Parto Humanizado: Valores de Profissionais de Saúde No Cotidiano Do Cuidado Obstétrico

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ARTIGO ORIGINAL

Parto humanizado: valores de profissionais de saúde


no cotidiano do cuidado obstétrico
Humanized childbirth: the values of health professionals in daily obstetric care
Parto humanizado: valores de los profesionales de salud en la atención obstétrica diaria

RESUMO
Objetivo: Compreender os valores dos profissionais de saúde no processo de pensar e
Diego Pereira RodriguesI
sentir do cuidado obstétrico, baseando-se em suas carências vivenciadas no processo de
ORCID: 0000-0001-8383-7663 cuidar. Métodos: Estudo fenomenológico fundamentado no referencial scheleriano, com
Valdecyr Herdy AlvesII 48 profissionais de saúde de quatro maternidades da Região Metropolitana II do estado
do Rio de Janeiro. A coleta de dados foi por entrevista fenomenológica; e a análise, com o
ORCID: 0000-0001-8671-5063
referencial metodológico ricoeuriano. Resultados: O valor vital foi significado no cuidado
Cristiane Cardoso de PaulaIII centrado nos processos fisiológicos, para um acompanhamento individualizado e seguro.
O valor ético foi significado nas atitudes que oportunizam autonomia da mulher em sua
ORCID: 0000-0003-4122-5161
forma de parir e reconhecem o diálogo como processo de relação de simpatia, afetividade
Bianca Dargam Gomes VieiraII e criação de vínculo. Conclusão: A ressignificação da prática obstétrica, articulada com as
ORCID: 0000-0002-0734-3685 políticas públicas no campo do parto e nascimento, sustentada por um valor vitalético,
contribui positivamente na humanização do cuidado às mulheres.
Audrey Vidal PereiraII Descritores: Centros de Saúde Materno-Infantil; Parto Humanizado; Enfermagem Obstétrica;
ORCID: 0000-0002-6570-9016 Obstetrícia; Filosofia em Enfermagem.

Laena Costa dos ReisI


ABSTRACT
ORCID: 0000-0001-5042-1370 Objective: To understand health professionals’ values in the process of thinking and feeling
Giovanna Rosário Soanno MarchioriII about obstetric care, based on their experienced needs in the care process. Methods:
Phenomenological study based on the Schelerian framework, with 48 health professionals
ORCID: 0000-0002-0498-5172
from four maternity hospitals within the Metropolitan Region II of the state of Rio de Janeiro.
Maria Bertilla Lutterbach Riker BrancoII Data collection was done through a phenomenological interview; and the analysis, with the
ORCID: 0000-0002-5117-644X Ricoeurian methodological framework. Results: The vital value was signified in care centered
on physiological processes, for an individualized and safe monitoring. The ethical value was
signified in the attitudes that provide women with autonomy in their way of giving birth,
and recognize dialogue as a process of sympathy, affection, and bonding. Conclusion: The
resignification of obstetric practice, articulated with public policies in the field of delivery
I
Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil.
and birth, supported by a vital ethical value, positively contributes to the humanization of
II
Universidade Federal Fluminense. Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. care for women.
III
Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, Descriptors: Maternal-Child Health Centers; Delivery of Health Care; Obstetric Nursing;
Rio Grande do Sul, Brasil. Obstetrics; Philosophy, Nursing.

Como citar este artigo: RESUMEN


Rodrigues DP, Alves VH, Paula CC, Vieira BDG, Objetivo: Comprender valores de profesionales de salud en el proceso de pensar y sentir del
Pereira AV, Reis LC, et al. Humanized childbirth: cuidado obstétrico, basándose en sus carencias vividas en el proceso de cuidar. Métodos:
the values of health professionals in daily obstetric care. Estudio fenomenológico fundamentado en el referencial scheleriano, con 48 profesionales
Rev Bras Enferm. 2022;75(2):e20210052. de salud de cuatro maternidades de la Región Metropolitana II de Rio de Janeiro. Recolecta
de datos fue por entrevista fenomenológica; y el análisis, con referencial metodológico
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0052
ricoeuriano. Resultados: El valor vital fue significado en el cuidado centrado en procesos
fisiológicos, para un acompañamiento individualizado y seguro. El valor ético fue significado
Autor Correspondente: en actitudes que posibilitan autonomía de la mujer en su manera de parir y reconocen
Diego Pereira Rodrigues el diálogo como proceso de relación de simpatía, afectividad y construcción de vínculo.
E-mail: diego.pereira.rodrigues@gmail.com Conclusión: La resignificación de la práctica obstétrica, articulada a políticas públicas en el
campo del parto y nacimiento, sustentada por un valor vital-ético, contribuye positivamente
en la humanización del cuidado a mujeres.
Descriptores: Centros de Salud Materno-Infantil; Parto Humanizado; Enfermería Obstétrica;
EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho Obstetricia; Filosofía en Enfermería.
EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Submissão: 22-02-2021 Aprovação: 06-06-2021

https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0052 Rev Bras Enferm. 2022;75(2): e20210052 1 de 9


Parto humanizado: valores de profissionais de saúde no cotidiano do cuidado obstétrico
Rodrigues DP, Alves VH, Paula CC, Vieira BDG, Pereira AV, Reis LC, et al.

INTRODUÇÃO no cuidado ao parto e nascimento. Desse modo, o movimento


de humanização da assistência, com destaque para o parto
Por intermédio da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do humanizado, buscou realinhar a autonomia da mulher versus o
Ministério da Saúde (MS), a atenção ao parto vem se transfor- poder sobre os corpos das mulheres centrado nos profissionais
mando ao longo dos anos no cenário mundial e no Brasil, com a de saúde por meio de normas institucionais(13-14).
formulação de diretrizes para o parto normal, direcionado para a Assim, a humanização nos processos de cuidado ao parto
revisão de saberes, condutas e práticas obstétricas no campo do possibilita a abertura de diálogos no campo dos saberes, nas
nascimento(1-2). Essas mudanças são fruto da construção coletiva práticas de saúde e nos modos instituídos do trabalho em saú-
do movimento iniciado por mulheres, profissionais, gestores de(19). Tais modos são estabelecidos no/com o processo de cor-
de saúde e pesquisadores desde a década de 1980 em prol da responsabilidade para a transformação da realidade do trabalho
saúde materno-infantil. Tais mudanças possibilitaram uma res- em si e no conjunto de atores. Isso evidencia a estreita relação
significação das práticas obstétricas dos profissionais de saúde, entre sentidos, motivação, satisfação e percepção de valor(3-6)
em linha com os valores schelerianos(3-6), ou seja, sustentadas no que configura os aspectos do trabalho vivo(23).
respeito, na qualidade da assistência, no protagonismo, autonomia, Nessa perspectiva, a compreensão filosófica scheleriana abre
satisfação das mulheres, na segurança e num cuidado ancorado espaço para análises do contexto atual da humanização no cenário
nas evidências científicas(7-11). Porém, o excesso de intervenções brasileiro. A concepção valorativa aponta que o valor é tudo que
desnecessárias ainda faz parte do cotidiano assistencial, inclusive é de estima para o ser humano(24-25) e que, na dimensão intuitiva,
nas maternidades no Brasil. vale para a vida da pessoa(26). Todo valor agregado pela pessoa
As mulheres são submetidas a inúmeros procedimentos tem por finalidade o preenchimento de suas carências, anseios
obstétricos, como a episiotomia, manobra de Kristeller, medi- e necessidades vivenciais(24), aqui representado no processo de
calização de ocitócitos, tricotomia, lavagem intestinal, além da parturição. Esse processo é do mundo da vida, e os valores são
epidemia de cesariana no país(2,7-14). Estudos apontam obstáculos vivenciados por cada pessoa envolvida. Na dimensão conceitual
na estrutura organizacional da gestão do trabalho e atitudes de sua teoria, três pontos são importantes: o valor, o contravalor
profissionais, por vezes, discriminatórias, preconceituosas, vio- e o não valor. Segundo o pensamento scheleriano, tudo que
lentas e incoerentes com as boas práticas de atenção ao parto e tem um sentido de oposição ao valor constitui o contravalor,
nascimento e com a prática baseada em evidências(8,12-14), indo como podemos assim exemplificar: em sendo valor a “saúde” e o
contra as necessidades biopsicossociais das mulheres e dos seus contravalor a “utilização de uma alimentação inadequada”, com
valores da assistência(4-6,15-18). consumo de gorduras prejudiciais e produtos ultraprocessados,
Diante disso, o movimento da humanização do parto ampliou essa alimentação é uma oposição ao valor “saúde”; e o não valor
políticas públicas de saúde no campo reprodutivo desde os anos significa a total indiferença ao valor “saúde”(24).
2000 para qualificar a atenção materno-infantil e fornecer um cuidado O estudo emergiu com base nas experiências no ambiente do
digno e respeitoso para as mulheres, com incentivo de sua autono- cuidado obstétrico e assumiu o teor dos valores positivos oriundos
mia e protagonismo, garantindo seus direitos sexuais, reprodutivos do processo de humanização, em que se percebeu a limitação
e humanos, bem como os seus valores(3-6,15-18). Esse movimento de estudos relacionando a assistência obstétrica ao referencial
possibilitou uma linha de intervenções coerente com o Objetivo 5 teórico em questão; estes abordavam, em sua maioria, os valores
(Melhoria da saúde materna) dos Objetivos do Desenvolvimento do da amamentação e da educação(4,6,15-17). Portanto, fez-se necessá-
Milênio (ODM); e, atualmente, com o Objetivo 3 (Saúde e bem-estar) rio a investigação nesse campo de cuidado das mulheres. Desse
dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). modo, utilizou-se a seguinte questão norteadora: Quais são os
Dentre essas intervenções, está a criação de políticas públicas significados valorativos dos profissionais de saúde no processo
como: Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento de trabalho em relação ao parto e nascimento humanizado?
(PHPN)(10); Política Nacional de Humanização (PNH)(19-20); Estraté- Os valores para a humanidade (pessoa) vão ao encontro da
gia Rede Cegonha(11,20); além das novas Diretrizes Nacionais da ciência, do respeito e da justiça social(24). Na humanização, há o
Assistência ao Parto Normal do MS(21). Tais políticas promoveram encorajamento para que os valores e expectativas das mulheres
acessibilidade e resolutividade; ampliação dos cuidados obstétri- sejam respeitados, como a vida da mulher e do bebê perante a
cos; construção/reforma de unidades; capacitação/alteração de fisiologia da parturição, com a sustentação de uma prática pro-
condutas profissionais; reorganização do processo de trabalho fissional qualificada, segura e baseada em evidências científicas
com ênfase no modelo colaborativo de equipe multiprofissional; como modo de cuidar em colaboração com as pessoas envolvi-
incentivo ao parto normal/natural/fisiológico; e diminuição das das(1-2,14,19). Nesse sentido, tendo por base o modelo humanizado
intervenções obstétricas(22), com a valorização da subjetividade, para parto e nascimento, os profissionais de saúde traduzem
individualidade do cuidado e dos valores e expectativas das diariamente em seu cotidiano valores que podem ser favoráveis
mulheres(3-6,15-18). ou contrários às necessidades das mulheres ora gestantes(1-2,11,19-20).
O sentido da humanização envolve atitudes, práticas, condutas
e comportamentos pautados no desenvolvimento saudável dos OBJETIVO
processos de parto e nascimento, com o respeito à individualidade,
singularidade e valorização das mulheres(8). Essa humanização Compreender os valores dos profissionais de saúde no processo
destina-se às usuárias do serviço, aos profissionais e aos gestores de pensar e sentir do cuidado obstétrico, baseando-se em suas
de saúde, com o objetivo de alcançar a qualidade e segurança carências vivenciadas no processo de cuidar.

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Parto humanizado: valores de profissionais de saúde no cotidiano do cuidado obstétrico
Rodrigues DP, Alves VH, Paula CC, Vieira BDG, Pereira AV, Reis LC, et al.

MÉTODOS Após a aplicação dos critérios, os participantes elegíveis foram


convidados para a entrevista. O encerramento da coleta foi por
Aspectos éticos suficiência de significados(29) quando a análise, desenvolvida con-
comitantemente, indicou que os significados obtidos respondiam
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do ao objetivo da pesquisa, ou seja, não era mais necessária a inclusão
Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP) da Universidade de novos participantes. Então, o quantitativo de participantes
Federal Fluminense (UFF). Foi garantida a participação volun- não foi predeterminado e totalizou 48 profissionais de saúde,
tária mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e dos quais 12 de cada maternidade, sendo 6 de cada categoria
Esclarecido (TCLE). Para preservar o anonimato, os depoentes profissional participante do estudo.
receberam uma codificação alfanumérica (PS1, PS2, PS3, ...PS48).
Coleta e organização dos dados
Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo
Um dos principais instrumentos para a abordagem dos fenô-
Trata-se de estudo fenomenológico, sustentado na Teoria
menos é a entrevista fenomenológica(29-30), que possibilita o acesso
de Valores de Max Scheler, para a compreensão valorativa(24).
aos significados dos participantes do estudo. A entrevista iniciou
O referencial teórico escolhido retrata que os valores existem
com a realização de perguntas objetivas para caracterização dos
a priori, pois prevalecem para o homem, são independentes
participantes (gênero, idade, formação de instituição na graduação,
de qualquer pessoalidade de quem o porta e são apreendidos
tempo de atuação na área obstétrica). Seguiuse com uma questão
por meio de um processo(24). Os valores estão presentes na vida
disparadora, a saber: “Fale sobre o seu cuidado cotidiano com a
dos profissionais de saúde influenciando seu fazer e agir(27). A
mulher no processo do parto e nascimento.” Com esta, buscou-se
percepção de estar no mundo, aqui representada no cuidado
a apreensão dos valores expressos pelos participantes no cuidado
ao parto e nascimento, possibilita o acesso aos valores, que
obstétrico. Durante a entrevista, o pesquisador adotou uma postura
estão fundados no seu sentir. Os valores são hierarquizados em
de ouvinte e, ao mesmo tempo, de estimulador, de modo que,
categorias em ordem crescente: 1) valores úteis; 2) valores vitais;
quando sentia necessidade de obter mais informações, solicitava
3) valores espirituais, que incluem os valores estéticos/morais,
que o entrevistado falasse mais sobre o assunto em questão(30).
éticos, intelectuais (lógicos); e 4) valores religiosos(24-27).
Os dados foram coletados individualmente no período de abril
Este artigo destaca os valores de um cuidado obstétrico ali-
de 2017 a abril de 2018, no local de trabalho dos participantes,
nhado com o modelo humanizado. A redação do estudo seguiu
numa sala reservada (consultório) nas unidades de saúde, somen-
os critérios apresentados no Consolidated Criteria for Reporting
te com a presença do pesquisador principal e do participante,
Qualitative Research (COREQ)(28), que visa a qualidade e a trans-
garantindo a não interrupção do diálogo. As entrevistas foram
parência do relato da pesquisa qualitativa em saúde.
desenvolvidas em um único momento com cada participante,
Cenário do estudo com duração média de 45 minutos cada. Os discursos foram
audiogravados em aparelho digital, com autorização prévia
A pesquisa foi realizada em maternidades de hospitais públicos dos participantes, e, posteriormente, transcritos na forma literal.
do SUS da Região Metropolitana do estado do Rio de Janeiro, a Depois, sucedeuse o tratamento do material.
saber: Hospital Universitário Antônio Pedro; Hospital Estadual
Azevedo Lima; Maternidade Municipal Dr.ª Alzira Reis Vieira; Análise dos dados
Maternidade Municipal Dr. Mario Niajar. Os cenários foram eleitos
segundo o critério: ser instituição pública com um quantitativo A análise foi desenvolvida segundo a Teoria de Interpretação(31)
superior a mil nascimentos/ano. e seguiu estas etapas: 1) Leitura inicial, em que o pesquisador
principal desenvolveu a escuta do material audiogravado, leu a
Fontes dos dados transcrição e fez as primeiras leituras do texto escrito, isentas
de julgamentos, em busca da relação entre a produção de
A população elegível foi em média 36 profissionais (18 médicos significados (na entrevista) e sua primeira apreensão (na leitura
obstetras e 18 enfermeiros obstétricos) em cada maternidade, das transcrições), quando realçou (com cor), no texto, os pri-
tendo sido fornecido pela gerência o número de profissionais. meiros significados identificados; 2) Leitura crítica, quando foi
Em segundo momento, foi realizado o recrutamento por conve- realizada a leitura da palavra, da frase, do parágrafo e do texto
niência, sendo realizado o convite com a apresentação do objetivo como um todo (discurso) em busca da ampliação da apreensão
e informações sobre o estudo. A realização da coleta de dados se dos significados (foram destacados com cor outros significados
deu pelo pesquisador principal em cada maternidade, no turno identificados pelo pesquisador) e a organização deles (foi utili-
de trabalho dos profissionais pesquisados que atenderam aos zada codificação cromática para significados semelhantes com
critérios de elegibilidade. categorização empírica para formar as unidades de significado
Nesse momento, os seguintes critérios de inclusão foram e seus respectivos sentidos); 3) Apropriação, desenvolvida com
aplicados: ser profissional de enfermagem obstétrica e médico a interpretação dos significados dos profissionais de saúde em
obstetra; e atuar no cuidado à mulher no processo de parto e relação à violência obstétrica, sustentando-se na Teoria de Va-
nascimento. Foram excluídos os profissionais com tempo de lores(24). Os discursos dos participantes foram discutidos tendo
serviço inferior a seis meses. por base evidências científicas.

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Parto humanizado: valores de profissionais de saúde no cotidiano do cuidado obstétrico
Rodrigues DP, Alves VH, Paula CC, Vieira BDG, Pereira AV, Reis LC, et al.

RESULTADOS norma ou rotina, como um evento atravessado por excesso de


intervenções e manipulações desnecessárias do corpo da mulher.
Os profissionais de saúde foram 24 foram enfermeiros obsté-
tricos e 24 médicos obstetras, sendo 39 mulheres e 9 homens. Em O parto natural, ele é simplesmente perfeito, fisiológico não é
relação à idade, a maioria (26) tinha entre 30 e 50 anos; 14 tinham parto normal […], porque, como a gente aqui [na maternidade]
mais de 50 anos; e 8 tinham entre 20 e 29 anos. A maioria (32) se acaba acompanhando a mulher desde o início do trabalho de
parto […], então, a gente pega todas as fases dela, em que ela
graduou em instituição pública; e 16, em instituição privada. Em
chega empolgada com esse parto, quando tem as dores, assim
relação ao tempo de atuação na área obstétrica, a maioria (20)
a gente está acompanhando, estimulando, explicando passo a
estava em atividade há mais de 10 anos; 15 atuavam há menos passo. Não é rotina: cada mulher é uma; esse cuidado garante o
de 5 anos; e 13, entre 5 e 10 anos de atuação. bemestar. (PS10)
Os resultados apontaram a unidade de significado: o valor
da humanização ao parto e nascimento. É imprescindível a Os discursos reforçam o valor vital como um bem-estar de-
expressão valorativa dos profissionais de saúde no que diz sejável para todos os seres humanos que valoram o seu existir
respeito ao cuidado ao parto e nascimento, pois desvelam as na vida e, simultaneamente, expressam seu sentir emocional,
vivências que ressignificam os valores por identificarem mudan- dando sentido ao seu bem-estar para a garantia da sua saúde
ças no campo científico, das políticas e do protagonismo, da no momento do parto e nascimento. O modelo humanizado do
autonomia, expectativas e satisfação das mulheres. É atribuído, parto permite trazer uma nova ótica valorativa para o entendi-
assim, valor ao modelo humanizado, que se expressa nos va- mento da parturição como um processo natural, ressignificando
lores vitais e nos valores éticos e morais do cuidado à mulher os valores do profissional no cuidado obstétrico.
no parto e nascimento.
A referida unidade de significado contemplou os sentidos: O valor ético do cuidado obstétrico: a simpatia para o
1) O valor vital no cuidado obstétrico humanizado; 2) O valor cuidado do outro
ético do cuidado obstétrico: a simpatia para o cuidado do outro.
O profissional valora o cuidado centrado na autonomia e
O valor vital no cuidado obstétrico humanizado liberdade da mulher em sua forma de parir e oportuniza a es-
colha informada, sustentada em evidências científicas, para
O significado do discurso expressa o crescimento e desen- manter a segurança do cuidado. Essas atitudes apontam para a
volvimento do profissional de saúde como agente vital para ressignificação dos valores na assistência obstétrica e reforçam
o cuidado e aponta para a valorização da centralidade nos o modelo humanizado.
processos fisiológicos, tendo como base para a sua atuação o
conhecimento científico. “Vamos ficar de cócoras um pouco.” Mas aqui, eu já falei até com
o coordenador médico, o nosso chefe tem uma banquetinha que
O parto humanizado, a gente procura dar uma assistência é muito útil no trabalho de parto, que ela [mulher] pode ficar
qualificada […] sempre dar uma assistência individualizada, sentadinha na banquetinha, e você pode colocar um familiar
com a análise da parte clínica, obstétrica, emocional, procurando ou um profissional por detrás, que ela pode apoiar na posição
sempre dar uma assistência humanizada à paciente, a cada caso, vertical para favorecer, mas ele falou que vai providenciar, que a
seguindo as evidências. (PS06) obra está acontecendo. (PS25)

Mudou muito no decorrer dos meus quase 30 anos de maternidade Então, a gente tenta valorizar as escolhas da paciente [mulher]
[…] o parto, a gente encarava como paciente cirúrgico e hoje a desde o início, entendo as mudanças […] a humanização deve
gente encara isso de uma forma mais fisiológica […] eu até acho ser o foco, com uma assistência individualizada com a mulher,
que o nome “parto normal” é uma coisa que deveria deixar de reafirmando os valores das evidências cientificas. (PS27)
existir, deve ser parto fisiológico […] criar condições que favore-
çam a fisiologia: isso se traduz em segurança da mulher. (PS34) Sabe-se que também a posição deitada não é uma posição que
favoreça a fisiologia, é o tradicional, mas na verdade não é o
O parto é um evento natural que se dá fisiologicamente, é um parto mais natural, a posição que geralmente a mulher assume
momento de extrema transformação para mulher/mãe e para instintivamente para o parto quando ela está só ou é de quatro
criança obviamente, respeitando a fisiologia, pois devemos estar ou é agachada […]. Ela geralmente fica mais para vertical do que
atentos a qualquer mudança fisiológica: isso é vital. (PS18) deitada, só que se convencionou deitar, então, às vezes a pessoa
vai lembrar que viu na televisão que é deitado: “Vou deitar!” Mas,
A fisiologia é reconhecida como um valor em si mesmo, pois instintivamente não é, tanto que a mulher, quando está em contração,
vale para o processo de parto natural. Nota-se a apreensão do ela dá preferência de estar sentada ou caminhando ou agachada,
valor vital, essencial para o reconhecimento do valor do saudável dá um alivio melhor, nos quadris, na posição e relaxa mais. (PS46)
e do fisiológico. Além de oferecer condições de compreender o
bem-estar como inerente à vida da mulher e de seu bebê, essa Tais discursos valoram o ético do profissional, em que o valor
apreensão atribui-lhes o valor essencial à vida. coaduna com a intuição emocional. Os profissionais de saúde
O profissional também expressa o cuidado obstétrico humani- apontam o valor ético, que, por meio de um cuidado simpático,
zado quando reconhece a distinção entre o normal, significando compreende os sentimentos do outro, é afetado pelo outro e se
fisiológico, como um evento natural, e o normal remetendo a envolve em trocas afetivas.

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Parto humanizado: valores de profissionais de saúde no cotidiano do cuidado obstétrico
Rodrigues DP, Alves VH, Paula CC, Vieira BDG, Pereira AV, Reis LC, et al.

A ética torna-se um valor que possibilita melhores práticas de Percebe-se que os discursos dos profissionais de saúde se dire-
saúde, como a afetividade do cuidado, produzindo uma relação cionam para uma ressignificação (um novo significado pela nova
simpatizante. Nesse teor, tais significados expressam uma res- visão de mundo), abarcando a humanização como processo para
significação do parto e nascimento como algo belo, único e de garantir o valor vital(24-25). O modelo humanizado reforça a abertura
redescoberta, fortalecendo a humanização em saúde enquanto para um cuidado vital às mulheres e aos seus bebês. Nessa transição,
um valor ético para o cuidado obstétrico: o modelo obstétrico configura-se em valores facetados: os valores
vitais apoiam-se nos valores centrados nos processos fisiológicos,
O parto é a coisa mais bela que o corpo humano consegue fazer, isto é, num valor primordial para assegurar a vida humana.
é um momento em que a mulher se redescobre como pessoa, é o Dessa forma, a humanização dialoga com os valores vitais
momento em que a mulher se redescobre como mãe, ela consegue alinhados com o bem-estar das mulheres e dos bebês(24), com
perceber que pode parir. (PS36)
destaque para a redução da medicalização, especificamente
das cesarianas eletivas, e para a eliminação de técnicas de assis-
Esse momento do parto e do nascimento para mim é único. Nós,
profissionais, devemos estar ao lado da mulher, com a mulher, isso
tência que limitam e prejudicam a liberdade física das mulheres
é ético. As evidências cientificas mostram isso com clareza; isso no trabalho de parto(2,7-12). A humanização, nos discursos dos
é um valor fundamental para um cuidado seguro e ético. (PS44) participantes, reforça o valor vital expresso na garantia da cen-
tralidade do cuidado à mulher dentro do campo dos processos
Os profissionais de saúde mostram a importância do diálogo fisiológicos do parto, em que constitui um valor em si mesmo(24-26),
enquanto processo de relação para o cuidado qualificado. Tal garantindo o bem-estar ao binômio mãe-bebê. Isso se expressa
diálogo possibilita a criação de vínculo e a relação de simpatia, na mudança do significado da parturição como um evento
na medida em que esta se desvela em uma relação afetiva com não mais normal (norma ou rotineiro), repleto de intervenções
a mulher, com seu cuidado e sua saúde. Somente quando se desnecessárias, e sim na compreensão de um parto fisiológico,
determina o vínculo, é possível simpatizar com o outro. possibilitando um maior diálogo para a tomada de decisões de
forma compartilhada e com foco na integralidade do cuidado à
Uma atenção qualificada está correlacionada com a nossa ética, mulher(2,14,19-21). Desse modo, o modelo de humanização fortalece
então, em um modelo humanizado, devemos criar vínculo com esse sentido de novos significados da atuação profissional no
ela [mulher], para que possamos acolher, ouvir, interagir, criar cuidado obstétrico, com seu exercício centrado nos processos
vínculo e afeto com essa mulher e para que ela [mulher] se sinta fisiológicos do parto e nascimento.
segura com as nossas ações no cuidado dela. (PS01) Um destaque para essas mudanças de práticas e saberes está
relacionado à influência das propostas realizadas pelas políticas
Eu acho que o diálogo é essencial, pois temos várias mulheres de
públicas, como da PNH e, especialmente, da Estratégia Rede
diversos níveis socioculturais ou socioeconômicos […] você tem
que conversar, entender o que a mulher fala, mas eu acho que Cegonha, que reafirmam o valor vital do parto(24), sustentadas
basicamente você tem que ter uma boa relação médico-paciente pelo reconhecimento da centralidade dos processos fisioló-
com diálogo e afeto. (PS43) gicos. Desse modo, os valores vitais se constituem como base
do exercício profissional, orientado pelo valor da vida, tendo
Assim, o valor ético se incorpora na forma pela qual os pro- o bem-estar e a segurança como marcos para o alcance da
fissionais de saúde agem com as mulheres e cuidam delas, em plenitude da vida saudável(16-24). Convém ressaltar que o valor
que se estabelece a afetividade de estar com o outro e cuidar do da sensibilidade, correspondente ao bem-estar, é interpretado
outro. O cuidado simpático visa ao outro (parturiente) em sua de modo significativo pelos profissionais de saúde no campo
integralidade de ser mulher parindo e se torna possível quando da centralidade dos processos fisiológicos do parto e está em
está direcionado para a individualidade da mulher. linha com o modelo humanizado. Isso conduz à compreensão
do valor vital como potencialidade do cuidado obstétrico, a fim
DISCUSSÃO de realizar o parto e nascimento com um acompanhamento
individualizado e seguro(7-9,14,19,24-29).
As expressões valorativas reveladas pelos discursos dos de- Assim, a transição de modelo obstétrico se torna uma neces-
poentes deste estudo viabilizaram discutir o valor vital-ético sidade essencial para a transformação da assistência ao parto e
no cuidado obstétrico humanizado para o cuidado do outro(32). nascimento, conforme os discursos dos profissionais de saúde.
Primeiro, menciona-se que a saúde se constitui como um valor Portanto, essa atenção se sustenta nos valores conjugados para
vital, traduzido de forma efetiva como algo essencial ao bem-estar. o bem-estar, valores vitais, ou seja, essenciais à vida(24). Esses
Esse valor vivenciado pelo cuidado de enfermeiros e de médicos valores também estão presentes no alinhamento das políticas
no cotidiano das maternidades se relaciona com o sentido valo- públicas de saúde no campo obstétrico. Os valores vitais são
rativo scheleriano(24), em que a intuição emocional do homem inerentes à dignidade humana, na autonomia na forma de parir,
permite que ele faça uma referência imediata ao objeto (valor), com o respeito às suas escolhas, alinhando-as ao valor da justiça
sendo, este, fruto da carência existencial(25-26). A busca pelo valor e do direito à vida(24-25,33).
vital, que o modelo humanizado oportuniza aos profissionais de Esse reconhecimento também se consolida na valorização
saúde na busca de sua plenitude, favorece o desenvolvimento da ciência para garantir um cuidado qualificado, pois, quando
e crescimento do profissional. Assim, o objeto vale para o ser os profissionais de saúde sustentam sua atuação pelas reco-
humano, pois este, de fato, preenche suas necessidades. mendações científicas(2), se perpetua o valor à vida, garantindo

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Parto humanizado: valores de profissionais de saúde no cotidiano do cuidado obstétrico
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um cuidado individualizado para a segurança. Por fim, quando promoção de uma autonomia para a vivência do parto prazeroso,
o profissional valoriza a humanização, ele tende a reconhecer o com valores incorporados pela humanização(11-14,19-20,24-25,35-36).
sentido da vitalidade do seu cuidado como essência vital para o Já quanto aos significados dos profissionais de saúde no par-
outro(24,32). Reconhece-se, portanto, a mulher como sujeito com to e nascimento, o valor ético(24,32) mostrou-se por meio de um
autonomia no ato de parir, dentro dos seus direitos, e o cuidado cuidado simpático (afetividade) para com o outro(24-25). Esse valor
como um valor em si mesmo, validando, com isso, a segurança ético é estabelecido nas relações entre a mulher e o profissional
da parturiente e do recém-nascido(1-2,7-14,24-26). de saúde, em que, com a intencionalidade do profissional para
Há uma valorização nos discursos dos profissionais de saúde a afetividade com o outro, desenvolve-se uma aproximação à
quando trazem as recomendações científicas(1-2,7-11,21), que qualificam mulher(16-19,24,29,32,37).
a prática assistencial ao parto normal centrada nas necessidades Essa concepção scheleriana(24) sustenta que, por intermédio
das mulheres, classificando-a em categorias relacionadas à carência do afeto, se estabelece a capacidade de simpatizar com o outro,
de cada mulher, reconhecendo a singularidade e particularidade percebendo-o como humano e não como um mero objeto. Trata-se
do cuidado e possibilitando o desenvolvimento do profissional. de um posicionamento importante para os princípios que regem
Por consequência, o valor basilar (vital) tem como meta estimular a humanização, com o respeito à mulher e sua individualidade,
a utilização de cuidados úteis(24-26) em vez de práticas prejudiciais singularidade, autonomia e criação de vínculos como propósito
e/ou ineficazes, que devem ser evitadas e abolidas no cotidiano da realização de condutas fundadas na humanização(24-26,32,37). Os
das maternidades. Desse modo, quando se propõe um cuidado valores éticos são mediados pelos atos laborais que consolidam
individualizado, valorizando a ciência e os sentimentos, rompe-se o bem de determinada sociedade, coletivo de pessoas ou indiví-
com a rotina instituída pelo modelo tecnocrático que valora o duo(24-26,32,37). Assim, estes são valores superiores, o valor da vida
mesmo padrão de assistência para todas as mulheres em trabalho humana e o valor espiritual, por isso tornam-se valores precípuos
de parto; contrapõese ao processo parturitivo em série. Assim, a e sadios para a humanidade(24), aqui representados pelo ato de
humanização permite essa intuição valorativa científica, com base assistir o processo de parturição.
no valor vital e na formação (busca de conhecimento) como um Desse modo, a humanização se articula com o valor ético(32) e
processo humanístico, uma formação voltada para os saberes do possibilita um ensaio para um cuidado pautado na afetividade,
espírito(1,9-12,21,24-26,34). potencializando esboçar o uso de valores ao outro, no cuidado
Logo, considerar o valor ético(24,32) no processo da parturição é em saúde, revelando-se, inclusive, a construção de valores no
valorar o bem-estar do parto e nascimento, uma atenção facilita- cuidar simpatizante(24-25). Isso porque, simpatizar com o outro
dora de aberturas para as emoções e sentimentos da mulher que é estabelecer um diálogo, com criação de vínculo, unificando
vivencia o parto. Esses processos afetam o seu existir emocional, e um ato afetivo que motiva a ação para um cuidado do outro
sua autoestima se expressa para além da razão(24-26), com influência (compreender o que o outro vive e como vive)(32).
na sua autonomia de parir. Dessa maneira, o profissional reconhece Compreende-se, portanto, que os discursos dos profissionais
o valor da humanização e encontra eco para concretizar um cuidado de saúde ratificam que a humanização é sustentada pelo valor
humanizado, basilar para a instauração do valor ético(32), e se firma ético no cuidado afetivo(32) e singular com o outro. Esse exercício
no desenvolvimento do sentimento por parte do profissional de na subjetividade em zelar pelo outro (simpatia) considerando as
saúde diante da vida e para com a mulher. O valor ético permite que condutas obstétricas eficazes propicia um cuidado singular. Já
a conduta profissional contribua com o cuidado compartilhado: por que esse cuidado com o outro é um impulso afetivo, cuja primeira
exemplo, isso ocorre quando ele fomenta na mulher a liberdade manifestação é a simpatia do ser para si e para o outro, implica
sobre o modo de parir, estimulando posições mais verticalizadas, múltiplas transformações com os sujeitos envolvidos (a mulher, o
como parto em cócoras e na banqueta, que garantem mais con- companheiro e a família), fortalecendo, dessa forma, as relações
forto e bem-estar da parturição; assim, evita-se o parto horizontal afetivas, sociais e espirituais(26,32,37-38). Isso nos leva a reconhecer
como a forma tradicional do nascimento e, consequentemente, que as mulheres têm conhecimentos próprios sobre seu corpo
as intervenções na cena do parto. e que seus saberes devem ser compartilhados no processo da
Os valores éticos(32) estão, intrinsecamente, interligados à reali- parturição, a fim de garantir a ética do cuidado integral(1-2,7-14).
zação de um dinamismo congruente para um cuidado qualificado Deduz-se que o valor ético(24,32) é concebido como um cuidado,
e seguro, sustentados no valor das evidências científicas (ética baseado na vivência singular, que exige o nosso respeito, carinho e
vs. evidência científica), as quais são captadas pelo cotidiano das amor, quando observadas as questões concernentes à preservação
maternidades no pleno exercício da prática assistencial associada do outro enquanto ser humano. Vê-se o cuidado ético responsável
ao valor da verdade produzido pelos processos do conhecimen- se manifestar em valor universal(32). Assim sendo, o valor ético se
to(1,7-14,24-25). Entretanto, a transgressão dos valores éticos se mostra torna uma essência transformadora da prática cotidiana e deve ser
em condutas contrárias à ciência, não garantindo o estar e cuidar e estar com o outro, exaltando os seus direitos humanos(25-27,32,37-39).
da mulher, nem sua liberdade, tal qual propõe a humanização(27). A pessoa é o centro de toda fundamentação ética, e os atos
Dessa forma, o sentido do cuidado obstétrico se estabelece na genuínos de simpatizar ostentam um valor ético positivo(24,32).
afetividade como faceta do valor ético(2,21,24,32), na escuta das mu- A simpatia se encontra inseparável dos aspectos do cuidado à
lheres que desejam posições mais verticalizadas, potencializando pessoa(32). Então, quando o profissional de saúde, ao assistir o
um parto seguro e inibindo as intervenções desnecessárias. Esse parto, se defronta com significados que se estabelecem como
cuidado centrado no diálogo potencializa a confiança e oportuniza conexão afetiva com o cuidado simpatizante(32,37), ele entende a
um compartilhamento de decisões, com corresponsabilidade e sua aproximação com o ser humano em sua totalidade(32) e com a

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humanização, permeada pela aproximação do significado concreto O compartilhamento das ações em saúde é um valor necessário
do nascimento como um valor em si mesmo. nas relações entre profissional de saúde, gestores e usuárias do serviço.
Dessa forma, é necessário que o profissional de saúde compreenda Deve-se orientar pelos valores vitais e éticos, objetivando exercer um
o valor do cuidado obstétrico em sua totalidade quando, ao escutar cuidado simpatizante com o outro, com foco nos direitos humanos,
a mulher, interage com suas angústias e expectativas. Com essa nos direitos das mulheres, na justiça e nas evidências científicas, que
ação, potencializa a afetividade e a criação de vínculos, pois há uma não podem estar desvinculados do processo de cuidar em saúde.
simpatia com a mulher, e esse processo simpatizante com o outro
produz um cuidado mais qualificado, seguro e compartilhado. Assim, CONSIDERAÇÕES FINAIS
a humanização permite que os profissionais de saúde estabeleçam
novos significados na parturição, com base no cuidado vital e ético, Os profissionais de saúde, concomitantemente, descortinam
sendo o elo para que a mulher seja vista, ouvida e entendida com significados sobre a humanização da assistência obstétrica e dis-
um cuidado integral. Além disso, o profissional de saúde, nas suas correm sobre as potencialidades da humanização para mudança
dimensões valorativas preferenciais, contribui no seu ato intuitivo do cuidado, dando novos sentidos, alinhados aos valores vitais e
de reorganização da hierarquia de valores, sendo uma situação éticos, firmados nas relações afetivas por meio do processo simpa-
essencial para a transformação de sua atitude no cuidado obstétrico. tizante. Eles ressignificam o seu modo de cuidado, baseando-se na
humanização, e expressam o valor vital e ético como fundamento
Limitações do estudo para essa mudança, em oposição à utilização de princípios tecno-
cráticos na parturição.
Como limitação do estudo, menciona-se a impossibilidade A ressignificação da prática obstétrica surge articulada com
institucional em realizar uma análise documental referente às as políticas públicas de saúde, no campo do parto e nascimento,
descrições das práticas assistenciais relatadas pelos profissionais com a inserção do valor vital e ético para a vida das mulheres
nos documentos institucionais. e seus bebês, intervindo na forma de cuidar das mulheres. O
cuidado qualificado, seguro e compartilhado é conjugado com
Contribuições para a área da Enfermagem a afetividade, com o cuidado com o outro.

Ressalta-se que o cuidado centrado nos valores vitais e éti- FOMENTO


cos possibilita um cuidado qualificado e seguro, pois valorar
a gestante é sentir e estar com o outro em sua integralidade. Fundação de Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Assim, os serviços obstétricos devem estar alinhados para dar Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ.
novos sentidos ao cuidado à mulher no cotidiano da parturição Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade
que o modelo de humanização traz em evidência. Federal do Pará.

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