A Jacobeia Entre Usos e Significados (1720-1774) - Bruno Mello
A Jacobeia Entre Usos e Significados (1720-1774) - Bruno Mello
A Jacobeia Entre Usos e Significados (1720-1774) - Bruno Mello
significados (1720-1774)
Resumo: É sobre a Jacobeia que tratará este Abstract :This article is about Jacobeia. It
artigo. Nele não só buscaremos contar a his- pursues not only to tell the Jacobeia’s story,
tória da Jacobeia, de seus participantes e do its participants and the impact assessment
impacto de suas propostas, mas, sobretudo, of their proposals, but mainly tries to re-
tentaremos reconstruir a semântica históri- construct the historical policy semantic
co-política que atribuiu sentidos e forjou a which attributed meanings and fudged an
própria ideia de Jacobeia em meio aos con- idea of Jacobeia amidst the factional con-
flitos faccionais que marcaram a monarquia flicts, that marked The Portuguese monar-
portuguesa nas décadas centrais do século chy in the 18th century central decades. For
XVIII. Para tanto, propomo-nos aqui a re- this purpose, we suggest rethinking the po-
pensar o repertório da linguagem política litical language repertoire in that time, the
da época, os agentes históricos envolvidos historical agents involved during the cre-
na criação desse repertório, os propósitos ation of this experience, the purposes that
que os guiaram, a divulgação do vocabulá- have guided them, the created vocabulary
rio criado, o impacto na opinião pública e diffusion, the impact on public opinion and
a perpetuação dessas narrativas na criação this narratives perpetuation in the memory
da memória a respeito do movimento e seus creation about the movement and its parti-
participantes. cipants.
direção espiritual exercida por Fr. Francisco da Anunciação, inclusive não havendo
registros de novas reuniões após a morte deste (1720), denominaremos o grupo en-
volvido diretamente com a rotina das conferências de círculo graciano, levando em
consideração o local onde eram realizadas, o Colégio da Graça de Coimbra.
O Colégio de Nossa Senhora da Graça de Coimbra localizava-se em um sítio
central da parte baixa da cidade, próximo ao Colégio de Nossa Senhora do Carmo,
às instalações do Santo Ofício e ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. É possível
afirmarmos que a região era um dos centros nevrálgicos da Cidade de Coimbra,
seja pela circularidade de pessoas e mercadorias - proximidade com o rio Mondego
- seja pelo enorme fluxo de eclesiásticos das mais diversas profissões que presumi-
velmente transitavam pela região.
A persistência dos encontros, no transcurso da década de 1710, provocou,
diferentemente dos anos anteriores, estranhamentos de natureza diversa. É possível
que as corriqueiras reuniões tenham suscitado inúmeros questionamentos, sobre-
tudo no que toca ao propósito do grupo e às ideias divulgadas por Fr. Francisco da
Anunciação. Os murmúrios, seguidos de julgamentos difamatórios, seguramente
tornaram-se uma constante pelas ruas, igrejas e praças. Afinal, quem eram os segui-
dores de Fr. Francisco da Anunciação? O que faziam? O que aprendiam?
Pouco sabemos a respeito do que verdadeiramente era praticado durante as
citadas conferências, ou mesmo quais eram os frequentadores mais assíduos. As
fontes sobre o período são parcas, restando-nos registros esparsos que, em termos
de conteúdo, matizam-se entre narrativas de natureza apologética e difamatória. É
crível que, durante os encontros, o proceder dos frequentadores se apoiasse nos es-
critos produzidos por Fr. Francisco da Anunciação, especialmente na obra “Vindí-
cias da Virtude e Escarmento de Virtuosos”, considerada um dos textos mais impor-
tantes da literatura espiritual portuguesa setecentista. (RIBEIRO, 2017: 293).2
Para mais, é provável que durante as conferências realizadas pelo círculo gra-
ciano, além de se examinar e discutir as obras de Fr. Francisco da Anunciação, a
leitura de outros nomes também fizesse parte da prática habitual, a exemplo do je-
suíta Alonso Rodrigues (1531- 1617), autor do livro Exercício de Perfeição e virtudes
cristãs, cuja proposta de exercícios espirituais Anunciação considerava admirável.
(ANUNCIAÇÃO, 1725a: 243). Também, ao que tudo indica, seguia-se um rígido
2 A despeito do livro ter sido concluído em 1702, como se percebe através das licenças de impressão,
foi levado a prelo somente em 1725 – quando Fr. Francisco da Anunciação já havia falecido - pela
oficina do impressor e mercador de livros Manuel Lopes Ferreira, o que demonstra que - durante um
bom tempo - o conteúdo da principal obra de Fr. Francisco da Anunciação esteve ao alcance ape-
nas dos seus dirigidos. CURTO, Diogo Ramada; DOMINGOS, Manuela D.; FIGUEIREDO, Dulce;
GONÇALVES, Paula. As Gentes do Livro. Lisboa, Século XVIII. Lisboa, Biblioteca Nacional, 2007. p.
151.
ethos, composto pela realização da oração mental e vocal, a leitura de livros devotos,
a fuga de conversações ociosas, o recebimento dos sacramentos, a necessária devo-
ção a Nossa Senhora e aos santos.3
A espiritualidade proposta por Fr. Francisco da Anunciação sinalizava para
um discurso de natureza providencialista, que, eventualmente, pretendeu uma reno-
vação radical da espiritualidade na monarquia portuguesa, mas que traduzia, sobre-
tudo, a leitura do agostianismo no que toca à regeneração social do homem, realiza-
da a partir da renovação moral. Com esse escopo, os ensinamentos de Anunciação
foram considerados pelos seus seguidores como o “atalho para o céu”, reveladores
das riquezas espirituais ocultas ao conhecimento e à percepção comum. O mestre
Anunciação de fato passa a ser representado como o modelo de cristão perfeito,
sendo descrito como vigilante zelador da tradição cristã, ansioso amante da verdade
pura, erudito mestre das doutrinas sólidas, incansável guia de caminhos seguros, fiel
conselheiro de ditames prudentíssimo, experimentado médico de enfermidades do
espírito, enfim, vigilante solicitador do bem das almas de Deus. (SILVA, 1964: 123).
Neste mundo, deserto cheio de povo, por não frequentado de homens, que tratem o
importantíssimo negócio da salvação, clama pela boca de seus escritos o nosso mes-
tre com vozes inflamadas em caridade, excitando os próximos a que preparem em
si o caminho do senhor, e endireitem os atalhos para o céu, enchendo de doutrina
os vales dos humildade, e abatendo os montes dos soberbos, vaidosos, e desvane-
cidos com seus juízos errados, e torcidos para o engano se endireitam no conheci-
mento da verdade, seus corações ásperos, e repugnantes, por inclinados para o mal
(ANUNCIAÇÃO, 1726b: 03).
3 BGUC - Carta para certo Mancebo, que vai tomar o hábito de certa religião. MS. 2527. Fl. 231v.
4 No que toca à espiritualidade proposta por Fr. Francisco da Anunciação, ver: MONCADA, Luiz
Cabral de. Mística e Racionalismo em Portugal no Século XVIII: uma página de História Religiosa.
Coimbra, Casa do Castelo, 1952; SOUZA, Evergton Sales. Jansénisme et Réforme de L’ Eglise dans L’
Empire Portugais (1640 à 1790). Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
ção de Cristo e do caminho estreito do céu, que só poderia ser atingindo através
da virtude. (ANUNCIAÇÃO, 1725a). Em passagem marcante da sua vida, após ter
sido espancado e maltratado durante a calada da noite por religiosos do Colégio da
Graça de Coimbra que não aceitavam a severidade de seu governo, profundamente
machucado e ensanguentado, teria conclamado, revigorado e alegremente, que pa-
recia um Cristo.5
A imagem de virtuosismo e perfeição dos costumes parece ter ocupado es-
paço de protagonismo no pensamento teológico de Fr. Francisco da Anunciação e
de seus seguidores que, com alguma frequência, destacaram a importância da mo-
rigeração dos costumes e mortificação dos vícios, adotando, inclusive, uma taxono-
mia social que refletia confessadamente o enrijecido ethos proposto, à medida que
dividia a sociedade em duas ordens de homens: a dos tíbios, imperfeitos, carnais,
mundanos e relaxados; e a dos virtuosos, pios, devotos, espirituais, perfeitos e bea-
tos.6
Em suas cartas produzidas com o propósito de orientação a seus dirigidos
espirituais, Anunciação evoca, de forma categórica, a necessidade da busca pela
santidade. Em missiva endereçada a um mancebo que pretendia tomar o hábito, o
mestre eremita é imperativo ao afirmar que a condição de religioso é um caminho
para a perfeição, estando o candidato ao estado de eclesiástico obrigado a aspirar a
ela através da imitação do modo de viver dos santos. Não o fazer implicava, segundo
ele, uma clara manifestação do diabo.7 Mesmo os leigos deveriam buscar essa per-
feição, estando todos os cristãos obrigados a serem santos, imaculados e espirituais.
(ANUNCIAÇÃO, 1726b: 137).
Apesar do inflamado conteúdo transformador proposto por Fr. Francisco da
Anunciação em seus escritos, a divulgação de sua espiritualidade parece ter se con-
centrado, num primeiro momento, particularmente no interior do círculo graciano.
É admissível que, até o ano de 1725, data da publicação das Vindícias da Virtude, a
circularidade da palavra Jacobeia fosse bastante limitada, o que não implica, porém,
um desconhecimento geral do grupo de suas ações. Até o 1727, quando os “jacobe-
os” foram definidos em um verbete no primeiro caderno de suplementos do voca-
bulário português e latino do padre Rafael Bluteau (1638-1734), não encontramos
nenhuma referência aos vocábulos “jacobeu” ou “Jacobeia”. (BLUTEAU, 1727: 504)
Mesmo as Vindícias, que divulgam os preceitos espirituais do círculo graciano, não
5 BPE - Epítome do Venerável Servo de Deus o Doutor Francisco da Anunciação. Cód. CIV. 1-46.
Fl. 36.
6 BGUC - Quanto tempo deva e possa passar um sacerdote em dizer missa para a dizer sem pecado
e com decência? (MS. 2527). Fl. 164.
7 BGUC - “Carta para certo Mancebo, que vai tomar o hábito de certa religião”, MS. 2527, Fl. 224.
Nome que começando por graça pegou de sorte no colégio, que ficou fixo e per-
manente e dali resultou para fora com tal firmeza, que a todo aquele que abraçava
a vida espiritual religiosa, ou secular, ou secular de todos os estados sem remédio
algum se lhe dava o nome Jacobeo, e eles aceitavam com tanto agrado, que se pre-
zavam muito disso.14
Faz-se importante notar que a Epítome foi escrita num período especialmen-
te dramático da história do antigo círculo graciano, quando os ataques à Jacobeia e
ao estilo de vida dos jacobeus se intensificaram. Esse é o caso do folheto “Retrato da
Jacobea, tirado pelos originais de vários hereges, sendo as tintas os seus costumes, e as
sombras o fingimento na cópia e no original”, que de forma mordaz enfatiza a dissi-
mulação fingida e a hipocrisia como características da Jacobeia.
Santo Agostinho Fr. Manuel de Figueiredo, que, na quarta parte de sua obra “Flos Sanctorum Agus-
tiniano”, publicada em Lisboa no ano de 1737, comprometeu-se a escrever a vida de Fr. Francisco da
Anunciação. Como a Epítome também não foi datada, é possível que tenha sido escrita no ano de
1748, considerando o registro cronológico trazido pelo próprio Fr. Manuel, que afirma estar a Jaco-
beia forte em sua atuação há vinte e oito anos, desde a morte de Fr. Francisco da Anunciação (fl.27).
Como Anunciação faleceu em 13/08/1720, é bastante plausível que a data de conclusão da Epítome
tenha sido o ano de 1748. SILVA, Antônio Pereira da. A Questão do Sigilismo em Portugal no Século
XVIII: história, religião e política nos reinados de D. João V e D. José I. Braga, Editorial Franciscana,
1964. p. 58.
13 BPE - Epítome do Venerável Servo de Deus o Doutor Francisco da Anunciação. Cód. CIV. 1-46.
14 BPE - Epítome do Venerável Servo de Deus o Doutor Francisco da Anunciação. Cód. CIV. 1-46.
Lisboa – saberás que principiou a ser moda em Portugal um modo de vida a que se
deu o nome de Jacobeia.
Roma – Não me soa bem essa alcunha, porque me lembro, de que um Jacobo Zan-
zalo, procederão no levante dos jacobistas, que eu já declarei por hereges.
Lisboa – Conta nosso moderno vocabulário que em um certo convento do meu
distrito, começaram alguns religiosos a distinguir-se dos outros, com devoções e
exercícios espirituais.
Roma – as distinções nos conventos sempre foram arriscadas.
Lisboa – em uns degraus de menor concurso se congregavam para as suas conferên-
cias espirituais, haviam naquele círio uma estupenda série de raptos maravilhosos,
até que imaginarão que por essa escada subiam e desciam a imitação dos anjos,
aproveitando uma visão celeste para um santo terreno.
Roma – A vida disso já percebo que de Jacob é que eles tomaram o apelido de ja-
cobeus.16
ma ser apresentada sempre como antítese de si: “Sécia huma genérica definição; pois
compreende universalmente definidos: e sendo definição na verdade, não observa
as leys, porque neste caso não concorda a definição como definido, tendo tantas
diferenças, e talvez que só por essa lhe venha o próprio nome.” Depois de ter sido
apresentada como “Sécia das letras, poeta do parnaso, do tribunal, eclesiástica, fi-
dalgo etc., se tem a Sécia jacobeo”, que não obstante a observância da boa vida, tem
todo o corpo para a execução dos seus apetites.
Sécia Jacobeu, é aquele virtuoso varão, que inculcando-se todo espirito na obser-
vância da boa vida é todo corpo para a execução dos seus apetites: escrupulizando
dizer missa no dia que toma ajuda de caldo de galinha; e para se livrar do escrúpu-
lo ler todos os moralistas clássicos, de sua opinião, obstentando-a (sic.) por Sésia,
(como se por aquela se comera) e só em ter acólito instruído é que não se escru-
puliza a sua virtude: por Sécia metido na procissão, ou terço da caridade, com o
irmão Balthazar, para melhor pelas escadas, quando vai tirar as esmolas, para ver
as servas de Deus que lhe vem trazer a caridade, que ele também lhe deseja fazer;
já beijando o chão nas igrejas, com lábios de oração mental, todo ao modo que
tem corrimentos, que não pode olhar para cima, porém sempre vendo até onde se
quer; confessado por Sécia todos os oito dias: e a de ser certas religiões: andando
sempre com um jarrete seu vizinho, que tem humas poucas de filhas, que este é o
motivo porque anda com ele; e muitas vezes sucede o pobre velho capacitar-se da
sua opinião, imaginá-lo virtuoso, e casá-lo com Maricota, que é a mais velha, que
nesta virtude vai purgar os seus pecados. Todo, vê imagem de santo, como quem
lhe dá um arrepiamento de corpo, fazendo os olhos papudos, e certo que esses por
Sécia vão ao inferno; e o diabo é o mais interessado nas Sécias desse mundo. Enfim,
hipócrita confirmado, no que se ostenta consumido, Jacobeu à moda, virtudo (sic.)
a luso, santo no parecer, posto que na realidade seja um Anticristo: Sécia no mesmo
caminho da virtude, que por alcança o invento da sua malícia. 18
18 BNP - Diffinição da Sécia. In Venezia: nella Stamperia Baglioni, 1746. (Cota H.G. 4645//13A.).
Mas a propagação da Jacobeia, que ela logo teve na vida do mestre Anunciação, e
19 BA - Vos ascendite ad festum, ego autem non ascendo Joan 7, Cota. 54 – XI - 35, n.º 18.
20 Sobre a questão dos sigilistas, ver: PAIVA, José Pedro. Baluartes da fé e da disciplina. O enlance
entre a Inquisição e os bispos em Portugal. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011. pp.
398-417; MELO, Bruno Kawai Souto Maior de Melo. A Jacobeia entre significados e representações:
reformas religiosas e embates faccionais na monarquia portuguesa - C. 1720 – C. 1769. Tese apresen-
tada ao programa de pós-graduação em história da Universidade Federal de Pernambuco, 2020. pp.
195-231.
então mais que nunca, e sempre continuou até agora, nenhuma conveniência tem-
poral antes grandes inconveniências, e incomodidades, perseguições, e detrações
trouxe a muito e muitas pessoas grandes ilustres, letradíssimas, riquíssimas; todas
muito bem acomodadas no mundo abraçaram a vida dos jacobeus cedendo das suas
comodidades, e encontrando grandes incômodos só levados da força das virtudes
inculcadas pelo Mestre Anunciação, e da experiência, que lhe mostrou o tesouro
que estava escondido no método, no trato, na sociedade e coligação dos jacobeus.21
realizada na década de 1740, foi apenas em fins da década de 60, através da interven-
ção vigorosa realizada pelo Conde de Oeiras no âmbito de uma verdadeira guerra
aos jacobeus, que ambos os conceitos passaram a ser tratados de forma solidamente
associativa. Nos primeiros anos do reinado de D. José I (1750-1777), ainda é possí-
vel encontrar referências à Jacobeia sem a necessária relação com a quebra do sigilo
confessional e ainda dentro do repertório semântico que buscava atribuir aos jaco-
beus uma forma de beatice afetada.
Esse é o caso do Jornal Anónimo, impresso em Lisboa no ano de 1752, que
dedicou dois números ao tema da hipocrisia. O Anónimo, lançado e financiado por
Bento Morganti, influenciado pelo The Spectator de Steele e Addison (1711-1712),
integra-se na rede europeia de difusão do jornalismo filosófico, instrutivo e mo-
ralizante com forte inspiração londrina. Segundo Ana Cristina Araújo (ARAÚJO,
2003: 69-71), Bento Morganti é um entusiasta da razão esclarecida, sustentando que
só por meio dessa seria possível erradicar da sociedade os flagelos da ignorância e
da superstição.
Nesse âmbito, dois volumes do Jornal se dedicaram ao tema da hipocrisia e
seus impactos para a sociedade portuguesa. O número 13, intitulado “Da Hypor-
cesia (sic), e os meyos para se conhecer cada hum a si mesmo”, trata das principais
formas de hipocrisia encontradas no período.
A Hipocrisia nos Palácios, e nas partes junto a eles, é muito diferente daquela que
se prática em comum. O hipócrita da moda procura mostrar-se pior do que é; e o
hipócrita comum deseja passar nos olhos de todos por mais virtuoso do que na ver-
dade é. O primeiro parece, que teme tudo o que tem alguma aparência de Religião, e
teria grande gosto se todos entendessem, que estava influído em muitas cousas más,
ainda que na verdade não fosse assim: e o ultimo se reveste de um exterior devoto,
e esconde uma quantidade de vícios debaixo das excelentes aparências da virtude.23
Mesmo que a Jacobeia não tenha sido explicitamente citada, é possível iden-
tificarmos o repertório utilizado na década anterior para classificar o estilo de con-
duta dos jacobeus, designadamente, a referência ao exterior devoto, que esconderia
uma considerável quantidade de vícios camuflados pela falsa virtude. Em outro tre-
cho do Jornal, o autor trata de uma terceira forma de hipocrisia, aquela em que um
homem aponta defeitos e faltas a outro, persuadido de que tem mais virtude do que
verdadeiramente dispõem. É possível estarmos diante de uma crítica ao modelo de
classificação proposto pelo mestre dos jacobeus, que dividia os homens em duas
classes: a dos tíbios e imperfeitos e a dos virtuosos, como já foi dito.
23 Anónimo (Bento Morganti) (Hrsg.): “Num. 13”, in: O Anonymo. Repartido pelas semanas, para
divertimento e utilidade do público, Vol.1\013 (1752). Disponível em: http://gams.uni-graz.at/archi-
ve/objects/o:mws.6993/methods/sdef:TEI/get?locale=de&context=pt;context:mws-anonymo-col1
24 Anónimo (Bento Morganti) (Hrsg.): “Num. 14”, in: O Anonymo. Repartido pelas semanas,
para divertimento e utilidade do público, Vol.1\014 (1752). Disponível em: https://gams.uni-graz.
at/o:mws.6994.
De tudo que o temos dito nas reflexões, que temos feito sobre as máximas dos Ja-
cobeus, nasce por umas consequências justíssimas: que o sistema da Jacobeia é por
seus intrínsecos princípios sedicioso, e contrário ao bem público, e à tranquilidade
dos Estados: que é pela sua essência destrutivo da soberania: que ensina a desprezar,
e ter em nada todo o poder político instituído por Deus.28
26 ANTT - Carta de sua Majestade para o provincial definitório dos Eremitas de Santo Agostinho,
Manuscritos da Livraria, n º 1140 (8).
27 Coleção das Leis Promulgadas, Sentenças Proferidas nos casos da infame pastoral do Bispo de
Coimbra D. Miguel da Anunciação da Seita dos Jacobeos, Sigilistas. Lisboa: na Régia Oficina Tipo-
gráfica, 1769.
28 Coleção das Leis Promulgadas, Sentenças Proferidas nos casos da infame pastoral do Bispo de
Põem em conduta destes em igual paralelo com as dos fariseus, e dos hereges de
vários séculos do cristianismo, sem preceder devassa, nem se produzir prova de
fatos, e ações individuais, nem serem ouvidos os censurados, como tudo era neces-
sário, segundo as leis divinas, e humanas, para se formar um juízo legítimo daquela
semelhança, ou identidade. Toma por fundamento único as mesmas máximas com
estranha desfiguração da doutrina, que elas implementem propõem pronúncia, que
essas máximas, seus princípios e teses contêm um sistema errôneo, absurdo, cis-
mático, e rebelde da seita chamada jacobeia, e que são diametralmente opostas aos
mais sólidos princípios da doutrina evangélica ao bem público, e tranquilidade dos
estados representa os supostos Jacobeus cheios de vícios, de soberba, de vaidade,
de hipocrisia, inflexíveis, obstinados, e sem esperança de conversão, e que por esta
causa é necessário destruí-los para não infecionarem o estado.34
34 ANTT - Defesa da justificação do Bispo d. Miguel da Anunciação dividida em três partes. Manus-
critos da Livraria, n.º 942. Fl. 79.
35 ANTT - Defesa da justificação do Bispo d. Miguel da Anunciação dividida em três partes. Manus-
critos da Livraria, n.º 942. Fl. 90-91.
Referências
Fontes manuscritas
AHU - Arquivo Histórico Ultramarino
AHU_Avulsos de Goiás_008, Cx. 25, D. 1582.
AHU_Avulsos de Minhas Gerais_011, Cx. 96, D. 7764.
AHU_Avulsos do Pará_013, Cx. 65, D. 5592.
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Carta de sua Majestade para o provincial definitório dos Eremitas de Santo Agosti-
nho, Manuscritos da Livraria, n º 1140 (8).
Defesa da justificação do Bispo d. Miguel da Anunciação dividida em três partes.
Manuscritos da Livraria, n.º 942.
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 13907.
BA - Biblioteca da Ajuda
Vos ascendite ad festum, ego autem non ascendo Joan 7, Cota. 54 – XI - 35, n.º 18.
36https://www.google.com/search?q=Jacobeu&rlz=1C1AZAA_enBR751BR751&oq=Jacobeu&a-
qs=chrome..69i57j69i59l2j0l3j69i60l2.3131j1j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8