e dos adolescentes (1966: “Síntese das etapas da Educação
pela Arte”), que na nossa opinião terão tido importante contributo para o programa de
395
Depois do Curso de Ciências Pedagógicas, obtido na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ingressou no estágio para
professor do 5.º grupo (Desenho) do Ensino Técnico, na Escola Jácome Raton, em Tomar. Ficou habilitado para a carreira pela
aprovação no Exame de Estado, subordinado à tese Metodologia do Bordado, em 1947. Tornou-se professor efetivo na Escola de
Artes Decorativas de António Arroio. Em 1956, quando tinha apenas 43 anos, foi nomeado diretor da Escola Elementar Francisco de
Arruda, em Lisboa, cargo que exerceu até ao seu falecimento.
396
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1964). Tradição não é traição. (Prefácio e apresentação de Calvet de Magalhães ao artigo resultante
dum trabalho de investigação empreendido pelo Professor Fernando Louro de Almeida, relativamente aos bordados de “Tibaldinho”
ou de Alcafache). Boletim das Escolas Técnicas. Nº 35. Direção Geral do Ensino Técnico Profissional. Pp. 123-128.
290
Desenho do Ciclo Preparatório do Ensino Básico em 1967, mas sobretudo na proposta de
programa (1973: Caderno do Professor) da Reforma Veiga Simão.
Entre 1971 e 74, Calvet de Magalhães publica os seus artigos de maturidade, revelando
um conhecimento sólido da história do ensino do desenho em Portugal (1974: “Direito à
Educação”), e um profundo sentido crítico relativamente ao sistema educativo, fruto da
sua própria experiência como dirigente escolar (1972: “A coragem de dirigir”; “Tudo isto
é triste”). Dos seus vários artigos selecionámos para uma apresentação um pouco mais
alongada, o artigo “EDUCAÇÃO PELA ARTE” publicado no Boletim das Escolas Técnicas,
em 1960.
“Educação pela Arte”
Neste artigo, Calvet começa por fazer um historial da tendência que na educação artística
veio a culminar na designação de Educação pela Arte, nomeadamente os autores,
psicólogos e pedagogos que desde os finais do século XIX dão início ao estudo das
produções gráficas infantis. Segundo Calvet tudo terá começado com a publicação de
Ruskin (Os elementos do desenho, 1857) e de Ébanazer Cooke, com a publicação de dois
artigos no Journal of Education,em 1885, onde reconsiderou os princípios do ensino da
arte nas escolas. Estes artigos precedem todos os outros acerca dos novos modos de
entender a da educação artística e antecipam as teorias posteriores, nomeadamente
Herbert Read (Education through Art, 1943). Cooke estabeleceu ligações com o
psicólogo James Sully, e em conjunto discutiram o significado do desenho das crianças.
Este assunto começou a despertar interesse noutros países. Conrado Ricci publica em
1857, L´arte dei bambini e em 1888, em França, Bernardo Pérez, publica l´Art et la
poesie chez l´enfant. James Sully foi o primeiro a tentar explicar de um modo estruturado
o ponto de vista da psicologia relativamente a este assunto (Studies of Childhood, 1895).
A teoria de Sully propõe uma classificação evolutiva dos estádios de desenvolvimento
gráfico da criança, tendo constituído a base de todas as teorias posteriores (De Levinstein,
1905; Kerchensteiner, 1905; Ster, 1910; Rouma, 1913; Luquet, 1913; Krötzsch, 1917; C.
Burt, 1922; Wulff, 1927; Helga Eng, 1931, etc.).
Em Portugal,397 os estudos sobre o desenho infantil iniciam-se em 1932, com o professor
José Pereira, entre outros, que divulga as ideias de Rouma na sua obra intitulada Desenho
397
Ver Apêndice: O Movimento de “Educação pela Arte” em Portugal.
291
Infantil (1931-34), bem como Faria de Vasconcelos: O desenho e a criança, 1939, a
quem se deve a introdução em Portugal e aplicação dos testes de Decroly. Calvet critica o
sistema oficial, nomeadamente o ensino primário onde as crianças ainda eram obrigadas a
copiar objetos dados, o que não acontecia na “escola infantil” pelo facto das atividades
expressivas serem associadas ao ludismo.
“O 1º ciclo em Portugal, encontra-se fora da estrutura geral, leve referência para o
desenho livre, domínio dos pedagogos partidários da “Educação Nova”, dos clínicos e
dos psicoterapeutas”398. Na sua opinião, à data, só no grau elementar do Ensino Técnico
Profissional se encontrava uma educação artística espontânea segundo um plano
articulado vertical e horizontalmente. Por “articulação horizontal” entende o desenho
espontâneo e temático, quando alargado a temáticas das outras disciplinas ou em
conjugação interdisciplinar. Por “articulação vertical” entende a instituição de séries
contínuas de trabalhos, de ano para ano, graduadas em função dos interesses e
capacidades dos alunos. A relação entre as capacidades demonstradas e os objetivos
atingidos constituiriam um indicador vocacional.
Para Calvet, a educação pela arte vale mais pelo seu aspeto ideológico que material, é
uma educação humanista, nomeadamente por ser aquela de entre todas as disciplinas
escolares que proporciona métodos flexíveis. E diz, as mudanças no ensino só surgirão se
tiver nascido um espírito novo, pelo que a educação pela arte fará a sua entrada em todas
as escolas quando os espíritos estiverem formados e quando iniciativas salutares
aumentarem o número de participantes ativos nas funções artísticas.
Partindo do princípio de que a atividade artística da criança é diferente da do adulto,
provindo duma necessidade instintiva de se expressar e comunicar, na sua opinião não se
deve ensinar à criança, a “arte pela arte” mas dar-lhe as possibilidades para um
desenvolvimento estético através de estímulos para a sua inspiração (tal como em Arno
Stern, ou Eurico Gonçalves, em Portugal, inspirado pelo primeiro). Este estímulo passa
por condições físicas, materiais e espaciais adequadas, mas também pelo educador à
altura da tarefa.
Segundo Calvet, “pintar” é um processo altamente educativo porque ajuda a criança a
pensar as suas próprias experiências e a organizar-se interiormente de modo a dar-lhes
forma. Partidário duma escola nova e progressista, onde as crianças seriam levadas à
experiência da beleza através da emoção estética, para o autor, as crianças encontram
motivos para pintar na vida familiar, nos recreios, na comunidade a que pertencem e nos
factos que lhes narram. Na sua perspetiva, tanto as crianças como os adolescentes, são à
partida possuidores duma cultura extra-escolar, muitas vezes desordenada e confusa, que
o professor deverá tomar como ponto de partida e aprender a “escolarizar”, de modo a
ajudar o aluno a organizar utilmente as imagens recolhidas no acaso da vida.
O papel do professor será o de ajudar a relembrar essas experiências através dum
questionamento sugestivo, admitindo que tanto as respostas como os resultados plásticos,
sejam diversos. Esta proposta, já plasmada nos programas de Desenho dos primeiros dois
398
M.M Calvet de MAGALHÃES (1960). Educação pela Arte. Boletim das Escolas Técnicas, nº 25, Direcção Geral do Ensino
Técnico Profissional; Pág. 30.
292
anos do ensino secundário, foi como vimos, o modo mais comum de estimular a
imaginação da criança passando pela sugestão narrativa e pela realização de trabalhos
com um carater predominantemente ilustrativo. Para o autor, no caso de tema dado, a
descrição deveria ser narrada com interesse e expressividade, naquilo que diz ser a
“técnica dos jardins de infância”, ou seja, mediante a vivificação da narrativa. Se na
realização do trabalho, a criança sentisse dificuldades de expressão, o professor poderia
com muito cuidado, fazer perguntas para desbloquear e fazer com que a criança pensasse
em maneiras de resolver o problema. Será portanto uma orientação não-diretiva mas
assistencial, no sentido de “ajudar as crianças a dizerem o que querem dizer e da maneira
como o querem dizer”.
A partir de 1954 Calvet dinamizou e organizou diversas exposições de arte infantil, mas
antes disso, no final dos anos 40, com Júlio Resende, começara a desenvolver a pintura
coletiva, um processo que na sua opinião permitia desenvolver a expressão da
individualidade no coletivo através de uma educação social.399 A intenção pedagógica por
detrás desta prática, explica-a melhor no artigo “Direito à Educação” (1974), onde
manifesta claramente seu posicionamento crítico quer relativamente à educação, quer à
política e à sociedade de então. Calvet deseja uma escola que promova “um exercício real
de liberdade”, que proponha a coexistência ativa entre a liberdade e o convívio, através
de uma pedagogia centrada no grupo, a qual dependeria duma organização escolar muito
particular, que nomeia como, a “cidade escolar extra-muros”, espaço de convívio escolar
e cultural, com o ensino centrado na criança, através de uma pedagogia não diretiva e
realizada “por autênticos homens de acção, que sabem conduzir (ducere), educar e criar,
sem quais quer espécie de segregações.” É pois partidário de uma “escola única,” à
semelhança de Freinet, Kerchenstein, ou Bento de Jesus Caraça, uma tese sustentada e
atualizada pela Declaração Universal dos Direitos da Criança (Art. 5º)400 onde se defende
o direito da criança à igualdade de oportunidades, cultura geral, desabrochar pessoal e
educação gratuita e obrigatória.
Betâmio de Almeida
Sob pretexto duma melhor adequação às características psicológicas e desenvolvimento
mental das crianças na fase etária compreendida entre os 10 e os 12 anos, Alfredo
Betâmio de Almeida foi responsável no final dos anos 40 pela introdução do “desenho
livre” no Programa e nos manuais escolares do 1º ciclo do ensino liceal. Exerceu as
funções de “professor metodólogo” no Liceu Normal Pedro Nunes entre 1957 e 1972. Foi
co-fundador da revista Palestra - uma publicação desse mesmo liceu, para a qual viria a
escrever, entre 1959 e 1972, diversos artigos de natureza pedagógica reveladores do seu
pensamento acerca da educação artística (estética-visual). Estes artigos são condensados
em 2 livros publicados respetivamente em 1967: “Ensaios para uma didática do desenho
399
Idem. Pp. 26-27.
400
A Declaração Universal dos Direitos da Criança, foi aprovada em 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, mas só em
1972, uma reprodução do original, foi distribuída e mandada afixar em todos os estabelecimentos de ensino do Continente.
293
livre” e em 1976: “A Educação Estético-Visual no Ensino Escolar”. Nesta obra, o autor
procura esclarecer o que deverá ser a educação estético-visual na escola pública para a
qual propõe um “Curso Elementar de Arte”. Este curso destinado ao currículo do ensino
secundário desenvolve-se a partir da necessidade de promover uma educação visual
alargada a toda a população escolarizada.
No final dos anos 60, Betâmio de Almeida incorpora no seu discurso conceitos como o
de “educação visual” ou o de “educação estética” motivado por razões de natureza social,
nomeadamente pelas características e necessidades da sociedade do seu tempo e o tipo de
formação necessária à integração do indivíduo nessa mesma sociedade. Assim vemo-lo
com a Reforma de Veiga Simão em 1970, envolvido no lançamento de novo Programa de
Desenho para o 2º ciclo do ensino liceal, onde introduz a partir de uma linha conceptual
derivada do formalismo bauhausiano e da psicologia da Gestalt, uma proposta centrada
na aprendizagem e aplicação dos princípios da gramática da linguagem visual.
Nesse mesmo ano, publica no nº 37 da Revista Palestra o artigo intitulado “Esquema de
um sistema básico dos elementos das artes visuais e das suas inter-relações”, e em 1971 e
72 publica dois artigos onde desenvolve questões relacionadas com a educação estética
através da utilização didática do museu e da obra de arte.
Apesar de só ter sido publicada em 1976, a obra “A Educação Estético-Visual no Ensino
Escolar” pode ser considerada uma síntese do pensamento pedagógico de Betâmio entre
finais dos anos 60 e inícios de 70, correspondendo a uma viragem grandemente
influenciada pelas experiências curriculares ocorridas em Inglaterra e em particular,
como é referido pelo próprio - A Basic Course of art, de Leslie W. Lawley publicado em
1962401. As conceções desenvolvidas por Betâmio de Almeida constituem um marco para
o novo entendimento da disciplina de Desenho do Curso Liceal, instituindo conteúdos
que se tornaram um modelo para o ensino da futura disciplina de Educação Visual.
As propostas educativas de Betâmio de Almeida refletiram-se no programa de Desenho
em 1972 – Caderno do Professor do 5º Grupo (1973) e em 1977, com Elisabete Oliveira,
no programa de Arte e Design para o 9º Ano do Ensino Unificado.
A didática da Linguagem Visual foi desenvolvida por Rocha de Sousa, no âmbito dos
programas para a Área das Artes Visuais do Ensino Secundário e em publicações para a
formação de professores. Elisabete Oliveira, que fora estagiária e colaboradora de
Betâmio de Almeida, publica em 2010 uma obra decorrente da sua investigação de
doutoramento, onde dá continuidade ao pensamento pedagógico do seu tutor,
reenquadrando-o à luz de conceitos surgidos posteriormente e teorias contemporâneas.
401
Herbert Read, autor do prefácio, chama a atenção para os aspetos fundamentais deste curso:
- Estudo dos materiais para aproveitamento das suas potencialidades expressivas;
- Composições livres com diferentes materiais ajustados às qualidades visuais de organização das superfícies;
- Análise estrutural da obra de arte.
As orientações curriculares propostas no “Caderno do Professor do 5º Grupo”, publicado pelo Ministério da Educação Nacional em
1973, decorrente da implementação da Reforma Veiga Simão, correspondem inteiramente a este Curso Básico de Arte. O mesmo é
verificado através das indicações bibliográficas aí incluídas.
294
O pensamento pedagógico de Betâmio de Almeida
As propostas de Betâmio de Almeida dirigem-se para os alunos das faixas etárias da pré-
adolescência e adolescência que designa por “Fase da Orientação”, dominada por um
logicismo e esteticismo influenciado pela atmosfera social envolvente e inquietações
interiores.402 É com base nestes pressupostos que parte para uma conceção programática
cuja principal finalidade é a educação estética dos jovens.
Este programa passa pela organização de um sistema educativo de elementos visuais, que
começariam por ser percecionados na obra de arte, e que, de modo consciente e
progressivo, se projetariam na valorização do meio ambiente.
O conceito de Educação Estética em Betâmio de Almeida pode resumir-se à procura de
beleza na relação entre a arte e a vida, cabendo à escola ensinar a formar “juízos de
valor” para distinguir a Beleza (harmonia, ritmo, equilíbrio) na Arte, na Natureza e no
Meio Ambiente. Esta apreciação realiza-se através da perceção sensorial e de uma
educação visual objetiva.
A linha teórica que sustenta esta conceção é referida pelo próprio403: desde Kant - para
quem a fruição estética do belo pode ser obtida tanto a partir da natureza como da arte;
Schiller - que estabelece uma relação qualitativa entre a perceção do “mundo” e as
aptidões desenvolvidas pelo ser humano, e para quem a educação estética é o caminho
para o equilíbrio, a liberdade e a realização (Cartas, 1793; Sobre Educação Estética do
Homem, 1795); Herbart (Ensaio sobre a revelação estética do mundo como a principal
obra da educação, 1804); Konrad Fiedler, esteta e crítico de arte (Teoria da Visibilidade
Pura), e Herbert Read (Education through Art, 1943) pelo caminho que abriu ao dizer que
a Arte podia ser escolarizável.
Além destes aspetos, Betâmio considera a dimensão projetiva da educação estética. Ou
seja, o seu valor não se limitaria às obras feitas na escola mas continuaria na recetividade
que o processo de trabalho abre para o fenómeno artístico através da vida. Por esta razão
defende a transversalidade da função estética a todos os domínios da atividade humana,
desde o “mundo da arte” ao das ciências, das humanidades e das tecnologias, devendo na
escola fazer parte duma formação integral.
Betâmio opera uma distinção entre educação estética e educação artística, se bem que
quer num caso, quer no outro, as finalidades sejam a capacidade de apreciar e /ou
produzir a beleza. A educação artística processa-se através da capacidade de dominar a
matéria sendo que, na opinião de Betâmio, o professor já não deve exigir ao aluno a
técnica do artista, mas o desenvolvimento do processo mental criador próprio dos
artistas404.
Defende uma educação visual que na sua opinião tanto se deve desenvolver através da
atividade artística como através da apreciação e da contemplação. Ela é necessária para
402
Betâmio de ALMEIDA (1976): A Educação Estético –Visual no Ensino Escolar. Livros Horizonte. Pag.9.
403
Idem, Ibiden. Pags. 13-14.
404
Idem, ibidem, p. 17.
295
uma apreciação estética esclarecida e para uma compreensão perfeita da linguagem
visual, capaz de conduzir à leitura da obra de arte atual.
O “Curso Elementar de Arte”
Para a concretização destas intenções educativas Betâmio de Almeida propõe um “Curso
elementar de Arte” como programa para a disciplina de Desenho do curso do Liceu. Os
objetivos são os seguintes:
- “Estimulação da atitude analítica e criadora;
- Experimentação de composições livres com diversos materiais;
- Consciencialização de fatores estruturais das obras de arte”.
Da leitura do texto encontramos ainda outros objetivos, porventura mais gerais:
- Educar a visão e fundamentar a apreciação artística;
- Compreender o processo criativo dos artistas;
- Utilizar na prática escolar os conceitos decorrentes da “linguagem visual artística”.
A educação visual processa-se através de três áreas de incidência:
1. A organização formal da obra de arte e o valor dos seus elementos visuais
constituintes405
2. Os valores estéticos e plásticos do meio ambiente406;
3. A leitura da Obra de Arte, dos objetos e documentos visuais407.
1. A análise dos elementos visuais parte das “formas” numa perspetiva de observação
analítica, e sobre elas incide no momento de decisão e produção artística. Betâmio
distingue entre “forma” no sentido lato, e “forma visual”: “A forma pode ser simples ou
complexa, matérica ou ideal. Pode, ser uma forma de formas. E ainda, uma forma
organizada e animada de forças activas que a modificam, forma que constitui uma
estrutura.” Faz igualmente a distinção entre as “formas físicas” e as “formas de perceção”
provocadas pelas primeiras, revelando uma clara influência das teorias percetivas de H.
Bergson (1859-1941). Sendo assim, define perceção como uma interpretação pessoal
condicionada pela experiência e afectividade, objectivada para a clarividência da
situação (acção significadora),”408 destacando-se no entanto, ao traçar este curso, de
405
Esta área de conteúdo é desenvolvida no 2º capítulo desta obra com o título “Esquema de um sistema básico dos elementos das
artes visuais” – trata-se dum ensaio publicado anteriormente na revista Palestra, nºs 37-38-39, entre 1968 e 1969. No preâmbulo,
Betâmio de Almeida diz considerar este ensaio como “uma primeira tentativa, em língua portuguesa, de uma sistematização dos
elementos visuais ou plásticos”. O capítulo apresenta as linhas programáticas do “Curso elementar de Arte” a partir de 13 itens,
maioritariamente dedicados às questões da Forma Visual e respetivas “leis” de composição; dedica dois itens a questões de natureza
estética, nomeadamente ao problema da perceção e construção de significados. E finalmente no último iten, aborda os aspetos
didáticos e a operacionalização deste plano de estudo.
406
Corresponde ao Estudo 5, (pp. 63-71) intitulado “Desenvolvimento da receptividade aos valores de beleza do meio ambiente. O
objecto de valor estético; a linguagem expressiva das coisas”. Segundo nota do autor, este estudo havia sido publicado em 1972, com a
intenção de interpretar uma rubrica do programa de Desenho do 3º ano do curso geral dos liceus.
407
Corresponde ao Estudo 6 (pp. 73-83) intitulado “Apreciação orientada de documentos visuais”. Segundo nota do autor, este texto
revisto para a edição deste livro, havia sido publicado em 1972 na revista Palestra, nº41, com o objectivo de interpretar “Os novos
programas de Desenho”.
408
Idem, Ibidin. P. 22;29.
296
quaisquer especulações filosóficas, mantendo-se restrito ao objetivo de traçar os
fundamentos elementares de uma Estética Aplicada.
O sentido que verificamos naquilo que designa por “Estética Aplicada” não é mais do que
um entendimento científico da “forma visual”, uma abordagem que havemos de ver
desenvolvida, a partir de meados de 70, por Rocha de Sousa e outros seus associados na
autoria de obras dedicadas aos elementos da linguagem visual e sua didática no âmbito da
disciplina de Educação Visual da escola pública. Betâmio propõe então um conjunto de
12 parâmetros de análise formal com incidência na sintaxe da linguagem visual, tendo
como referência as Leis da Gestalt,409 exemplificadas com diversas obras de arte
modernas, maioritariamente abstracionistas (Calder, Vasarely, Scöffer, Mondrian…).
409
Os parâmetros em estudo são desenvolvidos entre as págs. 30 e 46. A referência explícita às Leis da Gestalt, verifica-se nas págs.
38, 39, 41.
410
Idem, ibidin. P. 70.
411
Idem, ibidin p. 37, 38.
297
olhar” num jogo inteiramente livre e pessoal; por outro lado, de modo consciente ou não,
a imagem percecionada obedece a uma organização formal implícita que atrai e orienta o
olhar para uma certa lógica visual, opondo-se por este motivo, a uma abordagem
meramente formalista do objeto visual: “O esquema proposto da gramática da linguagem
visual não pode ser reduzido a um conjunto de regras que conduzam a soluções
estereotipadas”.412
Particularizando os aspetos relacionados com a leitura de objetos e documentos visuais,
Betâmio recorre à teoria da informação, segundo a qual o principal fator a tomar em
conta é a mensagem e nesta, a ideia de informação como revelação da forma. No campo
da leitura, considera as abordagens denotativa e conotativa. A análise denotativa
caracteriza-se pela focagem em aspetos relacionados com a função utilitária e a presença
física do objeto ou imagem quanto aos contextos (social, funcional ou histórico) e quanto
aos elementos plásticos dominantes e organização formal. A análise conotativa dirige-se
à presença estética e caracteriza-se por um tipo de leitura plural e subjetiva, dirigida aos
aspetos expressivos do objeto, a que Betâmio chama de “campo de dispersão” porque ao
implicar a evocação e a liberdade interpretativa do observador, não se pode, nem prever
um resultado, nem condicionar-se a quaisquer regras.
Com base nestes pressupostos sintetiza a leitura iconográfica com base nos seguintes
parâmetros:
“ 1. O sentido do jogo dos elementos plásticos. Análise estrutural.”413
Considera a abordagem semiológica (R. Barthes) dum objeto como um sistema de signos
visuais (sintagmas visuais, morfemas) ou seja “como uma forma que tem uma
organização de elementos plásticos com um efeito significativo e por vezes
expressivo.”414 (p. 75). A análise assim fundamentada dirige-se aos elementos plásticos
(cor, textura, linha, etc…), mas também aos materiais, à organização geral (integração e
ênfase dos elementos), e também à autenticidade do objeto (forma-função) e adequação
ao seu tempo (tecnologia).
“ 2. O sentido da relação a um contexto (funcional, social, histórico …)”415
Considera dois sentidos. O primeiro, narrativo (sociológico e evolutivo), parte da ideia
que um objeto pode inscrever-se numa geração de formas e como tal poderá oferecer-nos
a leitura das condições produtivas em cada época e a compreensão da sua própria
história. O segundo sentido, de natureza essencialmente descritiva, considera as famílias
das formas, nos aspetos: linguagem e estrutura. Para a compreensão da ideia da “arte
como linguagem”, e ainda na conceção semiológica, associa os mecanismos construtivos
das expressões, verbal e visual, sublinhando aspetos comuns e destacando as principais
diferenças: a linearidade da primeira e multidireccionalidade da segunda. A intima
relação entre estrutura e linguagem é sublinhada com a definição de Gyorky Kepes,
citado por Betâmio, para quem - a estrutura é a forma e o modo de formar,
412
Idem, ibidin P. 47.
413
Idem, ibidin Pp. 75-76.
414
Idem, ibidin P. 75
415
Idem, pp. 76-78
298
conformando-se a ideia de estrutura como modelo (visual esquemático ou síntese formal
modular).
“ 3. O sentido expressivo dum objeto. Apreciação estética.”416
O objeto artístico comunica por si todo um conjunto de ilações de natureza estética, desde
a sua presença material à ressonância temporal e existencial – características que se
estendem ao objeto não artístico, igualmente passível de despertar a emoção estética. Na
apreciação estética de um objeto, e em contexto escolar elementar, considera como
critérios essenciais, os princípios básicos da organização visual: harmonia, equilíbrio e
unidade. Partindo da ideia de que “toda a forma informa”, ela mesma, pelas suas
características denotativas e conotativas, entra em diálogo com o observador, e neste
sentido o papel da escola será o de estimular e orientar uma predisposição já existente no
aluno. Na verdade, Betâmio considera que a nível escolar elementar, as entidades de
valores, sobre as quais se emitem juízos estéticos, são as qualidades de organização
associadas ao bom ou mau uso dos materiais e técnicas, que no domínio da apreciação
estética a escola só pode dar o arranque, já que este é um processo pessoal a desenvolver
ao longo da vida417.
Dentro da lógica da teoria semiótica da linguagem visual indica mais uma vez os dois
níveis de leitura do objeto, operando uma distinção entre “elementos plásticos” e
“elementos estéticos”. Aos primeiros atribui o significante e aos segundos o significado.
Contrariamente aos primeiros, os elementos estéticos não são formas sensivéis ou
visíveis com categoria de unidade (Max Bense), mas o efeito emotivo delas desprendido.
Para Max Bense, os elementos estéticos são unidades de sentido que podem ser
interpretados e conduzir a generalizações que permitem por exemplo caracterizar uma
obra cubista ou um quadro romântico. Também é deste autor os conceitos de “macro-
estética” e de “micro-estética”. No primeiro caso, “o estado estético da obra resulta da
quantidade de ordem e grau de complexidade”, e no segundo caso tem-se em
consideração o processo da criação: de um programa de realização à concretização de um
objeto, “algo foi seleccionado e algo se criou”. A análise formal de um objeto far-se-á
então através da decomposição dos seus elementos plásticos ou visuais, enquanto a
apreciação estética entendida com “encontro” ou “um impacto do todo”, far-se-á pela
receção da totalidade da obra.418
Além do plano curricular proposto por Betâmio de Almeida, não se pode deixar de
assinalar também o seu pensamento inovador nos seguintes domínios:
1. A preocupação com a compreensão e a leitura da arte do seu tempo.
2. A reflexão sobre a transposição didática dos saberes (conteúdos, métodos e objetivos).
3. A expressão dos conflitos eminentes no universo educativo português.
Betâmio de Almeida inclui por diversas vezes a Arte Abstrata nas suas considerações
chamando a atenção para a leitura de formas que já não correspondem à figuração no
416
Idem, pp. 78-83.
417
Idem, p. 81.
418
Idem, pp. 81-82.
299
sentido clássico, nomeadamente daquelas que são predominantemente caracterizadas pela
cor ou pela matéria. Afirma que este tipo de configuração artística poderá desbloquear as
inibições artísticas dos adolescentes e, em conformidade, defende o conhecimento e a
utilização dum léxico adequado, de cujo ensino procura tratar no seu Curso Básico de
Arte.
A coesão e adequação do programa que propõe, estão intimamente relacionadas com a
escolha do tipo de arte a escolarizar. Na nossa opinião, Betâmio de Almeida evita todo o
conteúdo artístico ou filosófico, que na sua opinião ainda não fosse possível de
operacionalizar ou de validar didaticamente. Espelhando uma conceção modernista quer
da arte, quer da educação artística, para o autor haverá a necessidade de trabalhar com
conceitos estabilizados, donde rejeita a arte concetual por esta se basear na ideia de que
“o facto verdadeiramente criador está no pensar a obra de arte”. Na sua opinião a “arte
conceptual” perturba a didática estabelecida para os cursos básicos de arte”.419
Por esse motivo, esclarece que a opção pela metodologia centrada na análise formalista se
deveu a razões de solidez didática: Os fundamentos de uma Educação Estética Visual,
assim considerada, têm as suas raízes por volta de 1915 – quando no mundo das artes
visuais surge uma nova forma de pensar e de sentir tendo como base a lógica visual, com
as suas próprias regras. De modo novo afirma-se que a arte tem regras 420, não devendo
contudo esta metodologia conduzir a soluções estereotipadas ou confundida com um
novo academismo. Neste sentido introduz a ideia de flexibilidade programática segundo a
qual um Curso Básico de Arte só é igual a outro na sua estrutura essencial, pois, todos se
distinguem entre si em consequência da natureza pessoal de cada aluno, dos documentos
de Arte a tratar e da educação artística de cada professor.421
Quanto ao processo exploratório, diz que apesar de parecer artificial, o estabelecimento
de normas para a análise de um objeto tem uma considerável utilidade didática.
Efetivamente, consideramos que a valorização do discurso verbal e escrito na exploração
dos valores visuais e semânticos dos objetos e imagens constitui uma verdadeira inovação
nas orientações educativas para a disciplina de Desenho. Para Betâmio de Almeida, a
nova didática da educação estética elementar assenta numa orientação dirigida não para
as soluções mas para o espírito que procura as soluções. Por diversas vezes faz referência
ao processo criativo e é o conhecimento dos seus mecanismos e implicações que está na
origem do deslocamento de um dos paradigmas do ensino tradicional do Desenho,
centrado na valorização do resultado, para um outro que passa a valorizar o processo de
construção das aprendizagens.
3. Betâmio exprime os conflitos educacionais que em finais dos anos 60 vão emergindo
no território da educação em Portugal entre o ensino técnico e o ensino liceal. O primeiro
destinado à preparação imediata para a vida profissional e o segundo tradicionalmente
vocacionado para uma formação intelectual. Por um lado, crê que para o adolescente é
419
Idem, pp. 85-86.
420
Idem, pp.11.
421
Idem, ibidin.P.49.
300
mais marcante o encontro com “formas – de - ver” as coisas, do que as coisas em si
mesmas. Por outro lado, reconhece a resistência que a juventude pode opor a um curso
que apela para uma concentração do espírito analítico e crítico sobre valores puros de
natureza estética, tendo em conta que essa mesma juventude atravessa uma fase de desejo
de participação em campos mais dinâmicos da sociedade.422
Referências Bibliográficas
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ALMEIDA, Betâmio (1976): A educação Estético - Visual no Ensino Escolar. Livros Horizonte.
Biblioteca do Educador.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1952). Pinturas e desenhos coletivos infantis. Boletim das Escolas
Técnicas. Lisboa.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1954). Arte na Escola. O Primeiro de Janeiro, 5 de Maio, Porto.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1960). Educação pela Arte. Boletim das Escolas Técnicas. Nº 25.
Direção Geral do Ensino Técnico Profissional. Pp. 15-46. [o autor oferece na bibliografia uma
extensa listagem de exposições escolares realizadas de 1933 até à data do presente artigo, com o
nome dos seus organizadores].
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1964). Tradição não é traição. (Prefácio e apresentação de Calvet
de Magalhães ao artigo resultante dum trabalho de investigação empreendido pelo Professor
Fernando Louro de Almeida, relativamente aos bordados de “Tibaldinho” ou de Alcafache).
Boletim das Escolas Técnicas. Nº 35. Direção Geral do Ensino Técnico Profissional. Pp. 123-128.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1966). Síntese das etapas da Educação pela Arte. Boletim das
Escolas Técnicas. Nº 38. Direção Geral do Ensino Técnico Profissional. Pp. 51-63.
MAGALHÃES, M.M. Calvet: Organização dos Centros de Interesse. Boletim das Escolas
Técnicas nº 20.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1972): A coragem de dirigir. Diário de Lisboa, 19 Fevereiro 1972,
p. 2.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1972): Gestão dos estabelecimentos escolares. Diário de Lisboa, 8
Setembro. p. 5.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1972): Tudo isto é triste. Diário de Lisboa, 23 Junho. p. 4.
MAGALHÃES, M.M. Calvet (1974). Direito à Educação. In: Os direitos do homem em Portugal
no 25º aniversário da declaração universal, de A. Taborda, Anselmo Borges, Armando Castro,
Calvet de Magalhães, F. Pinto Balsemão e M. Brochado Coelho, com introdução de Francisco Sá
Carneiro, editado pela Livraria Telos Editora, Porto.
MAGALHÃES, M.M. Calvet. O Direito à Educação. In: Revista Lusófona da Educação. Nº 8.
Lisboa, 2006. pp. 167-181 (com apresentação de Maria Manuel Calvet Ricardo &; TAVARES,
Manuel Tavares).
OLIVEIRA Elisabete (2010). Educação estética visual eco-necessária na adolescência. Minerva.
Coimbra.[Anexo 1 em CD]:
Anexo 1.1. em CD: “BioBibliografia de Betâmio de Almeida”
Anexo 1.8.2.Entrevista a João Martins da Costa em dezembro de 1996.
Anexo 1.8.18.Entrevista a Helder Pacheco em abril 2008.
Anexo 1.8.5. Entrevista a Leonor Oliveira em 24 julho de 2001.
422
Idem, ibidin. P. 83.
301
PACHECO, Helder: “Cultura popular e socialismo (vi). Situação do artesanato popular”. Revista
O Professor, nº18, Maio 1979. pp. 20-23.
PACHECO, Helder: “Cultura popular e socialismo (v). Tentativa de uma clarificação” necessária.
Revista O Professor, nº 16 Março de 1979. pp. 9-10.
PACHECO, Helder: Acerca de “Design”. Contributo para uma reativação criadora do trabalho
escolar. In: O Professor, nº 69. Novembro 1984.
302
Apêndice 6. Elisabete Oliveira: Conferência de
Estágio, Liceu Normal Pedro Nunes (1967)
423
Elisabete OLIVEIRA (2010): Anexo 1.16: “O desenho decorativo nos 1º e 2º ciclos do Liceu”. Pag.17.
424
Idem, p. 19.
303
rubrica chamada “Módulo-Padrão”). Através desse exercício, diz E.O. os alunos poderão
compreender a monotonia e as qualidades do movimento e do ritmo. A criação decorreria
da liberdade que o professor concede para imaginar os seus próprios motivos, figurativos
ou não. Neste sentido o professor deverá “fazê-la acreditar em si própria, deverá suscitar
a sua contribuição pessoal” numa equação que no nosso entender se poderá traduzir do
seguinte modo: invenção = proposta+intenção+execução.
Na didática dos “elementos das artes visuais”, a abordagem à cor, por exemplo, é
alienada do real e problematiza o estereótipo (céu azul. Mas o céu não é sempre azul?)
encontrando a sua utilidade e valor na visualidade pura da relação bidimensional
(organização da superfície) das formas, cores e contrastes, associada às regras da
harmonia. Na perspetiva duma “cultura pessoal” são referidos Kandinsky, Klee e
Mondrian, cujas obras não se pretendem copiar mas inspirar as criações dos alunos com
base na aplicação dos elementos da linguagem visual.425 O professor, não devendo
intervir no trabalho do aluno, deverá contudo chamar-lhe a atenção e fazer compreender o
princípio da “unidade” da superfície. Quanto à avaliação, esta deveria ter um carácter
apreciativo através da visão conjunta dos trabalhos, convocando a participação de toda a
turma (“pelo menos uma vez por período”). A estagiária Elisabete Oliveira, pretende,
através de uma crítica construtiva, sistematizar os valores em causa nos exercícios
realizados e contribuir para o desenvolvimento duma opinião assente num vocabulário
específico.426
Para o 2º Ano, verifica-se uma maior complexidade e grau de abstração nos exercícios da
composição tendo em conta a cor, irradiação, estudos de superfície e ritmo. Vejamos um
exemplo de exercício de final de ano letivo: Experimentámos pedir um trabalho de
harmonização de formas iguais ou parcialmente iguais que os alunos inventariam.
Pedia-se o equilíbrio da superfície e o uso da lei ou leis decorativas que parecessem
mais de acordo com as formas e o conjunto”. Na apreciação dos resultados conclui:
Algumas dificuldades se sentiram sobretudo em relação à noção de limite de
variabilidade de formas e dimensões para que fosse possível exercer-se a ação
segregativa das partes que permitiria a impressão do todo (…).427
Relativamente ao 2º Ciclo do Liceu, procura encontrar, recorrendo a diversos autores428,
as características e necessidades dos alunos correspondentes a este ciclo de escolaridade,
concluindo que nesta fase de transição entre a pré-adolescência e a adolescência, os
jovens manifestam uma “desadaptação para a afirmação” com necessidade de expansão
pessoal. Para ir ao encontro desta necessidade e para “vencer a possível inibição do
desejo de criar”, propõe uma motivação com base no impacto (“valor de choque e
novidade”), colocando à disposição do aluno técnicas e materiais diversos e até
425
Idem, p.22.
426
Idem, p. 23.
427
Idem, p.23
428
Maurice Debesse ( idade de cultura e de estética. A arte é necessária como modo de interpretação do mundo e como um mundo em
si. Afirmação do Eu, despertar do pensamento pessoal e favorecimento da imaginação); Arno Stern (predomínio da racionalidade
sobre a sensorialidade. Período favorável à introdução da História da Arte); Thomas Munro (crise da criatividade. Necessário
desenvolver experiências estéticas baseadas no contacto com a arte); Marion Richardson (maior tendência para a “imagem pensada”
que para a “imagem observada”); Lowenfeld (oscilação entre o inconsciente e o auto-consciente. Necessidade de atividades criativas).
304
inesperados, de modo a permitir a emergência de valores originais e individualizados
(“vigoroso cunho pessoal e estruturação, que possam ser interpretados com certa
ambiguidade quanto ao conteúdo”.429
As atividades propostas apresentam um faseamento ao longo dos 3 anos da escolaridade
com vista a uma progressiva libertação das regras e escolha de soluções pessoais na
solução de problemas artísticos. Por esta época, os alunos do Liceu ainda estão separados
em turmas masculinas e femininas e algumas propostas de E. O. revelam a distinção
operada no sistema educativo relativamente à educação que se julgaria mais útil e
adequada a cada um dos géneros430. Os principais conteúdos programáticos continuam a
ser “os elementos e qualidades das artes visuais” aprofundados e desenvolvidos com
maior liberdade e experimentação, ao que lhes seria associado o “contacto com a obra de
arte” e exercícios que não sendo de “desenho à vista” teriam como objetivo - aprender a
ver. A título de exemplo, para o 3º ano são propostas atividades de onde destacamos as
técnicas mistas e que nos fazem lembrar as práticas à época do Suport Surface ou do
Informalismo (“O desenvolvimento do sentido da textura através de colagens de papeis
ou tecidos, combinadas ou não com pintura; pintura em suporte forte com matérias
incorporadas; composição de mosaicos, pedras ou vidros; tecelagem ou trabalho no
barro”). Para a compreensão do volume e do espaço é proposta a construção
tridimensional em materiais como cartolina, madeira, esferovite ou arame.
Para o 4º ano sugere-se uma iniciação, digamos que à natureza morta, através da
composição de objetos, escolhas dos fundos e acentuação da característica estética do
conjunto (valores lumínicos e volumes). Ao exercício tradicionalmente associado ao
desenho à vista, Elisabete Oliveira propõe o registo fotográfico pela possibilidade de
opção e recriação dessas mesmas composições, fazendo do “ensinar a ver” o seu principal
objetivo.
Para o 5º ano e com o propósito de “estimular intensamente a iniciativa pessoal de
descoberta” propõe uma liberdade ainda maior nas experimentações plásticas, dando
lugar às atividades “não-condicionadas” ou “aproveitamento do acaso” como por
exemplo a exploração imaginativa a partir do borrão. Aconselha o contacto com as obras
de arte ao longo do 2º ciclo, quer a partir do visionamento de diapositivos, estampas ou
filmes, quer pelas visitas a museus. Acrescenta que para o 5º ano “talvez tivesse lugar um
tipo de visita diferente – o passeio com o objetivo de saber ver”, aspeto que considera da
maior importância na formação da sensibilidade estética, sentido crítico e enriquecimento
cultural dos alunos.431
Nesta proposta de programa, o professor assume o papel dinamizador das questões e
orientador nas reflexões. Para a formação da sensibilidade estética, nomeadamente o
sentido da apreciação, seriam realizadas regularmente exposições no espaço da aula.
Finalmente alerta para a necessidade de melhores condições físicas e espaciais para a
429
Idem, p. 26.
430
“A par destes trabalhos (refere-se a exercícios descondicionados feitos a partir de borrões de tinta, tipo Rorschach ),outros mais
ligados a um espírito de elegância, inspirados nas formas geométricas. Em classes femininas podem ser propostos pequenos estudos de
arranjos de flores ou a conceção da textura e do padrão de um vestido” (p.27).
431
Idem, p. 29.
305
disciplina de Desenho, nomeadamente um tipo de sala onde as carteiras deixem de estar
enfileiradas, a fim de proporcionar atividades de grupo e apreciação conjunta. Paredes
livres para projetar os diapositivos e expositores para mostrar os trabalhos. Espaço para
construir e guardar trabalhos de grandes dimensões, e ainda, favorecendo uma possível
integração com os trabalhos manuais, deveria a sala ter armários próprios para os
necessários materiais e possibilidades de nela se realizarem simultaneamente
experiências diversas.
Referência Bibliográfica
OLIVEIRA Elisabete (1967). O desenho decorativo nos 1º e 2º ciclos do Liceu.
Conferência de Estágio de Elisabete Oliveira, 1967. Liceu Normal Pedro Nunes. Sob
orientação do Metodólogo Betâmio de Almeida. In Educação estética visual eco-
necessária na adolescência, 2010 - Anexo 1.16 em CD.
306
Apêndice 7. Design Education no sistema
educativo inglês – Anos 50-70
432
Com uma estrutura idêntica às nossas, estas dividiam-se em escolas masculinas e escolas femininas, sendo os cursos adequados ao
género sexual. Estas escolas oferecem especializações viradas para a indústria, para as artes e ofícios e para a formação feminina
(homecrafts).
433
BAYNES, Ken (1969). Attitudes in design education. Ed. By Ken Baynes. Lund Humphries. London. Pág.19
434
Idem, ibidin: 9-15.
435
Peter GREEN (1974). Design Education. Problem Solving and Visual Experience. B.T. Batsford Limited. (1ª ed.).
436
George PATRIX (1973): Design et environement. Casterman. P.77.
307
encerrada nos museus, que na sua opinião contraria a ideia clássica da arte como
experiência de vida437. A este propósito também Peter Green afirma: “our ideas of what
constitutes “art” and what makes up the area of coverage for art education are expanding.
They expand in response to developing industrial and social paterns (…). What
constituted “art” and “beauty” was once easily and rigidly defined. But now, in a much
more flexibility society, the limits of what we accept as art are blurred and extended.” Se
tivermos em conta os novos materiais e tecnologias, “art takes new forms, and we think
not only of new materials but new process of image making. Film, photography,
projected vision, electronics and the growth of technical structural skills all create new
types of images (…) exploring new roles for art in society.” 438
437
Idem, ibidin: 65
438
GREEN: 125.
439
Idem, ibidem.
308
implica um contexto social onde o cidadão possa ter um contributo responsável e
participativo: “The freedom of a democracy inevitably demands self-discipline and a
capacity to evaluate; but as the pressures of the contemporary society increase so the
preservation of the individual´s integrity assumes a growing importance. In this context,
the ability to solve problems rationally through evaluation and application is a valuable
human asset”. 440
Pode definir-se como a capacidade de dar resposta a uma situação dada através de um
método racional onde se inclui o conhecimento e a experiência. Este método, “Resolução
de Problemas” (problem solving), é considerado por Peter Green um aspeto central, quer
na arte, quer no design, mas mais que isso, é um modo de lidar com o dia-a-dia. Na base
deste processo está a diferença entre educação e adestramento. A educação consiste então
numa tomada de consciência, pela via da experiência e pelo desenvolvimento de atitudes
de discriminação e avaliação. Este autor propõe os seguintes eixos para o
desenvolvimento deste método. O primeiro passa pela identificação de um problema ou
necessidade, envolvendo a recolha e tratamento de informação relativa à situação; o
segundo eixo implica a proposta de soluções e respetivo ensaio e experimentação; o
terceiro momento, compreendo a avaliação, é quando se verifica a adequação da solução
relativamente ao problema inicial, ou eventual necessidade de reformulação. O tipo de
avaliação que deve envolver discussões coletivas e partilha de experiências, é realizado a
partir de critérios previamente estabelecidos onde se introduz o uso educacional da auto-
avaliação.
Baynes propõe as mesmas etapas mas desenvolve o processo enunciando determinados
conteúdos e algumas estratégias didáticas. Na primeira etapa a que chama de “ponto de
partida”, atribui um papel relevante ao professor dizendo que este deve definir muito
claramente o problema a colocar à turma. A segunda etapa, aquela onde se estuda uma
solução, é o momento para fornecer aos alunos diversos conhecimentos, nomeadamente,
o estudo dos conceitos básicos da linguagem visual, o desenho de observação
particularmente o das formas naturais, e o contacto com os materiais e processos de
transformação. Este autor sugere que o estudo dos elementos da linguagem visual e a
experimentação de materiais se faça desde os primeiros anos da escolaridade.
As competências essenciais a desenvolver através do Design Education são ilustradas
com seguinte esquema alusivo a um circuito hidro-elétrico:
Reservatório (hability to iniciate/ express); Gerador (hability to evaluate / discriminate)
Transformador (hability to interpret / translate)
Trata-se de uma proposta para um currículo progressivo 441 onde as três fases do circuito
(reservatório-gerador-transformador) correspondem aos três graus do ensino secundário.
Assim, num primeiro grau, correspondente ao nosso ciclo preparatório (10-12 anos) dá-se
440
Michael Laxton, in Baynes. P. 85.
441
Ken BAYNES (1969), págs. 90-92 .
309
prioridade à aquisição de pré-requisitos (inputs), sem sobrecarga de conceitos. É o
momento de “encher o reservatório”.
442
LIDSTONE, John (1977). Design Activities for the Classroom. Davis Publications, Worchester, Massachusetts, USA. (citação
retirada do prefácio).
310
(exploração de técnicas e materiais) - a ideia (intenção) – o processo (domínio) – a
resolução.
311
Plano para o Departamento de Design Education da Countesthorpe School em Leicestershire (in: Ken Baynes)
Referências Bibliográficas
BAYNES, Ken (1969). Attitudes in design education. Ed. By Ken Baynes. Lund
Humphries. London.
GREEN, Peter (1974). Design Education. Problem Solving and Visual Experience. B.T.
Batsford Limited. (1ª ed.).
PATRIX, George (1973): Design et environement. Casterman.
SILVA, António Sena da: Design e Didática. Arte Opinião nº 13, Jan/Fev. 1981.
Associação de Estudantes da Escola Superior de Belas Arte de Lisboa (p.36-37).
443
Baynes, 1969, p. 87.
444
Sena da Silva, 1981. p. 37.
313
314
Apêndice 8. Análise transversal dos programas
das várias disciplinas do ensino preparatório
(1975-76)
Aspetos considerados:
- Referência à interdisciplinaridade de modo geral e à interdisciplinaridade com a
educação visual;
- Abordagem à questão do envolvimento com o real;
- Metodologias disciplinares;
Lingua Portuguesa
- Programa aberto e flexível, conduzido a partir dos interesses da criança, e adaptado às
condições e caraterísticas de cada um, de cada grupo, de cada região.
- “Aprendizagem mais que ensino” mais uma vez decorrente dos interesses dos alunos.
O professor vai atrás desses interesses, observando o que interessa aprender e não
aquilo que ele gostaria de ensinar. Levar a criança a conhecer o seu meio local, o País
e o mundo.
- Sem delimitação rígida entre o 1º e o 2ºanos. Ao professor compete a programação,
julgar acerca encadeamento das matérias e construir o conteúdo programático de
modo adequado aos interesses dos alunos, à escola e à comunidade em que se insere.
- Desenvolve a comunicação: expressões, oral e escrita e visual, tendo em conta uma
sociedade dominada pelos meios de comunicação de massas.
- Propõe uma pedagogia global da língua tendo como prioridade o enriquecimento dos
meios de expressão da criança, e de acordo com as suas possibilidades (tem como
referência Piaget e o desenvolvimento das capacidades mentais e cognitivas), o
desenvolvimento das capacidades de transmitir e compreender a mensagem do outro.
- O texto “falado ou escrito, longo ou breve, antigo ou recente” é o ponto de partida e o
ponto de chegada na atividade letiva, quer seja organizada isoladamente, quer
interdisciplinarmente.
- A interdisciplinaridade está implícita na ideologia dos textos. Os textos retirados de
“um livro ou de um jornal, frase publicitária ou simples legenda”, devem reforçar a
integração das temáticas a tratar na unidade didática; prolongar e completar aspetos
abordados noutras disciplinas, ou ainda constituir-se como documento necessário à
realização de determinado projeto ou trabalho interdisciplinar.
- A dimensão estética surge em três momentos: o da leitura autónoma, designada por
“leitura silenciosa” visando desenvolver a capacidade fruitiva (“gozar”, prazer de ler).
315
Outra reflexiva, convida a uma apreciação estética (do texto) mediante a descoberta
por parte do aluno, dos aspetos mais significativos. E por fim, na composição, o
sentido criador da expressão escrita, através da expressão pessoal e não condicionada,
de conteúdo e forma.
- Em termos metodológicos aconselha-se um percurso definido por três etapas
progressivas: a composição dirigida, a composição sugerida e a composição livre.
- Ou seja, primeiramente a aprendizagem formal dos códigos linguísticos, secundada
pela sua experimentação orientada e por fim a demonstração do domínio através da
livre expressão.
Lingua Estrangeira
- Aconselha-se que se tome em consideração o nível etário dos alunos e a sua
motivação.
- O ensino dos conteúdos deve ser integrado em temas (ou “áreas vocabulares”) que
integrem dentro do possível as vivências pessoais dos alunos, alargando esse
conhecimento ao viver do povo cuja língua está a aprender.
- As áreas vocabulares a abordar visam promover a expressão e comunicação em
aspetos relacionados com a realidade prática e contextual dos alunos. No 1º ano: vida
escolar; vida familiar; vida social, a natureza; no 2º ano: a casa, a localidade, o País
(da língua estudada), a natureza.
- Não há referências à interdisciplinaridade
Ciências da Natureza
- Entre os objetivos enunciados, destacam-se a aquisição de conhecimentos em relação
com a experiência da criança e o desenvolvimento da capacidade de detetar e resolver
problemas do quotidiano.
- A metodologia a aplicar orienta-se pelo emprego do método experimental. Neste
sentido “a matéria a explorar (…) não deve ser apresentada como um corpo de
conhecimentos já feito, que determine no aluno atitudes de passividade”. Pelo
contrário, o aluno deve ser orientado para a observação direta do real, enquadrada por
um diálogo reflexivo. Este método processa-se seguindo as seguintes etapas:
Observação; recolha de dados, criação de situações problemáticas; formulação de
hipóteses; planeamento de experiencias e sua realização pelos alunos, e análise crítica
dos resultados.
- O professor é o gestor do programa que organiza em unidades de trabalho e os alunos
serão informados previamente dos objetivos a atingir em cada uma dessas unidades.
- O trabalho de projeto deverá desenvolver-se em pequenos grupos e o professor deverá
manter “uma atitude discreta, tentando conseguir o diálogo e a cooperação entre os
alunos”.
316
- Tendo em conta a metodologia para a disciplina, a avaliação será progressiva
(contínua) e integrada na aprendizagem global.
- Os temas para o 1º ano são: os corpos, o solo, a água, o ar. Para o 2º ano: os seres
vivos e as plantas. Para algumas rubricas são apontadas a possibilidade de
aproximação interdisciplinar, no entanto este aspeto é pouco desenvolvido no
programa
- O conceito de interdisciplinaridade é alargado aos recursos locais e documentais.
Matemática
- Preconiza-se uma pedagogia de intenção formativa, que desenvolva no aluno,
capacidades de observação, interpretação, reflexão, análise, síntese, relacionação e
crítica, através de situações da vida real e do desenvolvimento da imaginação
criadora.
- Deve ter em conta a diferenciação individual dos alunos, atendendo às suas
possibilidades e interesses.
- No que se refere à geometria considera-se a necessidade da observação dos sólidos
geométricos na técnica, na arte e na natureza.
- Apesar da geometria oferecer conceitos comuns à disciplina de Educação Visual
(linha, plano, superfície, volume), o programa não faz qualquer alusão à
interdisciplinaridade.
MÚSICA
- Não há qualquer referência à interdisciplinaridade. É um programa prioritariamente
focado na aprendizagem dos seus códigos específicos. Apesar de não haver qualquer
referência aos interesses dos alunos, no exercício da canção chama-se a atenção para
o reportório folclórico e erudito, tanto nacional como estrangeiro.
Trabalhos Manuais
O programa não difere muito do anterior (1968), no entanto procura-se dirigir as
atividades manuais num sentido mais realista, de acordo com os objetivos gerais do
ensino preparatório. Assim:
- Defendem-se métodos de aprendizagem flexíveis de modo a adaptarem-se “às
exigências e necessidades dos alunos das várias regiões do País” e às condições das
escolas.
- Pretende-se que o professor e os alunos participem numa procura de motivações e
soluções de problemas da comunidade escolar e social em que se integram. Os temas
a tratar devem encontrar-se em aspetos da cultura e tradição local, na economia do
meio e no seu folclore (artesanato).
- Recusa-se o entendimento da disciplina como mero “jogo” ou distração, procurando-
se situar o trabalho manual ao mesmo nível do trabalho intelectual.
317
- Associando os trabalhos manuais ao desenvolvimento espiritual, defende-se a livre
experimentação centrada nos interesses do aluno. Ou seja a utilidade da “obra” a
executar, mais do que interesse económico ou prático, deverá ser útil para o aluno,
como objeto de sentido pessoal.
- Além desta vertente de desenvolvimento pessoal, os trabalhos a realizar devem
orientar-se no sentido de dar soluções a problemas de natureza prática (encadernação,
embalagens, adereços para celebração de festividades).
- O professor é encarado como gestor dum programa onde não há uma ordem pré-
estabelecida, no entanto e tendo em conta a complexidade de certas operações
manuais, é aconselhada uma progressão nas atividades entre o 1º e o 2º ano.
- Os alunos trabalharão preferencialmente em equipas e o professor intervirá somente
na demonstração inicial das técnicas e uso dos materiais. Após essa intervenção ele
agirá como orientador e supervisor do trabalho dos grupos, motivando e estimulando
os alunos.
As “áreas de aprendizagem” são as seguintes:
- Para o 1º ano: modelação / moldagem; cartonagem /entrelaçados, tecelagem /
tapeçaria; trabalhos em madeira e em chapa, atividades livres, trabalhos domésticos e
atividades ao ar livre.
- Para o 2º ano: Olaria, noções práticas de higiene e economia doméstica,
encadernação, cestaria, atividades ao ar livre, tecelagem /tapeçaria, estruturas e
composições dinâmicas, trabalhos em madeira e metal, atividades pré-tecnológicas,
construções e montagens, e atividades livres.
- A metodologia de trabalho parte do simples para o complexo, numa sequência
progressiva, e da demonstração para o domínio e interpretação livre e pessoal da
técnica e dos materiais.
- Em algumas áreas de exploração (ex: moldagem, tecelagem) chama-se a atenção para
a possibilidade de integração interdisciplinar, sobretudo no encontro com os temas e
contextualização das práticas.
- Os materiais e equipamentos para a disciplina comportam uma enorme diversidade,
de acordo com as várias áreas de aprendizagem a desenvolver.
- Além desses equipamentos consideram-se “auxiliares didáticos”, os seguintes: meios
audiovisuais, filmes, diapositivos, estampas, cartazes, revistas, desdobráveis, objetos
e peças artesanais autênticas, aparelhos e utensílios, visitas a oficinas, fábricas,
granjas e cooperativas, etc.
Estudos Sociais
- O professor é o gestor do programa, uma vez que os conteúdos são apresentados
como uma sugestão de trabalho, podendo variar, segundo as regiões e os interesses
das turmas.
318
- Mais do que aprender os conteúdos importa que estes desenvolvam comportamentos
de cidadania (“apreensão e consciencialização da sua responsabilidades de cidadãos
livres, vivendo em sociedade”).
- O programa tem por objetivos: aquisição de técnicas de estudo, desenvolver a
capacidade de análise de situações, apoiar a tomada de decisões, desenvolver a
capacidade de criticar problemas concretos e atuais da vida nacional, conhecer as suas
condicionantes históricas. Em suma “pretende-se contribuir para uma integração das
crianças (como crianças, como cidadãos), enquanto elementos ativos, no presente
estádio de evolução da sociedade portuguesa”.
- O programa organiza-se através das seguintes rubricas: “temas”, “conteúdos possíveis
de exploração”, “conceitos fundamentais a adquirir ao longo das aprendizagens”,
generalizações e “tradução das aprendizagens em atitudes e comportamentos”.
- O centro temático é a atividade humana, nas suas diversas dimensões.
- O programa não tem qualquer referência à prática interdisciplinaridade.
319
320