Le Peintre de La Vie Moderne, Charles Baudelaire

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BAUDELAIRE, Charles. “Le peintre de la vie moderne”. Écrits sur l’art.

Paris: Le
Livre de Poche, 2016, p. 503-552.

Baudelaire principia este ensaio afirmando que muitos amantes da pintura e da


literatura acreditam, por terem visto as obras de Rafael ou Ticiano no Museu do Louvre
ou lido os livros de Bossuet ou Racine, conhecer a história da arte. Felizmente, continua
Baudelaire, por vezes surgem justiceiros, críticos, amadores e curiosos que dizem que
nem tudo foi dito ou expresso por Rafael ou Racine: os poetæ minores também revelam
algo de bom, sólido e delicioso, e o amor pela beleza geral dos clássicos não justifica
que se negligenciem a beleza particular, de circunstância e a pintura de costumes.

Baudelaire admite que alguns artistas menos conhecidos, como Debucourt e


Saint-Aubin, tornaram-se respeitados e entraram para o dicionário dos artistas dignos de
estudo. Esses pintores, contudo, representam o passado, e fogem, portanto, do eixo
proposto por Baudelaire. O crítico não deixa de ressaltar a importância do passado, não
apenas pela beleza que dele se pode extrair, mas por seu valor histórico. O passado,
conservando o sabor do fantasma, recupera a luz e o movimento da vida e permanecerá
presente.

Baudelaire estabelece uma teoria racional e histórica do belo em oposição à


teoria do belo único e absoluto. Para ele, o belo tem inevitavelmente uma dupla
dimensão, a despeito do caráter uno da impressão que produz a obra de arte, posto que é
difícil discernir os elementos variáveis do belo na unidade da impressão. O belo,
segundo Baudelaire, é constituído por dois elementos: o eterno, invariável, cuja
quantidade é difícil de determinar, e o relativo, circunstancial, que será, sucessiva ou
combinadamente, a época, a moda, a moral e a paixão.

A dualidade da arte é abordada por Baudelaire, que a define como uma


consequência fatal da dualidade do homem. Na arte hierática, exemplifica, a dualidade
salta à vista: a parte da beleza eterna só se manifesta com a permissão e dentro dos
cânones da religião professada pelo artista. A dualidade evidencia-se igualmente na obra
mais frívola de um artista refinado, pertencente a uma dessas épocas que foram
qualificadas (com uma excessiva vaidade) de civilizadas: a porção eterna de beleza
estará ao mesmo tempo velada e expressa, se não pela moda, ao menos pelo
temperamento particular do autor.
Segundo Baudelaire, para o croqui de costumes, para a representação da vida
burguesa e para os espetáculos da moda, o meio mais expedito e menos custoso
evidentemente é o melhor. Quanto mais beleza o artista conferir a esses elementos, mais
preciosa será a obra.

Baudelaire distingue o artista do homem do mundo. A palavra artista, segundo


ele, traz um sentido restrito, e a expressão homem do mundo, um sentido muito mais
amplo. Homem do mundo é o homem do mundo inteiro, o homem que compreende o
mundo e as razões misteriosas e legítimas de todos os seus costumes; o artista é o
especialista, o homem subordinado à sua palheta como um servo à gleba. O artista vive
muito pouco ou, até mesmo, não vive o mundo moral e político.

A cadeia de definições e comparações feitas por Baudelaire é bem interessante.


Segundo ele, o observador é como um príncipe que frui por toda parte o fato de estar
incógnito. O amador da vida faz do mundo a sua família, tal como o amador do belo
sexo compõe sua família com todas as belezas encontradas, encontráveis ou
inencontráveis ou o amador de quadros que vive numa sociedade encantada de sonhos
pintados numa tela. Assim, o apaixonado pela vida universal circula pela multidão como
se o fizesse em um reservatório de eletricidade. Pode-se igualmente compará-lo a um
espelho tão imenso quanto essa multidão, ou a um caleidoscópio dotado de consciência,
cujos movimentos representassem a vida múltipla e o encanto cambiante de todos os
elementos da vida. É um eu insaciável do não-eu, que a cada instante o revela e o
exprime em imagens mais vivas do que a própria vida, sempre instável e fugidia.

Baudelaire caracteriza a modernidade como algo transitório, efêmero,


contingente, como a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável. De
acordo com ele, houve uma modernidade para cada pintor antigo: a maior parte dos
belos retratos que herdamos das épocas passadas está revestida de costumes da própria
época. São perfeitamente harmoniosos a indumentária, o penteado e o gesto, e mesmo o
olhar e o sorriso mudam de época para época e formam um todo de completa vitalidade,
que pode estender-se mais amplamente na unidade que se chama nação. As profissões,
as castas e os séculos introduzem a variedade não somente nos gestos e nas maneiras,
mas também na forma concreta do rosto. Por essa razão, não devemos desprezar ou
prescindir desse elemento transitório, fugidio, cujas mudanças são corriqueiras e
frequentes. Desprezá-los nos faz cair no vazio de uma beleza abstrata e sem definição,
como a da única mulher antes do primeiro pecado, exemplifica Baudelaire. Se à
vestimenta da época, que se impõe necessariamente, substituirmos uma outra,
cometeremos um contrassenso, apenas desculpável no caso de uma mascarada ditada
pela moda.

A correlação entre alma e corpo explica como tudo o que é material ou


emanação do espiritual representa e representará sempre o espiritual de onde provém,
ressalta Baudelaire. Se um pintor paciente e minucioso, mas dotado de imaginação
medíocre, ao pintar uma cortesã do tempo presente inspira-se em uma cortesã dos
antigos, é mais provável que ele fará uma obra falsa, ambígua e obscura.

Toda justiça é forçosamente violada, toda harmonia destruída e sacrificada, e


muitas trivialidades assumem importância, muitos detalhes sem importância tornam-se
usurpadores. Quanto mais o artista se curva com imparcialidade sobre o detalhe, mais
aumenta a anarquia. Se for míope ou tiver a vista cansada, toda hierarquia e toda
subordinação desaparecem. É um acidente que aparece constantemente nas obras de um
de nossos pintores em voga, afirma Baudelaire, cujos defeitos, aliás, são tão bem
apropriados da multidão que contribuíram singularmente para sua popularidade.

Cada época possui sua graça particular. Pode-se aplicar a mesma observação às
profissões, ressalta Baudelaire: cada qual extrai sua beleza exterior das leis morais a que
está submetida. Em algumas, essa beleza será marcada pela energia; em outras, trará os
sinais visíveis do ócio. É como o emblema do caráter, a inscrição da fatalidade. O
militar, considerado em sua generalidade, tem sua beleza, como o dândi e a mulher
galante a têm, com um gosto essencialmente diferente, mas o dandismo não é sequer,
como parecem acreditar muitas pessoas sensatas, um amor desmesurado pela
indumentária e pela elegância física. Para o perfeito dândi, essas coisas são apenas um
símbolo da superioridade aristocrática de seu espírito. Por isso, a seus olhos ávidos por
distinção, a perfeição da indumentária consiste na simplicidade absoluta, simplicidade
que o militar igualmente tem por exercer atividades em conjunto com outras pessoas, o
que é a melhor maneira de se distinguir. O tipo de beleza do dândi consiste sobretudo no
ar frio que vem da inabalável resolução de não se emocionar, é como um fogo latente
que se deixa adivinhar, que poderia – mas não quer – se propagar. É o que essas
imagens expressam com perfeição, conclui Baudelaire a respeito do dandismo.

Baudelaire trata, no capítulo subsequente do ensaio, da feminilidade e do ser


feminino, ser que é, para a maioria dos homens, a fonte dos mais vivos e duradouros
prazeres e em benefício do qual tendem todos seus esforços, um “ser terrível e
incomunicável como Deus”. A mulher, numa palavra, não é somente para o artista em
geral a fêmea do homem: é antes disso uma divindade, um astro que preside todas as
concepções do cérebro masculino, a reverberação de todos os encantos da natureza
condensados num único ser. É, também, o objeto da admiração e da curiosidade mais
viva que o quadro da vida pode oferecer ao contemplador. Tudo que adorna a mulher,
tudo que serve para realçar sua beleza, faz parte dela própria, ressalta Baudelaire.

A moda deve ser considerada um sintoma do gosto pelo ideal, que flutua no
cérebro humano acima de tudo o que a vida natural nele acumula de grosseiro, terrestre
e imundo, como uma deformação sublime da natureza. Assim, podemos observar que
todas as modas são encantadoras, cada uma sendo um esforço novo, mais ou menos
bem-sucedido, em direção ao belo, uma aproximação qualquer a um ideal cujo desejo
lisonjeia o espírito humano insatisfeito.

Baudelaire encerra a obra falando de C. G., sigla que aparece desde o início. O
crítico afirma que C. G. (Constantin Guys) tem um mérito profundo que lhe é peculiar,
e que ele teria voluntariamente desempenhado uma função que outros artistas
desdenharam (e que cabia sobretudo a um homem do mundo preencher). C. G., segundo
Baudelaire, buscou por toda parte a beleza passageira e fugaz da vida presente, o caráter
daquilo que o leitor lhe permite chamar de Modernidade. Frequentemente estranho,
violento e excessivo, mas sempre poético, ele soube concentrar em seus desenhos o
sabor amargo ou capitoso do vinho da vida, diz Baudelaire.

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