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SORAIA
Era pequenina, tão linda.
Seus olhos cor de avelã, marejados, estavam fixos em mim como uma
conexão inexplicável. Eu a segurava me sentindo realizada e repleta de
sentimentos maravilhosos.
Ela era minha... minha promessa... a expressão do amor absoluto, puro
e verdadeiro...
Quando me casei com seu pai esperei por um filho por meses, anos. Já
havia perdido a esperança de que seria mãe, mas quando menos esperei lá estava
ela, crescendo em meu ventre me dando a certeza de que a promessa estava
sendo cumprida.
Mês a mês foi um misto de incertezas até escutar o primeiro choro e até
este momento: no seu banho de moedas.
— Minha Aurora, minha deusa da manhã — sussurrei em seu ouvido, sem
que mais ninguém escutasse o primeiro nome. Somente eu saberia qual era até o
dia em que fosse se casar. E ela faria da mesma forma com suas filhas um dia.
Era assim que sua história e seu destino começariam a serem traçados
pelos ventos.
Após sussurrar um dos seus nomes, agradeci à Sarah Kalí [1] pelo
presente e a dádiva que me concedeu ao gerar minha menina. Em seguida
mergulhei seu corpo dentro da bacia com água e com uma das mãos peguei um
punhado de moedas de ouro e as deslizei lentamente pelo seu corpo, desejando
prosperidade, saúde, fortuna, amor e que em toda sua existência ela fosse feliz.
Ela chorou e sorri diante da imensa felicidade que sentia.
— Não imaginei que poderia ser tão feliz como nesse momento. Eu a
amo! — A retirei e aconcheguei-a em meu peito, protegendo-a com meus braços.
— Não chore bebê... — sibilei um som na tentativa de acalmá-la.
— Obrigado por ter me dado este presente! Eu a amo com tudo que sou!
— Senti a massa corpulenta ficar logo atrás ao mesmo tempo que o hálito quente
e a voz grave e pesada chegou aos meus ouvidos.
— Sou eu que devo agradecê-lo. Obrigada por ela, por ser um marido
maravilhoso. — Me virei e deixei nossa filha entre nós.
Valter me olhou e, com um lindo sorriso estampado em seu rosto,
depositou em seguida seus lábios em minha testa.
— Já soprou aos ventos o nome de nossa filha?
— Sim! — respondi.
Todo cigano tem mais de um nome, o primeiro que somente os ventos
sabem, o segundo que é pelo qual somos chamados e conhecidos pela nossa
família. Era passado de pai para filho desde o princípio.
— Seu nome será Sara, a princesa, a desejada. No dia em que se casar
saberá como a te recebi e a te chamei pela primeira vez — disse baixo, sentindo
minha fala embolar em meio ao choro de emoção que estava sentindo.
Quis muito por esse momento.
E toda profecia se cumpriu.
— Soraia, diga o nome que poderemos chamá-la — Valter pediu em um
sussurro, me lembrando de que toda nossa família estava ao nosso redor,
esperando por esse momento desde o instante em que uma de suas primas
profetizou.
— A chamaremos de Sara, a princesa, como nossa Santa Sarah Kalí. —
Valter me abraçou enquanto os urros de vivas e os acordes do bandolim,
misturados com as notas do violão ao toque do pandeiro, revoaram por todo
ambiente em comemoração ao nascimento de minha menina, da minha promessa
cumprida.
Sara Rosberg...
Para mim e para sempre minha Aurora, a deusa das minhas manhãs.
— "Thie Avel Hertô" — Que Deus te Salve e te guie! — disse em ROM.
— Que seus dias sejam mais felizes ainda. Sara será uma grande mulher.
— Nazira, a prima de Valter, se aproximou e pediu para pegar Sara. Esticou os
braços e se prontificou a enrolá-la em uma manta de tear. A entreguei e ainda
sorrindo ela olhou diretamente para os olhos da menina em seu colo.
A prima de meu marido era uma linda mulher, conhecida por todos os
acampamentos por seu talento em revelar nos jogos de cartas, no nosso tarô.
— Um dia o Protetor cuidará da Princesa com sua vida e dará a ela todo
seu amor e seu coração — mantendo toda sua atenção em Sara ela disse e por
fim sorriu proferindo algumas bênçãos sobre sua vida.
— Obrigada, Nazira. Jamais poderei retribuir...
— Jamais me agradeça, apenas cuide para que Sara cresça em graça e
seja uma grande mulher, não a deixe se desviar do seu caminho nem sequer um
dia.
Respirei fundo e assenti pegando novamente minha filha dos seus braços.
Capítulo 1
O calor da estrada fazia a faixa central parecer que tinha vida própria.
— Que calor, cara! A faixa da estrada parece uma serpente — olhei para
o lado quando Bóris reclamou.
Estava dirigindo em silêncio, pensando em tantas coisas que me esqueci
completamente de sua presença.
— Muito, mas já estamos quase chegando.
Voltávamos para casa, para o acampamento. E desta vez sem volta para
onde eu era feliz.
Havia terminado a faculdade de medicina há dois dias, sem festas, sem
toda aquela pompa que há no final de uma graduação.
Não que fizesse questão, até porque só de ter conseguido deixar o
acampamento para estudar foi um privilégio que poucos poderiam desfrutar. No
entanto, eu sabia de onde vinha e para onde teria que voltar, por isso tentei fazer
algo que pudesse beneficiar meu povo, que muitas vezes carecia de ser atendido
com qualidade, devido à nossa cultura. Porém, me afastar me fez ver que eu
queria mais, que também gostava daquela vida que nunca tive.
Mas como prometi que voltaria um dia, estava voltando.
Mesmo que parte de mim tivesse ficado para trás. Acabei me
apaixonando e a cada quilômetro que me aproximava de casa mais ia ficando
distante dela.
Foram anos incríveis, sentiria muita falta dela e de todos e dos momentos
em que ficamos juntos. Levaria comigo o som da sua risada e a lembrança do seu
toque.
Alina foi uma inesperada e deliciosa paixão, mas jamais meu pai a
aceitaria e ela também não aceitou quando lhe contei o que aconteceria após eu
me formar. Que teria que voltar para casa e me casar como manda o costume. Sei
que não fui cem por cento sincero e estava pagando o preço por isso.
Terminamos de um jeito que se pudesse faria de tudo para reverter,
porém, o sangue que corre em minhas veias, toda minha história e minha família
me fizeram ficar em dúvida e os dias foram passando, se tornaram semanas de
um distanciamento que não tinha mais volta. Bastava agora encarar e seguir em
frente.
Foi bom e infelizmente tivemos um fim.
Sou o filho mais novo de Miro Rosberg, o líder de um assentamento de
Kalderash, ficamos no sul do país com mais algumas famílias que moram em
nosso acampamento e para ele, nossas tradições precisam se manter vivas,
fazendo questão de que não nos desviássemos do que e de quem somos.
Quando fui estudar, até me adaptar foi difícil não me encantar com tudo
tão livre e tão acessível, sem muitos impedimentos. Tive vários embates comigo
mesmo, até aceitar que eu poderia sim pertencer aos dois lugares.
Conheci tantas pessoas, mulheres, ou melhor, gadjíns[2], que muitas
vezes acabava me esquecendo de quem de fato eu era. Por isso, quando eles
perceberam que eu já preferia ficar na cidade a estar em casa, começaram a
pedir para eu estar no acampamento todos os fins de semana.
Sei que o maior medo deles era que no fim eu não honrasse a tal
promessa.
Talvez demore para eu sentir toda aquela paixão, excitação e todos os
sentimentos que tive por Alina. Quem sabe nunca mais me sentiria ligado a
alguém como estive com ela nesse último ano.
Com ela quis ser apenas Ramon, um estudante de medicina que no fim
não tivesse seu futuro ligado a uma promessa e a um compromisso do qual não
dei minha palavra.
“— Quando vou conhecer seus pais? — Alina me inquiriu naquele
momento do qual sabia que um dia ou outro chegaria.
Estávamos deitados na minha cama, sua cabeça estava na curvatura
dos meus braços e suas unhas deslizavam lentamente sobre meus músculos.
— Sei que parece que estou pressionando, Ramon. Mas você não fala
neles, não tem sequer uma foto deles. Todos os fins de semana fico por aqui e
você vai para casa. Queria conhecê-los.
Respirei profundamente, procurando as palavras essenciais para que
não a machucasse, que não chegasse no fim. Ela jamais aceitaria e eu não
tinha forças para lutar contra para o que fui criado.
Eu não escolhi ser cigano, mas nasci e morreria como um.
E isso fazia com que tudo se tornasse ainda muito mais conturbado.
Meus pais não a aceitariam, mesmo que essa fosse minha vontade.
— Eu preciso muito contar algo — disse e tentei trazê-la para mais
perto, mas Alina sentou e me encarou.
— O que você precisa me contar, tem a ver com conhecer seus pais?
Assenti.
Ela não era idiota a ponto de fingir que nada estava acontecendo.
Ficamos por um ano, quase todos os dias dormindo juntos. Para todos os
conhecidos da faculdade éramos namorados.
— Eu sou cigano!
— E daí? Não tem problema você ser um...
— Mas para minha família, você não ser uma cigana tem... — Tentei
não ser tão direto, mas não tinha como. Não conseguiria ficar escondendo
mais isso dela.
Alina ao contrário do que pensei que fosse fazer, ficou me encarando,
esperando que eu dissesse algo.
— Vai me dizer que nenhum de vocês nunca namorou alguém que não
fosse?
— Sim, mas não é só isso...
— Então o que é? — Me sentei e tentei tocar seu rosto, mas ela virou e
desviou da minha mão.
— Estou noivo e devo me casar em breve.
— O quê? — Alina se empertigou e ficou ajoelhada, mantendo-se ainda
na minha frente, no entanto sua expressão delicada e suave se tornou fria e
distante. — Está me dizendo que é noivo? Que vai se casar?
— Alina! Eu nem a conheço.
— Sem essa, Ramon. Como é noivo de alguém que não se conhece?
— É assim que funciona com meu povo, nos casamos através de um
compromisso na infância. Quando vi Sara ela tinha apenas 5 anos e eu tinha
13 anos. Mas nosso casamento foi marcado desde quando ela nasceu. — Como
não tinha opção acabei contando apenas o essencial para ela.
— Está me dizendo que vai se casar? E nós? — Foi neste momento que
vi as lágrimas descerem no canto dos seus olhos e ela cada vez mais se
distanciava, me fazendo entender que eu tive uma escolha e que preferi honrar
a palavra que dei ao meu pai a viver com ela meus sonhos e tudo mais.
— Alina...
Queria muito dizer que eu faria algo, mas eu respeitava meus pais,
meus costumes e tudo no que sempre acreditei.”
Sabia que algum dia teria que pagar pelo que fiz, mas já traí Sara e a mim
mesmo negando quem eu era. Até o tapa que me deu foi mais do que merecido,
eu jamais deveria ter permitido que alimentasse quaisquer esperanças. O errado
fui eu.
— Será que vai vir muita gente? — Bóris tornou a falar, mas estava tão
absorto que acabei me esquecendo da sua presença ao meu lado de novo.
— Não sei! — respondi descansando minha cabeça no braço apoiado na
janela da caminhonete.
— Tio Miro prometeu uma grande festa para aproveitar sua formatura. O
primeiro médico do nosso acampamento. — Tentei sorrir, mas tudo que
aconteceu entre eu e Alina há semanas tirou completamente todo meu ânimo.
— Dia de Kalí merece uma grande comemoração — respondi e voltei
meu foco para a estrada, deixando novamente o silêncio entre nós invadir.
Queria apenas ficar com meus pensamentos, que mesmo com tantas
certezas criavam dúvidas das quais jamais poderia questionar.
Confesso que me casar com alguém que nunca tive sequer um contato
também não era exatamente o que queria, mas seguiria em frente. Talvez eu
conseguisse adiar um pouco mais, já que Sara deve estar ainda com 17 anos.
Não demoramos mais que 40 minutos até chegar no acampamento, que se
localizava mais ao sul, em uma propriedade rural afastada de qualquer cidade ao
redor. Lá vivíamos à nossa maneira, do jeito mais livre que poderíamos
conseguir. Dormindo sob tendas, cantando e dando sequência ao nosso estilo de
vida.
— Ramon! — minha mãe me chamou assim que estacionei minha Ford
150 platinum v6 próximo à tenda deles.
Desde que fui para faculdade a minha foi desmontada e todos os fins de
semana ficava na deles. Ainda não sei o que vou fazer, deixei para me decidir
quando voltasse de vez. Além do que preciso ainda voltar a pensar em como vou
trabalhar, se vou mesmo ficar por aqui.
Antes de ir para a faculdade eu comprava carro e vendia, tanto
automóveis como cavalos de raça. Cresci vendo meu pai fazendo seus negócios.
E quando pude comecei a fazer os meus. Graças a eles que tenho um bom
dinheiro guardado.
Minha ideia sempre foi me manter onde nasci e cresci, não sei se daria
certa essa vida nômade para mim. Até porque meus pais acabaram ficando
sozinhos para comandar o acampamento.
— Mãe! — A abracei assim que desci da caminhonete e a encontrei
vindo na minha direção.
— Que bom que chegou, meu filho. Estava com saudades.
— Foi apenas uma semana. Deixa de ser exagerada, dona Constância! —
Beijei seu rosto e a soltei, caminhando em seguida ao seu lado. Deixaria para
tirar minhas coisas mais tarde de dentro da caminhonete. — Vamos, estava te
esperando para comer.
Minha mãe era incrível, uma mulher determinada, corajosa e fiel. Sempre
com sua postura íntegra conseguia ajudar nas dissoluções dos problemas que, às
vezes, surgiam no acampamento. Ela se casou muito nova, e se não fosse pelos
maus tratos do tempo e a pouca vaidade, ainda seria uma belíssima mulher. As
marcas do tempo mostravam as pequenas rugas que se formavam no canto dos
olhos e ao redor da boca. Mas ainda assim, continuava a ser muito bonita com
seus longos cabelos castanhos.
Meu pai conta que quando a viu pela primeira vez se apaixonou, e que
ainda sente o mesmo amor desde que se casaram.
Eu admiro isso neles. Toda essa cumplicidade e o amor que
compartilham até hoje.
— Foi muito puxada, mas chegou no fim.
— Estou muito orgulhosa de você — me disse quando paramos à frente
da tenda enquanto segurava meu rosto.
Virei a cabeça para o lado e segurando seu pulso beijei a palma da sua
mão.
— Fiz bolo e acabei de fazer aquele café que você tanto gosta. —
Sempre era assim quando retornava no fim de tarde das sextas-feiras. Ela me
esperava sempre com um bolo feito pouco tempo antes.
— O cheiro dele está vindo aqui — disse após meu estômago fazer
barulho.
Entramos e ela me serviu enquanto conversávamos sobre algumas coisas
que havia acontecido no meio de semana por aqui.
Depois de uma longa conversa e de ela me colocar a par de todos os
acontecimentos da semana, fui caminhar, respirar um pouco de ar puro e esperar
o céu se encher de estrelas. Estava precisando desse refrigério, ainda havia
tantas coisas para se pensar e nada melhor do que deitar sobre a grama e sentir a
brisa que invadia a noite tocar em meu rosto.
Por mais culpado que fosse, estava apenas pagando pelo preço das
minhas escolhas, mas ainda assim eu me dividia sobre o sentimento quebrado e
toda uma história.
Desci o aclive do terreno e fui para perto do grande lago que ficava no
fundo das terras.
O lugar era lindo, os fins de tarde ali sempre me rendiam paz e
tranquilidade e se realmente eu fosse ficar por aqui, seria exatamente onde
colocaria minha tenda.
Escolhi o lugar de sempre e me sentei antes de me deitar, porém o
barulho esmagando a grama me chamou atenção. Era meu pai. A figura
corpulenta e alta, de cabelos esvoaçantes até o ombro, se materializou ao meu
lado e sentou ainda em silêncio.
Por segundos ficamos apenas olhando o horizonte, até sua voz grave
quebrar todo o vazio silencioso.
— Como está, meu filho? — Meu pai sorriu, mostrando sua vaidade
estampada em quase toda a arcada superior.
Seus dentes eram de ouro, o que significava prosperidade e o quanto
nossa cultura estava impregnada em nós, eu não possuía nenhum, preferi não ter
por causa da faculdade.
Lidar com o preconceito cultural, é algo que ainda continua em
evidência. Muitos não entendem como somos, como vivemos e preferem inventar
mentiras sobre nosso estilo de vida. Claro que onde existe um grupo de pessoas
sempre terão os joios e os trigos, no entanto, o mau exemplo de alguns faz com
que todos acreditem que somos daquele jeito e pronto. Porém, o que importa é o
que realmente somos. Dentro dos nossos costumes não admitimos maus tratos,
roubos, seguimos nossa política decretada por nossas leis. Se infelizmente
existem pessoas de todos os jeitos, o que vale é sua consciência.
Mas por causa do pré-julgamento de alguns, evitei a exposição e optei
por me esconder e não abrir minha vida enquanto estivesse estudando.
— Estou bem, pai. Como foi a semana por aqui? — respondi e perguntei
ao mesmo tempo sem olhar na sua direção.
Sempre que chegava tínhamos essa conversa no sábado e
esporadicamente, na sexta-feira à noite. Ele, assim como minha mãe, gostava de
me contar tudo o que aconteceu durante a semana no acampamento. No fundo eles
tinham esperança que eu assumiria futuramente o seu lugar como líder do
acampamento, já que meus outros três irmãos após casarem foram embora.
Mas confesso que estava tão cheio de incertezas de estar fazendo o certo,
que liderar um povo era ainda uma completa loucura. Começando por ter me
relacionado com Alina. Jamais seria aceito como líder se soubessem que traí
minha noiva. Por mais que eu achasse arcaico e sem sentindo, porém o que ardia
em mim era o respeito pela minha cultura, do qual fui hipócrita o tempo todo. Se
respeitava os costumes, deveria não criar hipóteses para justificar minhas
atitudes contrárias.
Ela terminar comigo foi o mais sensato.
— O mesmo de sempre. Nada de especial, apenas que estamos animados
para a grande festa.
— Gosto de ver o senhor animado — disparei o comentário quase no
automático.
— E você, o que pretende fazer agora? — A mudança de assunto foi
nítida, ele estava apenas esperando para termos a conversa de que tanto tenho
evitado.
— Ainda não sei, pretendo ficar um pouco por aqui, cuidar do pessoal,
mas... — me calei e continuei a olhar para o longe, fixando meus olhos na luz
natural refletindo nas ondas circulares que se formavam no lago.
— Por que não constrói sua vida por aqui? Poderia usar essa parte do
terreno para fazer o que quisesse.
Meu pai era um homem muito perceptível e em algumas de nossas
conversas confessei o quanto este era o lugar em que mais gostava daqui.
— Poderia começar sua família próximo de nós.
Família?
Sei que estava à espera da oportunidade para me lembrar do meu
compromisso com a filha do nosso primo. Mas ainda me doía muito a forma
como eu e Alina terminamos. Por algum tempo, vivendo dentro de uma bolha,
pensei que poderia ser com ela que construiria um lar e veria meus filhos
crescendo ao nosso lado.
A ilusão de um homem pode ser seu maior inimigo.
Olhei para ele, ainda perdido em meus pensamentos.
— Sim, pai! — respondi, deixando as divagações se perderem nas
minhas memórias.
— Eu e sua mãe ficaríamos muito felizes de ver seus filhos crescendo
perto de nós. Seus irmãos tomaram os ventos deles, só nos restou você para
manter toda uma geração vindoura. Não quero lhe pressionar, mas o primo me
ligou nessa manhã e... — ele interrompeu o que iria falar, no entanto, não
precisava terminar de dizer mais nada para me lembrar de seu compromisso, ou
melhor, da promessa que um fez para o outro. De que casariam seus filhos
quando chegasse a hora.
Respirei fundo, por mais que fosse uma questão de honra eu não queria
me casar ainda.
Meu corpo e meu coração pertenciam a outra mulher, e sei que isso
passaria um dia e quem sabe eu conseguisse honrar seu voto. Porém no momento
apenas queria ficar sozinho.
Quem sabe um dia...
— Disse que virá com as filhas para a festa de Sarah Kalí este ano. Fez
uma grande doação para nossa festa e está muito animado — ele completou o que
estava me dizendo me lembrando nas entrelinhas do que realmente se tratava a
vinda do nosso primo.
— Pai! — nutri minha coragem para dizer o que há tempos deveria ter
dito. — Faz tempo que deveríamos ter essa conversa.
— Sim. Eu prometi que o deixaria estudar, mas agora é mais que um
homem pronto para honrar o sobrenome que carrega.
Não seria fácil...
Suas palavras eram firmes e tinham tanto peso que não seria fácil
dissuadi-lo. Mas eu precisava tentar, por mim, pelo que estava sentindo.
Não acho que casar com uma pessoa que não conheço e não sinto nada
seja algo bom. Todos vão sofrer e não quero fazer ninguém infeliz, muito menos
a mim.
— Sei que não vai aprovar o que vou dizer, mas preciso que me entenda,
pai. Não tenho certeza de que devo me casar com a filha do primo Valter. — Ele
enrugou a testa e desviou seu olhar do meu, o que era um péssimo sinal. — Esses
casamentos às cegas funcionavam muito bem antes, mas não acredito que serei
feliz e muito menos farei alguém feliz sem ter um sentimento.
O silêncio pairou entre nós por longos minutos.
— Para nós a palavra vale mais que o ouro, que as riquezas que um
homem pode conquistar em sua vida. E eu sou um homem de honra. Há quase 18
anos eu dei minha palavra e nem que se estivesse morto teria que honrá-la. É
assim que funciona. Você vai se casar com Sara. Eu esperei, fui paciente e
compreendi seus motivos, mas agora espero que entenda os meus. — A pressão
que colocou foi decisiva, não me dando sequer nenhuma opção para fazê-lo
mudar de ideia.
— Não é isso, apenas queria ter a opção de escolher e também não
querer neste momento entrar em um casamento — tentei argumentar.
— Se não quer se casar no momento, então podemos esperar alguns
meses, mas Sara é sua noiva desde o dia em que ela nasceu. É com ela que se
casará.
— Não está me entendendo, pai. Apenas quero poder um dia escolher
alguém que eu sinta algo. Quase ninguém sabe sobre esse compromisso —
procurei argumentos que o fizesse mudar de opinião.
Na verdade, eu estava à espera de um milagre.
— Você se interessou por alguma gadjín? — sua pergunta foi direta,
como se ele soubesse que tive alguém de fora da nossa cultura.
— Não! — neguei e menti, agindo contra tudo que preso. Mas se eu
dissesse a verdade, além de estar indo contra tudo o que acreditamos, estaria
agindo com um traidor.
— Ramon, você foi prometido à Sara, é com ela que vai se casar. Achar
uma nova noiva e romper com a família de Valter está fora de cogitação — ele
terminou de falar e se levantou, deixando claro sobre sua posição e sua ordem a
ser acatada.
Frustrado por não ter o controle da própria vida, lancei uma pedra na
direção do lago. Eu não queria desobedecer aos princípios de respeito em que
fui criado, porém não conseguia reprimir o sentimento de raiva por não ter o
direito de uma escolha.
E pelo visto nem de ficar sozinho...
Já fazia alguns minutos que meu pai havia ido embora e novamente
escutei o farfalhar na grama.
Ele não voltaria. Uma vez que deixou bem claro que minha vontade
pouco importava na sua decisão.
— Oi, Ramon! — Revirei os olhos impacientemente ao escutar sua voz.
Era Esmeralda, uma linda cigana de 18 anos, que em todos os fins de
semana fazia questão de vir onde eu estava sempre puxando algum assunto para
conversarmos, porém ela era problema na certa.
Foram várias as vezes que me encurralou e quis ficar sozinha comigo, o
que não seria o ideal, visto que poderiam interpretar de modo errado.
Por mais que fosse muito bonita o certo era nos mantermos distantes.
— Olá, Esmeralda. — Me mantive sentado e apenas olhei para o alto e
não a convidei para se sentar ao meu lado, inclusive acabei me levantando para
evitar que mesmo não sendo uma convidada para estar ali ela não se sentasse.
Ainda mais por estar à noite, sozinhos e em um local que poderia causar algum
problema com seu pai.
— Como está? Não vi a hora em que chegou.
— Estou bem e você? — evitei ser grosseiro e acabei retribuindo a
pergunta.
— Bem também. — Ela sorriu deixando as covinhas que tinha no meio da
bochecha ficarem mais evidentes.
— Que bom, já estava subindo. Vai ficar? — perguntei na tentativa de
que ela se fosse.
— Não sei. Posso? — Como não respondi ela emendou outra pergunta ao
se aproximar mais. — Está animado para a festa? Vai vir muitos parentes de
outros lugares — concluiu animada.
— É, fiquei sabendo — respondi desanimado.
— Vai ser lindo, vai ser a primeira festa que vou participar aqui. —
Apenas sorri, me sentindo desconfortável por ficar ali com ela.
— Estou indo. Vai ficar aí? — Bati a mão contra minha calça, tirando um
pouco da grama que havia grudado no jeans e evitei olhar para ela.
— Posso lhe fazer uma pergunta antes?
— Claro! — A encarei, esperando para responder e logo sair dali.
— Você não gosta de conversar mais comigo? — sua voz foi baixa e um
tanto chateada.
Confesso que me deu pena e desviei o olhar do seu, indo novamente para
o lago.
— Esmeralda... não me leve a mal, você é muito bonita, não seria algo
agradável se nos encontrassem aqui. Mesmo que não estivesse acontecendo nada,
mas sou homem e você uma mulher. Acredito que seus pais não gostariam.
— Tudo bem! — Ela abaixou a cabeça e me sentindo um pouco mal
diante da situação a deixei, entretanto pude escutar o choro reprimido ao me
afastar dando-lhe as costas.
Talvez Esmeralda fosse uma opção se eu não estivesse comprometido
com uma estranha e Alina não tivesse passado e marcado minha vida.
Capítulo 2
Ainda segurava aquela carta não acreditando no que estava acontecendo
comigo. Era meu sonho se materializando através de uma palavra tão pequena,
mas com uma grande importância.
Não consegui acreditar quando Marjorie, uma das minhas amigas de
escola, me entregou, ela sabia o porquê não poderia receber correspondência
desse tipo em casa. Aliás, ela era a única que tinha conhecimento sobre quem eu
era e de como vivíamos.
Por mais que morássemos em uma casa grande e confortável, isso não
anulava nossas origens e meus pais faziam questão a cada minuto de nos lembrar
quem éramos e a que pertencíamos.
Nossa cultura era diferente e cresci aprendendo o quanto afortunados
somos por fazer parte de um povo rico, que mantém suas tradições ainda tão
firmes de pé.
Não que isso me envergonhasse, mas ia contra tudo que pensava.
Pregavam a liberdade, mas quando se tratava de estar à frente da sua
família, e no meu caso eu não passava de um pássaro engaiolado pelo estilo de
vida dos meus pais.
Por isso essa carta era minha alforria. Em breve eu estaria livre para
seguir meu caminho, iria para a universidade e tudo mudaria.
Por mais que nossos pais tivessem em mente em alguns anos voltar para o
sul, onde parte da nossa família estava, como Micaela estava estudando ainda
ficaríamos na cidade.
Antes de morarmos aqui, vivíamos sempre por aí, viajando por alguns
estados, vivendo em sua maioria, sem um local fixo, mas quando estava com
nove anos foi que mudamos para a capital. Minha mãe convenceu meu pai de que
eu e minha irmã mais nova precisávamos estudar, pelo menos aprender o básico.
E mesmo com os tantos nãos ela conseguiu que estudássemos e aprendêssemos o
essencial, enquanto muitas garotas ciganas aprendiam apenas a escrever seu
nome e mal ler.
Em nossa cultura a mulher não precisa saber coisas básicas como ler e
escrever, sendo que o responsável pelo sustento da família sempre virá do
homem. O que para mim vai contra tudo que acredito. Sinto que meu caminho não
é o mesmo que o de minha mãe, ou das outras mulheres da família. Preciso saber
mais, conhecer o mundo, viver de forma livre e independente.
Não serei mais uma escrava da tradição e do destino que traçaram para
mim. Se sigo as tradições é porque foram impostas, mas acho completamente
retrógrado a forma como lidam e seguem.
Respeito, mas não concordo.
Ainda não contei que havia me inscrito para uma universidade.
Aprendi ao longo dos anos que antecipar meus anseios era arruinar
qualquer sonho ou plano que tivesse. Por isso estava esperando a melhor hora
para falar.
“Sarah Kalí, sei que vai me ajudar e que meu destino é ser diferente. É
conhecer o mundo, é poder ver as coisas com liberdade.”
Aproximei-me da imagem que tinha ao canto do meu quarto, sob a mesa
de cabeceira.
Sei que poderia ser hipócrita ao pedir para a protetora dos ciganos para
ir contra o que a cultura mandava, mas mesmo não aceitando algumas tradições
arcaicas, sendo privada de coisas tão normais, eu amava quem eu era.
Ser uma cigana não era cem por cento ruim. Eu adorava dançar e cantar.
Sentia alegria quando olhava as estrelas. Dentro de mim habitava o espirito livre
dos ventos que poderia ir para qualquer canto que quisesse.
Era sobre liberdade minha revolta.
Queria poder usar as roupas que quisesse, ou mesmo escolher o próprio
namorado, entretanto eu só conseguiria se fosse para a universidade.
— Soraia! Soraia! — Escutei quando meu pai chegou em casa chamando
pela minha mãe.
Havia saído mais cedo da escola e vindo direto para casa. Não contendo
minha felicidade ao saber que fui aceita para fazer a faculdade, não esperei por
Micaela. Só queria saber de chegar em casa e reler aquela carta.
— Soraia! Soraia! — ele continuou a gritar o nome de minha mãe e
curiosa aproximei da porta e abri apenas um vão, na intenção de escutar o que
estava acontecendo.
— Que foi, homem? — minha mãe respondeu com o tom alto.
Eles estavam na sala sem que percebessem que eu estava no andar de
cima, escutando-os, abri um pouco mais a porta e fui passo a passo até o alto da
escada.
Nossa casa era estilo um sobrado, os quartos e os banheiros ficavam na
parte superior, a sala e a cozinha embaixo. Nos fundos um amplo e grande quintal
tinha uma tenda, onde meu pai fazia questão de dormi. Se negava a ter um teto
sobre sua cabeça ao invés das estrelas todas as noites.
— Sua filha estava que nem uma gadjín [3] se agarrando com um
gadjon [4] na porta da escola, com a língua pendurada na boca dele e sei lá mais
o que — ele gritava nervoso.
Micaela deveria ter aprontado e eu que não perderia por nada.
Desci as escadas em silêncio, ainda me mantendo escondida deles,
avistando-os à espreita.
— Ela estava como uma serpente na frente de todos. Se enroscando
naquele gadjon. Não criei filha para perder seu destino.
Micaela estava com os olhos encharcados de choro e mamãe com as
mãos tampando a boca como se não acreditasse no que estava escutando.
— Vocês só brigam comigo. Sara também beijou um gadjon — Micaela
tentou se defender me acusando.
Ela sempre tentava se safar do que aprontava jogando em mim, assim
tirando o foco da ira de nosso pai, transferindo-a para mim.
Que ódio quando ela fazia isso.
Irritada, deixei meu esconderijo e fui para perto deles.
— Sua mentirosa! Está dizendo calúnias só para eles brigarem e
esquecerem de que foi você quem estava aprontando. Sua cobra! — gritei, indo
na direção dela.
— Estou falando a verdade. — Sim! Ela falava, porém estava apenas me
dedurando para eu ser punida como ela.
Era típico seu, usar de vitimismo para não ser punida.
— Mentira! — menti em minha defesa.
Jamais deixaria que descobrissem que uma única vez havia beijado um
garoto da minha sala.
Por mais que não concordasse com o modo de vida que nos obrigavam,
eu os respeitava e por isso tentava não agir errado.
— Ela eu não vi, você eu vi — papai argumentou, levando Micaela pelos
braços até o sofá, empurrando-a contra as almofadas.
Nossa mãe assistia tudo calada, não que fosse permissiva, mas ela só
intervia caso nosso pai exagerasse. Não a ponto de bater. Ele nunca levantou uma
mão sequer para nos castigar.
— O senhor sempre a defende — Micaela reclamou chorosa.
— Valter se acalme — minha mãe interviu quando percebeu que o marido
não estava bem.
— Se acalmar? Minha filha vai ficar falada e vai viver no vento.
— Sara também! — Micaela continuou a me acusar.
— Olha só, Soraia, até nossa Sara! — Ele tirou o lenço do bolso e
esfregou na testa suada enquanto dava voltas pela sala.
— Eu vou te matar! — me aproximei e sussurrei sem que ninguém mais
além de Micaela ouvisse.
— Vamos ter que casar as meninas! — ele disse e voltou a olhar na
direção onde estava ao lado de Micaela.
Não seria possível que estava escutando ele dizer que nos casaria.
Foi como se tivesse sido nocauteada com apenas um golpe.
— Eu não vou me casar não! — protestei imediatamente.
— Nem eu! — Micaela se manifestou também.
— Ah! Mas vão sim! E Sara será a primeira — ele disse determinado.
— Mãe! — Olhei para a mulher ao lado pedindo por ajuda.
Como assim ele me casaria porque flagrou Micaela beijando um garoto
qualquer por aí?
Era absurdo e uma loucura completa.
— Está ficando louco! — aumentei o tom de voz, quando percebi que
minha mãe não me ajudaria. — Não vou casar com ninguém.
— Você vai sim. Não quero ter uma filha devolvida no dia do casamento
porque anda se portando como essas gadjíns lumia[5]. É a mais velha, tem que
dar o exemplo.
— Não... não... não... — comecei a negar em vão.
Sei como funcionava. Enquanto eu não me casasse, Micaela não poderia
casar. E um casamento neste momento é a mesma coisa que perder tudo o que
poderia conquistar.
— Estarei ligando para o primo Miro e cobrando o compromisso com
seu filho. — Fui ignorada.
Meu maior pesadelo estava acontecendo. Todos os meus sonhos
escorriam pelos vãos dos meus dedos.
— Pai... por favor! — Desesperada me aproximei dele e tentei segurar
suas mãos, pronta para um apelo.
Eu não poderia me casar logo agora, quando tudo estava indo como
sempre sonhei.
No próximo ano estaria indo para a faculdade e era o que mais queria.
— Está decidido — ele me respondeu firme, afastando-se de mim.
— Eu não vou, pai! — rebati corajosamente.
Não queria e tinha que lutar...
— Vai sim, aliás, você já está prometida desde que nasceu.
— Como assim?
Ele não poderia estar falando sério.
— Quando nasceu, concedi sua mão ao filho mais novo de Miro Rosberg
— me respondeu sério e convicto.
Abri a boca para protestar, no entanto sua confissão me pegou de
surpresa, me deixando completamente sem saber o que falar. Neguei com a
cabeça na tentativa de espantar o que havia acabado de saber.
— Mãe! — Em desespero, olhei na sua direção, pedindo que intervisse
nessa loucura, mas ela levantou as mãos aos céus, como se estivesse pedindo sua
redenção, deixando bem claro que não se meteria.
A esposa era assim, o marido falava e ela acatava fielmente em sinal de
respeito. Que nem cordeirinho.
— Não podemos mudar uma promessa, Sara! — ela respondeu e nos deu
as costas, voltando para a cozinha.
— Como assim, compromisso, noivo? Sem chances de me casar com um
estranho.
— Você não vai se casar com um estranho, Ramon é filho do meu primo.
É da família! — ele argumentou com naturalidade, como se fosse o fato mais
normal do mundo.
— Bem feito! — Micaela zombou e de tão impactada com a notícia de
que tinha um noivo e que iria me casar com estranho, não lhe devolvi a
provocação.
— Micaela, cale-se — minha mãe gritou da cozinha.
— Sem chances de me casar com um estranho. — Balançava a cabeça
enquanto negava em voz alta.
— Vai sim. Inclusive, logo será o primo Miro que cobrará a promessa.
— EU NÃO VOU! — gritei e só me dei conta que havia faltado com o
respeito quando ele se aproximou e me encarou.
— Você vai sim. É assim que manda a tradição.
— O senhor vai destruir a minha vida — segurei o choro e respondi
firme. — Vai ter que me matar antes de me casar com um estranho.
— Eu falei que essas meninas não deveriam ficar tanto tempo na escola,
Soraia. Olha só como estão se tornando umas gadjíns — ele me ignorou e disse,
quando novamente minha mãe surgiu de volta à sala. — Meu coração vai parar
de tanta decepção. Tive duas filhas e todas me dando desgosto. — Pegou o lenço
novamente, deslizou sobre a testa e o rosto avermelhado.
— Sara, não fala assim, seu pai está passando mal — minha mãe disse,
vindo para mais perto no momento em que meu pai cambaleou e caiu sentado no
sofá.
— É, Sara, você vai matar o papai. — Micaela se levantou e foi para o
lado de nosso pai, como se não fosse a real culpada por tudo que estava
acontecendo.
Não pensei duas vezes ao enrolar minhas mãos nos longos cabelos e
puxá-los, trazendo-a para perto.
Para sua sorte ela havia falado e passado no exato momento e assim que
a puxei para trás novamente empurrei-a para o sofá, sentando sobre suas pernas.
Enquanto puxava seus cabelos, suas mãos tentavam alcançar os meus,
mas fui agarrada e tirada de cima dela.
— Parem as duas, agora! — ele usou o tom de autoridade que nos fez
ficar quietas na mesma hora. — Cada uma vai para seu quarto! — ele ordenou e
me soltou.
— Papai! Por favor — me virei —, eu quero ir para a universidade —
informei sem muita alternativa e desculpa do porquê eu não queria me casar.
Era o único argumento que tinha para conseguir tirar aquele absurdo da
cabeça dele. Mesmo tendo certeza de que não era uma boa hora para ter
revelado.
— Não, você não vai. Já permiti que estudassem. Está na hora de honrar
com a promessa que fiz.
— O senhor fez, eu não fiz nenhuma.
— Por isso mesmo, Sara. A palavra de um homem vale mais que os
dentes de ouro que tem na boca. — Fechei os olhos, perdendo a batalha.
Seria muito difícil fazê-lo mudar de ideia.
Para nós uma promessa feita é uma dívida de sangue, que deve ser
honrada a qualquer custo.
— Fim de conversa. Você vai se casar.
Neguei com a cabeça me afastando, percebendo que lutar agora era perda
de tempo. Voltaria a falar com ele quando tivesse mais calmo, porém todo meu
corpo correspondeu à frustração de saber que meu sonho estava quase perdido.
— Não é justo...
Nunca seria.
Não escolhi nascer cigana, fui destinada a ser uma.
Capítulo 3
Dias depois
O que fiz?
Acabei de concordar que me casaria com Sara no final do outono.
Não sei o que deu em mim, mas a cada movimento dos seus lábios nos
meus me fez ter a certeza de que eu a queria.
Sim... era cedo para falar em paixão, quando ainda pela tarde queria que
outra mulher ocupasse o lugar dela, porém a explosão, o misto de sentimentos
que tive ao beijá-la me fez ficar completamente dividido, sem saber qual atitude
tomar.
Não que fosse uma má ideia, mas eram poucas escolhas.
Quando Sara nasceu fomos prometidos um ao outro, sem terem nos dado
o direito de dizer se queríamos ou não. Não tivemos opções, elas simplesmente
foram escolhas de outras pessoas e não nossas.
Pode até parecer estranho e arcaico, mas esse tipo de casamento
arranjado é comum entre nós. Foi um meio que encontraram para manter nossas
tradições, costumes e a pureza do nosso sangue até os dias de hoje. Não fomos
nós, nem nossos pais, muito menos nossos avós que determinaram que seria
assim. Fidelizar um noivado enquanto os filhos são pequenos vem de muito antes
que possamos imaginar.
E talvez saber que Alina jamais se encaixaria em todo esse contexto me
fez perceber que nasci cigano e não foi uma escolha minha, então eu precisava
aceitar meu destino. Era o certo a fazer, ainda mais sentindo esse misto de
sentimentos pela ciganinha nervosa.
— Me espera. — Me apressei e consegui alcançá-la.
— Não quero falar com você. Além de tomar liberdades das quais não
lhe dei, é um mentiroso. — Ela parou de repente e me olhou furiosa.
— Não sou um mentiroso — rebati um pouco irritado.
Esse mau gênio até certo ponto era aceitável, mas não quando me
chamava de mentiroso.
— É sim! Você sabia quem era eu e não me disse nada.
— Você não me perguntou.
— Você foi mal-intencionado — ela acusou.
— E você mal-educada — respondi.
Sabia que estava furiosa comigo, a forma como me olhava me dava essa
certeza e não era apenas uma simples raiva por ter sido ludibriada, mas porque
esconderam coisas dela. Se fosse comigo também me sentiria traído como ela,
porém algo a mais brilhava em seus olhos.
— Jamais poderia ter me beijado. Não somos nada um do outro. Você
quebrou as leis.
Comecei a rir.
Sara era simplesmente adorável, com esse seu jeito natural, explosivo e
sem maldades. Com certeza ela jamais perceberia o quanto fica atraente quando
está irrita e o quanto isso atraí um homem possessivo.
Não que eu a veja como algo que eu pudesse possuir.
Ao contrário, confesso que adorei experimentar o gosto de inocência
misturado com pecado em seus lábios, era um sinal de que poderíamos nos dar
muito bem. Uma deliciosa combinação, que me fez querer mais em tão pouco
tempo, fazendo com que a possibilidade de conseguir uma maneira de atrasar
esse casamento já não fizesse mais parte dos meus planos.
Como você não vale nada, Ramon. Horas atrás você não queria se
casar.
Hipócrita...
Eu era, não a quis e apesar de ter recentemente terminado com alguém de
quem gostava muito, Sara apareceu na melhor hora quando não conseguia pensar
no que me aguardava ao concordar com esse casamento arranjado pelos nossos
pais.
Na verdade, que se foda o que eu estava pensando antes. Esquecer Alina
era o que iria fazer de um jeito ou de outro, porém me apaixonar por Sara ainda
era algo tão incerto, mesmo meu corpo se tornando um escravo do desejo de
novamente beijá-la.
E foi o que tentei fazer antes de entrarmos no terreno do acampamento.
Avancei e a peguei desprevenida, puxando seu corpo contra o meu,
batendo suas costas no meu peito.
— Não começa, seu babaca. — Sara estava relutante, mas nada que não
fosse fácil de domá-la.
Ela era como uma fera, um animalzinho com medo e acuada pelo caçador.
Contudo, não queria que me visse assim e sim como seu futuro marido, porém o
fato de vê-la irritada a deixava ainda mais linda do que já era, me fazendo
esquecer de quem éramos e porque estávamos travando essa batalha.
— Ainda acha que sou velho, feio e fedido? — perguntei, mostrando que
eu havia escutado toda a conversa antes de ela sair em disparada para a estrada.
— Seu idiota, cretino e abusado.
Sei que poderíamos nos dar bem e eu provaria que não seria tão ruim. No
entanto, com seu corpo tão rente ao meu me perdi, não conseguindo lidar com a
euforia e a excitação que estava sentindo por ela.
— Me solta, Ramon! — Fechei os olhos enquanto suas mãos se
agarravam em meus pulsos tentando se soltar.
— Se me responder eu te solto — continuei a provocá-la.
— Não tem diversão alguma no que está tentando fazer. Não é meu dono
e muito menos algo que eu queira que seja meu — me respondeu irritada.
Sim... ela tinha razão. Talvez eu estivesse ultrapassando meus limites,
mas ela acabou despertando tantas coisas que mal consegui me controlar. E eu
precisava me conter, ela ainda era intocável para mim, não só por causa do que
manda a tradição, mas sim por sua idade e ainda por não terem anunciado nosso
noivado a todos.
— Tudo bem! Mas não se esqueça que ainda mantenho o que disse. Que
vou beijá-la quando quiser. — Deixei minha cabeça descer até seu ombro,
ficando com minha boca próximo do seu ouvido, em seguida sussurrei e então a
soltei.
— Seu ogro! — rebateu e saiu, indo novamente a minha frente.
Permiti que fosse e não a importunei mais, muito menos a beijei
novamente, deixei que fosse ficar próximo a sua mãe e a minha, que
conversavam do lado opostos dos homens.
Era como se estivesse buscando a proteção delas.
Sara sabia que jamais tentaria me aproximar, dando um foda-se em
nossos costumes, com ela estando perto de outras pessoas, era proibido.
Ora ou outra, eu olhava na sua direção e por diversas vezes a flagrei
olhando para mim, ficando nesse jogo de cão e gata até o fim da noite, quando
ela foi para a tenda onde estava mais cedo.
Por mais enfeitiçado que estivesse por ela não consegui parar de pensar
em como foi tudo tão repentino, me fazendo por horas esquecer de houve alguém
no passado que me fez desejar ser pai e ter uma família com ela. Sara sem
dúvidas foi uma grata surpresa.
— Já está indo dormir, Ramon?
Estava voltando para a minha tenda, já muito tarde, quando passei pela
tenda de minha tia, irmã de meu pai, e ela me chamou.
Tia Nazira era uma linda cigana de cabelos pretos como ébano, diferente
de nós, que a tonalidade dos fios era de um castanho bem claro.
— Precisa de algo, tia? — perguntei, me aproximando de onde estava
sentada, na sua habitual cadeira fumando seu cigarro.
— Estava sofrendo, mas a gadjín só lhe trará tristeza. Apesar que já
conheceu Sara e posso sentir daqui que ela mexeu com você como homem. Mas
não se engane e nem tente mentir para os ventos.
Minha tia era vidente, ela sempre profetizava coisas quando menos se
esperava. Era assim do nada. E todos do acampamento e muitos de outros
acreditavam no quanto suas previsões eram poderosas, no entanto, o fato de ela
comentar sobre Alina me fez ficar atento. Ninguém sabia do meu envolvimento
com uma não-cigana.
— Como assim, minha tia? — Parei à sua frente.
— Só siga o seu caminho... — Negando com a cabeça ela parou de falar
e me esticou sua mão para que eu pudesse ajudá-la a se levantar.
Segurei em sua mão e, antes de se levantar, beijei o dorso em sinal de
respeito, não só por ser alguém importante, mas pelo fato de ser uma mulher
sábia e com mais idade em minha família.
— Agora vá dormir, amanhã uma grande comemoração acontecerá.
— Sim.
O dia de maior festa estava planejado para amanhã, o dia de Sarah Kalí.
Tia Nazira entrou na sua tenda e eu continuei o meu caminho até a minha,
pensando e tentando decifrar as entrelinhas do que havia dito.
Já deitado, ao invés de pensar na minha antiga namorada como fazia
todos os dias desde que nos separamos, pensei em Sara. Em como era linda com
seu lábio inferior farto, no brilho dos seus olhos cor de avelã. Na forma como
dançou lindamente naquela noite e em como a vi pela primeira vez.
Não foram somente seus beijos que me deixaram a desejando ainda mais,
e sim desde o exato momento que contemplei-a olhando para as estrelas.
A ciganinha esquentada e de língua afiada tomou todos os meus
pensamentos, me fazendo relembrar e ansiar por novamente sentir o delicioso
gosto da sua boca. De poder sentir o toque dos seus lábios quentes nos meus. Eu
estava completamente hipnotizado e enfeitiçado por ela, o que me fez rir de mim
mesmo, pois já estive com algumas mulheres, já gostei de várias garotas ciganas,
mas nunca uma me fez desejar querer algo como ela estava fazendo, sem ter
alguma explicação para o que eu estava sentindo, nem mesmo Alina mexeu
comigo assim.
Eu achei que gostava dela, mas bastou Sara aparecer para eu perceber
que todo aquele sentimento poderia ser esquecido.
Capítulo 9
— Sara, como pôde ter feito seu pai passar por essa vergonha com a
família de Miro e Constância?
Fechei os olhos e suspirei.
Lá vem ela de novo com isso...
Já tinha perdido as contas de quantas vezes ela me perguntou o porquê.
Talvez me julgassem por estar indo contra meus costumes. Mas será que
não conseguiam entender o quanto me privar dos meus sonhos, dos meus planos
me frustravam? Pelo visto não.
Infelizmente pouco se importavam.
A única importância que tinha para eles era uma tradição e essa promessa
idiota. Estavam mais preocupados em viver aquilo que acreditavam, com que os
outros poderiam falar, do que comigo que era a filha deles. E pelo visto nada do
que eu dissesse os faria mudar de ideia, ainda mais depois de Ramon ser o
grande herói da noite. Mas mal eles sabiam do que realmente aconteceu entre nós
dois enquanto ficamos sozinhos. Ele me beijou diversas vezes e isso só piorava
minha situação se descobrissem, não chegaria no final do verão solteira, acredito
que nem para casa eu voltaria mais.
Cigano abusado... e cheiroso...
Repreendi-me por começar a encontrar qualidades nele. Não poderia
sequer me sentir compelida a deixá-lo me beijar de novo.
— Vou dormir — informei após ignorar novamente minha mãe.
Se eles poderiam agir como se minha opinião não valesse de nada, por
que eu não?
— Amanhã vamos conversar — minha mãe disse ao perceber que de
propósito eu estava fingindo que não a ouvia, enquanto a deixava na outra
divisão da tenda em que estávamos.
Sei que não queriam meu mal, porém o fato de não me deixarem escolher
com quem um dia formarei uma família era demais para perdoá-los neste
momento.
Não que eu já estivesse aceitando.
Não se tratava disso.
Porém a cada minuto que pensava, não só em Ramon, mas da maneira
como me beijou com desejo, eu me via sem saída, sem conseguir sequer uma
alternativa para que tudo isso se tornasse apenas um sonho passageiro.
Drama ou não, como Micaela me acusou de estar fazendo, era a minha
vida, o meu futuro e a minha felicidade que estavam negociando.
“— Deixa de ser dramática, Sara. Ramon é lindo! Eu me caso com ele
se você não quiser.”
Sim... Ramon era um homem lindo, não era velho como pensei. Deveria
ter seus 20 e poucos anos, não fedia, ao contrário, era cheiroso e sua barba
então; era macia como seus beijos. Os músculos dos seus braços eram firmes e
ironicamente eu me senti bem estando entre eles.
Que contraditório...
Não tinha que ficar relembrando do quanto me fez ficar irritada, ao invés
de ficar pensando nos seus bons atributos.
— Vai dormir mesmo? — Micaela perguntou, vindo logo atrás de mim.
— Sim — respondi secamente.
Na verdade, eu estava agitada, com raiva, tendo que lidar com esse misto
de sentimentos de fúria e desejo que despertava simultaneamente em mim. Por
isso preferia ficar quieta, procurando por respostas para toda essa confusão.
Horas depois, eu ainda estava duelando com redemoinhos de sentimentos
que não me deixavam dormir. Até pensar em como Ramon estaria deitado nesse
momento eu passei a fantasiar.
O que estava acontecendo comigo?
Toquei meus lábios inchados e relembrei exatamente como foi beijá-lo.
Eu queria odiá-lo, mas me vi desejando ter mais, só para poder olhar
diretamente em seus olhos e vivenciar novamente essa deliciosa experiência,
mesmo não querendo me casar com ele.
Que ódio desse cigano abusado.
Fiquei relembrando dos beijos daquele idiota até pegar no sono. O
amaldiçoei em pensamentos por ser tão deliciosamente lindo e perigoso ao meu
coração, e aos meus planos. Ele era a tentação da qual eu não queria e nem
deveria ter. Por isso me manteria firme até quando minha razão falasse. Eu
negaria veemente esse casamento arranjado. Entretanto me surpreendi comigo
mesma, ao vivenciar, de novo em pensamentos, a intensidade de como tudo
aconteceu, adormecendo quase amanhecendo o dia.
Ainda cansada da noite mal dormida, acordei com muitas vozes ao meu
redor.
Eu queria dormir mais... só mais um pouquinho.
Aquele infeliz, irritante de uma figa, já me fez perder o sono e agora esse
monte de mulheres falando junto, era demais para mim.
Virei para o lado, afundando meu rosto entre as almofadas na tentativa de
continuar a dormir, porém adivinharam minha intenção e vieram para mais perto,
cantando e me chamando.
— Por favor! Hoje não! — reclamei abafado, pressionando meu rosto
contra o tecido fofo.
Mas meu pedido foi em vão.
— Bom dia, Sarinha! — meu pai gritou animado.
— Parabéns, meu amor! Estamos tão felizes — minha mãe completou.
Era meu aniversário, o dia em que eu completava 18 anos. A idade que
tanto esperei para ser livre. Mas cá estava eu; presa dentro de um acampamento,
prometida para um cigano irritante, que ao mesmo tempo que me fazia sentir
raiva me deixava inerte e presa no desejo de querer mais dele.
— Vamos, Sara. Se levante logo, hoje é um dia muito especial.
Irritada me virei e me sentei.
Deveria estar descabelada e com o rosto todo amassado.
Se dormi duas horas nessa noite havia sido muito.
— Seu presente! — Meu pai entregou, sem muitos rodeios, um pequeno
saquinho de veludo, do tamanho da minha mão. Nele tinha uma joia. Um par de
brincos de brilhantes e rubis no formato de uma rosa.
— É para usar com seu vestido novo hoje à noite — minha mãe emendou
mais empolgada que eu com o presente.
— Obrigada — sorri após agradecer.
Quanta criatividade!
Todos os anos era o mesmo presente.
Não que eu estivesse reclamando, mas não tinha surpresa nenhuma. Ele
trabalhava vendendo joias por aí e pela facilidade sempre me presenteava com
uma.
Com muito custo e sob protestos, acabei deixando os lençóis de lado e
levantando. Um a um foi me abraçando e me felicitando. Primeiro meus pais, em
seguida Micaela e Constância, a mãe de Ramon. Ela me presenteou com um lindo
xale de seda branco, com franjas.
A princípio fiquei com muita vergonha dela.
Na noite anterior, de algum modo, acabei ofendendo sua hospitalidade e
sua família ao rejeitar seu filho. Não que me arrependesse, mas me fez sentir-me
péssima por ter sido infantil e ter dado aquele escândalo. Miro e ela não
mereciam a forma ingrata com que agi diante da forma como nos receberam. Fui
muito injusta e egoísta, pensando somente em mim, enquanto ela estava
preocupada em me agradar.
Ainda mais depois de me deparar com uma mesa de café da manhã que
haviam preparado em comemoração ao meu aniversário.
Não deveria ter agido por impulso e ter criado uma situação
constrangedora daquelas. Estava completamente arrependida. Mas infelizmente
não tinha como voltar atrás.
Quando aparecesse uma oportunidade eu iria falar com ela e me
desculpar, mas não foi necessário, assim que todos me deixaram em paz um
pouco, quase próximo ao horário de almoço, Constância pediu para conversar a
sós comigo, me levando para sua tenda.
— Sara, me desculpe por querer falar com você. Pedi para sua mãe e ela
permitiu que eu o fizesse. — Sorri, assentindo, sentindo ainda aquela sensação
de vergonha pela forma como agi com eles.
Rejeitar Ramon não só atingia a minha família, mas a deles que não
tinham nada a ver com o que meu pai fez ao planejar esse casamento e se
comprometer com uma promessa que não era dele.
Sim... Miro aceitou, mas ainda assim não tínhamos nenhum elo para que
eu me sentisse traída por eles além da minha família.
— Sei que não quer casar com meu filho — o tom com que Constância
falou deu a entender que eu estava desfazendo de Ramon, mas não era isso.
Ainda me encarando firme ela me indicou uma cadeira à frente da que se
sentou e pediu para que eu não a interrompesse quando tentei me justificar.
— Não estou julgando você. Sei do quanto tudo isso está sendo difícil de
lidar, assim como você eu era jovem e queria tantas coisas que um casamento
não me daria. Também não queria me casar com Miro, mas as coisas foram tão
diferentes do que pensei, que depois que nos casamos e formamos nossa família
tudo mudou. Talvez o desconhecido se torne algo que temos medo, com isso não
conseguimos enxergar que nem tudo é o fim — assenti, esperando o momento em
que poderia me justificar. — Nossa cultura é assim desde muito antes de nós
mesmas. Você tem o que muitas de nós não tivemos e não é porque se trata do
meu filho, mas Ramon é um homem incrível, sei que formarão um lindo casal e
amor, Sara, quando menos perceberem já estarão apaixonados um pelo outro.
— Entendo que deve estar achando que o motivo é por eu não amar seu
filho. Mas não é! É por mim. Quero tanto ser livre, continuar a estudar, fazer uma
faculdade, poder dar aulas para crianças — sem contrariá-la tentei me justificar.
— Eu te entendo. Não precisa ficar com receios. Deixa-me contar algo
que precisa saber. Há alguns anos Ramon desafiou o pai por querer estudar
também. E foi bom, ele se tornou médico. Nada que impeça que ele proporcione
a você seus sonhos. Pode não perceber, pois se conheceram recentemente, mas
os dois são muito parecidos. Você é privilegiada, Sara. Teve acesso ao que para
nós está muito além da realidade. Conseguiu concluir seus estudos, talvez um
diploma não lhe impeça de ensinar as crianças do seu povo, como deseja.
Pensando em tudo que estava me dizendo, olhei ao meu redor, entretanto
não era apenas ensinar, eu queria ser livre, conhecer outros lugares e poder
escolher com quem formaria uma família.
— As cartas não mentem e elas disseram que vocês dois seriam felizes.
— Constância se levantou e não me deu a oportunidade de continuarmos essa
conversa ao mudar de assunto.
Porém se a intenção dela, ao contar que Ramon havia se formado, era
tentar me convencer deste casamento, ela apenas criou mais força em mim de
querer seguir meus sonhos. Contudo, ele acabou ganhando um ponto extra no meu
conceito.
Se ele conseguiu, por que eu não? Por que sou mulher?
Isso não me impediria. Talvez conversar com o próprio Ramon sobre
meus sonhos fizesse com que me ajudasse a cancelarmos esse casamento.
No entanto, antes de encerrarmos aquele momento, Constância me
informou que meu pai e Miro anunciariam o noivado dos filhos nesta noite.
— Não concordei em esconder essa informação de você. Serei sempre
sua amiga, Sara e eu te entendo, apenas pense em tudo que conversamos.
Constância foi incrível, até melhor que minha mãe ao me fazer sentir
acolhida e escutada. Porém duvido que meu pai vá me escutar, quando eu disser
que não quero me casar com Ramon é bem capaz de me amarrar até o dia deste
casamento.
Pelo jeito minha única solução vai ser fugir de casa.
Mas como sua idiota?
Sem dinheiro algum para onde eu iria?
Pensaria em algo depois, talvez tentasse pegar minhas joias no cofre de
casa e as vendesse, mas não iria rebatê-los nesse momento. Deixaria para
quando voltasse para casa, quando não estivessem esperando.
Capítulo 10
Não conseguia pensar em mais nada que não fosse no que Nazira havia
me dito e sobre o que senti quando Ramon me beijou.
Será que estava negando o que estava sentindo sobre a paixão ser rápida?
Ou estava em um estado de negação e aceitação?
Queria muito ter respostas para tudo isso.
Como Ramon poderia me fazer feliz, se o que não quero é esse
casamento?
Fiz essa pergunta e muitas outras o restante do dia.
— Parece que está somente seu corpo aqui, Sara. No que está pensando,
que seu olhar está perdido assim? — minha mãe questionou. — Já lhe perguntei
diversas vezes se quer usar a pulseira que Ramon lhe deu.
— Desculpa.
— Deveria colocá-la — ela insistiu.
— Está bem! — cedi e permiti que ela colocasse em mim.
Sei que colocar essa pulseira dá a entender que estava aceitando a
vontade deles, porém a forma como estava confusa me deixou sem forças para
lutar.
Eu só queria poder fazer meu próprio destino e não me sentir perdida.
— Você está linda! — Constância aproximou enquanto minha mãe
terminava de ajeitar os botões de rosas ao longo do meu cabelo.
— Obrigada! — Sorri, tentando não deixar elas perceberem todo esse
conflito que estava sentindo.
— Vai usar a pulseira que Ramon lhe deu? — ela perguntou e pude notar
o sorriso satisfeito, que tentou disfarçar, ao olhar em meu pulso e ver a joia que
seu filho me deu de presente.
— Sara gostou muito — minha mãe respondeu antes de mim, temendo que
eu dissesse algo ao contrário.
— Eu sei que sim, Soraia — Constância concluiu e saiu.
Não demorei muito para terminar e assim que fiquei pronta, acompanhei
minha mãe até a fogueira, onde todo o acampamento já estava reunido.
Meu pai e Micaela estavam ao lado de Miro, Constância e Ramon
quando nos aproximamos.
Ele me encarou e foi inevitável não fazer o mesmo, porém não consegui
sentir raiva por vê-lo, apenas mais confusa do que já estava.
— Sara, boa noite. Está linda! — Miro me cumprimentou sorridente.
— Sim, muito bonita — Ramon confirmou o comentário de seu pai, na
sequência.
— Obrigada! — agradeci e por segundos sustentei seu olhar.
Ele estava muito bonito também. Vestido todo em preto e com alguns
colares. Ramon não se vestia como os outros, suas roupas eram modernas e com
um estilo próprio.
Também reparei na forma como prendeu seus cabelos, diferente do jeito
que estava ontem. Me atraindo novamente ao observar o quanto eu me sentia
afetada apenas por estar perto, fazendo com que minhas mãos transpirassem e
minha respiração ficasse pesada.
Boa parte da noite, enquanto os outros estavam mais desatentos eu me
pegava por várias vezes olhando para na sua direção, procurando por respostas.
Precisava entender o porquê estava me sentindo perdida, sem saber como lidar
com tudo e com essa sensação difusa por estar tão perto dele.
— Amigos, irmãos e família — Mirou disse em voz alta assim que o som
parou e ele tomou o meio da enorme roda. — Todos hoje comemoramos o dia da
nossa protetora — todos aplaudiram e assim que cessaram ele tornou a falar —,
mas não só pelo dia de hoje que minha felicidade não cabe em mim. Há 18
anos... quem já morava aqui vai se lembrar desse dia, minha irmã meses antes
previu que a mulher que um dia se casaria com meu caçula, Ramon, nasceria no
mesmo dia de Sarah Kalí. E assim se cumpriu. Quando Sara, filha do nosso
primo Valter nasceu, após ouvirmos seu nome sabíamos que se tratava da
previsão de Nazira. Ela viu nas cartas que a princesa se juntaria em união com o
protetor. Por isso... — ele fez uma pausa —, hoje estamos aqui não só para
celebrar o dia de Sarah Kalí, mas também para fazer o anúncio de que mais uma
profecia, trazida pelos ventos, se cumpre. Sara e Ramon vão se casar até o fim
do outono — ele concluiu com todos aplaudindo e olhando na minha direção e de
Ramon.
— Viva os futuros noivos — alguém gritou e os outros presentes
seguiram.
Olhei para Ramon e me perdi em seu olhar. Lá estavam seus olhos
castanhos escuros fixos em mim, me provando, o que dentro de mim, desde que
deixei a tenda de Nazira, eu já tinha certeza, de que não teria mais como escapar
desse casamento.
Estava anunciado.
Dor, tristeza e um sentimento novo se misturaram. Eu queria chorar, mas
ao mesmo tempo continuar presa nessa síntese entre mim e ele.
Era o meu destino...
Constância ficou ao meu lado e afagou meus ombros quando Ramon
estendeu sua mão para que eu a pegasse.
E então tudo mudou, não como queria que fosse, mas como deve ser.
— Eu prometo... — ele sussurrou incompleto.
Segurei sua mão e todas as lembranças da noite passada retornaram mais
fortes. Eu estava com raiva ainda, mas não poderia negar que sentia cada fração
do seu tato me afetar, enviando arrepios por todo meu corpo.
Miro pediu que fôssemos ao centro após apontar para nós dois.
— Você está bem? — Ramon me perguntou baixo.
Fisicamente sim, mas meus pensamentos nem um pouco.
— Estou sim — respondi um tanto receosa.
— Por que então está me olhando assim?
— Como? — o questionei.
— Como se estivesse perdida.
É... eu estava fodidamente perdida.
— Não estou não! — retruquei, tentando disfarçar.
— Também é difícil para mim, por mais que a tenho beijado.
— Eu...
— Ramon e Sara, poderiam vir aqui? — Miro nos chamou,
interrompendo o que iria dizer.
Ramon segurou ainda mais firme minha mão, evitando que eu fizesse
qualquer loucura e fugisse dali novamente, olhando para meu pai, que exibia seu
sorriso de satisfeito por saber que sua vontade estava sendo realizada.
Fomos para o meio da enorme roda e ficamos um de frente com o outro.
Era normal o casal de noivos se apresentarem em uma dança.
Ele me puxou após beijar o dorso da minha mão. Tentei resistir, porém
meu corpo se esquentou quando novamente me vi entre seus braços, me senti
afetada com seu cheiro, com todo aquele seu ar pretencioso e com sua respiração
rouca próxima do meu ouvido, quando me girou e me apertou mais.
Não faço ideia como ainda estava me mantendo de pé, minhas pernas
estavam trêmulas e meu corpo inteiro febril por sua causa.
Como poderia alguém sentir toda essa confusão de sentimentos
ambíguos?
Terminamos de dançar enquanto as pessoas ainda nos saudavam,
desejando um bom noivado.
— Está bem? — Ramon me perguntou assim que saímos do meio e
voltamos para próximo de nossos pais.
— Por que está fazendo essa pergunta novamente?
— Apenas porque quero saber.
— Estou sim — respondi secamente.
Eu não queria que parecesse que estava atordoada e desesperada para
entender o que estava acontecendo comigo.
— Gostou do presente? — Acompanhei seu olhar até meu pulso.
— Gostei sim, é linda. — Ramon sorriu com minha resposta e
discretamente roçou o polegar desde onde a pulseira estava até a palma da minha
mão, me deixando ainda mais tensa.
Era bom seu toque.
Confusa, fechei os olhos e me deixei levar pelo seu gesto.
— Quando a vi na vitrine, pensei em você. Achei que combinaria.
Comprei quando estava comprando o anel — se explicou.
Antes de dançarmos, ele se ajoelhou como parte de todo o ritual clichê,
onde o noivo pede a mão e colocou a joia em meu dedo.
De fato, era lindo, não muito grande, com um brilhante solitário e uma
pedra principal em vermelho.
— Obrigada por ter lembrado de mim — sibilei educadamente.
Não poderia negar que, diferente do idiota e babaca da noite passada, ele
estava tentando ser gentil. Acredito que agiu desta forma buscando uma trégua,
que durou apenas esse momento.
— Mas ainda não lhe dei um beijo de feliz aniversário — completou.
— Está louco? — Me soltei, recuando um passo atrás.
Ramon sorriu, me irritando com esse seu jeito abusado.
Não era casta a ponto de não querer ser beijada, apenas tudo estava
sendo uma avalanche de novas situações para eu enfrentar.
— O que é engraçado?
— Nada. Mas vai dizer que não quer que eu a beijei novamente?
— Claro que não — rebati rapidamente negando.
— Duvido que não tenha gostado — Me assustei quando ele se
aproximou, insinuando que iria me beijar ali.
— Não é isso... — Senti meu rosto esquentar. Não tínhamos intimidade
para estarmos conversando sobre esse assunto.
— Então gostou — ele provocou, no entanto, percebi que esse era seu
jogo, que sentia prazer em me ver irritada. Porém ele tomaria do próprio veneno.
— Já beijei melhores — retruquei.
— Você não pode...
— E você também não, mas ainda sou virgem — não me controlei e
acabei falando demais.
— O que quer dizer com isso? Que já beijou outros caras? — seu tom foi
pesado e aquele sorriso debochado se desfez dos seus lábios.
Engoli em seco procurando as palavras.
Não sei se minha fisionomia acabou me entregando, pois ele disparou a
rir chamando atenção de sua mãe que o repreendeu ao olhar furiosa para ele.
— Contente?
— Não, só preciso saber que foi e vai ser somente minha.
— Já respondi. E se depender de mim, nunca serei sua. — Ramon
contrariado comprimiu os músculos do seu rosto e rangeu os dentes como se
fosse uma fera.
— Quantos?
— Você está louco? Já respondi que sou virgem. Quer que eu grite para
todos e faça um alarde?
O que estava acontecendo com esse cigano arrogante que agora estava se
importando com a minha virgindade? Mal tínhamos intimidade, mal nos
conhecíamos. E não era um assunto do qual eu me sentia à vontade para falar
com ele.
— Você está me enlouquecendo desde ontem.
— Prometo fazer da sua vida um inferno se quer saber.
Por mais afetada e confusa que sua presença me deixava, não cederia
facilmente. Já que ele estava disposto a ir com esse casamento eu faria da sua
vida um verdadeiro purgatório. Eu o atormentaria até quando ele não me
suportasse mais.
— Se me levar ao paraíso antes, não me importarei, pode me infernizar o
quanto quiser. — Fui pega de surpresa ao sentir sua barba roça meu ombro e seu
hálito soprar no meu ouvido ao sussurrar.
Cigano filho de uma...
Se ele queria me atormentar, ele teria muito bem o que merece.
Capítulo 12
Passei o dia todo pensando nela. Pretendia dar o seu presente pessoalmente, mas bastou eu vê-la se
aproximando para eu entender que a ciganinha com a língua afiada era simplesmente encantadora em todos
os sentidos.
Ela estava ainda mais linda que na noite passada, vestindo preto, com os cabelos enfeitados com rosas,
parecidas com as que dei para ela.
Perfeita.
Sem dúvidas, ela era única.
É assim que eu a via, sem conseguir desgrudar meus olhos sequer um segundo dela. O vestido tinha
um ótimo caimento, apertado na cintura delgada e nos pequenos seios. Assim como nos fios dos seus cabelos
haviam rosas, também tinham algumas bordadas em toda a barra do seu vestido.
Não fiquei reparando como era seu corpo, mas a observei apenas para gravar cada detalhe seu em
minha memória.
Descobri que há porções de sentimentos e desejo que um homem pode sentir tão rapidamente por uma
mulher e Sara conseguiu despertar todos eles de uma vez só, me fazendo agir como um adolescente,
impulsivo e possessivo.
Eu aceitaria esse compromisso de bom agrado depois de saber que sua boca, seu corpo, o seu mal
gênio e tudo nela me atraía. Só precisava comunicar minha mãe e tranquilizá-la quanto a querer esse
casamento arranjado por eles.
Talvez com o tempo eu ame Sara e tudo se torne habitual e sólido, mas no momento eu tinha era
necessidade de ficar perto, de saber mais sobre ela.
— Por que está com esse sorriso, Ramon? Posso saber? — Minha mãe me pegou de surpresa pela
manhã assim que acordei e a encontrei sentada próximo à mesa, preparando um bolo.
— Se souber... acredito que não vai ficar contente com o que fiz, dona Constância — respondi e me
aproximei, pegando um dos pães que estava dentro de uma cesta.
— O que aprontou?
— Acho que não é bom nem ficar sabendo — respondi de boca cheia.
— Ramon, é relacionado à Sara? — Minha mãe parou de ajeitar as frutas que estava colocando por
cima do doce e ficou me encarando.
— Se eu disser que sim?
— Por Sarah Kalí! Seu pai vai querer sua cabeça se falou ou fez algo que prejudique esse noivado. O
que fez? — perguntou preocupada.
— Para quem é esse café? — perguntei na tentativa de mudarmos de assunto.
— Para Sara. Hoje é aniversário dela. Prometi ao seu pai que iria conversar com ela. Vocês são tão
parecidos. Lembro como você agiu quando queria estudar para se tornar médico. — Sorri grato pela
informação. — Aliás, você precisa saber se vai querer dar a ela algum anel de família ou vai comprar?
— Ah... — Não pensei em anel e noivado por muito tempo, então jamais pensei que esse dia chegaria.
Na verdade, assim como Sara eu lutei para pertencer a um lugar que nunca foi meu.
— Vou comprar. Preciso ir à cidade e aproveito para fazer isso.
— Não está pensando em não honrar com esse compromisso? Sei que ela disse tudo aquilo ontem à
noite, mas só está confusa. Seu pai está bastante preocupado. Sabe como ele é... acredita fielmente em todas
as previsões de sua tia e tem certeza de que Sara é seu destino.
— Fica tranquila, eu me casarei com ela. Eu a beijei — confessei e já estava me preparando para o
esporro.
— Ramon!
— Foi só um beijo — menti. Se revelasse a tortura psicológica que fiz em Sara eles nos casariam
ainda hoje. O que não seria uma má ideia.
— O que faço com você, meu filho?
— Nada. Fique feliz porque esse casamento vai acontecer — encerrei nossa conversa e a deixei para
ir até a cidade mais próxima.
Além de algumas coisas que precisava comprar, agora tinha mais um item da minha lista que não
poderia esquecer: o bendito do anel, porém não só comprei ele, mas também uma linda pulseira de ouro com
um pingente de uma coroa.
Iria combinar com ela. Era delicada e na coroinha estava escrito princesa.
Ainda antes de voltar passei em uma floricultura e comprei o maior buquê de rosas que tinha e dentro
da caminhonete, quando estacionei no acampamento, escrevi um recado.
Não era muito bom com palavras, mas fui sincero ao esperar que ela gostasse do presente.
Fui até a tenda onde Valter com sua família estava ficando e ao invés de encontrá-la acabei
esbarrando em sua irmã.
— Ei... você é irmã da Sara? — perguntei sabendo quem ela era.
— Sim. Você é Ramon! — ela afirmou e sorriu.
Micaela, esse era seu nome. Também tão bonita quanto Sara. E não só compartilhavam de uma beleza
impressionante, mas tinham temperamentos parecidos.
— Sim. Queria falar com Sara. — Ela olhou para o buquê e depois para a pequena caixa que
carregava.
— Ela saiu por aí com a Esmeralda.
— Poderia entregara para ela? — Estendi as flores, mas tive receio de que ela realmente entregaria.
— Sim.
— Mas dê sua palavra então de que não vai abrir nada.
— Claro que não! — Micaela afirmou, mas duvido que estivesse falando a verdade.
Não sei por que, mas ela não me transmitia confiança alguma.
— Eu não vou abrir, prometo — Micaela garantiu e mesmo ainda desconfiado entreguei e fui para o
lugar que mais gostava do acampamento, próximo ao lago.
Deitei na grama e fechei os olhos não conseguindo pensar em mais nada e ninguém do que em Sara.
Sei que poderia até ser obsessivo, mas entre nós tudo acontecia de uma forma intensa e sem
explicações. Odiávamos pela manhã e no fim da noite já amávamos.
Foi o que aconteceu comigo e com Sara. Eu estava sofrendo por não ter um modo de assumir Alina,
não queria me casar e estava acostumando com a ideia de que eu entraria em uma grande batalha para poder
seguir meu caminho, porém ela chegou e fui pego de surpresa, me sentindo atraído sem saber de quem se
tratava.
Quando a beijei pela primeira vez agi por impulso, por desejo, e em questão de segundos me vi
querendo saciar esses sentimentos confusos.
O problema não era mais eu, havia aceitado meu destino, porém dependia de Sara aceitar o seu.
— Ramon! — Abri os olhos e encontrei os do meu pai.
Ele estava parado ao meu lado.
— Sua mãe me disse que estaria por aqui. — Assenti e esperei que ele se sentasse.
Quando me procurava era sinal de que queria conversar comigo a sós. Já imaginava do que se tratava
e me sentei segurando meus joelhos.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei após seu silêncio.
— Ela me disse que conversou com você hoje pela manhã...
— Sim. Mas...
— Estou feliz que não queira mais romper com Sara! — ele me interrompeu e concluiu o motivo por
estar aqui.
— Sim. Mas sabe que não depende só de mim para que esse casamento aconteça.
— Claro. Porém me preocupa saber que você a beijou. Eu confiei em você — me repreendeu com
poucas palavras. — Se Valter ficar sabendo, vai me cobrar uma posição sua.
— Fica tranquilo, comprei o anel de noivado. Sei que vocês têm a intenção de anunciar o noivado hoje
à noite, durante a fogueira.
— Sim. Isso me deixa mais tranquilo, porém o que me preocupa é Sara.
— O que tem ela?
— Valter está perdendo o controle sobre elas. Ele desabafou comigo. A mais nova o tem lhe dado
muita dor de cabeça. Por isso quer que você e Sara se casem até o fim do outono.
— Por mim tudo bem.
— Eu tinha certeza de que poderia contar com você.
Não diria o quanto eu havia me tornado contraditório em apenas um dia. Seria dar motivos para mais
uma vez se gabarem sobre o poder da paixão cigana.
— Vamos fazer o casamento mais lindo que já teve por aqui. Não podemos decepcionar a família de
Valter.
Sempre a velha e boa disputa de ego entre quem é o mais rico.
Se não fosse assim, não seriamos os Rosberg.
— Mais uma pergunta, meu filho? — Ele fez a menção de se levantar, mas voltou a se sentar
novamente.
— Pretende ir embora, formar sua família longe de nós?
— Não. Me formei para cuidar das pessoas daqui, gosto desse lugar. Há anos penso em construir uma
cabana próximo a esse lago.
— Cabana.
— Sim, espécie de uma casa, um pouco mais rústica que uma casa.
— Não costumo entender esses costumes de cidade que tem. Mas faça o que quiser. Se quer morar
aqui, então eu lhe presenteio. É sua parte do acampamento.
— Obrigado.
Conversamos mais um pouco enquanto ainda havia sol naquele pedaço. Contei sobre o projeto que
tinha em mente. Mesmo com algumas reticências ele concordou com a minha ideia.
E antes do fim do entardecer subimos o terreno de volta para nos preparar.
Capítulo 13
Ter Sara próximo me fez ver o quanto ela mexeu de fato comigo. O doce aroma do seu perfume me
deixava inebriado e eu queria mais.
Anunciamos o noivado a todos e mesmo depois eu ainda me pegava olhando para ela, querendo saber
mais. Porém irritá-la era tentador e delicioso demais. Ela correspondia com respostas ousadas quando a
pressionava, no entanto, senti o gosto do meu próprio veneno ao querer saber se alguém a havia beijado
antes. Me senti furioso quando ela deu a entender que sim. Contudo eu não poderia exigir dela o que eu não
fiz.
Infelizmente eu não fui leal ao compromisso conforme nossa cultura. Então se ela não foi não poderia
cobrar nada.
— Ainda bem que amanhã irei embora — disse quando a acompanhei com a permissão de seus pais.
— Mas antes de ir me deve uma despedida. Agora somos noivos.
— Lógico que não! Vai ficar querendo. — Sara balançou os ombros e inconscientemente e por
impulso a impedi de continuar pelo caminho.
A desafiei novamente ao me aproximar e não dar espaço para que fugisse.
— Por favor não começa... — Não obedeci. Tanto eu quanto ela queríamos. Se não quisesse já teria
gritado quando envolvi sua cintura e a puxei para mais perto.
— Apenas vou me despedir de você como quero — terminei de falar enquanto minha mão subiu para
sua nuca e a aprisionou ainda mais dentro do meu abraço.
Lentamente curvei minha cabeça e deixei que meus lábios roçassem os seus.
Gemi prazerosamente, sentindo seu hálito quente e entrecortado.
— Não sabe o quanto esperei a noite toda por esse momento — resmunguei após traçar todo seu lábio
inferior com a língua e alisar o superior em seguida, pressionando os meus na sequência até sentir sua
resistência ruir e minha língua invadir sua boca.
Desta vez Sara não demorou e se rendeu, me deixou beijá-la como queria desde o primeiro momento,
não resistiu.
Eu queria mais e acabei ultrapassando o limite que impus a mim mesmo, que seria somente o da sua
boca para poder sentir sua pele e o cheiro delicioso dela.
Sara ofegou em um quase delicioso gemido.
Danada...
Acabei ficando completamente duro ao sentir seu corpo pressionando o meu enquanto minha boca
percorria todo seu pescoço perfumado.
— É bom, não é? — perguntei baixo.
— Você é um completo idiota — resmungou.
— Vai me dizer que não gostou de me beijar?
— Se eu disser que não.
— Vai ser uma mentirosa...
Retomei com posse para sua boca, movimentando e pressionando meus lábios contra os seus com
calidez, sentindo meu corpo reverberar e ansiar para ter mais dela. De tê-la completamente só para mim
todas noites, dias e manhãs.
— Preciso ir dormir, quanto mais cedo eu adormecer, mais rápido chega amanhã para ir embora daqui.
— Você é minha, Sara. Logo aqui será sua casa — respondi e selei seus lábios antes de ir soltando-a
lentamente.
Ela abriu a boca, com certeza retrucaria, mas se lembrou que ainda estava arrepiada. Eu amava
quando suas reações involuntárias a denunciavam, isso apenas me mostrava o quanto seu corpo correspondia
ao meu.
— Vai achando! — Sara saiu e eu a acompanhei. — Quem disse que vou vir? Ainda tenho meses
para planejar minha fuga.
— Veremos — desafiei —, no fim do outono será eu e você. — Sara se afastou, me olhando como se
fosse me degolar vivo, diferente da forma como ficou calma entre meus braços.
— Pode ser que caía do seu lindo cavalinho, Ramon — ela rebateu e me deixou sozinho.
Porém não me contive e para irritá-la um pouco mais a segui. Em dado momento, ela parou bem
próximo à tenda em que estava e antes que entrasse agarrei-a, pegando-a desprevenida.
— Boa noite. Sonhe comigo — zombei.
— Está me seguindo? Ou tem medo que eu beijei outro por aqui? — Sara me provocou.
— Você não faria isso. Está apenas querendo medir forças comigo.
— Não se engane.
Sorri e a encurralei com meu corpo na penumbra dos tecidos grossos. A virei e novamente, deixando
os sentimentos vorazes me tomar, a beijei com possessão.
— Ainda falta meu outro presente — segurei a ponta do seu queixo, ignorando seu protesto.
Foi tão fácil, já conhecia o caminho para dentro da sua boca.
Ansiei o dia todo por aquilo e nem ela nem ninguém me privaria. Circundei-a com um braço e a trouxe
para perto. Aspirei seu perfume de rosas esfregando a ponta do nariz e a boca na pele do pescoço.
Ainda bem que Sara não deu um ataque ou me afastou.
— Você é cheirosa demais — ataquei sua boca de novo. Não tive como não deixar minha língua roçar
na dela.
Queria ficar ali a noite inteira sentindo seu gosto, absorvendo toda essa aura maravilhosa.
— Me abrace! — pedi.
Sara mesmo com sua boca na minha mantinha seus braços e suas mãos espremidas entre nós.
Receosa, Sara acabou cedendo ao meu pedido e me abraçou. Aproveitei e esfreguei minha ereção
contra o seu quadril, ao menos para sentir a sensação da pressão do seu corpo enquanto meus lábios se
apossavam dos seus numa dança sensual. Apertei-a contra mim e sem intenção alguma acabei não refreando
meu tesão ao comprimir seu quadril no meu deixando minha mão escorregar na curvatura superior da sua
bunda. Porém apavoramos e nos soltamos de uma vez quando escutamos passos e vozes se aproximando.
— Sai agora daqui, Ramon! — ela disse me empurrando.
Não poderíamos ser pegos, na verdade, não poderíamos era estarmos juntos a sós.
— Amanhã virei me despedir de você — disse quando ela já contornava os fundos da tenda para
entrar.
Fiquei por ali alguns minutos esperando para depois ir despistando qualquer um que tivesse por perto.
No entanto acabei escutando gritos e uma grande discussão vindo da tenda de Sara. E me apressei ao ouvir
sua voz.
Quando entrei, vi Sara e Esmeralda em uma calorosa discussão. Sara foi para cima dela e a puxou
pelo cabelo, derrubando-a no chão enquanto as outras incentivavam, como se fosse uma torcida apoiando a
briga delas.
Pararam assim que apareci na entrada e olharam para mim assustadas. Elas sabiam que eu interveria
e depois falaria com meu pai sobre o que aconteceu ali.
Atravessei e fui até onde Sara estava, contudo, a maior dificuldade que tive foi de tirá-la de cima de
Esmeralda. A danada segurava firmes os cabelos da outra.
— Sara, por favor — pedi e consegui tirá-la, enlaçando-a pela cintura e a levantando no ar.
Se não fosse pela situação eu até começaria a rir.
Jamais imaginei que a encontraria brigando, aos tapas e puxões de cabelos com outra mulher.
— O que está acontecendo aqui? — perguntei, colocando Sara logo atrás de mim.
— Foi ela! — Esmeralda gritou apontando na nossa direção.
Ela estava descabelada e com raiva quando tentou novamente se aproximar e continuar a se atracar
com Sara.
— Eu não fiz nada, sua louca! — Sara retrucou aos berros.
— Você é uma ladra. Roubou ele de mim. — Sem entender olhei firme para ela.
Como assim?
Era totalmente absurdo o que Esmeralda estava dizendo.
— Sua louca! — Sara continuou tentando passar por mim.
— Por favor! — pedi ao encará-la.
Sara também não colaborava e cada vez mais as duas se exaltavam, trocando acusações.
— Ladra! Merece ser banida daqui — enquanto Esmeralda continuava a acusar Sara de algo tão
absurdo, as amigas dela voltaram a falar, ajudando e dando apoio à amiga.
— Parem com isso agora, as duas! — uma outra voz grave surgiu no meio do bate-boca. Era meu pai,
que chegou na tenda com Micaela ao seu lado, enquanto tentava segurar Sara ainda atrás de mim.
— Miro, você tem que fazer algo — Esmeralda em prantos começou a falar.
Mas o que achei que seria entre poucos acabou se tornando para muitos. Algumas das mulheres mais
velhas do acampamento começaram a chegar para saber o que estava acontecendo.
— Esmeralda fique quieta — meu pai pediu.
Esmeralda foi para perto das amigas que a consolavam.
— Quero saber o que aconteceu aqui! Ramon! — questionou olhando diretamente para mim. No
entanto, mal sabia de fato o que tinha acontecido também.
— Pai, quando cheguei aqui as duas já estavam nessa confusão, eu nem sei o que estava acontecendo
— justifiquei.
— Sara é uma ladra, Miro! — Esmeralda novamente acusou Sara de roubo.
— Esmeralda, o que você está fazendo é muito grave. Acusar alguém de roubo é algo grave — meu
pai tentou adverti-la educadamente, mas ela continuava a gritar e chorar histericamente.
— Miro! — Sara estava um pouco mais controlada e chamou por meu pai.
Saí da sua frente e deixei que passasse por mim.
— Posso explicar o que aconteceu? — Ela respirou profundamente, ignorando as ofensas que
Esmeraldas e as amigas ainda faziam.
— Sim, Sara. Por favor!
— Eu entrei e estavam todas aqui — apontou o dedo para cada uma das amigas e Esmeralda —,
Esmeralda começou a me acusar de roubo. Ela acha que roubei Ramon dela.
— Hã!? Me roubou? — Não me contive e comecei a rir com uma loucura dessas.
— Ramon, por favor — meu pai olhou na minha direção me repreendendo.
— Você o roubou, sim. Era para ele se casar comigo.
— Esmeralda, se acalme — meu pai pediu.
Além dos curiosos, Valter e Soraia chegaram junto com minha mãe.
— O que está acontecendo? — o pai de Esmeralda perguntou ao entrar na tenda e olhar para a
situação em que a filha estava.
Olhando melhor, Esmeralda estava bem pior que imaginei. Sara não só quase arrancou seus cabelos
fora, como conseguiu rasgar uma das mangas do vestido também.
— Vamos nos acalmar.
Intermediando de forma pacífica, com gesto das mãos meu pai pediu que acalmassem e pediu para
que todos fizessem silêncio para que ele conseguisse descobrir o que realmente estava acontecendo.
— Veja se entendi... Esmeralda está acusando Sara de roubo por dizer que Ramon estaria
comprometido com ela. É isso mesmo?
— Eu nunca me comprometi com ela, pai! — fui incisivo.
— Sim eu sei! Acho que não fui claro mais cedo. Sara e Ramon têm um compromisso desde o
nascimento dela, então não tem nenhum fundamento sua acusação, Esmeralda.
— Você disse que eu era bonita — Esmeralda disse, apontando o dedo para mim.
— Mas isso não quer dizer que eu quero me casar com você — após me justificar procurei olhar para
Sara.
Mas fui ignorado.
— Ei! — chamei-a baixo, deixando a fala do meu pai sobressair. — Sara! — Ela me encarou como se
eu fosse o culpado por tudo que estava acontecendo.
Será que ela estava acreditando no que essa doida da Esmeralda estava dizendo?
— Hipócrita! — ela sussurrou, evitando chamar atenção dos outros.
Eu me aproximei mais. Não poderia permitir que ela entendesse tudo errado.
— Eu não fiz nada — me defendi.
— Não estou nem aí se fez — respondeu com desdenho.
— Depois vamos conversar, não vai me tratar assim por algo que não fiz.
— Ah... mas não vamos não.
— Você vai sim! — afirmei convicto.
Se tinha algo que Sara não teria de mim agora seria paciência para alimentar seu ego. Eu queria
apenas me justificar deste mal entendido.
— Eu não fiz nada.
— Mentiroso!
— Eu vou falar pela última vez... Eu não fiz nada — cochichei.
— Ramon, quero falar com você. Preciso que fique apenas Valter e sua família. Narciso e sua esposa.
Sara e Esmeralda também.
— Mas eu não fiz nada. Essa doida que fica me seguindo — por fim perdi a paciência.
Não deixaria que me acusassem de algo que jamais passou pela minha cabeça. Se disse que era
bonita, foi apenas por educação.
Assim que ficamos em um grupo menor, me justifiquei novamente.
— Pai, eu não fiz nada. Algum dia te beijei, Esmeralda? Algum dia me viu pedindo para falar com
você a sós? Quem vive indo aonde estou é você.
— Ontem ela disse que a família dela falaria com o senhor para arrumarem o casamento entre eles —
a revelação de Sara me pegou de surpresa —, ela deixou bem claro suas intenções de se casar com Ramon.
— Mas se não fosse por você, eu iria mesmo, sua ladra! — Esmeralda gritou com Sara, que pela
primeira vez desde que as separei se manteve calma.
— Esmeralda, Miro já disse que o compromisso dos dois é de muitos anos, minha filha — o pai tentou
acalmar a filha.
— Mas ele tinha que ser meu! — Esmeralda parecia uma criança mimada, fazendo birra.
Será que ela não percebeu que criou fantasias na sua cabeça?
— Me desculpe, primo, estou envergonhado com o comportamento dela.
— Imagina, primo Narciso — o pai de Esmeralda se desculpou e ordenou que a filha fosse embora,
indo junto com ele e sua esposa.
— Nos perdoe por essa inconveniência, Valter! — meu pai se dirigiu ao pai de Sara.
— Não tem do que se desculpar, primo. O importante é que nossos filhos vão se casar e para isso
precisamos beber mais um pouco de proska [7].
Os dois saíram em seguida.
— Os dois podem conversar um pouco, mas estou de olhos em vocês. — Minha mãe e Soraia nos
deixaram um pouco a sós.
E eu precisaria realmente desse momento.
Sara estava com a expressão de poucos amigos, evitando olhar para mim. Com certeza ela havia
acreditado na loucura que Esmeralda disse. Porém acabei enxergando toda a situação pelo lado positivo. Se
ela estava com raiva de mim é porque estava com ciúmes.
— Sara... — me aproximei e parei à sua frente —, eu não tenho nada com ela e muito menos tive —
expliquei.
— Se teve ou não, pouco me importa.
— Eu não tive nada a ver com isso — continuei a me defender. Não que fosse necessário, pois estava
dizendo a verdade, porém algo foi mais forte nesse momento. Senti que eu dependia que me olhasse e
acreditasse em mim.
— Não quero saber. Eu não acredito. Não me importa nada do que fez. Você elogiou uma outra
mulher, dando esperanças a ela. Isso não se faz.
— Claro que está se importando. Olha a forma como está me tratando. Acreditando em Esmeralda,
defendendo-a. — Sara tentou desviar o rosto e por fim perdi a paciência com ela.
Eu não tive nada com Esmeralda e ela precisava entender que o fato de eu ter sido educado não
queria dizer nada.
— Sara, vou dizer pela última vez. Eu não fiz nada de errado. E se quer saber não há nada que possa
fazer para impedir esse casamento. — Ela não só me fez ficar irritado, mas também despertou um lado bem
competitivo meu.
Se ela quer entrar nessa batalha de egos comigo, eu sairia vencedor.
— Você vai ser minha e nada vai mudar mais — disse firme e tentei beijá-la.
— Vai sonhando! Eu te odeio!
— Ah... é mesmo, querida? — Me aproximei, a encurralando contra a lona da tenda e a beijei,
prendendo-a em seguida entre meus braços.
— Me solta! Seu... seu babaca.
— Não. Pode esperar que até o fim do outono vai ser minha de todos os jeitos que possa imaginar —
disse firme, encerrando após beijá-la novamente.
Ela conseguiu se afastar e me encarou.
— Eu tenho tempo para fugir e quando ficar sabendo estarei longe.
— Uma pena, porque não vai conseguir ir nem até a cidade vizinha — zombei e sem que ela
esperasse puxei-a pela nuca, enrolando seus cabelos na minha mão, trazendo em seguida sua boca na minha.
Fui voraz, assim como esse desejo por ela, e só me acalmei quando senti sua resistência ruir e ceder
ao beijo, envolvendo também seus braços ao meu redor.
Sem medo de que nos visse, a apertei contra meu corpo, mostrando a ela o quanto estava excitado
com toda essa disputa.
— Sei ser carinhoso, mas também sei pegar o que é meu como eu bem entender — sussurrei em seu
ouvido após encerrar o beijo. — Em breve nos veremos, muito antes do que possa imaginar.
Capítulo 14
Três meses se passaram desde que ele me beijou firme e possessivo.
Foi naquele beijo que meu corpo se tornou um traidor, que meus sonhos aos poucos deixavam de ser
firmes para se tornarem uma possibilidade inalcançável.
Tudo mudou quando percebi que já estava com os braços ao redor da sua nuca, deixando que sua
língua ditasse o ritmo e a forma como ela exigia a minha. Foi a dor de uma perda de algo que nunca tive para
se transformar na boa e deliciosa excitação, que correu por todo meu corpo ao desejar e querer que suas
mãos cumprissem sua ameaça. Eu quis mais, de uma forma inexplicável. Queria que ele me tocasse
lascivamente, que me deixasse débil e quente. Que saciasse a pulsação entre minhas pernas.
Nunca antes havia experimentado a vontade primitiva entre um homem e uma mulher. Contudo, peguei
de volta a minha razão e me afastei, porém, desde que voltei para casa, tenho pensado em como ele tomou
posse, não só de uma promessa feita por nossos pais, mas de como se tornou proprietário dos meus desejos
mais secretos.
No entanto, eu ainda sentia o misto de raiva, privação e vontade de ter mais.
Não sei como seria quando nos encontrássemos novamente.
Eu ainda queria sonhar e voar livre pelo mundo. Em contrapartida eu também queria me deixar levar
por essa atração.
Ramon é o típico homem sexy, atrativo e possessivo.
Sei que quando estou perto dele eu quero e não quero. Sinto-me confusa, sem saber no que pensar,
desconhecendo quem sou.
Claro que jamais daria crédito ao que queriam de mim. Tanto para ele quanto para meus pais. Talvez
seja exatamente por isso que tenho negado para mim mesma as possibilidades de aceitar. Descobri que odeio
muito quando tentam ditar o que tenho que fazer. Inclusive já não aguento mais, estou cansada de escutar
minha mãe falar deste casamento 24h por dia.
Por isso todas as vezes que ela começa o assunto me tranco e fico sozinha no meu quarto.
Talvez se não tivesse toda essa imposição eu estaria aceitando, não só dando a eles a felicidade, mas
também me preparando para saciar meu desejo.
Não aceitei ainda, mas vi nesses últimos meses minha vontade indo embora, voando para longe de
mim.
Confusa e chateada, entre as cartas das universidades chegando e a falta de saber o que realmente
faria, me vi sem opções.
Chorei muito, foram momentos de revolta, porém sem muitas opções fui aceitando meu destino.
Uma amiga da escola, a única que sabia sobre o que estava acontecendo, até me sugeriu fugir. Mas
como? Se o único meio para ir embora e me virar sozinha eram minhas joias e elas ficavam no cofre que meu
pai mantinha em casa.
Sem dinheiro, sem opções, sem sonhos, Ramon me pareceu a melhor opção. Afinal, ele não era tão
ruim assim. Porém, eu aproveitaria o pouco que me restou e foi por isso que decidi que iria à minha primeira
festa da escola.
Claro que escondida.
Micaela seria minha comparsa.
Ela também seria beneficiada.
Criamos um plano.
Como ela queria ir, aproveitei para usá-la. Mal sabia que se caso tudo desse errado, ela assumiria toda
a culpa sozinha. Se nos descobrissem, jogaria a culpa nela e que eu só estava ali para buscá-la. Mas acredito
que não tinha como dar errado.
Como parte do combinado, procurei meu pai para ter uma longa conversa. Disse que aceitava o
casamento e que não faria nada do contrário, como fugir de casa, que não o envergonharia, porém pedi que
me deixasse pelo menos ter um dia normal e dormir na casa de uma amiga antes de voltarmos ao sul.
Não disse o dia e com a ajuda de minha mãe ele deixou com a condição de que Micaela fosse junto.
— Ai... Sara. Obrigada! Você é a melhor irmã do mundo — cochichou comigo quando estávamos
saindo de casa para nos arrumar na casa de Laísa.
Micaela era outra. Não brigou mais comigo.
Era só uma noite e aproveitaria ao máximo.
Nos trocamos na casa desta amiga e mais duas se uniram a nós. Todas estavam animadas com o baile
dos formandos.
Elas insistiram que eu usasse um vestido mais curto, justo e não vi motivos para não usar, já que eu
queria apenas esse momento de liberdade e normalidade em minha vida.
Como eu não tinha levado nada de diferente das roupas e vestidos discretos, me emprestaram um lindo
vestido justo na cor azul, com um decote nas costas e que terminava agarrado no meio das minhas coxas.
Deixe meus cabelos soltos e permiti que me maquiassem.
— Está linda, Sara — Micaela fez o elogio assim que me viu vestida e toda arrumada para sairmos.
— Você também.
Pela primeira vez, desde que me entendo como irmã dela, estávamos nos dando bem.
— Se divirta, Sara. Você merece — Laísa me abraçou, incentivando.
E iria...
Eu não seria Sara Rosberg, uma cigana. Seria apenas uma jovem mulher, de 18 anos, que estaria
aproveitando a vida.
Quando chegamos à festa, já estava lotada. O tema era de fundo do mar, com várias conchas enormes
servindo de sofás para os casais. Havia bola de sabão voando pelo espaço.
— Vai com suas amigas, Micaela — disse e assenti —, se algo acontecer eu te procuro.
— Está bem.
Ela estava feliz e com certeza se sentindo do mesmo jeito que eu.
Livre...
— Precisa se soltar mais. — Laísa se aproximou e me puxou para o meio da pista de dança de vidro.
Por baixo dela havia luzes.
Tudo estava tão lindo e por mais incomodada que me sentisse por pensar que aqui não era meu lugar
tentei aproveitar, mas por fim estava cansada e aproveitei para tomar algo e procurar um canto. Meus pés
estavam me matando, não estava acostumada a usar sapatos de saltos tão altos assim.
— Está linda, confesso que estava doido para vê-la, mas não esperava que estivesse tão perfeita. E
que pernas... — Reconheci sua voz.
Meu coração acelerou e o senti querendo sair pela boca.
Não era possível que Ramon estivesse exatamente aqui. Só poderia ser uma ilusão, algo criado pela
minha imaginação.
Porém quando me virei para me certificar, o vi parado logo atrás de mim com as mãos no bolso da
calça.
Pisquei para me certificar que não fosse uma projeção imaginária.
— Parece que viu um fantasma — ele disse e sorriu debochadamente.
E de fato eu vi mesmo!
— Acho que sim e ele ainda está falando — retruquei sem conseguir acreditar que Ramon estava ali
parado bem na minha frente.
Ninguém sabia que eu e Micaela estaríamos no baile dos formandos da escola, não tinha a
possibilidade de ele saber.
Ramon gargalhou exibindo-se.
Eu estava muito fodida...
Mas o que e por que ele estava aqui?
— Não vai me dizer nada, minha doce Sarinha?
Ainda sem acreditar o encarei após olhar todo o local, me certificando de que não passava de um
sonho.
O que faria agora?
E como ele me descobriu?
Respirei fundo enquanto seus lábios se enviesaram em um sorriso debochado e conquistador.
Ah... por Sarah Kalí! E se ele me viu enquanto eu estava dançando com algumas pessoas da
minha turma, inclusive com Mellon, um carinha que sempre sentou logo atrás de mim nas aulas.
— Cadê sua língua, doce Sarinha? O gato comeu? — ironizou ao ficar me questionando.
Era melhor eu sair dali o quanto antes, sem que alguém percebesse o que estava acontecendo. Não
era uma boa hora para perguntas que nem mesmo eu tinha as respostas.
Sem deixar de encará-lo passei por ele e fui na direção da saída.
Ramon me seguiu como pensei e antes mesmo que alcançasse a rua, ele me segurou, impedindo que
eu fugisse.
— Te fiz uma pergunta, Sara. — Era perceptível que estava irritado. Seu tom de voz o denunciou.
Ramon me virou e ficou cara a cara comigo.
— O que estava fazendo ali?
Neguei com a cabeça sem saber o que lhe responder.
Pela primeira vez o vi agir sério, como se fosse meu dono. Ele me puxou até uma enorme pick-up
preta estacionada do outro lado da rua.
— Entra! — ordenou ao abrir a porta do lado oposto ao do motorista.
— Calma! — pedi e fiquei parada, não obedecendo-o. — Você está me machucando. — Puxei meu
braço e o empurrei, batendo com as mãos espalmadas na altura do seu tórax.
— Calma? — Ramon me encarou, em seu olhar pude ver como estava furioso.
— Você não é meu dono! — explanei no mesmo momento em que ele girou meu corpo e me prensou
contra a lataria da sua caminhonete.
— Não, mas você é minha e eu deveria nesse momento mostrar que eu sou bem melhor que essa
merda de festa — disse ameaçadoramente.
— Ridículo — rebati desesperada.
Sei que estava errada. Ele não havia feito nada demais, era só responder sua pergunta, mas ao invés
de ser direta deixei que pensasse ao contrário do que de fato era.
— Por que está vestida assim?
— Não sei se percebeu que ali — apontei na direção de onde estava sendo o baile dos formandos —,
está acontecendo uma festa.
— Não sou idiota, Sara. Eu sei o que é uma festa.
— Então por que está questionando minha roupa?
— Porque se seus pais a virem assim, vão trancá-la até o dia do nosso casamento.
— Está preocupado com isso? Pois parece que está gostando.
— Gosto do que vejo e não gosto de quem possa querê-la.
Seu olhar passeou por todo meu corpo e ao invés de me sentir ressentida, tudo em mim criou vida,
esquentando a ponto de me sentir prestes a entrar em combustão.
Que ódio por me sentir afetada assim...
— Como me descobriu aqui? E por que está aqui? — indaguei, tentando iniciar uma discussão para
desviar sua atenção.
Ramon não só me deixou acuada, mas também estimulou minha libido ao deixar seu rosto a
centímetros do meu, me fazendo sentir sua boca resfolegar a minha enquanto me questionava.
— Você não está em posição de fazer perguntas, só de respondê-las.
Tentei empurrá-lo, mas ele era bem maior que eu e seria impossível medir forças. Eu perderia
facilmente.
— Se afasta de mim! — pedi.
— Não! — o tom da sua voz abaixava conforme seus lábios se apertavam contra os meus.
Mas eu ainda tinha uma saída e beijá-lo não era uma delas. Por isso assim que percebi o que estava
prestes a fazer, virei meu rosto para o lado, dando acesso ao meu pescoço.
Ramon afundou seu rosto na curva e me assustei quando senti sua língua deslizar audaciosamente,
subindo até meu ouvido.
Arfei.
— Não sou um homem comum. Não se esqueça que vivi fora daquele acampamento e sei muito bem
ser alguém tão normal quanto você deseja ser — Ramon sussurrou.
Tentei sem sucesso afastá-lo enquanto ainda tinha controle sobre minhas vontades.
— Não quero que me toque — pedi baixo, quase em um tom choroso. O que fez ele se afastar e me
encarar novamente.
— Só a tocarei se quiser e sei que quer muito.
— Deixa de ser um idiota, Ramon. Poderia pelo menos conversar direito comigo?
— Então, sobre o que você quer conversar? — ele perguntou e recuou um pouco mais, cruzando os
braços na altura do seu peito.
— Acha mesmo que está em posição de querer conversar sério?
Novamente senti o peso do seu olhar lascivo sobre meu corpo, parando em minhas pernas.
— Ramon, por favor! Eu posso explicar!
— Que estava numa festa da escola?
— Eu queria poder me despedir das minhas amigas, já que daqui algumas semanas eu não as verei
nunca mais.
Não que minha desculpa fosse uma mentira, eram apenas meias verdades.
E sim, eu queria poder ser pelo menos uma noite como elas.
— Não me importo que esteja em uma festa, Sara. Só não quero saber e muito menos imaginar que
alguém a tenha beijado. Não estou aqui para recriminá-la. Eu também já fui em várias e não vejo mal algum
você querer viver livremente. Porém...
Ao mesmo tempo que sua confissão me causou um certo alívio acabou me fazendo sentir algo a mais,
como se ele me compreendesse. Algo que antes não tivemos a oportunidade de falar.
Foi nesse momento que percebi que eu e Ramon não sabíamos quase nada um do outro.
Mas esse porém e seu sorriso debochado me fez sair rapidamente dessa sensação boa.
— Contarei para seus pais onde você estava.
Sorriu vitorioso.
Por segundos pensei que ele fosse me entender, no entanto, não poderia confiar nele. Ramon desde o
dia em que nos conhecemos deixou bem claro com suas atitudes que ele gosta de sempre ter o controle da
situação.
— O que será que eles vão dizer da filha deles vestida deliciosamente em uma festa com um monte de
gadjons?
Fechei os olhos controlando minha vontade de enfrentá-lo, mas sei que se ele cumprisse com o que
disse amanhã mesmo eu estaria voltando para o sul casada com ele.
— Não faz isso, por favor! — pedi, pronta para implorar.
— Não sei... — Ramon descruzou o braço e gentilmente tocou em meu cabelo, deixando a mecha
deslizar entre seus dedos —, o que eu vou ganhar? Não me sinto bem em mentir para seus pais — concluiu
com cinismo.
Que ódio...
O babaca arrogante estava querendo barganhar para esconder onde eu estava.
Neguei com a cabeça, me decidindo o que faria.
— O que você quer?
Preferi não bater de frente com ele. Talvez não fosse fazer uma exigência absurda.
— Você sabe muito bem o que quero, Sara!
— Eu não sei. Você é imprevisível. Se não dizer, não saberei.
Ramon olhou para os meus pés e foi subindo até deixar seu olhar preso em minha boca.
— Você está louco? — perguntei, interpretando a forma como estava me encarando.
— Por que não? Não quero nada de você que não possa me dar. Seja obediente apenas e pare de
achar que sou desprezível — suavizou ao concluir.
Aliviada respirei melhor, deixando todo o ar preso sair.
Achei que fosse ser babaca e exigir algo que talvez nos prejudicasse.
— Vamos dar uma volta e conversar melhor. Quero saber mais de você.
Assenti e entrei em sua caminhonete, aliviada
— Eu não o acho desprezível — disse após ele entrar ao meu lado, assumindo a direção da pick-up.
— Não é o que parece — ele respondeu tranquilamente e deu partida no motor.
— Por que está aqui? — perguntei, me sentindo mais aliviada enquanto saímos da frente da festa.
Ele não me respondeu e estacionou novamente sua caminhonete em uma rua mais à frente, em um
lugar mais tranquilo.
— Porque queria te ver! — me respondeu assim que desligou o carro.
— Ah... — Abri minha boca para respondê-lo, mas fui pega de surpresa quando virou e jogou seu
peso todo sobre mim. Respirando pesado e me encarando senti suas mãos subirem pelo meu pescoço
enquanto sua boca se aproximava da minha.
Ele iria me beijar.
Desde que nos conhecemos, Ramon deixou bem claro que não seguiria as tradições e me beijaria
quando quisesse. E bem no meu íntimo eu queria muito que ele fizesse exatamente isso. Por isso não o
empurrei e fechei os olhos quando senti seus lábios repousarem suaves sobre os meus, permitindo que sua
língua passasse e se enroscasse com a minha, movimentando em sintonia.
Por mais raiva e irritada que ficasse com ele, meu corpo respondia por minhas vontades e desejo.
— Não sabe o quanto pensei em você e vê-la vestida assim está sendo uma grande tortura, Sara —
sussurrou, arfando contra meus lábios ao encerrar o beijo, após chupar meu lábio inferior.
Não foi como das outras vezes que cedi por não conseguir controlar o desejo. Desta vez eu esperava e
o recebia, correspondendo essa deliciosa sensação que meu corpo liberava com cada toque seu.
Ramon tocou meu rosto gentilmente e me puxou para seu colo em seguida.
Montada nele, me acomodei e sentei melhor sobre suas coxas firmes e musculosa.
— Por Kalí... — Ramon sibilou quando tomei a inciativa. Eu segurei seu rosto entre minhas mãos e o
beijei, deixando de lado minha raiva, minhas frustrações, para aproveitar e extravasar toda a excitação que
ele exercia sobre meu corpo.
Foi tão fácil tomar o controle quando meus lábios exigiram os seus. Eu buscava cada canto da sua
boca com minha língua, mordiscando e puxando seu lábio inferior entre meus dentes.
Era bom... muito por sinal.
Tanto que não percebi quando meu vestido subiu um pouco mais, enrolando-se na metade da minha
bunda, me deixando exposta e de calcinha, totalmente à sua mercê. Contudo, não me importei, já que dentro
de semanas isso seria comum entre nós dois. Então aproveitei o que estava sentindo, saciando essa fome que
nunca soube que existia.
— Porra... — ele rosnou sexy, sem deixar minha boca sair da sua.
Indiscutivelmente, nunca me senti tão bem; com sensações mistas, que exalavam por todo meu corpo.
Minha virilha formigava de um jeito desesperado, implorando por alívio.
Eu estava molhada e pela primeira vez quis que Ramon pulasse qualquer tradição e agisse como se
fôssemos um casal normal se pegando dentro de um carro, sem se importar com qualquer um que nos visse.
— Ai... — arfei quando senti seus dedos cravarem em minha bunda, apertando meu quadril contra o
volume sob meu púbis.
Era virgem, mas não ignorante a ponto de não saber o que era uma ereção. Está certo que nunca
experimentei o que estava sentindo e que também não tive experiências com meu corpo, mas sempre fui
curiosa e sabia exatamente em que caminho eu e Ramon estávamos entrando.
Sem volta e sem remorsos, declarando livremente que eu seria sua.
— Sara... — não deixei que falasse ou parasse o que estávamos fazendo. Eu precisava desse
momento. A sensação que buscava para saciá-la se tornava desesperadora. Mais que seus dedos me
marcando, exigindo que eu me movimentasse.
Como era bom...
Esse misto de dor, com a pressão da sua ereção se apertando contra meu sexo era incrível. Quanto
mais me mexia, mais gostoso ficava.
Balancei meu quadril, embalando-o para frente e para atrás, me esfregando literalmente em seu corpo.
E cada vez que eu aumentava o ritmo, mais me via débil para aliviar essa sensação que comprimia meu
ventre.
Não me reconhecia, agia ousadamente ao me movimentar, rebolando sobre suas coxas e o grande
volume coberto pelo seu jeans. Me esfregava sem pudor algum, apertando minha vagina contra seu quadril
em desespero, indo até sentir aquela dor gritante e pulsante se aliviar em forma de gozo.
— Ramon... — gemi seu nome, não conseguindo controlar minha respiração ofegante, ao sentir que
aquela pressão no baixo ventre me invadiu por completa, me fazendo não só tremer, mas todos os pelos do
meu corpo se arrepiarem de uma vez só.
Agarrei-me firme a ele, afundando meu rosto na curvatura do seu pescoço, esperando toda essa
explosão de sentimentos se acalmarem.
Foi maravilho. Era como se tivesse caído dentro de um vórtice que me tragava poderosamente, me
dando a melhor sensação que já senti um dia.
— Você é perfeita — Ramon sussurrou ainda me agarrando firme, me tocando gentilmente com suas
mãos no meio das minhas costas.
Completamente mole, me afastei e encarei seus olhos. Eles, em especial naquele momento,
apresentavam um brilho incrível, me transmitindo confiança e algo que ainda era completamente estranho e
incompreensível.
— O que mudou? — perguntei fitando seus lábios entreabertos.
Assim como eu, ele respirava ofegante e pausadamente.
— Tudo! Mas da próxima vez em que gozar, vou estar dentro de você, dizendo o quanto mudou entre
nós dois. — Ramon voltou a me beijar, porém foi calmo e lento.
Depois da tempestade sempre vem a calmaria. Assim fomos nós dois, entre brigas e beijos,
completamente suados e entregues dentro daquela caminhonete com o desejo nos consumindo por
inteiro.
Capítulo 15
Chegamos na cidade em que Sara morava no fim de tarde.
Não estava em nossos planos vir tão próximo do casamento, era para ter sido bem antes, porém
tivemos um imprevisto que não dava para ser adiado mais. Precisávamos comprar o vestido de casamento
dela enquanto todo o restante estava sendo organizado no sul.
Em nossa cultura, quem paga toda a festa de casamento, desde o que a noiva vai usar até seu dote, é a
família do noivo e pelo grande ego de Miro Rosberg essa festa prometia. Era uma honra para um pai casar
seu filho e ganhar uma filha e descendente para propagar seu nome.
Ficaríamos por uma semana na casa de Valter e Soraia. Minha mãe iria com Sara e Soraia comprar ou
mandar fazer o vestido. E eu precisava ainda comprar algumas coisas para terminar a construção de onde
iríamos morar.
Desde aquele fim de semana não nos falamos mais, já fazia três meses que tudo aconteceu.
Apesar de que, fiquei entretido com tudo e acabei me afastando também. Sara precisava lidar com a
aceitação e preferi me manter distante por um tempo.
Sei o quanto tudo está sendo difícil para ela, porém eu aceitei tudo muito mais rápido. Acabei me
deparando entre o desejo desenfreado que senti por ela e a ficar negando o óbvio. Casaríamos de qualquer
maneira, a não ser que ela ou eu fugisse, mas como por mim estava tudo certo, agora só dependia dela.
Confesso que pensei muito nela e cada vez mais Alina apenas se tornava parte do meu passado
escondido.
“— Achei que chegariam apenas amanhã.”
Valter nos disse quando atendeu o telefone.
Minha mãe ligou avisando quando paramos para almoçar no caminho. Nossa intenção era chegar pela
manhã, mas conseguimos adiantar em poucas horas.
Por um momento fiquei constrangido de chegar adiantado, no entanto, ao se aproximar da casa de
Sara meu coração disparou por poder vê-la logo.
Não era saudades, mas sim o desejo de saber como estava, porém fomos informados que ela e sua
irmã estavam na casa de uma amiga. Que haviam permitido por Sara mostrar-se mais aberta ao casamento e
que este havia sido o único pedido que fez.
Soraia e Valter pediram para que fosse buscá-la e me passou o endereço, contudo ao chegar na casa
da tal amiga os pais dela me informaram que não estavam, que haviam ido na festa da escola.
Que danada e mentirosa!
Sara não era nada inocente. Sabia muito bem como enganar seus pais. Não que me ressentisse por ela
ter ido, mas fiquei curioso para saber como e com quem estava.
E me surpreendi quando a vi parada de vestido curto, de cabelos soltos e maquiagem pesada.
Totalmente diferente da que conheci meses atrás. Claro que estava linda. Os saltos altos deixavam suas
pernas ainda mais torneadas. Não só elas, mas a forma como o tecido do vestido se agarrava acentuou ainda
mais suas curvas, deixando-a perfeita.
Fiquei um pouco mais afastado, logo atrás dela, e não deixei que me visse a princípio. Queria ainda um
pouco admirá-la, observando como estava quieta em um canto, mas foi por pouco tempo, não consegui me
segurar e fui até ela.
Discutimos a princípio assim que ela saiu e não me respondeu o que estava fazendo. Me levou à
loucura por não ter resposta e agi por impulso, a levei até a caminhonete. Porém tudo mudou quando
compreendi que com ela nada seria simples e fácil.
Sara tinha um temperamento forte, não que isso fosse ruim. Não me importava, sei que agia assim
apenas para mostrar que não queria ceder. Assim como ela, eu também quis tantas coisas que nossa cultura
não nos permitia fazer. Jamais a veria com outros olhos. Inclusive, vê-la como uma mulher normal, só
aumentava ainda mais todo esse sentimento novo que descobri nesses últimos meses.
Confesso que fiquei enciumado por pensar que alguém a desejaria como eu, no entanto, ao beijar sua
boca e sentir suas resistências ruírem foi incrível, uma experiência única.
Sara teve seu primeiro orgasmo sem que eu estivesse dentro do seu corpo e foi lindo assisti-la
enquanto ela ofegava entre gemidos e meu nome escapando de sua boca. Por minutos a segurei até ela
conseguir entender o que acabou de acontecer entre nós.
Com meu pau melado e dolorido, com certeza estaria todo esfolado também, mas valeu cada sensação
que foi ao sentir seu corpo corresponder àquele beijo, quente e voraz.
Gostosa e só minha...
Foi tudo que consegui pensar, quando me perguntou o que mudaria, no entanto, não respondi que esse
casamento sairia agora a qualquer preço. Não deixaria que ela escapasse de mim. Apenas prometi que da
próxima vez que gozasse eu estaria dentro dela e chegaríamos ao clímax juntos. Mesmo querendo mais dela
nesse momento, me contentaria em dormir com a linda imagem dela, rebolando sobre meu pau excitado,
gemendo meu nome contra meus lábios e esperando ansiosamente para o dia em que a tocaria sem ter as leis
do nosso povo para nos reprovar.
— Não vou contar para seus pais. — Segurei seu rosto entre minhas mãos quando estava
aparentemente mais calma e afirmei.
Não a trairia a ponto de entregá-la, apenas estava irritando-a.
— Você disse que tudo mudou... — Sara iria me questionar, mas a silenciei, beijando-a novamente.
— E sim... tudo mudou — disse tranquilamente. — Está linda! — a elogiei em seguida.
Não queria discutir com ela depois do que aconteceu, queria apenas aproveitar esse momento.
Sara tentou se afastar, mas a impedi.
— Aonde pensa que vai? — A segurei e acariciei seu rosto enquanto me encarava.
— Vamos conversar!
— Para que, se podemos fazer coisas melhores? — brinquei.
Mas é claro que continuar beijando era muito melhor que começarmos a discutir novamente por
bobeira.
— Se for me ofender vou te beijar, mais e mais, até que não tenha força para brigar comigo.
— Não vou discutir com você — ela me respondeu, tentando abaixar seu vestido.
Acredito que estava com um pouco de vergonha.
— Isso, boa menina — não me contive e a provoquei.
Sara revirou os olhos e bufou, me divertindo com esse seu temperamento forte.
— Idiota. Como você é arrogante — ela retrucou, se remexendo novamente contra meu pau, me
fazendo ficar excitado de novo. Era melhor ela parar, já estava à beira do colapso nervoso depois da linda
cena que presenciei em meus braços.
— Mas sou seu! O seu idiota. E você é a minha gatinha selvagem — peguei uma mexa do seu cabelo
e enrolei entre os dedos —, você é linda demais, Sara. Acho que... — não terminei de dizer, que estava me
apaixonando por ela.
Não iria assustá-la.
Para disfarçar, tornei a beijá-la, ficando entre troca de beijos e carícias por mais de uma hora dentro da
caminhonete, evitando nos provocar. E foi tudo ainda mais intenso. Era como se todas as barreiras entre nós
tivessem caído, tornando tudo mais leve e receptível.
— Precisamos voltar — Sara me informou e ajudei-a a se ajeitar, tanto o vestido quanto seu cabelo.
Ela precisava buscar Micaela e encontrar com a amiga.
Após me apresentar para sua amiga, as levei para a casa dela.
— Papai sabe que estava com Ramon por aí? — Escutei quando sua irmã a questionou, ao ficar um
pouco para trás esperando que entrassem na casa da amiga.
— Sabe sim, ele que deu o endereço de Laísa — Sara respondeu sem dar muita importância para a
pergunta.
— Mas não sabe que esteve sozinha com ele — Micaela a provocou.
— E nem vai saber, se contar vou dizer que foi para uma festa escondida.
— Mas você também foi.
— Não, eu estava com Ramon. — Sara olhou para mim e sorriu.
— Te odeio, Sara.
— Eu também.
Chegava a ser engraçado essa dinâmica de irmã implicante entre as duas.
— Tchau, Ramon — Micaela despediu enquanto ficamos ainda nós dois a sós e antes de ir embora
beijei Sara prometendo buscá-la pela manhã.
Voltei no dia seguinte para buscar Sara com a permissão de Valter, não deixei que ele percebesse o
quanto estávamos mais próximos e tendo intimidades da qual o deixaria louco de raiva comigo. Não queria
quebrar essa confiança que estava depositando em mim.
Sara me abraçou, me surpreendendo quando viu que eu havia ido buscá-la sozinho.
Foi tudo tão natural, como se estivéssemos nessa rotina de namorados há tempos.
Não teve ofensas, apenas olhares e aquela vontade absurda de beijá-la, mas não arriscamos na frente
de Micaela. A irmã poderia contar e criar uma grande confusão.
Nas semanas seguintes, não houve mais brigas, estava tudo muito bem entre nós dois. Sara estava
mais carinhosa e nossa convivência muito melhor que no início. Eu ainda a provocava de vez em quando, só
para vê-la irritada. Era deliciosamente proibido e confesso que extremamente excitante. Acabávamos os
impasses em beijos ainda mais quentes.
Tirar a minha ciganinha do sério era como colocar fogo em um paiol com muita palha seca.
Ela era pólvora e TNT ao mesmo tempo.
— Nos veremos daqui a três semanas, se comporte — disse ao me sentar próximo dela no sofá.
Estávamos nós dois sozinhos na sua casa. Seus pais, minha mãe e sua irmã foram comprar algumas
coisas para levarmos para o acampamento.
— Deixa de ser babaca, Ramon. O que acha que vou fazer? Fugir? — rebateu sem paciência.
— Se fugir vou atrás de você e te amarro — incitei e deixei meu corpo cair sobre o seu, cobrindo-a
com meu tamanho, ficando entre suas pernas.
— Não tenho medo — Sara respondeu e sorriu, percebendo minhas intenções.
Cada momento a sós com ela acabávamos nos beijando, aproveitando cada minuto em que estávamos
juntos, sem que nos vigiassem.
— Criei um monstro. — Ela se ajeitou e ergueu seu rosto na minha direção oferecendo sua boca.
— Vai dizer que não gosta? — me provocou, mordendo os lábios lascivamente.
— Estou me controlando, eu juro — respondi ficando com a boca a centímetros da sua.
— O que vão dizer do Santo Ramon se souberem que corrompeu sua noiva?
— Vão me banir, ou será minha em questão de horas. E eu poderei fazer tudo que tenho em mente
com você.
— Me diga o que tem em mente — ela me incitou, lambendo minha boca.
— Porra, Sara.
— Cuidado com o que fala.
— Você não me ajuda.
— Você também não. — Sara não me deixou responder ao puxar meu lábio inferior com seus dentes.
Eu já estava no meu limite e ultrapassei ao deixar sua boca, deslizando meus lábios pela sua pele.
Descendo sem me privar de tocá-la onde queria.
Sara ofegava e jogava sua cabeça para trás, me dando mais acesso àquela faixa de pele do seu
pescoço perfumado enquanto minhas mãos brincavam com sua cintura fina, passando por debaixo do tecido
da sua blusa.
Apertei-a. Não me contive ao subir um pouco mais e pela primeira vez tocar em seus seios. Ela estava
sem sutiã e seus mamilos endureceram à medida que eu os rodeava com a ponta do indicador. Fiquei por
minutos brincando com eles. Eram pequenos e rosados como as aréolas. Estava completamente possuído por
esse desejo que não me controlei e subi todo o tecido, deixando-os para fora. Um a um envolvi com minha
boca e novamente tive uma das cenas mais sexys que poderia ter com uma mulher. Sara ofereceu-os para
mim sem pudor.
Caralho... que gostosa.
Mesmo inexperiente Sara era ousada.
— Você está ferrando com meu autocontrole.
— Para de falar...
Era perigoso e ela não fazia sequer ideia do que estava prestes acontecer.
Minhas mãos já tinham vida própria, ao deslizar por seu corpo, possuindo cada curva dele. Então não
me segurei e fui até sua boceta. Desde a noite da caminhonete me controlei para não a tocar, mas a cada
beijo, cada momento que nossa intimidade avançava, se tornava impossível resistir a tocá-la como realmente
queria. Porém, mal consegui chegar no elástico da sua calcinha quando escutamos o barulho da porta se
abrindo.
— Eles chegaram — avisei rápido, me levantando em um salto só.
Se vissem minha situação as coisas não seriam tão pacificas.
Estava muito excitado e precisava me acalmar. Ir para o banheiro, tomar um banho seria a melhor
opção. Sara poderia sair dessa sem mim.
Ainda naquele dia, no meio da noite, fui surpreendido por ela vindo até onde estava deitado. Ela me
beijou achando que estava dormindo, mas desde o momento que se aproximou senti seu perfume e como
ainda estava acordado fechei os olhos e deixe que pensasse que estava em sono profundo.
Seus lábios encostaram suavemente sobre os meus e assustando abri olhos e a abracei, perdendo-a
entre meus braços.
— O que estava fazendo? — perguntei depois de encerrar o beijo.
— Me despedindo de você — ela disse como se fosse um adeus.
E foi nesse momento que me senti aflito por pensar na possibilidade de ela fugir e não se casar mais
comigo.
— É um adeus? — perguntei temeroso.
— Tudo mudou. Ainda acha que é um adeus? — Sara se desvencilhou, levantou e saiu na direção da
porta, parando sob o batente.
— Não sei. Você só vem me surpreendendo — respondi após me sentar na cama.
— O que ganho se eu te contar?
— Você já tem tudo que posso lhe dar...
— Nem tudo. Vou dormir só para amanhecer e poder esperar a noite chegar logo. Será assim por três
semanas até eu poder vê-lo de novo.
Sara deixou o quarto diferente de quando cheguei. Até seu tom de voz havia mudado e a cada minuto
mais eu me apaixonava por ela.
Capítulo 16
Ramon precisou ficar sete dias muito próximo de mim para me fazer repensar o que eu queria. No
início, eu só gostava de beijá-lo, mas depois se tornou uma necessidade absoluta me perder naqueles lábios
possessivos, que não só me proporcionava prazer, mas uma sensação de preencher algumas lacunas que
nunca pensei que existissem em mim. Ele alimentava essa fome e seus toques se tornaram indispensáveis.
Aquele cigano debochado sabia exatamente onde me tocar, me fazer sua de um modo especial.
Sei que era apenas o começo de tudo.
Depois do dia em que nos beijamos dentro da caminhonete, não consegui mais resisti-lo, a cada
chamado meu corpo me traía de uma forma escancarada e abusada.
Não estava me reconhecendo e eu queria sempre mais, nos controlando, mas uma vez ou outra as
coisas entre nós esquentavam e quase perdíamos o total senso de segurança.
Todas as vezes que ultrapassávamos dos limites eu desejava que ele fosse até o fim. Já tinha mesmo
me rendido, então que ele saciasse toda minha necessidade, porém era necessário que eu chegasse até o dia
do casamento virgem, mas Ramon já havia dominado cada parte do meu corpo apenas tocando-o
habilidosamente, por mim não teria problema algum se pulássemos todo esse ritual.
Ainda tínhamos nossos embates. Ele fazia questão de me provocar sempre que possível, porém não
tínhamos mais aquela dinâmica de uma guerra declarada, acabávamos desesperados um pelo outro. Entre
beijos, carícias e anseios para que esse casamento arranjado chegasse logo.
Quem diria que eu estava mudando minhas vontades apenas porque eu o desejava
ardentemente.
Comecei a contar os dias para nossa ida ao sul. Seria uma viagem só de ida para mim, o que
significava que meus antigos sonhos estavam morrendo. Eu já não tinha tantos desejos de estar sozinha neles,
passei a querer que Ramon tivesse em todos comigo. Ele havia conquistado um lugar especial nos meus
planos.
Se era paixão eu não sei, apenas ele me fez ver que eu dependia de muitas outras coisas para ser feliz.
Pelo menos todos estavam se esforçando.
Meus pais me tratavam como se fosse um cristal, dedicando tantos cuidados. Constância e Miro,
fizeram questão que tudo ficasse do meu gosto, eles queriam que tudo fosse perfeito e púnico. E eu só queria
pertencer ao filho deles e que ele fosse somente meu.
Ainda tive que lidar com toda aquela história de Esmeralda se achar no direito sobre Ramon. Acabei
me tornando possessiva e cheia de ciúme quando conversamos sobre aquela noite. Porém mesmo não
aprovando sua atitude de elogiar outra mulher, o entendi e acreditei no que me disse.
Ramon não tinha me dado motivos para desconfiar que estivesse me dizendo o contrário. Estávamos
nos entendemos bem, não só nos beijávamos, nos dias em que ficou por aqui, cantamos enquanto ele tocava
violão, nos divertimos muito. Foi aí que tudo mudou.
Ele me atraiu de todos os modos. Era simples e me encantou ainda mais quando contou seus motivos
para se tornar médico ao querer ajudar as pessoas do acampamento. Fiquei maravilhada em descobrir esse
seu lado mais humano.
Tudo parecia perfeito. Ele prometeu me fazer uma surpresa no dia da despedida, o que me deixou
curiosa e ansiosa. Meus pais estavam felizes. Constância também foi embora muito satisfeita, minha futura
sogra disse que estava mais tranquila com o clima cordial entre nós, e como estávamos nos entendendo
melhor. Mal ela sabia que o filho não perdia uma chance de me devorar com sua boca todos as vezes que
podia.
Em certos momentos, ela nos olhava e sorria, como se soubesse o que estava acontecendo ente nós.
Será que estava difícil esconder todo esse desejo crescente?
Eu precisava apenas de mais um dia para ter essa certeza. Amanhã estaríamos voltando ao sul, eu
estaria deixando a casa dos meus pais para ter a minha, com uma única certeza de que eu ainda poderia ser
feliz, mesmo não realizando meus sonhos.
Arrumei minhas malas, guardeis meus vestidos e tudo já estava em malas espalhadas pelo chão do
meu quarto. Restando apenas minha cama, onde eu dormiria pela última vez.
Por um momento entrei em um estado de nostalgia quando estava dobrando meus vestidos. Chorei
solitária por pensar que não teria meus pais mais por perto, o sentimento de vazio me tomou com uma força,
me fazendo duvidar da decisão que tomei em aceitar me casar com Ramon.
Micaela me ajudou e acabei deixando algumas coisas minhas para ela, mas acabamos discutindo
porque dei o que já não gostava mais. Porém o amor e o sentimento fraternal me fez abraçá-la quando me
despedi antes de dormir. No fim, eu sentirei muita falta das suas birras e das implicâncias. Papai e mamãe,
por mais contente que estavam, me abraçaram como se nunca mais fôssemos nos ver.
Mal dormi de ansiedade e a viagem até o sul demorou bem mais do que da outra vez. Um caminhão
nos acompanhou levando algumas coisas extras para a festa. Já estava quase anoitecendo quando chegamos.
Fomos recebidos por alguns parentes e pela família de Ramon. Todos nos abraçavam alegremente.
Desci do motorhome procurando por ele, mas não o vi em canto algum e fiquei triste quando soube que
não estava lá para me esperar. Foi como se me sentisse abandonada de um modo sem importância.
Talvez essas semanas ele tenha se cansado e por isso não estava ali. Ressentida, tentei me distrair e
esquecer por um tempo a falta que me fez.
Constância e algumas mulheres estavam animadas com os vestidos que eu usaria nos dias das festas.
Ela não só proibiu as suas outras noras de verem como também deixou claro sua preferência e sua felicidade
por este casamento.
Também conheci os irmãos de Ramon. Todos eram muito bonitos, mas meu cigano arrogante ainda era
o mais bonito. Eles tinham cabelos compridos, eram altos e muito sociáveis.
Miro e Constância estavam com tantos cuidados comigo, já não me chamavam pelo meu nome e sim
de minha filha.
— Não se deixe levar, Constância não é o doce de pessoa que aparenta.
Estava sozinha em uma das tendas que preparam para eu ficar quando uma das cunhadas de Ramon
apareceu para me ajudar a organizar minhas coisas.
Flora é a esposa do irmão mais velho e prima de Esmeralda. Algo nela me chamou atenção. Não sabia
dizer o que, mas me senti acuada quando mencionou maldosamente sobre a própria sogra. Porém, fingi que
não havia escutado o que disse.
Não tinha o porquê achar nada e muito menos me deixar ser levada por um comentário desses.
Constância, mesmo antes quando rejeitei seu filho, sempre se mostrou carinhosa e atenciosa comigo. Por isso
não quis dar créditos ao que me disse.
Não satisfeita, o tom e sua presença me fizeram ficar tensa. Ela me perguntava coisas sobre minha
vida e instigava alguns comentários sobre coisas que aconteciam aqui. Não era uma boa pessoa a se confiar.
Em resposta, apenas respondi o óbvio na tentativa de que fosse logo embora. No entanto, parecia que ela
fazia de propósito e continuava. Já estava pronta para pedir que fosse embora, mas quando me virei Ramon
estava parado próximo à entrada, segurando a lona que fechava a tenda.
Fui tragada pela sua presença e não consegui ter nenhuma reação sequer.
Como pode alguém ter tanto poder sobre as atitudes de outra?
Questionei-me em pensamentos.
Ramon não só fez com que tudo naquele momento sumisse, mas me deixou sem saber o que fazer.
Ele concentrava seu olhar em mim e eu nele, deixando visível toda atração que estávamos sentindo.
— Olá, Ramon! — Flora interrompeu o momento silencioso.
Ele não a respondeu e ficamos esperando até que ela nos deixasse a sós.
— Oi! — Ramon disse primeiro vindo até onde estava.
Por mais contente que estivesse por ele estar ali, ainda me sentia ressentida por não tê-lo visto quando
cheguei.
— Oi — respondi sem demonstrar o que estava sentindo.
Ramon titubeou ao me abraçar, ficando apenas muito perto, encostando a ponta do seu nariz no meu e
pegando minhas mãos.
— Estou suado, Sara! Vim porque estava com saudades — se justificou e se afastou após beijar minha
testa.
O que estava acontecendo?
Intrigada o encarei, procurando respostas para essa distância em que me tratou.
— Estava trabalhando em algo e acabei de saber que haviam chegado — Ramon continuou estranho e
distante —, por isso estou todo sujo.
Neguei com a cabeça, criando tantas suposições que não acreditei que ele estava preocupado em estar
sujo. Achei que ficaria feliz em me ver e não desse jeito todo frio. Poderia ser apenas cisma da minha
cabeça. Talvez só estivesse cansado e se sentindo sujo. Pelo menos suas roupas confirmavam que estava
dizendo a verdade.
— Chegamos não tem muito tempo —, me aproximei ao informá-lo e tentei abraçá-lo, mas ele se
afastou. Tentei mais uma vez e ele fez o mesmo, ao disfarçar ajeitou alguns fios de cabelo que soltavam do
rabo que prendia o restante.
Insisti e por fim, pela terceira vez que se mostrava receoso comigo, me afastei irritada.
— Ei! O que foi? — perguntou e se aproximou como se nada estivesse acontecendo.
— Nada! — respondi rancorosa.
Nada sim! Queria meu beijo.
Ramon se aproximou, mas não me tocou.
— Achei que não iria vir. Que teria fugido!
— Estou aqui — chateada respondi e virei o rosto para o lado, desviando meu olhar do seu.
— Estava contando os dias para te ver...
Que ódio!
Ramon agia como se estivesse tudo bem. Será que ele não percebia o quanto se manter distante de
mim estava me deixando triste? Esperava que me recebesse com o mesmo sentimento daquela noite, quando
fui no quarto que estava e me despedi.
— Está ainda mais linda do que nunca. Minha saudade é tanta, Sara, que estou com medo de
machucar você — ele segurou meu rosto ao terminar de falar e me fez encará-lo novamente.
— Por que isso agora? — me afastei irritada após questioná-lo.
Não dava para entendê-lo. Ramon não agia assim, ele era possessivo em alguns momentos e em
outros debochado e em nenhum deles carinhoso, todo romântico.
— Nada, Sara. E por que já está toda nervosinha? Não fiz nada demais — me perguntou, encurtando
o espaço entre nós.
— Deixa para lá — Resolvi não falar que estava me sentindo completamente frustrada por chegar
aqui e não vê-lo e agora por não me beijar.
— Não vou não! Diga o que está acontecendo e por que está brava comigo?
Sem me dar espaço para responder, Ramon me pegou de surpresa, com seus braços fortes me
puxando para o centro deles, fazendo com que nossos corpos chocassem um contra o outro. E em um assalto
sua boca tomou posse da minha, com sua língua me invadindo com urgência. Bem como queria desde que o
vi.
O abracei, envolvendo sua nuca com minhas mãos enquanto o movimento dos nossos lábios
aumentava em desespero.
— Ah... Sara! — Ramon arfou e se afastou sorrindo quando escutamos vozes femininas próximas da
entrada.
Não me contive e sorri, satisfeita por ele entender que era dos seus beijos que precisava.
Constância acompanhada de outras mulheres entrou e nos encarou, olhando nós dois ressabiada.
Disfarçando, Ramon saiu sem falar nada enquanto eu voltava para minhas coisas e para a mala aberta sobre
uma mesa. Depois desse episódio, não consegui ficar mais sozinha. Sempre tinha alguém me acompanhando
por onde ia. Ramon, em um dos momentos que conseguimos apenas conversar me contou que sua mãe pediu
para evitarmos ficar sozinhos. Era para evitar os falatórios até no dia do casamento, no entanto, eu e Ramon
não obedecemos. Depois de dois dias sem conseguirmos ficar a sós, ele ficou logo atrás de mim enquanto
estávamos juntos de nossos pais. Ele segurou minha mão e com o a ponta do dedo médio ficou fazendo
círculos na palma dela.
Sorri sem olhar para trás, tentando disfarçar, porém quando sua mãe percebeu suas intenções ela o
expulsou.
— Não fiz nada! — Ramon levantou as mãos para o alto, rendido e se justificou ao sair de perto de
mim.
Quando conseguiríamos um tempo só nosso antes deste casamento?
Ainda faltava mais uma noite para o dia...
Capítulo 17
Foram os 15 dias mais longos. Nunca esperei tanto para ter algo como estava contando os dias para
que Sara fosse minha de todas as formas.
Ainda faltava alguns dias para o casamento, exatamente uma semana e logo mais tarde ela estaria
chegando junto com seus pais.
Medo e receios fizeram parte constante de todos os momentos desde que voltei para o sul. Talvez Sara
fugisse e todo aquele sentimento que estava sentindo por ela despedaçasse ao meio, mas fiquei aliviado em
saber na noite passada que chegariam logo, mais para o fim de tarde.
Passei o dia todo próximo ao lago terminando alguns detalhes na cabana. Queria que tudo ficasse
perfeito. Ela merecia e eu estava completamente envolvido com tudo. Diferente de meses atrás quando me
sentia sentenciado a um futuro preparado pelos nossos pais.
Não sei se toda essa euforia era pelo simples fato de que não tinha muitas escolhas e acabou que Sara
foi uma opção incrivelmente maravilhosa, ou se era real o que estava sentindo por ela.
Fazíamos parte dessa cultura, onde os filhos já crescem com destinos pré-definidos pelos seus pais e
não fugimos à regra.
Por anos economizei, vendi, fiz trocas e consegui guardar um bom valor, fora todo o dinheiro que
ganhei vendendo carros reformados antes de entrar para a faculdade de medicina. Ainda não sei o que faria,
mas tudo que poupei daria para dar uma ótima vida para Sara e construirmos nossa família. Algumas noites
pensei sobre filhos e como seriam. Queria ter vários, mas ainda tudo era tão novo que deixaria para depois.
Sara ainda era nova e sei do seu sonho de conhecer vários lugares, talvez poderíamos ir em alguns deles.
Deixaria para ter essa conversa com ela depois que casássemos, a princípio ficaríamos por aqui, até
porque queria ainda colocar em prática tudo que aprendi para ajudar aos que moravam no acampamento.
Caminhei sobre o piso de madeira e olhei para Bóris, que estava terminando de prender nas estruturas
os cortinados que mandei fazer para nosso quarto. Eu e ela vivendo em espaços divididos talvez a deixasse
mais confortável, como se estivesse na casa dos seus pais.
Quando estive na capital comprei algumas coisas para terminar a construção. A plataforma era grande
e a projetei bem na beira do lago, com um deque que dava para as águas. Também instalei um fogareiro
externo para as noites frias em que poderíamos dividir a companhia um do outro do lado de fora.
Queria muito que ela tivesse participado de tudo, porém queria fazer uma surpresa.
Desde que aceitei esse casamento passei a pensar em tudo ao lado dela, já não tinha um dia sequer
que não me fizesse desejar estar junto, beijando-a, desejando-a de todas as formas possíveis.
— Primo, esse lugar ficou incrível — Gemini, outro primo, disse aparecendo ao fim do deque.
— Como está? — Me levantei e fui até onde ele estava e Bóris em seguida também veio
cumprimentá-lo.
Mostrei a ele todos os detalhes. De fato, tudo ficou incrível e só queria que Sara gostasse o tanto que
todos gostaram.
A traria nesta noite para que visse como havia ficado e por isso pedi que Bóris me ajudasse a instalar
lanternas ao redor da plataforma, não só, mas em todos os ambientes, deixando-os iluminados. A visão dele à
noite seria maravilhoso.
Precisava terminar logo antes que ela chegasse, porém fui avisado de que Sara e sua família haviam
chegado algum tempo atrás, me deixando furioso. Queria ter terminado antes, me banhado, preparado para
recebê-la.
— Aonde vai? — Gemini e Bóris perguntaram ao me ver saindo da cabana e indo na direção do
acampamento.
— Sara chegou! — respondi mais alto, deixando-os ali.
Quando cheguei, fui direto vê-la. Estava tão linda. Flora estava com ela, ajudando-a a organizar suas
coisas.
Fiquei alguns minutos segurando a lona da entrada da tenda observando Sara sem que ela percebesse
que estava ali, mas a desagradável da minha cunhada fez o favor de dizer meu nome, me dedurando.
Não precisei pedir que ela saísse, queria ficar alguns minutos a sós com Sara, mas estava com as
roupas sujas e não queria chegar perto dela assim. Vaidade ou não, queria abraçá-la e matar a vontade que
estava me consumindo há semanas. E pensar em não sujá-la a deixou chateada, mas nada que ceder a um
capricho seu não resolvesse. A beijei com urgência, mas tivemos que nos afastar quando percebemos que
mais pessoas estavam se aproximando.
Era minha mãe, ela virou um cão de guarda mantendo Sara o mais distante possível, não permitindo
que ficássemos sozinhos nem por um minuto sequer. Dona Constância deixou bem claro que não facilitaria
para mim, que eu teria que esperar. Tentei convencê-la de que era bobeira, que nada entre nós dois estava
acontecendo, mas ela não era boba e já havia percebido que nós dois estávamos bem mais íntimos do que o
costume nos permitia.
Tanto eu quanto Sara tentávamos pelo menos ficar próximos. Sem sucesso. Sempre alguém aparecia
ou ela estava sempre acompanhada, dificultando ainda mais.
Uma das poucas vezes que conseguimos ficar a sós foi no dia em que Esmeralda e outra mulheres,
suas amigas, atacaram Sara, cuspindo aos pés dela em sinal de traição. Minha ciganinha teimosa revidou.
Não poderia esperar menos. Seu temperamento era forte para aceitar tal humilhação.
O curioso foi o fato de Flora estar por perto e não fazer nada. Desconfiei que ela teria algo no meio de
toda essa confusão. As duas eram primas e provavelmente minha cunhada estaria do lado dela, culpando
Sara junto com as outras.
Conversei com meu pai sobre o que estava acontecendo e sobre minhas desconfianças. Flora não era
alguém confiável, tanto que ele pediu para Muriel se mudar com ela daqui quando se casaram. E o fato de
Sara ser a protegida de minha mãe estava causando certo ciúme nas esposas dos meus irmãos.
Mas Sara não precisava de proteção, era incrível, sabia se defender de qualquer pessoa que a
atacasse. Além de ser teimosa, tinha um lindo coração puro e quando não estava em posição de defesa era
alegre e espontânea, porém meu senso de protecionismo não permitiria que qualquer uma delas ficasse
julgando-a.
— Vou falar com Flora, mãe. Fique tranquila. — Escutei Muriel responder para nossa mãe.
Eles estavam dentro da tenda e pelo visto a conversa se tratava do que sua esposa estava fazendo
contra Sara.
E por falar nela...
Daria um jeito de ficar alguns minutos a sós com ela, ainda hoje.
Aproveitei que já estava de noite e ainda não estávamos reunidos. Saí para procurá-la.
Amanhã era o dia do casamento e nesse dia ninguém poderia nos privar de estarmos somente nós dois
a sós.
Sem que me visse a procurei e a encontrei próximo de nossos pais. Por minutos fiquei parado
esperando a melhor hora para chamar sua atenção.
Sara era linda, enamorei por mais um tempo todos seus detalhes, como a curva que fazia seu nariz ser
ainda mais empinado. Seu lábio inferior farto conferia um ar mais sensual à sua boca.
Além de bela era gostosa para caralho.
Tive o privilégio de conhecer algumas partes do seu corpo antes da noite de núpcias. E foi o alimento
que deu as minhas lembranças para me acalmar na sua ausência.
— Psiu! — chamei sua atenção e quando me notou na lateral joguei a cabeça para o lado, indicando
para ela ir até lá.
Ela assentiu e sorriu.
Saí de perto e fui para onde pedi que fosse me encontrar, ficando à sua espera.
Em especial essa noite Sara estava ainda mais linda, vestida com um conjunto de saia e blusa branca
com borboletas, que deixava uma pequena faixa de pele do seu abdome aparecendo.
O pensamento e o desejo de escorregar minha boca por ali me excitou no mesmo momento.
— Você está louco? — sussurrou ao se aproximar.
A puxei, trazendo-a para mais perto, ficando com meu rosto próximo do seu.
— Não via a hora de sentir sua boca gostosa. Faz três dias que não consigo chegar perto de você —
falei com os lábios colados nos seus, apertando seu corpo dentro dos meus braços, impedindo que fugisse dali.
— Sua mãe está vigiando — retrucou e tentou se desvencilhar, com medo.
— Não precisa ter medo.
— Ela me pediu para evitar comentários maldosos sobre nós dois.
— Não ligo. Amanhã você será somente minha. Não precisaremos dar satisfações para ninguém. —
tentei tranquilizá-la e antes que, algo ou alguém, nos interrompesse tracei seus lábios com a ponta língua,
deslizando tranquilamente e aproveitando cada segundo.
— Ah... Ramon! — Sara arfou e aproveitei para aprofundar o beijo e sugar sua língua, me deleitando
com o gosto delicioso da sua boca.
Sara tentou se afastar quando escutamos um barulho, mas não era nada.
— Sua bobinha, não é nada.
— Se nos pegarem...
— Não vão! Quero só te mostrar uma coisa! Acho que você vai gostar. Vai ser rápido! — Ignorei e a
soltei, segurando em seguida em sua mão, levando-a para onde queria mostrar o que havia preparado.
Caminhamos pelo enorme terreno e as tendas iam ficando para trás conforme nos aproximávamos do
lago.
Mais cedo pedi que Bóris acendesse as lamparinas.
Ainda do alto poderia mostrar para ela onde seria nossa casa.
— Onde está me levando? — perguntou ansiosa.
— Calma. Já estamos chegando.
Caminhamos mais alguns metros, nos afastando um pouco mais.
Quando cheguei do ponto que daria para ver a cabana a posicionei à minha frente e envolvi sua
cintura, cruzando minhas mãos em sua barriga. Encostei meu queixo no seu ombro deixando minha boca
próxima do seu ouvido.
— E aí? — perguntei, mas Sara não respondeu. Ela estava olhando para a cabana e era nítido o
quanto havia gostado.
Lentamente, com o sorriso estampando sua face, foi virando o rosto de modo que sua boca ficasse
perto da minha.
— É lindo — falou baixo antes de roçar seus lábios nos meus.
— É para você — sussurrei, capturando seus lábios na sequência.
— Eu amei. É onde vamos morar? — Afirmei com a cabeça.
Ela sorriu e novamente nos beijamos demoradamente, estalando nossos lábios ao encerrar o beijo.
— Fico feliz que tenha gostado.
— Eu adorei!
Ela sorriu e nunca a tinha visto sorrir tão feliz.
Alcancei seus lábios de novo enquanto uma de suas mãos tocava a lateral do meu rosto e sua bunda
remexia contra meu pau.
Porra...
Fiquei excitado e não era minha intenção que esse momento acontecesse dessa maneira. Eu só queria
mostrar e fazer uma surpresa, mas meu corpo não era mais minha propriedade quando se tratava de estar tão
perto assim dela.
— Está me torturando... — sussurrei e a apertei mais contra meu corpo, mostrando o efeito que tinha
sobre mim.
— Vou contar tudo ao papai, Sara! — Assustamos.
Estávamos sozinhos, pelo menos pensei que sim, mas Micaela apareceu do nada, como se fosse um
fantasma.
— O que faz aqui, Micaela? — questionou a sua irmã e eu me mantive logo atrás, escondendo minha
ereção.
— Vou contar para Constância também. Ela disse que você dois não deveriam ficar sozinhos — a
irmã a ameaçou e se tinha alguém que a tirava completamente do sério era a baixinha encrenqueira.
— Pode contar, amanhã estarei casada mesmo — Sara rebateu, demonstrando não ter medo da
ameaça.
Micaela balançou os ombros e mesmo com pouca luz era visível o seu ar de deboche.
— Mas você não. Vou falar para o papai que eu vi você com o irmão do Bóris. Como é mesmo o
nome dele? — Sara olhou para trás, perguntando.
— Igor! — respondi.
— Eu te odeio, Sara — Micaela bateu o pé no chão ao rebater a artimanha inventada na hora pela
minha linda ciganinha.
— Eu também, Micaela. Se não quiser que eu conte para o papai que você e Igor estavam sozinhos no
fundo do acampamento vai embora agora.
Perdendo o embate, minha futura cunhada saiu resmungando, nos deixando a sós novamente. Porém
não conseguiríamos ficar em paz ali e resolvemos voltar. Poderia ter sido outra pessoa e apenas tivemos sorte
de ser a pirralha.
Retornamos rapidamente e próximo de deixá-la ir fui beijá-la, no entanto não me contive e afundei meu
rosto entre seus cabelos soltos e mordisquei seu pescoço. Sara se remexeu e segurou firme em mim.
— Por favor, Ramon — Sara pediu e antes de me afastar selei seus lábios.
— Amanhã, será só eu e você. — Acariciei seu rosto, deslizando a ponta do dedo até seus lábios. —
Gostou da surpresa?
— Muito, ficou tudo muito lindo — ela disse entusiasmada.
— É onde vamos morar! — Sara novamente sorriu se jogando em meus braços ao envolver suas
mãos atrás do meu pescoço, me pedindo para ser beijada.
Antes eu tinha que tomar um beijo se quisesse beijá-la, diferente de agora que ela oferecia toda
deliciosamente safada seus lábios para mim.
De fato, tudo havia mudado desde o dia dentro da caminhonete.
— Safadinha... — brinquei, mas nos soltamos rapidamente. Assustamos de novo ao ouvir alguém me
chamando.
Sara se foi sem se despedir, entrando entre as tendas, se afastando rapidamente.
Fui para o lado oposto e esbarrei em minha mãe.
— Ramon!
— Mãe!? — Sorri tranquilamente.
— Cadê a Sara?
— Não a vi! — menti e tentei passar o máximo de verdade.
— Sei! Para quem não queria casar, os dois estão sendo bem complicados de serem vigiados.
Controle-se. Estavam se beijando por aí. Não adianta mentir — ela me repreendeu enquanto continuei
fingindo que não sabia de nada.
Uma coisa era ela achar, outra era eu confirmar.
Depois de dar um beijo no alto de sua cabeça, disse:
— Boa noite, mãe!
Capítulo 18
Não havia dormido quase nada, estava ansiosa na expectativa para que o
dia amanhecesse logo, porém acabei dormindo e acordei horas depois com
várias mulheres ao me redor. Acordei, mas preferi manter meus olhos fechados
escutando-as.
Algumas delas cantavam uma canção triste. Era como se algo de ruim
estivesse acontecendo. Deviam falar de coisas alegres e não da solidão e de uma
partida. Logo alguém morreria de depressão, no caso, em breve, seria eu se elas
continuassem com os lamentos em forma de letra.
Minutos depois pararam e o silêncio reinou. Poderia voltar a dormir mais
um pouco, porém pude escutar o cochicho e a voz de minha mãe e de Constância
conversando e preparando algo.
— Bom dia, linda noiva. — Minha mãe se aproximou e beijou minha
testa.
Ah!!! Era hoje.
— Precisamos começar os preparativos — completou.
Respirei fundo ainda de olhos fechados, sentindo meu estômago inteiro
revirar, pesando, indo do quente ao frio por causa da ansiedade.
Se me pedissem para lembrar de como eu não queria que este dia
chegasse há alguns meses, eu não conseguiria falar mais. Agora ansiava por ele
depois que entendi e percebi que meu desejo por Ramon estava se tornando uma
paixão.
Ainda sonolenta abri os olhos e tentei não deixar transparecer o quanto
eu não havia dormido bem, esperando que chegasse logo.
Nem mesmo quando esperei pelas cartas das faculdades que me inscrevi,
me deixaram tanto na expectativa como esse momento.
E logo eu que não o queria de modo algum.
Acredito que sem que eu percebesse, naquela noite, quando vi Ramon
pela primeira vez tudo mudou. Foi quando aceitei meu destino ao reparar
somente nele como homem.
— Bom dia, mamãe — respondi e me sentei, espreguiçando e esticando
meus braços para o alto.
— Ah... minha menina. — O peso da sua voz e as lágrimas presas em
seus olhos a denunciaram.
Por mais exagerada que fosse, entendi perfeitamente como estava se
sentindo, pois eu também me senti assim quando dormi pela última vez no meu
quarto. Era nossa despedida. Depois de amanhã ela iria embora e eu ficaria para
cumprir meu destino.
— Não chora, por favor — pedi carinhosamente.
Emocionada, ela beijou minhas bochechas e deslizou sua mão pelos fios
do meu cabelo.
Minha mãe sempre foi uma mulher intensa e exagerada, mas a dor em
seus olhos e o modo como sua voz saiu embargada dava para entender a
dimensão do momento em que eu deixaria de ser sua filha e me tornaria filha de
Constância e Miro.
Sempre foi assim e sempre será.
— Bom dia, minha princesa! — Constância se aproximou e me abraçou
sorridente e um pouco emotiva.
Não sei o que aconteceu comigo, vê-las ali foi como se tudo encaixasse
como um quebra-cabeça. Elas estavam revivendo o que um dia aconteceu com
elas. Então, mais do que ninguém, sabiam como esse momento seria duro para
mãe e filha.
— Não chora! — Constância disse baixo e afagou minhas costas
enquanto ainda estava abraçada a ela.
Não havia percebido, mas eu estava chorando.
— Não podemos chorar! — retrucou chorosa. — Hoje é dia de festa, o
dia em que nossa princesa vai se unir ao protetor dela.
Ouvi-la citar o que tanto ouvi nos últimos meses me fez lembrar daquela
tarde, quando Nazira disse que já estava escrito pelos ventos que teria que ser
assim.
— Sara, está na hora. Precisamos começar a prepará-la — minha mãe
disse e troquei dos braços de Constância para os dela.
Eu era ciente de que esse momento seria único e por isso pedi para ficar
abraçada a ela um pouco mais.
— Entendemos o que está sentindo. Mas sempre serei sua mãe e sempre
estaremos de braços abertos.
— Obrigada, mãe! — respondi e lentamente fui me afastando de cabeça
baixa, limpando as lágrimas que haviam escorrido em meu rosto.
Não tinha mais volta e toda filha precisa um dia sair do teto de seus pais
para ter o seu próprio. Era exatamente o que estava acontecendo comigo.
Sem me demorar tentei sorrir e levantei da cama, indo até uma mesa para
tomar café.
Constância e outras, junto com minha mãe, organizavam a tenda para me
prepararem.
Elas penduraram o vestido em um canto. Ele era lindo, nada muito
chamativo. Todo o corpete dele era cravejado de cristais incolor. Sua saia era
rodada e tinha uma enorme calda. Sem muitos detalhes e ainda tinha o véu, que
Constância fez questão que fosse bordado à mão.
Certamente este era o vestido mais lindo que havia visto.
O meu vestido de casamento...
E eu seria logo mais apenas de Ramon.
Aquele cigano abusado.
Suspirei fechando os olhos de novo. Nos meus pensamentos escutei sua
risada grossa, desajeitada, e sorri com a lembrança de como tudo estava indo tão
bem entre nós dois. Minha mente foi mais além, viajando até o dia que tive meu
primeiro orgasmo sentada em seu colo. Foi uma sensação imensurável.
Desde aquele dia, eu já não era mais a Sara que queria ser livre, eu havia
me tornado a sua prometida.
Após tomar café tomei um banho em uma banheira improvisada na tenda
ao lado. A água estava tão gostosa e cheirosa que não queria sair mais. Nela
haviam colocado óleos e essências, que segundo uma das mulheres que estava
me ajudando eram feromônios para a noite de núpcias.
Acho que fiquei com vergonha e a vermelhidão das minhas bochechas me
denunciou.
O que foi o motivo da extensa conversa.
As cunhadas de Ramon também estavam lá e aproveitaram para
continuarem com o assunto de como é a primeira noite de sexo de um casal.
Eu sabia como funcionava o sexo, menos na prática, porém me senti
constrangida. Não era com elas que gostaria de ter esse tipo de conversa, mas
elas pouco se importaram com minha timidez.
— Se Ramon for que nem o irmão, Sara estará perdida — Xadia disse,
cutucando o flanco de Pétala.
As duas caíram na gargalhada.
Se soubesse o quanto estava sendo constrangedor teriam piedade de mim.
— Duvido que Sara aguentará Ramon, ele vai reclamar de tudo e vão
acabar dormindo na primeira noite deles. — Flora havia entrado na tenda e
escutou o que elas conversavam.
Mas claro que ela tinha que destilar seu veneno.
Com o passar do tempo comecei a tomar mais cuidado, dias atrás ela
insinuou que eu estava fazendo mexericos entre as outras, na tentativa de colocar
algumas mulheres do acampamento contra mim.
— Acho que não, Flora. Ramon é um homem muito viril.
— Como sabe, Pétala? — Flora perguntou, insinuando maldosamente.
— Eu não sei, Flora. Apenas fiz uma suposição.
— Se ele puxar a Goés vai ser um homem insaciável — Xadia disse e
novamente começaram a rir.
Claro que fiquei com vergonha. O que estariam pensando e imaginando
quando eu e Ramon tivéssemos nossa noite de núpcias.
— Sara, é normal, não precisa ficar acanhada — Pétala me disse
enquanto me ajudava.
Normal ou não, apenas não me sentia à vontade com ela para dividir algo
tão pessoal meu e dele. Porém, elas despertaram minha curiosidade para saber
como era o sexo. Eu era virgem e a única experiência perto de uma relação
sexual foi ter um orgasmo sem perder minha virgindade.
— Preciso te avisar — Pétala olhou para mim e sorriu —, vai doer na
sua primeira vez.
— Como assim? — perguntei, sussurrando para as outra não ouvirem.
— A primeira vez é dolorida, mas garanto a você que das outras vezes
irá gostar muito — ela concluiu.
Será que não poderia apenas ficar com os beijos? Eles já me
satisfaziam muito bem.
— Não precisa ter medo. Não é uma dor mortal. É tão rápido que quando
perceber já estará adorando o ato. Todas nós passamos pelo teste do lençol e
tenho certeza de Ramon será cuidadoso com você.
Se ela pensou que estava me tranquilizando não sabe o quanto me deixou
ainda mais nervosa.
Não parava de pensar sequer de como seria e a cada minuto que se
aproximava do momento para começarem os rituais do casamento mais eu me
sentia nervosa, com as mãos transpirando e minha boca seca.
E se eu não gostasse da minha noite de núpcias? Se os beijos não me
proporcionassem mais as deliciosas sensações que senti?
— Você é a noiva mais linda de todas, Sara — Constância disse me
virando para o espelho.
Deixei que fizesse uma maquiagem mais simples e elegante. Eu estava
com os cabelos presos para prenderem um véu com uma tiara de pedras, iguais
aos cristais bordados em meu vestido branco, conforme a tradição. Como uma
virgem.
— Vocês também — disse nervosa ao vê-las preparadas para o
casamento.
— Mas você é a princesa. É seu dia e seu momento!
— E Ramon? — perguntei.
Não o vi durante o dia todo, nem sequer escutei sua voz por perto.
— Ele está lhe esperando — sua mãe respondeu.
— Eles já estão chegando — Micaela atravessou a entrada, sorridente ao
parar ao meu lado, informando que o cortejo se aproximava.
E dava para ouvi-los aos sons dos bandolins e violões.
— Vai ser uma linda festa — alguém comentou enquanto eles se
aproximavam, ficando ao lado de fora da tenda em que eu estava e logo saindo
com todos, me deixando sozinha.
Nunca estive próximo de uma noiva para saber como funcionava, mas
pelo que me contaram, ainda demoraria um pouco mais. Meu pai e Miro
acertariam os detalhes e o pagamento.
Nos nossos costumes, a mulher quando casa é comprada pela família do
noivo em sinal de respeito e por levar prosperidade para a casa deles. Não era
como se fosse uma moeda de troca, era mais por devoção e respeito. Pois,
acreditavam que estavam trazendo a propagação da família, por isso uma noiva
era algo valioso para a família do noivo.
Eles pagavam e depois brindavam com proska.
E consegui escutar exatamente a comemoração ao lado de fora quando a
cantoria começou novamente. Ela havia parado exatamente quando estavam
negociando.
Em seguida, Miro, meu pai, Constância e minha mãe entraram,
acompanhados da família completa de Ramon, mas não ele. O noivo ficava no
altar preparado por eles, esperando sua prometida.
Porém apenas minha mãe se aproximou e me abraçou.
— Minha princesa, minha Sara. A filha de uma promessa. Hoje você vai
embora da minha casa para ter a sua e assim será um dia com suas filhas — fez
uma pausa e pude sentir sua voz ficar embargada —, quando nasceu, eu te banhei
com as moedas para que te enriquecesse com sabedoria, prosperidade, saúde e
muitas alegrias, eu te limpei nas águas cristalinas para que seu destino e seus
caminhos fossem sempre leves e fáceis e hoje eu te chamo pelo seu primeiro
nome. Aurora! Aquela que é o primeiro raio de sol. Você foi como um sol na
minha vida, que sempre a iluminou — minha sussurrava enquanto o choro e as
lágrimas se acumulavam, prontas para extravasar.
Ela continuou...
— Um dia será sua vez de dar o primeiro nome da sua filha, aquele que
os ventos levaram, por isso eu quis que você se chamasse Aurora, a primeira a
irradiar vida. Que você seja muito feliz. E nunca se esqueça que você é Aurora e
Sara, a luz de uma linda princesa — ela se afastou ao terminar de me falar e
segurou meu rosto entre suas mãos —, vá, sua nova família a espera — concluiu
em voz alta.
Miro se aproximou e segurou minha mão, beijando o dorso dela.
— Eu te recebo, Sara, como minha filha — ele disse e entregou minha
mão para sua esposa.
— Sara, eu te recebo como minha filha — Constância repetiu as falas e o
gestos que o marido fez.
— Pai? — Olhei para o lado e meu pai apensa sorriu, levantando suas
mãos para o alto na minha direção.
— E eu lhe dou a minha bênção.
Ele se aproximou, segurou minha mão e como parte dos costumes dançou
comigo a mesma canção que cantaram hoje pela manhã.
Eu tinha razão. Ela falava sobre uma despedida.
Abaixei meu rosto para o chão escondendo minhas lágrimas que se
tornaram incontroláveis.
Era um misto terrível de sentimentos, como de perda, de angústia.
Eu deixei de ser quem eu era e não imaginei que seria tão doloroso
assim.
— Não chore, minha querida. Eu sempre serei sua amiga e farei de tudo
por você e meu filho — Constância me consolou enquanto meus pais se
distanciavam, saindo primeiro da tenda.
— Precisamos ir. — Miro segurou minha mão e antes de sairmos para
encontrar Ramon tive que cumprimentar todos os da família. Inclusive Flora, que
fez questão de mostrar quem realmente ela era.
— Traidora, ladra! — cochichou enquanto me abraçava.
— O que disse? — perguntei sem entender o que estava querendo dizer
ao me ofender. Porém não tive tempo de questioná-la, eles me conduziram para
fora da tenda, me levando até o local do altar.
O acampamento estava todo adornado com flores e lamparinas acesas.
Segura no braço de Miro, olhei para trás e vi meus pais de braços dados,
cantarolando antigas canções em romani. Eram canções alegres e, ao mesmo
tempo, com notas tristes, uma despedida para o amor.
Ao me aproximar do local, não consegui acreditar em como tudo estava
tão lindo.
Cada detalhe foi preparado como queria. Constância fez tudo do meu
gosto. Leve, simples e delicado.
— Obrigada! — agradeci a Miro quando nos aproximamos do enorme
caminho de rosas.
— Precisamos comemorar, acabei de ganhar uma nova filha — ele
respondeu e apertou minha mão que estava em seu braço, dando uma leve
batidinha.
Mesmo triste por deixar para trás minha família e tudo que sempre quis,
não consegui esconder meu sorriso e muito menos a felicidade que foi ver
Ramon, parado em pé, com as mãos para trás, me esperando no fim do caminho
de flores.
Ele estava lindo dentro de um terno preto e com a camisa da mesma cor.
Seus cabelos estavam alinhados e presos e na lapela do seu blazer tinha um
botão de rosa vermelho preso.
Respirei fundo e sorri, devolvendo seu sorriso encorajador.
Na verdade, eu não precisava de nada disso, só queria correr até ele e ter
certeza de que ele foi a minha melhor escolha. Me dei conta que eu estava
realmente apaixonada por ele. Já não tinha mais o porquê olhar para trás se
estava me esperando.
— Você está linda! — Ramon moveu seus lábios quando me aproximei,
me fazendo relembrar de como tudo começou, do nosso primeiro beijo e de
quando me senti especial em seus braços e até da forma que gostava de me
irritar.
Não era paixão, e sim amor.
Então, ele deixou seu lugar e caminhou, vindo de encontro a mim.
— Está linda, uma verdadeira princesa! — disse baixo ao pegar minha
mão primeiro e beijar o dorso. Em seguida repetiu o beijo casto ao levantar meu
véu e selar minha testa em sinal de respeito.
— Obrigada! — agradeci e segurei sua mão.
As minhas estavam suadas e frias. Era todo o nervosismo e como se
adivinhasse, Ramon segurou bem forte, entrelaçando seus dedos nos meus, me
transmitindo confiança.
O rito do casamento foi feito por um padre, mas antes Miro realizou a
união de sangue. Parte também dos costumes. Ele cortou nossos pulsos e, onde
cada um havia sido cortado, nos unindo enrolando uma faixa ao redor.
— Eu os uno, na carne, no sangue e no amor — proferiu após amarrar,
deixando nossos braços presos um no outro por toda a cerimônia.
Após seu discurso, juramos lealdade, respeito, mesmo que as
dificuldades surgissem em nosso caminho. Em seguida o padre assumiu e
terminou a cerimônia com o famoso: eu os declaro marido e mulher.
Não nos beijamos como queria, mas pude sentir seus lábios quentes e
úmidos encostando-os nos meus.
Ainda não podíamos manter uma intimidade de casal, apenas
pertencíamos um ao outro, tínhamos que nos resguardar até o momento nupcial.
Capítulo 19
Já havia se passado mais de dois meses do aborto e com isso tive que
fazer retornos à médica que Ramon fez questão de escolher. Fomos informados
que minha chance de engravidar reduziu para cinquenta por cento, pois agora eu
só tinha uma trompa e um ovário. No início fiquei triste, mas com os dias e com
tudo que Ramon fazia questão de me explicar, fui deixando a ansiedade de lado e
prometi a mim mesma que se fosse para ser mãe eu seria no tempo que fosse
destinado, e não me preocuparia mais com isso. Ramon também compartilhava
da mesma opinião que eu.
O que me deixava às vezes triste era nos momentos em que me reunia
com as outras mulheres do acampamento e em algumas estava Esmeralda, que
fazia questão de ficar me espezinhando e fazendo piadinhas sobre meu aborto.
Confesso que tinha horas que me dava uma vontade louca de esbofetear a cara
dela, mas minha sogra sabendo que isso poderia acontecer intervia, mandando
ela calar a boca.
Esses dias estava eu e Ramon fazendo amor durante a tarde e não
fechamos as cortinas e foi quando notei algo estranho. Quando percebemos do
que e de quem se tratava, a vimos escondida, Esmeralda estava nos espionando.
Depois desse episódio, Miro proibiu qualquer um de se aproximar do lago e
declarou que aquele pedaço do terreno era meu e de Ramon a partir daquele dia.
Não consegui dormir, estava com Sara e seus longos cabelos ondulados
esparramados em meu peito, mas o sono não vinha.
O que aconteceu conosco ontem à noite?
Que Sara era o amor da minha vida eu não tinha dúvidas, mas ver Alina
ali, em carne e osso, me fez remoer minhas maiores transgressões culturais.
Jamais pensei em reencontrá-la, ainda mais estando na presença de Sara,
o que me perturbou foi o fato dela falar que estava atrás de mim há dias e que
precisava muito conversar comigo em particular e foi nesse exato momento em
que Sara aproximou e fui tomado pelo medo. Não seria bom ela saber do meu
envolvimento com outra mulher no passado.
Um dia conversamos e disse que eu já tinha saído com algumas pessoas,
mas deixei a entender que não passou disso e se soubesse o quanto me envolvi
com Alina a ponto de não querer me casar com ela, indo contra todos da família,
não me restaria mais ter sua confiança e cumplicidade.
A mulher na faculdade ficou para trás, quando ela esbofeteou meu rosto
no momento em que me abri e fui sincero. Estava disposto a tentar com ela, mas
Sara tomou tudo para si, tirando qualquer possibilidade de querer outra mulher
além dela.
Eu a amava.
Foi passo-a-passo. Aceitei meu destino, me apaixonei e o amor veio.
Agora que estava bem ao lado da minha prometida, vivendo tranquilamente, meu
passado retorna como um fantasma para me assombrar, me lembrando de que
histórias inacabadas haviam ficado em aberto.
Não conseguia parar de pensar no que Alina me disse. Parecia urgente,
ela não viria me procurar se não fosse.
Mas como dizer a Sara que preciso ir à cidade de novo?
Ela não era boba, sei que ficou desconfiada com a presença de Alina, seu
olhar e suas atitudes a denunciaram.
Queria poder contar tudo, porém o medo de perdê-la era assustador e
muito maior.
Aproveitei que não havia dormido e deixei Sara entre os lençóis de
algodão branco e iria descobrir o que tanto Alina precisava falar comigo. Sei
que poderia simplesmente ignorar, mas algo estava muito estranho, conhecendo-a
como conheci e depois da briga que tivemos quando terminamos, ela jamais
voltaria atrás se não houvesse algo de importante.
Ontem transar com Sara dentro do lago foi diferente, só reafirmou esse
sentimento nobre que aprendemos a dividir. Era algo transcendente, como se
estivéssemos há muitos anos juntos. Ela se tornou a pessoa mais importante para
mim. Perdê-la estava fora de cogitação, mas estava preocupado.
Levantei e fiquei por um tempo observando como dormia tão tranquila e
me senti culpado por deixá-la sem avisar aonde ia.
Eu não a trairia, mas precisava saber.
Dirigi para a cidade, indo direto ao hotel que Alina me passou o
endereço. Chegando lá pedi na recepção que a chamassem e assim que o
recepcionista confirmou, pegando o telefone, encaminhei-me até uma das
poltronas que tinha ali; no tempo que demorou até ela vir fiquei reparando na
mobília um pouco desgastada, no tapete esfolado e gasto de tanto as pessoas
passarem em cima.
O que será que ela queria tanto para vir atrás de mim e ficar
hospedada numa espelunca como essa?
Não que eu me importasse com essas coisas, mas não estava me sentindo
à vontade ali e talvez fosse essa sensação que tivesse deixado meu olhar mais
crítico.
Por alguns minutos fechei os olhos lembrando dos gemidos e do contato
com o corpo de Sara e fui tirado desse devaneio pela voz da loira à minha frente.
Quando abri os olhos fiquei encarando-a sem dizer nada e ela me devolvendo o
olhar da mesma forma.
— Achei que não viria — ela informou.
Tentei esboçar um sorriso, mas algo não estava normal em tudo isso.
— Por que achou que eu não viria?
— Por causa da sua esposa.
— Ela não sabe que estou aqui — deixei claro a real situação e fiquei
pensando que meses atrás estava desesperado de saudade dela, mas com ela ali,
na minha frente, não tinha mais esse sentimento.
— É melhor mesmo, porque o que temos para resolver pode ser que ela
não goste. E não quero atrapalhar vocês. — Senti um leve ressentimento em sua
voz.
— Alina... — me levantei, ficando frente a frente com ela —, eu me casei
faz 10 meses, era com Sara que já haviam planejado com quem me casaria.
— Não precisa me dar satisfações, Ramon. Vocês formam um lindo casal.
Que situação constrangedora.
Eu e minha ex falando de meu casamento.
Decidi ir direto ao ponto e o motivo pelo qual veio atrás de mim.
— O que precisa falar comigo depois de um ano?
Estávamos parados no centro da recepção e antes que ela falasse algo
achei melhor sairmos dali.
— Vamos conversar lá fora. — Sem esperar sua resposta virei e saí do
hotel indo em direção a minha caminhonete estacionada na vaga à frente.
— Não vou entrar com você em seu carro — ela afirmou ressentida.
Parei e fiquei olhando para Alina, sua fisionomia era a mesma de fúria
quando informei que não poderíamos ficar juntos e contei sobre Sara.
— Tudo bem! Só não quero conversar na frente de outras pessoas nos
observando.
— Por que tem medo? Teme que sua esposinha fique sabendo? — Alina
mudou seu tom calmo para contrariado.
— Claro que não. De onde tirou isso? — Estranhei a pergunta fora de
contexto dela.
— Por que então não contou a ela sobre vir aqui?
— Porque não quero deixá-la triste, Sara acabou de sofrer um aborto e o
que menos quero é vê-la chateada. Só isso e não tem um porquê.
Alina fechou os olhos e suspirou.
Ainda continuava uma bela mulher, mas não despertou em mim o desejo
que um dia tive.
— Ramon, nós temos um filho!
Acho que fiquei em choque e não sei ao certo quanto tempo demorou para
que eu voltasse a falar e raciocinar.
— Como assim, Alina? — Não foi uma simples notícia, ela veio e jogou
uma bomba nas minhas mãos.
— Temos um filho, Ramon. E ele tem cinco meses. Por isso vim atrás de
você, pois meus pais me colocaram para fora de casa e eu preciso de ajuda.
Minha boca secou e amargou.
Como assim, um filho com Alina?
E mentalmente comecei a fazer as contas da idade da criança e do tempo
que ela saiu da faculdade, fiquei mais em choque constatando que coincidia com
a data em que estivemos juntos.
Sem saber como reagir, passei a mão pelo cabelo jogando-os para trás,
andando de um lado ao outro, preocupado com o que acabou de me contar.
Era muita coisa para absorver que mal consegui encará-la de novo. Em
meus pensamentos apenas vinha Sara e a reação que poderia ter.
— Eu não viria, Ramon, mas eu não tenho mais a quem recorrer, meus
pais me mandaram embora. — Parei, olhando-a pelo canto dos olhos ao ficar
parado ao seu lado encostado na lataria da caminhonete.
— Você não faz ideia do problema que eu vou ter!
— Problema? Meu filho não é um problema, você também tem parte em
tudo, não sou culpada. — Senti seus punhos fechados batendo em meu ombro me
tirando um pouco do lugar.
Sim, um filho não seria o problema, mas tudo ia muito mais além do que
poderia pensar. Não seria tão simples para mim. Eu era casado e estava
completamente apaixonado por Sara.
Um filho mudava tudo. Tudo que eu queria que fosse tão normal.
— Alina, as coisas para meu povo não funcionam assim. — Comecei a
me desesperar ao pensar em tudo que estava em jogo.
Não que estava negando meu filho, mas me vi em uma encruzilhada, sem
saber qual rumo tomar.
Envolvia muitas coisas das quais se Alina não entendeu antes, jamais
entenderia.
Eu tinha um filho com uma mulher de fora do nosso povo. Ele foi
concebido enquanto eu tinha um compromisso de honra com Sara.
Isso significava que agi errado conforme nossos costumes.
— Não sabe o quanto é complicado. Meu povo não aceitaria essa traição
— comentei desesperado.
E não queria jogar toda essa culpa em ninguém, muito menos na criança e
Sara.
— De novo com essa história de tradição. Qual é, Ramon, vai me deixar
criar nosso filho sozinha?
— Claro que não. — Respirei fundo ao levar a mão às têmporas e
massageá-las.
Precisava pensar em como conduzir tudo isso, pois falar que estive com
uma mulher antes de Sara era o mesmo que traí-la. Teria que pagar pelos meus
atos e isso incidia que eu fosse banido como o costume mandava. Não me
perdoariam.
E Sara?
— Está com medo do que sua mulher vai falar?
— Isso é um assunto no qual não quero falar, Alina — respondi rude.
Fui surpreendido por Alina parar a minha frente e tentar me beijar, mas a
afastei no mesmo momento que a senti muito próxima, me prensando contra o
automóvel.
— Você não me ama mais, Ramon? — O misto de raiva e desespero
estava estampado na sua voz.
Um dia achei que a amava, mas o que sinto por Sara ultrapassava, indo
muito mais além.
— Alina, não faz isso — a repreendi.
— Um dia você disse que me amava — sua voz era chorosa e a imagem
humilhante.
— Um dia sim, mas hoje amo minha esposa.
— Você é pior que qualquer outro homem. — Segurei seus pulsos
fechados que me atacavam esmurrando meu peito.
Afastei-a com cuidado para não a machucar.
— Você é louca, Alina. Eu te avisei que eu tinha um compromisso desde
quando Sara nasceu. Você nunca vai entender.
Estava tudo muito conturbado saber que eu era pai de um menino e agora
Alina me cobrando amor, complicou ainda mais.
— Cadê o menino? — Tentei desviar o assunto, mas ela não estava
disposta a deixar para lá.
— Você me prometeu tantas coisas.
— Foi antes de você sair daqui e me deixar falando sozinho com um tapa
na cara. — Virei de costas e dei um tapa na lataria do carro com raiva.
— Mas antes não tinha o Túlio. Você não faz ideia do que tenho passado,
estou aqui com a ajuda de uma tia, porque não consigo emprego e meus pais
viraram as costas para mim. Agora tenho que aguentar você ficar na defensiva
por causa da sua ciganinha. — Não gostei da maneira como ela se referiu à Sara.
Como se ser cigano fosse uma afronta.
— Não se refira à Sara assim — rebati com fúria.
— O que ela vai dizer quando souber que você tem um filho?
Não queria pensar e tentava a todo custo bloquear quaisquer
pensamentos, pois eu sei que haveria uma punição à minha transgressão mediante
ao meu povo e isso afetaria meu casamento.
Fiquei em silêncio pensando em como resolver toda essa situação.
— É o que eu pensava, Ramon. Você não vai contar para ela. — Não sei
como havia chegado nessa conclusão, talvez minha fisionomia me denunciou, e
sim, não estava cogitando a ideia de revelar nada a ninguém, mas também não
poderia ser um covarde e esconder meu filho.
— Me deixa pensar no que vou fazer. Está precisando de dinheiro ou
alguma coisa? — Ela ficou me encarando.
— Sim, da minha dignidade! Você sabe onde me encontrar se quiser
conhecer seu filho, mas só venha se todos da sua família souberem dele, caso
contrário, esqueça que você ajudou a colocar uma criança no mundo — ela
terminou de falar e me deu as costas, retornando ao hotel.
Fiquei um tempo parado olhando para a entrada do lugar tentando
encontrar uma solução.
Conhecendo-a como eu conheço, Sara jamais vai me perdoar, e eu tinha
um filho, alguém que tinha parte de mim e que meu sangue corria também em suas
veias. Era muita coisa para relacionar.
Deixei a cidade e retornei ao acampamento um pouco depois do almoço,
fiquei vagando pela cidade procurando por respostas e de como eu poderia dar
um jeito nessa situação.
Depois de mais de um ano rever Alina só me trouxe arrependimento pelo
nosso envolvimento; queria conhecer meu filho, mas isso poderia colocar minha
vida tranquila com Sara em risco.
Quando estacionei a caminhonete, fui direto procurar por Sara. Eu me
peguei parado no deque olhando ao longe pela extensão do lago lembrando da
noite anterior.
Ela ainda estava se recuperando da perda do nosso filho, um filho que eu
queria ter com ela, e não com Alina.
Como a vida era ingrata.
Antes de ver Sara resolvi ir atrás de minha tia, ela sempre dizia nas
cartas que eu viveria um grande amor e agora isso, não que a criança fosse um
problema, mas para nós ciganos era uma traição e isso significava que poderia
ser o fim de tudo.
Em vez de encontrar minha tia, acabei encontrando com minha mãe.
— Oi mãe! — Aproximei e beijei sua mão em respeito.
— Sara estava te procurando. Onde estava? — Imaginei que Sara quando
acordasse e não me encontrasse estaria por aí pelo acampamento à minha
procura.
— Fui até a cidade, tinha umas coisas para resolver — respondi objetivo
não entrando muito no assunto.
— Aconteceu alguma coisa com vocês? — Ela arqueou a sobrancelha,
demonstrando certa desconfiança.
— Não! Por quê?
— Por nada, só sinto que algo está estranho, Sara estava com uma
carinha de choro hoje, achei que pudessem ter brigado.
— Não brigamos, ela está onde? — A visita à tenda de minha tia
esperaria.
— Ela está com sua tia.
Fiquei apreensivo em saber que Sara estava na tenda da minha tia e sem
perder tempo fui até lá.
Capítulo 24
Acordei procurando por Ramon, desde que casamos não tinha um dia
sequer em que acordávamos e não fazíamos amor, a não ser nos dias em que
fiquei de repouso, mas nos outros eram todas as manhãs sem exceções.
Nua, me enrolei no lençol branco e andei por toda o local à procura dele,
chamando por seu nome, mas nenhuma resposta.
De certo Ramon deveria estar lá fora. Me troquei colocando o primeiro
vestido que achei e ajeitando os cabelos com os dedos prendi-o no alto e lavei o
rosto terminando de realizar minha higiene íntima pela manhã. Em seguida, saí a
sua procura e não o encontrei em nenhum canto, mas dei de cara com Nazira. A
forma como ela me olhou e me convidou a tomar um café em sua tenda me deixou
intrigada, fazendo com que eu esquecesse que procurava seu sobrinho.
Assim que me serviu uma xícara com o líquido quente, a mulher que
sempre vestia vermelho dos pés à cabeça sentou no banco à minha frente.
— Vocês foram feitos um para o outro, mas nem sempre o futuro diz que
vão ser, a promessa se cumpriu, mas o destino traçou novas linhas que
confundirão todo o entendimento — ela foi enfática.
Mas o que ela estava querendo me dizer? Será que estava falando
sobre o que também estava sentindo.
Pensativa olhei para o lado, absorvendo suas palavras de modo negativo.
No entanto, por que ela estava me dizendo isso logo agora?
Voltei a encará-la e fui abrir a boca para perguntar o que estava
acontecendo, mas ela continuou:
— Talvez seja uma longa jornada; o protetor nem sempre estará por
perto, e a princesa o que sempre quis ela terá.
Nazira me olhou séria e sem desviar seus olhos do meu bebeu seu café e
levantou-se, indo na direção da saída da sua tenda.
— Já está na hora de ir, Ramon está procurando por você. Aproveite os
momentos, pois assim como esses vão demorar a se repetirem.
Engoli em seco e tentando juntar as entrelinhas e organizá-las não
agradeci, apenas me despedi apreensiva.
Andei pensativa, precisando conversar com Constância, só não reparei
por onde andava esbarrando nele. Não precisei levantar a cabeça para saber que
era Ramon ali à minha frente.
— Sara! — sua voz grossa fez com que eu erguesse os olhos e
encontrasse com os seus. — Estava te procurando.
— Eu também estava — respondi ainda inquieta.
— Não a encontrei lá na cabana.
— Vim te procurar, não vi a caminhonete estacionada e não te achei.
Onde estava? — perguntei curiosa.
Ramon comprimiu os lábios e não me respondeu.
A tensão no seu olhar mostrava que havia algo de errado.
— Fui até a cidade.
— Mas não me disse que precisaria sair cedo assim para ir lá.
— Havia me esquecido de comprar um remédio para tia Nazira.
Franzi a testa estranhando não saber nada sobre o medicamento, sendo
que havia acabado de sair da tenda da tia dele.
— Estava com ela. Ela me disse um monte de coisas...
— O que ela disse? — Contei a ele e sua atitude em resposta ao que
revelei me deixou preocupada.
Ramon sempre que estava perto fazia questão de estar me tocando, era
praticamente assim o dia todo, mas agora estava diante de mim, me olhando com
tristeza.
Cruzei os braços.
— Por que está assim? — o questionei, estranhando sua atitude.
— Assim como, Sara? — A musculatura do seu rosto sofria espasmos
comprimindo e apertando os dentes.
— Você está estranho. Só me chamou por Sara, chegou próximo a mim e
está parado na minha frente como se não fôssemos casados.
— O que você quer? Que fiquemos agarrados a toda hora? — Abri a
boca para responder-lhe, mas fechei não entendendo a forma grosseira como me
respondeu.
Ficar me agarrando e estarmos abraçado nunca teve hora e por que
agora ele estava assim?
— Sara! — seu tom de voz diminuiu mostrando que se arrependeu da
resposta que me deu.
Mas era tarde.
— Me deixe, Ramon, vá levar o remédio da sua tia. — Passei por ele
esbarrando, retirando-o do meu caminho e em vez de ir ao encontro de
Constância preferi voltar para o lago.
Antes que me afastasse senti um forte aperto no meu braço travando meus
próximos passos.
— Me desculpe. — Não me virei e soltei meu braço de sua mão.
Retornei à cabana e fiquei sozinha ali boa parte do dia inquieta, pensando
em tantas coisas.
Já era fim de tarde quando escutei seus passos. Estava sentada com os
pés dentro da água balançando-os e contemplando o pôr do sol, ainda remoendo
o que Nazira me disse e na forma como Ramon se distanciou de mim o dia todo.
Sem respostas, inconformada me lembrei que Ramon havia mudado
desde o encontro com aquela mulher na farmácia ontem.
— Sara! — ouvi me chamar bem próximo a mim, olhei por cima dos
ombros e o vi parado.
O encarei, procurando entender o que estava acontecendo.
— Precisamos conversar, mas primeiro vamos comer algo, trouxe um pão
que minha mãe fez agora há pouco.
Fiquei parada e não respondi.
Não estava com fome alguma, aliás, não quis comer nada o dia todo. Me
senti péssima. Eu não havia feito nada para ele ter falado comigo daquele jeito.
Desde o dia que meus pais me deixaram ali, casada, eu só o tive para ser
minha companhia constante e não pude reclamar até hoje mais cedo quando me
tratou rudemente, me deixando triste.
O que fiz para que me tratasse desta forma?
— Não estou com fome, obrigada — agradeci.
Tentei mostrar pelo menos gentileza ao contrário do que fez comigo.
— Por favor, Sara! Ainda está se recuperando, estou preocupado.
— Não pareceu que estava hoje mais cedo — respondi ressentida e virei
o rosto voltando olhar para o lago.
Sei que não poderia deixar transparecer que fiquei chateada, mas estava
magoada para aguentar essa mudança de humor dele. Antes me tratando como se
eu não fosse nada sua e agora com preocupação.
— Não faz assim, me desculpe. — Senti Ramon agachando nas minhas
costas e me abraçando, jogando um pouco de seu peso em mim. — Vida!
Não queria que ele me abraçasse naquele momento, doeu muito como
falou. Ele não tinha motivos para ter falado comigo daquela maneira. Na sua
ótica poderia ser algo pequeno, mas sua grosseria foi o bastante para eu passar o
dia pensando em tudo que estava acontecendo comigo nesses últimos dez meses,
afinal: tive um aborto há dois meses e isso ainda mexia comigo, mesmo que eu
não dissesse isso a ele ou a minha sogra, mas me sentia insegura e triste por
saber que falhei de alguma forma como mulher.
A médica disse em meu retorno para a consulta que não tinha nada a ver
com a forma que eu estava pensando, talvez ela tivesse razão, mas hoje me
peguei novamente refletindo sobre esse ponto.
Sua respiração estava pesada indo de encontro ao meu pescoço.
— Está calada. Fala comigo, vida! — Não estava nem um pouco a fim de
falar com ele, só queria que terminasse esse dia logo.
— Por favor, Ramon, me deixe quieta aqui mais um pouco — pedi sendo
direta e um pouco fria.
— Preciso de você agora mais que nunca — ele me disse pesaroso.
Mantive o silêncio, dando a entender que ainda mantinha minha vontade
de ficar sozinha, porém o que veio a seguir me tirou toda a necessidade de estar
ali com ele...
— Eu tenho um filho!
Seus braços ainda me circundavam, talvez se não estivesse ali eu teria
caído dentro da água com a notícia que acabava de receber.
Comecei a buscar o ar sentindo meu coração se tornando cada vez menor
e espremido pelos pulmões que se dilatavam buscando mais espaço para eu
conseguir tentar respirar melhor.
Ramon tinha um filho...
Como assim? Ele chega aqui e fala com essa naturalidade?
Não sei o que aconteceu comigo pela forma que tratei Sara.
Eu amava meus dias na sua presença, eu sentia a necessidade de tocá-la a
todo momento, era como se eu estivesse prevendo que a calmaria traria uma
grande tempestade. Foi como se uma grande nuvem cinza se instalasse sobre
minha cabeça.
Sara era para mim o sol que raiava todas as manhãs.
Arrependi-me no mesmo instante da maneira como falei com ela e depois
disso sei que seria difícil nossa convivência no dia de hoje, por isso, preferi me
manter mais distante e deixar as coisas ficarem amenas e quando achei viável fui
direto ao seu encontro.
Decidi me acertar com ela primeiro antes de contar. Não poderia
esconder dela. Ela era a que menos tinha culpa em tudo. Seria injusto!
Cometi erros, só precisava que ela me entendesse e seguiríamos em
frente. Eu não abandonaria meu filho e sei que Sara me perdoaria.
Porém não previ seu silêncio...
Ainda abraçado a ela, senti suas lágrimas molhar e parar em meus
braços. Me senti um miserável e infeliz, trouxe a ela tristeza e dor.
Sara ficou imóvel e sua respiração se tornou profunda entre os soluços de
choro.
— Eu preciso de você. — Encostei minha testa em sua cabeça ainda
mantendo meus braços ao seu redor.
— Por favor, me deixe! — sua voz estava baixa e embargada.
— Não! Preciso muito de você, Sara. Você é minha vida. Fala comigo,
por favor!
Precisava apenas que me dissesse que ficaria tudo bem, mas sei que não.
Ela estava calada e isso não significava que tudo daria certo.
Não quis soltá-la e contar com a sorte, Sara era imprevisível e talvez se
a soltasse nunca mais poderia tê-la em meus braços.
— Por favor, me deixa sozinha.
Eu não a deixaria antes de conversarmos.
Sara escondeu seu rosto nas mãos e pude sentir a intensidade como seu
corpo reagia ao chorar dolorosamente.
Eu me odiei mais que tudo. Era um miserável por fazer meu grande
amor sofrer.
Sei que no mundo é comum o homem ter filhos e se relacionar com
mulheres que não fossem mãe de seus filhos, mas com os ROM não era bem
assim. Fomos criados para respeitar nossas mulheres, endeusando-as e viver
com elas, unicamente, até no dia que um de nós fechássemos os olhos e foi assim
que esperei quando fiquei sabendo que Sara seria minha, desejei e estaria aqui
para fazê-la feliz por todos os dias de nossas vidas. Mas agora tudo estava tão
incerto, sem um destino traçado.
Agindo pelo impulso a peguei no colo, deixando que meu abraço a
trouxesse para mim e desajeitadamente a ergui no ar. Imaginei que fosse
espernear e estava pronto para não deixá-la cair. No entanto, ela escondeu seu
rosto em meu peito.
Carreguei-a até nossa cama e a coloquei com cuidado no centro e quando
achei que fôssemos ficar face a face, ela me deu as costas virando de lado e se
agarrando a um dos travesseiros. Fiquei ajoelhado ao seu lado sobre o colchão
esperando por uma brecha para conseguir olhar em seus olhos e dizer que
lamentava por essa situação e o quanto a amava.
Contudo, as horas passaram e Sara somente respirava e soluçava
engolindo o choro. Nada de se virar. Eu já havia mudado de posição, ora
sentando outra deitando atrás dela, moldando seu corpo delicioso ao meu.
Senti quando adormeceu e já era bem tarde quando minhas pálpebras
pesaram e eu adormeci, não ousei abraçá-la, fiquei somente sentindo sua
presença e não quis invadir o seu espaço naquele momento.
Quando dei por mim já estava amanhecendo e acordei sozinho ali na
cama.
Sara me abandonou.
Desesperado, não perdi tempo e levantei quando não a achei ao meu
lado. Saí por toda a extensão da nossa casa procurando e chamando, mas ao sair
dei de cara com meus pais e ela sentados ao redor do fogareiro externo.
— Pai e mãe?
Minha mãe até então estava segurando Sara, as duas estavam sentadas
lado a lado. Ela confortava minha esposa. E meu pai estava de cabeça baixa
apoiada nos cotovelos.
— Aconteceu algo? — perguntei, ciente do motivo de eles estarem ali.
Ajeitei-me e me aproximei mais.
— Acho que tem respostas a dar — minha mãe disse séria ainda
abraçando Sara.
Meu pai ergueu a cabeça e me encarou.
Os olhares deles já diziam que estavam sabendo, Sara deve ter ido contar
a eles e nós dois não tínhamos conversado ainda.
— Precisamos conversar, Ramon — a voz de meu pai saiu dura e
imponente.
— Sim, senhor! Mas queria falar com Sara primeiro. — Me aproximei
dela, mas como um modo protetivo minha mãe a apertou mais em seus braços.
— Deixe-a, Ramon. Ela não quer falar com você.
— Sara, fala comigo, por favor. — Ignorei minha mãe.
No entanto, ao invés de me olhar, Sara se aninhou ainda mais,
escondendo seu rosto.
Eu a perdi!
Sara não me perdoaria. Para nós trair o cônjuge era um crime gravíssimo
e eu a traí enquanto éramos noivo.
Às vezes esse costume me indignava a ponto de pensar que vivemos
ainda em um tempo arcaico, porém nunca questionei, mas agora para encobrir o
que tinha feito eu pensei seriamente.
Talvez se conversasse com ela, explicasse o que realmente aconteceu,
poderíamos ir embora e viver bem longe daqui. Ajudaria Alina com a criança e
se aceitasse poderíamos passar mais tempo com ele. Era tudo uma teoria que eu
criava e tinha fé para que desse certo, só precisava que Sara me escutasse.
— Ela não está em condições de escutá-lo. Estamos decepcionados com
você, meu filho. Sara não merecia isso. Converse com seu pai, é o que temos
para te oferecer. — Tentei me aproximar, mas parei no meio do caminho quando
senti o braço de meu pai me barrar.
— Deixei-a.
Sei que seria banido, o olhar pesado dele era sinal que tinha tomado uma
atitude.
Resolvi que seria melhor conversar, talvez não fosse nada daquilo que
estava temendo.
Apontei a ele para entrarmos na cabana. Fomos até onde era nosso quarto
e sentei na cama deixando minha cabeça pender em minhas mãos apoiando meus
cotovelos em meu joelho.
— O que você foi fazer, Ramon?
Somente olhei, não tinha explicação para o que ele perguntou.
— Acabou com sua vida e de Sara. Por que fez isso?
— Foi na faculdade há mais de um ano. Não achava que me casaria com
Sara em breve. Eu não sabia da criança.
— Você foi ao contrário de tudo que zelamos, meu filho. Mesmo que Sara
o perdoe nosso povo não vai aceitar que abriguemos um transgressor de nossas
regras. Nossas mulheres são nossas rainhas e jamais devemos ter contato de
corpo com outra mulher a não ser com aquela que fomos prometidos.
— Eu jamais imaginei que ela fosse ficar grávida — justifiquei.
Senti meus olhos arderem já imaginando o que aconteceria.
— Eu e sua mãe recebemos Sara no meio da madrugada nos pedindo para
ir embora daqui e nos contou que você tinha um filho.
— Não consegui falar com ela depois disso, pai, Sara não falou mais
nada em horas comigo. Eu deveria ter escondido.
Talvez se eu escondesse dela sobre a criança eu não estaria aqui agora,
dilacerado sabendo que a perdi.
— E nem vai falar, Ramon, sou seu pai, para o que fez não tem conversa,
você vai embora daqui ainda hoje.
— Como? — Levantei franzindo o cenho não compreendendo como ele
poderia fazer isso.
— Eu estou banindo você. Não pense que não está doendo em mim ter
que mandar meu próprio filho embora. E Sara não vai com você.
Meu mundo desabou ali na minha frente nesse momento, me senti
soterrado, enterrado com minhas próprias falhas.
— O senhor não pode me impedir de levar minha esposa comigo, posso
até ir embora, mas ela vai junto — falei por impulso.
Jamais deixaria Sara para trás, era meu direito querer ficar com ela para
o resto da minha vida.
— Eu paguei pela noiva, Sara é da nossa família, Ramon. Deixarei você
levar seu carro, mas todo o dinheiro que tem é dela. Você a manchou por toda sua
vida. E esteja ciente que nem o nome Rosberg você poderá usar mais.
Meu pai dizia tudo sem demonstrar uma reação de perda, eu era seu filho
e ele mesmo assim estava me banindo, procurava entender que era o líder, mas
essa obsessão pela tradição e cultura me revoltava.
— Pai, por favor me deixe falar com Sara — implorei desesperado.
Eu precisava falar com ela. Se ela me mandasse embora eu aceitaria,
pois errei foi com ela.
— Ela não quer. Você não só destruiu a vida dela, mas a sua também.
Não quero vê-lo por perto, não chegará mais perto dela. A deixe em paz. Sara
não merecia, ela deixou de sonhar por você.
Fechei os olhos e abaixei a cabeça me sentindo impotente, não passaria
por cima do meu pai, eu havia desrespeitado tudo aquilo que ele tanto me
ensinou.
Dei as costas sentindo vontade de que minha vida fosse interrompida ali
e não reparei que ele havia me deixado sozinho. Quando fui atrás, voltando para
a área externa, vi meus pais subirem abraçados com Sara, me deixando ali para
recolher meus pertences pessoais e ir embora.
Acovardado, eu a deixei ir e sabia que não a veria mais.
O que faria da minha vida?
Eu destruí a minha e a dela junto.
Fui um completo covarde.
Capítulo 25
Um mês depois
— Alina eu não quero nada com você, me desculpa. Só estou aqui por ele
— repeti o que vinha dizendo desde que deixei o acampamento.
No dia em que fui banido apenas peguei um pouco de roupa, minha
caminhonete e deixei tudo para trás. Não queria, mas fui obrigado e sei do que
meu pai seria capaz para cumprir a tradição do nosso povo. Porém, dia após dia,
eu pensava seriamente em ir escondido e dar um jeito de Sara me escutar. Talvez
ela estivesse mais calma e me entendesse. Eu ainda a amava muito e jamais
amaria outra mulher.
E deixei bem claro isso a Alina, quando vim conhecer meu filho.
Eu estava aqui por ele ser a única pessoa que amaria em minha vida.
Eu errei e teria que pagar o preço, mas não queria perder Sara.
Não ter Sara foi como enterrar o homem que existia em mim, apenas
deixaria viva as lembranças do que vivi com ela.
Fui do céu ao inferno e pelo visto morreria nele. Sem ter o maior
presente que a vida havia me dado. O seu amor!
Túlio foi apenas um refrigério, mas nada seria igual sem Sara. A vida
seria em tons de cinza.
Eu viveria para lembrar de quanto eu a amava e para ver meu filho
crescer e não cometer os mesmos erros que eu.
Após ter uma conversa séria com Alina, concordamos em dividir um
apartamento até ela conseguir se manter. Mas era só por Túlio e deixei bem claro
que não teríamos nada. O único que importava nesse momento era meu filho.
Reafirmei diversas vezes sobre meu motivo por estar ali, não era por ela.
Jamais amaria alguma mulher como amei e ainda amo Sara.
— Ramon, por que não podemos volta como éramos antes?
Revirei os olhos e respirei fundo antes de respondê-la. Há dias Alina
vinha me perguntando, querendo mudar tudo o que combinamos e isso estava
fazendo minha paciência ultrapassar os limites.
— Porque não, Alina — repeti o que vinha afirmando.
Alina me provocou ao aparecer com uma lingerie sexy, mas nada do que
fizesse mudaria minha decisão de manter meu amor por Sara vivo enquanto
vivesse.
— Ela não vai vir atrás de você — ela disse provocativa.
O que para mim só mostrava o quanto não me conhecia.
Por mais miserável que me sentisse sobre ter traído Sara, Alina seria a
última mulher no mundo com quem eu voltaria ter qualquer relacionamento.
— Vai ficar aí, vivendo como um monge enquanto sua ciganinha vai casar
e formar uma família de novo — ela insistia em ser baixa para me fazer sentir
ainda pior, mas ao invés de me fazer sentir raiva de Sara, era dela que eu sentia.
— Alina! Acho que não ficou claro que só estou aqui por causa do meu
filho. Então não fode.
— Nossa... Cadê aquele Ramon, sexy e carinhoso de antes?
Bufei antes de respondê-la.
— Cadê a Alina, calma e sensata de antes?
— Ela pode voltar, vai depender de você — ela respondeu e veio até
minha cama, subindo nela e vindo para cima de mim.
— Eu já lhe disse não. Deixa de ser ridícula! — Me levantei antes que
me tocasse.
— Idiota!
— Fique à vontade. Vou dormir no sofá.
Peguei um travesseiro e um lençol e a deixei para trás, indo para a sala.
Quando conversamos, vendi minha caminhonete e aluguei um apartamento
até conseguir arrumar um emprego como médico.
— Vai morrer sem ter ninguém mais? — Alina não satisfeita me seguiu.
— Não lhe devo satisfações da minha vida. Ok? Combinamos que nada
mais aconteceria entre nós dois. Se contente em criamos nosso filho juntos.
Era só o que poderia oferecer, nada mais.
Ignorando-a me ajeitei sobre o sofá e fechei os olhos fingindo que estava
dormindo. Quem sabe assim ela parava de ficar me enchendo.
Sei que talvez nunca mais visse Sara, porém eu ainda amava aquela
ciganinha de sangue quente e queria pelo menos manter todas as lembranças
vivas em mim.
Quem diria que um casamento arranjado fizesse minha vida, meus
sentimentos mudarem...
Um mês e ainda me doía pensar sobre o que Ramon havia feito comigo.
Olhava a pulseira com o pingente e lembrava dele. De como tudo
começou, eu o odiando e terminando com meu coração arrebentado de amor e
destruído pela dor da separação.
Quando procurei seus pais naquela madrugada eu buscava por ajuda para
poder lidar com toda essa situação. Não imaginei que fosse ser verdade que um
marido quando traía a esposa pagava com o banimento. Jamais passou pela
minha cabeça que meu sogro fosse banir o próprio filho.
Eu só queria ter um conselho. Por isso quando Miro informou qual seria a
solução não consegui encará-lo mais. Vê-lo partindo não só me deixou arrasada,
mas matou tudo que tinha de bom dentro de mim.
Fiquei na cabana sozinha, noite após noite, esperando que ele pudesse
aparecer escondido, mas ele sabia do quanto voltar aqui pudesse levantar a ira
dos membros do acampamento e ficar ainda pior.
Constância e Miro estavam tentando ao máximo fazer tudo para que me
sentisse melhor. Propuseram tantas coisas, mas preferi não. Queria só ficar
sozinha, esperando que os dias passassem e essa dor fosse embora com eles.
Esmeralda foi outra pessoa que se penalizou com o que estava passando
e passou a me tratar melhor, até fez bolo e me trouxe em uma tarde dessas.
— Sara! — escutei a voz de Miro me chamar do lado de fora.
— Sim, meu sogro! — respondi indo ao seu encontro.
Estava na outra ponta sentada no deque quando escutei meu nome.
— Vim aqui para te convidar para o chá. Constância acabou de fazer
aquele pão que você gosta. — Assenti e fui com ele, mesmo querendo ficar no
meu lugar preferido.
— Ah... minha linda! Como você está? — Constância veio ao meu
encontro quando me viu chegar com seu esposo.
— Estou bem!
— Estou preocupada. Não tem se alimentado bem.
— Fica tranquila. Estou bem — afirmei uma mentira que contava para
mim mesma.
Eu afirmava a todo momento que estava bem, numa tentativa de me sentir
melhor.
— Temos uma surpresa para você — ela disse e direcionei meu olhar
para mesa posta, toda preparada com carinho para o café da tarde.
— Obrigada, não precisava.
— Sente-se.
— Precisamos conversar — meu sogro disse ao sentar ao meu lado.
— Conversamos muito e chegamos a uma conclusão. — Ela me serviu
após servir seu esposo.
— Conclusão? — Demonstrei interesse. Eles estavam bem misteriosos se
olhando e tentando conversar em silêncio.
— Você vai estudar! — disparou Miro sem rodeios.
Tomada pela surpresa sorri e me emocionei com o que tinha acabado de
ouvir.
— Miro e eu achamos que você merece ter alguma coisa da qual queira
muito e como sabemos que um de seus sonhos era continuar os estudos, vamos
permitir e arcar com todos os seus custos.
— Mas achei que voltaria para casa dos meus pais — disse, tentando
conter a alegria que voltava a sentir dentro de mim.
— Não! É livre para fazer o que quiser da sua vida, concordamos que
você foi a mais prejudicada com as más escolhas de Ramon — Constância disse.
Eles não estavam com raiva de Ramon, nem eu, apenas não aprovavam e
preferiram seguir os costumes, escolhendo suas convicções.
Era algo complicado lidar com uma fé e ter que mudá-la do dia para a
noite. Eu os entendia. Ramon era o caçula deles e sei o quanto eles tinham
expectativas boas com ele. Não só eles se frustraram, eu mais do que todos.
Dentro de mim passou a existir um buraco infinito de tristeza.
Ele errou? Sim. Mas foi antes e eu o perdoaria. Não neste momento, mas
com o tempo.
— Você precisa buscar sua felicidade e nós apoiaremos.
— Obrigada! — Emocionada, me levante e abracei-a.
— Você é nossa filha hoje e queremos que seja feliz. Independente do que
aconteceu.
— Obrigada mesmo. — Olhei para Miro e estendi a mão, pegando a sua.
— Só não queremos perdê-la. Decidimos por uma lei e você é a única
coisa dele que nos restou — Miro concluiu.
Tentei me controlar e não me emocionar, mas foi difícil. Estava sendo
complicado lidar com esse redemoinho que me tomava a todo instante.
— Somos pais, amamos ele e infelizmente Ramon precisa arcar com o
preço das suas escolhas. Se quiser ir atrás dele, também não a impediremos.
— Não. Meu lugar e destino é aqui.
— Vai querer voltar a estudar? — Constância perguntou, mudando de
assunto ao perceber que este assunto poderia nos levar a levantar tantas coisas
das quais queria esquecer.
— É o que mais quero nesse momento...
Não era verdade, mas talvez fosse melhor seguir em frente, esperar o
tempo fechar todas as feridas e nada melhor que uma mudança e coisas novas.
Capítulo 26
Sete anos depois
Mais um dia e eu estava diante da escola deixando Túlio para sua aula. O
garoto saiu do carro mal se despedindo de mim só porque viu a professora de
costas na entrada com outros amigos e o que vi foi suas pernas aos tropeços,
movimentando mais do que conseguia para conseguir chegar até ela.
Fiquei ao longe observando e sorri quando ele chegou e conseguiu ganhar
um carinho da professora.
Pelo visto meu filho estava tendo sua primeira paixão e logo com a nova
professora.
Ao observar melhor vi que desde cedo Túlio teria um bom gosto para as
mulheres, ela era morena com os cabelos cortados em v, caído pelas costas, não
era muito alta e com um corpo bonito, pelo menos o que aparentava o jeans justo,
mas de rosto não consegui vê-la.
Deixei o local rindo, relembrando da cena da primeira paixonite de
Túlio.
Qual menino nessa idade não nutre um amor platônico pela professora
legal e bonita?
Pronto para mais um plantão passei o dia todo na correria. E como de
praxe, quando olhei no relógio vi que mais uma vez estava atrasado para buscar
Túlio.
Com pressa, entreguei as prescrições na mão de Melissa e sem muita
conversa fui para escola pegar meu filho.
Preocupado por atrasar muito, parei em frente à escola e me desesperei
quando não o vi me esperando. Estava prestes a sair do carro quando o vi
segurando a mão da professora.
Não pode ser verdade...
Não consegui mexer os olhos e senti meu coração parar de bater.
Túlio segurava a mão da professora e sorria; os dois conversavam algo e
aquele sorriso me travou, me deixou cataplético. Os lábios se estendiam em um
sorriso perfeito e bem desenhado, a forma como agia era espontânea e sincera e
a única pessoa em toda minha vida que agiria assim era ela e eu não conseguia
me mover ou mesmo respirar diante da intensidade que me tomou ao revê-la.
Era impossível não a reconhecer, o amor da minha vida, a mulher que o
destino havia me reservado, mas como afronta por minha transgressão ele a tirou
de mim, estava a alguns passos.
Há exatamente sete anos eu não a via.
Fiquei estarrecido e me dei conta que segurava firme o volante do carro,
reagindo involuntariamente com a sua proximidade. Sem saber o que fazer, se
iria até ela ou ficaria ali mesmo, optei por observá-la ao longe. Sara e meu filho
estavam juntos, uma cena que por anos desejei. Mas ela como a mãe do meu
filho. E pelo visto ele tinha adoração por ela, olhando-a como se ela fosse o sol.
Assim como sempre foi para mim: O sol da minha vida!
Completamente alucinado, não consegui explicar a emoção de vê-la,
porém eu queria mais. Queria ouvir sua voz, mas tive medo de ser rejeitado por
ela.
Depois de muitos anos me senti vivo e não acreditei no que o destino
havia preparado para mim.
Ela estava tão linda, como sempre. E eles caminhavam tranquilamente.
Sara parecia estar feliz.
O que o destino estava preparando.
Jamais passou por minha cabeça que a reencontraria dessa forma, tinha
esperanças que um dia me procurasse ou eu tomasse a coragem e retornasse ao
sul para vê-la, mas o medo de novamente ser rejeitado como fui naquele dia me
barrou e continuei aqui, vivendo minha vida medíocre, me alimentando e
nutrindo-me do amor com meu filho.
— Papai! — a voz de Túlio me tirou do estado de catalepsia ao vê-los se
aproximando, porém pararam no meio do caminho e ela apenas se despediu do
meu filho, beijando-o no rosto.
Ainda sem conseguir processar o que se passava ali, não acreditando no
que via, eu a vi dando as costas e retornando para dentro da escola e Túlio
entrando no carro.
— Desculpe meu atraso filhão, papai estava atarefado no hospital —
justifiquei ainda olhando para onde Sara foi.
— Não tem problema, fiquei com minha professora ajudando a terminar
de organizar a sala.
Cenas dela ajeitando as carteiras e cuidando dos alunos me vieram à
mente e fiquei pensando no quanto Sara foi além e tocou sua vida, realizando
seus sonhos de menina.
Conferi o assento de Túlio para ver se estava em segurança e fomos
embora, em absoluto silêncio, eu pensando em Sara e na forma como novamente
nos colocávamos um na vida do outro e tendo a plena certeza de que não foi
apenas uma coincidência, era o destino novamente brincando e mostrando
quando ele ordena as coisas acontecem do seu jeito.
Dirigi no automático até em casa e não consegui desviar meus
pensamentos daquela imagem. Foi como reviver o passado ali na minha frente e,
de novo, me senti um covarde em não sair do carro e gritar por ela, falar seu
nome, aquele mesmo que eu não falava em voz alta há tempos.
— Podemos comer x-burger hoje, papai? — Olhei pelo retrovisor para
Túlio tentando me lembrar do que ele acabava de perguntar. Estava totalmente
perdido e ao mesmo tempo feliz.
Respondi quando ele já estava fora do acento, quase em mim.
— Papai, estou te chamando. — Olhei para ele balançando a cabeça,
tentando espantar a imagem de Sara ao me concentrar nele.
— O que foi, filhão?
— Podemos comer x-burger hoje de novo?
— Não, sua mãe vai ficar muito brava.
— Ah pai! — Ele deixou seus ombros caírem rendidos.
— Sem “ah pai”. Hoje não!
— Fazer o que, né?!
— Amanhã, depois do dia da família na escola eu te levo.
— Mas você disse que não poderia ir por causa do trabalho de médico.
Sei que estava tentando fugir desse compromisso, essas coisas da escola
de Túlio eu jogava a completa responsabilidade em cima de Alina, mas como
não perder a oportunidade de rever Sara cara a cara. O simples fato de estar
próximo me fez mudar de ideia.
— Até falei para a Tia Sara que nem você e nem a mamãe poderiam ir.
— Escutar seu nome foi como calmante na minha alma inquieta.
Era ela, meu grande amor.
Sei que havia falado que não poderia, inclusive arrumei inúmeras
desculpas, mas agora com toda certeza eu iria. Precisava revê-la, escutar sua voz
e sentir seu perfume tão próximo.
— Mas o papai vai! — reafirmei convicto.
Nada nesse mundo faria eu faltar no tal dia da família na escola.
Em sete anos Sara foi a lembrança mais doce que eu tive de toda minha
vida, no início foi insuportável a falta que me fez, os meses em que ficamos
casados e dividimos a mesma cama foram como se estivéssemos juntos por toda
uma vida, éramos felizes e da noite para o dia Túlio, minha outra alegria,
apareceu tirando de mim a metade do meu coração.
Eu era incompleto.
Era apaixonado em ser pai de Túlio, ele era uma criança incrível e talvez
estar junto dele me fez aguentar a falta que Sara fazia na minha vida, jamais seria
capaz de amar outra mulher como ainda a amava. Eram amores diferentes, jamais
um substituiria o outro.
Na verdade, acompanhar de perto a vida do meu filho foi a maneira mais
reconfortante que encontrei para tocar a vida sem ela. E agora estava ali de
novo, tão próxima que eu podia sentir o sangue correr quente em minhas veias,
com meu coração disparado, relembrando seu cheiro de lavanda e flores do
campo.
Parado no sinal, esperando que ficasse verde, eu contemplei minha
aliança em minha mão esquerda, o sinal de que ainda éramos casados. Nunca a
tirei de meu dedo; era como se tivéssemos conectados por algo que pudesse nos
levar de volta um ao outro.
Talvez poderia parecer bobo da minha parte, mas eu ainda tinha
esperança que um dia eu pudesse novamente tocar sua pele e beijá-la por longas
horas deitado na rede ao seu lado, escutando sua respiração e as batidas do seu
coração.
Mesmo que nossa cultura me condenasse por uma traição.
Sim, aos olhos deles o que fiz foi uma grande traição, era prometido a ela
e não cumpri ao ter engravidado outra mulher, uma gadjín. Eu deveria ter sido
somente de Sara, assim como ela foi só minha.
Quando fiquei com Alina jamais pensei que amaria Sara como a amo. Eu
era apenas um rapaz com tradições culturais diferente dos demais e fiz tudo
escondido, não só tendo atitudes, mas me escondendo de quem realmente eu era.
Não por vergonha, talvez por vontade de experimentar coisas que fossem
proibidas para mim e nessa busca para saber o que não poderia conhecer, perdi
tudo: meu nome, minha família e minha mulher.
Carreguei e carrego até hoje esse fardo. Sinto falta do meu povo, jamais
me envergonhei de ser quem eu sou.
Em casa, jantei com Túlio e após o banho coloquei-o para dormir e
voltei à sala, inquieto e ansioso por amanhã; pensando em mil coisas e da forma
como Sara reagiria quando me visse.
Nos amávamos e éramos felizes e isso não mudaria nosso passado.
Fechei os olhos lembrando das suas palavras e da forma como me
preenchia ao dizer que me amava. De como era delicada e da forma como se
entregou a mim, lembrando também de como estava linda e radiante no vestido
de noiva, perfeita com aquela camisola em nossa primeira vez e de como me
pediu para amá-la dentro do lago em nossa última noite.
Tentei dormir, mas nada me fazia parar de pensar nela e no quanto eu
ainda a amava. Do quanto eu pedi aos ventos para poder revê-la somente mais
uma vez.
O som dos ponteiros do relógio ao caminhar hora por hora me deixava
inquieto e mostrava que o dia já estava para amanhecer e eu aqui ainda pensando
exclusivamente nela.
Capítulo 27
Nesses dois dias tentei não pensar em seu sorriso arrogante de quando
achava que já ganhou ou conquistou o que queria, mas ora ou outra eu retornava a
pensar em tudo, em como o destino é imprevisível e te prega as piores peças.
Já era fim da noite de domingo quando estava sentada na mesa
organizado as contas para serem pagas no outro dia, graças a Ramon eu tinha
uma boa situação financeira para viver um bom tempo sem trabalhar, o que era
dele passou a ser meu quando nos casamos e quando tudo aconteceu teve que
deixar para mim e foi assim que sobrevivi até aqui, mesmo tendo dias que a
saudade batia e eu desejava ter ele de volta e não o seu dinheiro.
— Ainda acordada, meu amor? — Sorri ao escutar sua voz nas minhas
costas.
— Sim, estou organizando as nossas contas para serem pagas amanhã.
Mal terei tempo e quero fazer tudo isso antes de ir para a escola.
— Está gostando?
— Sim, me sinto realizada com as crianças. — Sentando à minha frente
ganhei seu sorriso que me encheu de tanto carinho.
Alcancei sua mão e beijei o dorso, sentindo meu coração se encher com
tamanha dedicação que tinha por mim.
— Obrigada por estar aqui comigo, não sei o que seria de mim sem você.
Sorrimos com carinho.
Os dias em sua companhia eram um acalento para meu coração, me sentia
amada por alguém e isso era o que importava.
Estava hoje mais perto dos meus pais, mas depois do casamento em
nossa cultura eu era da família do noivo e talvez voltar ao meu berço de origem
não seria mais a mesma coisa, por isso resolvi seguir em frente.
Terminei de ajeitar as contas uma sobre a outra, deixando-as sobre a
mesa.
Acompanhada, fomos para o quarto.
Capítulo 29
Não conseguia associar e processar tudo que ouvi de Sara nessa noite.
Quando a vi eu agi por impulso na ânsia de estar perto, de poder tocá-la, foram
incansáveis anos sem sua presença, mas diante da sua confissão eu percebi o
quanto fui egoísta e o quanto minhas atitudes não afetaram só meu destino, e sim
dos que eu amava também.
Dirigi como um louco na volta para casa, mesmo com a cabeça a mil
ainda tinha que fazer uma coisa e realmente saber se o que Sara me contou foi
verdade. Precisava falar com Alina, não seria possível ela cometer tamanha
crueldade de saber que meu pai estava morrendo e nem me comunicar de nada.
Estacionei o carro dentro da garagem e saí apressadamente em direção às
portas do fundo, as luzes de fora estavam acesas, mas as de dentro de casa já
estavam apagadas e o interior completamente silencioso, significando que Túlio
e ela já estavam dormindo. Não a acordaria, esperaria pela manhã para
conversar e questioná-la.
Subi direto para meu quarto e fui tomar um banho. Precisava relaxar.
Talvez sentir a água cair pelo meu corpo me fizesse relaxar e embaixo da água a
única coisa que me vinha à mente era o olhar de Sara me condenando.
Não sei o que tinha sido pior em nossa conversa: se era o fato de não ver
mais a paixão ou ver sua tristeza e raiva. Jamais quis despertar isso nela, eu era
novo quando decidi que poderia designar meu destino sozinho; pessoas comuns
jamais entenderiam como vivemos, sei que fui banido, contudo, nunca deixei de
ser quem eu era: Ramon Rosberg, filho de Miro e Constância dos ROM.
Nasci e fui criado assim, mas me perdi no meio do caminho e tudo
porque eu achei que poderia brincar de fazer o que bem entendia e que não
haveria consequências, no entanto, paguei um alto preço ao perder meu
verdadeiro amor, que havia sido guardado desde seu nascimento para mim. Perdi
tudo que possuía e o que me fez sobreviver foram as lembranças desse amor que
tinha por Sara e meu filho, sangue do meu sangue.
Respirei fundo tentando enxergar com clareza e foi ali que tomei a maior
decisão da minha vida: eu não procuraria mais por Sara, a deixaria viver em paz,
até porque sua atitude de hoje mais cedo indicava que já tinha tocado sua vida e
não seria certo eu entrar e requerer algo que era meu e que perdi por causa das
minhas escolhas erradas.
E mesmo ainda a amando desesperadamente, eu a deixaria livre e ficaria
feliz por ela estar feliz. Mas mesmo assim falaria com Alina e apuraria o que
aconteceu e seria a partir daí que decidiria minha vida, tentando o menos
possível afetar Túlio.
Terminei meu banho e deitei na minha cama, ainda com a tolha rodeando
meu quadril, meus cabelos úmidos colavam na minha pele e em vez de dormir
coloquei os braços atrás da cabeça e fiquei olhando para o teto pela maior parte
da noite e não percebi quando foi o exato momento que adormeci, mas senti a
claridade irradiar meu quarto já logo pelas primeiras horas do dia. Havia
esquecido de fechar as cortinas e com o sono leve acabei acordando bem cedo.
Fiquei por um tempo sentado na beirada da cama, traçando como eu faria
tudo diferente daqui para frente e assim que ouvi a batida na porta saí desse
momento para contemplar o rostinho aparecendo por trás dela.
— Bom dia papai! — Olhei por cima do ombro e sorri sentindo-me um
pouco melhor em saber que alguma coisa boa do meu passado ainda me restou.
— Bom dia, filhão! — respondi chamando-o para mais perto e próximo o
abracei, aspirando seu cheiro familiar, beijando o topo da sua cabeça.
— Hoje vamos jogar bola no parque? — perguntou ao sair dos meus
braços ficando à minha frente, já fazendo carinha de súplica.
— Vamos ver, preciso passar no hospital e resolver algumas coisas, mas
se der tudo certo e se não estiver muito frio, nós vamos sim.
— Legal! — Ri com seu jeito bem moleque de comemorar ao balbuciar:
“Yes!”.
— Sua mãe já acordou? — Pensei muito na forma como abordaria Alina,
mas enquanto eu não falasse com ela e esclarecesse o que Sara me disse não
ficaria em paz.
— Já sim, está na cozinha preparando o café — levantei e passei a mão
no alto da cabeça do menino mexendo em seu cabelo —, pai, aonde você foi
ontem depois que me deixou em casa? A mamãe não me deixou ficar acordado
para te esperar.
— Fui resolver algumas coisas. — Não poderia ficar me explicando para
um menino criativo e intenso de sete anos, isso só daria mais informações para
ele ficar pensando e o que menos quero é que ele fique sabendo que eu e sua
professora já fomos casados.
Escutei a voz de Alina ao fundo chamando por Túlio e assim que ele
respondeu ao chamado, saindo e me deixando sozinho, fui me trocar. Hoje o dia
seria calmo e não estava programado nada além de visitar meus pacientes no
hospital.
Vesti casualmente com calça jeans, uma camiseta de mangas longas e
calcei um par de tênis. Ao descer as escadas, me deparei com Alina indo em
direção à sala sozinha, segurando uma xícara de chá.
— Bom dia! Quero falar com você — ela fingiu que não me ouviu e
continuou seu percurso até o sofá na frente da televisão.
Parado, fiquei observando-a me ignorar e não me dei por satisfeito.
Nunca a iludi com uma vida de família feliz e sua atitude me deixava mais
tendencioso a acreditar no que Sara havia me falado sobre esconder o
telefonema de meu irmão.
— Vai fazer esse jogo de chateada? — Parei no batente do arco, bem na
entrada da sala, logo atrás do sofá em que ela estava.
— Não quero falar com você Ramon, vai atrás da sua ciganinha — me
respondeu sem se virar. — Ou você acha que não sei que foi atrás dela ontem
depois que trouxe Túlio?
Não me justificaria e muito menos daria satisfações sobre o que fui fazer.
— Alina, se eu fui ou não atrás de Sara não cabe a você, mas se quer
saber eu fui sim, precisava saber como estava minha família.
— A família que te baniu?! — retrucou maldosamente.
Alina sempre agia dessa forma. Era do tipo que desenterrava o passado
de qualquer pessoa para jogar na pior hora.
— Já lhe disse que cabe a mim julgá-los e não a você. Melhor, na
verdade, você os julgou e simplesmente se achou no direito de esconder a morte
de meu pai.
Não precisou a mãe do meu filho confirmar, seu olhar de consternação já
a entregou.
— Acha que não sei que meu irmão ligou para informar que meu pai
estava morrendo e você não fez nada e muito menos me avisou? — disparei,
mostrando que eu sabia sobre o telefonema.
Alina ficou calada me olhando e no momento suas emoções não me
diziam nada, se ela confessaria ou mesmo negaria, simplesmente não se
manifestou.
— Vai se calar? — perguntei tentando pressioná-la a me falar. Queria
escutar tudo da sua boca o que havia feito.
— Aquela cigana fofoqueira te falou o quê? — A entonação da sua voz
mostrava que realmente houve a ligação. — De certo quis envenená-lo contra
mim.
Não falei nada e acompanhei com o olhar seus movimentos ao levantar e
vir até mim e se jogar, me abraçando, me deixando sem atitudes.
— Me perdoa, não pensei que você quisesse saber depois do que fizeram
com você! Seu pai não merecia sua piedade, nem mesmo quando estivesse
morrendo. — Fiquei paralisado escutando os ecos da sua afirmação em meu
ouvido.
Sara estava falando a verdade quando me contou sobre a ligação.
No entanto, o choro dela não me comoveu e forçando-a a me soltar
segurei em seu antebraço e a afastei, empurrando-a para trás.
— Não é você quem deve decidir se eu devo perdoar ou não qualquer um
da minha família. — Dei-lhe as costas frustrado.
Novamente me senti um incapaz e medíocre diante do fato de não ter
visto meu pai pela última vez enquanto me chamava.
— Ramon! — Alina tentou se aproximar e novamente eu a afastei, me
afastando também.
Estava sentindo muita raiva dela e de mim mais ainda por ter permitido
que permanecesse na minha vida.
Eu fui mais covarde ainda, só a deixei ficar pelo simples motivo de ter
meu filho perto, já que eu estava sozinho, mas foi um dos maiores erros e o
remorso agora me corroía, intensificando a dor que eu sentia por não ter dito um
adeus ao meu pai mesmo que ele tenha me banido da vida deles.
— Alina, não quero ouvir sua voz! Você não tinha direito! Meu pai
morreu! — falei mais alto que o normal, passando as mãos pelo rosto e
esfregando-o.
Respirei fundo e fui para perto dela, queria chacoalhá-la. Estava sentindo
muita raiva e só me controlei, pois Túlio me chamou.
— Pai! Por que estão discutindo de novo? — Parei quando notei que
seria bem pior se continuássemos a brigar na frente do menino.
Alina passou dos limites achando que poderia se intrometer em assuntos
dos quais não lhe dizia respeito e em vez de mostrar arrependimento, como
mostrou a pouco, sua postura mudou.
— Vai Ramon, continue, o que faria? — Eu parei ficando a menos de um
metro dela e pelo visto ela não se preocupou que nosso filho estivesse presente,
me instigando.
Respirei fundo procurando um ponto de equilíbrio, ainda mais agora com
a presença de Túlio ali.
— Vocês dois poderiam parar de discutir sempre — o menino disse
chorando e saiu correndo, nos deixando ali na sala olhando para o local que ele
estava e antes que eu tomasse uma atitude Alina foi atrás dele.
Sem saber o que fazer, peguei as chaves do carro em cima do aparador e
fui espairecer.
Ainda era cedo e talvez ir para o hospital me ajudasse a refrescar a
mente.
A discussão com Alina ainda não teve um fim, precisávamos pontuar
umas coisas e confesso que minha vontade mesmo era de ver Sara, de estar com
ela e me sentir mais perto do que realmente eu era.
Anos me lamentei e anos descobri que eu sentia falta, não só dela, mas de
tudo e todos.
Capítulo 32
Não dormi, não fechei os olhos sequer um minuto essa noite. Revirei na
cama confusa e com toda minha vida virando uma nova bagunça. Logo quando
tudo parecia estar seguindo o fluxo normal novamente. Pensei em tantas coisas,
em Ramon, na nossa vida e tudo como estava.
Por que ele tinha que reaparecer assim?
Só para bagunçar tudo de novo.
Nutri raiva, um sentimento do qual me corroeu por anos e até hoje, por
mais que dissesse que não, eu ainda sentia muito rancor por ter sido deixada e
traída, mesmo que foi antes de mim. Ramon acabou com a minha vida, e mesmo
tudo o que deixou para trás não foi o suficiente para eu conseguir tirar essa
mágoa, porém o que vi ontem dele me fez sentir pena, mudando como eu o via,
quando lhe contei sobre seu pai.
Todos nós sofremos e pude ver em seus olhos o quanto a notícia o deixou
abalado. Nunca o vi chorar antes. Com certeza foi difícil para ele. E não seria eu
a julgá-lo mais.
— Bom dia, Sara! — estava saindo do quarto quando disse meu nome.
A única pessoa que me restou de tudo isso estava ali, me dando forças
para continuar.
— Parece que teve gente que madrugou.
— Sim, não dormi bem. — Me aproximei e beijei a lateral do seu rosto.
— Percebi que saiu ontem. — Tentei sorrir e disfarçar meu
constrangimento, esperei que dormisse para poder encontrar com Ramon e talvez
essa atitude de ter sido escondido tivesse denunciado o meu desconforto.
— Me desculpe, mas fiquei um pouco ao ar livre — menti, me sentindo
péssima por fazer isso, mas não poderia simplesmente dizer que fui conversar
com meu ex-marido.
— Sem problemas Sara. Só achei estranho, nunca sai, nem mesmo mais
cedo.
— Fiquei na entrada, sentada no balanço, pensando — completava a
mentira como se fosse a verdade mais concreta.
— Vamos tomar café. — Sorri e confirmei com a cabeça, segurando em
seu braço descemos a escada nos apoiando mutuamente.
— Não se esqueça que temos médico na próxima semana — mudei o
assunto e na cozinha coloquei a mesa. Ajudei com o café pensando ainda em tudo
que estava acontecendo. O aparecimento repentino de Ramon e dentre todas as
coisas não saia da minha cabeça.
Por mais que eu buscava por motivos para odiá-lo eu ainda me peguei
gostando da forma como havia dito que me amava, pois eu o amava assim. Nunca
deixei de amá-lo, porém me sucumbi à raiva por anos e me apeguei ao nosso
tradicionalismo para justificar minha dor.
— Sara! — Olhei por cima do ombro em direção à mesa, estava
terminando de coar o café quando me chamou. — Sinto saudades do
acampamento, será que há uma possibilidade de irmos para o dia de Sarah Kalí
ano que vem?
— Podemos ver, vejo se consigo uma folga e vamos sim. — Nossa vida
era assim hoje, com planejamentos e talvez fosse revigorante voltar ao nosso
povo, eu mesma os repeli por tanto tempo, mas nesses sete anos eles foram
minha família e um consolo quando me sentia péssima.
Neles tive uma nova oportunidade de seguir em frente e jamais poderia
negá-los, além de que, sentia saudades de todos, dos dias festejados e da alegria
contagiante.
Após o café me preparei para ir dar a aula e me encher dos meus alunos
que tanto amava, a felicidade deles era a minha e como um refúgio eu os tinha
como alimento para minha alma.
Talvez Ramon entendesse que nossas vidas eram outras e pela forma
como me deixou ontem não voltasse a aparecer, porém não foi ele quem me
seguiu desta vez, e sim uma mulher. Não sei como, mas achei estranho o fato de
uma desconhecida chamar meu nome quando estava indo embora.
Não conhecia ninguém por ali, a não ser a mãe de um dos meus alunos
que era minha vizinha da casa da frente.
— Boa tarde, Sara! — A loira bonita de olhos bem claros, quase de um
azul safira, me chamou novamente e me cumprimentou quando parei próximo da
minha casa, apenas alguns quarteirões.
— Boa tarde! — respondi achando estranho, algo me dizia que eu a
conhecia.
— Nos vimos uma única vez, em uma farmácia e você estava
acompanhada do meu marido. — Franzi o cenho sem entender de onde ela tirou
isso, já que eu não a conhecia.
— Creio que a senhora esteja me confundindo — a confrontei
educadamente.
— Me conhece sim, sou a esposa do Ramon. — Não tive reação.
Como assim esposa?
Ramon não disse que havia se casado e pelo que sei das mães
fofoqueiras, diziam que ele e a mãe do Túlio viviam uma fachada por causa do
menino.
O melhor seria continuar fingindo que não a conhecia e tentar sair dali o
mais rápido possível.
— Você é a ciganinha — sua fala desdenhosa mexeu com algo que
ultimamente, ou melhor, há muito tempo não me afetava. — Você é Sara e por
coincidência a professora do nosso filho. Que mundinho pequeno, tinha que
aparecer logo agora para atormentar nossa vida.
Antes que eu pudesse argumentar e continuar afirmando que eu não a
conhecia, ela começou a me alfinetar e isso fez com que meu sangue cigano
falasse mais alto.
— Pelo contrário, mal me lembro de vocês e por acaso sou sim a
professora do filho de vocês, e qual o problema disso? — Segurei firme as
pastas junto ao meu peito, me controlando para não demonstrar que estava me
afetando.
— Todo problema do mundo. Ele já não disse que não quer nada da
família? Vocês o abandonaram, principalmente você, a adorada Sara. Agora que
ele estava feliz com a família dele, você aparece para fazer intrigas e destruir
minha família — a mulher à minha frente, Alina, o nome do qual eu nunca me
esqueci, começou a aumentar o tom de voz, chamando a atenção de quem
passava, enquanto eu tentava manter a calma, evitando que virássemos uma
atração.
— Me desculpe, mas eu não sei do que está falando.
— É sonsa demais — Alina começou a me atacar verbalmente. —
Fofocou para ele sobre terem ligado quando o pai estava morrendo.
Ramon deve ter lhe confrontado depois que contei sobre a omissão dela.
— Você o procurou para destruir o que ele tem de melhor: a família, eu e
Túlio e, pode ter certeza, Sara, que não vou permitir que se coloque no meio da
minha família.
Respirei fundo para não partir para cima dela, há muito não perdia a
paciência e a maneira como falava, me julgando e acusando, não me deixava
escolhas muito racionais.
Projetei em minha mente na mesma hora eu agarrando-a pelo cabelo e a
derrubando, se fosse entre nosso povo eu faria sem pensar, mas não estávamos e
tomar uma atitude por impulso me colocaria em problemas, tanto em casa quanto
na escola e hoje eu estava vivendo um sonho, não deixaria Alina atrapalhar
minha vida mais uma vez.
— Fique tranquila Alina, creio que Ramon não vá mais me procurar, até
porque eu tenho uma família a zelar e deixei bem claro isso a ele. — Notei seu
olhar pousando sobre minha aliança no anelar da mão esquerda. — Agora, se
não for demais, me dê licença, eu preciso ir. — Passei esbarrando
propositadamente meu ombro no dela e sem esperar para receber sua resposta
segui sem olhar para trás.
Que ódio!
Se não bastasse Ramon aparecer na minha casa, agora isso?
Ter que aguentar sua esposa — sei lá se era mesmo.
Mas não me importava, ele poderia ficar com sua nova família, já tinha
problemas demais para trazer de volta um passado complicado.
Quando cheguei em casa não me contive ao deixar os materiais sobre a
mesa e sair sem falar ou explicar aonde ia. Eu precisava falar com ele, mas
como se nem ao menos eu sabia onde trabalhava? Já estava na esquina de casa
quando pensei bem e vi que eu estava agindo como uma doida por sair assim.
A única forma de conseguir o telefone ou alguma informação sobre ele
era ligar na escola e conseguir as informações na ficha de Túlio; eu precisava
deixar claro a ele que não o queria mais interferindo na minha vida e para se
afastar porque eu não aguentaria mais ser interceptada por Alina na rua e ser
acusada de coisas das quais eu não tinha culpa e muito menos faria.
Retornei para casa ainda pensativa e inconformada com o que acabou de
acontecer.
— Está bem, Sara? — Não percebi ao fechar a porta que já estavam me
esperando e tentei parecer tranquila. O problema é que mais uma vez eu estaria
mentindo para não contar o que realmente estava acontecendo.
— Está sim, achei que tinha perdido o estojo com as canetas — dei a
desculpa mais deslavada que consegui pensar momentaneamente.
— Você está trabalhando muito, precisava descansar, meu amor. —
Tentei não pensar em nada e simplesmente ganhar um abraço seu para me
consolar.
— Obrigada por estar aqui comigo. — Fiquei envolvida no meio dos
seus braços sendo confortada.
Esses últimos dias a minha vida foi completamente virada de cabeça para
baixo com a presença de Ramon.
Desde o dia que o vi na escola não deixei de pensar e reviver os
momentos dos maravilhosos meses que vivemos no acampamento, da forma
como nos casamos e do jeito que me paparicava, mas também de como tudo
aconteceu.
Eu o amava com todas as minhas forças e eu não vivi, eu sobrevivi por
causa da minha família que fez de tudo para que eu me mantivesse viva.
Ele não tinha esse direito de chegar e bagunçar tudo de novo.
Precisávamos sair daqui o mais rápido possível, indo para bem longe. Eu
encontraria outra escola para dar aula e outros médicos para o tratamento. Só
queria ter paz para prosseguir com minhas escolhas.
— Me diga o que está acontecendo. Somos uma família minha menina
linda. — Senti o afago tanto na sua voz quanto os gestos em meus cabelos.
— Não é nada que não posso lidar... — respondi e continuei entre seus
braços.
— Sempre estarei ao seu lado, como está ao meu. Eu a amo muito.
— Eu também te amo muito. Estaremos até o fim.
— Só não chore. Não gosto de vê-la assim.
— Não estou chorando — me justifiquei, dizendo a verdade.
Não que eu não estivesse me segurando, no entanto, eu precisava ser forte
e não deixar mais que o passado me abalasse tanto assim.
— Eu sei, mas está triste.
— Estou cansada, só.
— Precisa descansar um pouco mais.
— Obrigada! — Selei a lateral do seu rosto e me afastei, indo na direção
da pia.
— Fiz chá de jasmim. Sei que é seu preferido.
Era disso que eu precisava; de dias tranquilos de sol, e não de
tempestades como Ramon.
Capítulo 33
Durante algumas semanas fui todos os dias visitar minha mãe. E quando
não estava de plantão no hospital passava boa parte do tempo com elas. Sara
aceitou melhor, já não estava tão reticente, porém adotei uma nova estratégia.
Não ficaria forçando a conversa ou mesmo me aproximaria dela, como desejava.
Pedi que me deixasse ajudar como médico, tomando algumas condutas
que achava melhor.
“— Não quero interferir em como cuida, mas posso ajudar se precisar.
Queria muito poder te ajudar, aliviar um pouco, pelo menos para não se
sobrecarregar mais — disse para Sara em uma das nossas conversas sobre o
estado de saúde da minha mãe.”
Era pouco, mas já era um começo.
— Não vejo problema algum — ela me respondeu quando comentei o
que o cardiologista havia me dito na consulta de hoje à tarde.
— Ele disse que seria muito bom se repetíssemos alguns exames.
— Tudo bem. Só me avise com antecedência, quero ir junto desta vez.
— Pode deixar. Vou ver e te falo.
Eu e Sara estávamos mais abertos. Ainda tinha uma barreira entre nós,
porém estávamos nos dando bem. Conversávamos coisas aleatórias, nada o que
remetesse a nossa vida passada. Apenas fiquei a par de algumas coisas que
aconteceram no acampamento.
— Ramon, por que não fica para o jantar? — Minha mãe surgiu na
cozinha de banho tomado. Sara a ensinou a realizar algumas atividades sozinhas.
O que achei maravilhoso.
— Mas é que... — fui responder, mas ela não permitiu.
— Sei que Sara não vai se importar.
Olhei para a mesa antes de confirmar e vi que tinha um prato a mais,
como se ela tivesse certeza de que eu iria ficar.
— Tudo bem — respondi e olhei em seguida para Sara —, posso?
— Sim. — Foi o primeiro sorriso que a vi dar desde quando nos
reencontramos.
Para quem esperou sete anos não custava esperar que as coisas fossem se
encaixando e melhorando, e tinha a certeza que faltava pouco para começarmos a
nos dar bem e sei que assim que eu me mudasse, o que seria na próxima semana,
as coisas melhorariam.
A situação entre mim e Alina estava insustentável, discutimos mais vezes
e o fato de ela manipular Túlio contra Sara foi o limite.
Há três dias fui chamado na escola pela coordenadora para me contarem
sobre o episódio que ocorreu. Túlio começou a ofender a professora dizendo que
estava roubando o pai e vi o quanto foi constrangedor para Sara ter que explicar
nossa situação à coordenadora da escola, ainda mais por falarmos que ainda
somos casados.
Sei que isso gerou o afastamento dela da escola deixando-a bem
chateada, me deixando ainda pior. Por isso tomei a decisão de sair de casa e
morar em outro lugar.
Comuniquei para Alina o que iria fazer ontem à noite. Informei que
compartilharíamos a guarda do nosso filho e que uma vez por semana pegaria ele
e a cada 15 dias, nos fins de semana ele passaria comigo. Deixei claro que
ajudaria financeiramente e que nada faltaria para ele. Mas que não dava mais
para ficarmos sobre o mesmo teto. Que as atitudes dela tinham me forçado a
tomar essa decisão.
Discutimos e foi quando descobri que Alina não só tentou prejudicar
Sara na escola, mas influenciou Sandy contra ela também. A mãe do amigo de
Túlio não só a ofendeu, mas criou fofocas e mentiras.
Queria agir e fazer algo contra, mas Sara me pediu que não fizesse nada.
Apenas achava que seria melhor assim, alegando que minha mãe neste momento
estava precisando mais dela.
Sei que estava apenas criando uma desculpa para se esconder e não
concordei. Prometi ajudá-la em todos os sentidos, mas Sara não aceitou,
principalmente quando me ofereci para ajudar com as contas da casa. Ela me
disse que meu pai havia deixado um bom dinheiro e que isso era a menor das
preocupações dela.
Contudo eu estaria por perto sempre.
— Semana que vem me mudarei. Achei uma casa menor a dois
quarteirões daqui — Sara foi a primeira a se manifestar tentando disfarçar o
sorriso ao virar o rosto.
— Nossa! Mas você não mora tão longe assim — disse Sara e minha mãe
sorriu, procurando por minha mão sobre a mesa.
— Estou muito feliz, meu filho.
— Quero ficar mais perto de vocês duas para caso precisem de alguma
coisa — disse sem deixar de encarar e fixar meus olhos nos de Sara que os
mantinha em mim também.
Tínhamos parado com as brigas ao longo dos dias, como no início,
estávamos novamente nos adaptando um ao outro.
— Já tem me ajudado bastante. — Sara sorriu e voltou a comer,
desviando seu olhar para seu prato.
— Só estou tentando fazer o melhor para remediar o tempo que passou,
Sara.
— Somos gratas, meu filho, e não sabe o quanto estou feliz tendo-o por
perto sempre, acho que não conseguirei viver longe novamente.
— Não ficarei longe mais, mãe. Prometo! — Segurei em sua mão que
estava na minha e a levei até os meus lábios, selando o dorso em respeito.
Terminamos de comer e ficamos ainda mais um pouco conversando. Sara
pediu que ajudasse minha mãe enquanto terminava de organizar as louças do
jantar. Quando voltei a encontrei com algumas contas sobre a mesa.
Não me aproximei e encostei na parede, fiquei admirando-a e desejando-
a como nunca deixei de desejá-la.
Tão linda, assim como no dia em que a conheci sem as roupas alegres, ou
saias e vestidos. Usava uma calça jeans apertada que fazia jus ao seu corpo,
ainda cheio de curvas perfeitas. Observei os detalhes, memorizando o quanto
estava distraída com a caneta prendendo os cabelos longos no alto da cabeça.
— Você ainda é a mais linda de todas as mulheres que já vi. — Acho que
a assustei, pois ela olhou por cima dos ombros na minha direção.
— Não o vi parado aí. — Ela começou a arrumar as coisas, guardando.
— Te atrapalhei?
— Não, eu já tinha terminado — disse ao se levantar juntando tudo para
guardar e quando foi passar por mim não permiti e me mantive com o corpo,
trancando metade da entrada para o cômodo que ficava entre a cozinha e a sala.
Sara ficou diante de mim erguendo seu olhar e foi nesse momento que
resolvi deixar o tempo fazer seu papel. E tudo foi muito rápido ao puxá-la pela
cintura trazendo de encontro a mim, ficando com meus lábios quase nos seus.
Ela não resistiu.
Sara olhou para nossas bocas e em seguida para mim.
— Eu ainda te amo — disse e não esperei por uma reação ou resposta
verbal e sem pedir escorreguei uma mão por sua nunca e segurei, travando-a
para não escapar da minha boca na sua. Movimentei meus lábios esfomeados
enquanto os seus estavam entreabertos. Com minha língua busquei a sua e tive
sua resposta ao deixar cair de suas mãos o que estava segurando para poder me
abraçar.
Empurrei até a parede e continuei a beijá-la como se fosse nossa
primeira vez, matando a saudade.
— Eu vou sempre te amar — disse contra seus lábios, antes de deslizar
os meus úmidos sobre sua pele, descendo do queixo para a base da sua garganta.
Ela arfou e jogou um pouco sua cabeça para trás, me dando livre acesso.
Minha língua lambeu todo seu pescoço, indo até seu queixo para então voltar
para sua boca.
Eu queria mordê-la, saciar esse desespero de tê-la novamente, mas fui
calmo aproveitando cada momento.
Enquanto ainda nos beijávamos, desci minhas mãos para a base de sua
bunda e a ergui no meu colo.
Respondendo ao que eu queria, suas pernas rodearam minha cintura,
cruzando seus calcanhares no meio das minhas costas.
— Não podemos — Sara sussurrou negando quando comecei carregá-la
escada acima, levando-a para seu quarto. Já conhecia a disposição dos cômodos
e não tivemos problemas nenhum para chegar até lá.
— Me diz que não é um sonho, que você é real como sempre foi — pedi
quando deitei seu corpo sobre a sua cama e o cobri com o meu.
— Não é um sonho, apenas anos depois de onde paramos — Sara
respondeu e em seguida me ofereceu seus lábios enquanto suas mãos alcançavam
os botões da minha camisa e os abria.
Ela queria tanto quanto eu.
Não foi preciso falas e questionamentos, nossos corpos falavam e
comandavam nossa vontade e desejo.
Sara ainda era minha e eu dela.
Nossas mãos trocaram nosso contato por nossas roupas, um retirando a
roupa do outro. Eu ainda tinha tanta coisa para dizer a ela, porém se eu
começasse talvez a afastaria novamente e preferi viver esse momento a saber o
que aconteceria depois.
Sem falar nada, a despi e contemplei mais uma vez o corpo que aplacou
várias vezes o meu desejo e depois de muito tempo seria ele novamente a saciá-
lo.
Nus, deitamo-nos em sua cama de solteiro, estreita para meu tamanho,
ficando de frente um para o outro e estava sendo a tradução perfeita do
sentimento irrefreável que sentíamos.
— Eu ainda te amo também — Sara confessou e selou meus lábios,
jogando uma de suas pernas por cima do meu quadril.
Ela havia abaixado a guarda e não sei por qual motivo, mas não queria
saber o que era, e sim que eu a amaria como sempre amei de corpo e alma.
— Eu não vou mentir e dizer que nunca chorei por sua causa, mas o choro
acabou. — Não entendi o que ela quis dizer e na penumbra do quarto me
aconcheguei um pouco sobre seu corpo e deixei que minha boca se apossasse da
sua lentamente, deixando minha pele encostada na sua, sentindo como era boa
essa sensação.
Seu corpo ainda era da mesma forma como me lembrava, das curvas, dos
pequenos seios, da cintura fina e da pele sedosa.
Deslizei minha mão até seu peito enquanto nossas bocas estavam
ocupadas uma com a outra, apalpei sentindo todo o contorno dele. Sara ainda
inibida, me acariciava raspando sua unha delicadamente na minha nuca.
Sei que precisávamos ir com calma, mas estava tão desesperado que
antes que Sara pudesse se arrepender, me mandando ir embora, me posicionei
entre suas pernas e fiquei ainda ajoelhado, olhando para ela, com meu pau ereto,
tocando a entrada da sua boceta encharcada.
— Amanhã não vai me expulsar e se arrepender?
— Não, eu não vou te afastar, a não ser que você não queria cumprir o
nosso destino. — Sorri e abaixei a cabeça, sorvendo de sua boca mais uma vez.
Tudo tão deliciosamente no automático, levei uma mão entre nós e
posicionei meu falo excitado e o forcei para entrar todo dentro dela, mas fui
lentamente, absorvendo de olhos fechados a sensação de senti-la tão apertada e
quente, tão única e maravilhosamente como sempre foi.
Não encontrei seu olhar, seus olhos pesados estavam fechados e sei que
poderia estar sendo desconfortável, afinal, Sara não teve outro homem além de
mim.
Lentamente, me movimentei e tive sua aprovação na forma de gemido
quando me aprofundei mais fundo dentro dela. Sua vagina me abraçava, me
apertando e totalmente diferente do que pensei que seria, me movimentei
lentamente sentindo cada pedaço meu entrar molhado dentro do seu corpo quente.
Achei que brigaríamos antes de estar em uma cama e a maneira como me
correspondeu, tão diferente, me pegou desprevenido.
— Eu o amo Ramon e assim como sua tia me disse, que logo acabaria
toda dor e você entraria na minha vida novamente, subiria os degraus até mim, eu
me dou novamente para você pela força do destino — sua confissão era parte do
que precisava saber e entendi palavra por palavra.
Eu ainda era o destino dela e ela o meu.
Abaixei a boca e olhando-a nos olhos pedi para que sua boca estivesse
na minha e eu pudesse provar que eu estava de volta.
Foi lento e calmo, um reconhecimento de tudo que vivemos. Movendo-
me, introduzindo lentamente comecei a acelerar o ritmo, raspando pele com pele,
escutando o barulho dos nossos corpos em atrito e quando senti Sara tremer sob
mim e enroscar meu cabelo em seus dedos, a apertei já desesperado para me
derramar todo. Dei as últimas investidas antes de sentir todo meu corpo
reverberar, extasiado junto com o seu, gozando e me derramando todo, sentindo a
intensidade desse momento.
Jamais esperei que fosse ser tão simples, inesquecível. Eu e Sara
novamente estávamos juntos. Deitei-me sobre seu corpo ainda nos beijando de
forma lenta e saciada, matando a saudade do tempo perdido.
A noite foi curta para o tanto que nos amamos. Falávamos entre sussurros
e olhares cúmplices. Eu realmente me sentia em um sonho ao tê-la adormecida
em meus braços. Tudo isso era o reflexo do meu desejo e amor. O perfume que
sentia de flores dos seus cabelos era a prova que precisava para saber que foi
tão real.
Já era dia quando Sara acordou e eu não havia pregado os olhos, foi
maravilhoso passar a noite ao seu lado. Eu já não me lembrava de ter me
sentindo tão bem assim depois que fui embora. Sara era a minha metade e eu
tinha certeza que uma nova fase estava começando.
— Bom dia — sua voz fina e rouca alcançou meus ouvidos e pude sentir
o carinho nos gestos das suas mãos me acariciando.
— Bom dia! — disse encontrando seus olhos voltados para cima na
direção dos meus.
Sara era o amor de uma vida toda e estar juntos assim foi tão revigorante.
Hoje sentia que meu mundo e os ventos da minha sorte voltavam assoprar
em minha direção novamente.
— Como tudo ficará? — ainda com a voz sonolenta me perguntou.
— Logo será como deveria ter sido — respondi, ajeitando a mecha do
seu cabelo que caía sobre seu rosto.
A apertei, começando a temer que ao soltá-la tudo teria sido apenas um
sonho.
— Eu nunca deixei de te amar. E vou resolver as coisas em relação
somente ao Túlio e poderemos ficar juntos como deveria sempre ter sido.
Infelizmente não seria simples, Alina já mostrou que estava mexendo no
psicológico do meu filho. Quando comuniquei a Túlio que ele conheceria sua
avó, o menino simplesmente negou e se trancou no quarto, tentei por dias
melhorar essa situação dando-lhe mais atenção, porém a mãe continuava a
alimentar a ideia de que eu o abandonaria, mas eu não poderia me esconder
contra as artimanhas dela.
Uma vez me tiraram Sara, mas agora nem meu filho conseguiria isso.
Capítulo 36
Ramon tomou o café conosco e foi embora, ele precisava ir para o seu
plantão e ficamos de conversar melhor mais tarde. O esperaria para o jantar e
provavelmente para dormir comigo.
Ainda pela manhã levei Constância para tomar um pouco de sol e
estávamos conversando quando ela pediu minha atenção.
— Sara, sabe que nós duas somos consideradas renegadas por nosso
povo, então, não prive você e a meu filho de viverem esse reencontro. Ele disse
que a ama muito, sei que deve estar com medo, mas não deixe que isso impeça o
destino de cumprir seu ciclo.
Assenti e não disse nada, eu nunca quis tanto uma coisa como queria
minha vida de volta, aquela que vivi por poucos meses ao lado de Ramon.
Sei que não seria a mesma coisa, mas estaríamos juntos. Por isso falaria
com ele sobre minha decisão mais tarde. Pediria que se mudasse para cá e que
retomássemos nossa vida.
— Ainda vamos conversar, precisamos deixar tudo esclarecido —
justifiquei.
— Não sabe o quanto estou feliz, por vocês. Você o ama e ele também a
ama. E logo vão ter os próprios filhos.
Sei que Constância não disse por mal, mas me senti estranha.
Após o último aborto a médica me disse que minhas possibilidades de
engravidar eram baixas. Por isso nunca mais fiquei pensando em como seria ser
mãe.
— Vamos entrar, precisamos preparar o almoço — falei no intuito de não
continuar com essa conversa.
Estava ajudando-a se levantar quando escutei e vi Alina invadir meu
jardim aos berros.
— Você, sua ciganinha nojenta, está tirando e roubando a minha família.
E você vai pagar caro por tudo que está acontecendo. — O tom da sua voz era
agressivo e descontrolado.
— Quem é essa que está falando? — Constância perguntou olhando para
o rumo oposto de onde a gadjín estava.
— É uma pessoa que não conhecemos — menti, ignorando a presença
dela para evitarmos um desgaste à saúde emocional de minha sogra.
— Você está feliz por fazer meu filho sofrer com você roubando o pai
dele? — Alina insistiu e acabei parando a pedido de Constância.
— É a gadjín?
— Sim, mas vamos entrar. — Tentei continuar ignorando, mas Alina não
satisfeita se aproximou e me empurrou, não só me derrubando, mas também a
mãe de Ramon, que se desiquilibrou.
Agora ela havia passado dos limites.
Tentei me levantar o mais depressa possível para ajudar Constância,
porém quando me coloquei ao seu lado vi que havia batido a cabeça próximo ao
primeiro degrau, na entrada da casa e estava desacordada.
Desesperada, sem pensar em Alina, tentei acordar Constância, chamando
pelo seu nome enquanto dava leves batidinhas em seu rosto.
— Constância fala comigo — pedi desesperada.
Mas nada de ela responder.
— Sua desgraçada... — fui repreender o que Alina tinha feito, mas ela já
estava entrando no carro e saindo de lá.
Desesperada gritei por socorro enquanto tentava acordar Constância.
Demorou, mas apareceram alguns vizinhos, inclusive Sandy, para me
ajudar.
Chamaram a emergência, que não demorou muito.
— Quer que eu vá junto? — Sandy se ofereceu, mas neguei.
Minha sogra era minha responsabilidade. Era eu quem deveria
acompanhá-la.
Não demorou muito e a equipe de socorrista chegou, colocando
Constância desacordada sobre uma maca. A acompanhei e fui sentada ao seu
lado.
— O que aconteceu e como ela caiu? — não consegui responder. —
Senhora?
Balancei a cabeça percebendo que o médico que prestava os primeiros
socorros falava comigo.
— Desculpa, senhor. Poderia repetir a pergunta? — pedi.
Ele repetiu e eu contei como havia acontecido.
— Estávamos indo para dentro da casa quando fui empurrada por uma
mulher, uma doida que apareceu em meu jardim, desiquilibramos e caímos, ela
bateu a cabeça no degrau.
— Hum... — ele resmungou e desviou seu olhara para minha sogra.
— Doutor, só não me diga que ela vai morrer? — o contexto da pergunta
foi tão pesado que não consegui lidar com meus sentimentos e acabei chorando
na frente do médico.
— Senhora, eu não posso lhe garantir nada, mas faremos o que estiver ao
nosso alcance, agora como não foi um acidente precisaremos informar a polícia.
Conhece a mulher que as empurrou? — afirmei com a cabeça.
Não pouparia dizer quem foi e muito menos seus motivos. Alina havia
ultrapassado os limites.
— A senhora se machucou também.
— Não, eu estou bem.
— Não foi uma pergunta. Seu cotovelo está sangrando — fui informada e
olhei para conferir o local.
— Mas estou bem mesmo. — Olhei para Constância, notando apenas o
movimento lento de sua respiração.
— Fica calma. — Comecei a chorar, sentindo o quanto estava me doendo
saber que poderia perdê-la.
— O senhor poderia me dizer por cima o que aconteceu com ela? E me
desculpe doutor, mas não perguntei seu nome estou muito nervosa, ela é minha
sogra e é deficiente visual — justifiquei minha desatenção.
— Sem exames não podemos fazer nenhuma conclusão, senhora. E me
chamo Nolan. — Sorriu por cima dos ombros enquanto retirava o termômetro
olhando-o e anotando em uma prancheta em seu colo. — Qual seu nome? Preciso
anotar aqui.
— Sara Rosberg — o respondi enquanto anotava mais dados,
preenchendo a ficha.
— Mencionou que o filho da paciente é médico.
— Sim, ele se chama Ramon.
— No caso, seu esposo? — Balancei a cabeça confirmando, eu mesma
tinha minhas dúvidas se de fato éramos realmente marido e mulher. Nossa
história no momento estava um pouco complicada.
— Não conheço, só conheço um e o sobrenome dele é Moriáh. — Na
capital haviam vários hospitais e mesmo com tanta proximidade com Ramon eu
não me preocupei muito com esses detalhes de perguntar o nome do hospital
onde trabalhava. Ainda era tudo muito recente, tinham poucas semanas que o
havia aceitado e nem 24h que o deixei voltar para mim.
Capítulo 37
Deixei a casa de Sara pela manhã, pois precisava trabalhar, mas minha
vontade era de ficar ali o dia todo com ela. Me sentia flutuar emocionalmente e
já contava as horas para voltar e vê-la à noite.
Não sei como aconteceu tudo, foi uma entrega por inteiro de ambas as
partes, tanto minha quanto dela.
Linda, desejável e ainda minha esposa.
Assim que fechei a porta, quando fui até em casa para me trocar, vi Alina
deixando o cômodo da cozinha até a entrada.
Ela parou e me encarou com raiva.
— Imagino que passou a noite com a ciganinha?!
Minha paciência estava no limite com ela. Já não a aguentava mais. Eram
tantas cobranças das quais nunca prometi nada, que minha paciência havia se
esgotado.
Alina conseguiu colocar Túlio contra mim e esse foi o real motivo para
tomar minha decisão. Saíria de casa ainda hoje.
A situação entre nós dois estava insustentável, ela conseguiu que o
menino recusasse a conhecer minha mãe quando mencionei que o levaria para
ver a avó.
Minha mãe pediu e não negaria isso, até porque eu sonhava com esse dia
e sei o quanto ela ficaria feliz.
— Não é da sua conta Alina, se eu estava com minha esposa só cabe a
mim — respondi com rispidez.
Para me provocar ela jogou o pano que estava na mão em mim.
— Você é um desgraçado, olha o que está fazendo com meu filho.
— Eu? Quem está manipulando o garoto é você. Sempre soube que não
ficaríamos para o resto de nossas vidas juntos. E se realmente quer saber... eu
quero Sara de todas as formas, não deixarei ninguém ficar no meu caminho e se
acha que me chantageando em relação ao meu filho vai conseguir algo, não se
engane, Túlio logo vai ver que eu o amo e compreenderá a história toda. Então
deixa de ser ridícula.
— Você está acabando com a minha vida! — disse Alina aos choros se
vitimizando.
— Não fiz nada, tivemos um acordo de criar nosso filho juntos, mas não
como homem e mulher, coloca na sua cabeça que eu amava e amo a Sara. —
Quando vi já estávamos próximo, nos enfrentando e com as vozes alteradas.
— E você está abandonando esse acordo por causa da ciganinha nojenta.
— Eu já disse que não quero que fale assim dela.
— Ela é uma nojenta e está acabando com nossa família.
— Meu filho sempre vai ser minha família. Eu não quero nada com você.
— Você quer aqueles que te expulsaram, sua queridinha esposa te virou
as costas, enquanto eu estava lá por você. Você é um egoísta desgraçado, Ramon.
— Alina cuspiu em meu rosto, agindo como uma doida.
Sem retrucar, limpei a saliva do meu rosto com as costas da mão.
— VOCÊS DOIS PODERIAM PARAR DE DISCUTIR?! — Túlio gritou,
surgindo ao nosso lado.
— Filho! — Fui para seu lado, mas ele foi mais rápido ao abrir a portar
e sair em direção à rua.
Desesperado saí atrás chamando seu nome em voz alta, pedindo para que
parrasse.
Mas da porta de casa à calçada eram poucos metros e quando vi Túlio
estava correndo na direção da rua para atravessá-la sem olhar.
Não consegui chegar a tempo e quando vi o carro freava sem êxito,
atingindo-o e jogando-o mais à frente.
Alina atrás de mim gritou e eu levei as mãos na cabeça gritando,
correndo para junto do seu corpo caído no chão.
O condutor do carro saiu e foi até nós desesperado pedindo perdão.
Sei que ele não teve culpa, mas no momento eu não tinha forças para
dizer que o entendia.
— Túlio, garotão? Responde! — Peguei-o no colo e ele estava
desacordado.
— Vou chamar a ambulância! — O condutor que atropelou Túlio tentava
ajudar de algum jeito. Mas não seria necessário.
— Não — disse em voz alta. — Apenas me leve para um hospital.
Sei que não seria a conduta correta, o certo era esperarmos uma
ambulância, no entanto, eu tinha pressa.
Ajeitei melhor o menino em meus braços e entrei no seu carro.
Enquanto Alina gritava e dizia que eu era o culpado a ignorei. O
importante era salvar meu filho.
— JÁ CHEGA, ALINA! — gritei assustando-a quando entrou no carro
também ainda me acusando de ser o culpado se caso o nosso filho morresse.
— Para qual hospital quer ir? — pedi para nos levar para o mesmo em
que eu trabalhava.
Foi a maior correria de médicos e amigos meus. Colegas de trabalho se
movimentavam para salvar meu filho e graças a Sarah Kalíh não foi nada demais,
o carro estava em velocidade baixa e foi só uma concussão.
Túlio acordou depois de uma hora na emergência sorrindo, como se nada
tivesse acontecido. Eles o transferiram para um dos quartos ficando em
observação.
Eu e Alina não nos falamos, estava farto de discutir com ela.
Combinamos de nos revezar. Assim eu não precisaria ficar o tempo todo com ela
me acusando.
Na parte da tarde ela foi para casa. Precisava pegar algumas coisas para
Túlio e também trazer o carro.
— Pai! — Túlio me chamou ao acordar.
— Sim, filhão!? — Aproximei de sua cama mais tranquilo por saber que
tudo ficaria bem.
— Cadê a mamãe? — Respirei fundo querendo dizer: “Ela até que enfim
me deu um pouco de paz.”, mas jamais falaria isso ao menino.
— Ela foi em casa pegar algumas coisas para você — respondi. —
Filho, o que fez hoje foi perigoso.
— Vocês dois só brigam, eu não gosto. — Eu até entendia que para ele
deveria ser difícil, mas Alina era impulsiva e me tirava do sério. Ultimamente só
de ouvir sua voz já me irritava.
— Eu sei meu querido, mas sua mãe não é fácil.
— Você vai mesmo nos deixar? Ela disse que a Tia Sara veio para te
roubar de mim.
Balancei a cabeça pensando no quanto ela tinha envenenado o menino
com seus absurdos.
— Jamais vou te abandonar, só não vou morar mais na mesma casa, e
você poderá ficar vários dias comigo. Sara não está me roubando de você, antes
de saber que você tinha nascido eu me casei com ela, mas depois que sair daqui
quero contar a história de nosso povo e levar você para conhecer sua avó, sei
que não quer, mas vai gostar tanto dela.
— Papai, não vai embora. — Seus olhos já estavam brilhando querendo
chorar, para tranquilizá-lo cheguei perto e beijei sua testa.
— Não vou, só vou estar em outra casa. Agora durma e descanse mais um
pouco — tentei acalmar o menino, pelo visto o estrago psicológico que sua mãe
fez foi pior do que pensei.
Já era fim de tarde quando uma das enfermeiras ficou com Túlio me
permitindo ir comer algo. Estava estranhando Alina até agora não ter voltado,
segundo o médico que estava cuidando dele, o manteria em observação por mais
24h e teríamos que dormir o hospital.
Porém fui pego de surpresa ao ver Sara sentada em um dos bancos com a
cabeça pendida pra baixo com os cotovelos no joelho.
Por que ela estava aqui?
Fui em sua direção após cumprimentar um colega que passou por mim
— Sara! — chamei por seu nome e quando olhou para cima encontrei
olhos vermelhos e inchados de chorar, me deixando preocupado.
— Ramon!
— O que aconteceu? — perguntei preocupado e me abaixei, ficando na
sua altura.
Sara chorou e ao me levantar a puxei junto, envolvendo-a enquanto
soluçava sem me responder.
— Minha vida, o que aconteceu? — esperei se acalmar e refiz a
pergunta.
— Constância caiu e bateu a cabeça. Está aí dentro já faz uma hora. —
Olhei para onde Sara havia apontado com a cabeça e vi que minha mãe estava na
UTI.
Um frio me percorreu e me senti mais tenso ainda.
Se já não fosse o bastante o susto com Túlio, agora minha mãe.
— Como assim?
— Ela caiu e bateu a cabeça — Sara mal conseguia responder.
Vendo seu estado não quis preocupá-la mais.
— Calma. Vou ver o que está acontecendo — tentei acalmá-la e antes de
soltá-la selei seus lábios.
— Olha só! O que estão fazendo aqui assim?
Alina parou logo atrás de mim e perguntou ressentida. Como se eu e Sara
estivéssemos fazendo algo de errado. Porém sem esperar, Sara se soltou e
avançou na direção dela, agarrando em seu cabelo, puxando-a na direção do
chão.
— Sua louca, você matou Constância e eu vou te matar agora — Sara
gritou. E como não consegui entrar no meio para apartar, agarrei a cintura de
Sara e a puxei, mas sem êxito.
Ela agarrou com tanta força que quando consegui que soltasse Alina,
Alina se levantou e veio para cima de Sara.
— Sara, por favor se acalme. — Já a tinha visto no auge do seu
nervosismo, entretanto o que disse me deixou intrigado. Por isso pedi que
parasse.
— Essa desgraçada precisa morrer, sua mãe está aqui por causa dela —
Sara me empurrou nervosa enquanto falava alto e gesticulava.
A equipe de enfermagem ali por perto veio intervir, separando as duas.
— Assassina! Essa louca me empurrou e caímos eu e sua mãe. Eu vou
matar ela se acontecer algo com Constância.
Não poderia ser verdade o que ela estava dizendo. Alina era impulsiva,
mas não a ponto de atacá-las.
Ou era...
Olhei para a mãe do meu filho, buscando realmente saber o que
aconteceu, mas ao vê-la chorando e negando em silêncio tive certeza de Sara
falava a verdade.
— Está maluca? — perguntei ao soltar Sara e me posicionar à sua frente.
Se eu já estava com raiva dela, Alina não fazia sequer ideia do que
queria fazer nesse momento.
— A minha mãe? — a questionei e fui encurtando o espaço entre nós dois
aumentando o tom de voz. — Some da minha frente antes que faça qualquer
loucura.
Estava por um triz para cometer um atentado contra ela. Fiquei cego e
com muita raiva, mesmo ainda não sabendo de tudo ao certo.
— Calma, Ramon! — Nolan, um outro médico e amigo se aproximou me
empurrando, me levando para longe de Alina.
— Sara! — chamei, procurando-a pelos cantos e a achei junto de uma
enfermeira que estava ajudando-a a se sentar, acalmando-a.
Desvencilhei-me de Nolan e evitei olhar para onde Alina estava.
— Eu estou aqui e fica tranquila que tudo vai se resolver — afirmei.
— Ela me empurrou e eu não pude fazer nada — Sara se justificava em
meio ao choro.
— Você não tem culpa, me deixa ficar a par do que aconteceu aí venho e
falo com você.
Agora eu precisava manter a calma. Por mais que eu quisesse estrangular
Alina não seria uma boa hora para brigar.
A prioridade era saber como minha mãe estava.
Antes de me afastar beijei sua testa e fui atrás de informações.
Aproveitando minha posição médica iria entrar na UTI e ver o real estado de
dona Constância, mas parei antes de prosseguir vendo que Nolan poderia saber
de algo.
— Nolan, minha mãe está na UTI e preciso de informações.
— Eu só a trouxe, hoje estava de plantão na ambulância e estão fazendo
os exames, mas acho que ela sofreu um traumatismo crânio no ato da queda.
Fechei os olhos puxando o ar com dificuldade. Sentindo meu peito
contrair, pois toda a situação clínica de minha mãe passou pela minha cabeça e
eu como médico, acima de tudo, não poderia ignorar o quão grave era seu
estado.
Ela já não era uma paciente comum.
— Mas fica calmo, vai dar tudo certo, vou pedir para avisarem aos
colegas que é sua mãe e que está aqui fora para assim que puderem te avisar.
Seria bom se não entrasse lá. — Segurei em seu ombro e apalpei agradecido.
Ele tinha razão, era melhor eu ficar aqui com Sara, porém meu olhar foi
na direção de Alina. A cínica ainda continuava por perto e ligando o foda-se fui
até ela e segurei em seu braço, arrastando-a para longe dali em seguida.
Quando entramos em outro corredor a soltei de uma vez.
— Você está louca, Alina? Como assim? Foi até a casa de Sara de novo e
a atacou. Olha o que você fez. Acabou atingindo minha mãe!
— Me perdoa Ramon, não quis machucar sua mãe, era para ter sido só a
sua ciganinha. — Aproximei fechando os punhos, apertando-os com raiva.
— Você está fazendo isso para me deixar com mais ódio de você. Mais
cedo foi Túlio, agora minha mãe. Sabia que ela é cega? Que está gravemente
ferida por sua causa?
Alina negou com a cabeça e diante da gravidade do que cometeu abaixou
a cabeça e começou a chorar.
— É, eu imaginei que me responderia que não. Dessa vez ultrapassou
seus limites e eu não quero te ver na minha frente. Some daqui, hoje fica com
Túlio e amanhã mesmo eu vou sair de casa, não quero mais. E não ouse colocar
meu filho contra mim. Cansei... Eu não sou e não quero nada com você, entenda
isso! O nosso único elo sempre foi o menino — tentei me controlar, mas ela
atacar minha mãe foi o estopim.
— Ramon, por favor, me perdoa... — não deixei que terminasse e retirei
suas mãos quando tentou me segurar.
— Não. Por sua causa minha mãe pode morrer e isso eu não vou perdoar.
— A deixei sozinha, dando-lhe as costas e retornei para perto de Sara, avistando
Nolan falando com ela.
— O que está acontecendo? — Mesmo com toda a situação complicada
não me senti confortável quando o vi tocar em seu braço consolando-a.
Hoje era dia, parecia que tudo estava indo contra de novo.
— Falei com Sara, Ramon. Que sua mãe teve um traumatismo crânio
assim como eu suspeitava e ficará sedada para ser avaliada neurologicamente até
o inchaço sumir. Já entraram com algumas medicações.
Entendi e compreendi que tomaram a conduta mais correta, o problema
agora era a mistura de sentimentos entre ódio, desespero, ansiedade, dor e ciúme
que estava sentindo.
Nolan continuou a afagar os ombros de Sara ao vê-la chorando.
Possessivamente a puxei e a abracei.
Nolan entendeu minha atitude e sorriu ao se afastar.
— Preciso voltar para a emergência e Ramon, daqui a pouco vão deixar
Sara entrar para vê-la.
— Obrigado.
Capítulo 38
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