Artigo - Conceitos Fundamentais Dos Métodos Projetivos
Artigo - Conceitos Fundamentais Dos Métodos Projetivos
Artigo - Conceitos Fundamentais Dos Métodos Projetivos
Laura ; Jucélia
Bruna; Francisca Dalva
Katiane; Marilene
Élyce; Maria do Carmo
Conceitos fundamentais Bruno; Pedro
Alexandre Carl Marques.
dos métodos projetivos
Elza Rocha Pinto
Introdução
“A obra de arte — e sobretudo a obra literária — não se impõe apenas como um objeto de gozo ou de
conhecimento; ela se oferece ao espírito como objeto de interrogação, de indagação, de perplexidade.”
(Gaëtan Picon)
Os métodos projetivos foram assim designados por Frank (1939, 1965), quando
este autor reuniu sob o mesmo termo uma diversidade de testes então utilizados.
Seu artigo examinava uma ampla variedade de materiais e de técnicas, utilizadas
como meios de acesso às vivências internas, aos conflitos e desejos do sujeito.
Frank (1939) achava que as técnicas projetivas ofereciam acesso ao mundo dos
sentidos, significados, padrões e sentimentos, revelando aquilo que o sujeito não
pode ou não quer dizer, frequentemente por não se conhecer bem. De acordo
com este autor, tais métodos podiam apreender aspectos latentes ou encobertos
da personalidade, por serem inconscientes.
Existem posições contrárias ao uso do termo projetivo aplicado a alguns
destes métodos. Tais restrições normalmente têm por objetivo libertar estes
métodos do contexto teórico da psicanálise. No entanto, acreditamos que a
manutenção desta terminologia continua sendo útil, pois facilita a identificação
destas técnicas — é longa a trajetória que esta designação percorreu. Trata-se de
uma especificação de categoria, já que, em função de sua ampla variedade, os
testes psicológicos foram submetidos a classificações para facilitar as reflexões
e estudos sobre eles. Os critérios de ordenação são diferentes para cada autor.
Aqui, seguimos a trilha lançada por Frank (1939), para quem a marca distintiva
destas técnicas (com diferentes materiais e tarefas), estaria em sua natureza
relativamente não estruturada, ambígua e amorfa, assim como na liberdade da
resposta e do tempo diante de estímulos vagos e plásticos. Assim, o material
externo precisaria mesmo ser bastante impreciso ou indefinido para criar maio-
res possibilidades de revelação. Se o material for definido, ao falar sobre ele a
pessoa estaria bem próxima de uma descrição objetiva da realidade externa. Sua
percepção seria puramente cognoscitiva, como diria Bellak (1967). Ao contrário,
diante das indefinições do material, o sujeito está mais próximo de expressar
seu mundo interior, quando empresta contornos mais precisos à ambiguidade
pela interpretação e atribuição de sentidos.
Os métodos projetivos são utilizados desde o início do século XX. Porém,
muitas vezes foram olhados com suspeita por psicólogos que procuram maior
segurança nos procedimentos dos testes objetivos. O preconceito contra os testes
projetivos foi responsável pelo declínio de seu uso, durante a década de 1960,
época em que os testes objetivos ganharam muito prestígio. Se tomarmos uma
referência clássica em matéria de testes psicológicos, vamos ver como esta descon-
fiança atravessa o próprio projeto do livro de Anastasi (1965), que dedica apenas
um de seus capítulos aos métodos projetivos. Esta autora desconfia bastante de
suas qualidades preditivas, devido ao fraco perfil psicométrico destas técnicas.
Ela desqualifica os métodos projetivos inclusive pela falta de objetividade dos
resultados: “... mesmo quando se tenham desenvolvido sistemas objetivos de
avaliação, os passos finais, na avaliação e integração dos dados brutos, dependem
da habilidade e da experiência clínica do examinador” (ANASTASI, 1965, p.614).
Esta posição permanece também em outros textos mais recentes da mesma
autora (ANASTASI & URBINA, 2000). E é até possível ver a influência destas
críticas positivistas na proibição ditada pelo Conselho Federal de Psicologia,
quando suas normas vetaram o uso de alguns testes (como o CAT, ou as técnicas
gráficas). No entanto, é preciso lembrar, como o fazem Abt & Bellak (1967), que
as questões relacionadas à validade e confiabilidade dos procedimentos projetivos
precisa ser considerada a partir de uma perspectiva diferente daquela que está
subjacente aos estudos dos testes psicométricos.
Anzieu (1988) indica a confluência de duas grandes correntes teóricas na
invenção dos métodos projetivos — o Gestaltismo, por um lado, e a Psicanálise,
por outro. Já que são escassos os trabalhos que se inserem nesta linha epistemo-
lógica, acreditamos ser importante relembrar alguns dos principais conceitos que
colaboraram para fundamentar a utilização dos métodos projetivos na prática
clínica. Limitaremo-nos aqui a uma breve abordagem de alguns conceitos psi-
canalíticos que oferecem fundamento para estes métodos: projeção, elaboração
das fantasias, personificação e formação de compromisso. Pretendemos assim
contribuir para fortalecer a confiança na interpretação dos materiais produzidos
por associação livre diante dos materiais utilizados por estas técnicas.
Projeção
O fundamento teórico da hipótese projetiva, explicitada por Frank (1939), deve
ser creditado ao conceito de projeção, que teve um longo percurso na obra de
Freud. Este autor vai trabalhar o conceito em momentos distintos, com perspec-
tivas bastante diferentes, incorporando conteúdos conscientes e inconscientes.
Esta perspectiva é de grande importância, pois retira do conceito sua carga
negativa. Não é de se estranhar que ele tenha designado este fenômeno como
mecanismo de defesa. É importante lembrar que Freud está trabalhando numa
época que sofreu enorme influência da psicologia herbartiana. Na introdução
da Edição eletrônica de Freud, James Strachey, discutindo a originalidade do
termo recalcamento, reconhece que Herbart, em 1824, já exercia uma grande
influência sobre pessoas que conviveram com Freud, em particular seu professor
de psiquiatria, Meynert.
“O supersticioso, por ignorar a motivação dos próprios atos casuais e porque o fato
desta motivação luta por ocupar um lugar no campo de seu reconhecimento, se vê
forçado a transportá-la ao mundo exterior por meio de um deslocamento. (...) Creio,
com efeito, que grande parte daquela concepção mitológica do mundo que ainda
perdura no fundo das religiões mais modernas não é outra coisa que psicologia
projetada no mundo exterior.” (FREUD, 1901/1948, p.756)
Elaboração de fantasias
Em 1908, Freud escreve um belo artigo no qual analisa os devaneios do ar-
tista. Este texto também contribui para a fundamentação teórica dos métodos
projetivos. Em O poeta e a fantasia (ano), que na Standard Edition recebe o título
de Escritores criativos e devaneio, Freud avança uma explicação sobre o processo da
criação, afirmando que existiria uma grande proximidade entre a brincadeira
da criança e a obra do artista. “Toda criança que brinca se conduz como um
poeta, criando para si mesma um mundo próprio” (1908/1948a, p.965). A di-
ferença estaria no fato do artista brincar apenas em sua imaginação, enquanto a
criança precisa de um referente onde apoiar esta imaginação; a criança precisa
do brinquedo real.
Para Freud, “a poesia, como o sonho diurno, é a continuação e o substitutivo
das brincadeiras infantis” (idem, p.969). Ao crescer, a criança interromperia o
Glenda; Marilene;
seu brincar, aparentemente renunciando ao prazer que extraía até então de seus
Dalva; Katiane; jogos infantis. Porém, na verdade, não existiria renúncia alguma — apenas uma
Pedro; Jucélia substituição, na qual o indivíduo vai prescindir “de qualquer apoio nos objetos
Yasmin; Tiago
reais, e em lugar de brincar, ela agora fantasia. Constrói castelos no ar; cria aquilo
Larissa; Ana Carla;
Scarlatt; Bruno; que chamamos devaneios ou sonhos diurnos” (idem, p.966).
Amanda
Na literatura, a criação artística vai simbolizar, por meio das palavras, aquilo
que o autor pretende dizer. O elemento simbólico — a palavra — substitui assim
o referente real. O artista vive intensamente seu mundo interior, apoiando-se
não mais nos elementos externos (os brinquedos de quando era criança), mas
nos elementos simbólicos, já integrados em sua personalidade adulta.
Na abordagem freudiana do processo de criação há várias questões a
considerar. Não é demais salientar que, para a psicanálise, a criação expressa
fantasias e desejos que acabam sendo sublimados. Muitas vezes, o artista sente-
-se impulsionado ao ato criador, como se tivesse uma necessidade inadiável de
ultrapassar seus tormentos, elaborar conflitos e sentimentos contraditórios —
Personificação
Existe ainda outro elemento importante a ser registrado, quando os escritores
de novelas e contos produzem suas histórias. Estes relatos apresentam uma
característica singular, já que todos têm um protagonista, em torno do qual se
centra o interesse do autor e dos leitores. É por meio da fala deste herói que se
expressa o ego do autor. Segundo a psicanálise, o ego é o real personagem de
todos os sonhos e de todas as novelas e romances, mesmo em se tratando das
tramas de enredos mais complexos. Freud vai afirmar que a novela psicológica
deve sua singularidade “à inclinação do poeta moderno de dissociar seu ego por
meio da auto-observação em egos parciais e, em consequência, personificar as
Formação de compromisso
Outro aspecto importante a salientar está no fato de a fantasia ser função de
uma formação de compromisso. Este conceito freudiano é o resultado de uma
espécie de contrato interativo que ocorre entre o Id, Ego e Superego (FREUD,
1900/1948). O objetivo deste compromisso firmado entre os três sistemas é a
manutenção do equilíbrio psíquico. Nesta direção trabalham os mecanismos
de defesa, que procuram solucionar os conflitos, evitar a angústia e manter a
estrutura da personalidade (FREUD, 1968). Este trabalho fica nítido no sonho,
no sintoma, no ato falho.
E quanto às aplicações projetivas? Seria possível afirmar a mesma coisa? Sem
dúvida, já que a formação de compromisso ocorre também em outros comporta-
mentos. Assim, sem sair do contexto freudiano, é possível afirmar que qualquer
ato do ser humano vai ser gerado por meio de uma barganha interativa entre as
três instâncias da personalidade, com as defesas desempenhando um papel central
na manutenção do equilíbrio psíquico. A influência da metafísica materialista
herbartiana mais uma vez fica nítida, já que, para Herbart, as respostas percep-
tivas aos estímulos externos configuram defesas autoprotetoras que obedecem
ao princípio de resistência à destruição.
Voltando à tese freudiana, a obra do artista revela-se bastante sensível a este
contrato subjetivo que ocorre entre as forças da personalidade. É possível ainda
afirmar que o mesmo acontece durante uma aplicação projetiva, quando as
respostas aos métodos projetivos também serão resultado de uma formação de
compromisso.
Há diferenças acentuadas nos estilos dos pintores, e sua análise revela muito
a respeito da personalidade de cada um. Até o elemento formal da cor pode ser
utilizado como suporte para captar a projeção de sentimentos e ideias. As cores
são elementos simbólicos, que podem mobilizar e expressar emoções e afetos.
Alguns pintores preferem tons depressivos, disfóricos, angustiados e sombrios,
como El Greco (1597-1599). Vista de Toledo parece traduzir um estado emocional
de desalento e tristeza. O turbilhão de cores azuis e negras sugere um grande
desespero diante da fragilidade da pequena cidade. Seria possível creditar parte
dos sentimentos expressos nesta pintura à frustração das expectativas de viver
em Madrid, na corte do Rei Felipe II, depois que este rejeitou um de seus qua-
dros? O estilo sombrio deste pintor pode ser contrastado com o de Van Gogh
(1853-1890), apaixonado pelas cores. O pintor holandês utiliza cores intensas,
espessas, fortes e contrastantes, com tracejados rápidos e impulsivos. Das cartas
que escreveu a seu irmão Theodore, é possível extrair todo um tratado sobre as
cores. Sobre o vermelho utilizado em um de seus quadros, lembremos o que
ele fala: “Quando pintei o Café Alcazar procurei dizer que o Café é um lugar
onde a gente pode se arruinar, tornar-se um louco ou cometer crimes. Procurei
exprimir com o vermelho e o verde as terríveis paixões humanas” (VAN GOGH,
apud TAUSZ, 1976, p.48). O vermelho é uma cor que com frequência simboliza
a possibilidade de a pessoa se desequilibrar, entregando-se a comportamentos
muito impulsivos. Aliás, este é um dos significados atribuídos a esta cor, pela
interpretação das Pirâmides Coloridas. Quanto ao amarelo, Van Gogh, uma auto-
ridade nesta cor, afirmava que sem esta tonalidade, tudo que ele pintava ficava
morto, sombrio e sem valor. Por isto, uma explosão de amarelo invade sua obra
durante quatorze meses. Como resultado, ele conseguiu imprimir em suas telas
uma potência de forças e movimentos, que surgem a partir da projeção na tela
exterior de violentas paixões internas, tão vibrantes e rebeldes quanto seus tor-
turados girassóis, ou seus brilhantes campos de trigos açoitados pelos ventos.
A revisão da literatura sobre textos de interpretação psicanalítica de obras
artísticas, realizada por Rocha-Pinto (1995), lista vários artigos nos quais a
Conclusão
Fizemos aqui uma rápida abordagem sobre conceitos psicanalíticos que co-
laboram para apoiar os métodos projetivos. Examinamos quatro conceitos: a
projeção e suas diferentes variações, a elaboração de fantasias, a personificação
e a formação de compromisso. Porém, há vários outros constructos que também
mereceriam atenção, já que podem oferecer fundamentos para a abordagem das
técnicas projetivas. Por isto, consideramos importante a ampliação dos estudos
sobre os fundamentos teóricos dos métodos projetivos, inclusive partindo-se
de outras abordagens teóricas. Quanto mais claro ficarem os conceitos sobre os
quais repousa a interpretação destes métodos, mais fácil será para o psicólogo
ampliar suas habilidades e conhecimentos, de modo a qualificar-se melhor para
o emprego das técnicas projetivas. Acreditamos que um melhor domínio sobre
os conceitos básicos poderá aumentar a fidedignidade das interpretações por
parte dos psicólogos. E, em decorrência, não apenas diminuir as resistências
em relação a estes métodos, como fortalecer a confiança em seus resultados.
Uma segunda conclusão diz respeito à necessidade de sensibilidade, tato e co-
nhecimento na interpretação destas técnicas. As associações produzidas precisam
ser interpretadas com tato e cuidado. Ao se lidar com os materiais projetivos, a
responsabilidade é muito grande, principalmente porque as interpretações não
estarão expostas aos olhares críticos de observadores externos. Quando estão
em jogo as associações produzidas a partir dos métodos projetivos, é preciso
evitar, sobretudo, o risco de a interpretação revelar mais do intérprete do que
do sujeito interpretado.
Referências