Patrícia Paula Lima Da Performance Da Escuta No Contexto Da União Do Vegetal
Patrícia Paula Lima Da Performance Da Escuta No Contexto Da União Do Vegetal
Patrícia Paula Lima Da Performance Da Escuta No Contexto Da União Do Vegetal
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Universidade de Aveiro Departamento de Comunicação e Arte
2016
agradecimentos À FCT, pela bolsa de estudos, à Universidade de Aveiro, DECA e ao INET-MD pela
oportunidade, os meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores Professora Susana
Sardo, quem admiro, à Maria Betânia Albuquerque pelas sugestões e incansável incentivo.
Aos integrantes do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP) e
AYA-researchers por toda a contribuição científica. À Lilian Souza pela inspiração,
aprendizado e acolhimento em sua vida e no Céu do Mapiá. Ao Ariê e Márcio da Rós pelo
“ponta pé” inicial, à Bia Labate pela disponibilidade e incentivo. À Cristina Silva e
Fernando Vieira pela disposição em auxiliar nas questões referentes ao processo de
pesquisa. Aos queridos amigos Rafaela Norogrando e Alfonso Benetti por todo carinho e
ao insistente apoio. Aos amigos Tati Vargas, Ana Cristina Almeida, Flávia Lanna, Nizete,
Gilvano Dalagna, Clarissa Foletto, Rafael de Oliveira e Carneiro pela disposição, reflexões
e amizade.
A todos que me estimularam a prosseguir e refletir sobre as experiências ordinárias e
extraordinárias que envolvem a escuta, sobretudo amigos conquistados na UDV, entre eles
os membros do Musincante e Músicas do Alto e aos que me acolheram na pesquisa de
campo nomeadamente Fernando (Paulista) e família, M. Amâncio e família, M. Jorge Elage
e família, M. Marcelo e família, C. Fátima e família, e por fim aos membros da UDV
Espanha que com grande carinho me recepcionaram. Sinceros agradecimentos e gratidão
aos queridos “pássaros” da UDV-PT, inclusive M. Caburé e C. Sabiá sem os quais esta tese
não existiria. Meus sinceros agradecimentos ao M. José Luís de Oliveira pela inspirada
escuta e à Comissão Científica da UDV pela oportunidade. Quero também expor minha
gratidão à querida Lillian de Souza que como fagulha possibilitou acender em mim o
desejo em conhecer essa realidade transcendente, inclusive me recebendo em sua casa no
Céu do Mapiá onde conheci pessoas às quais sou grata pelos ensinos. Também sou grata
pela amizade e acolhimento aos representantes da linha do Santo Daime /Portugal.
Aos amigos conquistados a partir da TUNA e ao Núcleo de Espeleologia da Universidade
de Aveiro (NEUA) que em grande medida deram oportunidade para vivenciar a música de
um modo especial.
Agradeço à força invisível impulsionadora e, sobretudo, agradeço Alex Duarte pelo
companheirismo, reflexões, disposição e sabedoria que proporcionou ser real essa
conquista.
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resumo O ritual onde se utiliza a cocção conhecida por ayahuasca vem sendo
ressignificado em contextos urbanos há mais de oito décadas, sobretudo
após sua expansão iniciada pelos movimentos organizados. Essa experiência
derivante dos povos da floresta amazônica, vem ultrapassando tanto
fronteiras geográficas como culturais, sendo constantemente reinventada por
diferentes agentes. Contemporaneamente, o fenômeno abarca indivíduos
provenientes de várias partes do mundo incorporando legados doutrinários
de mestres originários da América Latina.
abstract The ritual which uses the tea known as Ayahuasca has been re-signified in
urban contexts for over eight decades, especially after its expansion initiated
by organized movements. The experience - which derives from the people
of the Amazon rainforest - has surpassed both geographical and cultural
boundaries, as it is constantly re-invented by cultural mediators. Nowadays,
the phenomenon involves individuals from all over the world,
incorporating the doctrinal heritage of the masters from Latin America.
ÍNDICE
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 305!
APÊNDICES ................................................................................................................331!
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LISTA DE FIGURAS
Figura 28 - Mapa do Salão do Vegetal /UDV-PT - exemplo de uma sessão. ........................... 181!
Figura 29 – Identificações dos participantes durante a sessão. .................................................... 181!
Figura 30 – Sessão realizada na casa do Mestre Gabriel em 1966 – crédito: site oficial da
UDV ....................................................................................................................................190!
Figura 31 – Arcos UDV – 1ª e 2ª imagem núcleos em Porto Velho/BR, 3ª e 6 ª imagem
núcleo em Brasília/BR, 4ª imagem núcleo Espanha e 5ª imagem UDV-PT. .......... 194!
Figura 32 – Mestre Gabriel no Salão do Vegetal- sem recorte. Crédito: site oficial UDV. .....195!
Figura 33 - Buiuna - letra e partitura. Transcrição melódica e poética de autoria de
Alexsander Duarte a partir da performance do M. Biondo entr. 09/05/2010-
Espanha/ES. ......................................................................................................................216!
Figura 34 - Disco “O Homem que faz Rir” – 1966 (RCA Victor – BBL 1376). ...................... 257!
Figura 35 - Disco “Sinfonia das Aves Brasileiras” – 1966 (Copacabana – SCLP 10538). .......259!
Figura 36 - Disco “ Top Set - Alberto Mota e seu conjunto” - 1966 (Polydor - LPNG 4116)261!
Figura 37 - Disco “ É caco prá todo lado” – 1967 (CBS 37590). ................................................ 261!
Figura 38 - Disco “Aquarela Nordestina” -1959 (SINTER- SLP 1745).....................................264!
Figura 39 - Disco “O Nordeste e seu Ritmo” – 1961(RCA Victor - BBL 1110). ..................... 264!
Figura 40 - Disco “Marinês Outra Vez” – 1962 (RCA Victor – BBL 1183). ............................ 265!
Figura 41 - Disco “Siu, siu, siu” -1964 (RCA Victor - BBL 1273). ............................................ 265!
Figura 42 – Mestres da Recordação (1960-1987) – site oficial UDV .......................................... 335!
Figura 43 - II Encontro do CREMG em Porto Velho/RO. 1989. Crédito:
DMD/CEBUDV. ............................................................................................................. 335!
Figura 44 –Mestres eleitos para a Diretoria Geral e Conselho Fiscal em 2014. Foto: Blog
oficial / UDV..................................................................................................................... 360!
Figura 45 – Organograma diretoria geral – CEBUDV..................................................................360!
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LISTA DE TABELAS
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LISTA DE ABREVIAÇÕES
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Estados Brasileiros
DF – Distrito Federal
MG – Minas Gerais
Países
BR – Brasil
ESP – Espanha
EUA – Estados Unidos da América
PT – Portugal
Outras siglas:
ENOC – Estado Não Ordinário de Consciência
FM – Fonograma Musical
MPB – Música Popular Brasileira
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Y más que nada suenan los pasos de los animales que uno ha sido
antes humano, los pasos de las piedras y los vegetales y las cosas
que todo humano ha sido. Y también lo que uno ha escuchado
antes, todo eso suena en la noche de la selva. Dentro de uno mismo
suena, en los recuerdos, ío que uno ha escuchado a lo largo de la
vida, bailes y pífanos y promesas y mentiras y miedos y confesiones
y alaridos de guerra y gemidos de amor. Voces de agonizantes que
uno ha sido o que uno ha escuchado solamente. Historias ciertas,
historias de mañana. Porque también lo que uno va a escuchar,
todo eso suena, anticipado, en medio de la noche de la selva, en la
selva que suena en medio de la noche. La memoria es más, es
mucho más, ¿lo sabes? La memoria verídica conserva también lo
que está por venir. Y hasta lo que nunca llegará, eso también
conserva. Imagínate. Nada más imagínate. ¿Quién va a poder oírlo
todo, dime tú? ¿Quién va a poder oírlo todo, de una vez, y
creerlo?...(Calvo 1981: 210-211).
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Introdução
Na feitiçaria nacional Andrade destaca nas melodias e nos ritmos influências ora ameríndias, ora
africanas, ora cristãs, que são também notadas na música. É num todo complexo ritualístico
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
que o autor descreve suas percepções, sendo neste cenário de efervescência mística que
surgem as religiões ayahuasqueiras. Trata-se de práticas religiosas que usam uma decocção
(chá) produzida a partir de duas plantas, enquanto mediadora no processo ritual, designada
genericamente por ayahuasca.
1 Indivíduos que se deslocaram de várias regiões do Brasil sobretudo da região Nordeste, formando o chamado exército da
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
MOTIVAÇÕES DA PESQUISA
O meu primeiro encontro com a doutrina religiosa União do Vegetal (UDV)3 ocorreu no dia 9
de janeiro de 2010 em Espanha. Tendo em conta o meu interesse em trabalhar
academicamente sobre a UDV, que deu origem à aprovação do meu projeto de pesquisa na
Universidade de Aveiro, havia que iniciar um trabalho preliminar que me permitiria também
desenvolver trabalho de campo em Portugal. No entanto, o processo de integração nos rituais
da UDV implicam ações de iniciação, designadamente as chamadas sessão de adventícios, que
não estavam previstas na comunidade portuguesa. Nesse sentido, optei por ser iniciada a partir
do grupo espanhol que era, também, o primeiro núcleo da UDV que havia sido formado na
Europa, denominado por Inmaculada Concepción.
Ao entrar em contato com o meu primeiro colaborador, Aracuã4, percebi que somente após
passar por um ritual iniciático eu teria autorização para participar nas sessão promovidas pela
UDV. Aracuã informou-me ainda que esta seria a melhor oportunidade de conhecer o formato
da doutrina fora do Brasil, pois além de ser uma sessão de adventícios era realizada num local
estruturado, já na categoria de núcleo (residência própria, mestre local, considerável número
de participantes graduados na hierarquia e tempo de experiência ritual), que não era o caso de
Portugal. Numas das recomendações frisou que no local estariam pela primeira vez alguns
pesquisadores importantes no meio ayahuasqueiro - Beatriz Labate e Henrik Jungaberle -, e
alguns adventícios alemães, suíços, espanhóis e brasileiros, assim como mestres e conselheiros.
Aracuã, mesmo residindo no Brasil, mantinha contato com os núcleos da Europa interagindo
com os membros, recebendo informações e repassando-as via internet. A partir dessa primeira
experiência obtive o credenciamento para participar em quaisquer sessões realizadas pela
UDV mundial, o que permitiria participar do grupo Português que viria a ocorrer no dia 01 de
fevereiro de 2010.
Assim, nesse dia 9 de janeiro de 2010, às 16:00 horas, num dia de inverno rigoroso vi-me a
caminho de Santa Maria del Tietar em Espanha, local de instalação do 1º núcleo europeu da
União do Vegetal (UDV)5 . Pela janela do autobus desenhava-se uma paisagem tomada pela
3 Esta tese passou pela análise da Comissão Científica (CC), formada por sócios da UDV graduados também na academia.
(vide infra pp. 56).
4 Nome de um pássaro adotado como codinome para alguns colaboradores, especialmente aos que frequentaram a UDV-PT
(vide infra).
5 Ao longo da pesquisa foram feitas mais outras duas inserções no território espanhol.
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
neve. As poucas árvores aparentavam-se negras devido ao contraste com o branco do gelo, e
quase nuas de folhagem. O termômetro anunciava 3 graus, tornando o ambiente propulsor de
interiorização e recolhimento. Porém estava prestes a participar do meu 1º ritual na União do
Vegetal (UDV). No dia, nutria sensações de ansiedade e temor. Ansiedade por ser um
ambiente desconhecido, e temor por recordar as minhas últimas experiências ocorridas 12
anos antes quando, em 1998 participei pela 1ª vez de um ritual ayahuasqueiro.
Este evento ocorreu na linha doutrinária do Santo Daime na cidade de Ouro Preto/MG,
quando era aluna de graduação. Na ocasião, a convite de amigos e sob grande curiosidade,
segui uma dieta solicitada a todo o participante dessa linha. Experienciei então uma forma
particular de Estado Não Ordinário de Consciência – ENOC (Mikosz 2014)6. No momento
do ritual, denominado trabalho, aprender a executar todas as suas exigências - como bailar, ler
ou cantar os hinos, entender o texto e ainda permanece dentro da apertada sala onde o ritual
tinha lugar -, parecia algo quase impossível de concretizar. Todavia, apesar do aparente
conflito, no momento em que a bebida sacramental ayahuasca – denominada neste contexto
por “Daime” – fez efeito, iniciou-se a sincronicidade dos movimentos do meu corpo com os
demais presentes, como reação ao som dos hinos cantados e tocados pelos participantes. A
sensação não era de todo diversa do que já sentira em outros contextos em termos de
alteração de humor produzida com o auxílio de psicoativos7, ou pela indução de estados
modificados de consciência conseguida através de práticas corporais ou situacionais. Porém,
em relação ao ritual do Daime, a percepção e racionalização da situação se mostrava diferente.
Diferença possível pelo fato de haver um mestre que instruía toda uma sequência de regras, ou
mesmo pela atuação performática que os hinos impunham aos participantes.
Durante o ritual percebi que o corpo se tornava algo semelhante ao que Tiago Coutinho
Cavalcante (2008: 411) referiu ser "um fio condutor” de todo o processo que ocorre entre o
estímulo externo (proporcionado pela bebida psicoativo, som, performance) e a produção de
emoções e pensamentos. Nessa dinâmica indutora de sensações, uma delas era semelhante ao
de sonhar, porém acordado/consciente, dentro de um mundo fantástico, criativo e sinestésico.
Nesse sentido, a forma como me observava afigurava miniatura de um ser humano com
residência fixa em uma “máquina” (meu corpo). Algo como personagens do livro “As viagens
6 Mikosz descreve os estados ordinário e não ordinário de consciência não no sentido de valor ou algo excepcional, mas
definido como de “outro tipo” de consciência, uma outra forma de observar a realidade (2014: 26).
7 É considerado como psicoativo qualquer substância química natural/sintética, licita [como o café, pó de guaraná, bebidas
alcoólicas, tabaco] ou ilícita que causa efeito psicofísico e que afeta especialmente as “percepções, o humor, e as sensações”
(MacRae, 1996: 04).
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
de Gulliver” de Jonathan Swift (1726), ou dos filmes Being John Malkovich (1999) e mesmo
às personificações dos humores do filme infantil “Inside Out” (2015).
A partir das “janelas” (olhos) – visto de dentro da máquina – visualizava dois ambientes, um
externo ao corpo e o outro interno (memórias/lembranças/sentimentos). Durante os hinos,
observava uma enormidade de cenas, sons, falas, conversas, reverberavam assomando-se a um
terceiro som, o meu próprio (sons de fala/pensamentos). Quando cessavam os hinos, um
outro som me envolvia causando um certo desconforto, sobretudo por não saber sua origem.
Soava como o atrito dos pneus de um carro em movimento sobre os paralelepípedos comuns
à cidade, mas não era essa a origem dos sons. Poderiam ser sons produzidos por ondas
sonoras dispersas no ambiente externo ou interno ao meu corpo – que ainda ouço em
algumas sessões quando participo.
A narrativa aqui descrita situa-me não só no tempo mas também nas sensações de uma
experiência que se tornou o centro do meu trabalho de investigação. Esta experiência é
francamente desafiadora uma vez que é recorrente ter a sensação de estar em plena comunhão
com a vida, e sequencialmente sentir-se numa situação de quase morte8. Ter a sensação de
extrema solidão e logo sentir amor incondicional sobre tudo. Porém, também é possível sentir
um equilíbrio entre “a luz e a escuridão” e ter sensações que tangem o limiar entre esses dois
opostos, ou mesmo em alusão o poeta, pintor e visionário inglês William Blake, perceber o
Casamento do Céu e do Inferno (1790).
A partir dessa experiência, ocorreu-me uma comoção gerada em decorrência dessas imagens e
sons que proporcionavam o aflorar de sensações contrárias. No meio do excesso de
pensamentos, ruídos e um sabor amargo deixado pela bebida, os sentimentos emersos foram
de isolamento, de euforia, de amor incondicional e de paz.
Após 4 horas de ritual, quando todos voltaram a se olhar, a sorrir e a se cumprimentar, senti
que não só as luzes do ambiente estavam acessas mas também que uma espécie de luz
corpórea - a de todo o meu corpo, físico, do meu estado mental e espiritual – também se
acendia. O foco, antes direcionado para a auto-percepção, voltou-se também para o ambiente
e nesse local era possível notar as várias estrelas de papel prateadas penduradas no teto. Esse
detalhe iluminava e favorecia a criação de um ambiente alegre e lúdico. Ao sair deste local,
8 Stanislav Grof em seu livro Emergência Espiritual: crise e transformação espiritual (1989) faz referência a alguns depoimentos sobre
a experiências associadas a morte e o morrer: “Textos sagrados especiais são dedicados integralmente a descrições e
discussões da jornada póstuma, tal como ocorre com O Livro Tibetano dos Mortos, com O Livro Egípcio dos Mortos e com
a sua contraparte europeia, Ars Moriendi, ou A Arte de Morrer (Grof 1989: 42).
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instalado em um dos pontos mais altos da cidade, acompanhada por uma amiga, descemos
caminhando pelas ladeiras, cantando alguns hinos e admirando o que acabara de nos
acontecer. Às vezes parávamos para rir relembrando momentos da infância. O céu tornou-se
ainda mais iluminado, desta vez por estrelas reais9.
Ao observar a lua refletida na água corrente no chafariz do bairro Pilar, percebia a ligação de
tudo e em tudo, sentia com entusiasmo a complementaridade das coisas, algo que sugeria o
que Batenson descreveu ser “o padrão que une”, tudo fazia sentido e nada era tão importante
ou difícil. Era como se olhasse de cima da Terra e percebesse com intensidade a beleza, a
força, a importância e também a insignificância do mundo frente ao universo. Como diria o
psiconauta Terence Mackenna (1984): “Não há qualquer dicotomia entre o universo
newtoniano, que se estende através de anos-luz de espaço tridimensional, e o universo mental
interior. Ambos são reflexos da mesma coisa”10.
Aproximadamente uns 3 meses após esse evento, busquei coragem para participar pela 3ª vez
do ritual. Desta vez a experiência foi diferente das outras duas e havia também uma nova
variável pois este grupo utilizava um outro psicoativo no ritual. Neste cenário busquei colocar-
9 Grof (1989) apresenta uma coletânea de artigos de distintos autores que descrevem experiências em “estados de consciência
incomuns” que se assemelham às descrita neste texto, o que denota um certo padrão referente aos fenômenos físicos e
mentais vividos durante esse estado.
10 Palestra apresentada no instituto para Estudo da Consciência de Berkeley, Califórnia.
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Os caminhos que em 1998 me afastaram desse contexto foram, em 2010, os que me fizeram
retornar a ele. Na estrada que me levava em direção ao núcleo da UDV em Espanha a dúvida
assaltou-me excepcionalmente fazendo-me perguntar a mim própria o que fazia ali12. Por um
lado não queria voltar a ter algumas das experiências passadas mas, por outro, queria saber de
que forma a prática associada à UDV e mediada pela música e pelo som, pode efetivamente
ser decisiva na experiência religiosa. Nesse contexto minha atenção voltou-se a entender qual
música se encaixava no repertório, no roteiro orientado pelo grupo udevista. Ouvir Pink
Floyd, Legião Urbana, Lulu Santos e Raul Seixas nesse ritual, no princípio me soava como
contravenção sonora em local inapropriado uma vez que este tipo de sonoridades está
sobretudo associada a contextos não religiosos.
11 Denominação atribuída aos membros da linha ayahuasqueira, mais conhecida, União do Vegetal (UDV).
12 Ao descrever a experiência psicodélica muitos pesquisadores estabelecem uma ponte entre o objeto em estudo e propósitos
pessoais/catárticos que incentivam esse discurso Fiori (2013: 25). Para Rodrigues (2014: 43) o termo “fora-texto” é utilizado
para designar uma narrativa que geralmente é “excluído dos textos acadêmicos e científicos em prol da objetividade”. Esse
são textos muitas vezes “deixados a sombra”, falado nos corredores, mas que restaura a narrativa subjetiva do pesquisador
(Rodrigues 2014: 43).
13 O termo burracheira é utilizado nessa vertente ayahuasqueira para definir os efeitos da decocção. Ver índice remissivo.
14 Reportagem publicada na Revista Planeta, da Editora Três, número 105, edição de junho de 1981 - Disponível:
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Araripe retrata um ambiente que, num primeiro momento, mostra o protagonismo de alguns
músicos e de algumas canções no ensino doutrinário. Este aspecto trouxe-me algumas dúvidas
como: Existe um repertório próprio que é selecionado pelos membros da UDV? Ele é comum
a todos os grupos que representam a UDV (distintos estados, grupos sociais, países, idiomas)?
Existe um cânone? E neste sentido, é relevante a preocupação estética? Qual é a real
importância da música neste contexto? Durante o ritual o que diferencia a música instrumental
e a palavra cantada? Existe alguma hierarquização para o repertório selecionado? Porém, tais
dúvidas surgiram inicialmente através do olhar de quem recebe a doutrina, ou seja, a partir do
ponto de vista do receptor “passivo” 15 - aquele que participa das sessões como não
responsável, sobretudo, por autorizar a música durante o ritual.
O fato de utilizar gravações que denominarei por fonogramas16, traz à União do Vegetal um
status quo que a aproxima de um contexto contemporâneo. Nesse sentido, apesar de também
ter produzido “canções” próprias denominadas por chamadas (um tipo de canto iniciático17
performado a cappela, feito (composto) em sua maioria pelo fundador da UDV, Mestre Gabriel
como também seus conterrâneos) o que nos remete para um cenário xamânico, também nos
remete a um contexto tecnológico – originalmente expresso em fitas Cassetes e em Discos de
Vinil. Esta articulação entre música composta no interior da UDV e interpretada ao vivo e a
música adoptada do circuito comercial e interpretada em diferido, forma parte da paisagem
15 Somente neste caso, uso o “passivo” por entender que o sistema é relativo e que não existe somente uma manifestação de
cada vez, o ativo e o passivo coexistem em sua rotatividade no interior do ser, assim como o receptor e o transmissor.
Principalmente, num ritual da ayahuasca dentro da linha udevista, onde a música é colocada muitas vezes por incitação do
“não responsável por autoriza-la a tocar no ritual” através das perguntas.
16 Fonograma é uma gravação, é “o resultado de um processo técnico de registro sonoro e o suporte comunicacional e
comercial” (Napolitano, 2003: 01). Usarei o termo fonograma musical (FM) quando me referir à música performada dentro do
contexto da UDV proveniente de gravações, e só fonograma (gravações de discursos) para distinguir dos FM. Quando não
houver a necessidade de distinção, usarei apenas o termo genérico fonograma.
17 Designação segundo uma reportagem sobre o livro de Alicia Castilha impressa no Jornal Alto Falante, DMD/
UDV/Brasília (nov,dez e jan 1996: 11). Porém Lodi (2009) designa como “cânticos evocados para trazer os elementos
espirituais necessários a cada momento durante a sessão” (2009: 08).
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
acústica do ambiente. Neste sentido, é importante perceber que critérios estão na base dessa
articulação entre fonogramas utilizados pelo que denominei por receptor “ativo” (aquele que
tem a autorização para colocar o fonograma no ritual) e a música interpretada ao vivo. Neste
âmbito, o receptor ativo é também quem faz a pesquisa, a recolha, e a coleção dos exemplos
musicais, a análise, a interpretação, a memorização, a seleção, o uso no ritual, a apreensão da
doutrina, o estudo, e decide quem realiza cada tarefa e principalmente o porquê da ocorrência
desse processo. Assim, neste trabalho, após buscar compreender o ritual a partir do ponto de
vista do que denominei por receptor “passivo”, procurarei também entender a performance
através do receptor “ativo”, isto é, entender a posição do mestre que dirige o ritual e as
funções por ele exercidas. Dessa forma, o interesse em entender a importância da música para
a sociedade da UDV, se ampliou enquanto objetivos do meu trabalho no sentido de também
entender de que forma ocorre a apreensão da doutrina através da performance da escuta, e através
da paisagem sonora produzidas neste contexto18.
18 A facilidade inicial em conhecer e participar dos rituais da UDV foi decisivo para o direcionamento dessa pesquisa que,
inicialmente focava pesquisar o contexto musical das linhas doutrinárias ayahuasqueiras em Portugal.
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
*
** *******************************Figura*1*–Mestre*Gabriel*–*icônica*foto*da*UDV*–*UDV+PT.**
*
Percebi então que não poderia deixar de insistir sobre a importância da música na UDV o que
fomentou o levantamento das questões desta tese assim enunciadas: ao diagnosticar a
existência de uma categoria do que denominei por “música udevista” (temas musicais
escolhidos para a escuta durante o ritual) atrelada ao idioma e expressões de matriz brasileira,
de que forma os participantes em Portugal se relacionam com esta categoria, sendo eles
advindos de várias localidades geográficas não somente do Brasil? Qual o papel atribuído ao
fonograma musical (FM) (instrumental, cantado em diferentes idiomas) e ao fonograma não
musical (fonogramas só com texto gravados pelo próprio Mestre Gabriel) pelos participantes
do ritual? Quais as funções atribuídas aos fonogramas e fonogramas musicais performados
durante as sessões? Como o mestre representante (MR) sabe que música colocar, estando ele
também num estado de percepção espaço-tempo não ordinário (ENOC)? De que forma o
mestre representante utiliza todos os dispositivos sonoros ao seu dispor para guiar a atenção
dos participantes e consolidar a mensagem doutrinária? De que tipo de participação efetiva
estamos falando quando nos referimos a uma sessão da UDV?
Ao longo desta pesquisa percebi que grande parte do processo de participação nas práticas
ritualísticas da UDV passam sobretudo pelo modo como o discípulo se abre para escutar,
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Assim, o problema central da pesquisa fixa-se na seguintes questões: de que modo a performance
da escuta contribui para a transmissão e apreensão das bases doutrinárias da religião no quadro
da sociedade da União do Vegetal? De que modo os saberes proporcionados por esta vertente
doutrinária ensinam a escutar? A articulação destas duas questões define o objetivo desta tese:
o de contribuir para um novo entendimento do conceito de performance a partir da escuta e
do modo como ela funciona como dispositivo pedagógico para a construção de sociedades
coesas, ou seja, que se identificam.
19Utilizo esse termo por ser sugerido por um dos meus colaboradores, Hélio membro do Corpo Instrutivo, associado na
Sede Geral em Brasília e coordenador do apoio Técnico (responsável por toda parte de áudio, técnica, Datashow, tudo que
faça o som chegar a todos na sessão).
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
Ainda, imerso neste raciocínio, Barry Truax, em seu livro Comunicação Acústica (1984:11), a
partir de uma abordagem comunicacional, explora o trajeto dinâmico, dependente e dialógico
entre: sonoridade, sujeito e locus. O autor sintetiza essa relação apresentando um modelo
triangular (como é observado na figura 1): Som – ouvinte – ambiente, no qual o som medía a
relação do ouvinte com o seu meio ambiente através de uma troca de informação e não
somente como troca de energia (vibrações).
*
Figura*2*–*Modelo*teórico*proposto*por*Truax.*
Nessa relação, o ouvinte faz parte de um sistema dinâmico de troca de informações e nessa
abordagem comunicacional o contexto é essencial para a compreensão do significado de
qualquer mensagem, inclusive a sonora (Truax 1984: 09). Segundo Truax essa individualidade
caracteriza uma comunidade acústica que é por ele definida como qualquer paisagem sonora na
qual a informação acústica tem um papel preponderante na vida de seus habitantes (idem
1984: 58).
20 Segundo Murray Schafer ([1977]2001: 366) designa como paisagem sonora “qualquer porção do meio-ambiente sonoro
considerado com um propósito de escuta e análise”.
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Contudo, quando o cenário trabalhado para análise se direciona diretamente para a música,
observa-se um tratamento diferenciado relativo às canções, isto é, referente à palavra cantada
como proposto por Ruth Finnegan (2008). Para a autora, a palavra cantada só pode ser
analisada com a interação entre três dimensões que a constituem: o texto, a música e a
performance (2008: 16). Segundo o músico e etnomusicólogo Alexsander Duarte:
Neste sentido, o uso do fonograma como ferramenta (vide infra) de controle sonoro e forma
estratégica de ensino doutrinário, somado à sonoridade envolvente, resulta num diálogo
aberto entre o ouvinte e o interlocutor, configurando assim um sistema de comunicação. Esse
processo não é linear, como demostrado nos trabalhos de Maria Sekeff (2009) (através da
psicanálise)21 e Paul Zumthor (2007) (através dos seus estudos em oralidade, “vocalidade”),
que defendem a ideia de uma participação ativa no processo de recepção de uma mensagem,
neste caso, evidenciando o ouvinte como receptor e co-autor, vindo a proporcionar um
dinamismo contextual.
Para a musicóloga Sekeff o ato de escutar uma certa obra musical torna o participante um
receptor que, induzido por essa sonoridade, produz estímulos corporais, afetivos, intelectuais
e que, por sua vez, capacita-o a completar a obra internamente. Para Zumthor (1993) esse
diálogo, visto como um ato de completude, transforma o receptor da performance num co-
autor ao fazer depender a escuta da sua própria maneira de entendê-la, interpretá-la,
interferindo ativamente no instante da apreensão do conteúdo, mesmo que silenciosamente
(1997). Segundo Steven Feld (2001), mesmo que o corpo esteja imóvel está experienciando o
movimento. Neste sentido, ressalta, “o passeio sonoro ocorre em minha cabeça e em meu
corpo à medida que escuto e gravo” (Feld e Palombini 2001: n.p.). Assim o receptor, o co-
autor e o intérprete coabitam o mesmo locus corporal, o locus do ouvinte que, inerente a essa
posição, tem a função de fazer ressoar o que ouve (Sekeff 2005: 13-57). Por sua vez, o ouvinte
também pode ser o próprio produtor das sonoridades em questão, seja através da oralidade,
como através do seu corpo. Neste contexto, o ato da escuta perfaz um caminho vetorial duplo
21 Em Oxford Handbook of Psychology (2012) editado por Susan Hallam, Michael Thaut e Ian Cross, há significativos
trabalhos sobre psicologia da música, inclusive Michael Thaut traz um artigo sobre o histórico desse estudo. Disponível:
http://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199298457.001.0001/oxfordhb-9780199298457. Acesso
em 15/12/2013.
25
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
e sincrônico, onde segundo Merleau Ponty, o ser que fala é tão ativo como o ser que escuta
(Ponty 1999: 523).
Proponho, portanto, entender a sessão da UDV a partir de uma perspectiva que se aproxima
do ato de escuta de uma obra musical segundo Sekeff (2009: 21), e como um evento sonoro
segundo Schafer (2001). Assim, reflito sobre a atuação dessa performance da escuta que ocorre
durante o horário que compreende geralmente toda às sessões da UDV de 4hs:15 minutos,
capaz de produzir um ambiente emocional que, tal como uma obra artística, é vivo e dinâmico
(Zumthor 1993: 222).
No entanto é necessário configurar o próprio conceito de performance da escuta uma vez que a
componente sonora existente e produzida no ritual permeia todo o processo de apreensão.
Neste sentido proponho o seguinte modelo de análise:
*
Figura*3*+*Modelo*de*Análise.*
26
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Neste modelo a dimensão sequencial obedece tanto a ordem com que cada ferramenta de
trabalho designada por: oratória, chamada, silêncio e fonograma, são articuladas pelo MD,
como a sequencialidade das sessões. A dimensão espacial remete à paisagem sonora do ritual que
inclui tanto a sonoridade inter e intra-subjetiva (relativa ao sujeito) e a sonoridade inter e intra
espacial ou seja, sons provenientes de dentro do salão onde ocorre o ritual, como externo a
ele. Enquanto a dimensão sequencial trabalha com os estímulos, a dimensão sensorial é transversal a
todo processo, refere-se a capacidade ampliada de sentir estes estímulos a partir dos 5
sentidos, sobretudo a partir da escuta. Partindo da relação destas 3 dimensões, a dimensão
simbólica - a memória - é construída e adquirida através da recepção sonora que a partir de uma
escuta direcionada (assomada a interpretação individual pautado numa experiência de vida)
um específico entendimento é desenvolvido. Entendimento que demarca a construção de uma
identificação pautada numa paisagem sonora em comum (Schafer 2001: 312).
1- Mestre – como protagonista e propulsor tanto dos saberes doutrinários como dos
eventos sonoros durante o ritual;
2- Sessão - o 'local' (o setting) que compreende a máxima transmissão doutrinária e,
portanto, onde a aprendizagem tem lugar;
27
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
Desta forma, venho considerar a relevância da interação desses elementos para a compreensão
do processo de assimilação doutrinária assim como a dinâmica dessa inter-relação. Neste
sentido, para construir o método que adotei para analisar este processo, são centrais os
seguintes conceitos:
28
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Podemos dizer que em todas as práticas ritualísticas ayahuasqueiras conhecidas, o som tem um
papel importante: no quadro das práticas xamânicas o guia/xamã utiliza assobios, maracás e
ícaros (Bustos 2008: 189); os Daimistas usam maracás, canto de hinos, o som dos passos, o
roçar das roupas e da dança; para os Udevistas o marco sonoro compreende a execução das
chamadas e a utilização dos fonogramas que chegam a definir em parte o ritual. Há ainda outras
vertentes que misturam essas possibilidades e as reordenam consonante o seu propósito, e
assim, também construindo o seu próprio marco sonoro. Porém, a utilização da música seja ela
através de fonogramas ou “ao vivo” possui lugar de destaque dentro das reuniões onde ocorre
o Estado Não Ordinário de Consciência (ENOC). Então, porque se destacam a música e o
som nos rituais da ayahuasca? Segundo a antropóloga Rosa Melo é evidente a necessidade de
utilizar qualquer tipo de musicalidade num ritual de ayahuasca. Música e ayahuasca andam
juntas:
Rosa Melo revela que a conjugação da utilização da ayahuasca com a performance musical é
23
um efetivo instrumento para a fixação do conhecimento próprio à doutrina .
Concomitantemente, esta associação permite ainda amplificar a relação emocional e afetiva
que o indivíduo estabelece com o ambiente ritual. Assim, considerar a ingestão da ayahuasca e
contribuem para a formação de imagens (Shanon 2002) como roteiros, e neste sentido podem possibilitar a absorção mais
fácil do aprendizado.
29
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Sendo um contexto complexo de análise, alguns autores buscam entender a relação música-
ritual-transe. É o caso de Judith Becker (1984) em Music and trance, centrada numa análise
relacional entre o psicológico e o fisiológico, que envolve as áreas da acústica e da
neurociência, de modo a justificar o estado de transe. No quadro da etnomusicologia, é
importante assinalar o trabalho do etnomusicólogo francês Gilbert Rouget em La musique de la
transe (1980) que reflete sobre a diferença entre transe e êxtase. Por sua vez Claudio Naranjo
(médico, músico, educador)24, a propósito da presença da música no ritual, refere que:
(…) [a música] nasce no xamanismo para elevar a consciência, para levar a mente
para o divino. Há quem chame por divino, há quem chame de outra maneira. É
para algo a música. Depois foi se transformando em lucro, historicamente... em
outro momento da história. Eu creio que dizer que a música é uma arte na
pequenez. Simboliza um objeto estético [com as duas mãos desenha um quadrado].
Assim, desvia a atenção do que é, pois é algo muito mais misterioso. A música
transmite vivências. Se o instrutor dessa música, viveu algo muito elevado, muito
profundo, a música transmite isso muito melhor que as palavras (Naranjo
26/09/2014, entr. traduzida por mim- AYA 2014 - Ibiza/ES).
Então, ao mesmo tempo que a música permite aceder emocionalmente a vivências, ela
permite ao indivíduo identificar e identificar-se com determinadas situações ou vivências
passadas. Para cada indivíduo a mesma música pode adquirir significados diferentes. Neste
sentido, ao mesmo tempo que a música oferece a possibilidade de vivenciar emoções, ela
também faz emanar do indivíduo uma sequencialidade de emoções, dentro de um processo
ritualístico. Neste sentido, a performance da escuta dentro de um ritual pode ter um papel
condutor de saberes e de emoções: trilhas, roteiros, sequências, caminhos sonoros 25 , ou
24 Naranjo é também um dos principais entusiastas e precursores da utilização da ayahuasca e da música como forma
terapêutica (inclusive com a Gestalt) em rituais para o autoconhecimento pela Europa.
25 As sequências sonoras para os índios Kaxinawá são percebidas como “Caminhos Sonoros” como também, comparados a
serpentes “que os circundam e por fim os envolve com força, antes de ‘penetrar em sua cabeça e espalhar-se no corpo
inteiro” Barbara Keifenheim (2002: 108).
30
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mesmo, como o “caminho dos pássaros”26 que dentre os simbolismos pode significar um
“peregrino que viaja pelo tempo e pelo espaço, percorrendo diferentes planos em busca de
iluminação e passando por diferentes graus de transformação” (Fonterrada 2004: 240).
Por ser um processo que exige uma habilidade especial, ele exige também grande atenção por
parte de quem dirige a sessão para garantir a tranquilidade entre os participantes. Molina
(2014) define este processo como como um lugar de trânsito27 embora o corpo se encontre
estático, um lugar de levar e trazer, onde o som se torna um dispositivo de ancoragem. Para os
vegetalistas 28 em um ritual a música se torna elemento chave no estabelecimento de contato
com o sobrenatural, trazendo através das melodias mágicas todo o seu conhecimento (Luna
1986; Dobkin de Rios 1972; Brabec de Mori 2011).
Há estudos que enfocam a música no ritual, outros centram-se na análise do acréscimo do uso
de psicoativos29, ainda outros refletem sobre a interação desses componentes (música, ritual,
psicoativo) com a função religiosa, como é o caso deste trabalho e também do texto matricial
do musicólogo e folclorista Mário de Andrade, Feitiçaria no Brasil (1963).
26 A via láctea é denominada por “caminho dos pássaros” nas línguas turco-tártaras, que também lhe é conferida a passagem
“que une o terrestre e o divino utilizado pelos pássaros em seu caminhar (sic) entre dois mundos” (Fonterrada 2004: 239).
27 Sobre esse trânsito também denominado por voos xamânicos em Ayahuasca uma experiência estética (2009), Rafael Costa traz
algumas reflexões sobre essas experiências: que privilegiam as análises de Couto (2002). Para Costa “são duas as abordagens
principais. Na primeira, a alma abandona o corpo para realizar viagens aos céus ou descidas ao inferno, fazendo do xamã um
viajante. Essa característica do xamanismo pode ser encontrada frequentemente entre os xamãs da América do Norte, Ásia e
Europa. A segunda abordagem caracteriza o xamã como aquele em que um espírito, ou ente sobrenatural, toma posse de seu
corpo. Essa segunda vertente explica aqueles casos em que o xamã é possuído por um espírito, um fenômeno bastante
comum nas práticas religiosas encontradas nas religiões africanas ou afro-brasileiras” (Costa 2009: 55).
28 De uma forma generalizada, o termo Vegetalista é comumente referido a quem (sobretudo com tradição indígena) faz uso
de plantas (vegetais) em seus rituais. No entanto, mais do que um “expert in the use of plants” a origem de seu conhecimento
advém das próprias plantas utilizadas (Luna 1986: 14).
29 Nicolas Prévôt (2008) explora a concepção de êxtase em Bastar/Índia onde realizam o ritual denominado dev bajãr
“Mercado de Deus”. Nessa procissão a música tem grande protagonismo no momento de possessão, onde o álcool é um dos
essenciais elementos do ritual.
31
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Jessica Greganich, por sua vez, em sua pesquisa intitulada Entre a Rosa e o Beija Flor (2010),
sugere a comparação entre o Santo Daime e a União do Vegetal (Brasil e Espanha)
observando o fator de conversão, desconversão e reconversão dos indivíduos que transitam
entre uma vertente ayahuasqueira e outra. Evidencia o fator de cura sendo o responsável por
esse trânsito, por essa busca individual, que também é coletiva, entre essas distintas tradições
religiosas. Justifica esse processo utilizando o termo “butinagem familiarizante” e compara as
duas religiões com lendas sobre o beija flor e a rosa.
A antropóloga Rosa Melo no seu significante trabalho intitulado Beber da Fonte: adesão e
transformação na União do Vegetal (2010), apresenta a constituição desses dois grupos pioneiros
no culto urbano da ayahuasca e de expansão, o Santo Daime e a União do Vegetal, visando
ressaltar tanto seus contrastes como suas semelhanças frente às influências xamânicas e afro
brasileiras, anteriormente discutidas por pesquisadores como Brissac 1999, Goulart (2004 e
2006) e Labate (2004). Segundo a autora é somente no Brasil que essas duas vertentes
religiosas têm como figuras icónicas os mestres, os padrinhos e as madrinhas. De facto
noutros países da América do Sul como Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela e Equador vive-se
32
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Algumas destas pesquisas, como as de Luís Eduardo Luna (1984), Jeremy Narby (2004) e
Gayle Highpine (2013) produzidas em 3 décadas distintas, transmitem relevantes reflexões
sobre a sabedoria dos povos indígenas acumulada durante séculos de experiências. O que nos
impele a pensar que, mesmo com a produção de significantes trabalhos voltados para a
perspectiva das consideradas plantas professoras, ainda existe um razoável desconhecimento
sobre o assunto. Sobre essa reflexão, há pesquisas que longe de emudecer, trazem à tona essa
epistemologia. Entre estas destaco as de Albuquerque (2011), Tupper (2002), Shanon (2010),
Panneck (2014), Melo (2013) e Labate e Pacheco (2009) que, a partir dos seus objetos de
pesquisa e distintos contextos, incidem suas análises na ingestão da ayahuasca como forma de
ensino não somente entre as populações “tradicionais” ou minorias, mas como algo inerente
ao ser humano e possível de coexistir pacificamente junto à sociedade. Em alguns dos
trabalhos citados, é observado o afloramento de propostas anti-proibicionistas com anseios
pautados na autonomia individual, abstraídos em pensamentos que fazem convergir o estudo
a outras áreas como as legais, territoriais, econômicas, médicas, religiosas, entre outras. Neste
sentido, esses trabalhos proporcionam exemplos e referencial de consulta para esta pesquisa.
Luís Eduardo Luna (antropólogo e etnobotânico) foi um dos pioneiros no estudo etnográfico
das denominadas plantas de poder, a partir do seu trabalho desenvolvido em Iquitos/ Peru
(1986). Neste local, a prática indígena é mediada pelos psicoativos, denominados pelos
30Assim como Melo (2010: 32), minha ênfase não é discutir essas influências – uma vez que essas doutrinas não se auto
representam como xamânicas - mas traçar um breve escopo histórico que me possibilite entender o panorama de expansão da
doutrina udevista.
33
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vegetalistas peruanos mestiços por plantas mestras ou planta professoras. Também considerada
como planta medicinal, a ayahuasca se revela com competência de ensinar a executar tarefas
de curas, diagnosticar doenças, transmitir conhecimentos, muitas vezes através das melodias
mágicas dos ícaros31- um tipo de canção que também é dada/ensinada pela ayahuasca. Os
praticantes atribuem à planta consciência inteligente e fonte de poder, porém “visível” aos
xamãs somente com a ingestão da mesma.
Na sequência das pesquisas que buscam compreender a cosmologia das plantas que ensinam,
na área da linguística e educação, Gayle Highpine em Desvendando o mistério da origem da
Ayahuasca (2013), ao passar 2 anos em trabalho de campo entre os Napo Runa e pesquisar o
dialeto quechua, propõe ser em Iquitos/Peru o surgimento da sinergia entre as duas plantas
que compõem a bebida ayahuasca. Afirma ainda que entre os Napo Runa a cocção ayahuasca é
considerada “planta mãe de todas as plantas” atribuindo a essa bebida a capacidade de mediar
o conhecimento e diálogo entre o mundo dos humanos e das plantas, sendo uma facilitadora
do ensino nesse sentido.
31Segundo Susana Bustos (2004: 04) Ícaro é uma denominação dada às canções utilizadas por “curandeiros mestiços” urbanos
provenientes da bacia Amazônica peruana e por alguns curandeiros indígenas desta região durante seus trabalhos rituais.
Sobre cura e canção ver também em Townsley (1993)
34
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do Santo Daime, traz à tona pensamentos que já faziam parte de suas reflexões. Albuquerque
realça o conflito e discrepância produzida pelo discurso filosófico “centrado na racionalidade
ocidental moderna que reconhece como saberes somente o que se inscreve na ordem do
erudito, clássico de um saber sistematizado” em detrimento de uma “filosofia mergulhada não
somente na cultura dos sábios do passado, mas na sabedoria de pessoas que, embora não
partilhem da racionalidade acadêmica, são também, construtoras de saberes” (Albuquerque
2011: 20). Sobre essa questão desenvolve toda uma linha de análise que empodera e fortalece
um saber educativo mediado pela ayahuasca epistemologicamente marginalizado pela ciência
acadêmica. Assim, ela direciona o foco “para os saberes corporificados na experiência
educativa mediada pela ayahuasca, bem como para as bases epistemológicas em que se
assentam tais saberes” (idem 2011: 25). Neste sentido, o trabalho de Albuquerque vem ser
uma das bases reflexivas para o desenvolvimento desta tese, sobretudo na extensão
relacionada sobre o ato de pensar a apreensão doutrinária no ritual.
Outro trabalho que desponta na área educacional é a de Kenneth Tupper. Em seu artigo
Enteógenos e Inteligência Existencial (2002), assim como Albuquerque, Tupper considera as
possibilidades cognitivas do enteógeno como um potencial caminho para a educação. Suas
análises são formuladas a partir do atual momento em que mudanças legislativas e judiciais em
alguns países vêm favorecer a utilização desse psicoativo. Também questiona a injustiça
perpetuada quanto à “depreciação e proibição” a que estas substâncias foram submetidas no
contexto ocidental. A utilização da ayahuasca como instrumento para atingir entendimento e
sabedoria traz a bebida o status de Planta Mestra e, desta forma, é valorizada entre os povos da
floresta. Neste sentido, o autor defende que: “Importância dos enteógenos está no seu papel
como instrumentos, como mediadora entre a mente e o ambiente” (Tupper 2002: 502 -
tradução minha) 32 . Tupper ressalta a possibilidade desses enteógenos estimularem a
inteligência existencial, concepção sugerida por Gardner (1996), e questiona “Como podemos
promover essa até agora negligenciada forma de inteligência e permitir que ela seja usada de
forma construtiva?” (Tupper 2002: 508 - tradução minha)33. Em seu texto, o autor exprime o
pensamento do escritor Aldous Huxley para elucidar sua percepção quanto ao uso de
enteógenos como possíveis “instrumentos/ferramentas educacionais”.
32“the importance of entheogens lies in their role as tools, as mediators between mind and environment”
33“Como podemos promover essa até agora negligenciada forma de inteligência e permitir que ela seja usada de forma
construtiva?” (Tradução minha).
35
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Under the current dispensation the vast majority of individuals lose, in the course of
education, all the openness to inspiration, all the capacity to be aware of other
things than those enumerated in the Sears-Roebuck catalogue which constitutes the
conventionally “real” world....Is it too much to hope that a system of education may
some day be devised, which shall give results, in terms of human development,
commensurate with the time, money, energy and devotion expended? In such a
system of education it may be that mescalin or some other chemical substance may
play a part by making it possible for young people to “taste and see” what they have
learned about at second hand...in the writings of the religious, or the works of
poets, painters and musicians. (Letter to Dr. Humphrey Osmond, April 10, 1953, in
Horowitz & Palmer, 1999, p.30) (Tupper 2002: 509)34.
Em The epistemics of ayahuasca visions o especialista em psicologia cognitiva Benny Shanon (2010)
levanta questões epistemológicas a fim de entender a relevância do conhecimento obtido
através da ingestão da ayahuasca, como também a melhor maneira de interpretá-lo. Neste caso
o pesquisador envereda pela forma como este ensino é revelado e apreendido. Assim como
ele, atualmente alguns estudos foram realizados no sentido de enfocar essa temática, como na
área da psicologia e saúde Justin Panneck (2014) em Ethnopharmacology and stress relief: The
spiritual experience of practitioners in the santo daime church. Este autor, através do estudo
fenomenológico dentro de uma comunidade do Santo Daime aborda a utilização da bebida no
ritual como forma do participante ganhar auto-conhecimento e assim saber dominar o estresse
da vida diária. Neste sentido, a planta ganha um estatuto de reguladora reflexiva dos
conhecimentos individuais.
A antropóloga Rosa Melo em sua tese de doutorado intitulada Beber na Fonte: adesão e
transformação na União do Vegetal (2010), descreve a surpresa em perceber que mesmo presente
num ritual de adventícios (ritual para iniciantes) no contexto religioso da UDV em Brasília, se
sentia inserida num sistema clássico de ensino. Questiona:
(...) como, em meio ao solavanco interno que me tomava, seria possível participar
de uma estrutura ritual semelhante a uma aula? (…) Como faziam os adeptos para,
de uma disposição emotiva que eu sentia sob efeito do chá, passar para uma outra
de aprendizado, eminentemente coletiva? (Melo 2010: 17-18).
Panorama também observado por Betânia Albuquerque nos seus primeiros contatos com a
doutrina do Santo Daime:
34Em sua tese Tupper (2011), analisa o discurso das políticas públicas em detrimento do uso religioso da ayahuasca na
vertente do Santo Daime num contexto Canadense.
36
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Labate e Pacheco em Música Brasileira de Ayahuasca (2009), referem-se a esta dimensão ritual-
educativa alcançada nas sessões da UDV, sobretudo através da música. Assim, também
ressaltam a “impressão de que o ritual da UDV enfatiza os aspectos racionais-intelectivos,
como se estivéssemos numa sala de aula de uma universidade, porém tratando de assuntos
esotéricos35” (Labate e Pacheco, 2009: 83-84). Neste sentido, o contexto ritual realizado num
ambiente urbano, religioso, entre pessoas de diversificado estatuto social/cultural/económico,
tem como status quo a evidência de um sistema educativo, neste caso, sob a tutela de um
Mestre/Professor que é percebido pela forma humana contudo subjugado pela unidade
vegetal.
35 Em 2012, após uma sessão de adventícios, Flautim que era um dos novatos relata parte de suas sensações. Descreve que
sentia estar em meio a um grande salão de mármore na Grécia antiga discutindo filosofia com outros filósofos.
37
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36 Lodi é discípulo da União do Vegetal há 38 anos. Em 2010, época que realizai a entrevista com o autor, M. Lodi era
responsável pelas relações institucionais da UDV.
37 Referem-se aos autores que discutem sobre o perspectivismo indígena no contexto da música, como: Viveiro de Castro
(1996); Cesarino (2006); Grow (2001); Townsley (1993) e Brabec de Mori (2007). Ainda há Els Lagrou (2007) neste assunto.
38 Pesquisas como em La Rocque Couto (1989: 83); Cefluris (1997); Reichel-Dolmatoff (1972); Labate e Pacheco (2004); e
Arneide Cemim (1998: 332-340) sobre oralidade.
38
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mencionam Labate & Pacheco, até 2009 ainda é pouco expressiva a pesquisa sobre o
protagonismo da música39 no contexto da UDV.
Rodrigo S. M. Abramovitz (2003 e 2011) que analisa os hinos do Santo Daime sob o foco da
etnomusicologia, procura validar os hinários como interpretações “biográficas musicais”
(2003).
39 Trabalhos referentes aos grupos neo-ayahuasqueiros urbanos relacionados à temática música e ayahuasca não foram
explorados pelos autores, que enfatizam a escassa produção neste contexto. Porém, assim como a UDV, esses grupos
também utilizam-se “frequentemente de música gravada em seus rituais” (Labate 2004).
40 Nota-se que até o ano de lançamento deste livro (2009) não há especificamente pesquisas cujo enfoque aborde questões
relativas a escuta (sobretudo direcionada a análise da performance musical) num contexto da UDV. Outra lacuna avaliada
pelos autores é a escassa produção relativa a “trabalhos de cunho mais geral sobre a música do catolicismo popular
brasileiro”, ao indicarem o trabalho de Van der Poel (1977) por fazer uma “panorâmica” analise sobre o assunto.
39
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
Embora os trabalhos acima citados abordem a questão da escuta, segundo os autores Labate
& Pacheco ainda há uma supremacia da percepção ocularcêntria, ou seja, uma intensificação da
importância da visão em detrimento dos outros sentidos. Este aspeto é evidenciado por dois
fatores: por ser a ayahuasca facilitadora e fonte visionária durante os rituais (Labate & Pacheco
2009: 96) e, como detalha Schafer em seu livro A afinação do mundo (2001), pelo fato da
sociedade contemporânea supervalorizar, sobretudo a partir do lugar que assumem os meios
tecnológicos, a percepção visual de forma a dominar a vida cotidiana das pessoas,
distanciando-as assim de seus demais sentidos, em especial a audição. Este aspeto é, de resto,
um dos mais recorrentes na crítica aplicada aos estudos convencionais de música pelo recente
domínio dos Sound Studies, como é sinalizado por Johnathan Sterne na introdução do
compêndio de textos clássicos sobre o assunto (Sterne 2012).
Contudo, o trabalho de Edson Lodi (2010), vem ser uma produção que estabelece analogias
poéticas entre a narrativa formal e coloquial, ressaltando uma pesquisa pautada – não somente
pelos sons humanamente organizados (Blaking 1973 [2006]) mas na valorização da paisagem
sonora vivida pelo Mestre Gabriel. Chega a elevar essa sonoridade ao estatuto de uma
composição musical, atribuindo grande importância à ação da escuta. Ainda, confere uma
certa relação dialógica e complementar com a pesquisa de Labate e Pacheco - diálogo que se
torna visível quando Lodi agrega em seu texto citações dos trabalhos dos antropólogos.
Lodi oferece-nos um trabalho de caráter acadêmico permeado por uma perspectiva nativa,
realizada por um mestre de dentro da instituição, voltado a transcrever e detalhar como a
“obra musical” foi construída através do levantamento dos LPs utilizados em sessão durante a
época do seu fundador. Tanto o trabalho de Lodi como o de Labate & Pacheco tornaram-se
significativos para o estudo aqui abordado, uma vez que exploram lados distintos, porém
complementares, do contexto musical da UDV.
40
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
O Centro Beneficente União do Vegetal (CEBUDV) possui grupos formados por sócios com
competência para auxiliar em questões de atender a demanda externa e particular à instituição.
Uma das jurisdições é atribuída a um grupo denominado por Comissão Científica (CC),
formada por sócios graduados (aqui se incluem indivíduos com graduação académica que se
inscrevem na hierarquia da UDV), responsável por avaliar e conceder autorização para
pesquisas sobre a instituição. Segundo o coordenador geral da CC da UDV, Luiz Fernando
Milanez41:
Com a rápida expansão da UDV para os grandes centros urbanos, foi despertado a
atenção da área das ciências humanas para a realização de pesquisas dentro da
UDV. Dado a esse fator a comissão foi criada em 2004 com o objetivo de proceder
análise, aprovação e acompanhamento de projetos que tenham como foco a UDV,
o Vegetal e sua irmandade (Milanez 2008)42.
Na comemoração dos 50 anos da irmandade foi publicado em 2011 no jornal Alto Falante 43
eventos históricos ocorridos desde o surgimento da irmandade. Estes incluem ações referentes
aos setores administrativos, jurídicos e sociais da instituição. Assim, também foram divulgados
os primeiros artigos midiáticos sobre a doutrina, como também algumas pesquisas analisadas
pela Comissão Cientifica da UDV. Até à data de 2011 haviam sido analisados 7 teses de
doutorado, 15 dissertações de mestrado, 17 monografias de disciplinas, 10 projetos de
pesquisa, 3 livros ou capítulos de livro, 3 trabalhos de graduação, 2 artigos, 5 solicitações de
informação e 2 trabalhos de iniciação científica (Alto Falante 2011: 16). Dentre eles, está o
livro acima referido (Labate e Pacheco) que foi aprovado no mesmo ano em que a CC
oficializou os seus trabalhos, em 2004.
Segundo dados fornecidos por Milanez em 2014 através de mensagem via e-mail, desde 2006
a 2014 foram analisados 105 propostas de trabalho, em áreas distintas como: antropologia,
psicologia, educação, arquitetura, agronomia, medicina, biologia. “São propostas de Teses
41 Discurso realizado em abril de 2008 na Universidade Federal de Santa Catarina num encontro entre pesquisadores e
integrantes das sociedades religiosas UDV, Santo Daime e Barquinha.
42 Porém, desde fim da década de 1990 que uma sócia, a conselheira Lúcia Gentil, “acompanhou as monografias com temas
ligados à UDV” (jornal alto falante 2011: 16)
43 Jornal criado em 1998 a partir do encontro de Comunicadores da UDV. Material disponível: http://oe.udv.org.br/wp-
41
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INTRODUÇÃO*+**capítulo*1*
Tabela 1 - Quantidade de pedidos analisados pela Comissão Científica (UDV) distribuídos por datas.
Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Propostas 11 12 10 18 10 12 8 11 13
O levantamento acima permite concluir que são muitos e variados os trabalhos onde se fez
menção à Instituição doutrinária da União do Vegetal. Porém, poucos trabalhos enfatizaram a
importância da música e da paisagem sonora existentes nesse contexto.
44No início de 2010, após esta pesquisa ser aprovada pela Fundação de Ciência e Tecnologia - FCT, enviei um resumo para
um membro da CC. Em 05/01/2012 obtive a autorização, mas sob algumas recomendações que logo a frente discorro. Em
29/03/2011 tive a oportunidade de conversar pessoalmente com Milanez, responsável pelo CC.
42
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I. Métodos e Experiências de
Pesquisa
45 Referências bibliográficas sobre a teoria dos Fractais e da Complexidade ver em Torres & Góis (2011: 595-596), que
exploram as referências iniciadas por Mandelbrot (1983).
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
Já o termo União do Vegetal vem simbolizar o sacramento, a união de dois vegetais que formam
a essência primordial para a base doutrinária e compreensão de toda a cosmologia udevista.
46 Texto publicado no prefácio livro Estrela da Minha vida de Edson Lodi (2011), também disponível:
http://www.oeco.org.br/jose-augusto-padua/17217-oeco-12271. Acesso em: 05 de maio de 2009.
47 Para Paul Ricoeur, viver com e para os outros é pretender ter uma “vie bonne” (vida boa) por não ser possível avaliar-se
sem a mediação do outro, ação que corresponde a duas prerrogativas, à moral da estima de si (que remete a “exigência de
universalidade”) e da solicitude (que envolve a concepção de respeito)(Ricoeur 1990: 211-212).
44
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
48 Num âmbito geral a instituição constitui-se de vários departamentos: Departamento Médico-Científico (DEMEC);
Departamento de Memória e Documentação (DMD); Departamento de Plantio e de Beneficência, Departamento da
Diretoria, Jurídico, Cerimonial e Monitorias da Associação Ambiental Novo Encanto. Num âmbito local: Departamento de
Instrução e Doutrinação Espiritual, Departamento de Limpeza Geral entre outros departamentos que foram necessários. Site
oficial UDV- http://www.udv.org.br/Em+nome+de+todos/Gente+de+paz/63/.
49 Nas sessões rituais da UDV após a ingestão da ayahuasca os participantes permanecem sentados quase imóveis, condição
que favorece um estado de êxtase ou transe religioso.
45
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
A PESQUISA ETNOGRÁFICA
Há mais de 40 anos, os estudos sobre temas que enfatizam o uso de psicoativos têm se
ampliado nas várias áreas do conhecimento (Shanon 2003). A compreensão destes contextos,
do ponto de vista metodológico, implica numa abordagem trans, inter e multidisciplinar. Foi
neste sentido que adoptei a etnografia como uma das minhas ferramentas metodológicas de
base.
46
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
• Acervo de canções utilizadas pelos mestres ou pessoas responsáveis por esta função;
• Jornais, Circulares, CDs;
• Fotos da instituição;
• Cronograma de atividades de cada grupo;
• Quantidade de sócios do grupo frequentado;
• Entrevistas.
Esses dados resultaram em 65 horas de gravação em vídeo, 1050 fotos, coleta de 3000
fonogramas, 15 CDs produzidos pelos sócios, aquisição de jornais editados pela instituição
datados entre os anos de 1989 a 1997 (aquando da visita na Sede Geral em Brasília),
informativos da UDV-Portugal desde 2010 e Regimento Interno.
A União do Vegetal é uma sociedade religiosa criada e sediada no Brasil mas que tem se
expandido para diversos pontos do mundo formando núcleos e DAVs (Distribuição
Autorizada de Vegetal), decorrentes do dinâmico trânsito entre os seus participantes. Essa
situação de mundialização vem atribuir à doutrina um caráter de expansão, pelo que foi
necessário ampliar a abrangência do reconhecimento do campo aqui estudado. Assim, a
pesquisa tornou-se multissituada transbordando a outros contextos sócio-culturais e
territoriais de análise. Portanto, no âmbito desta pesquisa, apesar do trabalho de campo se
focar na realidade vivida pela comunidade instalada em Portugal, também foram realizadas
incursões nas comunidades da Espanha e Brasil, neste último caso em dois pontos a saber:
Brasília (sede geral atual da UDV) e Rondônia/Porto Velho (local de fundação).
Após um ano e meio de diálogo com a comunidade estudada, tornou-se inviável a participação
nos rituais sem ter um vínculo institucional formalizado. No dia 22 de julho de 2011 o
47
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
O trabalho de campo foi realizado em locais que a seguir descrevo em ordem cronológica de
iniciação:
• Cidade de Santa Maria del Tietar/Espanha, por ser o 1º núcleo estabelecido na Europa
e ser a minha primeira experiência nesta comunidade, através de uma sessão de
adventícios (ADV);
• Cidade de Lisboa/PT, por acolher o único grupo da comunidade estudada em
Portugal, o qual é objeto principal de minhas análises;
• Cidade de Brasília/BR, onde atualmente está instalada a Sede Geral que é
representante legal de toda a comunidade em estudo;
• Cidade de Porto Velho/BR, por simbolizar a formação inicial do grupo analisado,
onde está situada a Sede Histórica e residência dos primeiros adeptos a frequentar a
doutrina, estes considerados os Mestres da Recordação e/ou Origem, assim da
reminiscência;
• Cidade de São Paulo/BR, local marcado para a entrevista de alguns adeptos da
doutrina e principalmente entrevista com o meu primeiro interlocutor.
48
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No que diz respeito à pesquisa virtual foram-me apresentados 3 grupos de discussão através
da World Wide Web, os quais descrevo a seguir:
49
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
Neste local busco participar de uma forma menos ativa, observando e coletando dados
para a minha pesquisa. Até ao momento intervenho particularmente quando preciso
coletar algum dado pessoal. Esta lista é umas das formas essenciais de coleta de dados
e análise, isto é, traz-me um contato virtual com uma gama maior de adeptos e que,
por si só, produz um material mais refinado e direcionado ao meu trabalho, por
discutir exatamente o motivo da minha pesquisa: a música no contexto da União do
Vegetal.
50 Sobre o método etnográfico adotado pela etnomusicologia ver o texto do etnomusicólogo Tiago de Oliveira Pinto em Som e
música: Questões de uma antropologia Sonora (2001).
51 Quando exposto na tese, tomo como método não interferir, traduzir, corrigir ou impor filtros sobre os textos construídos
pelos interlocutores entrevistados, a não ser para identificar algo e neste caso faço uso de colchetes e grifos.
50
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Instrutivo (CI), membros do Quadro de Sócios (QS), Adventícios (ADV), jovens, crianças
(dependentes dos pais que não são associados) e ex-sócios.
*
ex- ADV Crianças Jovens QS CI CDC QM MR MO
Sócios
3 7 4 4 13 22 15 16 5 3
Ao contemplar os vários perfis busquei compreender o que essas pessoas determinam ser
importante dentro do ritual religioso da UDV com o propósito de perceber os diferentes
olhares voltados para este processo de aprendizagem. O objetivo foi entender o valor
atribuído à música para tais participantes, assim como a construção desses valores. Segundo
alguns discípulos, para o Mestre Gabriel “a sabedoria da União do Vegetal está na própria
união das pessoas”52 .
Embora a maioria das entrevistas fosse agendada antecipadamente via telefone ou e-mail,
muitas delas ocorreram no dia das sessões, algumas antes e outras após o ritual. Contudo, na
época foi constante o trânsito de visitantes à comunidade da UDV-Portugal para participação
do ritual. Entre esses estavam os associados de outros grupos procedentes de outros países.
Essa dinâmica proporcionou um 'agitado' ambiente onde nem sempre era possível colher os
depoimentos no local previamente agendado, desta maneira, alguns ocorreram via skype. As
entrevistas via internet também seguiram um formato semiestruturado e possibilitaram uma
melhor fluência no diálogo como também ocasionaram maior liberdade ao entrevistado que,
52Descrição que também é referida numa produção própria à irmandade, através do Jornal Alto Falante (AF) –
novembro/dezembro/1994 – janeiro/1995: 08.
51
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Para registro fiável de consulta (e uso restrito para pesquisa) a maioria das entrevistas foi
gravada com a autorização dos interlocutores, sendo estas autorizações registradas em vídeo.
Poucos foram os interlocutores que solicitaram verificar o seu depoimento inserido no
trabalho após a conclusão do mesmo. Este processo demandou um maior tempo na redação
desta tese, mas proporcionou uma legitimidade maior frente aos dados coletados junto à
instituição religiosa da União do Vegetal.
52
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O que se tem notícia sobre trabalhos relacionadas ao CEBUDV é a dificuldade em iniciar uma
pesquisa dessa natureza. Porém, creio que alguns fatores contribuíram para a inicial facilidade
da coleta de dados mesmo não sendo (até aquele momento) filiada e não havendo ainda
aceitação oficial da direção da comunidade. Dentre os fatores mais relevantes para essa inicial
acessibilidade creio decorrer do facto de a minha pesquisa constituir uma situação nova na
UDV em Portugal (comunidade em formação no país). Na época a instituição, apesar de estar
53 As histórias escutadas durante as sessões podem ser executadas tanto presencialmente, através dos mestres, como através
dos fonogramas criados ainda na época do M. Gabriel e estes repassados a cada MR.
53
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vinculada à Sede Geral (Brasília), ainda não era experiente no exercício das regras instituintes
como também não havia qualquer ameaça jurídica ao ritual em Portugal. A direção da UDV
mantinha um controle sobre o grupo português mais afrouxado, que vinha se apertando
conforme o grupo crescia ou se firmava no país.
Apensar da detenção durar menos de 24 horas e Gaio provar que não fazia distribuição além
dos rituais realizados em âmbito familiar, foi enquadrado no artigo de dependente da
substância de forma que o uso da mesma teria que ser individualizado55. Tal situação levou a
UDV a determinar o cancelamento das sessões por tempo indeterminado. Cancelou
igualmente o envio de remessas de Vegetal para o país e conjecturar a restrição dessa pesquisa.
Esta situação limitou alguns procedimentos e a liberdade em campo, pois o controle exercido
pela Diretoria da UDV à comunidade inserida em Portugal se acentuou. No que diz respeito à
comunidade UDV- PT foram aplicadas as seguintes restrições:
54 Nome de um pássaro (em itálico) adotado como codinome para a maioria dos interlocutores, com exceção dos
interlocutores que permitiram a exposição de seus nomes, e os que são de domínio público.
55 A dimetiltriptamina – DMT é uma das substâncias encontrada na ayahuasca e, apesar de ser também uma substância
endógena ao ser humano, atualmente é proibida no país.
54
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Um dos procedimentos tomados pela diretoria geral (DG) foi acelerar alguns processos de
legalização da igreja no país. Apesar desta atitude, a sensação de desconforto prevaleceu, e a
partir daí, junto a uma conselheira da UDV-Portugal, iniciamos um processo de analisar quais
seriam os melhores caminhos para enquadrar o grupo lusitano na pesquisa corrente. Sugestões
desesperadas fizeram parte dessa negociação, como um pedido de alterar o foco do “objeto de
pesquisa” para outro grupo udevista que estivesse instalado num país distinto de Portugal. Por
fim, chegou-se à conclusão que, além da orientação, da co-orientação acadêmicas e da análise
da Comissão Científica da UDV, esse trabalho também seria submetido para análise da
55
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direção responsável pelo grupo na Europa, e somente assim, continuaria ser realizado em
Portugal.
56A associação à UDV-Portugal aconteceu após um ano e seis meses de frequência. É comum os participantes se associarem
em dias comemorativos da Instituição. Sem fugir à regra, minha associação ocorreu no dia 27/07/12, data que foi
comemorado os 50 anos de fundação do CEBUDV
56
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The power of music resides in its liminality, and this is best understood through
engaging in the experimental method imperfectly called ‘‘fieldwork,’’ a process that
positions scholars as social actors within the very cultural phenomena they study
(2008: 03-04).
Cooley e Barz citam pesquisas como a de Timothy Rice que percebe o campo como uma
criação metafórica do pesquisador, Michelle Kisliuk que considera o termo “pesquisa de
campo” mais apropriado do que “trabalho de campo”, ao questionar se esse termo de início já
não cria uma barreira dicotômica artificial entre casa e campo, ele e nós, nos afastando da
“vida real”, e Jeff Titon que reflete sobre o campo ser uma experiência compartilhada (2012:
18). Nesse sentido, os autores Cooley e Barz ressaltam: “as individual fieldworkers, our
shadows join with others, past and present, in a web of histories: personal histories, the
histories of our academic field, and the histories of those we study (...)” (2008: 05). Discursos
que revelam a preocupação em situar o “local de fala” do pesquisador, que tem na
interpretação do que experiencia a chave para “explicar racionalmente a razão ou a desrazão
do outro” (Goldman 2006: 163).
Assim, se eu disser que não acredito ter ouvido os tambores, vocês ficarão mais
tranquilos a meu respeito; mas, ao fazê-lo, eu estarei simplesmente deslocando a
estranheza para meus amigos de Ilhéus, a quem atribuirei características exóticas, e
vocês acreditarão que eles acreditam mesmo ter ouvido os mortos tocarem. Por
outro lado, se eu disser que acredito que os tambores que ouvi eram tocados pelos
mortos, estarei sendo fiel a meus amigos, mas provavelmente perderei não só a
confiança de vocês, como os meios de dizer algo a respeito do evento que não seja
uma simples repetição do que dizem meus amigos que não são antropólogos
(Goldman 2006: 166).
57
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Nesse sentido o autor faz alusão à posição do antropólogo não ser nem cientista e nem o
narrador mas o que valoriza “a priori todas as histórias que escutamos” (Idem 169-170).
Um dos contributos maiores da pesquisa de campo foi aprender a “escutar”. Percebi que
mesmo que o participante apresente resistências ao ambiente religioso (onde me incluo), ao
entrar em contato com o ritual ayahuasqueiro a tendência foi iniciar um processo de análise
interior, processo resultante do contexto, e principalmente do efeito da ayahuasca, um
poderoso catalisador57. Nesse sentido, dado o caráter de vivência indelével e sem hipótese de
“distanciamento” proporcionado pela ingestão da ayahuasca, a pesquisa caracterizada pela
observação-participante, passa também a agregar mais uma forma de relação com o evento: o
experiencial refletido pelo biólogo Marcelo Mercante (2012: 50). Para Mercante:
Possibilidade atestada quando em campo me apercebi que meus pensamentos estavam sujeitos
a uma espécie de fluxo involuntário e incontrolável que mesclava dois tipos de análise: a que
eu produzia enquanto investigadora, centrada na observação e entendimento do ritual, e a que
eu produzia enquanto pessoa, centrada na análise das minhas emoções. Nesse sentido Labate
(2004) observa que:
Portanto, ser guiada por esse contexto, descrito por alguns interlocutores como Universidade da
Vida (como metáfora da UDV), fez-me perceber mais atentamente esse local como uma
instituição de ensino sistematizado que agrega valores normativos, hierarquizantes e
institucionais e, nesse sentido, apoiados em metodologias e pedagogias próprias.
57 Quando em pesquisa de campo, não foi raro ouvir testemunhos alegando uma mudança na forma de observar o ritual, que
em muitos casos, de mera curiosidade, se tornou um local voltado a descoberta pessoais e apreensão de ensinamentos, ou
seja, um lugar de pesquisa pessoal.
58
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Para estudar a performance da escuta muitas vezes é necessário atenção redobrada para reter o que
se ouve (no meu caso demandou tempo). E é impossível fazê-lo sem assistir às sessões
integralmente o que implica participar e, por consequência, ingerir a ayahuasca conjuntamente
com outros participantes.
No início do meu trabalho de campo com observação e participação nas sessões percebi uma
certa dependência em recorrer aos interlocutores justamente quanto à análise do ritual. No
contexto do ritual somente a memória é utilizada como recurso de armazenamento de
informações durante a experiência, uma vez que após a ingestão do psicoativo geralmente não
é permitido o uso de nenhum objeto de fixação da doutrina (papel, caneta, aparelhos de
filmagem, gravação de áudio e máquina fotográfica). Neste sentido a memória torna-se o
único mediador entre o evento e a narrativa. No entanto, a partir do momento em que se opta
por um método onde há o auxílio dos interlocutores, constroem-se mecanismo de troca e
construção de saberes. Como exemplo, após o término de uma sessão ou nos dias
subsequentes, é usual a promoção de conversas sobre os assuntos que circularam durante o
ritual - revelando impressões, dúvidas e o revisar das próprias constatações. Assim, torna-se
um processo coletivo de conhecimento pós ritual, um sistema dialógico e reflexivo que
59
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
naturalmente ocorre nesse contexto, independentemente de haver ou não questões postas por
um pesquisador.
Porém, perceber que se é parte de uma comunidade que a priori foi vista como o local do
“outro” requer algumas reflexões, principalmente sobre alteridade. Encontrar um universo
religioso que promova a ascensão hierárquica baseada numa ascensão considerada espiritual -
ou seja, mística/incorpórea/metafísica - através do êxtase obtido por uma substância
psicoativa que possibilita o encantamento da realidade (Melo 2013), proporcionado e
direcionado muitas vezes pela música, trouxe-me uma inesperada identificação. Na verdade, a
decisão em escolher um objeto de pesquisa aparentemente apartado do meu cotidiano e de
certa forma distante do modo de pensar o religioso (o divino), ocorreu mediante prerrogativas
particulares. Revelou-se num momento de forte comoção, em virtude de momentos difíceis
que estava a viver a nível familiar. Assim, houve a necessidade e a possibilidade de vincular
anseios académicos com a curiosidade em descobrir e entender um outro nível de mundo, o
que na época eu poderia denominar de um mundo possível (apesar de invisível), fantástico e
calmante58. Neste sentido, a percepção da existência desse contexto enquadrado num cenário
místico alternativo, possibilitou-me transitar entre dois mundos, um acadêmico e outro
religioso, que ao mesmo tempo abriu um leque de vivências e conhecimentos, mas também
proporcionou uma via de mão dupla, onde a linha de separação nem sempre foi fácil
visualizar. Porém, como salienta o antropólogo Marcio Goldman:
58 Segundo Esperandio e August, a teoria do apego desenvolvida a partir dos estudos de John Bowby, promoveu o estudo em
variadas perspectivas acadêmicas inclusive no campo religioso. Nesta área, a partir dos estudos de Kirkpatrick, foi observado
que a base segura (figura de apego) geralmente referenciada por um ente familiar, transcende da forma física para a espiritual.
Isto ocorre quando o vazio ocasionado pela ausência corpórea é preenchido por uma crença, pela fé (Esperandio e August
2014: 256).
59 Baseio-me tais formulações nas reflexões do historiador Mauricio Goldman (2006).
60 Ver Ricciardi (2008); Fernandes (2011) sobre transformações pessoais, alívio e cura na UDV.
60
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Para o etnomusicólogo Timothy Rice (2008) no processo etnográfico, não há uma linha
rigorosa que separa a ação da observação, da representatividade e interpretação pessoal.
Pautado na hermenêutica fenomenológica do filósofo Paul Ricoeur, Rice reflete sobre o
dualismo das posições eu/outro, insider/outsider, como forma de conciliar a experiência de
campo e o método de análise. Mesmo que as distinções entre o “pesquisador e o pesquisado”
estejam fadados a uma constante indagação e relação dialógica, esta situação proporciona o
que Els Lagrou ressaltou como um questionamento que é interessante de se pensar (2007:
175). Uma vez que nessa relação há um “lugar” propício às flexibilidades entre os “limites”,
assim como também, entre os “horizonte” (Rice 2008: 56).
Outra reflexão latente durante a etnografia, é a incapacidade de expor, sem omissões, o meio
pesquisado. Mas, conforme Lagrou, quando há um interesse em manter uma leitura
polissêmica, englobante, receptiva e relacional (Lagrou 2007), é possível limitar o
reducionismo sobre a pesquisa. Isto é, “precisamos (…) do pesadelo de encarar a
incomensurabilidade!” (Lagrou 2007).
Relativo à “observação sonora” o etnomusicólogo Veit Erlmann sugere que para se ter um
ouvir etnográfico é preciso “conceituar novos modos de conhecer uma cultura e de adquirir uma
compreensão aprofundada de como os membros de uma sociedade conhecem uns aos
outros” (Erlmann 2004: 03 - tradução minha). Ainda:
Saber ouvir e como ouvir os sons produzidos pelo “campo”, apesar do valor estimado para
essa pesquisa, não se enquadra num processo “tradicional” de escuta uma vez que, ao ingerir a
ayahuasca, mesmo que no ritual compareçam as mesmas pessoas, se escute os mesmos
fonogramas, ocorram as mesmas perguntas e os mesmos sons ambientes (situação quase
impossível) o que se apresenta para quem participa sempre será diferente. Como se obtivesse a
partir de uma mesma figura (imagem, corpo, busto, pintura, etc.), “figuras ambíguas”
(Feyerabend 1974) que mesmo ao se manter inalterada, percebemo-la (cada vez que a
observamos) sob distintos aspectos, tanto mediante o contexto em que surge, tanto no
momento em que (nós) nos encontramos (o que está intimamente ligado aos nossos
humores), numa perspectiva fenomenológica. Isto é, “o mundo é não aquilo que eu penso,
61
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
mas aquilo que eu vivo, eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele
mas não o possuo, ele é inesgotável (Ponty 1999: 14).
Apesar de haver, entre os pesquisadores, essa discussão sobre a postura a ser empenhada em
campo (Morin 1998, e na etnomusicologia Pinto 2001, Finnegan 2002, Nettl
2003/2005/2008), há um ponto de concordância que recai sobre a forma como irá interpretar
o que vivencia (Narby 2004: 24). Assim, é num ambiente sugestionado pela ingestão da
ayahuasca que, sob o “efeito” numinoso (Rudolf Otto 1985) - que compreende a inter-relação
de experiências racionais e não-racionais próprios do sagrado - saberes distintos relacionados
não somente à ética e à moral mas a um conhecimento desmesurável existente nesse universo
indizível, são transmitidos.
62
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A etnógrafa Carolyn Ellis (2007)61, nos faz refletir sobre a ética relacional quando questionou
o processo de análise utilizado em sua própria tese de doutorado. A pesquisadora percebeu
que, após a leitura do seu trabalho pelos interlocutores, situações de conflito foram sendo
geradas causando uma série de eventos desagradáveis até mesmo o total corte nas relações
estabelecidas entre a pesquisadora e a comunidade. Informações, dados pessoais e até mesmo
segredos íntimos dos membros da comunidade - que a tinham muitas vezes como amiga e
cumplice - foram revelados na tese. Embora essa exposição tenha trazido à pesquisadora
muitos dissabores, proporcionou-lhe discutir e refletir sobre o papel do pesquisador em
campo, sobretudo, sobre as consequências advindas das próprias ações, tanto dentro da
pesquisa como e principalmente, após a pesquisa. Coloca em causa alguns os métodos
comumente adotados, que tendem a desprivilegiar a importância da discrição envolvente nas
relações interpessoais dos interlocutores. Neste sentido, percebe que os direitos e deveres, as
escolhas, a inserção e sobretudo a discrição do pesquisador devem ser constantemente
reavaliados. Todavia, também ressalta a problemática gerada a partir de uma possível
intercessão realizada pelos interlocutores, após a leitura do trabalho em construção:
When we write about intimate others who are alive, we have an opportunity to
discuss with them what to tell. However, this possibility also opens up a Pandora’s
box of communication complications. Seldom are we completely open with people
in our lives about how we see them or how we see ourselves relative to them. We
often fear that those in our stories will be hurt by what we’ve revealed, how we’ve
interpreted events or people, or how we ourselves feel. Often we operate under the
fear of the unknown; we don’t know how intimate others will react to what we
write, and it feels safer to stay in the accustomed disclosure (or nondisclosure)
system that is predictable and comfortable (Ellis 2007: 17).
61A pesquisadora Carolyn Ellis (2007) em Telling Secrets, Revealing Lives: Relational Ethics in Research With Intimate Others, analisa
questões relacionadas com a pesquisa autoetnográfica e possíveis consequências.
63
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Isto é, enquanto se revela um, se oculta o outro e vice-versa. Fato que nos traz algumas
questões, como: Quando é nítido o término de um caminho e o começo do outro? Quando
termina o que diz respeito ao pesquisador e começa o do interlocutor, uma vez que ambos são
cúmplices de uma mesma realidade? Como preservarmos a nós e ao “outro”?62 Sem uma
razoável resposta vale a tentativa de entender esse processo como parte da imperfeição dos
métodos (mesmo que haja todo cuidado por parte de ambos os “lados”). Métodos que
tendem a minimizar a imprecisão com que traduzimos a realidade (Peirano 2014: 383). Após
experiências e questionamentos Carolyn Ellis sugere a aparente falta de regras sobre o que
expor ou não expor deve ser substituída pela consciência ética do investigador:
A partir das reflexões de Ellis, que aborda sobre o perfil nativo/etnógrafo (Peirano 2014: 379)
do investigador, trago para essa pesquisa esse entendimento. Não obstante, durante trocas de
saberes, informações e percepções, foi-me proposto modificar alguns pontos da minha
exposição escrita, dada a situação legal no país. Assim, sob a égide da discrição ética alterei
algumas informações, dentre as quais, a substituição de alguns nomes pessoais por nomes de
pássaros63.
62 Nesse trajeto, vínculos emocionais foram criados, mas apesar de facilitar a obtenção de informações, também promoveu
uma maior responsabilidade e filtro na exposição dos dados, uma vez que íntimos sentimentos foram revelados. No caso
dessa pesquisa, a participação empírica estimulada pelo campo ultrapassou os limites do contato “investigativo”. A partir
dessas relações, a convite de Harpia (QS/UDV-PT), eu e meu companheiro recebemos a responsabilidade de nos tornarmos
padrinhos de sua filha. Nesse caso, em 2013 participei da primeiro batismo realizado na UDV-PT.
63 É comum haver esse tipo de procedimento em trabalhos acadêmicos. Como exemplo há a tese de Greganich (2010) que de
forma análoga substitui os nomes - no caso da UDV - por flores (2010: 32) e no caso do Santo Daime por espécies de beija-
flores.
64 Outra maneira de viabilizar a pesquisa foi partilhar o texto para que os colaboradores contribuíssem com suas opiniões.
64
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produzidos pela comunidade e fora dela (através de sites, blogs, jornais e etc.) foram
mantidos65.
A escolha em adequar o nome de aves constitui uma alusão a atribuições feitas pelos mestres
fundadores da UDV que, como as aves, são provenientes das regiões e, enquanto
“mensageiros/peregrinos” buscam disseminar a doutrina, revelando um tipo de “’nomadismo’
religioso de geometria variável” (Teixeira 2008: 156) 68. Assim, respeito de alguma forma um
cenário que indica, ao contrário da extinção69 (ocorrente a algumas aves das regiões citadas), a
expansão - algo previsto no início da UDV pelo Mestre Gabriel.
65 Esse método está relacionado tanto pela situação legal no país - e por consequência – como pela solicitação da Diretoria
Geral da UDV através do Departamento do Conselho Científico.
66 O termo reino tem muitas conotações, nas ciências biológicas, nas ciências naturais, mas também no imaginário de muitas
sociedades mágico-religiosas. Mario Cezar Silva Leite (2009) faz menção a esse imaginário encantado revelando os mitos
submersos em água de uma comunidade vivente no interior do pantanal mato-grossense.
67 Através da pesquisa no site do WikiAves realizei um levantamento das espécies existentes num raio de 50 Km da cidade
onde Mestre Gabriel nasceu e viveu sua infância (Coração de Maria/BA) e no raio de 300 Km da cidade de Porto Velho -
região onde a instituição foi formada - com intenção de abranger as proximidades (seringal divisa com a Bolívia) onde o
Mestre bebeu pela primeira vez o Vegetal.
68 Segundo o antropólogo Alfredo Teixeira em seu artigo intitulado “Aggiornamento” ou “bricolagem”: Para uma hermenêutica da
ritualidade eucarística, ao abordar os estudo sobre Ritual Studies ou mesmo “Modernidade ritual”(Dianteill et all 2004) traz a
problemática da comunitarização da experiência crente, uma vez que “os indivíduos procuram, com frequência, ideais
espirituais que, de uma forma ágil, respondam às suas necessidades no curso do seu itinerário biográfico.
69 Devido a grande área territorial, o Brasil alberga um grande números de espécies de aves. (Omena Junior 1999: 151)
Atualmente estima-se haver 1901 espécies no País (Ver em: Comitê Brasileiro de Registros Ornitilógico -
http://www.cbro.org.br/CBRO/num.htm. Acesso 15/11/2014). Mesmo que esse número seja relevante, supõem-se que
algumas espécies já tenham se extinguido. Disponível: http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2012/junho/apesar-da-
reducao-do-desmate-aves-amazonicas Acesso em: 15/11/2014.
65
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MÉTODOS*E*EXPERIÊNCIAS*DE*PESQUISA*+**capítulo*2*
Mestre Gabriel, por ser um bom cantador e ter voz afinada, recebeu na sua infância o
codinome de Cancão de fogo que também é denominação atribuída a um pássaro da região70. Na
fase já adulta, quando procurou pela 1ª vez beber o vegetal, lhe é recusado com a justificativa:
“porque ele sabe onde as andorinhas dormem” (Fabiano 2012). A “figura” do pássaro é
igualmente protagonizada quando a partir do LP Sinfonia das Aves do Brasil de Johan Dalgas
Frisch (lançado em 1964), Mestre Gabriel oficializou a utilização de fonogramas nas sessões. É
a partir deste momento que o ritual passou oficialmente a integrar elementos tecnológicos
introduzindo sons em diferido71.
70 Segundo o livro Contos populares de Brasilia de Altimar de Alencar Pimentel “Cancão de Fogo é um pássaro nordestino cujo
nome deu origem ao célebre pícaro criado pelo poeta popular Leandro Gomes de Barros,Cancão de Fogo” (1998: 21).
71 Em relação à importância dos pássaros na cosmologia da UDV uma dos episódios que constituem uma espécie de
repertório no processo iniciático informal conta que no início da doutrina um neófito dirigindo-se ao Mestre Gabriel e
perguntou: “Mestre cocô também nasce?” Mestre Gabriel respondeu afirmando que sim, informando aos discípulos uma
cadeia alimentar comum aos pássaros e vegetais. Assim ensinou que o pássaro ao comer uma semente, possivelmente as
espalha quando voa, semeando-as em solos muitas vezes bem distintos, contribuindo com a regeneração da floresta, então, do
cocô do pássaro também pode nascer sobretudo um conhecimento.
66
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II.UDV Protagonistas
Fundacionais e expansão da
doutrina
UDV*–*PROTAGONISTAS*FUNDACIONAIS*E*EXPANSÃO*DA*DOUTRINA*+**capítulo*3*
Na sua vida terrena72, José Gabriel da Costa nasceu no interior da Bahia em 10 de Fevereiro
de 1922. Aproximadamente aos 22 anos de idade (início dos anos 1940) foi servir o Exército
como seringueiro na Amazônia, no deslocamento conhecido por “Exército da Borracha”.
Com aproximado 39 anos, participa de um ritual com a ayahuasca. Seus primeiros discípulos
surgiram ainda nos seringais, compreendiam sua família (sua esposa Mestre Pequenina, filhos)
e alguns vizinhos. De acordo com os biógrafos Edson Lodi (2010) e Rui Fabiano (2012), foi
participante ativo de uma série de eventos sociais, religiosos e de práticas performativas locais
como batuques, sambas de roda, capoeira e músicas de trabalho cantadas no meio rural como
os batuques das batas de feijão e milho (Labate e Pacheco 2009:78)73.
Ao longo da sua vida circulou por contextos muito diversos e partilhou experiências
igualmente diversificadas, designadamente no quadro religioso (catolicismo popular, cultos
provenientes de África ocidental sul-sahariana, kardecismo), no quadro artístico e
performativo (a arte do repente, da capoeira), no quadro cívico (a experiência do serviço
militar, de pai de família, de trabalho como enfermeiro, comerciante, político, oleiro,
seringueiro) e ainda enquanto conhecedor da medicina da floresta.
72 Para uma análise crítica sobre biografia ver A ilusão biográfica (1986) de Bourdieu, onde “desconstrói” a ideia de que a vida
humana tem um sentido pré definido, este criado a posteriore a partir de biógrafos, romancistas entre outros.
73 Como observa a etnomusicóloga Lídia Hortélio: “nessas comunidades [nordestinas rurais] quando eles trabalham cantam,
quando eles oram cantam, quando eles brincam cantam, então, a música perpassa toda a vida dessas pessoas” (Bahia Singular
e Plural disponível: https://www.youtube.com/watch?v=O0AoVe3RIzY. Acesso em 15 de julho de 2013)
68
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Foi possível perceber que o material escrito pelos membros da UDV constitui sobretudo um
meio de difusão e de fixação das histórias referentes à vida do Mestre Gabriel procurando
difundir a vida do guia espiritual como exemplo de conduta incentivando o que Mircea Eliade
designa por ideário mítico (2010: 147).
Para rever a biografia do Mestre Gabriel priorizei como fonte de informações alguns
trabalhos, como os livros Relicário (2010) e Estrela da minha vida (2011) do mestre Edson Lodi,
O mensageiro (2012) do mestre Rui Fabiano (ambos Mestres da UDV), e as agendas anuais
produzidas e publicadas na sede geral da UDV, designadamente as de 2011 a 2015, que
incluem fartas informações e documentação biográfica. Recorri também a pesquisas
acadêmicas menos fincadas em aspetos biográficos, como a tese de Cícero Fernandes (2011), e
monografia de Ricciardi (2008), Brissac (1999), Andrade (1995) e Goulart (2004).
Segundo o mestre Rui Fabiano – também jornalista - quando criança Mestre Gabriel era
nomeado na família por José, mas apelidado por Cancão de Fogo, pelo facto de ser reconhecido
pelas qualidades de poeta e repentista (cantor de canto ao desafio) (2012: 30). Durante o
período em que viveu em Salvador (1940-1942) ficou conhecido por Zé Bahia codinome
atribuído pelas suas qualidades como um dos melhores capoeiristas da região (Brissac 1999:
61). Nessa mesma época também se tornou conhecido por Sultão das Matas, referência
atribuída pela sua performance nos terreiros de candomblé (Fabiano 2012: 38; Melo (2010). O
codinome Tuchaua (que recebeu aos 22 anos) refere-se à sua destreza em extrair a borracha
durante o período em que viveu nos seringais da Amazônia (Fabiano 2012: 27-37-49). No
entanto, é através da denominação Mestre Gabriel que a sua importância se tornou numa
referência mundial, enquanto líder religioso e “mensageiro de Deus” assim associando o seu
nome - Gabriel – com o anjo que no catolicismo adquire a função de anunciador da palavra de
Deus.
Alguns dos estudiosos que se dedicaram a biografar a vida do Mestre Gabriel, ensaiaram
também a construção de linhas do tempo organizadoras, tentando sintetizar os diferentes
episódios da sua vida. Uma delas encontra-se no trabalho de Sandra Goulart (2004: 208)
expondo uma cronologia que data apenas momentos que enfatizam sobretudo a época adulta.
69
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UDV*–*PROTAGONISTAS*FUNDACIONAIS*E*EXPANSÃO*DA*DOUTRINA*+**capítulo*3*
A sequencialidade dos eventos datados pela autora evidencia a forma célere como a UDV foi
criada e difundida - aproximadamente 10 anos – sob a responsabilidade do Mestre Gabriel.
Em 2011, por ocasião da comemoração aos 50 anos da UDV, foi elaborada por uma equipe
voluntária de associados à instituição CEBUDV, uma agenda/caderno de notas anual,
reconstituindo a trajetória de vida do Mestre Gabriel. Como exemplifica a figura 4, são
retratados dois períodos, o 1º refere-se ao período que compreende desde o nascimento até à
desencarnação (referido pelos discípulos por período áureo) e um 2º que retrata desde a desencarnação
até o ano de confecção da agenda (aqui referido por período sucessório/expansão).
*
Figura 4 - Exemplo da periodização/agenda 2011
70
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A agenda 2011, além estimular a leitura sobre a genealogia do Mestre Gabriel, da sua família e
conterrâneos, também incentiva o leitor a colocar os seus dados cotidianos, sobretudo
referentes ao seu próprio tempo vivido junto na sociedade UDV. Esta ação propicia ao
discípulo uma espécie de inscrição na própria vida e história da instituição e favorece uma
mensagem doutrinária assente na cultura escrita e na valorização patrimonial através do ato de
coletar, arquivar e disseminar.
Neste sentido, é retratado na agenda os primeiros anos de fundação da UDV como forma de
marcar o tempo vivido e como patrimônio a ser contado às novas gerações. Um dos textos faz
alusão à agenda como um local:
para planejar os afazeres de forma organizada, lembrando sobre o que precisa ser
feito. À medida que se alcança o que se planeja, uma parte da história é escrita. O
que era futuro vira presente e, depois passado. Essa agenda é a composição desses
dois movimentos. O primeiro, da recordação, é inspirado no Caderno de Anotações
de Raimundo Pereira da Paixão (Mestre Paixão), que registrou inestimáveis
momentos históricos do início desta sociedade religiosa, a União do Vegetal,
vividos com seu fundador José Gabriel da Costa (Mestre Gabriel). Note-se que o
formato da agenda busca aparentar a simplicidade original desse caderno. Outros
conteúdos históricos também foram inseridos graças a depoimentos obtidos,
especialmente pelo Departamento de Memória e Documentação – DMD. O
segundo movimento é mais prático, pois se relaciona com a organização da lida
diária e, portanto, segue uma forma mais estruturada e completa. Porém suas
páginas revelam mês a mês, parte da história do Mestre Gabriel e de seus primeiros
discípulos (Mestre Mesquita, Agenda 2011).
*
Figura 5 –Agenda 2011/UDV – reprodução de uma foto do caderno original de Mestre Paixão
71
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Na agenda de 2013 e 2014 intituladas Infância e juventude: José Filho da Bahia, o enfoque é feito
no histórico de vida em família (pai, mãe e irmãos). O ambiente agreste do sertão, é
representado na agenda através das cores ocre e amarelo, com intenção de ambientar o leitor
ao local de nascimento do Mestre Gabriel. Fotos de sua família, de lugares e paisagens
também contribuem para surtir esse efeito. Na agenda de 2015 enfatiza a época adulta vivida
nos seringais, assim representado através da cor verde.
Para além dos dados relativos aos factos biográficos, as agendas fornecem também
informações sobre o perfil pessoal de Mestre Gabriel, designadamente no que se refere à sua
experiência de vida no quadro espiritual. Nesse sentido a dimensão temporal – sobretudo
resultado dos testemunhos dos seus seguidores – não se compadece com um tempo
cronológico rígido mas antes com uma temporalidade que é, fundamentalmente, do foro do
indizível e, portanto, atemporal.
De acordo com os mestres de origem (MO) – primeiros mestres da UDV - o Mestre Gabriel é
visto como um recordado pelo facto de durante a sua vida se ter relembrado de todas as suas
reencarnações. Ser recordado significa que o tempo interno de duração se alargou e ultrapassou
o limite do tempo de duração físico relativo ao período histórico de uma vida. Neste sentido,
o tempo interno de duração – durré segundo Bergson (2006) 74 - do Mestre Gabriel revelou ser
um tempo de duração extra-ordinário, ou seja, um tempo mítico. Desta forma a cronologia de
vida do Mestre Gabriel – de acordo com os seus seguidores - obedeceu a dois níveis de tempo
que caminharam paralelamente, um ordinário e outro extra-ordinário (mítico). Um que correu
junto ao tempo presente (da época em que estava vivo) compartilhado pelo coletivo durante o
ritual e outro que se elevou a um tempo dilatado (intra e extra-sensorial). De certa forma, as
agendas cumprem um papel de relembrar/contemplar, de modo latente, a noção da existência
de no mínimo dois tempos, estes disponíveis de maneira interativa no suporte material (no
calendário). Durações que se envolvem por toda as folhas das agendas, através da já disposta
74 Num contexto sonoro, o tempo (como movimento) também é algo definitório para o seu entendimento. Em O Pensamento e
o Movente (2006,) Henry Bergson reflete sobre a inefabilidade do tempo, não o tempo físico (medido pelo relógio), mas o
tempo de duração interna (intuitivo ou mesmo relativo a consciência). Esse tempo, mesmo que misterioso é evidente, e
definido como indivisível pois a sua duração é de um tempo vivido initerruptamente e não através de sucessões lineares de
intervalos que, segundo o autor, é percebido como movimento. Para haver esse movimento é necessário haver a decorrência
de um antes e um depois, mas não é necessário haver um suporte móvel para a percepção desse movimento - a mudança
acontece sem nada físico para delatá-la. Para sua reflexão traz como exemplo o processo da escuta de uma melodia para
expressar a noção de “duração real” de tempo, de movimento e mudança (2006: 170 -172). “Escutemos uma melodia,
deixando-nos embalar por ela: não temos nós a percepção nítida de um movimento que não está vinculado a um móvel, de
uma mudança sem nada que mude? Essa mudança se basta, ela é a coisa mesma e, por mais que tome tempo, é indivisível:
caso a melodia se interrompesse antes, já não seria mais a mesma massa sonora; seria outra, igualmente indivisível”(Bergson
2006: 170).
72
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Vejamos então como, de acordo com as bases fundamentais da UDV, o perfil biográfico de
Mestre Gabriel está documentado. O exercício que a seguir apresento permite-me ainda
relacionar a biografia do Mestre com alguns momentos históricos, inclusive relativos à
dimensão sonora sua contemporânea.
Desperta
Autor: Martonio Holanda75
75 Texto atribuído ao dia de nascimento do M. Gabriel e a UDV, que segundo o discípulo M. Márcio Da Rós, esse “conto” foi
musicada por Mihno Gil, mas, composta por Martonio Holanda, que faz parte do QM (núcleo M. Sidom - Sobral CE) e esta
na UDV há 21 anos. Ele também faz parte do grande numero de artistas associados na UDV que são escutados nas sessões.
Informação recolhida em 10/02/2015 na lista do grupo musincante.
73
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Esta poesia foi publicada na agenda relativa ao ano de 2011 e é da autoria de um dos
discípulos da UDV em homenagem ao dia de nascimento do Mestre Gabriel. Ela procura
ilustrar de forma imagética alguns elementos que caracterizam a doutrina. As referências
topofílicas (sertão, norte, coração de Maria), que ambienta o leitor numa singular paisagem
sonora, também podem remeter a um outro contexto “espiritual”, através de metáforas: os
discípulos, tal como os pássaros, são despertados (conscientes da existência do Mestre
Gabriel) e através do “tempo” (da burracheira) conseguem admirar a luz do Sol (uma alusão
ao Mestre Gabriel). Nas duas últimas estrofes ainda há a referência à obra (UDV) e vida do
Mestre, usando a metonímia.
Mestre Gabriel nasceu no dia 10 de fevereiro de 1922 numa fazenda denominada por Pedra
Nova situada num pequeno município conhecido por Coração de Maria76, interior da Bahia e
aproximadamente a 100 km de distância da capital Salvador/BA. O local está encrustado
numa região conhecida como Tabuleiro do Retiro ou tabuleiro interiorano. Retiro também é o
nome do arraial77 que lhe fica mais próximo. De acordo com o mestre Lodi (2010), um dos
biógrafos do Mestre Gabriel, foi na igreja do Retiro que terão tocado os sinos cujas badaladas
terão sido ouvidas pelo próprio Mestre Gabriel ao meio dia – na hora do seu nascimento. Esta
referência faz parte de um conjunto de histórias e crenças que, pelas mãos de familiares e
discípulos, foram moldando o histórico do Mestre Gabriel cercando-o de momentos extra-
ordinários.
É o oitavo filho de 14 irmãos sendo a sua mãe, Prima Feliciana de Vasconcelos da Costa,
descendente da tribo dos Palaias, nação Tupi que habitava a região de Coração de Maria, e o
seu pai Manoel Gabriel da Costa, descendente de casamentos entre portugueses e índios (Lodi
2011: 108; Fabiano 2012: 28). O lugar onde Mestre Gabriel nasceu e viveu sua adolescência, é
apresentada na agenda de 2013, através de fotos e desenhos referentes a essa paisagem, como
visto na figura 6.
76 Segundo dados do IBGE o povoamento dessa localidade iniciou em meados do século XIX com a construção de uma
capela denominada por Santíssimo Coração de Maria. Em 1848 o jesuíta Paulo iniciou “a construção da igreja matriz, elevada
à freguesia, em 1853. O arraial sede da freguesia foi elevado à vila em 1891, com o nome de Santíssimo Coração de Maria,
porém em 1944 alterou o nome para Coração de Maria”. Contudo, fazia parte de uma região maior que integrava a sesmaria
de Garcia D’Avila, sendo desbravada por volta de 1565 pelos Jesuítas em missão de catequisar os índios Tapuias. Também foi
elevada uma capela denominada por Nossa Senhora da Purificação, nome que futuramente o povoado crescente no entorno
herdou. No entanto, o nome novamente foi alterado para Irará que em Tupi significa “nascido da lua ou do dia”. A região de
Irará é dividida em municípios de Serrinha (1876) e Coração de Maria (1891) (IBGE).
77 O termo arraial, no Brasil, designa uma unidade territorial como, por exemplo, uma aldeia.
74
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*
Figura 6 – Fazenda Pedra Nova (Fonte: agenda de 2013).
Ainda em sua infância, José Gabriel compartilhava um cenário onde a figura dos missionários
Conselheiros79 (como o expoente Padrinho Cícero) representantes do catolicismo popular, da
salvação divina e catequização (Hoornaert 1974; Cruz 2010; Lemuel Silva 2011), se
misturavam com as figuras dos indígenas que praticavam o Toré (semelhante ao catimbó,
pajelança e encantaria) e que utilizavam a jurema - uma bebida enteógena (Carvalho 2001).
Nesse espaço o candomblé também se fazia presente (Brissac 1999: 60).
78 Segundo biografias, Mestre Gabriel protagonizava cânticos das festas religiosas, como: as cheganças- Festa de Reis
(marujadas de janeiro), Novenas de Santo Antônio e do Mês de Maria (maio), Benditos para os São Cosmo e Damião
(setembro) e Festa de São João.
79 A figura do conselheiro ganha também grande relevância dentro da hierarquia udevista
75
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Entre 1942 e 1943, numa fase entre a adolescência e a idade adulta, José Gabriel80 transfere a
sua residência para Salvador/Bahia81. Apesar de ter residido apenas 1 ano e meio (Fabiano
2012: 37) na capital do estado da Bahia este período da sua vida foi fértil em experiências
relacionadas com a imersão religiosa e o conhecimento de práticas que viriam a ser
reproduzidas por ele na UDV.
*
Figura 7 – Mestre Gabriel com a idade aprox.18 anos - DMD/CEBUDV (foto de autor desconhecido).
Segundo seu irmão Antônio, dentre as experiências rituais vividas por José Gabriel nessa
época82, estão: as sessões espíritas kardecistas, os terreiros de candomblé83 e umbanda84 e a
80 Essa data é aproximada, pois tanto em Fabiano (2012: 37) como na agenda 2011 e Lodi (2011: 127), não há concordância
das datas. Tal imprecisão é recorrente nesses trabalhos biográficos, exemplo: quando trabalha em uma venda em Coração de
Maria, Brissac (1999: 60) e Fabiano (2012: 34) apresentam a idade de 13 anos, a agenda 2014, 14 anos e Lodi 16 anos (2011:
127). Contudo, as referências originam-se do depoimento do irmão Antônio Gabriel. Justifica Fabiano (2012: 38): “importa,
porém, menos a precisão das datas e mais as vivências especiais que teve...”
81 Nas reproduções em vídeo gravados na cidade na década de 1940 tem-se uma breve noção do cenário soteropolitano.
Bondes a circular pelas ruas, arquitetura colonial, igrejas barrocas, homens vestidos de terno branco e chapéu de palha.
Caracterizava-se também pelas construções das primeiras obras da arquitetura moderna como o elevador Lacerda - segundo
censos demográficos (IBGE) apesar do país ainda ser “fundamentalmente agrícola e com uma economia doméstica de
subsistência em 1940, a população da capital baiana encontrava-se por volta de 289.239 mil habitantes. Era a 4ª cidade mais
populosa do país. Nos mapas deste censo é possível observar a chegada de imigrantes à capital antes de 1940, estes foram
Portugueses, Espanhóis, Italianos e Alemães. Texto disponível:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tendencia_demografica/analise_populacao/1940_2000/comentarios.p
df. Acesso em: 09/01/2015.
82 Assim como Mestre Gabriel, alguns dos seus conterrâneos (alguns Mestre da Origem) participaram de expressões religiosas
proeminentes na época, dentre essas estão a Rosa Cruz e o Circulo Esotérico da Comunhão do Pensamento. Esse último
local (e período) é relembrado na atualidade quando alguns discípulos buscam o fonograma intitulado Consagração do
Aposento (que chegou a ser utilizado no início de uma sessão para esperar a burracheira). Segundo descrito por alguns dos
participantes do grupo musincante, a ligação do M. Gabriel com essa ordem esotérica foi por realizar algumas sessões “em um
espaço do Círculo Esotérico, porque era o local que tinha disponível em Porto Velho”, como também comentários positivos
do M. Gabriel sobre a doutrina dessa ordem (descrição musincante 05/11/2012).
83 Segundo Reginaldo Prandi (1990: 51) a cidade de Salvador é palco do primeiro terreiro de candomblé que se tem registro
no Brasil, denominada de Casa Branca do Engenho Velho – tornando-se referência no Brasil.
76
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capoeira 85 (Brissac 1999: 60; Andrade 1985). Segundo estes dois autores, alguns dos
procedimentos e perspectivas adoptados pela doutrina da UDV são inspirados nessas
expressões rituais. São disso exemplo o andar no sentido anti-horário nos rituais da UDV e as
referências aos Santos Cosme, Damião e ao Rei Salomão, tal como acontece nas práticas da
roda de capoeira. Na União do Vegetal o Rei Salomão é considerado o Rei, Mestre e autor de
toda a ciência, sendo referido em chamadas e na história de origem da doutrina (História da
Hoasca) 86. A figura de Salomão também está presente “na cultura dos seringais” como também
na maçonaria (Melo 2010: 83).
Nesse ambiente, deparou com um ritmo de vida diferenciado dos até então vividos, que,
segundo a socióloga Mariana Pantoja Franco (2008: 54), era permeado por um ambiente
dinâmico de interações e relações sociais, cordiais e conflituosas. Assim como os seringueiros
84 Segundo Prandi, a umbanda é uma religião que surgiu no início do século XX e em 1950 já havia se difundido por todo
país. É considerada uma religião para todos o tipo de classe social, cor, gênero e origem geográfica. Deriva do candomblé
banto e de caboclo, e do espiritismo kardecista, assim, com assimilações de elementos do “catolicismo branco, a tradição dos
orixás da vertente negra, e símbolos, espíritos e rituais de referência indígena, inspirando-se, assim, nas três fontes básicas do
Brasil mestiço” (2004). Ainda segundo o autor, não tardou a promessa de ser uma religião a se impor como universal e se
espalhar até para o estrangeiro, assim “umbanda foi considerada a mais genuína religião brasileira” (2004). Ver também sobre
o assunto em Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada (Negrão 1994).
85 Mestre Gabriel “Fim de semana frequentava a praia Amarelinha e rapidamente se mostrou professor da arte. Naquela época
se perguntassem por Zé Bahia, onde morava, onde trabalhava, qualquer um sabia” (agenda 2014).
86 A História da Hoasca é contada em datas específicos (em sessões de escala anual) e é referência fundamental da doutrina.
Pode-se considerar a bíblia oral da União do Vegetal. Segundo Melo “...narra o percurso do chá na Terra, intrinsecamente
associado à história do caminho espiritual do fundador da União do Vegetal” (2013: 08).
77
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da época, José Gabriel transitava (transferia de residência) entre os seringais da região, sempre
que necessário87. Os seus percursos podem ser vistos na seguinte tabela:
No entanto, também transitava entre os seringais e a “cidade”, assim vivendo uma vida
seminômada. Em 1946, aproximadamente 3 anos após ter chegado à região, José Gabriel teve
um acidente de saúde que o obrigou a ser internado no hospital público São José (vide figura
abaixo) fundado em 194488 na cidade de Porto Velho.
87 Segundo a pesquisadora Mariana Pantoja, as razões para que ocorressem as constantes mudanças de residência nos
seringais, geralmente era em busca de melhores condições de moradia, caça, e estradas de seringa melhores para produção de
borracha. Inclusive a autora descreve uma dessas mudanças da qual participou (2008: 46).
88 Sobre infra-estrutura da cidade de Porto Velho, omissão aos seringalistas e povos tradicionais, a ação dos militares frente a
ideologia do “vazio demográfico”, a guerra do povoamento, costumes dos anos de 1940 a 1950 ver Valdir Aparecido de
Souza nos trabalhos de mestrado (2002) e doutorado em história (2011). Disponíveis:
http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/103127/souza_va_dr_assis.pdf?sequence=1. Acesso: 17/06/2014.
78
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*
Figura 8 - Hospital da Prelazia- Arquivo Centro Salesiano vol. II p. 81 (Souza 2011: 60).
Neste local, além de receber convite para trabalhar como enfermeiro, conheceu sua esposa,
Raimunda Pereira (Pequenina). Em 10 de maio de 1947 casou com Pequenina e geraram 11
filhos - Getúlio, Jair, Jandira, Carmiro, Maria das Graças, Abomi, José Gabriel Filho (Róseo),
Salomão, Carminda, Vicente e Benvindo (Fabiano 2012: 53-55; Agenda 2015: fev). Assim,
entre os anos de 1946 a 1950, permaneceu em Porto Velho (v. Infra), exercendo profissões
como técnico de enfermagem, proprietário de uma taberna e ainda algumas atividades na
política local.
*
Figura 9 - Vista aérea de Porto Velho década de 1950 (fonte: IBGE)
79
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Também neste período José Gabriel frequentou o terreiro de Chica Macaxeira de São
Benedito89 tornando-se Ogã90 e posteriormente pai-de-terreiro. Segundo Brissac, é possível
que Mestre Gabriel tenha influenciado o processo de utilização da ayahuasca no ritual de
origem africana mina-jeje (Lima & Sampaio 2014), assim como a introdução de um conjunto de
cânticos denominados Doutrina da Ayahuasca.
Já vivendo no seringal Orion, fronteira com a Bolívia, José Gabriel reiniciou os seus trabalhos
religiosos, agora, no seu próprio terreiro de Umbanda, auto-designando-se como Sultão das
Matas, uma denominação que já teria adoptado anteriormente em Salvador para se referir a
uma entidade com poderes especiais dentro das práticas da Umbanda. O ritual da Umbanda
oferece uma atenção muito especial à dimensão sonora. Geralmente o rito inicia-se com um
cântico denominado por Ponto, uma espécie de cântico acompanhada de atabaque e dança,
geralmente definidos por Ponto de Abertura (cântico de abertura de uma sessão), Ponto de
Chamada (este invoca as entidades para vir ao terreiro trabalhar) e o Ponto de Defumação91.
Neste contexto e com o estatuto de Sultão das Matas, José Gabriel é referenciado por várias
fontes como um indivíduo cujos poderes auspiciosos levariam à conversão de diferentes
pessoas à prática religiosa que advogava. Através de Pequenina, Mestre Gabriel soube
entretanto da existência de um “chá visionário”, que também, possibilitaria falar (escutar) os
mortos. Assim, em março de 1959 no barracão do seringal – ambiente que também servia
como palco de comemorações locais - numa das ocasiões festivas Mestre Gabriel abordou o
ayahuasqueiro Chico Lourenço e através desse diálogo se desencadeou o compromisso de
beberem a cocção (Fabiano 2012: 73). Conforme Brissac (1999: 68): foi “no seringal
Guarapari, numa colocação chamada Capinzal, na região da fronteira boliviana, José Gabriel
recebeu pela primeira vez o chá (...) no dia 1° de abril de 1959”. Neste dia, exatamente às
20:00 horas, como era de costume, iniciou-se o ritual na floresta (Fabiano 2012; 74). Horário
que foi adotado pelo Mestre Gabriel nas sessões realizadas pela UDV e é mantida até hoje.
89 Segundo pesquisas de Brissac, os toques e o ritmo instituído no terreiro de Macaxeira eram semelhantes da Casa das Minas
de São Luís do Maranhão, como do Bogum de Mãe Valentina de Salvador/Bahia (Brissac 1999: 65). Ver também em Melo
(2011: 15). No entanto, segundo Lima & Sampaio, esses dois terreiros considerados de tradição Mina “Jeje-Nagô” foram
“fruto de um sincretismo que traziam crenças nos voduns, orixás e inquices que apropriaram-se da manifestação religiosa de
origem indígena denominada Cura/Pajelança com a tradição religiosa afro-brasileira denominada Mata ou Terecô, surgida na
cidade maranhense de Codó” (Lima & Sampaio 2014: 169).
90 O termo ogã pode designar diversos tipos de funções dependente do terreiro, dentre elas o que toca os tambores
(atabaques). Também encaixa-se no segundo estatuto importante dentro de um terreiro, o primeiro é o pai-de-santo. Há ogãs
que não são incorporados (Prandi 2004).
91 Sobre as semelhanças e assimilações entre a UDV e a Umbanda ver em Melo (2011).
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Após esse evento Mestre Gabriel inicia uma prática ritual diferente das que antes praticava.
Distancia-se dos processos ritualísticos associados à Umbanda, onde o corpo performativo
inclui vários tipos de atividades como tocar um instrumento, coreografias espaciais, jogos
rituais, e concentra-se num método de doutrinar que articula o uso de discursos orais dirigidos
aos participantes com a tecnologia do som. Logo, o uso da eletrola, do disco e dos
fonogramas passa a ser uma constante.
*
Figura 10 – Sítio do M. Ramos (Porto Velho/RO)- Mestre Gabriel (braços abertos) e Pequenina (7º adulto da
esq. p/ dir.) com amigos e familiares (crédito: Blog UDV/foto: Cícero Lopes).
A partir do início de 1960 a conhecida agilidade e destreza corporal de José Gabriel, vai
desaparecendo paulatinamente até ser totalmente amputada do novo ritual. Em 1961, segundo
biografias, Mestre Gabriel revela nunca ter recebido qualquer espírito no seu corpo o que
significa que o seu papel como Sultão das Matas na prática da Umbanda - onde se admite a
possessão de um corpo por espíritos - teria sido ficcionado. A sua ação volta-se então para
uma atividade intelectual permanente que acreditava na reencarnação. A destreza e agilidade
são então redirecionadas para o intelecto e o raciocínio, tornando características determinantes
no novo método doutrinário. Ainda, justifica sua antiga performance como forma de atender
as compreensões dos discípulos que o acompanhavam, pois muitos frequentavam os terreiros
de umbanda. Desse modo, no dia 22 de julho de 1961, cria a União do Vegetal revelando que
a cocção, o Vegetal, é o tesouro que há muito tempo vinha procurando. Segundo Melo este
momento representa uma “ruptura simbólica com o seu passado em favor de um “ritual
extático que enfatiza a ‘evolução espiritual’ através de si e auto controle” (Melo 2010: 34).
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A partir de 1967 Mestre Gabriel introduz a escuta de temas musicais reproduzidos por LPs,
durante as sessões rituais da UDV. Apesar de manter práticas ritualísticas em que o seu corpo
e a sua voz serviam de mediadores entre a mensagem doutrinária e os seus seguidores –
através do canto ou da prosódia - passa agora a utilizar a composição musical de um outro
“indivíduo” 92. Neste sentido Mestre Gabriel não é mais o único performer da ação pois o
fonograma musical passou a exercer esse papel de uma maneira singular. Além de retificar e
disseminar a doutrina, em pontuais momentos durante o ritual, o fonograma passou a
substituir as mensagens emitidas pela figura humana.
A composição e vocalização das chamadas realizadas durante o ritual eram, agora, os momentos
mais expansivos das sessões onde o Mestre Gabriel podia desempenhar melhor as suas
funções de performer. Segundo a interlocutora Araçari (a partir do musincante) Mestre Gabriel
foi responsável por 180 chamadas que são performadas atualmente nas sessões. Juntamente
com algumas histórias e doutrina, essas chamadas foram gravadas o que possibilitou a
imortalização da voz do Mestre Gabriel. Por sua vez, a utilização da tecnologia do som
conferiu uma maior “ruptura” com as expressões rituais anteriormente experienciadas,
sobretudo no que se refere à performance física dentro do ritual. A adesão oficializada da
utilização dessas ferramentas tecnológicas ocorreu quando Mestre Gabriel e sua família fixaram
residência definitiva na cidade de Porto Velho.
92 Mesmo que na capoeira e na umbanda ele entoasse composições (na capoeira) feitas por algum membro da roda (alguém
terreno), ou mesmo (na umbanda), “composição” atribuída a alguma entidade espiritual, era ele mesmo o performer da ação.
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Este processo não alterou o caráter de transmissão oral da doutrina, mas contribuiu para a
“cristalização” dos ensinos doutrinários que ultrapassa a memória individual e assenta agora
num repositório mecânico de reprodução sonora.
O apelo à música serviu de perene fonte para o fundador da UDV demonstrar aos seus
discípulos a relevância desse método de ensino. Afinal, “se tivesse possibilidade de comprar
um violino, eu ia doutrinar vocês com música porque o violino é um instrumento que só falta
falar” - palavras atribuídas ao Mestre Gabriel (Lodi 2010: 102). Como bem observa M. Lodi
(2010), a frase revela uma imagem que não condiz totalmente com a forma de performance da
música dentro do ritual, pois oficialmente a “música” só acontece em duas situações: quando é
realizada “ao vivo” somente com entoação da voz (durante as chamadas), ou quando é
transmitida através de fonogramas musicais (geralmente música comercial).
Embora Mestre Gabriel não soubesse tocar violino, ele tinha, no entanto, acesso a outros
instrumentos musicais que inclusivamente havia tocado. São disso exemplo o berimbau e o
pandeiro. Não é, portanto, compreensível que a sua alusão ao uso da prática musical – neste
caso o violino – durante a doutrina, fosse abandonada no caso de ele estar efetivamente
convicto que deveria ser utilizada. Por que razão Mestre Gabriel terá optado pelo uso da
música num processo de performance em diferido? Provavelmente pelo uso dos fonogramas
musicais fornecerem aporte mais fácil e rápido para a divulgação não somente da doutrina,
mas também de um modo distinto de difundir os seus pensamentos.
O ano de 1922 – ano de nascimento do Mestre Gabriel - foi adornado por marcantes eventos
transcorridos no cenário brasileiro. Além da tão famosa Semana de Arte Moderna – que teve
início em 11 de fevereiro - no dia 7 de setembro foi realizado a 1ª transmissão radiofônica
oficial como parte das comemorações do centésimo ano de independência do país. O Rio de
Janeiro foi o palco que abrigou uma estação de 500W instalada pelas companhias americanas
Westinghouse Electric e Western Eletric Company (Azevedo 2002: 42).
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Sacadura Cabral (jornal O PAIZ 1922). Os aviadores foram recebidos em várias cidades do
território sendo homenageados e reconhecidos como heróis93. No texto jornalístico da época é
possível deflagrar ainda grande ligação com a metrópole portuguesa, sobretudo a partir das
artes. Essa conexão permitia que as apresentações musicais (e teatrais) advindas do imaginário
português tivessem grande valor no país 94 . Foi neste panorama de expansão de novas
possibilidades exploratórias a nível artístico, geográfico como de transmissão sonora (em larga
escala), que José Gabriel da Costa nasceu.
Em Salvador, capital do estado da Bahia onde José Gabriel terá permanecido entre
1942/1943, a rádio foi fundada em 1924 (Rádio Sociedade da Bahia) (Azevedo 2002). Na
cidade, o samba, as batucadas, o candomblé, a capoeira e as intituladas danças dramáticas95 da
região, “marujada e burrinha” (Pinto 1991), compartilhavam espaços com coros da igreja
católica, bandas e canto orfeônicos. As expressividades religiosas, artísticas, políticas e
intelectuais baianas efervesciam intensamente na capital na década de 1940, sendo as notícias
93 Os “mensageiros de Portugal” foram recebidos e comemorados em grande parte do país, inclusive na Bahia, onde
realizaram uma pequena paragem na localidade de Porto Seguro/Cabrália. Cidades do interior paulista como Ribeirão Preto
também foram agraciadas. Edições 13752 e 13753. Documento jornalístico disponível:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=178691_05&PagFis=9914&Pesq=. Acesso em 10 de janeiro de
2015.
94 Bandas, óperas, musica clássica nessa época ainda recebiam importantes papéis em comemorações e homenagens. Porém o
maxixe, o samba, o choro instrumental e cantado (como o de Pixinguinha que nesse mesmo ano de 1922 vai para Paris com
os Oito Batutas - Bastos 2005) é fluente nos salões de dança da capital. Ao contextualizar o período, ouvir as “50 músicas
tocadas na década de 1920”, disponível: https://www.youtube.com/watch?v=dCeQZzG2TvI. Acesso em: 24 de abril de
2015.
95 Ver também no Documentário Ternos e Folias de Reis – Bahia Singular e Plural disponível:
https://www.youtube.com/watch?v=TbCNbFJrRKk. Acesso em: 23 de novembro de 2013.
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locais, nacionais e mundiais96 transmitidas com grande facilidade ao grande público, tanto
pelos jornais como pela rádio.
Já em Porto Velho (localizada na Bacia do Rio Amazonas), onde José Gabriel chegou em
1943, os principais meios de comunicação permaneciam centrados na linha férrea e nos
telégrafos, sendo a rede fluvial um dos principais meios de transporte tanto de pessoas97, e
mercadorias, como de informações. Quando os barcos com mercadorias (os regatões)
abasteciam os galpões dos seringais e as pequenas comunidades ribeirinhas, apesar da demora,
as notícias locais e as cartas de parentes alcançavam recônditas regiões. Contudo, após o
sucesso do telégrafo sem fio (o primeiro sistema de comunicação de longa distância) como
meio tecnológico de comunicação, emergiu o sistema de rádio de comunicação. A primeira
experiência de rádio em Porto Velho acontece em 1949 a partir de um transmissor colocado
num poste, que é designado localmente como “pau de fuxico” (Conde et all 2011). Esta rádio
era na verdade um retransmissor de sinais de outras rádios98 pois a primeira rádio local, Rádio
Caiary, só viria a formar-se no início dos anos 1960 (idem). Nesse momento a rádio exerceu
um grande papel polinizador de ideais políticos, formador de público consumidor, regulador
de padrões de consumo como também do cotidiano e informador de notícias locais, nacionais
e internacionais à população amazônica, isto é, a rádio tornou-se um notável mediador da
circulação de saberes. Nos pequenos centros urbanos, onde a energia elétrica era precária, “os
serviços de alto-falantes e a prática social amistosa do rádio-vizinho substituíam a falta do
rádio próprio” (Azevedo 2002: 186). Segundo descreveu mestre Jorge Elage (2012 entr.), até à
data de 1971 na casa de Mestre Gabriel não havia energia elétrica. Contudo desde 1949 em
Porto Velho ele terá convivido com os alto falantes, com o pau-do-fuxico ou rádio de poste
(Conde et all 2011).
A rádio produziu um inevitável deslumbramento quer pela velocidade com que disseminava a
informação quer pela quantidade da mesma. A vida de Mestre Gabriel é contemporânea deste
96 Contextualizando o ano de 1942: na área econômica foi instituída a moeda cruzeiro; foi o início do projeto para fabricação
da bomba atômica e no cinema estreava o filme Casablanca. Também é ano de nascimento de músicos que são escutados
através de fonogramas dentro das sessões da UDV como Caetano Veloso, Tim Maia, Milton Nascimento e Gilberto Gil. Este
último, quando já famoso, além de beber o Vegetal, quando político contribuiu para que a bebida viesse ser considerada como
patrimônio nacional.
97 Segundo censo do IBGE, em 1940 Porto Velho contava com população cerca de 1 hab/km2, já em 1950 chega a ter
aproximadamente 27.244 mil hab. No entanto na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros de (1957: 414), consta que na
cidade de Porto Velho havia 10.036 habitantes. Ver também censo 1950/2010. Disponível: -
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/sinopse_preliminar/Censo2000sinopse.pdf. Acesso em: 15/06/2014.
98 Segundo estatística do IBGE realizada entre os anos de 1946 a 1960, no ano de 1946 haviam 26 empresas radiofônicas
instaladas no país, já no ano de 1950 o seu número sobe para 47, quase o dobro. Contudo era comum uma empresa transmitir
a mesma programação a partir de varias estações. Há também o aumento de consumo e fabricação de aparelhos de rádio
popularizando-os definitivamente (Azevedo 2002: 77 e 89).
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processo. O facto de ter percebido o potencial difusor da tecnologia do som, terá sido
fundamental para lhe ter oferecido um papel determinante na disseminação da doutrina que
fundou. José Gabriel percebeu rapidamente que a melhor forma de chegar aos seus
destinatários, tendo em conta que naquela região o nível de literacia era bastante reduzido os
meios de comunicação terrestres bastante limitados, seria pela música e pela tecnologia do
som. Essa compreensão foi tomando forma a partir da sua estada na capital de Rondônia. Por
outro lado, tanto no seringal como na Vila de Porto Velho, Mestre Gabriel experimentou um
ambiente cercado por adversidades e dificuldades de variadas ordens, como financeiras,
emocionais e de saúde. Segundo os seus discípulos, a rádio, a eletrola/disco e o gravador,
tornaram-se assim insubstituíveis auxiliares durante o processo de divulgação da suas ideias,
processo que se ampliava concomitante à expansão da UDV e à degeneração da sua saúde.
Segundo M. José Luiz (MO):
Porque ele tinha uma bronquite aguda, alérgica, que quando ele falava muito
repetidamente assim sem parar, então ele entrava num acesso de tosse e ficava
tossindo muito tempo. Então ele botava a música, e enquanto a música tocava
transmitindo a mensagem que ele queria, ele repousava as cordas vocais, descansava
as cordas vocais. Mas ele não usava a música pra curtir a burracheira, ele usava a
música p’rá doutrina. A música ele usava como ferramenta de trabalho. Por isso que
eu fiz daquele jeito ontem que a sessão ficou bonita, que eu coloquei música e
chamadas, de acordo com o assunto que a gente quer tratar” (05/06/2011 – UDV-
Portugal).
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*
Figura 11 – A direita do Mestre Gabriel a eletrola com disco, a esquerda o preparo do Vegetal (fonte: site oficial
UDV).
Esta narrativa enfatiza a habilidade do Mestre em tornar a tecnologia do som numa ferramenta
de trabalho a partir de uma necessidade, servindo como modelo a ser seguido pelos seus
discípulos. Parte dos princípios doutrinários é transmitida a partir de música gravada em disco
que, simbolicamente representa mensagens que a própria doutrina subscreve. A música pode
não ter sido composta ou gravada para esse fim mas é usada pela doutrina como forma de
transmissão de mensagens. De acordo com o Mestre Gabriel, as canções gravadas
representam as suas próprias palavras.
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igualmente gravada em fita cassete. Ambas foram realizadas pouco tempo antes do Mestre
Gabriel falecer.
Segundo Marcelo Lima (sobrinho neto do Mestre Gabriel) o uso do gravador ocorreu após
um dos discípulos do Mestre Gabriel, M. Florêncio (na época conhecido por M. Cruzeiro)
mudar para Manaus dando início à expansão da UDV. Nas palavras de Marcelo:
Somente a partir de 1967 é que o M. Florêncio foi pioneiro em gravar, pois ficou
acertado de que ele era o MR do Núcleo de Manaus, mas num ano ele iria em Porto
[sic.] Velho e no outro o MG iria à Manaus. Neste ínterim haviam comunicações
por cartas e "fitas gravadas". O M. Florêncio gravava algumas sessões e mandava
pro MG avaliar e o MG gravava em cima da gravação, com instruções. Assim, foi
este o fator que motivou gravar a palavra do Mestre: instruções ao Núcleo de
Manaus. Depois o então C. Adamir, em viagem à Manaus em 05.11.1970 comprou
um gravador na Zona Franca de Manaus (criada pelo Decreto-Lei 288/1967) e
gravou uma sessão caráter instrutiva onde o MG contou a História da Hoasca
"completa". Assim surge mais um gravador neste contexto. As gravações que temos
destes 10 anos de recriação da UDV (1961-1971) são pouquíssimas, mas foi graças a
M. Florêncio que as temos (Marcelo entr. via e-mail 09/03/2016).
A voz é o lugar simbólico que não pode ser definido de outra forma que por uma
relação, uma distância, uma articulação entre o sujeito e o objeto, entre o objeto e o
outro. A voz é, pois, inobjetivável (...) a voz, quando a percebemos, estabelece ou
restabelece uma relação de alteridade, que funda a palavra do sujeito (2007: 83)
O som neste domínio, a palavra como objeto sonoro (Fonterrada 2004: 53), a voz como
mediadora de emoção, ganha maior autoridade do que os documentos lidos em cada sessão e
até mesmo que os FMs. Ela faz “renascer” a figura do Mestre através das ênfases gramaticais
emitidas por ele mesmo através das gravações da sua própria voz.
Em relação aos fonogramas musicais, embora tenham sido produzidos, compostos e cantados
por um outro indivíduo, contêm um outro tipo de voz, que podem ser considerados
provenientes do Mestre Gabriel uma vez que correspondem à sua própria escolha. Este
processo de articulação entre, por um lado o arquivo da voz do Mestre gravada e, por outro, o
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arquivo dos fonogramas comerciais, deixa claro o domínio inicial de uma oralidade
impregnada e direcionada por determinados “sotaques”, que além da via humana, também é
reproduzida e transmitida pelo uso de recursos tecnológicos. A performance que foi
desenvolvida pelo Mestre Gabriel expressou o que Javier Campos-Sotelo (2015: 104)
denomina por afinidade sonora, isto é, foi moldada tendo como base a ação de sons envolventes
gerados através de certos perfis sonoros (como sinais auditivos) e padrões estéticos
observáveis. O Mestre Gabriel coloca na seleção da música que inscreve no arquivo da UDV a
sua própria experiência biográfica, ética e estética, que quer divulgar enquanto princípios
básicos da doutrina.
Alinhado a seu tempo, Mestre Gabriel também percebeu que o uso da tecnologia atrelado à
mídia seria algo de extrema importância e contribuiria para manutenção dessa obra, assim
incentivando a divulgação desse legado através de reportagens e fotografias – estas últimas
realizadas pelo fotógrafo e discípulo Cícero Alexandre Lopes (Lodi 2010). Porém, é notório
afirmar que Mestre Gabriel encontrou nos fonogramas um alicerce para divulgar os seus
pensamentos, como também a melhor forma de manter um repositório de emoções. Assim,
esse material e sobretudo a maneira de performá-lo durante a sessão, se tornou importante
ferramenta condutora e mediadora dos saberes de José Gabriel da Costa enquanto o Mestre
da UDV.
Consoante pesquisa realizada pelo discípulo Marcelo Lima, boa parte dos LPs utilizados pelo
Mestre Gabriel foram oferecidos pelos amigos e discípulos como: “M. Florêncio (M.
Cruzeiro), M Roberto Souto, M. Adamir, Augusto Queixada e outros”. Mas atualmente é
impossível precisar quantos LPs fez parte do seu arquivo pessoal (Lima 2016 entr. via e-mail).
Como observado em Edson Lodi (2010: 148-149), Mestre Gabriel chegou a atribuir ao FM
função de comunicação equivalente a de uma áudio correspondência, decorrente de um pedido de
Geraldo.
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Nesse contexto, o fonograma musical (FM) como um tipo de expressão musical (Sekeff 2002),
pode ser visto como um repositório e mediador de saberes de um determinado grupo ou
comunidade, uma vez que é entendido que esse conhecimento – cristalizado no fonograma - é
repassado às gerações futuras mantendo a sua integridade simbólica, como também, lhe sendo
atribuído outros simbolismos advindos de cada indivíduo/discípulo que o escuta (mesmo que
o ensinamento seja o mesmo). De acordo com a musicóloga Maria de Lourdes Sekeff, esse
processo identifica a expressão musical como uma interface que através de uma regulação
auto-organizacional (Morin) determina a forma de apreensão dos saberes.
Como saber cultural, essa interface insere a comunidade numa sociedade específica,
complementa a hereditariedade, sustenta a perpetuidade de um determinado
repertório, de uma determinada cultura, enquanto o código musical colabora na
integridade e identidade do sistema social do indivíduo, assegurando sua
autoperpetuação e sua auto-reorganização permanente (Morin, 1979). O resultado é
que, se de um lado a herança cultural assegura orientação e desenvolvimento ao ser
social, de outro, combinando-se com a herança genética cada cultura, por meio de
seus imprintings e seu sistema de educação, intervém para coorganizar o conjunto da
personalidade (p.170), cuja diversidade é assim garantida (Sekeff, 2002: 127 – 1º
grifo meu).
Alguns discípulos entendem que Mestre Gabriel não subscreveu qualquer apreço estético pelo
repertório musical que selecionou, pois percebem que a principal finalidade dos fonogramas
selecionados por ele cumpria somente a finalidade de performance ritual objetivando passar
informação direcionadas aos discípulos. O que atribui à figura do Mestre Gabriel – e de todos
os que posteriormente o seguiram – é o papel de revogação de si, do próprio gosto em
detrimento do outro/do discípulo. Portanto, esse pensamento evidencia que relativamente à
música fixada no arquivo dos fonogramas prevalece – em teoria - um juízo ético (a mensagem
inscrita) em detrimento de um juízo estético (a apreciação).
99 Napolitano, Marcos; Wasserman, Maria Clara. 2000. Desde que o samba é samba: a questão das origens no debate
historiográfico sobre a música popular brasileira. Rev. bras. Hist. vol.20 n.39 São Paulo. Disponível:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882000000100007&script=sci_arttext&tlng=es. Acesso em: 13/07/2014.
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Logo, os LPs mais antigos sugeridos por Lodi datam do ano de 1957 (fonograma) e do ano de
1959 (fonograma musical), sendo esse último o disco Aquarela Nordestina (Sinter 1959) do qual
são usadas 4 canções: Cristo do Monte, Aquarela, Saudades de Campina e Segredos do
Sertanejo) (Lodi 2010). Um dos últimos fonogramas utilizado em sessão pelo Mestre data do
ano de seu falecimento (1971). Trata-se de Na Peneira do Amor (CBS 37711). De acordo com
Lodi, foram performados 4 canções: Desse jeito não dá pé, Nosso amor foi uma aposta, Eu vim sim e
Na peneira do amor. Ambos LPs tiveram como interprete a cantora Marinês.
De acordo com os discípulos que conviveram com mestre Gabriel o uso do fonograma
musical era também uma forma de se “auto-biografar” deixando desta forma um legado
pessoal do seu próprio quotidiano e história pessoal, impresso nas canções. Um dos exemplos
registados que corroboram este posicionamento está expresso na Agenda 2015 (fevereiro). Aí
está citada uma suposta pergunta dirigida pelo Mestre Gabriel à sua esposa Pequenina, que faz
alusão a um dos fonogramas acima citados:
Pequenina, já ouviu a música de Marinês que fala de como começou nosso namoro?
(...) A música Nosso amor foi uma aposta fala de um amor que nasceu de uma aposta,
100 Segundo Lodi, M. Florêncio (M. Cruzeiro) envia junto com o presente (a eletrola portátil Belair e o LP) uma carta ao
Mestre Gabriel onde descreve a música performada dentro do Salão do Vegetal como tendo um “grau superior”.
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Tal tema musical explica uma aposta realizada por Pequenina em Porto Velho no terreiro 101
que frequentava - de Maria Esperança 102 de Santa Bárbara - onde José Gabriel “se
apresentava” como Sultão das Matas. Pequenina apostou com as amigas que teria receptividade
quando fosse falar com ele (Agenda 2015: fev).
101 Segundo Nascimento & Fonseca (2011) foi na época da construção da EFMM que Porto Velho foi palco do surgimento
das primeiras manifestações rituais de matriz africana. Na vanguarda esta o terreiro denominado de Recreio de Yemanjá ou
Terreiro de Santa Barbará (1914) da maranhense D. Esperança Rita (Nascimento & Fonseca 2011) e somente na década de 1940
surge o terreiro de Chica Macaxeira e na década de 1960 o de Celso e Hilton da Veiga Monteiro – ambos vindos de Manaus.
102 Nota-se que na citação da Agenda o nome da responsável pelo terreiro de Santa Barbara é Maria Esperança, porém nos
estudos sobre a umbanda em Rondônia não encontrei Maria, e sim Esperança Rita da Silva.
103 In: Alto Falante, Jornal do Departamento de Memória e Documentação DMD/ UDV/Brasília.
104 Antes de iniciar essa pesquisa, M. Márcio Da Rós em 09/12/2009 enviou-me por e-mail o jornal Alto-falante, sendo esse o
1º acesso ao material referente ao contexto da música na UDV. Nesse jornal, o espaço dedicado ao “Som e mensagem” foi de
sua autoria.
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Figura 12 - Entrevistas: Jornal 1 - M. Geraldo (ago a out de 1995: 11)/ Jornal 2 - cantora Marinês (ago 1993/fev
1994: 14).
O depoimento de Geraldo, disponível em áudio pelo DMD /Sede Geral, revela que a 1ª
grande contemplação da música sob ENOC ocorreu através de uma performance “ao vivo”, a
2ª ocorreu através da escuta de um tema instrumental105. Outro elemento que emerge desse
depoimento é a forma como a performance do tema instrumental veio contribuir de forma
propulsora para a miração (vide infra).
BC - Caríssimos, Fiz uma pesquisa aprofundada para saber qual foi realmente a
primeira música utilizada pelo M. Gabriel no salão do vegetal. E cheguei à
conclusão que a primeira música tocada foi a "Valsa do Imperador". Mas essa
confusão com a música Danúbio Azul, se dá pelo motivo de que o próprio M.
Geraldo Carvalho trocou durante alguns anos o nome delas. Em depoimento, o
Mestre Geraldo Carvalho diz: "Após beber o Vegetal pela primeira vez, em Porto
Velho, fui para um hotel. Quando cheguei no apartamento, a burracheira voltou
105 Ver também na tese Transformações pessoais na União do Vegetal de Cícero Fernandes (2011: 133) e em Lodi (Lodi 2010: 101)
na “Valsa do Imperador”.
106 Espaço de discussão instalado na internet composto por mais de 500 membros a fim de compartilharem informações e
fonogramas que desejam escutar em sessão.
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novamente, pois tinha bebido uma grande quantidade de Vegetal. Foi quando tive
uma miração, uma espécie de recordação. Me vi dançando. Uma moça do hotel
tocava piano e eu subi, na força do Vegetal, e me vi no salão nobre de um reinado
antigo, dançando aquelas valsas antigas. Depois que eu cheguei em Manaus, que
mestre Florêncio abriu a Distribuição, dei a ideia de se escutar música nas sessões,
pois achei muito bonito quando ouvi pela primeira vez. Comprei, então, uma
eletrola. Mestre Vicente Marques comprou o disco dos passarinhos, com a música
"Danúbio Azul". Mestre Florêncio colocou numa sessão do Vegetal. Todos
gostamos da experiência, pelas belas mirações que nos proporcionou. Mestre
Florêncio pegou a eletrola e o disco e mandou para Mestre Gabriel, para sua
apreciação, e obtivemos a aprovação”. Entretanto, quando o M. Geraldo escutou a
música Danúbio Azul em uma sessão, disse que não erra essa a primeira música
tocada. Em seguida disse que a música pioneira no salão do vegetal era "a primeira
do lado A". Dessa forma, ao escutar essa música "Valsa do Imperador"
[Kaiservalzer] ele se recordou que realmente foi essa a primeira música tocada na
UDV. Pode-se verificar que faz mais sentido a Valsa do Imperador ter sido a
primeira, visto que é a faixa de abertura do disco, do que Danúbio Azul (última do
lado 1). Ambas canções fazem parte do álbum (N. Flor Encantadora/Belo
Horizonte/MG em 28/04/2014).
Polêmica maior do que saber qual faixa sonora se ouviu primeiro na UDV, envolve saber qual
a 1ª vez que Mestre Gabriel utilizou música comercial durante uma sessão. Segundo o MO
José Luiz de Oliveira (2011 entr.) – repentista, poeta, e um dos responsáveis por oficializar a
implementação da UDV em Portugal - esclarece que desde 1965, época em que ele integrou a
UDV, já se ouviam esporadicamente os fonogramas através de uma velha eletrola a pilha. E
somente após o pedido de “preciação” é que ocorreu a sua sistematização adquirindo o
“formato atual, ritualístico, nas sessões” (Fabiano 2012: 129). Contudo, o discípulo Marcelo
Lima que há anos pesquisa sobre a música na UDV, acredita que essa possibilidade é reduzida
pois lembra que “a eletrola naquele tempo era coisa muita cara” e que o próprio M. José Luiz
quando chegou à Sede auxiliou na estruturação da casa. Nesse local,
o chão era de barro batido e ele [M. José Luiz] cuidou logo pra fazer pelo menos
um piso. Sabemos também que ficava uma vela na mesa, pois faltava energia elétrica
em dado momento, enfim eram muitas as limitações materiais daquele começo,
quando M. Zé Luiz chegou, certo!? Então vejo que a música veio por Manaus
mesmo, entre 67-68, pois só um empresário como era o Geraldo Carvalho (que
bebeu o vegetal a primeira vez de terno), dono de uma metalúrgica bem sucedida,
poderia ir na Zona Franca, grande polo de venda de Manaus, e comprar logo duas
vitrolas belair. Ele fico com uma e mandou de presente a outra para o Mestre (entr.
09/03/2016 via e-mail)107.
A Sede onde os rituais ocorriam também era a casa do Mestre Gabriel e família. Nesse local,
antes da oficialização dos fonogramas, sons externos migravam com facilidade para dentro da
residência, sendo um desses momentos descritos por M. Florêncio (MO) um dos
colaboradores da discoteca do Mestre Gabriel:
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Esta era construída de madeira e separada das casas vizinhas por pequenas cercas,
também de madeira, material que não impedia a propagação de sons emitidos em
volume mais alto. Mestre Cruzeiro [Florêncio] conta que: Estava em uma sessão,
num momento de silêncio. Uma vizinha botou pra tocar (não sei de era vitrola ou
rádio) uma música cantada por José Mendes que se chamava “Para Pedro” (...) Vi
tanta beleza na música, tanta coisa engraçada, que comecei a rir. O Mestre Gabriel
disse: Se tivesse possibilidade de comprar um violino, eu ia doutrinar vocês com
música porque o violino é um instrumento que só falta falar (Lodi 2010: 102).
pois o que o Mestre Gabriel disse foi que a intenção dele era comprar um violino
para doutrinar os discípulos dele, por sua melodia ser mais suave e por seu som
poder tocar os mais puros sentimentos dos seres humanos!! para modificar mesmo
porque a musica em si toda ela é expressa pelo musico por seus sentimentos e
convicções e quem escuta e tem um senso aflorado pode perceber pela melodia, a
alegria, melancolia, mensagens que possam ser exprimidas por melodia ou mesmo
por letras (descrição musincante 10/10/2011).
Contudo, Lodi ressalta que segundo M. Raimundo Monteiro de Souza, Mestre Gabriel já
declarava seu desejo em interceder com a música como modo de ensinamento antes mesmo
de fazer menção ao violino: “Vem chegar o dia de eu doutrinar pela música. Vou colocar aqui
em cima da mesa uns instrumentos e quando vocês recordarem de alguma reencarnação irão
tocar” (Lodi 2010: 101). Essa citação referenciada pelo autor, vem justificar a possibilidade da
ocorrência da performance de instrumentos musicais tocadas pelos participantes durante as
sessões (mesmo que esporadicamente) (v. infra).
108 Siqueira foi um jovem músico que em 2011 aos 30 anos de idade perdeu sua vida num acidente de moto, mas antes deixou
algumas boas contribuições através de sua música como também através histórias referentes ao acervo do M. Gabriel. Na lista
do musincante revelou a forma como conheceu as histórias e principalmente os fonogramas escutados pelo M. Gabriel,
conforme descrito: “cresci ouvindo todos os lps do meu pai que foi um colaborador chave pra trazer a musica para ser ouvida
nas sessões…convivi com filhos do mestre G como queira chamar e eu sempre troco musicas com os filhos dele e meu pai
mesmo tem muitos exemplares de discos de vinil que ele comprava dois exemplares pra dar de presente a ele”.
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SOBRE O VEGETAL
A União do Vegetal tem por característica o uso ritual de uma cocção genericamente
designada por Ayahuasca. Os participantes desta comunidade são amplamente referidos em
trabalhos acadêmicos e textos diversos como udevistas, hoasqueiros, caianinhos e num contexto
mais geral como ayahuasqueiros. Neste trabalho especificamente adoto termo 'udevista' para me
referir aos afiliados ao Centro Espírita Beneficente União do Vegetal – CEBUDV.
A ayahuasca é uma bebida com propriedades psicoativas no corpo humano que, dentro deste
contexto religioso, é em geral feita pela cocção de duas espécies vegetais: o cipó109 Banisteriopsis
caapi e a folha Psychotria viridis, plantas que crescem in natura na Floresta Amazónica. Em
termos psicoquímicos, a ayahuasca é:
No entanto, é somente na folha que se encontra a DMT e ela só atua se for injetada ou
fumada. Ingerida, ela é inibida devido à presença no organismo (fígado, trato gastrointestinal e
cérebro) da MAO (monoaminoxidase). No cipó encontram-se outros alcaloides que
contribuem para que a MAO, não impeça a ação do DMT (Mikosz 2014: 47-49).
Essa cocção – um líquido ocre e geralmente amargo - é extraído após horas de cozimento e
manuseio e tem sido utilizado por culturas procedentes da América Latina ao longo do tempo
em rituais mágico-religiosos diversos e para diferentes fins, como cura, feitiçaria, guerra,
produção artística, política e trabalho 111 (Gayle Highpine 2013 112 ; Brabec de Mori 2011).
Shanon (2003) no artigo Os conteúdos das visões da ayahuasca, faz um levantamento de publicações
referentes ao uso da cocção tanto no contexto das sociedades originárias da América Latina
como em grupos sincréticos. Refere-se aos efeitos a nível de reproduções artísticas e
visionarias, informações relativas aos aspectos botânicos e farmacológicos da cocção, inclusive
109 Segundo Gayle Highpine (2013) as primeiras observações referentes a videira foram feitas por padres jesuítas em 1700.
Contudo, algumas referências trazem o uso da bebida ayahuasca já há mais de tempo, ver trabalho de Justin Williams (2015).
110 O DMT é uma substância que está presente em inúmeras plantas e mamíferos, sobretudo no humano.
111Labate em entrevista cedida a socióloga Samira Marzochi. Disponível http://www.antropologia.com.br/entr/entr17.htm.
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sobre o “DMT (o princípio ativo primário da ayahuasca)” (Shanon 2003: 01) 113 . O
etnomusicólogo Brabec de Mori (2011) em The magic of song, the invention of tradition and the
structuring of time among the Shipibo, Peruvian Amazon, também faz algumas análises críticas quanto
ao objetivo do uso atual da cocção no ritual Shipibo do Perú, aí denominado por Nishi ou oni.
Mori debruça-se sobretudo na relação que a ingestão da ayahuasca estabelece com a música
que, dependendo do momento e número de pessoas presentes no ritual, é cantada não com
finalidades religiosas mas para possibilitar guiar a compreensão do participante durante a
festividade, nas práticas terapêuticas e de convalescença e também para fins comerciais. Estes
últimos são também observados por Molina no contextos das sociedades Taitas da Colômbia
(2014).
Análogo a essa substância natural estão os cactos São Pedro e Peiote, o Pariká, a Jurema, a
Iboga dentre outros psicoativos utilizados também em rituais de cura e fins espirituais (Labate
& Goulart [org] 2005). Consoante a educadora Betânia Albuquerque “a constatação da
existência de uma dimensão psíquica” de algumas plantas tornou-as substâncias sagradas em
diversas regiões americanas:
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O grupo Plantando Consciência 115 ao comungar deste mesmo pensamento percebe essas
substâncias como fonte legítima de aprendizagem e cura. Para este grupo estas substâncias
podem ser definidas a partir do conceito de “ecodélico”, por contraste com o psicodélico,
uma vez que ele se refere à capacidade de um indivíduo atingir um estado sublime de interação
com o todo, com o planeta e com o cosmos. Baseiam-se para isso no texto de Leary:
A ayahuasca inscreve-se no elenco destas substâncias. O temo ayahusasca tem origem no dialeto
quíchua ou Kichwa designação aplicada aos povos originários que habitam a região andina da
América do Sul (Dobkin de Rios 1972) e é usado na academia tanto para denominar a videira
como a cocção. Dentre os muitos significados, o mais difundido é vinho das almas, liana ou cipó
dos espíritos. Existem muitas designações conhecidas para a mesma substância como: Caapi,
Yagé, Yajé, Kamarampi, Honixua, Natema, Nepe, Kaji dentre outros. No contexto da
expansão do uso da cocção, as designações mais usadas são Daime, Hoaska, Vegetal ou Medicina.
Atualmente, o uso ritual da ayahuasca tem sido divulgado para o mundo a partir, sobretudo,
das igrejas sincréticas brasileiras do Santo Daime, União do Vegetal e, em menor escala, da
Barquinha – linha religiosa que está ainda circunscrita ao solo nacional brasileiro (Mercadante
2012).
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(referente à folha que tem como princípio ativo a energia feminina, geradora e fonte de Luz),
constituídos como elementos fundantes da doutrina (Brissac 1999, Melo 2010)118.
Neste contexto religioso a decocção é designada como um enteógeno119, um chá responsável pelo
acesso ao astral superior120, ou seja, à sabedoria divina e ao conhecimento. Os participantes
consideram esse estado não ordinário de consciência (ENOC) e essa força estranha como de
grande lucidez, a fim de se alcançar a concentração mental representada pela terminologia
burracheira.
Talvez uma ideia que permeie todos eles é que o mundo da ayahuasca – dos
espíritos, do sonho e da morte – é interpretado como a verdadeira realidade, que
controla esta outra, aparente, ilusória. Ela é considerada uma planta de
conhecimento, de poder – um ser vivo, um espírito-planta – que ensina e conforta,
mas castiga também (idem).
Na mesma linha, Mauro de Almeida (2002: 16) salienta esse ponto de vista e reflete que:
Xamãs e não-xamãs utilizam-se da ayahuasca (nixi pae, yagé, kamarampi, caapi) como
operadores que, agindo sobre o corpo, permitem o trânsito entre o mundo
ordinário e a realidade verdadeira onde vivem os espíritos, como no sonho e na
morte; mas, ao contrário do que ocorre na morte, de maneira reversível, e ao
contrário do que ocorre no sonho, de maneira controlada. As substâncias
psicoativas, portanto, possuem um papel, ao lado dos sonhos, de danças, do canto e
de outras técnicas, como operadores que modificam o corpo e a mente, tanto por
exacerbar a experiência sensível como ao abrir caminho para viagens no tempo e no
118 Para o Kaxinawá e muitos outros povos da Amazônia a ayahuasca é uma pessoa. O mariri é o “cipó-homem” (Cesarino
2006: 111).
119 Enteógeno é um termo sugerido por Ruck, Bigwood, Staples, Ott e Wasson (1969) (Langdon 2005:14). Segundo análise de
Paul Ribollet (1989: 283) theos significa Deus interior, que também está contida na palavra entusiasmo. Geralmente é um
termo utilizado em contextos religiosos.
120 No contexto da UDV, o Astral Superior pode ser considerado como o local de comunicação com o plano divino,
metafisico, alcançado através da ingestão do Vegetal durante o ritual, tanto pelo Mestre Responsável (MR) como pelos
discípulos.
121 Labate em entrevista concedida à socióloga Samira Marzochi. Disponível:
http://www.antropologia.com.br/entr/entr17.htm Acesso em: 16/04/2010.
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espaço e revelar a existência dos seres que habitam o mundo verdadeiro (Almeida
2002: 16-17).
Segundo Labate (2004: 33) esse termo surgiu como forma de suprir a associação a designações
depreciativas como droga 122 ou alucinógeno. Assim, além das formas comuns alucinógeno e
psicodélicos,123 surgiram outras formas de designar a bebida, uma delas é como planta visionária
(Labate e Pacheco 2009: 96). Outro é o termo, apresentado por Luna (1986), Metzner (2002:
16), Albuquerque (2011) entre outros: plantas professoras, plantas maestras, (cuja origem é
associada ao vegetalismo peruano mestiço) e, ainda, plantas de poder, associada às obras de
Carlos Castaneda e assim ao movimento da contracultura no Brasil (Goulart et al: 2005). O
termo psicointegrador (Winkelman 2001), segundo Escobar e Roazzi, tem nas áreas da
neurologia e neurofenomenologia considerável aporte e “surge como uma necessidade de
integrar as diversas características dos efeitos desta substância - espirituais, afetivas, cognitivas,
psicotomiméticas e psicoterapêuticas” (2010: 163). Rodrigues (2014: 83) propõem a noção de
afinidade psicotrópica por uma aproximação estética entre as ondas sonoras e psicotrópicas. Há
ainda outros termos que a caracterizam como substância psico-conectora ou mesmo amplificadora
da consciência, como também estado expandido da consciência (Carvalho 2005) ou o termo transe
numinoso de interiorização (Carvalho 2005: 29) e ainda estado alterado de consciência124. No entanto
Mikozs em sua pesquisa Arte Visionária: Representações Visuais Inspiradas nos Estados Não
Ordinários de Consciência (ENOC) (2009 - 2014) defende que o estado da consciência se realiza
num outro nível, fazendo uso do conceito de Não Ordinário, ao invés de Alterado, opção que
me parece mais apropriada.
Apesar das diferentes versões apresentadas é um facto que todas as abordagens convergem
para uma associação dos efeitos da ayahuasca à dimensão temporal. Ou seja, é através da
122 Para Antônio Escohotado uma droga: “no es sólo un cierto cuerpo químico, sino algo esencialmente determinado por un
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animação das sensações (dos sentidos) que é estimulada uma diferenciada e intensa forma de
perceber o tempo cotidiano. Esta percepção transita entre níveis de sensações cujo tempo é a
dimensão mais evidente e movediça (Keifenheim 2002: 110). Assim, há uma variação das
percepções a partir da ingestão da bebida. Contudo, segundo Mikosz:
Tanto os estados ordinários como os não ordinários de consciência têm seus prós e
contras. A consciência ordinária é pródiga em grandiosas realizações em todas as
áreas técnicas, filosóficas, científicas e artísticas, porém, nem por isso livre de erros
ou de mau uso. A consciência não ordinária, por sua vez, pode trazer clareza e
discernimento, aumento da criatividade ou apenas ilusões e enganos (2009: 22).
Na UDV todo o iniciante – antes do seu 1º ritual – participa de uma reunião com o mestre
representante do grupo que explica os vários sintomas físicos que podem ocorrer durante a
sessão ritualística (geralmente com duração de 04’15’’), inclusive não sentir efeito algum. O
neófito é então sujeito a uma entrevista preparatória. Todavia, e tendo consciência que esse
processo pode não ser suficiente para avaliar de forma eficaz o indivíduo, durante a sessão
mantém-se a atenção no mesmo, sendo a música geralmente utilizada como um dos métodos
de recepcionar o novato de modo a contribuir com a adaptação nos efeitos do Vegetal.
No caso de Melro - 1º conselheiro português - somente após o 5º ritual veio a sentir os efeitos
do Vegetal. Numa mesma sessão (realizada no núcleo da UDV situado em Espanha) chegou a
beber uma quantidade acima do usual, porém sem sentir o efeito esperado, isto é, sem
conhecer a burracheira:
Acho que o copo estava já quase cheio, né. Aquele copo leva 120 ml, penso eu.
Nessa altura eu não sentia o próprio sabor. Era assim um sabor um pouco estranho,
mas (...) As pessoas bebiam e faziam uma careta e tal. Eu bebi assim tranquilo. Diz
que antes das 10 horas, se não estivesse a sentir, podia beber mais. Mas
apresentavam umas situações que antes das 10 que alguém estava a falar e tal, não
dava pra interromper (...). Na 2ª sessão também não foi possível e também não
senti. Um mês depois, novamente a Espanha. Não desisti. Queria saber como era.
Nessa sessão estava inclusive a Mestre Pequenina. Passou as 09:00 e um quarto,
09:30. Eu ali sem sentir. Quando eu percebi que era 10 horas eu deixei esperar mais
um pouquinho, mas perto das 10. Que eu estava a sentir, para beber um pouco
mais. Mas aí um copo cheio. Um pouco antes das 22:00 horas a mestre Pequenina
deu pra falar, uma pergunta. O mestre dirigente pediu pra ela falar e ela falou, falou,
falou. E eu vendo o ponteiro a andar. Quando ele chegou a 22:01, 22:02, aí não
dava pra beber mais. Ai também nessa 3ª sessão eu também não senti nada. Um
mês depois na quarta sessão a Sabiá falou que havia um outro copo, um copo duplo.
Ai eu ...tenho que beber um desses, não é! Então a Sabiá falou com o Mestre
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O exemplo de Melro ilustra uma prerrogativa salientada pelo Mestre Gabriel: a de que o
alcançar do estado de burracheira é independente da quantidade de Vegetal ingerida. Como
narra o Mestre Gabriel em fonograma escutado durante um ritual: “ela é o tanto que eu quero,
(…) a burracheira é eu”.
Os efeitos mais comuns do Vegetal residem na modificação dos sentidos (tato, paladar, olfato,
escuta e visão), na amplificação de estímulos gastrointestinais, na forma de sentir e
percepcionar o próprio corpo e na forma de pensar e se locomover. Os pensamentos tendem
a acelerar em contraponto com o corpo que se mantém quase imóvel - principalmente devido
à sessão ocorrer com todos os participantes na maior parte do tempo sentados. Neste sentido,
as percepções visuais chamadas de miração assim como as auditivas são fortemente
privilegiadas, uma vez que os estímulos físicos externos são moderados. Este estado de
concentração mental amplificado pelas substancias psicoativas é designado por Lery et all
(1964) como experiência transcendente introvertida. Trata-se de um estado que leva o self a “estar
fundido com processos vitais interiores (luzes, ondas de energia, eventos corporais, formas
biológicas, etc.)” em contraponto a um estado extrovertido cujo “self está extaticamente
fundido com objetos exteriores (por exemplo, flores ou outras pessoas)” (idem 1964: 59).125
No entanto, não é impeditivo que essas experiências (introvertido e extrovertido) aconteçam
ao mesmo tempo e em rituais diferenciados pela performance.
Dado a esses efeitos, é comum nas sessões da UDV destacar (quando da leitura dos
documentos) que o chá Hoasca é comprovadamente inofensivo à saúde, informação também
125No meu entender, essa possiblidade esta em conformidade à experiência ritual ocasionada a linha do Santo Daime, que
tem como uma das características a constante estimulação corpórea obtida através dos rituais bailados. Nesse contexto,
quando não se sabe de cor os hinos, ao mesmo tempo que há o bailado, há a leitura cantada dos hinários (situação que
configura um certo privilégio (esforço) ao sentido visual).
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encontrada no site oficial da UDV126. Contudo, apesar do grande benefício atribuído ao uso
do Vegetal, a inofensibilidade não é total e se faz geralmente se o participante não tiver
“transtornos mentais graves”, uma vez que aspectos psíquicos entram em operação com os
efeitos da bebida. Nesse sentido, é necessário ter em mente que o uso deve ser sempre
orientado por pessoas competentes e nas primeiras beberagens, segundo sugere o psiquiatra
Luís Fernando Tófoli, o indivíduo deve ser monitorado de perto
Como relembra a antropóloga Sandra Goulart, Mestre Irineu, fundador da doutrina do Santo
Daime, postulava que “o Daime é pra todos, mas nem todos são para o Daime”, mensagem
também encontrada em muitos hinos dessa vertente religiosa (Goulart 2016)128.
Para a antropóloga Rosa Melo a bebida não tem a exclusividade de fazer alterar dimensões
físicas e emocionais no indivíduo uma vez que os elementos simbólicos que são igualmente
usados durante o ritual – como a música, por exemplo – podem amplificar essas alterações:
Neste sentido, é relevante entender esse ritual em toda a sua completude, observando os
aspectos químico e contextuais, o externo e o interno ao indivíduo, o coletivo e o individual,
pois são muitos os fatores que influenciam os sentimentos dos participantes nesse processo.
Ainda se atribui ao fator “sonoro” grande poder para guiar os sentimentos. Segundo Melo:
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do som nos ritos urbanos da ayahuasca pode ser pensada de acordo com seu poder
de aliviar ansiedades provocadas pelo acesso a conteúdos desconhecidos
experimentados durante o efeito da bebida. Não só nos rituais ayahuasqueiros em
geral, mas também nas experiências orientadas do uso de psicoativos (Leary, 1999),
a expansão sensorial propiciada tem, na organização sonora (Blacking, 1995), um
condutor privilegiado do efeito de união, característico do sentimento cósmico ou
oceânico (Freud, 1997), que é parte da realidade de tais estados de transe místico
(Melo 2013: 224-225).
Porém, segundo a doutrina udevista é preciso saber escutar, aqui entendido numa perspectiva
diferente daquela que está associada ao vocábulo “ouvir”. Essa concepção atrela-se ao sentido
de apreensão profunda do que se escutou, pois somente quem sabe escutar traz refletido em
suas ações o que aprendeu. Além de saber o que e como escutar, é necessário que o discípulo
saiba de quem escutar, e nessa questão, as plantas de poder, especificamente a ayahuasca, é
considerada mestra. Assim, perceber uma planta como professora, é absorver características
qualificadas como próprias ao vegetalismo. Como podemos então entender a migração e
implantação destes princípios, tão circunscritos a uma cosmogonia das sociedades xamânicas,
no quadro das grandes cidades e em países distantes do seu local de origem?
EXPANSÃO DA AYAHUASCA:
DA PALAFITA AOS GRANDES CONGRESSOS
129Sobre essa temática ver também: Labate em Ayahuasca Mamancuna merci beaucoup: internacionalização e diversificação do vegetalismo
ayahuasqueiro peruano (2011).
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refundição dos elementos religiosos de origens variadas, permitido atualmente pela mobilidade
geográfica das pessoas e oferecimento de diversos produtos culturais” (Mercante 2000: 12).
Segundo um dos Mestres da UDV, Raimundo Monteiro de Souza, a UDV é “uma religião de
fundamentação cristã reencarnacionista, de origem brasileira, mas de destinação universal, pois
trabalha pela evolução do ser humano no sentido do aprimoramento de suas virtudes morais,
intelectuais e espirituais” 130. Esta perspectiva universalista que está na origem da própria
religião, confere-lhe um perfil extremamente móvel e propício à expansão e ao diálogo.
Segundo os antropólogos Labate e Pacheco (2009), esta perspectiva é enfatizada pela
incorporação de características teosóficas (Labate e Pacheco 2009: 56)
O que é singular nas ingestão da ayahuasca no Brasil é que só neste contexto, como ressalta
Labate, que se originam religiões com orientação cristã (Labate 2005: 398). Este é um dos
aspetos que propiciou, evidentemente, a sua expansão uma vez que o cristianismo é uma das
religiões mais disseminadas no planeta.
Neste cenário de expansão, as religiões ayahuasqueiras têm disputado espaço com outras
religiões e transitado entre diferentes fronteiras simbólicas, econômicas e culturais,
contribuindo para que a ayahuasca se transforme num verdadeiro “pan-enteógeno”
transnacional (Santos 2008). A expansão dessa “cultura religiosa”, desse conhecimento
(herbalista e místico) alcançou campos das diversas áreas do saber, sobretudo de ordem
jurídica e legal. Em 1991 na cidade de São Paulo a linha da UDV protagonizou um dos
primeiros congressos sobre essa temática no Brasil. Porém, a adesão foi relativamente pouca,
entre 100 a 120 participantes, provavelmente devido à própria UDV ter na época apenas 1500
sócios espalhados pelo país (Milanez 2008: 04). Segundo Milanez131:
Esse primeiro congresso foi importante para nós porque abriu as portas da União
para a interação com a comunidade científica. Resolveu-se nesse congresso fazer
um estudo biomédico do vegetal. Foi a primeira pesquisa da farmacologia da
ayahuasca feita na história; um marco importante. Os resultados preliminares foram
apresentados no 2˚ Congresso da UDV, que aconteceu em setembro desse mesmo
ano, em Campinas. Os resultados oficiais foram apresentados no 3˚ Congresso da
UDV, em 1995, que foi chamado também de 1o Congresso Internacional, porque
convidamos vários pesquisadores de fora do país. Agora, em maio de 2008,
estaremos realizando o 4˚ Congresso da UDV e o 2˚ Congresso Internacional, onde
130 O discurso do Mestre Monteiro foi realizado na abertura do II Congresso Internacional da Hoasca. Brasília/BR, e
transcrito para o livro organizado por Joaze Bernadino-Costa em 2011, em A força do exemplo: UDV, memória e missão
(2011: 43). Ver também sobre o assunto “ecletismo” em Ricciardi (2008) e Fabiano (2012: 169-170).
131 Luiz Fernando Milanez é mestre da UDV e desde 2004 é Coordenador da Comissão Científica da UDV. Ver mesa
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vamos apresentar, entre outras coisas, uma pesquisa que foi feita sobre a utilização
do chá́ por adolescentes (Idem).
Após 17 anos do 1º evento, além dos congressos acima mencionados por Milanez, realizados
em 9 a 11 de maio de 2008 (Brasília/BR), ocorreu outro congresso realizado na Universidade
de Heidelberg /Alemanha (16 a 18 de maio) com a conferência intitulada “The Globalization
of the Uses of Ayahuasca: An Amazonian Psychoactive and Its Users”. Nestes eventos132 o
uso contextualizado deste psicoativo e a sua expansão foram o foco para a discussão do
fenômeno nos aspectos médico, jurídico, cultural, ambiental, social e científico, numa
colaboração interdisciplinar entre pesquisadores, membros dessas comunidades e interessados
no assunto. Ambos os eventos culminaram em dois livros lançados também no mesmo ano,
em 2011.
Neste extrato levanta-se o discurso institucional e espiritual que a UDV tanto protagoniza no
cenário ayahuasqueiro na busca de reconhecimento e legitimação pública e científica (Labate e
Melo 2012: 82). Também, o livro resultante da conferência internacional realizada em
Heidelberg convergiu-se em 27 artigos proveniente de 38 autores.
Em abril de 2011, num encontro organizado pela Universidade Federal de Santa Catarina
entre pesquisadores e integrantes das comunidades religiosas, a antropóloga Bia Labate
divulgou o livro produzido em parceria com os pesquisadores Rafael Guimarães dos Santos e
Isabel Santana de Rose, intitulado Religiões ayahuasqueiras: um balanço bibliográfico, onde avalia o
estado da arte da literatura mundial sobre as religiões ayahuasqueiras. Ressalta que a maioria
das publicações foram “produzidas em português abrangendo 11 áreas do conhecimento, com
destaque à antropologia” (Labate et al 2008). Contudo os trabalhos também alcançaram
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lugares e idiomas distintos como Dinamarquês, Holandês, Inglês, Francês, Alemão, Italiano,
Japonês, Norueguês, Português (Brasil) e Espanhol. Segundo a autora:
133 Frase que uso em analogia ao pensamento do etnomusicólogo Allan Merriam que na década de 1960 observava o estudo
da “música na cultura”, mas que no final da década de 1970 revê sua abordagem ao enunciar a “música como cultura”. Nessa
nova significação, o fenômeno música não é mais visto como algo que reflete os elementos ou é o produto de uma dada
sociedade, mas um meio de “interação social” (Merriam 1964), ou seja, um “sistema cultural” (Blacking 1973), passível de
produzir “transformações sociais” (Seeger 1987), “capaz de informar os corpos e modelar os pensamentos” (Rehen 2007),
que é produzido por especialistas, para outras pessoas (receptores) (Pinto 2001).
134 A conferência foi realizada no Palácio de Congressos de Santa Eulália Del Rio, organizada pela Fundação Internacional
Center for Ethnobotanical Education (ICEERS), Research & Service (org. Filantrópica) e patrocinada pela UNESCO.
Destacando-se na palestra inaugural a participação do psiquiatra chileno Claudio Naranjo (atualmente indicado para o prêmio
Nobel da paz).
135 Declaração disponível: http://www.aya2014.com/en/aya2014-declaration/. Acesso em 02 fevereiro de 2015.
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eco-movimentos e movimento da “Nova Era, ambiente onde estas religiões têm alguma
popularidade, e onde o tema espiritualidade ecológica e holística”136 é recorrente. Essa consciência
ambiental ganhou força mundial no segundo pós-guerra, aproximadamente na época de
criação das doutrinas ayahuasqueiras. Também é certo que este movimento tem sido gerador
de grandes abissalidades sociais uma vez que o “luxo” da sustentabilidade é só acessível a
poucos: os que acedem, por exemplo, aos elementos associados à cultura do orgânico.
Portanto, no circuito popular a efervescência dessas ideias chegou com grande expressão
fomentando o que conhecemos por movimento contracultura. O ideário desse movimento
trazia como um dos slogans a transcendência da consciência, onde propagavam a valorização
da natureza, a mudança nos estilos de vida (onde vigorou o vegetarianismo, as práticas
religiosas orientais e questionamento sobre a liberdade de autonomia sobre o próprio corpo),
dentre outros questões libertárias.
Vale a pena lembrar que dentre as publicações literárias137 que favoreceram o deslumbramento
da perspectiva de uma realidade ampliada, está a obra de Aldous Huxley em As portas da
percepção (1954) e Céu e inferno (1956), tornando Huxley, assim como William Blake e Timothy
Leary, ícones do movimento contracultura. Influências que despontaram em letras de canções
de algumas bandas, estando dentre as mais conhecidas os The Doors e Beatles. Outra obra é a
de Carlos Castaneda em a Erva do Diabo e The Teachings of Don Juan, ambos livros de 1968.
Ainda há o livro de Le Matin des magiciens (O Despertar dos Mágicos) de Louis Pauwels e
Jacques Bergier, escrito em 1960 que descreve vários fenômenos paranormais. Este teve
influência direta sob um Mestre de Origem da UDV, o Mestre Roberto Evangelista que,
segundo depoimento138, a partir da leitura iniciou sua busca espiritual. Este livro também
influenciou uma das primeiras bandas de rock francês Martin Circus a compor em 1969 um
tema que leva o mesmo nome do livro.
136 Sobre essa temática ver Magnani (1999), como também Labate em entrevista concedida à socióloga Samira Marzochi.
Disponível http://www.antropologia.com.br/entr/entr17.htm. Acesso em: 16/04/2010
137 Claudio Willer faz um “inventário” da criação literária fomentada pela utilização de psicoativos. Dentre os escritores (entre
“beat’s” e percussores da contracultura), estão: Samuel Taylor Coleridge, Ginsberg, Henri Michaux, Lewis Carrol, Octavio
Paz, Dr. Humphry Davy, Gérard de Nerval, Théophile Gautier, Breton, Kerouac, Burroughs, Allen Verbatim e
principalmente Thomas de Quincey e Baudelaire. Palestra disponível: http://coletivodar.org/2013/11/drogas-e-literatura-
videos-de-palestra-da-claudio-willer/ Acesso: 15/05/2014.
138 Depoimento disponível: http://blog.udv.org.br/mestre-roberto-evangelista-conta-sua-historia-na-udv/ Acesso
12/10/2015.
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139 Sobre um século e meio de pesquisas sobre plantas e substâncias psicoativas ver Henrique Carneiro em Uso Ritual de
Plantas de Poder (2005: 57-82). Ver também sobre a ambiência psicodélica dessa época na tese de doutorado de Eduardo
Rodrigues (2014).
140 Interesse nesse assunto é demostrado por Brian Anderson (EUA) em sua monografia autorizada pela Comissão Científica
da UDV, intitulada Como o chá influencia a consciência que as pessoas têm da natureza e como as relações ecológicas são transmitidas na UDV
(jornal Altofalante 2011: 14).
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*
Figura 13 – Seringais - Mapa Território de Fronteira/1917 foto: Bia Labate (2014).
A UDV tem seu início em 1961 num ambiente de divisa (v. figura acima), de fronteira não
somente territorial, mas local de ocorrência e fluxo de distintas gramáticas, temporalidades,
memórias, éticas e visões de mundo (Strauss 1999). Sua fundação, denominada pelos
discípulos por recriação (dado o mito de origem remeter para antes do dilúvio universal), ocorre
no território da Bolívia, divisa com o Brasil em uma casa de seringueiro onde o Mestre Gabriel
toma pela primeira vez a ayahuasca. Leva a prática para Porto Velho/RO onde funda a
doutrina e logo para Manaus. Segundo discípulos Mestre Gabriel já profetizava: “de Manaus, a
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União do Vegetal vai circular o mundo” (palavras do Mestre (11/07/1961) – Jornal AF 2011:
05).
Logo após a mudança definitiva de Mestre Gabriel para Porto Velho, em 1965 o ritual
acontece na rua Abunã, nº 1.21141, onde apresenta maior número de sócios142. Por ser ainda
uma prática desconhecida e marginal à sociedade brasileira (sobretudo em plena ditadura),
alguns problemas foram surgindo. Um dos principais acontecimento foi a prisão do Mestre
Gabriel. Este fato é lembrado em toda as sessões onde há a leitura dos documentos e o
regimento da doutrina - por ser um dos momentos emblemáticos da biografia do Mestre
(Brissac 1999: 79).
Após a prisão do Mestre Gabriel por práticas de consumo e disseminação de substâncias não
autorizadas, e logo depois da sua libertação, uma das resoluções tomadas pelo próprio Mestre
foi divulgar nos meios de comunicação dois textos 143 em resposta à prisão e a danosos
comentários. Um foi o artigo Convicção do Mestre publicado no jornal de Porto Velho o Alto
Madeira (1967). Em 1968 um outro artigo é divulgado em um dos jornais de maior alcance
nacional, o Estado de São Paulo. Mestre Gabriel exprime através deste processo, sua primeira
experiência com a ayahuasca (uasca):
A primeira vez que bebi a uasca, senti-me fora da terra. A mata ficou coberta de
ouro. Eu ouvia uma música que jamais ouvira. Via tanta coisa maravilhosa que
nem o vocabulário que tenho oferece palavras para que possa descrevê-lo (...)
Depois dessa primeira experiência – conta ele – eu fiz mais uma porção de viagens”
(29/08/1968 - texto e foto de Alberto Parado). Nesse texto também fala de uma
chamada: Tiuaco é Mariri, Tiuaco é marechal, Tiuaco é grande Rei no Salão do
Vegetal (e tem início a sessão dos sonhos) (AF 2011: 14).
141 Segundo Lima & Sampaio (2014), o terreiro de umbanda da D. Chica Macacheira residia nas proximidades da rua Abunã e,
muitas vezes sofreu pela intervenção policial. Algumas narrativas dos Mestres Contemporâneos ao Mestre Gabriel
mencionam a proximidade do terreiro.
142 Brissac traz depoimento de mestre Hilton sobre a precariedade dos locais onde ocorreu o início dos rituais em Porto
Velho. Estima-se que na data de 1965 haviam 16 participantes e na data de falecimento de Mestre Gabriel (1971) haviam 150
participantes - entre esses não havia seringueiros (1999: 77).
143 Publicações jornalísticas também serviram para chamar adeptos para a doutrina do Santo Daime. Quando em pesquisa de
campo na linha do Daime, durante a viagem de Rio Branco para o Céu do Mapiá, na pequena embarcação que cabiam apenas
4 pessoas (1 que conduzia e 3 passageiros) numa travessia de 10 horas, conheci 2 espanhóis. Estes, há 20 anos frequentavam
o local, graças à divulgação jornalística. Porém, um dos passageiros (Francisco Cal Ovejero) quando experienciou o rito em
1983 também escreveu um artigo jornalístico que coincidentemente foi responsável pela trajetória anual à Amazônia da outra
passageira espanhola. Segundo depoimento, essa foi a 1ª publicação realizada na Espanha. Francisco também chegou a levar
em 1985 a ayahuasca para ser compartilhado entre amigos e familiares. Sobre sua história ver em: Relatos del Santo Daime:
Ayahuasca en Brasil. Ed. Manuscritos (2009).
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*
Figura 14 – Jornal Estado de São Paulo 29/08/1968 – Imagem: Blog oficial UDV.
O jornal Alto Falante (AF) – produção interna da própria UDV – publicou em 22 de julho de
2011 além da relação dos artigos jornalísticos produzidos até início dos anos de 1990 sobre a
irmandade, todos os acontecimentos históricos documentados sobre a UDV desde a sua
formação. Segundo descrito, até 2011 já haviam sido publicados 373 matérias entre artigos de
jornal, revistas e internet. A seguir apresento apenas os primeiros artigos:
29.08.1968- Publicação: Na selva, um místico vende um sonho (jornal O Estado de São Paulo144;
144Ojornalista Alberto Prado foi o 1º a retratar a historia do Mestre Gabriel em um grande jornal do país. Essa reportagem
também está publicada no blog da UDV disponível: http://blog.udv.org.br/category/udv/utilidade-publica/. Acesso em:
01/12/2014.
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16.7.1971- Publicação: Velando enquanto dorme (jornal O Guaporé). Artigo escrito por mestre
José Luiz com uma ressalva feita pelo mestre Monteiro em resposta às críticas realizadas pelo
Bispo de Porto Velho no sermão de domingo;
11.03.1991- Republicação: O Vinho da alma transporta os povos da floresta virgem, (jornal A Crítica,
de Manaus). “Reportagem de Roberto Gueudeville, que entrevistou o Mestre Gabriel. Sabe-se
que sua publicação original foi em jornal de Porto Velho, ainda não identificado”.
No Brasil, a expansão da UDV inicia-se no dia 29 de julho de 1967 quando foi realizada a
primeira sessão na cidade de Manaus com a direção do M. Florêncio, que em 1971 foi
oficializada como núcleo (essa comunidade teve papel significativo quanto a utilização oficial
da música durante o ritual, concedida pelo Mestre Gabriel). Logo em 1972 a UDV expande-se
para a região sul do país pelas mãos de artistas que faziam parte do movimento contracultura
(Brissac 1999: 87). Brissac, a partir das descrições do jornalista Flamínio Araripe, lembra que
foram “esses que levaram para as sessões da União as músicas como as [do mineiro] Zé
Geraldo ou [do baiano] Raul Seixas”145 (idem).
Após esse encontro, que ocasionou a intersecção de um saber sonoro entre distintos grupos
(religioso e hippie), pouco tempo decorreu até a UDV se expandir para todo os estados
brasileiros e, na década de 1980, para terras mais distantes do país. Em Março de 2016 a UDV
145Raul Seixas tal como Zé Geraldo fazem parte de um grupo de músicos que, no Brasil, corporizaram o movimento
contracultura.
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contava com 212 grupos (entre núcleos e DAV’s) espalhados em 10 países além do Brasil (que
abriga a maioria dos grupos). São eles: Estados Unidos, Canadá, Portugal, Espanha, Suíça,
Holanda, Reino Unido, Austrália, Itália e Peru (vide: http://blog.udv.org.br). São mais de 18
mil sócios e cerca de 6 mil jovens e crianças filhos de sócios, perfazendo mais de 24 mil
pessoas, entre as quais Mestre Pequenina e 7 mestres que conviveram com o fundador da
UDV e que hoje compõem o Conselho da Recordação dos Ensinos do Mestre Gabriel.
*
Figura 15 – Gráfico de número de sócios por região novembro /2015. Fonte: AltoFalante.
Para controle e fiscalização da Sede Geral foram criadas muitas formas de organização
(institucional, burocrática, histórica, através de recenseamento, etc.). Neste sentido, para
organização dos núcleos foram criadas em 1978 divisões administrativas divididas por Regiões
(como mostra a figura abaixo) que não correspondem às regiões geopolíticas do Brasil (Jornal
AF 2011: 05). Então segundo o site oficial “em agosto de 2015 a UDV estava organizada em
19 regiões, sendo 17 no Brasil, uma nos Estados Unidos e outra na Europa”.
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*
Figura 16 – Mapa das regiões administrativas da UDV – agenda 2013 enxerto AF 2011
A 1ª Região instalada na Europa (sic) engloba os países Portugal, Espanha, Suíça, Holanda,
Austrália e Itália. O país onde primeiramente a comunidade se fez presente foi Espanha.
Contudo, anterior a esse encontro, alguns sócios (como é o caso do espanhol M. Miguel) já
haviam participado de outros rituais ayahuasqueiros tanto na doutrina do Santo Daime como
pelas mãos do músico e médico Claudio Naranjo que a partir de 1988 começa a trazer
regularmente a ayahuasca para o país (Pavillard 2008: 40).
Em 1995, a convite de amigos, Mestre Miguel conheceu a UDV numa sessão realizada perto
do Teatro da casa da Ópera em Madrid, dirigida pelo mestre Monteiro (mestre
contemporâneo do M. Gabriel).
Eu fiquei bem feliz, vindo de uma pessoa de confiança, não precisava cantar o
hinário, era fazer perguntas e o mestre Monteiro respondia as perguntas ligando
com as coisas espirituais. Eu achei ele uma pessoa de bem. Eu pensei nesse
momento de burracheira, “quem sabe um dia eu possa ser como essa pessoa. Eu
fiquei realmente interessado pela União do Vegetal. Aí que se dá continuidade ao
que eu já tinha abandonado. Continuei e cada vez que tinha uma sessão neste
grupo, nesta irmandade que estava formando e eu não sabia que se estava
formando nada. Eu apenas sabia que tinha umas sessões lá em Madrid. E este grupo
continuou crescendo e eu assistindo todas as sessões. Nós distribuíamos as despesas
da viagem do mestre do Brasil. E não tinha nenhum beneficio para ninguém, era
tudo igual, com muito custo. Então eu falei com minha companheira, ela sabia que
eu ia as sessões, mas ela não queria ir no início, porque ainda estava com medo da
situação do tempo anterior. Ela um dia aceitou ir e recebeu, pela 1ª vez, de um
mestre de Porto Velho de nome Jorge Elage, e ele ela adorou, gostou muito porque
ela viu ali como sendo um trabalho de psicoterapia no fundo extraordinário. Então
ela também começou a assistir as sessões e assim até hoje. Muitas poucas sessões
temos deixado de ir beber o vegetal. Porque realmente em cada sessão venhamos a
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Essa narrativa revela o início da adesão a uma nova performance ritual onde há sempre o
ensino “de alguma coisa”, a partir da admiração da postura do mestre da UDV que passa a
significar um regulador de conduta. Também, expõem o princípio da expansão da doutrina no
contexto europeu, ocorrido pelas mãos dos mestres contemporâneos ao Mestre Gabriel.
Contudo, a consciência de que se estava a formar uma sociedade, não se encontrava presente
no indivíduo (Simmel apud Shils 1992: 13). Neste caso, este entendimento somente foi
processado, a partir do hábito regular da convivência e da adesão na construção de um
objetivo. Assim, aproximadamente após uma ano frequentando o grupo, M. Miguel se associa:
No começo o trabalho que fazíamos era numa sala. Caburé, na época com Xavier
Martines, com a Sunta, com a Consa, as pessoas pioneiras que levavam as cadeiras
nos carros à sala, e depois voltavam a recolher e levavam de novo a casa, num
armazém que era do pai do Caburé, na época. E a cada 3 meses alugavam uma sala e
ele levava as cadeiras, nos avisavam e nós íamos para lá. Assim, pouco a pouco, foi
formando durante um tempo até que um bom dia algumas pessoas falavam em se
associar. Falavam em associar-se para pagar uma quantidade por mês. Mas eu
preferia não me associar-me ainda, até ficar mais seguro. Preferia pagar quando
viesse a pessoa do Brasil (...)foi no ano aproximadamente de 1996. Teresa [esposa e
atual conselheira] e eu nos associamos. Naquela época também tínhamos um auxílio
de uma pessoa do corpo instrutivo da União do Vegetal que em algumas sessões,
seu nome é Grifo e ele dirigiu uma sessão muito bonita. E nós gostamos muito dele.
Esse bom dia, foi na serra de Madrid um dia que estava nevando, quando se fez
uma sessão num Hotel. Ali se decidiu fazer a 1ª diretoria da União do Vegetal. No
ano aproximadamente de dezembro de 1996 ou janeiro de 1997.
Xavier Martines foi nomeado presidente, estava apoiando Caburé e foi nomeado
uma secretária que foi a Sunta. E também foi nomeado um tesoureiro que agora é o
mestre representante, Manuel Fernandes, foi assim que iniciou de uma forma mais
organizada.
Depois de um tempo, no ano de 1997, falamos de porquê alugar um espaço para a
União do Vegetal se a gente pudesse de alguma maneira dar continuidade a esse
trabalho de uma maneira mais tranquila, do que levando cadeira de um lado para
outro. Assim, no ano de 1997 alugamos um local em uma pequena cidade chamada
Real de São Vicente. Assim iniciou a distribuição do vegetal em Madrid. Nessa
época Xavier Martins já havia deixado de ser presidente e passou a ser o Caburé
mestre Representante da distribuição de vegetal em Madrid (M. Miguel idem).
Alguns dos sujeitos acima nomeados virão a ser centrais para a disseminação da UDV na
Europa. Segundo M. Caburé (2012 entr.), a espanhola Maria da Conceição foi responsável
pelo primeiro contato com a doutrina da UDV no território espanhol 146 . Segundo ele,
Conceição ao fechar sua empresa na Argentina e ir ao Brasil, conheceu a bebida tanto no
Daime quanto na UDV, mas foi através de um dos núcleos da UDV instalado no Rio de
Janeiro (o grupo Lupunamanta) que buscou autorização para levar o Vegetal para Espanha. O
146 Sobre a expansão da ayahuasca e início da UDV na Espanha ver em Pavillard (2008).
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discípulo Grifo (brasileiro) tornou-se uma grande referência nesse cenário de expansão, tanto
por ter sido o 1º a receber o grau de conselheiro no país como também pela sua
disponibilidade nômade. Seu decurso é testemunho de uma característica peculiar às religiões
missionárias, porém, conforme ele expressa, sem a intensão de o ser. Por ter um trabalho que
proporciona mudar de país a cada 3 anos, foi constante a sua presença (e auxílio) no processo
inicial de expansão da doutrina na Europa. Grifo, mesmo sem saber muito bem dirigir uma
sessão, chegou a distribuir o vegetal no Peru (entre 1990 e 1991 até fim de 1994), e a partir de
1995, com um pouco mais de experiência, distribuiu na Suíça, Espanha, Inglaterra e Portugal.
Na Bulgária e República Dominicana bebia o vegetal sozinho por não haver condições
necessárias. Segundo seu testemunho, seguia as orientações da Sede Geral de Brasília, “para
não ficar dando o vegetal pras pessoas e depois ir embora e deixar elas sem um apoio” (Grifo
2010 entr.).
Aspirante da profecia do Quinto Império – teoria que surgiu a partir de dois pontos de vistas
vindos do “cristão” Padre António Vieria (Lisboa, 1608 - Salvador, 1697) e do “christão
gnóstico” Fernando Pessoa (Lisboa, 1888 - Lisboa, 1935) após conhecerem as Trovas de
Gonçalo Yannes Bandarra - percebe a UDV como parte dessa profecia cujo objetivo é formar
um império (através da língua portuguesa) pautado na evolução da espiritualidade e não de
domínio material (Boberg 2003). Tal aspiração baseia-se em uma das profecias deixadas pelo
Mestre Gabriel: a de que “a União do Vegetal vem dominar o mundo pela paz, que a União
do Vegetal vem construindo essa paz pelo mundo”147. Grifo cita o livro Mensagem do poeta
português Fernando Pessoa, onde o autor advoga um domínio imperialista da língua
portuguesa, para descrever o seu pensamento, que apesar de colidir em parte com o
pensamento de Pessoa quanto ao domínio pela cultura, mantém a ideia da conquista pela
espiritualidade:
o Quinto Império tem que ser um império conquistado pela espiritualidade, pelo
conhecimento espiritual, portanto, sem o uso de armas e sob o domínio da língua
portuguesa, aí é que está a história. Olha, se um dia a língua portuguesa vier
dominar o mundo, tem que ser pela paz, para ser o 5º Império nesse sentido da
espiritualidade. E quem estiver trabalhando efetivamente pela paz, pela.... tá na linha
de frente, como fundador desse 5º Império. Aí eu associo com a mensagem do
nosso Mestre Gabriel, porque ele traz essa mensagem de paz e de fraternidade com
a perspectiva da Língua Portuguesa ser o veículo de transmissão desse
conhecimento. Então associo. O 5º Império não, uma coisa do intelecto da tradição
cultural, que eu que tô dizendo aqui, porque é uma (vamos dizer) ilustração que eu
coloquei aqui agora (Grifo idem).
147 Depoimento concedido pelo Mestre de Origem M. Roberto Evangelista ao blog oficial da UDV. Disponível:
http://blog.udv.org.br/mestre-roberto-evangelista-conta-sua-historia-na-udv/. Acesso em: 12/10/2015.
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O ideário quinto-imperialista referente ao idioma se faz latente, tanto na sua retórica quanto
no seu trabalho. Escreveu aproximadamente 30 livros literários e produziu 8 discos de poemas
musicados. Explica: “porque a música e a poesia juntas formam uma dualidade excelente,
genial. Assim, como eu tenho a ideia de que a palavra deve ser transmitida em suas 3
dimensões: falada (recitada) ou cantada e escrita” (13/12/10 entr.). Grifo reflete ainda sobre os
países falantes da língua portuguesa invocando Fernando Pessoa e os Estatutos e a Declaração
Constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, por ocasião da instauração da
CPLP, na cimeira realizada em Lisboa, em 17 de julho de 1996. Segundo Grifo:
[a expansão] poderia ser por outra linha religiosa, esotérica, desde que falasse o
português. Se outras religiões de língua portuguesa contribuírem, também, estarão
também auxiliando, sem dúvida. Será quando Portugal, Brasil os países de língua
portuguesa tiverem suficientemente desenvolvidos sobretudo no plano do
desenvolvimento humano que é a qualidade de vida, a sensibilidade, a mensagem de
solidariedade numa sociedade organizada sem grandes desigualdades, sem grandes
injustiças, com as pessoas trabalhando a consciência moral, um pouco mais
desenvolvida do que o atualmente se vê, nos países, principalmente no Brasil que
certamente será a fonte de maior aporte para esse 5º Império, pela quantidade de
população, pelo contingente do Brasil. São 200 milhões de brasileiros, então o Brasil
precisa chegar num nível de desenvolvimento espiritual verdadeiro, com a sociedade
mais justa, mais equilibrada, né, com nível de educação melhor, sem violência, com
a classe política moralmente mais consciente e tal. Então quando chegar nesse nível
será o momento também que prevalecerá essa verdade que nós buscamos da qual
nos falamos aqui, esse ideal da gente viver uma fraternidade humana, então poderá
ser a União do Vegetal um dia, o veículo dessa profecia... esperança (Grifo 13/12/10
entr.).
Nessa descrição se nota semelhante esperança presente tanto na proposta de Padre Vieira
como na de Fernando Pessoa - promovendo Portugal como líder desse reino divino – quem
vem ser subscrita por Grifo.
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termos udevistas pode ser bem diferente do que acontece com aqueles que cresceram no sul
do país, ou dos que falam o português de Portugal, ou dos que falam outra língua.
A primeira vez que fui ao Brasil foi quando o Mestre Manoel Nogueira estava na
representação geral e mandou chamar. Cheguei no núcleo Gaspar, fui numa sessão
e depois fui participar de um preparo de 3 dias, e na conclusão do preparo fui
convocado para a instrutiva. Na sequência viajei para Cuiabá para participar de um
preparo, depois fui para Porto Velho e numa sessão instrutiva recebi os primeiros
ensinos. Depois fui para Rio Branco, depois Fortaleza. Nesta viajem, o avião
chegava de tarde em Manaus e voltava de manhã, e também tinha o aniversário do
mestre Florêncio e tinha sessão e eu fiquei. Fiquei em Fortaleza uns 3 a 4 dias e
voltei para Brasília, para um preparo na Sede Geral. E depois voltei muito cedo,
aqui para a Espanha. As outras viagens também, visitavam outros lugares... sempre
eu vou para Brasília. Quando vai a família toda vamos para Minas, que é família de
[da esposa]. Sempre visitamos um lugar e outro[na UDV] (M. Caburé depoimento
concedido em 10/02/10 PT).
148 Conhecedor da marcenaria, por volta de 2000 construiu o 1º arco (e mesa) da UDV na Europa, para ser instalado no
núcleo espanhol e receber o M. José Luiz (MO).
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Eu disse “ok, tudo bem.” Para mim foi um dedinho de Deus, porque eu tinha
acabado de desligar o telefone (...) com a maior vontade de chorar, precisando de
um ombro amigo, Gandhy aparece na porta e quando eu olhei para ele comecei a
chorar. Chorava, chorava, chorava, após ele escutar eu contar toda a situação, que
sabia apenas alguns detalhes, chegou para mim e disse, colocando a mão assim nas
minhas costas: ”Minha amiga eu tenho um chá” [ela sorri]. Ele já havia me falado
algumas coisas, mas não insistiu, porque na União não se faz publicidade a respeito
da própria União, não é que se esconda nada, mas é para ser discreto mas não
secreto (Sabiá 11/02/2010).
Logo no mesmo dia, organizaram uma sessão cujo resultado foi fundamental para que
houvesse sessões semanais. No início, o ritual não era denominado como próprio da UDV,
pois Gandhy era mestre da OTUS (Centro Espírita Beneficente da Ordem do Templo
Universal de Salomão) 149 um grupo dissidente, que somente no final de 2003 voltou a
reintegrar-se na UDV. Segundo Sabiá a reintegração foi possível, por manter as sessões
semelhantes às da UDV. No entanto, apesar dessa proximidade, outros três interlocutores
(também eles ex integrantes da OTUS), informaram-me sentir algumas diferenças,
principalmente na quantidade de temas musicais performados em sessão. Segundo essas
narrativas, na OTUS era maior a reprodução de música.
Com a integração na UDV, Gandhy perde o seu grau na hierarquia de mestre na OTUS e
volta a fazer parte do quadro de sócio (QS) na UDV. Em 2003, logo após a essa conversão,
Gandhy entra em contato com dois mestres - um dos mestres mais antigos da UDV,
denominado mestres da origem (MO), que na época era Mestre Geral Representante (MGR) e
149 Segundo M. Furriel (amigo de infância de Gandhy), a OTUS surgiu fruto de uma outra sociedade, essa dirigida por Augusto
Queixada que em 2010 desencarnou. Ele bebia Vegetal com o M. Gabriel, mas depois saiu junto com outros participantes. Era
um grupo pequeno composto por 500 sócios: “Tinha no Norte, no nordeste, no Maranhão, no Ceará, no Pará, em São Paulo,
Brasília, Rio Grande do Sul”. Quando ouve a reintegração muitos ainda resistiram, mas atualmente estão integrados
(depoimento concedido em 28/06/2014).
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Mestre Representante (MR) M. Caburé do, até então, pré-núcleo de Espanha - que o
incentivaram a continuar bebendo o vegetal na UDV. Gandhy leva então Sabiá para conhecer
e se associar ao pré-núcleo espanhol, antes de voltar a morar no Brasil. Isso ocorreu em
fevereiro de 2004, ocasião em que Sábia e Gandhy usaram pela 1ª vez o uniforme próprio da
UDV em terras espanholas. Porém, somente após Gandhy voltar a morar no Brasil (no final
de 2004), Sabiá conhece M. José Luiz MO/MGR) que em 1997 veio para a Europa distribuir o
Vegetal, sua esposa Emanuela. A partir desse momento Sabiá passa a frequentar uma vez a
cada dois meses as sessões no núcleo espanhol, o que a impulsionou a iniciar uma campanha
em prol do estabelecimento da UDV em Portugal. Na época, em 2006 M. Monteiro era MGR
e com ele Sabiá. Conforme ela:
Foi quando eu falei para ele, mestre [Monteiro] já temos lá em Portugal algumas
pessoas que também não tem condições de estar vindo aqui, condições financeiras,
trabalham, então tem o Grifo (ele gosta muito do conselheiro Grifo.) que está
morando em Portugal, será que a gente não poderia começar a beber o vegetal... Aí
ele olhou assim e disse, “Grifo tá lá? Sim tá. Se ele tá lá, então tudo bem. Aí, liberou.
então eu vou autorizar aqui a distribuição, se vocês estão querendo mesmo eu vou
autorizar, mas como tem a situação ainda do mestre que não está presente
[residente fixo no país], não tem ainda a condição de trabalho aqui, vamos fazer em
caráter experimental, para ver mesmo se você estão querendo.
Nessa mesma noite, ocorre a primeira sessão autorizada em caráter experimental. Segundo Sabiá,
essa denominação foi uma exceção à regra. É usual a Direção Geral denominar um grupo em
formação por DAV (Distribuição Autorizada de Vegetal), ou não lhe atribuir nenhuma
designação caso não tenha as condições mínimas. Contudo, esse cenário logo se alterou e após
uma reunião entre os dirigentes em Brasília acharam “melhor tirar o experimental e colocar
Distribuição Autorizada para fixar mesmo” (Sabiá 2010 entr.).
Após uma sessão que dirigiu, Conselheiro Grifo descreve esse contexto e a obstinação de
Sabiá:
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Passados 8 anos sobre a autorização, ainda não há um mestre que resida em Portugal e as
sessões continuam sendo realizadas somente numa cidade do país. O argumento para esta
situação prende-se com a inexistência de um número de sócios suficiente, sendo que os que
frequentam estão suscetíveis a inconstâncias sobretudo econômicas, cenário que tem
acompanhado a situação do país desde 2008. Sendo a UDV-PT enquadrada numa
comunidade migrante – constituída por imigrantes brasileiros que chegaram em busca de
melhores condições de vida ou estudantes que ao término do curso retornam as suas origens –
a comunidade está inserida num contexto que atualmente também propulsiona esse mesmo
fluxo.
O caminho jurídico trilhado pela UDV-PT procura alinhar-se tanto às regras e normas
emitidas pela Direção Geral (DG) situada no Brasil quanto às regras e leis nacionais. O mestre
Luiz Felipe Belmonte é advogado e há mais de 20 anos que se dispõe em auxiliar a UDV em
questões jurídicas e legais quer em Portugal quer noutros países da Europa. No final de 2011,
a UDV-PT iniciava um processo junto das autoridades governamentais com o intuito de
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avaliar a sua fixação no país, através do registro denominado Associação Religiosa como Pessoa
Coletiva150. Na mesma época (como aqui já abordado) um integrante e dirigente português de
outra linha doutrinária ayahuasqueira (instalada no país) foi preso151. Esse incidente gerou uma
certa comoção entre a comunidade, e alterou momentaneamente as atividades da sociedade da
União do Vegetal instalada no território.
Na tabela abaixo está elencado o número de sessões realizadas em território nacional desde
2003 quando ainda era realizada sob a orientação do grupo OTUS (que a partir de 2004 se
integrou na UDV). Foi observado que, entre as datas que compreendem outubro de 2011 a
março de 2012, verificou-se uma diminuição do número de sessões (ver apêndice nº III) como
consequência do episódio atrás relatado.
Ano Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Total
2003 1 2 2 4 9
2004 4 1 - - - - - - - 1 - - 6
2005 - - - - - - - - - 1 - - 1
2006 - - - - - - - - - - - - 0
2007 1 2 4 2* 5 3 2 3 2 2 4 30
2008 2 4 5 2 5 5 4 3 3 3 4 4 44
2009 3 5 4 5 5 5 5 2 4 4 5 4 51
2010 6 5 4 3 4 3 5 4 4 4 4 5 51
2011 3 2 4 3 3 3 6 3 6 2 3 4 42
2012 1 2 3 2 1 2 2 1 3 1 2 1 21
2013 2 2 3 4 1 4 2 1 2 4 3 3 31
2014 3 4 3 2 2 4 3 2 - - - - 23
*Após a realização de 24 sessões, em 08 de maio de 2007 a direção da UDV autorizou oficialmente a distribuição
do Vegetal em Portugal.
A legalidade da UDV quer em Portugal quer noutros países, está cativa de um impasse
interpretativo. Por um lado a Declaração Universal dos Direitos Humanos emitida pela ONU em
1948, salvaguarda a liberdade de culto religioso (Artigo 18).
Artigo 18.
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
150 Em 16 de novembro de 2013 na reunião mensal da diretoria UDV-Portugal “O Presidente explica o ponto de situação do
reconhecimento da sociedade; será dada entrada de ação de impugnação da decisão do Registo Nacional de Pessoas
Coletivas” (ata da reunião via on-line).
151 Em visita ao grupo UDV-PT, Gaio narra como aconteceu a sua detenção. Revelou que ficou surpreso pela ação policial
ocorrer num procedimento costumeiro - quando recolhia sua encomenda com o agente do correio em frente a sua casa. Ele
não sabia que o controle no país se intensificava. Apesar da sua exclusão durar menos de 24 horas, foi o suficiente para haver
repercussão na mídia.
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manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.152
De igual forma a Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 36/55, de 25 de
Novembro de 1981153 promulgou a Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância
e Discriminação Baseadas na Religião ou Convicção. Por outro lado, a prática da UDV pressupõe
ingerir/comungar uma bebida que contém, um componente que está afixado na tabela de
substâncias proibidas na legislação portuguesa de combate às drogas (Lei nº 47/2003, de 22 de
Agosto. Tabela II-A – DMT – N-N-dimetiltriptamina)154. Ora, esta situação constitui um
verdadeiro impasse para a legalização da religião em Portugal e noutros países com legislação
semelhante.
Para a sociedade udevista, o Vegetal é um líquido sagrado, um sacramento que simboliza toda
a cosmologia da doutrina. Embora em alguns contextos se possa desenrolar o ritual sem a
presença da ayahuasca, é um facto que essa substância tem um papel orgânico no próprio
ritual. Portugal é considerado um dos países de vanguarda em termos de redução e
“prevenção do consumo de drogas”155, como avalia Andrade:
Uma das grandes alterações preconizadas pela Estratégia Nacional, e, sem dúvida, a
mais emblemática, terá sido a descriminalização do consumo de todas as substâncias
psicoativas, mas, a par da descriminalização do consumo, era fundamental criar uma
rede de respostas, que fosse de encontro aos problemas diagnosticados já que as
respostas até aqui implementadas não estavam a ser solução. Assim, é também
regulado e aprovado um conjunto de medidas que permitiram a implementação de
uma rede de serviços na área da Redução de Riscos e Minimização de Danos
(Andrade 2003: 12).156
No entanto, a posição impeditiva da Comissão da Liberdade Religiosa (CLR) (v. anexo IV) em
opinar favoravelmente à inscrição da doutrina no país, resultou em uma nova investida da
UDV, no âmbito judiciário. Com a justiça morosa, aumentam-se as dificuldades em ter apoio
do Estado tanto a nível económico como burocrático (abatimento de imposto predial;
facilidades em comprar um local para construção de um prédio próprio; facilidade de obter o
Vegetal e todo tipo de benefício possível pela lei do país). Podemos dizer que este tipo de
situação conflitiva entre os praticantes da UDV e a sociedade jurídica é algo que acompanha a
doutrina desde a sua origem e que, de resto, fez parte da própria biografia do seu fundador.
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Mestre Gabriel foi preso em 1967 pelo uso da ayahuasca em sessões públicas tendo, na
sequência desse episódio, orientado os discípulos a publicar artigos de jornal, de caráter
didático, sobre a própria doutrina e intitulados “A convicção do Mestre” (AF). Esse fato é
rememorado em todas as sessões onde se procede à leitura de documentos.
Sobre os associados
Grande parte dos associados em Portugal são provenientes de distintos países e cidades, sendo
a maioria brasileiros, com experiência prévia em práticas religiosas ayahuasqueiras. Enquanto
alguns membros permanecem durante mais tempo associados pelo facto de serem membros
de comunidades migrantes – por via laboral – outros fazem uma passagem relativamente
fugaz sobretudo quando se trata de estudantes que vêm a Portugal apenas para
prosseguimento de estudos.
As seguintes tabelas mostram o perfil laboral e escolar dos participantes associados à UDV-PT
correspondente aos anos de 2007 a 2014.
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- Ciências Físicas;
- Ciências Económicas;
- Psicologia 2;
- Educação Física 2;
- Psicologia Educacional;
- Informática;
- História 2;
- Ciências Sociais;
- Nutrição;
- Cinema;
- Economia;
- Educação;
- Ciências Contábeis;
- Publicidade e Propaganda;
- Teatro;
- Eng. Operacional / Ciência da Computação;
- Medicina
- Direito
- Turismo
- Odontologia 2;
Total 10 Total 34 Total 8 Total 1
Total Geral: 53
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No registro fornecido pela 1ª secretária da UDV – Europa, foi possível observar o variado
percurso dos participantes, desde o momento (e local) em que ingeriram a bebida pela 1ª vez,
à sua chegada à UDV-PT. Esse histórico proporciona conhecer desde quando o discípulo
conhece os saberes da UDV, o quanto se dedicou a irmandade, como também quais ofícios
tem habilidade (que pode compreender desde a própria profissão como práticas terapêuticas e
conhecimento jurídico). Nas tabelas abaixo inscrevo o início desse trajeto pessoal, e demarco a
quantidade de participantes (procedentes de variadas localidades) que já se associaram à UDV-
PT assim como das regiões (Cf. Fig 13 e 14).
Tabela 9 – Trajetória dos associados, desde o 1º contato com a Ayahuasca até ao vínculo à UDV-Portugal.
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As tabelas acima, expõem o continuo trânsito ocorrente não somente entre o grupo local e
global, mas também entre outras vertentes ayahuasqueiras. Também revela os distintos perfis
dos membros que por estarem em “trânsito” coligam ambientes, contatos, saberes, assim,
promovendo uma espécie de rede, ao mesmo tempo que constroem novos contextos.
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Sobre o lugar
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PRINCÍPIOS*FILOSÓFICOS*DA*UDV*E*FORMAS*DE*CONCRETIZAÇÃO*+**capítulo*5*
Este texto de apresentação oferece uma ênfase muito particular quer na disciplina
organizacional, quer na disciplina espiritual. A hierarquia está, evidentemente, presente. Num
dos primeiros estudos sobre a comunidade o pesquisador Afrânio Andrade – na época era um
dos associados - revela essa característica hierarquizante como definidora de posturas morais e
conhecimento. Discerne sobre a cautela em manter uma ordem interna ao grupo delimitando
em graus certo tipo de saberes. Aprendizagem que converge na busca de ascensão tanto em
ordem física/material, como na ordem moral/espiritual/psíquica que é demonstrada na
prática do dia a dia. A comprovação (oficialização) de que o indivíduo transcendeu
integralmente em todos os níveis é certificada através do grau hierárquico alcançado dentro da
instituição. Grau que também não é fixo, mediante o rebaixamento a qualquer infração
(exposta) cometida pelo adepto que venha agir contra as “recomendações” estabelecidas pela
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
direção, mesmo que este se encontre no mais alto posto: o de Mestre (e suas subdivisões a
nível espiritual).
A oligarquia espiritual (abaixo descrita) convive com uma hierarquia secular de caráter
administrativo e fiscal. Ambas são geridas centralmente pela sede em Brasília e devem
reproduzir o modelo aí gerado a partir de dois organismos: o Conselho de Administração
Central (CONACE), que rege a organização administrativa, e o Conselho de Administração
Geral (CONAGE) que rege a oligarquia espiritual. A nível local, tal como na sede, a ocupação
dos cargos é decidida a cada triênio por voto em reunião. Na UDV-Portugal a diretoria é
formada por voluntários como visto no organograma abaixo, onde podemos ver também a
proveniência de cada indivíduo em relação ao seu grau espiritual (QS – Quadro de Sócios; CI
– Corpo Instrutivo; CDC – Corpo do Conselho; QM – Quadro de Mestre)
*
Figura 17 - Organograma Diretoria administrativo e fiscal – UDV-PT 2016.
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PRINCÍPIOS*FILOSÓFICOS*DA*UDV*E*FORMAS*DE*CONCRETIZAÇÃO*+**capítulo*5*
do quadro de discípulos “graduados” ainda não é suficiente. Esta organização, além de manter
o controle e transparência das atividades do grupo, realça a busca por uma espécie de
organização jurídica e legal perante outras instituições (Goulart 2014: 222). Reproduz as
normas do código administrativo das associações cívicas às quais corresponde também a
existência de estatutos legais e registados pelo código administrativo oficial português.
Os grupos udevistas instalados em diferentes lugares podem adquirir dois nomes em função
do número e grau dos membros, e do estatuto da ayahuasca: Distribuição Autorizada e
Núcleo. O termo “Distribuição Autorizada” é usado para designar um grupo filial da matriz
de Brasília. É o grupo que ainda não possui os elementos necessários para se tornar Núcleo.
Para isso a unidade necessita ter no mínimo 3 mestres – sendo um deles Mestre Representante
-, 5 conselheiros(as) e totalizar no mínimo 50 sócios. Deve ainda ter imóvel em nome da
CEBUDV com casa de preparo (local para confecção do vegetal)158. Para a abertura de uma
Distribuição Autorizada de Vegetal (DAV) é necessária uma recomendação do MGR à
Representação Geral e aos mestres da Sede Geral. A partir desse momento o grupo passa a
pagar mensalidades para a sua manutenção e para a implantação de um futuro núcleo, sendo
uma parte recolhida para a Diretoria Geral. A componente de maior importância que fornece
ao grupo o estatuto de distribuição autorizada é a legalização da bebida psicoativa no país
onde se quer instalar.
157 Os termos “Unidades Administrativas” (UA's) e “Pré-Núcleo” foram excluídos dos documentos legais do Centro, sendo
mantidos apenas na lista de deliberações da Administração Geral no guia intitulado Consolidação das Leis QS - 2013: 78.
158 Até o momento, os grupos instalados na Europa, inclusive o Núcleo espanhol recebem a bebida do Brasil, pelo fato das
plantas “Mariri” e Chacrona” ainda não crescerem nesse território.
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No Guia de Consolidação das Leis – Quadro de Sócios (2014) está ainda prevista a instituição de
vários departamentos, designadamente: Departamento de Instrução e Doutrinação Espiritual;
Departamento de Limpeza Geral; Departamento de Cerimonial Religioso; Departamento de
Beneficência; Departamento de Patrimônio; Departamento de Memória e Documentação;
Departamento Médico-Científico; Departamento de Plantio e Cultivo de Mariri e Chacrona;
Departamento Jurídico. Embora os departamentos criados no Brasil se estendam a nível
internacional (por onde houver um grupo - núcleo ou Dav's), geralmente são colocados em
exercício, segundo a C. Sabiá, “se houver a necessidade”, sobretudo se os membros tiverem
disponibilidade em coordená-los. (maiores detalhes sobre os departamentos que atualmente
estão ativados na UDV-PT ver no apêndice II).
159Brissac através de um levantamento biográfico sobre o Mestre Gabriel estimula a reflexão sobre o termo mestre ser
adotado mediante a participação do próprio Mestre Gabriel na capoeira da Bahia (1999). Sobre o início da capoeira na Bahia
ver Waldeloir Rego em Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfico (1968). Por sua vez Andrade questiona se o termo mestre
“aponta para uma relação entre a Maçonaria e a UDV” (Andrade 1995: 136).
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nesse sentido. O safadíssimo Silvestre José dos Santos que em 1819 fundava uma
religião na Serra do Rodeador (15,33) tomava o nome de “mestre Quiou”, e as
práticas religiosas da sua seita são muito assimiláveis às do catimbó (Andrade 1963:
33-34).
(…) a palavra mestre é usada tanto pros feiticeiros como pros seus deuses
invocados. Distinguem-os chamando àqueles de mestres materiais, ou “em
matéria”, ao passo que os deuses são os “mestres desmaterializados”. A função dos
mestres materiais é dirigir as sessões pois que só eles têm o poder de abri-las, iniciar
os cantos, e receber nos seus corpos materiais os mestres desmaterializados
(Andrade 1963: 33-34).
No ritual da UDV, como descreve Brissac, a palavra Mestre é a mais usada. Ela é empregue
para designar “a Divindade, ou Força Superior” (1999: 108), ou seja: Deus e Mestre Gabriel.
No entanto, é na figura do mestre que dirige a sessão que esses elementos são trabalhados,
configurando a sequência de um entendimento onde o Mestre Dirigente (MD) representa o
Mestre Gabriel que, por sua vez, representa o Mestre Divino que é revelado através da palavra
(verdadeira). Assim, neste contexto ritualístico a articulação dessas 3 formas de agenciar o
Mestre e de entender como funciona o “lugar” que cada um ocupa dentro do ritual, exige do
participante uma certa compreensão, obtida durante a participação nas sessões e recebimento
da doutrina.
Em relação ao catimbó pesquisado por Mário de Andrade o mestre terreno recebe em seu
corpo 'material' o mestre espiritual desmaterializado161. Consoante o discurso dos discípulos da
UDV o processo difere, porém gera algumas ambiguidades. Durante o ritual udevista o Mestre
Dirigente (MD) terreno – que Andrade designa por materializado - tem o papel de representar o
mestre “desmaterializado” embora não o receba no seu corpo.
A afirmação encontrada nos documentos lidos em todas as sessões informa que “o CEBUDV
[Centro Espírita Beneficente União do Vegetal] é dirigido em sessão pelo Mestre e por quem
for designado a representá-lo”, isto é, quem dirige é o Mestre Gabriel, porém representado
160 Melo ressalta que “o termo 'cura' não se apresenta facilmente na vertente udevista, mas nem por isso é ausente do
discurso”(Melo 2010: 33). Sobre o assunto ver também Greganich (2010).
161 Segundo Mário de Andrade (1963) no seu estudo sobre o catimbó nordestino, o mestre materializado pode receber vários
mestres, mas um de cada vez, que segundo a udevista Sabiá essa ação é denominada por baixo espiritismo. Já na UDV
diferentemente o MD é que “se liga” com o Mestre Gabriel, ação que Sabiá descreve como “Alto Espiritismo”.
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por alguém “e não incorporado em alguém” (MO José Luiz 2014 entr.). Ao explicar esse
enunciado, Mestre José Luiz (MO) chama a atenção para os “lados corporais” (lado da frente,
lado direito, lado esquerdo, lado de trás), que apesar de serem alguns, fazem parte de um único
indivíduo, dono de um único corpo onde habita um único espírito, sendo corpo e espírito
inseparáveis. Segundo ele: “tenho em meu espírito um corpo e não o corpo tem o meu
espírito” (idem).
Segundo a doutrina, essa afirmação deve ao processo de mediação que a bebida exerce entre o
mestre “materializado” e o mestre “desmaterializado”. No entanto, a complexidade amplia
quando Melo (2010) observa o vegetal como uma consubstancialização do espírito do Mestre
Gabriel na bebida, porque “ele é a burracheira”. Logo, a figura do Mestre Gabriel é
considerada o efeito do Vegetal atuando dentro do mestre que o bebe - como descreve a
autora ao trazer a Palavra do Mestre162 Gabriel reproduzida em sessão através de fonogramas: “a
burracheira é eu, é do tamanho que eu quero” (Melo 2010: 82). Semelhante frase foi proferida
quando Mestre Gabriel informou: Sultão das Matas “sou eu”. Segundo Melo, é comum tal
afirmação aparecer nos pontos (cantos) característicos da tradição da jurema nordestina (no
Catimbó) “como o ponto da entidade Maria Galega ‘Ai meu Deus, Maria Galega sou eu’ e o do
Sultão das Matas ‘Sultão das Matas meu cavalo se perdeu, corre menino de ouro e Sultão das
Matas sou eu’"(Melo 2011: 14).
162 A Palavra do Mestre, são gravações que contém ensinamentos passados pela voz do próprio Mestre Gabriel. A Palavra do
Mestre pode ser também enunciada por Administração do Mestre Gabriel, na hora que for escutada durante as sessões, isto
por ser “Ele” a administrar o conhecimento naquele momento.
163 Segundo Maués e Villacorta (2004) na pajelança cabocla a ideia sobre os encantados refere-se a seres geralmente invisíveis
às pessoas comuns, que vivem no fundo, “numa região abaixo da superfície terrestre, subterrânea ou subaquática, conhecida
como o 'encante'” (Ibidem 2004: 17). Sandra Goulart (2014: 18) enfatiza a noção de encanto, encantes e natureza encantada
sendo elemento crucial na cosmologia udevista.
164 Porém, aqui é em forma de planta, não em forma de carne como descreve Leach quando se refere aos encantados.
Segundo Maués e Villacorta, o pesquisador percebe ser um contrassenso em entender como se dá a incorporação de um
encantado por completo (carne e espírito), muito menos perguntar como vivem, comem, dormem no céu (Maués e Villacorta
(2004: 22).
139
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PRINCÍPIOS*FILOSÓFICOS*DA*UDV*E*FORMAS*DE*CONCRETIZAÇÃO*+**capítulo*5*
Logo, essa performance sugere uma situação liminar (Turner 1974). Porém, ao invés de se
sentir numa situação ambígua, na transição entre dois mundos, o MD se reconhece presente
no ambiente, consciente dos seus atos e funções a desempenhar, recebendo “informações”
inspiradas pelo Mestre Gabriel. Portanto, mesmo que ele não sinta dentro de si a burracheira é
exigido ao MD a performance de “ser” Mestre Gabriel durante o ritual. Neste sentido, alguns
entrevistados chegaram a relatar a dificuldade em administrar uma sessão sem estar no alto
tempo de burracheira (quando os efeitos da bebida se tornavam intensos), e também descreveram
a facilidade em dirigir uma sessão quando a burracheira crescia. Essa crescente “força” da
burracheira é bem vista entre os adeptos que já dirigiram uma sessão, uma vez que ela é o
140
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
símbolo de mediação (ligação) com o próprio Mestre Gabriel165, assim, ele mesmo estaria
auxiliando na direção da cerimônia, inclusive na seleção dos fonogramas musicais. Como
descreve uma colaboradora no meu trabalho: “a música é um canal por onde o Mestre envia a
sua mensagem” (Brasília 2012).
Após sessão anual de aniversário do Mestre Gabriel realizada no dia 10 de fevereiro de 2010, o
MR da UDV-PT, M. Caburé revela que é na força que todas as funções a ele atribuídas são
desempenhadas. Isto significa que é através da burracheira que os ensinos do mestre são
passados, conferindo ao próprio Mestre Gabriel esta função. Completa: “muitas são as vezes
que aprendo com aquilo que sai de minha boca166, pois quem inspira o conteúdo de toda a
sessão é o próprio Mestre Gabriel”. Então, quem fala (num momento de Alta burracheira) é o
Mestre Gabriel através da boca do MD mas, quando o MD fala sobre alguma experiência
pessoal, quem está a falar?167
Brissac retrata esse mal-entendido recorrente dentro deste contexto descrevendo “os 3 planos
de aplicação da palavra mestre numa sessão da UDV: para o divino, para o Mestre Gabriel e
para os discípulos que possuem “a estrela de mestre” no CEBUDV” (1999: 110).
165 É importante salientar que durante a sessão todos que estão dentro do salão são obrigados a beber o vegetal. Neste
sentido, todos “recebem” o Vegetal - Mestre, porém o único que tem a permissão de representar performaticamente o Mestre
Gabriel é o Mestre Dirigente (MD) da sessão.
166 O psiquiatra Wilson Gonzaga Costa, ex mestre da UDV descreve algo semelhante quando começa a receber chamadas
sem as conhecê-las: “Meu Deus do Céu, que coisa esquisita, da onde vem vindo essa música? Da onde vem vindo essa
sabedoria?”. E, apesar de estar vindo pela sua boca, a impressão que dá é que não é tua. Ou que é tua, mas não estava
acessível até um minuto atrás. E você percebe que aquela ferramenta veio exclusivamente para ser usada naquele momento ou
naquela oportunidade, para aquela finalidade” (2005). Disponível: http://www.bialabate.net/news/a-hoasca-na-recuperacao-
da-dignidade-humana. Acesso em: 25/02/2015.
167 A busca deste trabalho não é a discussão sobre como ocorre o processo de ligação com o Mestre Gabriel, mas entender o
contexto em que a música surge, sendo ela muitas vezes definida pelos sócios como “a palavra”, a mensagem do Mestre
Gabriel durante o ritual. Devido a isso há chamadas que possuem duas versões, aquela que somente Mestre Gabriel poderia
fazer (performar) e a outra atribuída aos discípulos.
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Na cosmologia da UDV a figura do mestre representa o grau hierárquico mais alto ao qual se
pode chegar dentro da instituição. É um ícone referencial de conduta e de desenvolvimento
espiritual. Para os adeptos que almejam prosperar e também alcançar essa posição é necessário
atender a algumas exigências. Dentre elas, ser um discípulo disposto a aprender e a transmitir
a doutrina. Segundo o M. Roberto evangelista (Mestre da Origem):
Outras exigências para se tornar mestre são: ser do gênero masculino, ter uma vida em
comunhão com uma mulher, ter capacidade de memorizar a História da Hoasca e algumas
chamadas. Neste sentido é uma doutrina que privilegia a transformação do ser através de uma
ordem hierárquica discriminatória, ou seja, se baseia no “nível” de desenvolvimento espiritual
do adepto atrelado ao “nível” de desenvolvimento moral (aqui entendido a partir de uma
perspectiva centrada em comportamentos convencionais e baseados em princípios da cultura
judaico-cristã). Este estatuto permite aceder a distintas categorias, cargos e funções ocupados
pelos adeptos dentro da UDV.
Para ascender na hierarquia como mestre é necessário ser designado/convocado por outros
mestres a qualquer tempo. Este mérito somente é atribuído àquele que passou por todos os
estágios doutrinários, isto é, recebeu todo o ensinamento espiritual atribuído a cada grau
hierárquico e absorveu-os como parte fundante da sua conduta. Estes graus hierárquicos estão
enunciados na seguinte tabela, de forma ascendente:
José Manuel Anes. 2004. Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. 1ª ed. És quilos – Ed e Multimídia Lda
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169 Depoimento disponível: http://blog.udv.org.br/mestre-roberto-evangelista-conta-sua-historia-na-udv/ Acesso
12/10/2015
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Figura 18 - Organogramas – grau hierárquico / referência espiritual
Assim como ocorre dentro do sistema ordenado da instituição, as informações que transitam
pela internet também são coordenadas pela hierarquia como também pelos grupos e listas on-
line direcionados apenas para os associados. Como em outros grupos, o núcleo português
possui um website ao qual somente membros autorizados (geralmente sócios) têm permissão
para acessar. Aí podem ser consultadas informações específicas de cada comunidade,
designadamente material administrativo, agendas de eventos e sessões, contatos dos membros
do grupo, estatutos da associação local, informativos voltados à saúde, entre outros. Neste
espaço, o que está aberto ao público são as conexão a outros websites vinculados à instituição,
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como: o website Novo Encanto 170 que é uma associação ambiental criada pela própria
instituição; o website oficial da UDV171; o Blog UDV e a UDV EUA. Boa parte dos membros
da UDV recorrem à ferramenta do googlegroups.com como meio de comunicação, no que
descrevem como a “lista”. Neste contexto, o sistema torna-se delimitado pelo assunto de
interesse o que remete às questões relacionadas à hierárquica, como exemplo, a de mestre e
conselheiro, uma vez que alguns postos administrativos são dispostos apenas para essas
instâncias. Segundo o Jornal Alto Falante (AF) 2011, de entre as listas restritas por assunto e
cargos estão: a do DMD, Deben (beneficência), Jurídico, DEMEC, Comunicação e Ensino
Religioso (RL). As listas abertas para cadastro mediante solicitação a um monitor local, são:
UDVPresidência, Manos, Novo Encanto, UDVSaúde, Plantio. Geralmente cada núcleo e
distribuição possui sua lista interna. Como descrito no AF, desde 2005 a instituição vem
buscando uma fórmula via on-line, para integrar dados informativos, cadastros pessoais de
todos os sócios e grupos (um censo) da UDV. Processo que está sendo concretizado por uma
plataforma intitulada REUNI – Núcleos em Rede, que em 2011 já contava com 150 núcleos
cadastrados e atualizados periodicamente. Nessa operação, os núcleos são integrados entre si e
com a Diretoria Geral (DG) que fornece de maneira rápida e eficaz a transmissão de
informações, agendamentos, cadastros pessoais a partir dos adventícios e estatísticas totais
referentes a toda a sociedade, formando uma grande rede de informação e controle.
Mediante este levantamento algumas das categorias (e graus) descritos, embora delimitem as
funções, também podem ser conjugadas tanto a nível administrativo material como
administrativo espiritual (como veremos mais à frente). Mas também o podem ser a nível
hierárquico (espiritual), administrativo (espiritual) e ainda funcional espiritual (esse atribuo a
função de MD). Por exemplo o MR (administração espiritual) pode estar contido na função de
MD (MR/MD) o que geralmente acontece. Do mesmo modo, o mestre que for eleito para
ocupar a função de MGR poder ser um MO que também durante o ritual pode realizar a
performance de MD, assim assomando 3 distinções (MO/MGR/MD). Outra conformação
pode ser atribuída mesmo aos não mestres como a um membro do CDC ou CI que durante o
170 Site da ONG Novo Encanto. Disponível em http://www.novoencanto.org.br/00/index.php Acesso em: 23 de dezembro
de 2015.
171 Site Oficial da UDV. Disponível em http://www.udv.org.br/ Acesso em: 20 de janeiro de 2015
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ritual pode performar a função de MD. Mesmo que no ensino doutrinário o discurso não
privilegie a ideia da incorporação do “material” por um espírito “imaterial”, é ininterrupta a
incorporação de papéis que continuamente se vão sobrepondo numa ação multi-performática.
Assim, dentro dessa “hierarquia espiritual” os papéis podem se assomar (QM+ MD; CI +
MD; CDC + MD – ver 1ª figura abaixo) quando também lhe são agregados/incorporados,
papéis administrativos (MR + QM + MD ou MGR+ MO + QM + MD) como visto na 2º
figura. Contudo, quando se é um mestre da origem (MO), além do grau administrativo
(MGR), relativo a espiritualidade (QM) e o de dirigente (MD), também “está contido” num
grau vitalício, o de merecimento172 (MO) por ter feito parte do início da instituição.
*
Figura 19 – Organogramas - interação dos graus e funções
É importante lembrar que a função de Mestre Dirigente (MD) – aquele que dirige a sessão - é
a única função que não necessariamente o discípulo precisa estar enquadrado como mestre. Se
achar necessário, o MR pode convidar (o MA escalar) para dirigir o ritual todo o discípulo que
tenha apreendido alguns dos passos básicos para tal função, o que revela que esse lugar
somente é exercido durante o ritual/dentro da sessão. Neste sentido, todos que dirigirem a
sessão simbolicamente “vestem a camisa”, configurando-se no papel representativo do Mestre
Gabriel173 e reconfigurando a hierarquia momentaneamente.
172 Segundo as entrevistas, esse termo é considerado pelos discípulos como algo correspondente a preceitos orientais que
justifica a situação de vida da pessoa (sendo ela boa ou não) a algo que está certo em acontecer, como o destino fixo e
inalterado. Algumas vezes pautado em ações anteriores cometidas pelo mesmo indivíduo em outra época.
173 Neste sentido, durante o texto, quando for necessário fazer qualquer referência ao discípulo que dirigiu a sessão,
primeiramente citarei o seu grau hierárquico para em seguida conjugar a sigla de MD (mestre dirigente). Exemplo: MR/MD
(Mestre Representante enquanto Mestre Dirigente); CDC/MD (Conselheiro enquanto Mestre Dirigente); CI/MD (discípulo
do Corpo Instrutivo enquanto MD).
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independente de gênero, língua, idade (desde que tenha mais de 12 anos de idade)174. Somente
quando é demonstrado ao mestre o que se aprendeu (concomitante com o tanto que investiu
– em responsabilidade - na instituição) é que o MR tem a capacidade de destacar o discípulo
para um outro grau (alterando o seu estatuto), geralmente para o nível de ensino logo acima
que é denominado CI (Corpo Instrutivo) e assim sucessivamente. Estes além das sessões de
escala (vide infra 4.2.2) participam de sessões apropriadas ao seu grau hierárquico. No entanto,
somente após uma longa jornada é que os homens chegam ao grau de mestre, e as mulheres
ao grau de conselheira (salvo Mestre Pequenina esposa do Mestre Gabriel que, segundo os
interlocutores, se tornou mestre pela necessidade do momento). Fator que aponta para mais
uma característica restritiva, que neste caso, é direcionado ao gênero feminino.
Mas, segundo o MO José Luiz, é o fator do querer que medeia o objetivo de subir na
hierarquia. Este querer envolve algumas questões, inclusive o livre arbítrio. Uma das formas
de querer é participar de todas as sessões direcionadas ao grau que se encontra, outra é
convivendo com a irmandade - colocando em prática o que aprendeu. Gradualmente, o
discípulo recebe os ensinamentos repassados oralmente durante o ritual e, segundo Fabiano,
estes só podem ser transmitidos dentro da sessão religiosa (2012: 174). No entanto, histórias
de cunho moral e discussões sobre algum assunto que circulou durante a cerimônia são
realizados entre os participantes. Se ainda, fora da sessão, houver a possibilidade de conversar
com algum MO é possível absorver alguma lição por ele esclarecida. É importante frisar que
assim como no caso das chamadas, há histórias que são reservadas apenas aos graus
hierárquicos mais altos. Segundo a antropóloga Sandra Goulart:
Na situação do grupo português, cuja distância dos centros de circulação dos MO e mestres
mais antigos dificulta o contato pessoal, qualquer oportunidade de aprendizagem é bem vinda.
174 Segundo Fabiano apenas houve um caso de associação de uma criança de 6 anos, amigo dos filhos do Mestre Gabriel.
Wilson recebeu uma cura do M. Gabriel (2012: 97).
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Neste sentido, mesmo que o ensino não seja enfatizado fora das sessões, há uma certa troca
de saberes entre os discípulos seja em momentos sociais ou por meio tecnológico: telefone,
internet, mensagens digitais, e quando necessário através dos CDs gravados pelos antigos
mestres. Assim, segundo Rosa Melo (2013: 02), todo o contato efetuado tende a um forte
comportamento religioso que requer cotidianamente a auto-retificação assim como a correção
feita por outros discípulos. Essa rotina ‘educativa’ pode ser vista como sendo potenciadora
“de transformação e organização do comportamento individual” (Melo 2013: 02). A
transformação comportamental torna-se visível primeiramente através da forma de se usar as
palavras e também pelas ações.
A memória é o fator preponderante para que o discípulo ascenda neste caminho. Quanto mais
ele memorizar e recordar os ensinamentos recebidos, em especial durante as sessões, melhor
será avaliado pelos outros membros, principalmente pelos membros da direção. De uma
forma geral ter memória para ascender na hierarquia compreende:
- compreender o significado contextual em que cada evento acima citado foi criado e
para que ele vem servir, isto é, entender o que esses contextos trazem;
- explicar “parte por parte” de cada chamada e história, isto é, saber discernir sobre cada
chave que compõe esses elementos. As chaves são designações dadas a cada verso ou
estrofe contido numa chamada ou parte de uma história. Segundo observado, em cada
verso, geralmente se “esconde” um significado descoberto somente após uma
pergunta, e mediante o grau do “perguntador” é passível de resposta ou não (caso ele
ainda não tenha grau suficiente para a compreender). O MD funciona como um
tradutor que revela (condicionado ao grau dos “alunos-receptores”) o significado, o
simbolismo, a história por traz de cada sílaba, palavra, verso, estrofe, ou mesmo de
cada tema. No entanto, o grau de entendimento do MD baliza-se no quanto ele
aprendeu com os mentores (mestres que o ensinaram) e o seu próprio discernimento
quanto ao que aprendeu. De forma a cercear este processo existe uma atenção
especial sobre o modo como o mestre se mantém fiel aos princípios da doutrina.
Assim, a interpretação pessoal diz muito sobre o “grau” de memória que o discípulo
vai adquirindo. Afinal, como nos lembra Umberto Eco, há uma intencionalidade um
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código por detrás da obra, mas é o leitor (no caso o escutador) que a interpela, pois
existe nela inúmeras leituras (Eco 1962).
M ESTRE D IRIGENTE
Independentemente do grau hierárquico e gênero, todos os indivíduos inseridos no contexto
udevista estão em constante aprendizagem, uns com os outros. Mas é na função de MD, que
esse papel se torna mais evidente. Ao contrário do que acontece com o lugar ocupado pelo
Mestre de Origem que é vitalício, o Mestre Dirigente tem um lugar fugaz que pode acontecer
apenas durante uma sessão. Neste sentido, quase todos os discípulos podem passar pelo
“papel de mestres”, mesmo que seja por um momento equivalente a 4h e 15 minutos relativos
à sessão. Para ocupar este lugar é necessário conhecer a sequencialidade das partes de cada
sessão e os seus conteúdos. As ações dispostas dentro da sessão fazem parte de um
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Por vezes o discípulo é escolhido para MD minutos antes do início da sessão, o que pode
gerar, para os menos habituados ou mesmo para quem nunca dirigiu uma sessão, um inicial
momento de temor. Mas que é - pelo menos tenta ser - minimizado após a ingestão do
Vegetal e sobretudo após a burracheira. No quadro ritualístico espera-se que após a burracheira
“haja a ligação” com M. Gabriel e ele também auxilie na sessão No entanto, o MR, mesmo
não presente na sessão, é quem escolhe o MD (neste caso enviando o convite
antecipadamente). Outra função que cabe exclusivamente ao MR é a escolha do fonograma
que toca durante a sessão. Ele pode não estar como MD, mas enquanto estiver no salão é a
maior autoridade, pelo que quem estiver no papel de MD sempre lhe perguntará se pode
executar um fonograma.
Mesmo que o cargo de MD não seja necessariamente fixo, tem caráter normativo e é o meio
principal que media toda a doutrina no contexto ritual. É o “lugar” mais importante no
processo de aprendizagem dentro do ritual. Na UDV, pode ser atribuído o lugar de MD a
todo associado que o MR perceba ser capaz de seguir a sequencialidade do rito, ou seja, ser
capaz de recordar pelo menos as chamadas de abertura e de fechamento e entender a doutrina
de acordo com os seus princípios fundacionais. Desde que o grau do sócio não esteja abaixo
do grau de Corpo Instrutivo todos os membros podem aceder ao grau de Mestre Dirigente,
incluindo as mulheres.
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M ULHERES NA HIERARQUIA
O papel do género no quadro da UDV está filtrado por um conjunto de princípios que ao
mesmo tempo que lhe atribuem lugares exclusivos na hierarquia vedam, contudo, o acesso a
outros. A mulher, por principio, nunca pode ser mestre ao mesmo tempo que um homem
nunca pode ser Organ (ver tabela 11). Enquanto o mestre é um lugar estatuariamente
vinculado ao espiritual o Organ é, por sua vez, uma função prática de regulação do espaço e
do grupo.
Após a minha primeira sessão na UDV- Espanha, ao perguntar sobre o papel das mulheres na
hierarquia Udevista, Gabriel membro do CI, informou que elas também poderiam alcançar o
lugar de mestre. Mostrou-me então, de entre as fotos dos mestres penduradas na parede, a
foto da “mestre” Raimunda Ferreira da Costa, conhecida como M. Pequenina (nascida em
1928) esposa do fundador Mestre Gabriel. Como somente havia a foto de uma única mulher,
passei a compreender que a hierarquia era algo extremamente metódico, inclusive, por ter
passado quase 50 anos da graduação da M. Pequenina, e ainda não haver outra “mestre” no
mesmo grau175.
*
Figura 20 – MO. destaque M. Pequenina UDV- Espanha 09/01/2010 foto minha autoria.
Outra menção ao assunto, ocorreu na manhã do dia seguinte, dia 10 de janeiro de 2010,
quando o MR (MD da sessão) M. Miguel em tom humorado fala sobre o desafio das mulheres
se um dia se tornassem mestres, pois possuem suas próprias “regras”, ressaltando a mudança
175 Situação não continuada em algumas dissidências da UDV, como é o caso do CDI-Luz do Vegetal (Centro do
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no temperamento. De acordo com o seu testemunho esta caraterística pode gerar inconstância
nos afazeres necessários para manter o núcleo, pois segundo ele, “precisam de tempo para
cuidar de si, da casa e dos filhos”. Em resposta à minha postura interrogativa, responde de
uma forma mais séria enfatizando as necessidades estruturais dos núcleos que
esporadicamente passam por reparos (no telhado, na pintura das paredes, etc.). Complementa:
“serviço pesado que não serve para a mulher que é mais delicada”.
Thiago (há mais de 10 anos na instituição) escuta a conversa e delicadamente introduz o seu
raciocínio, cobrindo de adjetivos a figura feminina: “a mulher é como se fosse o 'timão', a
'guia', 'a direção'. O homem (figurado pelo barco) sem a mulher (figurada pelo Leme) fica à
deriva e sem caminho”. Após essa explicação, M. Miguel completa elogiando as sessões
ministradas por mulheres por serem “bonitas e especiais”. Segundo essas narrativas, o papel
da mulher é o de ser conselheira, de aconselhar a todos, mas sobretudo o de aconselhar o
mestre (principalmente se esse for o seu marido/companheiro). Segundo o M. Miguel, sem
essa relação de confiança é mais complicado o mestre avançar. Assim, ressalta que não existe
hierarquia, que ambos estão no mesmo patamar de importância, ou mesmo, completa Thiago,
todos (Mestre, Conselheira, e Associados) têm a mesma importância. Em Portugal, presenciei
semelhante raciocínio vindo do MR Caburé. Já em Rondônia, num preparo realizado em
19/05/2011 um dos associados do Núcleo Mestre Gabriel disse-me que a mulher pode
alcançar o grau de mestre na compreensão, mas não pela estrela da camisa (símbolo bordado na
camisa, referente ao grau de mestre).
Em Porto Velho/Rondónia, ao conversar com o Mestre JE, percebi que na época do Mestre
Gabriel a hierarquia existente era diferente da atual. Segundo JE, primeiro foi criado o corpo
instrutivo (CI), mas após o Mestre perceber que nem todos acompanhavam os ensinamentos
que ele transmitia, criou o Corpo do Conselho (CDC). Esse grau era superior ao grau de
mestre, uma vez que primeiramente se recebia a estrela (de mestre) e somente depois (e se
fosse o caso) se recebia o grau de conselheiro. Assim, houve alguns (homens) que não
chegaram a ser mestres porque eram melhores para aconselhar, como também, mestres que
nunca poderiam ser conselheiros, pois eram eficientes como mestres. Descreve que Mestre
Gabriel chegou a dizer que criaria o Corpo Instrutivo Especial e de entre os seus discípulos
haveria quem entrasse e também os que ficariam de fora, mas ele não teve tempo para criá-lo.
Este processo parece ser hermético e exclusivo do universo masculino. No entanto deixou em
aberto a possibilidade de Mestre Pequenina ter efetivamente acedido a um lugar
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aparentemente inacessível para uma mulher. A ascensão a este lugar foi atribuída pelo próprio
Mestre Gabriel que pouco tempo antes de morrer terá revertido a sua decisão a partir de uma
espécie de “entendimento do tempo da mulher”, conforme o Mestre Miguel. Após o
falecimento do Mestre Gabriel os MOs reverteram de novo esta situação Permanecendo
Pequenina como mestre até hoje.
Mário de Andrade em uma das suas abordagens sobre a etnografia do ritual, descreve o papel
da mulher nos rituais de catimbó, verificando o seu lugar de subalternidade. Em suas palavras:
Sua descrição revela que em rituais ameríndios o protagonismo da mulher estava em segundo
plano, mas quando o sistema de “grau” surgiu na UDV a primeira seleção, (segundo agenda
2014) trazia M. Pequenina como uma das merecedoras, porém a única até ao momento.
Ogã é um termo usado em rituais afro-brasileiros dos quais Mestre Gabriel também participou
tendo ele próprio ocupado o papel de Ogã e pai do terreiro. Segundo Martins & Peres a
palavra Ogã vem do Ioruba (ògá) e quer dizer “pessoa superior, chefe dirigente” (2015: 119).
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ICONICIDADE
A UDV, tal como todas as formas de representação religiosa, utiliza um conjunto de
elementos icónicos como forma de se representar simbolicamente. Esses elementos incluem,
neste caso, uma forma particular de vestir durante o ritual (uniforme), a bandeira, o hino, as
efemérides e o disco.
O guia de instrução para a confecção do uniforme foi publicado pela primeira vez em 1993 e
atualizado em 2003. Inclui um CD com programas de máquinas de bordar de forma a
regulamentar todas as normas para a confecção dos uniformes usados somente em sessão. As
cores oficiais do uniforme segundo artigo 2º do manual são: verde bandeira, amarelo ouro,
azul celeste e branco. As cores das camisas e principalmente o emblema dos bolsos mudam
conforme a hierarquia do discípulo. Aos homens são estipuladas como vestimenta camisa
verde bandeira ou azul celeste dependendo do grau, calça, meia e sapatos brancos. As
mulheres somente vestem camisa verde bandeira e calça ou saia (compridos) amarelo ouro,
meias e sapatos brancos. Além das cores das camisas há o bordado nos bolsos e ombros,
representando e discriminando cada grau hierárquico. A camisa azul é usada por todos os
mestres que exercem alguma função, seja administrativa seja espiritual, excluindo os mestres
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que somente são discípulos e os Mestres Assistentes. Essa discriminação revela a hierarquia
dentro do próprio quadro de Mestre (QM).
*
Figura 21 – Camisa de Mestre Geral Represente – MGR
Embora o uniforme tenha sido criado como forma de diluir as diferenças sociais expressas
nos modos de vestir dos discípulos, por outro lado, de acordo com o manual (2003), ele é um
marcador de hierarquias: “ao longo dos anos, com a criação de novos lugares ligados à
espiritualidade dentro da UDV, podemos perceber através do uniforme, a hierarquia expressa
numa imagem de ordem e harmonia”.
176 Alguns elementos como a estrela de 5 pontas, as cores amarela, azul e verde característico tanto do vestuário como da
bandeira da UDV também podem ser encontrados na bandeira do estado de Rondônia. Sobre a implementação da bandeira e
brasão de Rondônia ver em Valdir Souza (2011: 180).
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Ele também revela que a partir da divulgação da bandeira oficial surgiu a necessidade de um
Hino à Bandeira. M. Belmonte esclarece que foram apresentados 2 hinos177:
O do Mestre Nonato foi o aprovado. Ele apresentou letra e melodia, mas o ritmo
era parecido com uma chamada. Então o Mestre Nonato pediu que eu fizesse uma
gravação, pois eu era músico e eu pedi autorização para fazer de um modo mais
ritmado. Assim, foi feita a primeira gravação, sendo que a letra e melodia são do
Nonato e o ritmo foi colocado por mim, com um tom mais de hino e menos de
chamada. A parte que hoje se canta como "ô,ô, ô" era, originariamente, um solo que
eu fazia na guitarra. Esse solo eu ouvi na burracheira e coloquei na guitarra. As
pessoas gostaram e passou a ficar como que incorporado ao Hino (Belmonte 2011
– narrativa musincante).
*
Figura 22 - Bandeiras de Portugal e UDV - PT (dia comemorativo) / foto: minha autoria
Este procedimento é realizado sempre que se festejam efemérides importantes para a UDV.
São disso exemplo o dia 06 de janeiro (dia de Reis)178, 10 de fevereiro (aniversário do Mestre
Gabriel), 27 de março (ressureição do Mestre Gabriel que coincide, segundo a UDV a
ressurreição de Jesus Cristo), 22 de julho (aniversário da UDV dia de sua recriação) e 1º de
177 Contudo, o outro hino (segundo o M. Belmonte) foi atribuído ao M. Gabriel pela sugestão do M. Nonato, essa
homenagem denominou-o por Hino ao Mestre Gabriel (inspiração de C. Guilhermo) (descrição musincante 22/08/2011).
178 Segundo Eliade (2010: 148), assim como o judaísmo historicisou as festas sazonais e eventos importantes da história de
Israel, os padres cristianizaram os símbolos e ritos asiânicos e mediterrâneos relacionando-os a uma história sacra. De uma
forma própria alguns símbolos e ritos instituídos pelo catolicismo popular foram absorvidos e tornaram-se parte da doutrina
udevista.
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Em dias festivos, e em frente à bandeira hasteada, ao meio dia em ponto 179 , todos os
discípulos presentes cantam em voz alta o hino da União do Vegetal. O hino também pode
ser escutado através do fonograma durante a sessão que ocorre na mesma data. Quando essa
escuta ocorre, diferentemente da performance anterior, geralmente não é usual os discípulos
acompanharem as letras cantando e em pé.
179Nos dias comemorativos, esporadicamente na UDV-PT, é comum realizarem um almoço comemorativo convidando os
discípulos, assim como os seus amigos e familiares. Logo à noite no horário habitual (das 20:00 as 24:15) é realizada uma
sessão considerada sessão anual/extra.
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*
Figura 23 - Hino a Bandeira da UDV / letra e partitura. Transcrição melódica e poética de autoria do interlocutor
e etnomusicólogo Alexsander Duarte a partir de um fonograma disponível pela UDV.
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ARQUIVOS DE SABERES
No contexto udevista, a memória é um dos fatores de maior protagonismo. É na constante
repetição da doutrina que se busca fixá-la a fim de rememorar futuramente os ensinamentos
para os reproduzir. Quanto maior for a capacidade de memorização de um indivíduo maior
será o seu estatuto na hierarquia. Para que o processo de memorização ocorra recorre-se a
repositórios documentais e orais (como descrito nos tópicos anteriores), onde se incluem os
fonogramas. Na verdade, os fonogramas articulam estes dois requisitos pois ao mesmo tempo
que constituem um documento físico ou digital incluem também uma mensagem estética e
ética que, essa sim, deve estar guardada na memória dos discípulos que a ela recorrem sempre
que entenderem necessário. A versatilidade com que invocam determinado fonograma e o
associam a uma mensagem ética ou religiosa, é particularmente reconhecida entre os
discípulos.
Estes arquivos têm vindo a ser construídos ao longo do tempo através de camadas de
conhecimento que são acrescentadas pelos Mestres de Origem – contemporâneos do Mestre
Gabriel - que formam o Conselho da Recordação dos Ensinos do Mestre Gabriel (CREMG).
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Este Conselho é representado atualmente por 8 Mestres de Origem, com função vitalícia (v.
apêndice I). Tem a responsabilidade de impedir que o legado deixado pelo fundador se altere e
de o transmitir às futuras gerações. De acordo com a doutrina, os discípulos que alcançam os
graus mais elevados, são vistos como portadores dos princípios fundamentais da UDV
definidos por Caiano (o primeiro Hoasqueiro) que ao receber o chá misterioso das mãos de
Salomão (o rei de toda a Ciência) terá conhecido “os encantos da natureza” onde reside a
“sabedoria divina”.
Somente pessoas autorizadas pelo mestre (geralmente sócios responsáveis pelo DMD) podem gravar as sessões.
180
Em entrevista ao programa Ervas e Plantas realizado em 2009, M. Florêncio narra uma parte de sua trajetória de vida
181
como seringueiro e enfatiza o seu iletrismo. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=B8fxWSvPhes. Acesso em:
160
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Segundo divulgado pelos discípulos, Mestre Gabriel alertava que somente com a união dos
mestres existiria a União do Vegetal. Portanto, sendo a União a palavra base da doutrina,
quando tais saberes são dispostos para análise reflexiva (seja em específicas reuniões ou em
sessão) é onde tendências individuais são conectadas, formando uma coletividade
representativa das múltiplas inteligências - como as inter e intra-pessoais (Gardner 1996) como
também as existenciais (Tupper 2002; Shanon 1998). Portanto, ao longo do tempo, a
completude dessas expressões foi sendo destacada e anexada no arcabouço da organização.
O CREMG apesar da sua referência enquanto local onde decorre a troca de saberes e a
rememoração do conhecimento, terá uma duração equivalente à vida dos Mestres que o
compõem. Nesse sentido, a necessidade de registrar os saberes dos MO vem crescendo. Em
2013, foi iniciado, em colaboração com M. Pequenina, uma sequência de vídeos (como listado
na tabela abaixo) denominada “Arquivo da Categoria ‘Mestre de Origem’182. Assim como
ocorreu com as gravações do Mestre Gabriel, dentro de pouco tempo o acesso aos MO só
será possível através da documentação gravada em suportes digitais. Nesse sentido, esse
repositório vem sendo construído a fim de preservar a memória “original” do grupo.
182 O blog oficial da UDV vem apresentando o trajeto de vida dos MOs através das narrativas dos mestres que os
conheceram (2ª geração) como através dos vídeos realizados com os próprios. Disponível:
http://blog.udv.org.br/category/mestres-da-origem-2/ acesso em 28/02/2016.
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s
04/03/201 Braga https://www.youtube.com/watch?v=4_WkPK95- 6:28 13.652 209/0
5 XE
08/10/2015 Roberto https://www.youtube.com/watch?v=P66fWHhxpsk 12:1 7.980 152/3
Evangelist 3
a
Tabela 13 – Endereço de vídeos “Categoria Mestres de Origem” e nº de acessos até 28/02/2016.
R EPOSITÓRIO DOCUMENTAL
O Repositório documental consiste em todo e qualquer documento produzido oficialmente
pela sociedade. Estes documentos podem ser de 3 tipos: (1) documentos relativos à
apresentação da UDV para o exterior e divulgados a nível global (jornais, livros, site e blog
oficial, vídeos de eventos e de entrevistas); (2) documentos exclusivamente divulgados no
seio da UDV (manuais, guias, cartilhas, documentos oficiais produzidos pela Sede Geral e o
Regimento Interno); (3) documentos produzidos a nível local como fotos, relatórios internos,
circulares informativas produzidas a cada trimestre. Estes últimos são concebidos e arquivados
por um sócio responsável pelo Departamento de Memória e Documentação – DMD – que
habitualmente documenta cada sessão.
Os documentos exclusivamente divulgados no seio da UDV são enviados aos grupos para
informar os discípulos sobre situações comuns na UDV internacional como demonstrativo
fiscal, informações sobre ascensão hierárquica para MR, transferência ou afastamento de
algum discípulo, doença, pedido de auxílio, campanhas beneficentes, etc. Esporadicamente
esses documentos são lidos por uma única pessoa ao final da sessão, na hora dos assuntos
burocráticos183, mantendo o sistema “boca-ouvido”.
Já o Regimento Interno é o documento mais importante para a sociedade. É composto por vários
documentos de entre os quais se incluem o Regimento (organizado em capítulos e artigos) e
diversos Boletins da Consciência que versam sobre aspetos fundamentais de conduta como
fidelidade, organização, firmeza, reforma, etc. Inclui ainda a Convicção do Mestre, ou seja, um
artigo publicado num jornal de Rondônia em 1967 descrevendo a prisão do Mestre Gabriel, e
um texto acróstico designado por Mistérios do Vegetal. É lido no início da sessão principalmente
183 Esses documentos são uma espécie de circular oral enviada pela Sede Geral que informa, deixa recados e avisos a toda a
sociedade em escala mundial quase ao mesmo tempo, numa leitura breve de 2 a 3 minutos. No caso local, a leitura é realizada
pela Conselheira Sabiá que é a 1ª secretária da UDV na Europa, quando se dirige ao imaginado “palco”.
162
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na de escala (vide infra) por um sócio que se encontra junta à mesa. A leitura é realizada no
momento entre fase, ou seja, no momento que medeia o estado ordinário para o estado extra-
ordinário ao qual se acede através da burracheira. Por esta razão, a leitura do Regimento Interno é
bastante desafiante, tanto para concentração de quem ouve como para a coordenação de
quem lê.
R EPOSITÓRIO ORAL
A transmissão de conhecimento dentro de uma sessão da União do Vegetal é eminentemente
oral. Todo o processo de transferência de saberes é desenvolvido através da escuta de
documentação lida, da performance da chamada e da reprodução de fonogramas (as diferentes
ferramentas) seguido da sua posterior análise e questionamento. Observei que as práticas do
uso de fonogramas e da leitura de textos estabelecem uma relação emissor-receptor indireta,
isto é, o diálogo ocorrente não é mais realizado no mesmo plano de tempo, nem de espaço e
muito menos de interação. Há uma alteração temporal na qual o receptor se encontra no
presente e o emissor no passado.
184 A moral é relacionada com uma moral familiar que valoriza a monogamia e a constância, assim é imputada a “noção de
caminho reto” para haver a evolução espiritual como também a evolução de grau dentro da instituição (Melo 2010: 37).
Segundo M. Jorge Elage, com a expansão virou regra ser casado para alcançar o grau de conselheiro e, caso haja separação
entre os cônjuges novamente o discípulo volta para os graus inferiores.
185 Sobre o Regimento Interno ver Melo (2010: 107-111) e Fabiano (2012: 141-144).
163
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*
Figura 24 – Modelo triangular de comunicação – emissor/receptor/intermediário.
Gravações/fontes primárias
- A Palavra do Mestre Gabriel (discussões, reflexões e explicações sobre uma dada história,
chamada, ou questões que envolvem a doutrina, das quais a voz do Mestre Gabriel
protagoniza);
164
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Estes 07 CDs186 resultam da transferência do suporte original em fita cassete para o CD, com
o objetivo de preservação e fácil distribuição entre os mestres. De acordo com Marcelo Lima,
são aproximadamente 15 as fitas cassetes editadas por assunto:
01. Fita com a História da Hoasca gravada pelo m. Adamir (História Completa);
02. Fita com a gravação que fala sobre a "Paz no Mundo", que tem a chamada do "Jardim das Flores" e
fala sobre o disco do Pequeno Príncipe;
03. Fita de 90 min com a gravação da sessão onde o Mestre Gabriel fez o "Rosário de Chamadas";
04. Fita com a História da Hoasca em que m. Paixão faz algumas chamadas;
06. Fita com a História da Hoasca onde o MG faz a chamada do "Rei dos Chefes";
07. Fita com a História da Hoasca onde o MG faz a chamada “Guarnição Divina”;
08. Fita de 60 min. - gravação das "Coisinhas Sem Importância" e chamada "Mistérios do Vegetal";
09. Fita com uma sessão de acerto com diversos mestres antigos;
10. Fita com uma sessão de acerto específica com um mestre antigo;
11. Fita com outra sessão de acerto específica com outro mestre antigo;
12. Fita com a gravação sobre a "Pureza"
13. Fita com a gravação da "palavra é quem traz tudo"
14. Fita com gravações diversas.
Apesar dos mestres terem esse acesso, somente o MR é quem tem a responsabilidade de
colocá-los dentro da sessão.
Não somente o conteúdo do ensinamento é repassado através desse material, mas a forma de
realizá-lo, tendo na voz um importante aliado nesse processo. De acordo com Sekeff e
Schafer o som que a voz emite, a sua entoação, duração, altura, intensidade, sotaque, dicção, o
timbre, entre outras características, trazem um saber (muitas vezes) imensurável, submerso
pelo tangível, pela própria sonoridade que o revela. De qualquer forma (com conhecimento ou
não da sua potencialidade) a voz emitida tem a capacidade de envolver o ouvinte e lhe passar a
emoção no momento em que ocorreu a ação, a voz é o espelho do interior do homem. Se pela
fala comunicamos pensamentos e ideias, por outros indícios contidos na voz como tom,
velocidade, timbre, todas as nuances que acompanham o que está sendo dito, é possível
apreender uma série de outras informações (emocionais, subjetivas) a respeito de quem está
falando ou cantando. Daí, a importância da voz, considerada por Schafer uma espécie de
impressão vocal de cada pessoa, capaz de revelar o não-dito a respeito de cada um (2001: 54).
No mesmo sentido, para Zumthor (2007) a voz não é sinônimo direto de oralidade, uma vez
que transpõe os limites da fala enquanto sistema de discurso comunicativo.
Neste sentido, pode-se entender a vozes tanto do Mestre Gabriel como dos seus conterrâneos
de uma forma metaforizada (Zamith 2008) que como um espelho reflete e transmite emoções
186 Esse meio de reprodução e gravação também era usado como um tipo de áudio correspondência ao remetente.
165
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Fonogramas
Outro tipo de repositório de áudio empregue dentro do ritual é o fonograma comercial que
pode ser musical ou não musical. Introduzido em meados de 1960 via LP, foi responsável por
uma nova maneira de entender o arquivamento dos saberes doutrinários, porém, não somente
da doutrina, mas das memórias emocionais atribuídas à doutrina. Segundo os meus
colaboradores, os FM selecionados e aplicados em sessão pelo próprio Mestre Gabriel são
percebidos hoje como importantes repositórios simbólicos. Estes recebem um estatuto de
maior consideração dentro do salão do vegetal e são repassados geração após geração
juntamente com possíveis interpretações feitas pelo MR sobre o assunto relacionado. No
apêndice V estão listados cerca de 141 fonogramas que constituem parte do repositório
original selecionado pelo Mestre Gabriel.
Por não haver recomendações a partir da Sede Geral sobre a quantidade de FMs selecionados
com a finalidade de performance durante as sessões, é diário o acréscimo de novos elementos
por parte dos mestres representantes (MR) de cada grupo. Atualmente existem várias coleções
desses arquivos sonoros (de variado estilo musical) disponíveis para uso dos MR’s. Segundo
estimativa feita por M. Jorge Elage, em média há a ocorrência de aproximadamente 3 a 4 FM
reproduzidos por sessão – sendo que em alguns casos podem ser reproduzidos 7 fonogramas
e noutros nenhum. Grande parte dos mestres da UDV possui arquivos com centenas de
fonogramas anteriormente selecionado também por outros discípulos, dos quais apenas uma
pequena parcela é selecionada para avaliação pessoal com objetivo de ser aplicado durante o
ritual. Este processo de seleção feito dentro do arquivo aceite para tocar em sessão é
delimitado graças à seleção estética do MR. Nesse sentido, com uma preocupação em saber
quantos fonogramas são atualmente empregues em sessão há um grupo na Sede Geral que
vem catalogando os milhares de fonogramas espalhados entre os diferentes grupos da UDV.
Trata-se de um processo permanentemente inacabado uma vez que todos os dias os diferentes
mestres acrescentam algo ao seu repositório pessoal.
166
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parte decorre de CDs presenteados. Nos fonogramas dessa coletânea - também transposto em
arquivo sonoro (como MP3 e instalado em suportes como em CDs 187 , pen drive e
computador) - há os que são veiculados pela indústria fonográfica e outros que foram
compostos por discípulos da própria UDV. Durante a sessão, M. Caburé tem à disposição,
além do seu arquivo pessoal, um catálogo intitulado “Catálogo Musical/ Cantadas/
Alfabética” com 130 páginas impresso em papel A4 onde se encontram 4.994 fonogramas
arquivados tanto no computador instalado no Salão do Vegetal, como também em 10 DVDs,
cada qual com 500 fonogramas. No repositório em papel, cada fonograma está classificado
pelo título disposto em ordem alfabética, número da faixa, “nome do cantor” e o “tipo”, isto
é, a categoria musical em que ele se enquadra. Os estilos subscritos nesse repertório estão
categorizados da seguinte forma: MPB, Canção, Cantoria, Sertaneja, Forró, Repentista,
Coco, Gospel, Samba, Rock, Brega, Reggae, Gaúcha, Rasqueado, Capoeira, Regional,
Clássico, Falada e ultimamente fado. Segundo C. Sábia, esse material foi deixado pelo
primeiro MR do grupo português procedente de um núcleo de Fortaleza/BR, sendo
considerado parte do patrimônio do grupo.
Nesse material há um espaço denominado por “tema” para colocar observações relativas à
função atribuída à determinado fonograma. Porém, o espaço foi preenchido apenas três vezes,
indicando um gosto pessoal através do termo “Bonita”. Todavia, observo que essa designação
por gosto foi substituída pelos círculos no entorno da numeração estabelecida antes do título
dos fonogramas, demarcando a preferência estética do manuseador do catálogo (v. fig abaixo).
187 Estes compilados em vários CDs dispostos num estojo porta CDs que ocupa 1/3 da bagagem do M. Caburé.
167
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*
Figura 25 – Relação de fonogramas – Catálogo UDV-PT.
A partir desse catálogo, faço uma prévia análise após averiguar às demarcações, ao presumir
que os círculos foram feitos com a finalidade de expor as seleções pessoais do MR na época
inicial da UDV-PT. As categorias musicais de maior preferência foram: 1º para “Canção”
(com 17 selecionadas); 2º para “Forró” (com 11 selecionadas); 3º para “MPB” (com 10
selecionadas); 4º para “Sertanejo” (com 9 selecionadas); 5º para “Samba” (com 4
selecionadas); 6º para “Rock” e “Brega” (com 2 selecionadas para cada); e por fim a
“Gospel”(com 1 selecionada).
Após esse exame, percebo que a atribuição de “tipo” (categoria) a determinados FMs, algumas
vezes não é enquadrado no mesmo patamar estabelecido pela indústria fonográfica. Isto é,
enquanto no catálogo o FM pode ser avaliado como “Sertanejo”, na web ou mesmo no site do
artista pode estar designado por MPB. Esta assincronia ocorre geralmente com as categorias
168
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Observo que não somente o texto tem privilégio em relação à música quando na seleção de
um determinado tema musical interpretado por vários artistas, o discípulo escolhe tanto o
cantor como a categoria que lhe agrada, como exemplificado nos exemplos a seguir.
No DVD 7, o exemplo indica um mesmo título e texto, mas tanto os interpretes como a
categoria difere.
No DVD 8 igualmente como o critério acima mencionado os dois FMs são igualmente
designados (título e categoria), mas a designação forró fica a cargo do autor do catálogo, uma
vez que a descrição na web indica “outros” ou “música brasileira”.
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De acordo com M. Caburé 190 (MR), não é habitual recorrer a pré-seleções de fonogramas antes
do ritual. Assim como ele, outros mestres mencionam ser de fato no momento da sessão o
melhor momento para escolher qual dos seus fonogramas reproduzir. O momento é que
decide qual função o fonograma deve cumprir, ou como doutrina ou como, segundo C. Rita,
“refresco”. M. Caburé (MR) menciona que antes da sua adesão à doutrina, não tinha o hábito
de escutar e muito menos de examinar as letras e as melodias das canções. Esta prática veio
intensificando-se à medida que ascendia na hierarquia. Assim, parte do seu tempo era
dedicado à pesquisa e análise de arquivos sonoros de forma a poder dar resposta às exigências
dos rituais através da seleção da faixa adequada para cada momento.
Num dos depoimentos concedidos pelo interlocutor Pisco (UDV-PT), sobre a sua empatia
estética com os fonogramas reproduzidos em sessão, (por e-mail) descreve:
190 Depoimento concedido após uma sessão anual na UDV-PT dia 10 Fevereiro de 2010, aniversário do Mestre Gabriel.
170
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Bom, como você deve saber, houve um Mestre brasileiro na direção da sessão e ele
até tentou colocar algumas músicas mas, curiosamente, o leitor de CDs não
conseguiu ler a maior parte delas … :) Mas teve uma música que ele colocou que
não sei o nome mas é assim: começa com um sólo de violão flamenco (espanhol) e
depois desanda p’ra um xote (ou xaxado, sei lá) arretado, daqueles. Lembro-me dela
porque não gostei porque são estilos muito distantes (a mesma canção) e eu sinto
que aquilo me “quebrou a onda” de uma forma que perdi a concentração e não fui
capaz de curtir nem a melodia, nem a letra nem qualquer energia. É como se eu
tivesse sido colocado no vagão de um trem viajando no meio de uma paisagem
maravilhosa que, de repente, faz uma curva de 90º sem qualquer aviso, que me
jogou no chão e eu já não consegui voltar para a janela …Espero ter ajudado
(18/11/13 via e-mail – PT).
No cenário descrito por Pisco subentende-se que a “falha” na sua interlocução com a música
possivelmente atribui-se a algo que vai além de um mero problema técnico. Algo que, segundo
os interlocutores, está voltado ao merecimento dos participantes, isto é, a um tipo de
(dependendo de como se observa) castigo ou bênção, algo que está certo em acontecer, à luz
da própria doutrina. Outro elemento visível no discurso de Pisco (que também é músico) foi o
seu incômodo na audição de um fonograma que reunia numa única canção estilos musicais,
segundo ele, totalmente distintos. Nas audições durante as sessões realizadas na UDV-PT,
ouvir estilos distintos dentro de uma mesma sessão é uma constante sobretudo para ir ao
encontro da própria diversidade cultural dos discípulos presentes. A própria sede instiga a
adequação do repertório selecionado ao país onde a UDV se implanta (cf. Aracuã, 2010 entr).
Esse procedimento faz emergir as recomendações, segundo M. Jorge Elage, deixadas pelo
Mestre Gabriel, segundo as quais onde quer que a doutrina se aporte, é necessário “falar a
linguagem do caboclo”.
Desse modo, a UDV-PT parece realizar dois processos, por um lado, realiza a partilha de
repertórios musicais comuns à sociedade global amplamente difundidos pela internet o que
revela traços de uma comunidade emocional (Maffesoli 1998), por outro, mostra sinais de
glocalização191 (Wellman & Hampton 1999), adotando um repertório vernacular. Neste sentido,
cada núcleo tende a confeccionar e a catalogar o seu próprio arquivo musical. Arquivo que
tende a ampliar-se mediante o empenho do MR em estudar novos repertórios musicais.
Situação que vem contribuir para a alteridade entre os núcleos, mediante a liberdade da
escolha musical vinculada à influência de cada mestre e território.
191Glocalização refere-se a combinação de atividades globais e locais. É localizar o mundo e mundializar o local difundido
pelo crescente uso da tecnologia, especialmente pelo ascensão do “individualismo em rede” a partir do da internet.
171
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*
Figura 26 – CD Portugal Caianinho 2009 - UDV-PT – produção caseira - arquivo particular C. Sabiá.
*
Figura 27 – CD Dias das Mães – 2010 – arquivo particular C. Sabiá.
A antropóloga Bia Labate ao ser convidada para ministrar uma aula-conferência no início de
2010 (Universidade de Aveiro-PT) expôs algumas questões referentes ao estojo de CDs
utilizado pelos MRs, contendo parte da doutrina e das chamadas usadas pelos mesmos durante
as sessões. Segundo Labate, os processos de "composição", "edição", ou "seleção" destas
gravações
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É neste enquadramento que se torna importante perceber até que ponto a UDV usa ou não a
música como recurso. Até aqui tenho vindo a usar sempre o vocábulo fonograma para me
referir a som gravado, independentemente de ter ou não um suporte entoado. Refiro-me a
discursos – no caso da gravação de vozes e em especial da do mestre Gabriel – chamadas –
textos entoados – a canções divulgadas no circuito comercial e a música instrumental
igualmente divulgada no mesmo circuito. Todas as situações aqui descritas são mediadas pela
tecnologia do som. E este aspeto levanta questões centrais sobre até que ponto estamos ou
não a falar de música. Recorro, portanto, à inquirição desenvolvida por Anthony Seeger:
Como sugere Seeger a música não é aquilo que ouvimos através de algum suporte, e sim sons
e movimento humano produzidos “ao vivo” por determinado grupo. Ele concorda com John
Blacking (1973) quando determina que música são “sons humanamente organizados” e Allan
Merriam (1964) quando descreve que “Música é uma forma de comunicação, junto com a
linguagem, a dança e outros meios” (Seeger 2008: 239). Chama a atenção sobre o caráter
diferenciador da música em detrimento dos elementos citados por Merriam, ao ressaltar que
dependendo da comunidade e do seu ideário de música o que é ruído para um pode ser
música para outro.
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como inapropriado ouvir algum fonograma durante a sessão para “curtir”. Portanto, no
sentido contrário ao proporcionado pela difusão midiática (Rodrigues 2002), nesse ambiente é
valorizada uma escuta contemplativa, ritualizada, que se estende à escuta relacionada com as
tarefas cotidianas, onde também a atenção é voltada à conscientização, à concentração mental
no momento em que se escuta a música. Segundo alguns interlocutores, mesmo que a
reprodução ocorra através de um “suporte não humano” (um fonograma), a mensagem que
emerge da música no momento da performance, em princípio, atribui-se à inspiração divina,
ou seja, ao Mestre Gabriel. Contudo, para outros entrevistados, não o termo, mas o
“conceito” música também é atribuído às chamadas. Tais circunstâncias que me levaram a
denominar a música gravada por fonograma musical (FM).
Contudo em relação à aplicação da música em sessão, ainda não foi desenvolvido e adaptado o
mesmo critério de “padronização” quer a nível formal quer de conteúdos. Apesar de algumas
tentativas de normatização ainda não houve oficialmente um modelo sistêmico que limite a
forma de organizar e selecionar (categoria, melodia, ritmo, data, etc.) os FMs vigorando uma
certa liberdade (ética e estética) por parte dos diferentes agentes.
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Outra proposta de folego que visa uniformizar/padronizar esse numeroso repertório, parte de
uma iniciativa de voluntários que buscam catalogar e organizar mais de 10 mil fonogramas
garimpados (selecionados) pela irmandade e reproduzidos em sessão. Segundo Hélio (2012
entr.) membro da Sede Geral/BR e coordenador técnico do núcleo, esse trabalho envolve a
masterização dos fonogramas, ou seja, a recuperação de fonogramas em precário estado de
conservação como os provenientes dos LPs antigos, raros e riscados (inclusive empregues
pelo Mestre Gabriel). Pretende selecionar e analisar um mesmo tema musical gravado por
vários intérpretes e também propor um modelo de arquivamento delimitando os fonogramas
a partir de uma tipificação (categoria, estilo, ritmo, tema, motivo, mensagem), entre outras
possíveis ações. Segundo ele:
Mesmo com notável levantamento por parte da Sede Geral, das discussões virtuais, dos
arquivos particulares, da diária garimpagem de músicas novas, atualmente há sessões em que são
performados apenas um ou dois fonogramas, chegando a haver sessões que não usam sequer
essa ferramenta. Ocorrência que Japú questionou quando perguntei o que ele gostaria de saber
sobre a música dentro do contexto da UDV: “a ocorrência da música no Salão do Vegetal
vem diminuindo?” (03/04/14 entr. via skype).
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Na verdade, vários testemunhos mostram que o Mestre Gabriel algumas vezes ouvia todo o
lado de um LP (FM) ou mesmo um fonograma falado, como é o caso do Sermão da Montanha192
que tem aproximadamente 18 minutos, e depois o comentava. Segundo Japú sua percepção
sugere que a performance dos FMs em sessão era maior na época do Mestre Gabriel em
comparação com a atualidade. Contudo, observo tal reivindicação ser comum entre os ex-
membros da OTUS, como é o caso de Japú, Furriel e Aanu, justamente pelo fato dessa vertente
ter utilizado maior número de FM em sessão se comparado com a UDV atual. Segundo o
filósofo Govert Derix (2006)193 a OTUS mantinha o ritual mais próximo do que era a UDV na
época do Mestre Gabriel. Ora, no caso de ser esse o real cenário que hoje se apresenta, então
na UDV o uso de FMs foi reduzido. De certo modo, esse fato trouxe um certo valor de
secundaridade ao FM frente às outras ferramentas de trabalho do MR/MD. Ideia que de alguma
forma vem sendo disseminada a tal ponto que a jovem Andorinha194 (QS) – natural de Porto
Velho/RO mas atualmente residente em Portugal – entende que dentre as ferramentas o local
do FM é o menor. Seu discernimento partiu de um aprendizado, onde o dirigente
exemplificou: “1º vem a palavra, 2 º a chamada e em 3º a música (FM)”.
192 O sermão da Montanha é considerado um discurso feito por Jesus Cristo e pode ser encontrado no Evangelho de Mateus
na bíblia.
193 Entrevista concedida a pesquisadora Bia Labate em 2006. Disponível: http://www.bialabate.net/news/entrevista-com-
govert-derix-holandes-autor-de-livro-sobre-a-udv. Acesso em: 05/05/2010.
194 Andorinha bebe o vegetal desde “a barriga”, atualmente tem 21 anos. Em 2012 quando iniciava meu trabalho de campo em
Rondônia coincidentemente fui recepcionada em sua casa, enquanto ela iniciava sua vida em Portugal e se associava a
irmandade da UDV-PT.
195 As primeiras mensagens compartilhadas na lista Musincante data o dia 13/06/2007.
176
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196 Segundo discussão entre os discípulos no grupo Musincante, além do Sultão das Matas, M. Gabriel trabalhava com as
entidades Flor da Aurora e Truveseiro no terreiro que formou na floresta. Ainda, a entidade Flor de Aurora era requerida quando
M. Gabriel “precisava esclarecer algo escondido” (informações, grupo Musincante – Tópico: Esclarecimento: Sou Rei
Superior – Flor de Aurora 50 postagens de 22 autores).
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sobretudo o Sultão das Matas197. Nessa época, segundo o mestre e jornalista Rui Fabiano, ele
já havia entrado em contato com a ayahuasca e já realizava o ritual similar ao que hoje se
apresenta como uma sessão na UDV (2012: 82). Porém, também (em um momento diferente
da sessão) atuava como um “ser incorporado” curando as pessoas (Andrade 1995). Como já
referido anteriormente, o momento simbólico em que enuncia “o Sultão das Matas sou eu”198
e “não um outro espírito” (Fabiano 2012: 83), estabelece um momento de grande alteração em
termos de princípios religiosos. Nesse instante desvinculou-se dos contextos da umbanda e do
candomblé, para delimitar e mistificar definitivamente o seu papel no novo contexto (Fabiano
2012: 171).
Os ensinamentos da doutrina são transmitidos pelo Mestre Dirigente, que orienta as sessões
rituais, uma vez “em contato” com o Mestre Gabriel. Em princípio existe um conjunto de
normas a partir das quais a interpretação de cada um em relação a elas deve vigorar sem, no
entanto, se distanciar dos princípios fundadores da doutrina. Este princípio decorre do facto
de os discípulos acreditarem que o Mestre Gabriel teve uma função agregadora de diferentes
elementos da UDV que estavam dispersos por diferentes religiões.
Uma das primeiras provas que se oferecem a um discípulo em contato inicial com a doutrina,
é uma análise crítica que deve fazer sobre uma sessão. Segundo o jornalista Rui Fabiano (2012:
174), Mestre Gabriel recomendou que: “não é para aceitar o que digo, mas para examinar e ver
que estou certo (...) aquele que achar que o Mestre está errado não deve acompanhá-lo” 199 -
esclarecimento que segundo os colaboradores direciona o raciocínio crítico entre os seus
discípulos. Todavia, mesmo que haja distintos entendimentos e uma certa liberdade na forma
de entender a doutrina, o discípulo somente é reconhecido pelo Mestre Representante como
“pronto a subir na hierarquia” quando compreende e vai aceitando a doutrina como um todo
e sem alterar os seus princípios fundacionais. Como refere o discípulo Pisco:
197 Segundo Afrânio de Andrade o Mestre Gabriel, antes de delimitar somente a UDV como forma de expressão ritual e
também religiosa, enquadrava-se no contexto do “curandeirismo amazônico” onde o agencia da cura ultrapassava e era
independente da ingestão da ayahuasca, pois obtinha o conhecimento das plantas, dos chás, das rezas, dos conselhos entre
outros. “Acrescenta-se que, antes de fazer uso do chá, curava com o nome de Sultão das Matas, para o que passava dieta
composta de conselhos e indicação de plantas para se usar” (Andrade 1995:10).
198 Melo revela esse percurso histórico e reflete sobre essa afirmação, sobre esse momento significativo e decisório dentro da
cosmologia da UDV (2010: 67-71;94-96).
199 No Regimento Interno lido no início de toda sessão de escala enfatiza essa prerrogativa. Referência que prestei mais atenção
quando em uma sessão ocorreu de um discípulo do CI (Tuju) no final da mesma informar que não mais faria parte da
irmandade (caderno de campo 15/09/2012)
178
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A releitura feita pelos discípulos sobre a trajetória mística pregressa do Mestre Gabriel antes
de fundar a UDV (vivência dessa encarnação) ressalta não um exemplo a ser seguido, mas
demonstra a predestinação do Mestre em encontrar o tesouro (o Vegetal) (Fabiano 2012).
Assim, segundo informações dadas pelos colaboradores o vegetal vem carregado de símbolos,
ideias, ideais e conceitos somente alcançados através do ensinamento e da cientificação200- este
termo está intimamente relacionado com o conceito de sabedoria sendo que esta se alcança
através do contato que o Vegetal proporciona com as vidas passadas de cada um dos
discípulos. Ao contatar com as vidas passadas o discípulo pode aprender a conhecer-se,
acumulando saberes passados, reconhecendo melhor o seu lugar no presente e, com isso,
alcançar níveis de sabedoria cada vez mais completos. Supostamente o Mestre Gabriel terá
conseguido aceder a todas as suas vidas passadas o que o torna singular, no contexto da UDV
e, portanto, inigualável. Neste sentido, a UDV é um sistema que difunde um saber baseado
num aprendizado para além da existência “atual”, repassado aos discípulos através da
burracheira, como forma de relembrarem as suas reencarnações e aprenderem com elas (Melo
2010).
De que forma, então, a partir da ingestão da ayahuasca em contexto ritual se pode aceder a
esse universo espiritual passado? Vou tentar responder a esta pergunta a partir da descrição de
uma sessão no contexto da UDV e posterior recurso a elementos que considero importantes
para a fundamentação da minha descrição.
200 Segundo Fabiano: “’Só através da ordem e da doutrinação reta, que receberemos eternamente dentro da União do Vegetal,
é que chegaremos à Cientificação’, diz o Boletim da Consciência da Lei, com esse objetivo, o Mestre organizou a UDV”
(2012: 168). Neste sentido Cientificação - termo endêmico - é utilizado para distinguir as hierarquias alcançadas a partir do
conhecimento adquirido/apreendido durante às sessões.
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A SESSÃO
Na União do Vegetal o ritual religioso denominado de sessão, é caracterizada por 3 tipos de
designações oficiais: Extra, de Escala e de Adventício.
A tipologia de sessões de escala possui um calendário fixo e praticado por todos os núcleos na
mesma hora, das 20h00 às 24h15, horário que remete à primeira sessão realizada pelo Mestre
Gabriel no seringal (Fabiano 2012).
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*
Figura 29 – Identificações dos participantes durante a sessão.
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Dentre as sessões, as de escala são as que mantém a rigidez do horário, na data e na execução
da leitura dos documentos. Como característica intrínseca ao ritual é recomendando sempre
haver um participante (geralmente acima do CI) que dirija a sessão e se responsabiliza pela
distribuição do Vegetal. A seguir descrevo uma sessão onde além da análise, busco trazer alguns
elementos necessários para o entendimento do que é o ritual udevista.
O modo como as sessões decorrem, obedece a um processo sequencial onde estão expressas
hierarquias, normas de conduta e formulas vocativas que remetem para princípios simbólicos
de relação interpessoal e com a própria religião. O ritual propriamente dito é precedido de um
processo preparatório que se inicia por volta das 18 horas. A tabela seguinte será
posteriormente detalhada e mostra de forma sucinta um cronograma de uma sessão tipo.
19:55 Todos Acomodação dos participantes pelos lugares que devem Silêncio
ocupar. Início da concentração mental
Orador Informação a todos que durante a sessão serão feitas Voz individual
Oficial algumas fotos para o DMD. Em caso de óbice pede para em tom de boas
ser informado. Informação sobre a presença dos visitantes vindas e
destacando-os pelos nomes e local de origem. informativo
* Toda informação e comentário feito por qualquer participante necessariamente é realizado na cabeceira
da mesa, ao lado direito do MD, num suposto “palco imaginado”.
20:00 MR/MD O MD pede para todos ficarem em pé, para receber o 1 voz –
Vegetal comando.
Início do ritual
Em fila e por ordem hierárquica os participantes caminham 1 voz – ordem
em direção à cabeceira da mesa, onde é distribuído o chá para beber o chá
pelas mãos do MR/MD: 1º os representantes do QM (caso
haja Mestre Visitantes), 2º os do CDC, 3º os CI, 4º os do
QS e 5º os visitantes.
O MD ao levantar o copo, declama a frase “Que Deus nos Vozes separadas
guie no caminho da luz para sempre e sempre amém Jesus” por hierarquia
e bebe o chá com os membros de grau mais alto na
hierarquia (QM, CDC e CI) para depois somente repetir a
frase (sem beber o chá) junto com os restantes (QS e V)
que ingerem o chá.
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sessão anual ou Quando todos se posicionam em pé, na frente dos seus Vozes em
extra respectivos lugares previamente selecionados, o MD (em simultâneo –
mimese com o restante do grupo) com a mão direita tom de
levanta o copo na altura do peito e profere a seguinte frase: reverência ao
“Que Deus nos guie no caminho da luz para sempre e Vegetal
sempre amém Jesus”. Em seguida todos
concomitantemente ingerem o chá.
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201 Em 2012, presenciei essa ação durante uma sessão realizada no núcleo Erunaiá em Porto Velho/Rondônia. O conteúdo da
informação, além de anunciar o precário estado de saúde do Senhor Geraldo (82 anos) - considerado o patrono da música na
UDV - também solicitou a contribuição em dinheiro para sua operação (na época - 14/05/2012 - a quantia necessário foi de
21mil reais) – muitos contribuíram. O MR/MD do núcleo, M. Alcimar aproveitou para contar como ocorreu a história da
oficialização da música em sessão.
202 A partir de 2015 a Sede Geral recomendou antes de todos se levantarem para o intervalo, o indivíduo que fez a explanação
informar que “na UDV tem a prática do dízimo, destinada para compra de produtos para a higienização do Salão do Vegetal,
para quem vomitou é um dever, para quem não vomitou é a caixinha da boa vontade” (Juriti depoimento 03/03/2015).
Aqueles que contribuem e não têm em mãos moedas, saem do salão para pegá-las e voltam para enfim aproximadamente às
23:35 ser finalizada essa parte do ritual.
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23:35 Todos Num outro ambiente, na copa e cozinha, a Organ e mais Várias vozes,
alguns voluntários apressadamente iniciam a preparação do movimentação
lanche que será servido após a sessão. Os alimentos para o lanche.
servidos resultam da contribuição de cada sócio que dias
antes coloca a sua oferta numa lista elaborada pela Organ e
enviada por e-mail a todos os associados. Em dias de festa é
recorrente a Organ pedir aos participantes uma oferta mais
sofisticada, e mais saudável. É usual sempre haver um bolo
de aniversário em dias de aniversário, seja do M. Gabriel, do
núcleo ou mesmo para felicitar os aniversariantes do mês.
23:50 Sino Toca o sino chamando para o Salão do Vegetal todos os 1 som
presentes.
23:55 presentes Todos sentados nos seus respectivos lugares. Silêncio
24:00 MD O MD inicia a chamada Ponto da meia noite que finaliza 1 voz entoada
exatamente às 24:00 horas, que é o “ponto final do dia”.
S OBRE O TEMPO
A componente mais profunda do ritual tem início a partir do momento em que o MD inicia
um processo de pergunta/resposta dirigindo-se aos participantes. Neste processo ele inicia
também um movimento ao longo da sala, caminhando sempre no sentido contrário ao dos
ponteiros do relógio. Este aspeto é particularmente relevante uma vez que o conceito de
tempo e o seu significado tem um lugar central na prática ritualística. É suposto que cada um
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dos participantes realize, sob a ação do Vegetal, uma viagem no tempo acedendo assim às suas
vidas passadas e às respetivas memórias. Portanto, o caminhar no sentido anti-horário
simboliza o acesso ao passado, andando para trás no tempo. Esse tempo é designado por
“extra-ordinário” por oposição a um tempo ordinário. Do mesmo modo, a o ritual termina
com o “retorno ao presente” e, portanto, com a re-inscrição no tempo ordinário. Neste
momento todos os movimentos devem respeitar o sentido horário e todas as evocações do
MD devem enfatizar a palavra “foi”, como sugestão de algo que terminou. Com este retorno
deve também terminar o efeito provocado pela decocção, genericamente designado por
burracheira, e que pode incluir visões, considerada pelos discípulos como contemplações
conscientes (miração). É também o momento em que supostamente uma força sobrenatural
deixa de exercer o seu poder no ambiente e, portanto, os participantes se despedem da força.
Desde o início ao fim das sessões todas as ações realizadas pelo MD são reguladas pelo
ponteiro do relógio. Por essa razão todo Salão do Vegetal tem esse utensílio instalado num
local de fácil observação pelo MD. Segundo MO José Luiz, o relógio era usado pelo Mestre
Gabriel “para que ninguém perdesse o tempo dentro do ritual” (26/06/2014 entr. Lisboa).
Narrativa que direciona a observação detalhada à célebre foto disposta no lugar de honra no
Salão do Vegetal de Portugal, Espanha e Brasil, um relógio no pulso esquerdo do Mestre.
Assim é percebido como importante elemento que desde o início da performance ritual na
irmandade, Mestre Gabriel soube utilizar para demonstrar a importância das horas. No
entanto, durante a sessão atualmente não é usual ver o MD usar o relógio de pulso para
direcionar as atividades nas sessões uma vez que foi substituído pelo relógio de parede. Na
UDV-PT há um relógio na área comum e dentro do Salão do Vegetal, sendo esse disposto
exatamente à frente do MD, num local de fácil observação para quem dirige o ritual e
monitora passo a passo cada assunto e o tempo dispensado em cada performance.
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despede da força através da chamada Minguarana, como meio de correção busca-se alongar na
sílaba “Ah”, remetendo a um “Ahhhhhh-Deus”, usando o glissando. Neste sentido, é possível
entender que o tempo durante o ritual sugere regras como também criatividade para as
cumprir.
De acordo com Murray Schafer, a criação do relógio foi uma das criações tecnológicas que
demarcou o distanciamento do tempo solar, do tempo da natureza e das estações, sobretudo
pelo direcionamento da escuta (Schafer 1997/2001: 88). Já no contexto da sessão esses
elementos são constantemente abordados, “visualizados” tanto pelas menções como pelas
figuras celestes (Sol, Lua e Estrela), símbolos afixados na parede do salão e (fora de Portugal)
nas camisas dos participantes. O que é interessante, não é o afastar-se ou aproximar-se da
natureza, ou mesmo enquadrar os sentidos em um modelo metodológico regulador de
conduta, mas o hábito que o indivíduo adquire em se encaixar num modelo ritual que coloca
em operação duas formas de observar o tempo, o físico (medido pelo relógio) e o interno
(sentido pela intuição e consciência) sendo esse último, segundo o filósofo Henri Bergson
(2006), entendido como uma experiência metafísica.
Para Bergson, o tempo de duração interna é o tempo de duração real, o tempo vivido de modo
imediato, imprevisível, indivisível e imensurável, ao contrário do tempo físico, que pode ser
medido pela lógica científica, quer dizer, pode ser analisado e traduzido. O autor ressalta a
importância do tempo interno, sobretudo se desenvolvido (e a partir) da intuição, como meio
de alcançar de forma direta o conhecimento absoluto, sem o subterfugio das ferramentas da
inteligência, isto é, sem a formulação de conceitos. Contudo, ambos são formas de
conhecimento com meios próprios de se alcançar o objeto. Neste sentido, durante o ritual da
UDV, concomitantemente há a relação entre o tempo físico/divisível (que baliza as ações e
impõem às sensações e sentidos a noção de início e término) e o tempo interno/indivisível
(que traz a experiência empírica uma noção de continuum, vivido pelo espírito). Tempo interno,
que de certa forma, é revelado nas palavras de alguns discípulos quando demostram entender
que uma vez que se ingere a ayahuasca, o indivíduo já inicia a sua caminhada, não importando
o tempo “de relógio” que tenha ocorrido.
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S OBRE O ESPAÇO
Todo o contexto logístico das sessões procura reproduzir os princípios impressos na seguinte
canção, que, supostamente, o Mestre Gabriel terá feito tocar ao Mestre Sidon que o procurou,
quando lhe quis explicar a sua vida:
Assim, o princípio segundo o qual os “bens do espírito” prevalecem sobre os “bens materiais”
deve estar na base de uma espécie de visão espartana na construção dos locais de culto. No
momento do ritual, no Salão do Vegetal da UDV-PT a disposição dos móveis altera-se para
ficar o mais parecido possível com a disposição do salão instituído na Sede Geral 204 .
203Música utilizada por M. Gabriel quando foi explicar o que era a sua vida (Lodi 2010: 136).
204Sobre a transponibilidade do território no religioso a antropóloga Rita Segato define três atitudes: essencialismo do
território, relativismo da localidade e territorialidade móvel (2007: 12).
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Atualmente a disposição do salão difere daquela apresentada na figura abaixo que expõe uma
sessão de escala realizada pelo Mestre Gabriel.
*
Figura 30 – Sessão realizada na casa do Mestre Gabriel em 1966 – crédito: site oficial da UDV
190
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serão reproduzidos durante o ritual205. Este papel reforça, mesmo que veicularmente, o lugar
de importância do “auxiliar de som” dentro da sessão.
No salão local são fornecidas apenas cadeiras em número suficiente para os participantes,
dispostas geralmente em direção à mesa onde se sentam o MD e outros quatro membros. Um
simples detalhe que revela a importância do lugar como um posto que sempre deve ser
ocupado, e não somente referido. Estas são cadeiras de plástico branco, que têm afixados
sobre o assento e as costas finas almofadas para que haja um pouco mais de conforto (no final
da sessão essas são recolhidas e colocadas empilhadas em um canto da sala). O ato de estar
sentado durante 3h30, provoca desgaste físico. Por essa razão também é comum os
participantes pedirem para sair um pouco sendo que alguns escolhem antecipadamente as
cadeiras próximas à parede para encostarem a cabeça e ainda outros que durante o ritual
baixam a cabeça e colocam os cotovelos apoiados nos joelhos como paliativo de descanso.
Por essa razão há alguns momentos chave no ritual em que o MD solicita aos participantes
que tomem posições mais formais nas suas cadeiras testando com isso, também, a condição
física dos mesmos.
205Em (19 de maio de 2012) uma das reuniões mensais que ocorre na UDV-Portugal o sócio membro do CDC Cardeal
propôs haver um responsável pela música (pelos fonogramas performados durante sessão). Cardeal é brasileiro primo do
Padrinho Sebastião Mota (fundador da dissidência da linha do Santo Daime – sede Céu do Mapiá).
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reta 206 (Melo 2010), ou seja, centrada na mensagem. Neste sentido, é expressamente
recomendado não falar, sussurrar ou exercer qualquer ação sem que haja a permissão do MD,
ou seja, o discípulo deve ficar sentado durante o ritual à espera de instruções. Esse processo
inicia-se 5 minutos antes de começar a sessão.
Existe, portanto, uma diretiva clara de condução das sessões no sentido de uma enorme
concentração dos participantes amplificando de sobremaneira a escuta. Desta forma todos as
ações devem obviar qualquer mecanismo de distração. Por exemplo, em Portugal como o
uniforme ainda não é uma indumentária presente, é recomendado vestir roupas e calçados
confortáveis, discretas e cores não chamativas. O uso do vermelho e roupas decotadas (como
saia curta e ombros expostos) durante a sessão são desencorajados.
206 Tuju que chegou a pertencer ao CI, antes era frequentador da Linha do Santo Daime e sentia-se muito preso durante as
sessões devido os contidos movimentos. Suas descobertas o levavam muitas vezes a querer olhar-se, mãos, braços, ou mesmo
levantar-se, abrir os braços ou espreguiçar-se. Mas a recomendação direcionava-o para o outro lado. É comum receber
adventícios que frequentam outras linhas ayahuasqueiras sobretudo da vertente do Santo Daime. O próprio MR de Portugal
antes de ser da UDV por durante 2 anos frequentou o Daime - havia até um membro do CDC que é primo do Padrinho
Sebastião (fundador do Céu do Mapiá) que durante muitos anos fez parte do quadro de sócios local. No entanto, os novos
visitantes daimistas, um em especial, era comum verem em sua performance indícios de incorporações, o que é comum nessa
vertente, ação que atraia olhares curiosos.
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destes participantes uma vez que, de entre os presentes, são os que efetivamente adoptam uma
performance mais ativa, levantando e sentando com alguma frequência.
Existe ainda uma pequena mesa onde está colocado o computador, os CDs do MR, uma
impressora, os cadernos que contêm a listas dos fonogramas musicais tocados durante as
sessões, a pasta que traz o Regimento Interno e um sino de metal com um galo de Barcelos
moldado na ponta. Este é usado para chamar os participantes 5 minutos antes do ritual
começar, como também alguns minutos antes de voltar do intervalo.
Além desde galo de Barcelos representado no sino, o espaço integra ainda um conjunto de
elementos que remetem para um contexto português. Trata-se de um lambril com azulejos
portugueses em azul, branco e amarelo, coincidindo com as cores atribuídas à sociedade da
União do Vegetal. Esse detalhe já proporcionou alguns elogios por visitantes que se sentiram
aconchegados nesse ambiente. Também sobre as paredes brancas estão colocados pequenos
ornamentos dispostos a revelar os símbolos celestiais característicos da UDV (a Lua, o Sol e a
Estrela) seguidos pelas palavras Luz, Paz e Amor207.
Como pode ser constatado nas imagens abaixo, em grande parte dos núcleos da UDV a
cabeceira da mesa é ornada por um arco (geralmente de madeira) decorado com estrelas e as
seguintes palavras: UDV- Estrela Divina Universal. A sua forma assemelha-se a um grande
oratório, um portal.
207Segundo compreensão de um dos interlocutores residente em Porto Velho, essa tríade representa a família, a lua a mulher,
o homem o Sol e os filhos, as estrelas. Esse símbolo também é representado em mais um local, numas pequenas e delicadas
esculturas feitas de fino metal vazado dependuradas no teto. Lugar que possibilita (às vezes) deslumbrar o brilho da luz que
neles refletem.
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Figura 31 – Arcos UDV – 1ª e 2ª imagem núcleos em Porto Velho/BR, 3ª e 6 ª imagem núcleo em Brasília/BR,
4ª imagem núcleo Espanha e 5ª imagem UDV-PT.
O MO José Luiz confeccionou em 1966 o primeiro arco. Na altura era feito de cipó, coberto
com pano verde e com as duas estrelas maiores - que segundo o pesquisador Fabiano,
simbolizam Salomão entregando os conhecimentos para Mestre Gabriel – e as estrelas
menores que representam os mestres de origem. Representa também a “aliança entre Deus e o
Homem” (2012: 128). Em Portugal, o grupo ainda não faz uso desse específico ornamento
simbólico, mas possui outro elemento que remete ao original feito no início da sociedade em
terras brasileiras. É o arco feito de cipó (v. figura acima - 5ª imagem) que atravessa
diagonalmente a sala demarcando o lado em que está a mesa e o outro onde se encontram os
participantes (ver no mapa do salão). Este é decorado com rosas de tecidos amarelo, azul e
branca, mas não vermelhas – que segundo a C. Zidedê harmonizam melhor o ambiente. Em dia
festivos o arco é adornado com flores naturais.
A iluminação ambiente é transmitida por 6 pontos de energia, 5 dentro do salão, 1 fora, tendo
possibilidades de atenuação da claridade caso haja quem o peça. Um dos focos de iluminação
incide sobre uma única imagem presente dentro do salão, um quadro (+ ou - 60 cm x 80 cm),
também exposto no núcleo espanhol, com a foto do Mestre Gabriel. Esta foto está exposta
atrás da mesa onde o MD se senta, e à frente da maioria dos participantes.
No retrato (v. figura logo abaixo), sem o recorte direcionante, os elementos iconográficos
encontrados divulgam um pouco mais do universo original. A foto é ilustrativa de um
ambiente icónico singular, designadamente: casa com paredes de madeira e ornamentos
simples, a presença masculina, a camisa de cetim revelando um bolso com os óculos, o relógio
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Figura 32 – Mestre Gabriel no Salão do Vegetal- sem recorte. Crédito: site oficial UDV.
208Na foto acima – que representa o Mestre Gabriel e que está exposta em todos os núcleos - podemos ver praticamente
todos os elementos icónicos representados: o uniforme, alguns dos símbolos que estão incluídos na bandeira, o gira-discos e
um bolo de aniversário.
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FERRAMENTAS
O ambiente das sessões da UDV estimula a performance da escuta. A escuta é assim ativada por
um conjunto de mediadores que, no contexto da UDV são designados pelos mestres por
ferramentas. De acordo com a minha análise trata-se, fundamentalmente de ferramentas
sonoras. Segundo entrevistas, estas ferramentas ao mesmo tempo que estimulam a escuta são
um processo de aceder aos saberes da doutrina seja os que são professados desde a sua origem
sejam os que são “descobertos” pelos participantes mediante o seu próprio “estudo”. Nesse
sentido, o saber transmitido ao coletivo é valorizado a todo o momento em que há o
questionamento individual e esse é sanado, creditado pelo mesmo indivíduo e pelos que o
cercam. Para a educadora Maria Betânia Albuquerque, existem ainda os agentes – nos quais se
inclui a ayahuasca - que ressaltam a função social da transmissão desses conhecimentos que, a
partir de Gruzinski, “dá indícios do potencial pedagógico das plantas psicoativas, na medida
em que funcionavam como mediadores entre os homens e os saberes que lhes era
necessários” (Albuquerque 2011: 218). Desta maneira, é possível identificá-las também como
mediadoras dos saberes latentes, que têm o objetivo de exercer um domínio de
permeabilidade e de rompimento de barreiras, seja conceituais ou emocionais. Essas
ferramentas, que aqui designo por ferramentas sonoras, são: a oratória, as chamadas, o
silêncio e os fonogramas.
209 Labate e Pacheco (2009: 82) comparam a UDV com as pesquisas sobre os Shuar (Juncosa 1991) e sobre os Desana
(Buchillet 1992), que também utilizam-se da palavra como ferramenta.
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participantes. Num entender nativo, “deve estar em sintonia com a energia manifesta que
circula dentro do salão” (Caburé 2010). Caso o indivíduo não atenda (ou entenda) às
recomendações de se conectar ao assunto em voga – disritmia notoriamente demonstrada
através das perguntas - o MD pode chamar a atenção (doutrinar) ou mesmo deixar a pergunta
para um momento apropriado. Todas as ferramentas mediadoras usadas pelo MD têm o
propósito de guiar os sentidos dos participantes.
S OBRE AS CHAMADAS
As chamadas são um tipo de invocação entoada a cappela, performada por uma única pessoa,
isto é, não há qualquer acompanhamento vocal ou instrumental. Segundo o antropólogo
Araripe (1995), podem ser também definidas como uma espécie de mantras ou benditos
populares feitos para “chamar algo para o salão”, isto é, num designo êmico, “chamar a Força”
e/ou a “Luz” ou seja estimular, amplificar as sensações (os efeitos do vegetal) durante a
performance. Algumas chamadas têm a função de determinar o momento corrente da sessão,
pelo que elas têm momentos próprios para serem entoadas. Tanto as chamadas de início como
as de encerramento têm por regra serem performadas pelo mestre que está a dirigir a sessão.
Durante a sessão, quando um participante sente a necessidade de entoar uma chamada, se diz
fazer uma chamada, mesmo que tenha sido “composta” há muitos tempo por outra pessoa
(geralmente feitas pelos MO) e para isso tem que solicitar ao MD, seguindo a regra
pergunta/reposta. Como descrito, é recomendado não serem repassadas em documento
escrito e sim pela oralidade durante o ritual, seja performada por alguém ou por um
fonograma. Para isso, podem também, sobretudo as que foram compostas pelos MOs e
Mestre Gabriel, estar guardadas em fonogramas, sendo o MR o único a ter acesso. Contudo
em 1988, segundo a conselheira Sílvia Freire de Carvalho210 residente em Porto Velho/RO, ela
210 Sílvia está na UDV desde 1988, tem 56 anos e é professora de piano - entrevista realizada em sua casa em 25/05/2012.
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Portanto, fazer uma chamada durante a sessão, não é criá-las ou compô-las no exato momento,
pois para que uma chamada faça parte do hall de chamadas autorizadas na performance dentro
do Salão do Vegetal, é preciso ter passado por filtros de análises e autorizações, o que
demanda tempo. Além desses filtros, os próprios discípulos não têm uma ação de estimulo à
criação de novas chamadas preferindo manter como repertório a maioria das antigas chamadas
feitas (inspiradas, recebidas do Astral Superior) pelos mestres de origem (MO) e pelo Mestre
Gabriel. Portanto, quando me refiro a fazer uma chamada quero dizer performar em tempo real
um canto a cappela, anteriormente composto, que foi decorado/apreendido pelo discípulo e
que é conhecido por outros discípulos. Faz parte, como refere Bruno Nettl, do chamado
“repertório central” da UDV (1995).
Como é revelado na história de origem da UDV211 - História da Hoasca - Caiano ao receber das
mãos do Rei Salomão a 1ª ingestão do Vegetal, acredita que recebeu toda a sabedoria e entrou
nos encantos da natureza divina. Porém, é repreendido por Salomão, que informa ensinando que
somente com a permissão, se tem a chave para entrar na natureza divina e conhecer os seus encantos -
essa chave é a chamada Minguarana. Nesse momento da história, a narrativa é suspensa e a
chamada é vocalizada. No decorrer dessa narrativa, somente nos momentos “chave” as
chamadas são feitas, demonstrando que somente há o acesso ao divino se chamar (pedir).
As frases inscritas nas chamadas são passadas repetidamente. A melodia é sempre repetida
embora a entoação vocal e a interpretação possam ser diferentes entre as diferentes frases. O
conteúdo textual mescla elementos que compreendem uma cosmologia indígena com a
católica. Algumas, sobretudo de abertura de uma sessão, abordam elementos nativos e naturais
através das palavras Caiano/Caianinhos, burracheira, luz, sombra, claridade. Outras
conjuntamente com os elementos da natureza e endêmicos acrescentam termos como Rainha
e Rei.
As chamadas de encerramento mesclam esses elementos com termos católicos, como, Senhora
Mãe Santíssima, Divino Manto, Jesus, Divino Espírito Santo, A Deus, e outras inscrevem a
211 Segundo Melo (2010: 77) além de ser história de origem da UDV ela também revela o caminho espiritual do Mestre
Gabriel, assim sendo um “mito que acumula origens”.
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figura de Salomão. Algumas das palavras expressas nas chamadas como escada, degraus, estrada,
seguir, levarei, trarei, nascer, batismo, batalhão, união, guarnição fornecem um modus operandi em favor
de guiar, de dirigir212 os sentidos dos participantes, também através do vocábulo (Bustos 2008,
Santos 2006). Tais termos têm a função de conduzir a experiências visionárias e
“metamórficas” (Luna e Amaringo 1993; Brabec 2012; Townsley 1993) funcionando como
uma espécie de ancoragem hipnótica (Erickson 1983), entre os símbolos contidos no veículo
musical (estimulados pela repetição) e o subconsciente do participante – vividos no momento
presente e relembrados num futuro próximo ao invocar a memória e a imaginação (Morin
1991). Contudo, não é somente a palavra que é importante mas sim o modo como ela é
reiterada e expressa. A forma de expressão (interpretação) revela a “consciência” do performer
(Labate 2010). Para os participantes no ritual o modo como a chamada é realizada pode
proporcionar um sentimento de mais ou menos força, luz, energia, brandura, ou burracheira. Como
descrito, há um repertório fixo de chamadas realizadas tanto no início como no término do
ritual, atribuídas somente à performance do MR/MD. As outras são estimuladas em
momentos específicos e realizadas por quem solicitar, ou mesmo por quem tiver a capacidade
de chamar. Logo, nem todo o participante tem permissão para as performar durante o ritual,
seja por restrição do MD, seja pelas próprias restrições. Segundo Surucuá (2011 entr.), se o
discípulo não sentir coerência entre suas ações cotidianas e o conteúdo de uma determinada
chamada, não é recomendado fazê-la, mesmo se for um MR/MD.
212 Em um programa televisivo emitido em rede nacional brasileira (“Jô Soares 11:30”), o ex-sócio e mestre (MR) da UDV,
Wilson Gonzaga da Costa fala do poder de dirigibilidade proporcionada pelas chamadas (20/04/2010). Disponível:
http://globoplay.globo.com/v/1251211/ Acesso em: 27/02/2016.
213 Segundo Surucuá (CI/MD), após fazer a chamada “lago de burracheira” percebeu que para maioria dos participantes a
burracheira que já estava alta, aumentou promovendo momentos difíceis, tanto para os adventícios como para um discípulo
do CI que durante a sessão informou seu desligamento da instituição. Nas palavras de Suruá: “Também, fui pedir mais
burracheira num lugar que já tinha o suficiente...”(2011).
199
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por mera demonstração de conhecimento (Costa 2005) 214. Contudo, quando relativo aos
neófitos, alguns depoimentos demostram justamente o contrário. No início do aprendizado,
há uma necessidade em vencer a barreira da inexperiência, assim alguns colaboradores
revelaram fazer chamadas sem as sentir. O discípulo Açor (CI) de Curitiba, ao responder sobre o
número de chamadas decoradas e feitas no salão afirmou que no início tinha essa “gana” de
conhecer e decorar muitas delas, mas com o amadurecimento preferiu se focar em poucas
para obter maior conhecimento. Fernando (UDV- PVH) refere-se a esse momento inicial
como de muita ansiedade.
Apesar de haver restrições quanto à vocalização das chamadas em ambiente extra-ritual essa
norma não se estende aos pensamentos, segundo narrativas, “quando uma situação [problema]
se apresenta, é bom fazer uma chamada em pensamento para pedir auxílio no momento” (C.
Rita 2010 entr.)
S OBRE A ORATÓRIA
A oratória é uma ferramenta de mediação por excelência. Durante a sessão a performance
discursiva é realizada sem sobreposições das falas e diz respeito à ferramenta que transmite a
doutrina através de histórias, de exemplos de vida tanto do mestre fundador como do próprio
mestre que está a realizar a sessão. Aqui se enquadram as leituras dos documentos. As sessões
têm um perfil orientado para uma prática de “construção de conhecimento” que é
desenvolvida dialeticamente a partir de um sistema de pergunta-resposta em permanente
interação entre os participantes e o mestre. Um participante inicia este processo colocando
uma pergunta habitualmente aleatória que pode ser de carácter filosófico, espiritualista ou
mesmo relativa a aspectos concretos do quotidiano. Para a doutrina o seguidor deve saber
formular a pergunta, ou seja, deve aprimorar sua eloquência. A dinâmica de pergunta e
resposta, em certo aspecto, segue o modelo do diálogo no sentido socrático, sendo que a
contra-argumentação sempre deve ser feita através de perguntas. O inquiridor deve saber
formular a pergunta tal como se dirigindo a um oráculo. As respostas às perguntas podem ser
mediadas pela oratória, pela chamada ou mesmo pelo fonograma.
214Wilsom Gonzaga narra sua experiência ao receber diretamente as chamadas (sem ser as estudas) e situações de “domínio”
através das mesmas com moradores de rua. Apresenta uma forma semelhante de recepção das chamadas, assim como ocorre
no Santo Daime. Disponível: http://www.bialabate.net/news/a-hoasca-na-recuperacao-da-dignidade-humana Acesso:
25/02/2015.
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S OBRE O SILÊNCIO
O silêncio215 acontece intercalado às outras ações. A duração depende da ênfase que o Mestre
Dirigente pretende dar ao que está sendo exposto. Tem como finalidade fazer com que o
participante exercite a concentração mental no intuito de aprender a dominar/domesticar a
capacidade de auto equilíbrio, abstraindo-se da paisagem sonora externa ao Salão do Vegetal,
assim como da interna. Nessa ambiência a percepção de sons pode incluir alucinações
auditivas. Vibrações de alta frequência e variados sons podem ser percebidos como sons que
vêm de “dentro das orelhas” (Bustos 2008).
S OBRE O FONOGRAMA
O fonograma é toda a gravação/registro sonoro (sobretudo musical) produzido em variados
suportes: fitas Cassete, CDs, MP3, etc., com o objetivo de reprodução mecânica ou digital.
Nesse contexto são previamente selecionados por membros da sociedade e analisados pelo
Mestre Representante (MR) a fim de os reproduzir em sessão. O conteúdo dos fonogramas, se
for musical, compreende gravações comerciais que podem ser compostas e interpretadas por
artistas alheios à UDV. Pode também incluir temas musicais compostos pelos discípulos que
também são músicos. No caso dos fonogramas não musicais estes compreendem geralmente
material produzido pela própria UDV e incluem discursos, gravações de sessões, etc.
A utilização dos fonogramas nos rituais ocorreu logo após a fundação da UDV, em meados da
década de 1960 216 (Fabiano 2012: 129; Lodi 2010: 101), com o propósito de auxiliar na
transmissão da doutrina, complementar ou mesmo sintetizar o conhecimento durante o ritual.
Faz parte de um conjunto de métodos que proporcionam estabelecer uma uniformidade entre
os grupos com finalidade de se encaixarem nos mesmos moldes rituais realizados na Sede
Geral -Brasília/BR ditados pela Representação Geral da UDV. Porém, no caso do fonograma
musical (FM) pode também agregar modos locais de expressão. Muitas vezes, o fonograma
musical é usado no salão para conduzir a uma compreensão que as palavras – segundo M.
Caburé - não conseguem. Neste caso, o seu papel não é apenas de configurar um instrumento
ou veículo da aprendizagem, mas também ser o próprio conteúdo da educação.
215 Alguns autores como Shanon, Pablo e Amarigo e Abramowitz (2003: 59) referem-se à importância do silêncio em rituais
ayahuasqueiros. No ritual do Santo Daime os poucos hinos cantados durante a cerimônia de concentração podem funcionar
como “molduras para o silêncio” (Labate e Pacheco 2009: 47).
216 Ver em Fabiano (2012: 129), Lodi (2010: 101).
201
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A seleção do fonograma musical (FM) depende do juízo estético (seja pela cadência das palavras,
seja pela categoria musical) do MR, ou do MD, mas se ambos estiverem no salão somente será
performado em comum acordo com o MR. Assim, é o MR que indica o fonograma que quer
que seja reproduzido solicitando ao auxiliar que proceda a essa reprodução. Quando necessita
enfatizar qualquer situação latente ao grupo e que decorre, por exemplo, de uma pergunta feita
por um discípulo, faz uso do fonograma para auxiliar ou doutrinar o indivíduo, mas que
consequentemente pode vir a atingir outros sócios presentes. Situação que o MO José Luiz
(26/06/2014) bem descreve:
PPL – Como o senhor seleciona um fonograma quando tem em seu repertório dois
fonogramas que remetem ao mesmo assunto? Vai depender da burracheira?
ZL - Não, vai depender do assunto, tem que ser colocada dentro do assunto que a
gente quer tratar. Pode acontecer de ter 2 músicas, mas tem que optar por uma. A
gente controla a borracheira pela música, pela palavra, pelo ritmo e a gente faz uma
opção. De acordo com o assunto que você quer tratar. Por exemplo, tem uma
pessoa que a gente precisa falar p’ra pessoa que deve deixar a vida dos outros em
paz, acabar com o negócio de fofoca. A gente põem a música da fofoca [cantarola]:
“Da fofoca eu me criei pelo jeito que tô vendo na fofoca eu morrerei”. Tá
entendendo? P’ra ver se os fofoqueiros param de conversa fiada. Aí a gente traz
uma doutrina. Aí tá vendo, como é que pode anda fazendo fofoca, cuidando da vida
dos outro, porque a gente tem que cuidar é da nossa vida. Se nós olha pra nossa
vida e esquece a vida dos outros é mais fácil as forças se equilibrarem porque as
dificuldades, os entendimentos começam a ficar ruim porque as pessoas ficam só
censurando os outros, falando coisa que não deve pros outros e esquecendo de si
pra se corrigir. Que a vida dos outros é mais fácil da gente vêr os defeitos, de o que
é da gente não quer vêr os defeitos da gente. A humanidade precisa aprender a
esquecer da vida dos outros e cuidar de si.
Essa prática também abrange os assuntos relacionados com a cosmologia da União. Deste
modo, é através do filtro realizado pelo MR/MD que a mediação das vibrações sonoras é
recebida e interpretada pelo grupo. Segundo MO José Luiz (26/06/2014 entr. Lisboa):
Outra forma de controlar e direcionar os sentidos dos participantes em ENOC ocorre a partir
do manuseio da sonoridade musical. Segundo M. Luiz:
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é pra botar pra quem não é do vegetal. Pras pessoas saber isso, eu não acho legal.
Eu só tô te explicando, porque quem não é da UDV não vai entender não. Quem é
as vezes não entende217.
Há ainda outras funções e percepções atribuídas ao fonograma, que se distinguem entre quem
os coloca e entre quem os “recebe”/escuta. Para quem escuta, necessariamente, os
fonogramas podem contribuir para sensações e entendimentos variados, congruentes ou não
aos esperados pelo MR/MD. A dimensão pessoal (estética) contribui razoavelmente para o
resultado das sensações e até mesmo dos pensamentos – estes estimulados por essa
apreciação. Assim, o FM como ferramenta, pode exercer um papel dinamizador de emoções,
consequentemente, gerador e fixador de memória. O apaziguamento, o alívio, a apreciação, a
exasperação, o deslumbramento, a tristeza, o encantamento, a alegria, são algumas das
possíveis reações provocadas pela reprodução do FM. Durante a sua reprodução os
associados não participam cantando mas apenas ouvindo. De certa forma essa conduta
assemelha-se à pedagogia tradicional onde apenas se ouve de forma a interiorizar o saber que,
de acordo com o mestre, a música incorpora.
Quanto à oratória, de acordo com (CI) Juriti (09/09/2012 entr. Lisboa), “a primeira pergunta
feita por um dos participantes tende a traçar a performance de toda a sessão”, e por
conseguinte, o perfil sonoro da mesma. De forma semelhante, quando são performados no
início da sessão fonogramas não musicais que contém histórias gravadas por algum MO ou
mesmo pelo Mestre Gabriel, é solicitado pelo MD que as perguntas sejam direcionadas a
estudar a história para depois realizarem perguntas referentes a outros assuntos. Mas, se caso
algum participante ainda manifeste o interesse em realizar uma pergunta fora do assunto que
remeta à história, o MD pode responder que somente após estudar um pouco mais a história
abrirá para um novo assunto.
Segundo M. Caburé, normalmente não se sabe previamente que assunto será abordado durante
a sessão, sobretudo nas sessões de escala que ocorrem a cada 15 dias. Essa previsão só é
possível em dias relativamente emblemáticos para os quais existe já uma espécie de repertório
recorrente. Como já exposto, as primeiras palavras utilizadas pelos oficiantes (que podem vir
do Regimento Interno, da explanação, ou da primeira pergunta ou chamadas) influenciam toda a
sessão. Assim, cada uma das ferramentas é empregue seguindo uma lógica normativa e
balizadora do assunto que se quer desenvolver. Por exemplo, para se fazer uma chamada é
217 M. José Luiz após a sessão realizada no dia 08/05/2016 na UDV-PT autoriza a publicação desta narrativa neste trabalho.
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necessário fazê-la até um determinado horário, por uma determinada pessoa e após o seu
término é recomendado ter alguns minutos de silêncio. A opção pelo tipo de fonograma
musical (FM) a colocar, no caso de existir, vai depender da hora, do tempo transcorrido de
sessão, para saber qual categoria escolher. E mesmo que não haja nada referindo à duração
que o fonograma deva ter, conforme M. José Luiz, é sugerido que tenha entre 2 a 3 minutos.
Essa técnica visa manter a ordem, como também um padrão de controle em todos os sons ali
produzidos.
Quanto à doutrina, ela também é caracterizada por certo tipo de palavras distinguindo-se pela
sonoridade desse vocabulário. Essa sonoridade seria como um sotaque único advindo de uma
“retórica própria”. Segundo Labate e Pacheco:
Estes “ensinos”, podem remeter a assuntos que se assemelham a outras práticas religiosas,
mas se algum participante propõe exteriorizar um conhecimento aprendido em outro contexto
religioso, possivelmente é corrigido pelo MD/MR. Essa intervenção busca manter a
sonoridade, o sotaque próprio à doutrina. Neste sentido, a maestria está nas mãos do
MR/MD, em conseguir envolver o sentido auditivo do participante a fim de direcioná-lo aos
pensamentos que se queira indicar.
204
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No contexto ritual em análise, para além dos sons organizados pelo MR/MD - que
compreendem a reprodução dos fonogramas, das chamadas e da oratória -, coexistem sons
adversos e muitas vezes incómodos ao participante menos acostumado em abster-se
sonicamente, e a alcançar a concentração mental. Como forma de domínio da escuta, o MR/MD
orienta os participantes a domesticarem a sua atenção e pensamentos em direção ao conteúdo
doutrinário. Neste sentido, os ensinamentos tendem a regular, e a modelar a escuta, a
direcionar a atenção do participante em uma performance da escuta que tem por consequência
direcionar suas emoções. Considerando tal possibilidade a escuta natural também teria um
papel importante nesse processo de modelação sensitiva.
Entre alguns dos sons externos e internos ao indivíduo estão: passos no assoalho de madeira,
titirilar dos copos, som dos líquidos (vegetal e água) ao cair nos copos, tosses, movimento de
cadeiras e dos corpos nas cadeiras, som da corrente elétrica, sons estomacais, sons de vômito e
saco plástico – esses produzidos dentro do salão. Há ainda o ambiente dissonante do aspirado
pelo grupo local, procedente de fora do prédio da UDV-PT, onde as ondas sonoras em
muitos momentos pleiteiam interferências no ritual, atingindo o ouvinte de forma abrupta,
interpelando-o. Dependendo do tempo de “treino”, o discípulo é capaz de direcionar a sua
atenção e pensamento a locais bem diversos do geralmente induzido pelo ritual. Logo, esse
contexto hostil fomenta de sobremaneira o esforço em domesticar a escuta, ao meu ver algo
complexo.
Assim, é possível olhar para essa realidade fenomenal sob 2 distintas perspectivas e
simultaneamente interativas: a paisagem sonora do salão, que interage com o som da sala e do
próprio indivíduo (ruídos fisiológicos) e a paisagem sonora do Bairro. Ambas as paisagens
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convergem no indivíduo, sendo ele, ao mesmo tempo, receptor, co-autor e produtor sonoro
dessa mesma paisagem.
Algumas dessas sonoridades que pleiteiam interferências no ritual são: vozes, gritos, assobios,
choro de criança, latidos, sons de gaivotas, buzinas de todo tipo inclusive de navios, passos,
tosses, sons das rodinhas das malas na rua de paralelepípedo, fonograma musical vindo de
algum rádio portátil, cancela de automóveis, motores dos automóveis, motos e do caminhão
de lixo e, principalmente o estridentemente titirilar das garrafas de vidro a cair tanto no eco-
ponto como na lixeira do caminhão, que os coleta quase sempre no mesmo horário da sessão,
entre as 22:00 e 23:00 horas.
Se é dever do mestre manter uma sequencialidade sonora com o propósito de controlar todas
as ações do indivíduo durante o ritual - pensamentos e cenários imagéticos que irrompem a
partir da escuta (Sacks 2007: 47) -, até que pondo a sua capacidade de ação está ou não
limitada na presença das sonoridades adversas?
Além de alertar para a concentração mental e ensinar técnicas de como escolher, dentre os
pensamentos, o melhor para si, ou seja, o pensamento positivo que esteja em conformidade
com os preceitos udevistas, o MD trabalha com a evocação de imagens através dos sons.
Quando surge um determinado assunto na sessão, o MD muitas vezes desenvolve-o através
de uma narrativa histórica. É comum usar uma técnica semelhante às empregues por
contadores de história munidos de estratégias que englobam metáforas e mitos ancestrais218.
De certa forma, quando esse método é ressignificado criativamente através do uso do FM,
geralmente consegue absorver a atenção do indivíduo, uma vez que o som consegue
preencher todo o ambiente. Mas quando há somente a ocorrência da retórica a ecoar pelo
218 Dentre os “contadores de história” poderia adequar o xamã que através da canção utiliza de metáforas da “linguagem
torcida” para “ver” e curar (Townsley 1993; Brabec de Mori 2012)
206
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Salão, pode ocorrer um conflito de sonoridades entre os sons que são produzidos dentro do
Salão com os sons que vêm de fora perturbando o fluxo doutrinário. Como descreve o
compositor Pierre Schaeffer, mesmo sem querer estamos sempre a ouvir algo (2003 [1966]).
Logo, percebe-se que a composição sonora promovida dentro do Salão do Vegetal na UDV-
PT corrobora para que seja observado um certo fluxo alcançado pela performance auditiva a
partir da equação que articula as sonoridades relativas ao(s) sujeito(s) (intra-subjetiva e inter-
subjetiva) e as sonoridades relativas ao ambiente exterior ao sujeito (intra-espacial e inter-
espacial).
Ainda, há um outro momento percebido nesta paisagem sonora e que é transversal a todos os
outros: a existência de uma escuta individual e uma escuta coletiva. Apesar de todos estarem
expostos ao mesmo tipo de estímulo sonoro, seja provenientes do bairro como da sessão, seja
à ocorrência de uma chamada, fonograma musical, ou mesmo uma determinada oratória, nem
sempre são escutadas ou percebidas completamente pela maioria. Situação que indica que o
ouvinte escuta o que lhe “interessa” (Schaeffer 2003 [1966]) 219 ou mesmo, a primeira
sonoridade que lhe é apresentada, assim, se deixando levar por essa sugestão. Há
características referentes ao próprio som, que segundo Michel Chion envolve uma escuta
reduzida, onde
every individual hears something different, and the sound perceived remains forever
unknowable. But perception is not a purely individual phenomenon, since it
partakes in a particular kind of objectivity, that of shared perceptions. And it is in
this objectivity-born-of- intersubjectivity that reduced listening, as Schaeffer defined
it, should be situated (Chion 2012: 50).
Por sua vez, além dos participantes receptores terem cada qual uma forma particular de
interpretar, reinterpretar ou mesmo completar o sentido do que escutam (Eco 1962, Sekeff
2004, Zumthor 2007) os sons imaginados também são capazes de induzir o indivíduo a um
tipo de escuta durante o ritual, produzindo um certo tipo de miragem auditiva. Segundo o
neurocientista Oliver Sacks, algo parecido ocorre com temas musicais quando são lembrados,
imaginados a partir de sugestões e expectativas “produzindo uma experiência quase que
219 Pierre Schaeffer definiu a natureza do objeto sonoro a partir de 4 mecanismos perceptivos da escutas que atuam ao mesmo
tempo. Esses são: écouter, ouïr, entendre (ouïr-entendre e écouter-entendre) e por fim o comprendre. Tal formulação evidencia um tipo de
balanço que busca descrever o percurso da percepção de alguns aspectos e mecanismos da escuta (2003: 61).
207
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perceptiva” (2007: 47). A partir de experiências físicas realizada com ressonância magnética
funcional, observou-se que mesmo em pequenos rasgos de silêncio entre a performance
musical, o cérebro ativa as zonas de associação auditiva (idem: 47) o que promove a imagética
mental. Logo, seguir as orientações sugeridas pelo MD/MR é ter a capacidade de ordenar,
consciente e voluntariamente, a imagética mental produzida a partir da escuta. Logo, é saber
orientar a sua ocorrência ao invés de estar vulnerável à sua emersão espontânea, contribuindo
para que esse controle, conforme o autor, não seja somente atribuído a profissionais do som
(aos músicos) (2007: 48-49).
No entanto, segundo estudos realizados na área acústica, há referências de sons que são
captados pelo organismo mas que não são audíveis conscientemente. São infra-sons, com
frequência abaixo de 20Hz capazes de propagar a longas distâncias e podem ser produzidos
tanto por elementos da natureza como tecnológicos. Tais ondas infrassônicas proporcionam
alguns tipos de efeitos no corpo humano, como náuseas, vômitos, tremores, pânico,
epilepsias, alteração de humor, medo e outros efeitos mecânicos como a vibração do tecido
ocular (Tandy 2000, Arezes 2002: 24). Este pode resultar em visão turva ou mesmo manchas
cinzentas que convidam os indivíduos expostos a uma combinação de sons, duvidar das suas
opiniões, que segundo Vic Tandy (2000/ 2013), sugerem visões fantasmagóricas. Segundo o
autor, esse tipo de visão geralmente ocorre na frequência de 19Hz, e pode causar um intenso
senso de presença desagradável.
Segundo Tururim, a primeira vez que bebeu o Vegetal se surpreendeu pela amplitude sonora
que alcançou a sua escuta. Segundo ele:
A primeira borracheira que eu tive foi marcante, porque o meu sentido auditivo
estava muito forte. Eu estava conseguindo escutar, pequenos ruídos que estava no
jardim, coisas bem pequenas, de insetos. Parecia que eu estava com um
amplificador aqui no ouvido. Quando eu me toquei do que estava acontecendo eu
fiquei impressionado e curtindo a burracheira. Pra mim eu não sabia que era
burracheira. Foi uma experiência, que eu me lembre que devo ter ficado uns 10
minutos naquela posição, com a mão no joelho – que eu tinha vomitado –
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apreciando aquele verde intenso, a grama e tudo. Mas o que mais me chamou a
atenção, foi tá escutando coisas mínimas no jardim. Eu resolvi sentar, e quando eu
sentei, comecei a ficar bem aliviado, bem relaxado. Ai tocou a música tente outra
vez do Raul Seixas. Eu pensei: Tô gostando daqui (sorri) (Tururim 2012 -Lisboa)
Para averiguar a ação sonora sob o participante durante a sessão, foi elaborada uma tabela,
fundamentada no trabalho do compositor Murray Schafer (2001: 301). A coleta de dados
realizada após a sessão, serviu como suporte para a compreender o processo de interação
desses sons com a performance da escuta do discípulo. Dentre as tabelas escolho um exemplo
preenchido após a sessão de escala pela interlocutora Irré (05/07/2014 – UDV-PT), disposto
logo a baixo.
220A partir de Luigi Russolo (1913), Pierre Schaeffer e o músico John Cage tornaram-se expoentes compositores de “novos
sons” que colaboraram para uma visão mais alargada sobre música o que inclui compor a partir (e conjuntamente) da
paisagem sonora.
209
A partir de um elemento sonoro de sua escolha, descrever o que ele fez-te: lembrar, sentir, ver, etc. dentro da sessão.
Este elemento sonoro pode advir de algum som proveniente tanto do salão como da sua mente. Sons advindos do ambiente externo também:
- voz do mestre ou de outro participante;
- algum instrumento musical especifico;
- alguma música ou chamada;
- sons advindos da sua lembrança (assovio, voz, música, instrumento musical, etc)
- expressões físicas que produzem sons como, passos, vomito entre outros;
- ambiente externo ao salão (buzina, conversa, latido, choro, panelas a bater, descarga, etc), como
Evento / Ligação com Cor Sentidos/ação- Sentimento Palavra& Local/paisagem Sua posição no Volume
Elemento outro Salão q. ouviu
Sonoro elemento/sujeito cheirar, comer, Alto, Médio
a n d a r, c a n s a r, Baixo
chorar, sorrir, beijar, /
amar, abraçar, etc Suficiente, bom,
Não bom
Bateria'na'!º A' música' era marron V o n t a d e' d e rejeição desnecess nenhum À'mesa,'do'lado normal
música l i n d a ,' s e r i a tirar' a' bateria ário de' quem' faz' a
210
perfeita'sem'a d a' m ú s i c a' 6 explanação
b a t e r i a' 6 incômodo
bateria
B a r e s' e Verde T a p a r' o s P e n a' d e barulho nenhum Muito'alto
Garrafas bêbados das ouvidos quem'bebeu
quebrando garrafas
vômito preto vergonha avisar 6 6 Bem'baixo
Barulho' de
plástico
Tabela 15 – Paisagem Sonora do Salão do Vegetal UDV-PT.
Observações:
A'2'º'música'era'muito'bonita,'Juizo'Final,'mas'eu'preQiro'com'a'voz'da'Clara'Nunes.'A'voz'da'contora'era'muito'suave.'A'primeira'música'
era'linda,'parecia'uma'música'cigana'com'todos'os'instrumentos'que'eu'gosto,'mas'eu'não'gostei'da'bateria'na'música'e'aquilo'prendeu'
minha'atenção.'Talvez'seja'um'sinal'para'eu'prestar'mais'atenção'no'lado'positivo'das'coisas'e'não'tanto'no'que'não'me'agrada.
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A partir das análises sobre esse material, foi possível perceber que a sociedade udevista, mais
especificamente a instalada em Portugal, pode ser entendida como uma comunidade acústica na
medida em que determinados códigos acústicos promovem uma comunicação determinante
para o processo de apreensão da doutrina. Do mesmo modo, a comunidade do bairro também
pode ser configurada como uma comunidade acústica. Para Schafer “uma comunidade pode ser
definida de muitos modos: como entidade política, geográfica, religiosa ou social”. Mas
propõe “que a comunidade ideal pode ser também definida, com vantagens, por linhas
acústicas” (2001: 312). O termo comunidade aqui exposto tem a ver com algo em comum
entre as pessoas, que no ponto de vista do pesquisador Schafer, são indivíduos que partilham
uma atmosfera acústica, ou mesmo uma paisagem sonora em comum. Quando o foco dessa
pesquisa remete para um determinado ponto do bairro, revela que aquela comunidade está
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compartilhando um mesmo espaço sônico, este marcado pelos sons fundamentais 221
característicos de um local turístico, portuário e em meio a um grande centro urbano. Assim,
os sons marcantes, fortes e informativos que nesse ambiente são produzidos, segundo
Schafer222, podem ser designados como marco sonoro e sinal sonoro. São essas sonoridades que
delimitam a “zona de contato” entre ambas as comunidades acústicas.
Assim, a construção deste evento sonoro é caracterizada por uma performance auditiva que,
vista como uma obra viva e dinâmica, foi percebida como uma comunidade acústica que
dialoga com outra comunidade acústica (a do bairro). Assim, esse diálogo tende a interferir na
forma como cada participante apreende a doutrina dentro do ritual. Podemos dominar a visão
através do fechar e abrir dos olhos, podemos parar de falar e imobilizar a boca por um tempo,
podemos até cessar a respiração por alguns segundos, mas não podemos parar de ouvir sem
fazer uso das mãos para tapar os ouvidos.
221 De acordo com Murray Schafer (2001 [1977]), o som fundamental é todo som que geralmente não se escuta
conscientemente, podem ser sons vindos do mar, ruídos de uma cidade, do vento, de animais, sons de fundo criados por uma
geografia, clima e habitantes.
222 Segundo Schafer, marco sonoro é o som característico em uma comunidade, “que é único ou possui qualidades que o
tornam especialmente notado por essa comunidade” (2001: 365). Já sinal sonoro “é qualquer som para o qual a atenção é
particularmente direcionada”, tem a intenção de comunicar, de avisar, de alertar (2001: 368).
223 Contudo, o antropólogo Josep M. Fericgla (1998) investe no ponto onde a repetição rítmica e forte auxilia no despertar do
caminho que leva a emotividade, o que remete as festas transe dentre tantas sociedades. Também ver em Tiago C. Cavalcante
sobre Festivais de música eletrônica (2008).
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Nesse sentido, ainda que exista um propósito de controle de uma sequencialidade sonora no
ritual por parte do MD, os aspectos diversos apontados neste texto (a paisagem sonora do
bairro e do salão, a escuta intra e inter subjetivo/ambiente, a dinâmica de coautoria do
receptor), demonstram haver uma interpretação subjetiva e pessoal influenciada por aspectos
sonoros não controláveis.
É no contexto acima descrito que o som musical também convive, embora possa ser
percepcionado e entendido de formas muito diferentes pelos participantes. Importa saber o
que, no contexto da UDV, é considerado pelos seus atores como música ou não música, uma
vez que grande parte das ferramentas do ritual usam a voz entoada (em tempo real ou em
fonograma sob a forma de chamada ou de canção), ou música instrumental igualmente em
suporte de fonograma.
As chamadas, por terem sido feitas especialmente para o contexto ritual, são distintas do
fonograma musical, mesmo que sejam também reproduzidas através de fonogramas. A elas
estão atribuídas ações como receber, fazer, trazer uma chamada, nestes dois últimos casos sempre
que são performadas “ao vivo”. Alguns dos meus colaboradores a entendem como “Música”
embora a diferenciem do fonograma musical. Outros como uma música evocativa, ainda
outros - como M. Jorge Elage (JE) (20/05/2012 entr. Porto Velho/RO) e também M. Furriel
224
- a entendem como uma oração, ou mesmo uma espécie de mantra. Conforme Furriel:
Música é música, chamada é chamada. Pode-se dizer que chamada é uma oração,
chamada pode ser até um Mantra. Tem gente que vê como Mantra. Mas música
não. Porque a chamada tem uma outra função completamente diferente de música.
É porque a chamada trabalha com algumas palavras específicas, né. E às vezes
aquelas palavras elas trazem - por isso que o nome é chamada - pedem ou traz uma
força, uma energia para sessão diferente. Não é uma música. Apesar que uma
música possa fazer isso também, né. (grifo meu) (2014 entr. Lisboa).
224 Natural do Maranhão, integrou a OTUS em 2000 e em 2003, com a dissolução da mesma, migrou para a UDV passando
do QM para o QS. Atualmente faz parte do QM e junto com a família frequenta a UDV. Para dar sequência a carreira
acadêmica veio à Portugal cumprir parte dos seus estudos em um doutoramento na área das tecnologias.
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Nesse contexto nem todo FM que é performado por um suporte mecânico é considerado
música, enquanto a chamada performada “ao vivo”, também não há um consenso. Para uma
parte da irmandade música tem “função” e torna-se materializada pelos suportes que a
“contém”. Embora a sonoridade da chamada também esteja arquivada em suporte mecânico,
“tenha funções” e musicalidade semelhantes às atribuídas à música, ela não é considerada
propriamente como música, o que sugere uma certa ambiguidade na sua definição. Como
descreve M. Furriel e C. Sabiá:
Furriel: Tem uma música que o Mestre Gabriel dizia como fosse uma oração, que é
a música. Deixa eu lembrar. Você lembra ai Sabiá? Já ouviste falar disso?
Sabiá: não. Deve ser a do Roberto Carlos...
Furriel: Não. Acho que deve ser o “Arrastão”. Eu acho que é o Arrastão. O Mestre
Gabriel falava que era como se fosse uma chamada.
Furriel: Não. É, “Hoje tem Arrastão” [trauteia]. Mas acho que é essa. Não estou
lembrado. É uma música que ele gostava muito e dizia isso. Mas tem diferença.
Você não percebe a diferença? Porque na chamada tem palavras que são palavras de
mistérios, que não são usuais. Mestre Zé Luiz fez a chamada do Dr. Camalango na
sessão anterior que você estava presente, né, usava a palavra Moraia, por exemplo.
Não é uma palavra usual, né. Então, tem um movimento diferente por conta das
palavras e da maneira que entoa a chamada. O tanto que tem importância o tom
que a pessoa faz a chamada. Tem uma importância, não é de qualquer maneira. Não
é só falar as palavras. O tom também influencia. Mas música não, tem outras
características. O Mestre Gabriel usava a música de uma maneira diferente. Mestre
Gabriel usava música para mexer com as pessoas, pra trabalhar a memória das
pessoas (…) (2014 entr. Lisboa).
Furriel procura ainda delimitar as diferenças entre “música” e chamada, ressaltando o ritmo, a
energia que emana, assim como a dependência da performance do discípulo – fator de
importância para que o resultado desejado seja alcançado.
Alguns dos colaboradores entrevistados tanto em Portugal (C. Melro, C. Sabiá, Martin, Juriti
entre outros), como Espanha e Porto Velho/RO, não mostraram qualquer preocupação em
relação a esta distinção. Ao tentarem explicar as diferenças, a partir das minhas dúvidas,
remetiam a própria questão para mim perguntando se eu própria não sentia a diferença.
Alguns promoviam o facto de a chamada ser feita “ao vivo” e sem acompanhamento de
instrumentos musicais como forma de não a considerar música.
214
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Outra critério apontado recai sobre o uso das palavras endémicas enquanto forma de
distinguir a chamada da música (canção). Porém, mesmo que atualmente haja recomendações
para que os participantes músicos não utilizem em suas canções os termos próprios à
cosmologia udevista, são múltiplas as canções que circulam na indústria da música popular e
que usam palavras semelhantes. Algumas dessas canções foram produzidas por mestres que
fizeram parte do início da UDV (ex.: Augusto Queixada que formou o 1º grupo dissidente
(Goulart 2004: 251) e Nonato, segundo Aracuã).
Existem no entanto situações que podem promover alguma permeabilidade entre música (na
perspectiva entendida pelos udevistas) e chamada. Alguns exemplos podem ser encontrados
nos FMs reproduzidos pelo fundador. Por exemplo, Mestre Gabriel atribuía à canção Arrastão
(LP Top Set- LPNG 4116) um valor (semântico e sonoro) semelhante a uma chamada, como
descreve Açor (ex. UDV-PT) quando percebe que a sílaba “ei!”, pode ser interpretada como
representativa da palavra Rei. De acordo com Furriel e Açor, entre outros discípulos, Mestre
Gabriel desaconselhava o uso dessa canção descontextualizada porque “traz burracheira para
o salão” (02/11/2012 entr. Lisboa/PT).
Título: Arrastão
Compositor: Edu Lobo e Vinicius de Morais
Ano: 1966
Ê! tem jangada no mar
Ê iê, iêi!
Hoje tem arrastão
Ê! todo mundo pescar
Chega de sombra, João
J’ouviu
Olha o arrastão entrando no mar sem fim
É, meu irmão, me traz Iemanjá pra mim
Minha Santa Bárbara, me abençoai
Quero me casar com Janaína
Ê... puxa bem devagar
Ê, iê, iêi, já vem vindo o arrastão
Ê, é a rainha do mar
Vem, vem na rede, João
Pra mim
Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim
Nunca jamais se viu tanto peixe assim
Segundo Lodi, M. Raimundo Nonato Marques (quem presenteou o Mestre com o LP) dizia
que o Mestre Gabriel
alertava que era bom evitar tocar a música Arrastão em sessão para pessoas de
primeira vez, porque o novato poderia não aguentar (...)Por exemplo, o verso ‘chega
de sombra’ quer dizer chega de ficar só sombreado por aí. Outro verso diz: ‘Vem na
rede João, todo mundo pescar’, estas palavras mostram que a União do Vegetal é
uma corrente. Se você escutar essa música todo dia, vai descobrir coisas
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Assim, levando a entender que a canção Arrastão, pode ser tão importante como forma de
reforçar uma chamada agindo como tal. Existe como que um pensamento subliminar que
atribui a determinadas canções poderes auspiciosos e transformadores, tal como é suposto que
existam nas chamadas. Nesse sentido, e segundo narrativas, não é aconselhado a audição desses
FMs fora da sessão, inclusive alguns mestres recomendam a restrição da escuta de todos os
FMs que o participante tenha escutado durante às sessões para que às informações não se
vulgarizem com a reiteração (Joelson entr. 2012).
*
Figura 33 - Buiuna - letra e partitura. Transcrição melódica e poética de autoria de Alexsander Duarte a partir da
performance do M. Biondo entr. 09/05/2010-Espanha/ES.
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esses detalhes que uma pessoa vai aprendendo com o tempo (Biombo -12/05/2010
entr. UDV-Espanha).
No mesmo sentido, Dançador - que defendeu sua tese sobre capoeira em 2015 - compara a
chamada da UDV e a chamada da capoeira. Segundo ele: “Depende do mestre se a chamada é boa
ou ruim, se for na capoeira os capoeiristas ou brigam ou dançam. Na UDV, se a chamada for
feita bem a burracheira é ótima, mas se o mestre fizer uma chamada ruim, você pode cair...É
muito poderosa a força” (2013 entr. Portugal)225.
Biondo enfatiza que o efeito que se busca quando se faz uma chamada é atrelado à relevância
da imposição da voz. Contudo, questiono M. Furriel se na audição de um FM, ocorre a mesma
percepção.
Furriel: Tem outro efeito. Não sei se se chama Luz, eu não sinto assim, às vezes faz
viajar. Pelo menos eu sinto assim, uma música mais tranquila (2014 entr. Lisboa).
Apesar de Furriel não percepcionar semelhanças entre FM e chamadas, quando questiono sobre
o uso da categoria Forró durante o ritual e através dos fonogramas comerciais, ele confere-lhe
um atributo de chamada, uma vez que estimula a burracheira.
A partir das entrevistas foi observado que, não somente nas chamadas mas também nos FMs a
entoação da voz é critério relevante no momento da performance durante o ritual – isso vale
também para não brasileiros. O que traz novamente a questão destacada por Bia Labate,
quando refere que os fonogramas (gravações/fontes primárias) entregues aos MR não são
somente para uso ritual, mas também como arquivo sonoro sempre disponível para
manutenção/regulação, inclusive do timbre certo a ser apreendido e conseguinte, transmitido.
Contudo, como aborda a pesquisadora, esse método específico de transmissão oral, “dá
menos margem de fluidez” se compararmos ao material literário por nivelar a forma de
225Tal contexto não se mostra tão diferenciado de um cenário onde emerge cantadores e repentistas nordestinos estudados
pelo antropólogo Sautchuk (2009: 34).
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Mas em relação a interpretação, será possível uma uniformidade? A partir das narrativas dos
colaboradores, é subjetivo interpretar essa recepção sonora, tanto a nível de FM como de
chamadas. Se não houver um indicativo, pode um mesmo tema (musical ou chamada)
performado por um mesmo MD, promover distintos entendimentos/emoções. Como
exemplifica o discípulo Hélio (Brasília/DF):
Um exemplo claro disso, foi uma sessão em que um conselheiro se levantou pra
falar do seu filho, e o mesmo não foi claro no que estava falando do filho dele. Dai,
o MR pediu ao DJ [auxiliar do som] pra colocar a música "O filho do seu menino -
Jair Rodrigues" e pronto. Pra mim, faltou alguma coisa. Faltou o MR trazer algumas
palavras pra complementar o que estava sendo dito. Não sei se o filho do
conselheiro estava fazendo aniversário ou se aprontou algo, entende? (Hélio
25/04/2012 musicante).
Ainda sobre essa questão, outro discípulo busca no exemplo do M José Luiz (MO) maneiras
de aprender a utilizar ambas as ferramentas (chamada e FM).
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Durante algumas sessões na UDV, quando reproduzida a voz do Mestre Gabriel através de
um fonograma (e esse for reiterável quando necessário), apesar de não haver sua presença
corpórea, alguns elementos transportam o participante para uma ambiência que favorece
sentir “sua corporeidade, o peso, o volume real do corpo” (Valente 2011: 95). Alguns dos
elementos que promovem essa sensação, podem ser: a representatividade do MD conjugada
com a representação visual do Mestre Gabriel na foto exposta à frente da maioria dos
participantes e a sensibilidade provocada pelo Vegetal que de certa forma induz um imaginário
“tátil”. Por um lado não deixa de ser uma performance memorável e como observado por
Valente, um texto audiovisual. Por outro lado, mesmo que o fonograma (também o musical)
seja reiterável, nesse ambiente ele é “visto” pelo discípulo em ENOC diferentemente, sendo-
lhe atribuído valor em tempo presente/ cronológico.
Após a entrevista com Furriel e algumas situações transcorridas durante a pesquisa de campo,
observei que, para muitos colaboradores, nem todas as categorias musicais são
conscientemente caracterizadas por “música”, mesmo que empregues durante o ritual. Tal
distinção é relativa aos temas instrumentais. Segundo a narrativa de Furriel o seu gosto musical
não se atém às canções, ou arquivos vinculados à mídia, mas tem grande apreço pelos temas
instrumentais, inclusive assina uma rádio na internet onde garimpa as suas preferidas. Mas antes
de revelar a sua preferência, afirmava não apreciar a escuta musical fora da sessão. Em suas
palavras:
PPL: Você trabalha esse lado de “garimpagem” da música para colocar em sessão?
Furriel: Não. Eu até falei com a Sabiá, quando você quis fazer uma entrevista
comigo. Porque eu não costumo ouvir música de sessão fora de sessão. Não ouço, é
muito difícil. Inclusive eu vejo que eu tenho que trabalhar em mim mesmo, vai
chegar um momento que vou ter que começar a ouvir. Pra conhecer mais, pra
poder utilizar música quando for necessário. Ouço música de sessão em sessão!
Conheço alguma coisa de música de sessões que toca nas sessões (28/06/2014 entr.
Lisboa).
Mas logo quando iniciamos uma conversa informal, Furriel revelou que:
Furriel: Eu gosto muito de música instrumental. Isso é uma coisa que costumo fazer,
é ficar garimpando música instrumental. Eu faço isso.
Situação que veio enfatizar a significância conferida ao tema instrumental dentro da UDV.
Como forma de reparar a própria diferenciação, ao dirigir uma sessão na UDV-PT, Furriel
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escolheu para reprodução justamente um tema instrumental, ao qual atribuía grande valor
pessoal226.
O juízo de valor descaracterizando o tema instrumental como “música” ocorreu também num
outro momento. Geralmente no término das sessões em que participei, solicitava tanto ao
MR/MD quanto ao auxiliar do “dono da radiola”, a relação dos fonogramas reproduzidos.
Para facilitar a recolha dessa informação produzi uma tabela (v. apêndice VI) que deixava ao
lado do computador onde o auxiliar pudesse anotá-los. Durante o ano de 2013 e parte de 2014
essa tabela foi mantida, inclusive em sessões que eu não participei. Porém, no término de uma
dessas sessões, observei que não havia a descrição dos temas instrumentais reproduzidos
durante o ritual mas apenas os que incluíam a palavra cantada. Martim que cumpria a função
de auxiliar do “dono da radiola”, me informou que a razão do seu critério foi por entender
que o meu pedido se centrava “apenas nas músicas e não nas instrumentais”. Tentei por
outras ocasiões, junto do mestre responsável pela sessão, preencher a minha lista mas M.
Caburé (MR) não se recordava de todas as reproduções. Quando tentava fazê-lo referia-se
frequentemente apenas às descrições físicas ao invés dos dados fonográficos, como por
exemplo: “a 5ª ou 6ª música do CD azul”. Apesar dessa situação revelar a fragilidade da lista
enquanto registro, proporcionou uma outra leitura, a de analisa-la como “rica” pela falta e ao
mesmo tempo perceber que o disco em si ou os seus intérpretes têm, para M. Caburé, um valor
muito menos importante do que as canções isoladamente.
Solicitar ao MR/MD o fonograma reproduzido durante a sessão é uma prática comum aos
participantes quando se sentem “tocados”. Segundo Furriel, quando gosta de algum FM pede
ao MR: “olha, daí o nome da música, ai eu vou atrás da minha rádio [on-line] e da música e
guardo no meu celular”. Mas, quando escuta durante a sessão fonogramas raros que não estão
facilmente disponíveis ao público recorre a um repositório particular: “Aí eu tenho o CD.
Quando é música muito específica que eu não encontro, aí eu tenho alguns CDs em casa com
músicas, que eu já gravei em algum momento” (28/06/2014 entr. Lisboa).
Outra forma de aquisição advém do ato de presentear, geralmente através de uma produção
caseira. Esta produção pode envolver a iniciativa individual como também a de um
226 O FM que ele revela ser especial é Incantation de Jasse cook, seu semblante se altiva e seus olhos brilham. Logo ao
encerrar a sessão me perguntou o que havia achado (normalmente esse tipo de questão é realizado quando o MD sabe sobre a
minha pesquisa). Justamente nesse evento, sofria de fortes dores abdominais, que amenizou quando o FM foi colocado.
Semelhante situação ocorreu com MR Caburé, que num outro momento chegou a padecer de dores, febre e enjoos mas ao
participar de uma sessão sentiu a melhora. Histórias como esta é comum escutar, só não é amplamente divulgado. Como
explicação para um diagnóstico de melhora ou não traz novamente o conceito de merecimento.
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determinado grupo da UDV. Esta ação promove algumas ações como: coletar fonogramas
comerciais já “catalogados” pela UDV ou aprovado por algum MR, de gosto pessoal ou de
preferência da irmandade local, distribuição à irmandade (local) ou a membros selecionados
pelo produtor do CD. Se o objetivo for a beneficência (auxílio de um núcleo ou discípulo)
pode ocorrer a produção de um CD que privilegie fonogramas autorais cedidos por algum
discípulo.
A maneira como Furriel trata o seu repertório musical, (assinar uma rádio - a sua rádio,
solicitar e transferir FMs para o celular pessoal, gravar CDs, entre outros) ao meu ver poderia
caracterizá-lo como um apreciador musical. Porém, mesmo mantendo estas atividades ainda
carrega uma certa culpabilidade por não ser tão empenhado no aprendizado musical como
instituído pelo Mestre Gabriel. Tal como Furriel, alguns mestres entrevistados também
expressaram o mesmo sentimento que ressalta a falta de tempo e empenho no “estudo
musical”. Dentre esses encontram-se MRs, mestres antigos, um MO, e um mestre que é
músico profissional. Situação que revela uma pressão frente aos estudos relativos ao conhecer
profundamente a aplicabilidade da música nesse contexto.
No entanto, quando o indivíduo participa das sessões desd’a barriga 227 , seu repertório é
construído de uma forma que possibilita o acesso a um grande conjunto de composições
apreendidas com o próprio conhecimento empírico. A partir das entrevistas foi comum
observar os colaboradores atribuírem aos temas musicais significância no aprendizado,
sobretudo de conduta. Segundo narra Ana e seus irmãos esse aprendizado musical distinguia-
os das outras crianças quando nas brincadeiras envolvia a utilização da música,
Assim, esse cenário sugere que na UDV, um local onde há várias frentes de ensinamento, a
disciplina musical é uma delas.
A manifestação de querer melhorar a leitura que se faz sobre específicos fonogramas, assim
como entender sobre as suas aplicações, reflete a própria forma de pensar o emprego de todo
“material” que é adequado dentro do ritual - seja ele pensamento, ideias, histórias,
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fonogramas, entre outros. O método que se usa para adequar qualquer recurso dentro da
sessão pauta-se no que o indivíduo acredita ter veracidade, seguindo o um axioma lógico.
Nesse sentido, além das enunciadas características atribuídas ao MR - por ser o maior grau
hierárquico no contexto local e teoricamente o que melhor sabe o que deve escutar durante o
ritual - algumas das suas ações interferem na quantidade de FMs utilizados nesse local. Estas
podem ser pautadas pelos seguintes atos: (1) Por não ter tempo em estudar os FMs e possua
pouco repertório musical mental, sua escolha em reproduzir um FM fica reduzida caso o
assunto condizente com o seu repertório não ocorra, impelindo-o a não fazer uso de FMs
durante a sessão. (2) Outro critério de escolha de um FM pode envolver a valoração estética
do MR/MD, como também o gosto em não reproduzir qualquer FM durante a sessão.
Nesse último ponto, encontrei no depoimento do M. Braga (MO) (2012 entr. Porto
Velho/RO), argumento para essa suposição. Durante nossa conversa, quando referia-se ao ato
de ouvir música no Salão do Vegetal, realizava movimentos como elevar os olhos e a cabeça
para o alto, atribuindo a essa prática algo negativo. A sua opinião desvalida o uso do FM em
sessão adequado à doutrina, pare ele é “perda de tempo”. Entende não haver diferença em
escutar um FM dentro do ritual como fora, afirmando ter a capacidade de se concentrar e se
deixar levar pela sonoridade o tempo que desejar. Percebe que tem ‘músicas” que são agitadas
que o levam a ficar agitado, outras que são mais divinas, que o leva as alturas. Contudo não
revela quais são os FMs que lhe proporcionam essas sensações. Como justificativa a sua
distinta conduta em oposição à forma como Mestre Gabriel utilizava os fonogramas, ele
esclarece que não é um “beato do Mestre mas um discípulo”228. Lembra que na época do
Mestre, havia fonogramas que ele, assim como outros participantes, não gostavam de ouvir. Se
o Mestre Gabriel colocava samba, “outros” gostavam de forró, ainda ressalta que não é
obrigado a ouvir música que não gosta no salão, pois, acredita que lá é lugar de conversar
sobre coisas espirituais, palavras que elevam ao divino, e não para ficar “curtindo uma
música”.
Num encontro social em Porto Velho/RO onde encontrava-se M. Braga e sua esposa
Dionéia, observei que a posição restritiva quanto o uso do FM compreendia apenas o
contexto ritual, pois neste ambiente comemorativo M. Braga solicitou ao filho do
aniversariante tocar no violão o tema Tocando em Frente. Enquanto escutava a performance “ao
vivo”, seu semblante era de satisfação. Como ele já havia mencionado, apesar de não gostar de
228 Segundo o fonograma Sermão da Montanha, ser discípulo é ser o povo de Jesus.
222
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ouvir FMs em sessão não significava não gostar de música, uma vez que “tem quase uma
banda musical em casa, só faltando a percussão” (2012 entr.).
De uma forma semelhante, a C. Jandira229 (filha do M. Gabriel) também retrata uma situação
parecida com a de M. Braga quando não se identifica com uma certa categoria musical.
Segundo a conselheira, seu gosto é o forró, e revela que quando colocam temas musicais
“melosos” ela não ouve. Dá “graças a Deus” por conseguir se distrair fixando os seus
pensamentos em outro lugar.
Jandira revela algo que o especialista de gravação e ouvinte profissional Chris Watson
denomina por "ouvir de forma positiva”, isto é, uma maneira de tomar,
Quanto a designação da chamada, C. Jandira entende que se ela tem som, ritmo e todos os
elementos que formam um tema musical, então para ela a chamada é uma música, “não é?”.
Porém faz algumas considerações ao discípulo que desafina e, nesse caso Jandira revela que
consegue direcionar sua atenção e chega a não escutar a chamada. Relata que quando aparece
um desafinado: “Nossa!! é ruim porque até atrapalha a burracheira. Fico me aguentando para
não sair, rapaz.... Teve um que fez a chamada tão desafinada que me curou [risos]. Mas hoje
quando isso acontece eu procuro me concentrar [risos]”. Ao descrever-se como inábil
musicalmente, direciona a conversa ao seu marido M. Amâncio, pois entende que ele é bom
conhecedor do assunto. Contudo, essa desqualificação em detrimento da competência do
marido, ao meu ver, demonstrou perceber que ser “bom entendedor de música” nesse
contexto é ter um gosto estético mais ampliado. É também estar disposto a escutar em sessão
toda categoria musical que não apenas o de gosto individual.
Para M. Braga a chamada é música, mas é uma música diferenciada, composta com propósito e
motivo distinto da música. Porém, apesar de atribuir a chamada uma conotação de música
especial, no momento em que repito sua afirmação, tem uma reação negativa, me
repreendendo e negando repetindo que ela é especial porque é feita para o Vegetal. Ele
229 Tanto M. Braga como C. Jandira não me concederam gravar a conversa. C. Jandira ainda brincou: “entrevista é o nariz,
entre a vista”.
230 Documentário A cor do Som ( The colour of sound), produzido por La Belle Allée Produções em 2012. Disponível
https://www.youtube.com/watch?v=mLKQcG_0zac. Acesso em: 01/12/2014.
223
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mesmo trouxe 6 chamadas que são performadas em sessão. Em suas palavras se define como
“caretão” pois entende que o discípulo que resolve fazer uma chamada em sessão deve fazê-la
igual a quem as fez pela primeira vez. Isto envolve principalmente a afinação e o tempo com
que cada sílaba é performada pelo compositor da chamada. Segundo M. Braga, se fizer com
afinação diferente esta fazendo outra coisa, outra “canção”.
A partir dessas narrativas, observei a existência de dois tipos de influências sobre os discípulos
advindas, tanto do Mestre de Origem M. José Luiz - o grande incentivador do uso de FM -
em oposição ao desestímulo descrito pelo MO M. Braga.
Como exposto, M. Braga não gosta da reprodução de FMs dentro do ritual, talvez por
apreciar música performada “ao vivo”, já M. José Luiz é grande entusiasta nesse sentido. Ele
mesmo é compositor e já gravou algumas canções, sendo uma delas oferecida como presente
para um núcleo. Além de ter grande facilidade em compor e fazer repente com qualquer
palavra e motivo, segundo ele, dirigiu uma sessão inteira em rima. Em entrevista, descreveu
seu cotidiano como um lugar onde não se cansa de cantar e tocar o violão especialmente para
a sua companheira, adequando em sua composição temas positivos e bem humorados.
Quando mencionou a época que conviveu com o Mestre Gabriel revelou que a comunicação
mantida entre os dois, muitas vezes foi mediada pelo uso do FM. Bastava o Mestre Gabriel
reproduzir um tema musical que M. José Luiz sabia se ele queria beber água, informar ou
pedir alguma coisa. Nesse sentido, o arquivo sonoro utilizado pelo Mestre Gabriel atualmente
pode ser considerado como um repositório de memórias, de histórias, de mensagens e saberes
relativos à própria UDV.
224
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Termo utilizado por Régis Barbier (2011) para definir a experiência proporcionada pela bebida que conecta conteúdos
232
mentais e elementos “culturalmente dicotomizados”. Barbier é presidente da sociedade Panteísta, umas das dissidências da
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A*MÚSICA*COMO*MEDIADORA*DE*SABERES*+*capítulo*6*
Vinculada a Estados Não Ordinário de Conciência (ENOC), a música colocada durante as sessões
rituais se revela como protagonista e fio condutor que guia os sentidos dos participantes a um
olimpo de potencialidades emocionais que, segundo depoimentos “parece direcionar a
burracheira do coletivo” (GO 2012 entr. Brasília/DF) Em outras narrativas a música dentro do
ritual é descrita como um veículo potente para o êxtase e apreciada como algo que confunde o
seu efeito com o efeito da ayahuasca. Segundo Tuju (04/2010 entr. Aveiro/PT) “há estilos
musicais que nos trazem um sentimento de nascimento e renascimento, ininterruptamente, já
que por ganhar imensa dimensão, transpõem fronteiras. A ayahuasca atribui importância ao
som e à vibração, pois somos puramente frequências”.
O êxito em selecionar um fonograma que se ajuste ao assunto no momento exato em que ele
foi evidenciado é motivo de empatia e valorização da performance do Mestre Representante
226
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como Mestre Dirigente (MR/ MD) pelos participantes. O ritual pode ser também apreciado a
partir dessa habilidade de utilizar os fonogramas adequadamente à situação. Contudo, segundo
algumas entrevistas, é possível também associar algum desagrado ao desempenho do MD
dependendo da forma como domina e direciona a sonoridade estabelecida no ritual,
especialmente quando não se clarifica a sua relevância subsequentemente ao evento sonoro.
Geralmente os elementos que são passíveis de tensão entre os participantes decorrem das
escolhas tomadas pelo MR/MD em relação aos fonogramas reproduzidos (ou não) em sessão.
Estes elementos podem ser:
(1) a escolha de uma letra e categoria musical - quando não agrada pela incompreensão
por parte dos ouvintes e não explicação por parte do MD;
Alguns mestres justificam as reações negativas ao seu desempenho com o facto de “não ser
possível agradar a todos” ou pelo facto da música transmitir uma qualquer mensagem que o
discípulo não esteja preparado para escutar. Todavia é notória a responsabilidade do mestre
representante (MR) como mediador sonoro e administrador dos humores234 e afetos sentidos
tanto pelo indivíduo como pelo coletivo (Christlieb 2000) no exato momento do ritual. Afinal,
se a UDV é entendida pelos seus discípulos como a religião do sentir, torna-se implícito o termo
sentimento, uma vez que sentir, segundo a socióloga Agnes Heller 235 (1989: 15), é estar
implicado em algo, num ambiente, num ser vivo, numa situação, numa escuta, é estar envolto
a tudo que faz sentido e tenha significação, isto é, que provoque emoção (Sartre 2012 (1939).
Isto é:
234 Joel P. Pinto (na área da neurobiologia) realiza uma avaliação da atividade cerebral “durante a tarefa da fluência verbal”,
após a ingestão da ayahuasca, observa-se o aumento do humor e afeto (2010: 52-67). Disponível:
http://www.neip.info/upd_blob/0001/1003.pdf Acesso em: 14/02/2011. (ver)
235 Para Heller nos estudos sobre o cotidiano, variadas ocasiões promovem variados tipos de sentimentos que experimentam
diversos afetos e emoções que estão relacionados ao que a autora define por caráter emocional e personalidade emocional. O
primeiro é adquirido pelo código genético e fixados na infância, assim não são valorativos e nem vinculativos. Já o segundo
conceito, a personalidade emocional, são hábitos formados após a infância, são como personalidades morais vinculantes e
valorativas: “somos responsables de ellos e invariablemente nos obligan a algo” (Heller 1989: 133).
227
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A*MÚSICA*COMO*MEDIADORA*DE*SABERES*+*capítulo*6*
humana não é uma soma de fatos; ela exprime sob um aspecto definido a totalidade
sintética humana em sua integridade. E por isto não se deve entender que ela é efeito
da realidade-humana. Ela é essa realidade humana ela própria realizando-se sob a
forma “emoção” (…) é o homem que assume sua emoção e, por conseguinte, a
emoção é uma forma organizada da existência humana (Sartre 2012 (1939): 26-27) .
228
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supostamente incorporam vários tipos de sinestesia durante o ritual (Alex Gearin 2014)236, por
exemplo, segundo o antropólogo Graham Townley, a de cantar “canções perfumadas” - ‘my
dcorated song’, ‘my swift song’, ‘my perfumed song’ - como também de se metamorfosearem
em plantas, animais e artefatos, como rádios e motores (1993: 461), estimulados por uma
comunicação sensorial (Gearin 2014: 22). Transformação que ocorre por se tratar de uma
relação íntima entre a experiência sensorial e o funcionamento semântico ou processo de
produção de significados (idem). Como exemplo dessa “adaptação” cosmológica Townley
apresenta
Yaminahua shamans have no certainty about what this space contains and are
always ready to discover something new in it. It should not be surprising that they
have been so ready to embrace the experiences of the transformed setting of their
modern-day existence. Yaminahua shamans have now made koshuiti to almost all
aspects of this world. There are songs to outboard motors (hard- fire-baskets), good
for curing headaches and working on the resemblances between the sound of a
distant outboard and the throb of a headache; to engine oil (fire-sun- water), good
for children's diarrhoea and working on the remarkable similarities between the
used oil of an outboard and a child's diarrhoea; also to airplanes, shot-guns,
cinemas, radios, sunglasses and much more. "When we first saw these things we
examined them carefully, asked ourselves what their y os hi were like, and then
found their song’ (Townsley 1993: 466).
Mas como relembra Ruth Finnegan quando se refere ao campo da antropologia sensorial:
el rango y uso de los sentidos tal como los reconocemos en las culturas occidentales
puede no ser universalmente aceptable” (...) ‘las sociedades occidentales dependen
de forma abrumadora de las facultades verbales y visuales para experimentar el
mundo, pero otras sociedades usan y combinan los sentidos de maneras diferentes y
para diferentes metas’ (...) Por ejemplo, los Songhay del África Occidental enfatizan
por encima de todo la escucha, y «conciben-perciben el mundo a partir de un
andamiaje acústico... más que visual-espacial, como en Occidente» (Howes, 1991:
10; Stoller, 1984, 1989). De manera similar, el ameno Sound and Sentiment de
Steven Feld (1992) presenta a los Kaluli de Papúa Nueva Guinea jerarquizando para
ciertos propósitos el sonido sobre la visión, mientras que los Suyá del Brasil Central
presentarían aún otra combinación, al enfatizar la escucha y el habla como
facultades sociales, en contraste con la vista y el olfato que son consideradas
facultades naturales (o anti-sociales) (Seeger, 1981: cap. 4). En tales estudios, la
clasificación sensorial se convierte en una excelente plataforma para analizar la
trabazón cultural entre todos los sentidos, incluído el canal acústico – a menudo
olvidado por la escritura intelectualista de Occidente (Finnegan 2002: 15).
Ao mesmo tempo que a UDV atualmente revela uma forte propensão à escrita extra ritual, o
ritual permanece sob a égide de uma escuta sensível, onde a consciência de cada um é
geralmente levada a um sensitivo nível de vigília, que permite ter a sensação, segundo Tuju, de
um “vibrar em conjunto”, o que pode proporcionar a proximidade e a comunhão não
somente com todo o grupo mas com o todo vibrante, principalmente através da performance da
236 Assim como o antropólogo Alex Gearin outros estudiosos no assunto, como Marlene Dobkin Rios tem formação na área
da Antropologia Médica.
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escuta – nesse sentido a performance da escuta extravasa e vai além do próprio órgão
“auscultador”.
pela música somos invadidos pela ilusão de acessar a alma do mundo e da natureza
humana e sentimentos que compreendemos não somente nossa alegria e nossa
tristeza, mas a tristeza e a alegria existente no mundo e em todo ser humano (...)
Somos transportados para um lugar estranho ao nosso cotidiano (idem 2005: 21).
Embora essa descrição revele um caráter universalizante atribuído à música - contrário ao que
sugere a abordagem etnomusicológica – a partir das entrevistas se assemelha a uma
experiência vivida sob efeito da ayahuasca, o que condiciona novamente perceber a articulação
entre a cocção e um dado tema musical como excelentes potenciadores emocionais e
estimuladores dos sentidos. Contudo, e segundo observado, o efeito do Vegetal está associado
não à “ilusão de acessar à alma do mundo” (idem), mas à certeza do acesso à “alma do
homem vivente nesse mundo”, o que torna a composição desses dois elementos uma fórmula
poderosa para o trabalho de alcance espiritual.
Ao observar a dinâmica entre estes dois universos (o enteógeno e o som), percebemos não
apenas a alteridade que os norteia mas também a permeabilidade na qual ambos os campos
estão sujeitos. Por um lado há a ação (proporcionada por ambos elementos) e por outro a
reação, sendo uma dessas reações o estopim que contribui para que a sonoridade seja
percebida por uma roupagem holográfica, que possibilite ao indivíduo o fluir (ou a tensão) dos
sentidos em direção à música (ou ao som), conduzindo-os atentamente até o findar da última
nota.
E por isto que é muito difícil a quem experimenta um composto alucinógeno trazer
de volta informações. É muito difícil transformar essas informações em linguagem;
é como tentar fazer uma reprodução tridimensional de um objeto quadrimensional.
Somente através da visão pode-se perceber a verdadeira modalidade desse Logos.
Por isso é tão interessante o fato de a psilocibina e o ayahuasca – a poção aborígene
que contém triptamina – produzirem telepatia e um estado de espírito do qual várias
pessoas podem compartilhar. A resultante alucinação em grupo é compartilhada em
completo silêncio. É difícil provar isso a um cientista; mas, se várias pessoas
participarem desse tipo de experiência, uma delas pode começar a descrever a visão,
interromper-se, e outra retomar a descrição. Todos veem a mesma coisa! É o fato
230
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de ser informação visual complexa que faz do Logos uma visão cuja verdade não se
pode descrever (Mackenna 1984: 136-137)237.
Segundo o biólogo Rupert Sheldrake (1995), tal sistema telepático 238 hipoteticamente é
também recorrente da ação do que ele denominou por ressonância mórfica, ou seja, a influência
de hábitos e memórias do passado não só individuais mas de um coletivo humano ao qual
pertencemos (derivados também do presente). Nesse sentido, segundo o autor,
Son comunes los relatos de percepción alterada del tiempo, el papel de los animales
en revelar al hombre las propiedades de las plantas enteógenas, o el papel de la
música en evocar las visiones, la atribución de vida espiritual a las plantas, las
transformaciones shamánicas en animales fabulosos y fenómenos paranormales
como telepatía y precognición (MacRae 1998: 23).
A força direcionante e envolvente da “música” vinculada a este ambiente também é visto por
Irène Bellier, em Los cantos May Huna del yajé (1986) na Amazônia peruana: “El yajé invita al
canto y todos los hombres, quiñes ingieren yajé desde la pubertad, inician el canto. Es
inconcebible tomar yajé, penetrar en el mundo y quedar-se mudo” (Bellier apud Mercante
2012: 178). Como ressalta o biólogo e antropólogo Marcelo Mercante, o uso da ayahuasca está
sempre ligado à música, uma vez que “y la liana-del-muerto, ayawashka, sagrada, La Madre De
La Voz En El Oído239. Con el ayawashka, con el oni xuma, si lo mereces, puedes pasar del
sueño hacia la realidad, y sin salir del sueño. . . Tantas y tantas plantas, todas y todas suenan
(Calvo 1981: 28-29).
237 Palestra realizada em 1984 pelo filosofo e psiconauta Terence Mackenna a convite de Ruth e Arthur Young - Instituto para
o Estudo da Consciência, de Berkeley, Califórnia.
238 Sheldrake em sua pesquisa sobre a telepatia, apesar do ceticismo, realiza experimentos que envolvem pessoas e animais.
239 Segundo o Poeta Cláudio Willer um dos poetas românticos Ginsberg (1958) relata a sua experiencía psicodélica como
sendo visionárias e com alucinações auditivas, dizendo “eu ouvi Deus”(palestra realizada 20/08/2013).
231
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De acordo com Janet Siskind (1973: 32) para os Sharanahua, “o canto está estritamente ligado
à Ayahuasca. Os homens cantam quando bebem e alegam que sem a música só se veem
cobras'” (Siskind 2012: 220). Por sua vez, o antropólogo Pedro Cesarino afirma que:
Também os Shipibo dizem que seus padrões gráficos possuem uma “ondulação
rítmica e ornamentação fragrante e luminosa, similar ao rápido folhear de um livro
com muitos desenhos” (Gebhart-Sayer 1986:196). Após ingerir ayahuasca, o xamã
Shipibo vê os desenhos projetados por seus espíritos auxiliares: os cantos por ele
reportados “serpenteiam no ar” como um todo visualizado a partir das imagens
isoladas, traçadas pelos espíritos (Cesarino 2006: 128).
Ao contrário dos exemplos atrás elencados, nos quais a descrição da experiência passa pelo
ato de produzir o canto ou a música praticamente em permanência, no ritual da UDV240 o ato
de “cantar” está reservado a momentos muito particulares ocupando, geralmente, cerca de 25
minutos em 4 horas e 15 minutos, ou seja, cerca de 10% do tempo de duração do ritual. Nesta
ambiência as imagens geradas tendem a ser induzidas por uma atenção sonora alargada ao
mesmo tempo que modular. Logo, no momento da escuta musical e aí se inclui os FM, esse
mecanismo promove no participante a sensação de estar inserido na performance, ou seja,
imerso corporalmente no ato de cantar, ou no ato de tocar, ou mesmo de dançar. Segundo o
neurobiólogo Sidarta Ribeiro:
Assim como existe essa associação e afinidade psicotrópica, o antropólogo catalão Josep Fericgla
(1998) reflete sobre a “extraña pareja” entre música e transe em seu artigo intitulado “La
relación entre la música y el trance extático”. Observa que, entre vários povos a mais alta
manifestação da união com a divindade ou a um mundo animista, se faz uso da música para
alcançar o “transe extático”. O autor descreve que, para a psicologia, o transe extático é um
estado de consciência desperta com capacidade de aprender. Ao observar este estado, percebe
que o especialista (místico, xamã) por meio de sua compreensão e manipulação de imagens
mentais (auditiva, visual, tátil ou emocional) busca dominar, decodificando “'aquello' que el
ritmo musical le ayuda a controlar” com o intuito de ordenar tanto a realidade sobrenatural
como a natural. Da mesma forma, conclui que o transe extático (sendo ele alcançado tanto
240 No caso do ritual da UDV não é comum o manuseio de instrumentos musicais – como chocalhos, maracás etc. - para
guiar o receptores.
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pelo consumo de enteógenos, por transes rítmicos, por ambos os estímulos combinados ou
por outra origem) é uma fonte de revelação interior em resposta às grandes perguntas: “los
grandes interrogantes pragmáticos (el origen del ser humano, la causa de la enfermedad y el
dolor, cuál será el porvenir)”, que denomina por estados dialógicos da mente (Fericgla 1998: II).
Fericgla ainda observa que a modificação do tempo é uma das vivências alcançadas num
estado de consciência alterado. Neste sentido, a música se constitui como elemento essencial
para
crear otro mundo basado en un tiempo virtual”: “Otra cualidad a tener en cuenta
para entender globalmente la relación entre ambas realidades cognitivas, la música y
el trance extático, se refiere a la capacidad esencial de codificación y modificación
temporal que tiene la música (idem).
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Esse processo é concretizado através da escuta que, como descreve Sekeff, chega a promover
um momento atemporal e memorável por sua significância:
Sobre a faculdade da escuta no contexto do ritual ayahuasqueiro, Rosa Melo ainda observa
que:
Num depoimento concedido por uma ex-associada que frequentou por dois anos a UDV, ao
perguntar o que mais lhe havia marcado, essa revelou que guardava lembranças da 1ª sessão.
Disse que foi surpreendida ao ouvir a mesma música que era habitual ouvir em seu cotidiano,
pois dentro da sessão a música ganhava um novo significado. Esta sensação facilitou a
construção de um sentimento de pertença ao local. Em suas palavras: “eu pessoa do mundo
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com músicas do mundo, ali, num lugar onde ela [o fonograma comercial] se tornara
mensageira de algo bom” (25/02/2011 entr. Brasília). Assim como ela, outros depoimentos
também revelaram essa mesma surpresa. Mesmo que o gosto musical de Cristina nunca tenha
se voltado aos estilos selecionados no núcleo do qual era sócia, ao frequentá-lo, confessou ter
mudado ligeiramente seu padrão estético relacionado ao escutar musical. Como Araripe (1981)
já mencionara, Roberto Carlos (um dos músicos mais ouvidos em sessões da UDV com
predomínio da língua portuguesa), começou por ser apreciado não somente por Cristina, mas
por muitos associados que durante a burracheira “veem” em suas letras importantes
mensagens. Segundo Cristina, mesmo afastada do grupo udevista, ao ouvir temas musicais
comerciais que antes ouvia durante as sessões, reconhece o afloramento das mesmas
sensações e sentimentos outrora vividos dentro do ritual. Situação que se alinha ao descrito
pelo etnomusicólogo John Blacking sobre a recriação das percepções individuais:
A partir dessas descrições, é possível também observar que a música passa a ser recepcionada
não somente pela fluência estética valorada anteriormente pelo indivíduo, mas também por ser
sentida numa esfera diferenciada e informativa, na qual o gosto musical deixa de ser
apreciado pelo particular e passa a ser compartilhado e apreciado pelo coletivo. O fonograma
comercial, quando selecionado para performance ritual passa a enlaçar o ouvinte não somente
pela sua gramática e sintaxe, mas pela experiência afetiva que se assoma a essa experiência
(Meyer 1956: 06). Assim, uma vez que o apego, a significação/valor do participante a
determinada música se faz rememorada a partir da construção de significados pessoais e
sociais, é vinculada à música uma dada experiência. Tal experiência vinda do passado é
rememorada no presente, logo, formando uma nova experiência. Conforme Blacking, a
música vem manifestar:
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tudo menos ela mesma da mesma maneira que a fala exprime tudo menos a
fonologia e a sintaxe para quem usa uma língua especificamente. Portanto, até as
explicações fenomenológicas do significado musical intrínseco não podem evitar o
fato de que os símbolos e os sistemas musicais são socialmente construídos, e de
que a comunicação musical se torna possível não pelas estruturas musicais per se,
mas pelo sentido musical que as pessoas encontram nela (Blacking 2007: 214).
No contexto da UDV, a música passa a ter outro sentido: além de colaborar (em alguns casos)
em ampliar o repertório individual, são-lhe atribuídas funções de comunicação e de
ensinamento, aplicadas ao mesmo tempo a todos os participantes do ritual, e que pode ser
igual ou diferentemente compreendida por cada um. Assim, observa-se que ao mesmo tempo
em que o gosto estético tem a oportunidade de ser remodelado (como ocorreu com Cristina,
Sábia entre outros), ele também pode ser identificador de um grupo.
A música secular ao ser deslocada para o contexto ritualístico da doutrina, passa a ser
percebida a partir de uma escuta consciente que procura associar um pensamento racional a
um pensamento simbólico marcado pelos ensinamentos da doutrina. Como símbolo/signo,
tende a se constituir tanto como significante como significado, ou mesmo como uma imagem
acústica (Saussure 1995), assim e neste sentido, como dictio e como dizível (Todorov 1977).
Como descreve um dos discípulos:
Nas palavras do M. José Luiz (MO): “o significado muda, a conotação é outra, a gente dentro
de um plano espiritual percebe as coisas diferente quando a gente não tá. Então, as músicas
que eu ouvia antes e que depois eu comecei a ouvir [em sessão], e vi que tinha um outro, uma
outra conotação, ok?” (26/06/2014 entr. PT).
No contexto da UDV podemos dizer que a música está sujeita ao que o sociólogo Mircea
Eliade (1989: 135) denominou por hierofania, a manifestação do sagrado em qualquer forma
profana. No entanto, ao observar esse termo transformado e adaptado ao universo de
auscultação da música secular em um ambiente religioso é possível adaptar para o termo
236
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hierofonia (voz do sagrado), como uma espécie de paráfrase ao termo hierofania (manifestação
do sagrado). A performance da escuta, no contexto da UDV, é efetivamente organizada a
partir de uma espécie de domesticação para a doutrina. A re-contextuialização da música e a
sua inevitável re-significação passam por um processo transformador que faz associar a
determinados fonogramas um valor simbólico que, aos ouvidos dos discípulos, passa a ser
também uma mensagem transformadora e uma forma de aceder aos valores doutrinários.
237
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Nesse sentido, é recorrente ouvir de algum dirigente expressões atribuídas ao Mestre Gabriel,
que identificam a essência do pensamento enquanto algo que deriva de dois pólos: o positivo
(bom) e o negativo (mau). Essa informação busca auxiliar o indivíduo ter cuidado na hora de
se conectar a algum pensamento, uma vez que, segundo M. Caburé e Tururim (entr. 2012) “o
pensamento é um caçador” sempre à procura de alguém. Logo, o indivíduo tem que ser capaz
de saber qual o melhor pensamento com o qual se deve sintonizar, pois esse influenciará sua
vida. Para a C. Sábia, esse processo “funciona como se fôssemos um radinho com sintonia
dual AM/FM”244, no entanto, uma transmissão recebe ondas positivas e a outras negativas.
Assim, dependendo da seleção (positiva ou negativa) que é feita, essa será absorvida e
transformada em palavras e ações também positivas ou negativas. Da mesma forma, o estado
emocional do indivíduo e as situações que ele atrairá poderão estar vinculados à natureza dos
seus pensamentos (negativos ou positivos) - o que de certa forma evidencia o privilégio dado à
lei da ação e reação, comuns às vertentes espíritas.
244 Ver no apêndice VII canção nº 22 a letra da canção Nova Irradiação referente a esse pensamento.
238
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quisermos entender os ‘efeitos dos sons no coração humano’ devemos estar preparados para
retraçar com os ouvintes os ‘costumes, reflexões e miríades de circunstâncias’ que dotam a
música de seus efeitos” (2008: 244).
P ERFORMANCE MUSICAL
A performance de música ao vivo nas sessões da UDV é uma realidade extremamente
esporádica. Na verdade a performance musical é, na esmagadora maioria dos casos,
circunscrita ao uso de fonogramas e à voz entoada dos membros responsáveis pela
performance da chamada. No início das atividades do grupo da UDV-PT havia dois músicos
que em dias de comemoração eram convidados durante a sessão para a performance “ao
vivo”, tocando violão e violino. Em 2010, quando passei a frequentar o grupo português,
apenas o músico Rouxinol ainda era membro, e tive oportunidade de presenciar apenas uma
sessão onde ocorreu uma performance ao vivo. A performance ocorreu aproximadamente às
23:00 horas, no momento destinado aos recados também burocráticos que coincide com o
desenlace dos efeitos do Vegetal. Já em Porto Velho/Rondônia/BR, onde realizei parte do
meu trabalho de campo, presenciei uma performance “ao vivo” - voz e violão – que, no
entanto, ocorreu pouco tempo antes do horário “burocrático”. Tratou-se de uma sessão extra
que foi realizada na fazenda do M. Herculano dentro da mata, sob uma grande Samaúma, a
aproximadamente 800 metros de distância da casa onde se prepara a cocção (Casa do Feitio). A
sessão teve início as 14:00 horas e contava com cerca de 20 pessoas na maioria jovens
procedentes de 7 diferentes Regiões (v. fig. 15). O mestre dirigente (MD) foi um jovem de 21
anos de idade (músico profissional brasileiro)245.
Indicativos deixados pelo Mestre Gabriel, mostram que a performance musical “ao vivo” não
é vista como algo antagônico à doutrina. Pelo contrário, existe até um fomento à sua adoção,
mesmo que seja por um pequeno momento durante o ritual (a performance de um único tema
musical). Este estímulo estende-se também à performance pós ritual. É comum haver
performance “ao vivo” onde há músicos associados. Por exemplo, no núcleo Erunaiá situado
a 25 Km de Porto Velho numa localidade denominada Candeia logo após uma sessão que
245 Esse músico veio para Rondônia através de um convite feito pela nora do M. Gabriel para realizar um concerto para
irmandade. Ele é de Fortaleza/CE e filho também de um músico bem conhecido na UDV. Descreveu que bebe o vegetal
desde a “barriga” (termo usado para descrever quem bebe o Vegetal desde quando ainda estava no ventre da sua progenitora)
e que não imaginava que iria dirigir uma sessão quando o convidaram dias antes. Pois seria a sua 1º sessão como MD, mesmo
estando no quadro de Sócios (QS).
239
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participei, 3 grupos de violeiros de distintas faixas etárias e dispostos cada qual num local
diferente do salão deram início a performance individualmente. Nesse momento o local
cumpriu uma outra funcionalidade: de Salão do Vegetal passou a ser um lugar de
confraternizações e de troca de saberes musicais. Foram performadas canções, sobretudo
pertencentes à categoria designada por “sertaneja”, quer do repertório canónico quer
compostas pelos próprios músicos presentes. Músicos mais experientes ensinavam os mais
jovens a tocar e a compor. Um deles é o M. Amâncio (59 anos), repentista246 desde 1967, toca
violão e sanfona (em homenagem ao músico Luiz Gonzaga) e é compositor de algumas
canções reproduzidas em FM em sessão em vários núcleos da UDV. Franclin (20 anos) e
Valmir (18 anos) são alguns dos jovens que M. Amâncio (21/05/2012 entr. Porto Velho/RO)
ensinou a tocar violão, sendo hoje também compositores. Do mesmo modo, outros discípulos
incentivam a performance “ao vivo” dentro do grupo, como Fernando (o Paulista – 50 anos)
que também compactua o mesmo gosto estético de M. Amâncio (forró e sertanejo). Ambos, já
produziram composições para performance em comemoração ao aniversário tanto da M.
Pequenina como da sua filha C. Jandira, presenteando-as durante as sessões.
M. Amâncio, assim como muitos dos entrevistados, adquiriu o hábito de buscar privacidade
dentro do seu carro para se concentrar nos FMs que escuta e estuda. Neste local, segundo
Amâncio, tem a liberdade de manusear os FMs da maneira que lhe convém como também
não impor o seu “gosto musical a ninguém” - diz apreciar as “curvas da música” (entr. 2012).
No entanto, sua habilidade e vontade de ensinar influencia os seus aprendizes que absorvem o
mesmo estilo musical do professor. Um dos mais novos é o seu neto que, na época do meu
trabalho de campo tinha 4 anos de idade e já tocava um pequeno violão presenteado pelo avô.
Amâncio compartilha com o neto seu apreço musical, levando-o também a conviver com
outros músicos e com todo processo de produção musical que inclui observar a gravação dos
temas autorais em estúdio. A mãe do seu neto, Joycimere, informa que além dos “violeiros”
existe a performance de Canto Coral, que se apresenta durante algumas sessões. Segundo ela
enquanto tocar o violão remete a um universo praticamente masculino, o coral destina-se a
um universo feminino.
246A designação “repentista” é utilizada no Brasil para designar um estilo de “canto ao desafio” onde dois cantores, muitas
vezes acompanhados de violas, se digladiam através de trovas e rimas cantadas.
240
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Na cidade de Porto Velho/RO existem muitos núcleos que têm grupos corais próprios. Em
dias especiais (como em efemérides) junto com os violeiros os coros também performam
durante a sessão, como narrado por um dos participantes do Musincante:
HE -Olá manos, estamos próximos do dia 1°de novembro, uma data especial pra
nossa irmandade...Venho pedir sugestões dos irmãos da lista musincante, de
músicas para serem cantadas com coral e violão neste dia, pois tô querendo
convidar uns irmãos para fazer uma apresentação neste dia, então se puderem dar-
nos sugestões de quais musicas são boas pra ser apresentada, ficarei grato! Abs /
Núcleo Aliança – SC
RR- Uma vez toquei com os maninhos aqui do Núcleo a música "Mestre Rei dos
Mestres" em uma sessão de 1º de novembro. Teve violão, berimbau, flauta
transversa, entre outros! Ficou bem bonito! Sabe qual é a música? Aquela "o meu
mestre rei dos mestres chegou... e nesse salão entrou..." É uma opção! CI - N. Luz
Dourada / 5ª Região/Juiz de Fora – MG
HE – (...) pois é essa é uma boa, não tinha pensado nela.. E é fácil de tocar... Vou
levar como sugestão pro grupo. Também tô pensando em tocar o hino ou Sininho
do amor da Marinês...Grato irmão (23/09/2009).
247 A categoria Rock and Roll dentro desse contexto passa por algumas controvérsias. Apesar de ser utilizada por alguns
mestres e ter boa repercussão entre os jovens, segundo Joelson (neto do M. Gabriel, filho do M. José Luiz e C. Jandira) há
uma recomendação feita pelo M. Gabriel de que o Rock “tem uma vibração que não é positiva não” (12/05/2012 entr. Sede
Geral Brasília).
248 Responsável pela Comissão Cientifica da UDV. É professor de engenharia mecânico como também fez parte de um
projeto musical (tocando viola) onde o músico Ivan Vilela foi professor. Está aproximadamente há 40 anos na academia e 35
na UDV, sendo MR entre 2003 a 2006 do núcleo Alto das Cordilheiras (03/2011 entr. Campinas).
241
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Lupunamanta, Alto das Cordilheiras e Princesa Encantada (núcleos que fazem parte da 3ª
região administrativa da UDV que abrange 14 grupos). Apesar de existir algumas normas
imposta sobre a forma de selecionar os FMs, segundo Milanez, há grupos bem diferenciados
quanto às escolhas relacionada ao gênero musical. Ao traçar um paralelo entre a procedência
dos associados com a seleção estética dos fonogramas, faz algumas considerações revelando
haver distintas preferências entre os grupos, como por exemplo às escolhas que se identificam
com o “jeito do Norte” como também estilos voltados à MPB.
Nesse sentido, o referido hábito que Milanez menciona pode ser entendido com o que o
etnomusicólogo Thomas Turino descreve:
Estas características próprias a cada grupo podem ser justificadas com o que M. Jorge Elage
(JE) entende sobre a utilização da música em sessão:
ela é linguagem, devemos falar como caboclo, seja ele espanhol, francês ou inglês.
Se formos para um lugar diferente do nosso temos que aprender a falar como esses
“caboclos” falam. Com a música é assim, temos que colocar uma música da mesma
cultura para falar de igual para igual. Por exemplo, a música de caboclo da Espanha
é a flamenca, então temos que colocar esta para ouvirmos” (20/05/2012 entr. Porto
Velho/RO)249.
Para demostrar como a ferramenta sonora media e traduz a doutrina para a “língua do caboclo”,
M. JE dá o exemplo de uma sessão onde Mestre Gabriel compôs uma chamada
249Depoimento concedido após M. Jorge Elage dirigir uma sessão extra em meio ao preparo do Vegetal que havia iniciado 2
dias antes (sexta a partir das 08:30 da manhã), num local denominado casa de preparo - núcleo M. Gabriel Porto Velho/RO.
Segundo M. Jorge, fazia muito tempo que não visitava o grupo e não realizava uma sessão naquele local. O núcleo M. Gabriel,
conta com 150 associados, mas na hora da sessão haviam 80 pessoas. A sessão iniciou as 09:30 da manhã do domingo e
foram colocadas 12 FM dentre eles o forró de Marinês e Roberto Carlos e duas chamadas. Contudo, não houve chamadas de
abertura e nem de fechamento por que é considerado que a partir do momento em que se inicia o preparo do Vegetal também
dá inicio a sessão. Assim, é um ritual que dura 3 dias com os participantes ingerindo o Vegetal e trabalhando initerruptamente.
242
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especificamente para um grupo procedente da linha do Santo Daime – tal grupo havia–o
presenteado com a decocção. Atualmente, a chamada denominada por Daime, sofreu alteração
no nome e sua performance foi restringida, uma vez que segundo os discípulos, remete a um
outro contexto.
É importante realçar que para grande parte dos discípulos entrevistados, é dentro do Salão do
Vegetal, que geralmente se atribuiu à música um “grau superior” (diferenciado). Fato que
outorga não somente a ingestão da ayahuasca, mas o processo ritualístico adotado pela UDV,
a “chave” que proporciona abrir a porta da percepção quanto à instrução contida na música.
Segundo alguns discípulos não é somente ingerir o Vegetal e ouvir o fonograma musical, é
preciso estar numa sessão “no tempo da burracheira” para compreender os seus mistérios. No
entanto, essa prerrogativa também mencionada no livro de Lodi (2009) não ocorre exatamente
da mesma forma para todos os discípulos, ou seja, geralmente quanto maior o grau
hierárquico do discípulo, melhor ele compreenderá e adequará à doutrina à música sem
mesmo precisar estar dentro de uma sessão.
Em síntese, todo o contexto sônico apresentado até aqui, referente à performance musical
dentro do ritual oferece duas probabilidades de exposição sonora: a presencial e de
reprodução, ou seja, a música em “tempo real”, e a “música gravada”. Segundo Thomas
Segundo Molina os Taitas (xamãs colombianos) utilizam-se de vários instrumentos sonoros (assobios, palmas, chocalhos),
250
com objetivo de conduzir o seu cliente ao uma sensação de êxtase. A características do seu método sonoro (cada qual tem
um) é adjetivado como assinaturas sônicas/sonoras (2014: 48).
243
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Turino (2008), estas duas formas de exposição sonora podem subdividir-se em 4 categorias. A
música performada em “tempo real” pode incluir uma performance participativa
(participatory performance - onde todos os elementos presentes participam ativamente no
processo de produção musical) ou uma performance apresentativa (presentational performance
onde se revela uma clara distinção entre músico e audiência). Já a música gravada pode
proporcionar o que designa por performance de alta fildelidade (high-fidelity performance
que se define por representações de performance “ao vivo”, considerando a música como
“objeto”, gravada por um grupo para ser consumida por outro grupo) e a audio-arte de
estúdio (Studio Audio Art que tem como distinção a música manipulada com foco no processo
composicional e no produto).
No contexto udevista, ao rever a performance da escuta através das categorias de Turino, elas
parecem não ser adequadas para demonstrar a complexidade da situação, que é particular à
UDV. Por exemplo, em relação à chamada, que é um canto que ocorre em “tempo real”, “ao
vivo”, apesar de ser performada por uma pessoa durante a sessão - o que a encaixaria na
categoria presentacional de Turino – tem o objetivo de exercer a ação em todos presentes, não
somente a nível de comunicação/sensitiva, mas no plano sensitivo ativo/domesticado e em
ENOC. Uma vez que para a sociedade a chamada invoca para o Salão do Vegetal um
determinado tipo de força que, para os discípulos, tem alcance co-participativo. Assim, no
ritual essa performance não é vista como apresentativa e sim como partilha sensitiva que
compreende também sentir a pressão vibracional das ondas sonoras emitidas pela ato de fazer
a chamada.
Outro exemplo é relacionado com a performance dos fonogramas, sobretudo musicais, que se
ajustam, segundo Turino, na categoria de músicas gravadas. Durante as sessões, os FMs
utilizados podem ser provenientes não somente de variada categoria e estilo musical, mas
também podem passar por cortes, edições e “colagens” visando adequar ao que o
manipulador acha valorativo sustentar. Esse critério permite adequar a categoria que Turino
denomina por Studio Audio Art. Porém, uma vez que o critério para edição musical é pautada
numa escuta ética/estética e direcionada a uma atividade social, a categoria high-fidelity se torna
também passível de enquadramento. Assim sendo, a combinação dessas duas classificações
permitem uma melhor abordagem.
Por sua vez, apercebe-se que nesse local é proposto a ocorrência de uma performance
participativa, seja ela via gravação ou “ao vivo”. Mesmo que a mobilidade corporal seja
244
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Para Rosa Melo, “ter miração”, ou seja, miragens visuais, “foge” um pouco do ideal
doutrinário, de acordo com o qual o saber deve sempre ser orientado com a mediação e
controle do mestre. Assim, “a pragmática da ‘doutrina reta’ em expansão parece criar para si
dificuldades em equacionar o movimento interno da mente que opera um vertiginoso
deslocamento para fora e sua integração no todo doutrinado” (Melo 2013: 177). Como a
autora sugere, é pouca a ênfase que se dá à miração (“lugar” onde se pode ver “tantas coisas
maravilhosas” – palavra do M. Gabriel Jornal Estado de São Paulo) em favor da burracheira
“branda”. Essa situação revela-se na prática, na performance do discurso que ao preencher
251 Alguns discípulos percebem a frase “religião do sentir”, nada mais do que um slogam (Brissac 1999).
245
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quase todo o tempo ritualístico, ocasiona poucos momentos de silêncio. Para Melo esse
procedimento decorre dadas as inseguranças dos dirigentes quanto ao “insondável efeito do
psicoativo” em tempo de expansão geográfica da instituição, onde a ordem e organização é
essencial para a sua manutenção.
Compreender que a emersão da miração é estimulada muitas vezes pela imersão do ouvinte em
algum FM, sobretudo instrumental, é perceber que com a isenção da palavra cantada -
característica em temas instrumentais – se torna difícil o controle do pensamento do
participante por parte do MD. Assim, quando é levado em consideração que o pensamento
individual pode interferir no pensamento do coletivo, justifica-se a intenção do MR/MD em
controlar a atenção dos participantes, inclusive restringindo252 o uso de temas instrumentais
em sessão, como forma de controlar a miração. De acordo com um dos participantes do
Musincante:
ME –(...) disseram, não sei se é verídico que, o Mestre Braga [MO] disse "A musica
cantada nos conduz na burracheira até onde as palavras dela da conta, a orquestrada
até onde a gente da conta" talvez não com estas palavras, mais ele dizendo ou não,
acredito nesta informação, pois já tive experiência na prática, claro isto depende do
grau da burracheira, e da experiência do dirigente. É dito que a sessão é dirigida
pelas palavras, então acho bom eu conhecer bem as palavras das modas que eu
colocava, para sentir o momento certo de cada uma delas e quando e acertado o
momento é muito lindo o efeito (...) Eu na minha compreensão não recomendo
instrumentais (descrição realizada em 05/02/2014 – musincante –grifo meu).
Desse modo, apesar de ser considerada também uma ferramenta de controle, não quer dizer que
controla a forma de recepcionar a doutrina, mas pode-se deduzir que dependendo da
quantidade administrada, o MD consiga controlar a miração do ouvinte. Nesse sentido, a
valorização atribuída à palavra cantada ocorre por creditarem um significado de racionalização
em detrimento do tema instrumental, que em oposição, pode provocar emoções não próprios
à doutrina ou pensamentos negativos, estes de difícil controle também por parte do próprio
participante. Então, observo que a supressão relativa ao uso de música instrumental deve-se
por um lado, ao facto de a inexistência de palavras dificultar a relação com o assunto tratado
em sessão, e por outro, porque propicia a faculdade de mirar (ver cores, formas, lugares).
Contudo, segundo o colaborador Martim, por ser natural de um país de língua espanhola,
muitas são as vezes que não compreende a letra de algumas canções reproduzidas em sessão
252 Apesar da multiplicidade de categorias musicais adequadas ao ritual, alguns fonogramas musicais não são bem aceitos
dentro do salão, o que inclui não somente temas musicais que se enquadram em rápidos bits por segundo, - que podem
proporcionar uma reação corporal diferente da proposta no ambiente (Kuribayashi & Nittono 2015) - como também um
certo cuidado quanto à audição de temas instrumentais, pelo caráter notório da não-palavra. Durante algum tempo foi
recomendado pela Sede Geral não ser performado temas instrumentais durante às sessões.
246
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Nos documentos que regem a UDV lidos no início da sessão, são explicitadas normas
referentes aos direitos e deveres dos que resolvem se associar, e neste sentido, tende a
direcionar em sessão a reflexão do ouvinte para esses entendimentos. Da mesma forma, na
ocasião do emprego dos fonogramas musicais, apesar de também intencionar extrair
interpretações racionalizadas do ouvinte, o alcance coincide em outro nível de sensibilidade,
ocorre na busca em alcançar o lado mais emotivo do participante. O que leva a entender que a
dimensão musical de uma canção, independentemente da palavra, tem grande
responsabilidade nesse processo. Assim, o próximo capítulo será dedicado à análise dos
materiais produzidos no interior da UDV sobre o conhecimento impresso e construído a
partir do repertório de fonogramas. Vou basear a minha análise a partir da observação de dois
grupos, sediados na internet, que se têm dedicado desde 2007 (Musincante) e 2012 (Músicas
do Alto) a esta missão.
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Como tenho vindo a referenciar a construção de um arquivo de fonogramas para uso no ritual
é uma das prioridades dos mestres representantes assim como dos discípulos individualmente
que, para o efeito se dedicam a esse trabalho em situações extra-ritual. A escolha dos
fonogramas obedece, no entanto, a um conjunto de princípios que articulam saberes
acumulados, diretrizes doutrinárias, universos simbólicos que se prendem com o legado dos
fundadores, dimensões éticas e estéticas associadas ao som e à palavra assim como
experiências individuais dos diferentes membros. Paralelamente caminham dois objetivos
importantes: a construção de um arquivo comum à UDV – a partir do que alguns discípulos
designam por “originais”, por terem supostamente sido usadas pelo mestre Gabriel – e a
construção de arquivos individuais seja centrados nos diferentes núcleos seja centrados nos
próprios discípulos. Vou referir-me a este processo a partir da análise de dois grupos sediados
na internet e, finalmente, refletirei de forma mais detalhada sobre os mecanismos usados por
um dos grupos mais ativos, o Musincante.
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MÚSICAS DO ALTO
O grupo Músicas do Alto foi criado em 2011, na rede social do Facebook253, por um associado da
UDV, com o seguinte perfil:
Em 05 de Junho de 2012, foi gerado um tópico na página do grupo, intitulado Relicário, que
tinha por objetivo analisar os fonogramas inscritos no livro de Edson Lodi com o mesmo
nome. A partir das discussões geradas foram diagnosticados 141 fonogramas, a partir de 34
discos de vinil constantes no livro, e que foram considerados “originais”, no sentido em que
terão sido usados pelo Mestre Gabriel nas sessões. Aí foram colocadas informações sobre
título, compositor, tempo de reprodução do fonograma como também links na web onde os
fonogramas poderiam ser encontrados. O objetivo desde tópico era o de dar a conhecer o
repertório empregue pelo Mestre, entender o seu significado, as mensagens atribuídas aos
fonogramas, como também, compartilhar esse conhecimento com os discípulos que ainda não
tinham acesso ao livro Relicário (Lodi 2010). Essa dinâmica proporcionou a conectividade
253Segundo mensagem explicativa sobre o que é “Grupo fechado” no facebook, é um local onde “qualquer pessoa pode
encontrar o grupo e ver quem está nele, mas somente membros podem ver as publicações”. Neste caso somente é aceite
quem for associado à UDV.
250
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entre as antigas interpretações feitas pelo Mestre e as interpretações dos próprios discípulos. E
gerou conhecimento coletivo sobre e a partir dos fonogramas.
Podemos dizer que da análise deste processo podemos identificar duas fases de construção de
conhecimento: a primeira fase não tinha uma metodologia prévia e o conhecimento eram
construído à conta de comentários postados a partir de iniciativas individuais de partilha de
fonogramas diversos desde que descritos no livro Relicário. Na segunda fase houve uma
preocupação de sistematização de conhecimento organizado por um catálogo de LPs, ou seja,
um dos membros colocava um LP específico à conta do qual seria produzidos comentários.
1ª fase
A- Meu irmão D, tenho uma pasta aqui em meu computador, que inclusive algumas
pessoas aqui da 1ª Região tem, e nesta pasta constam aproximadamente 74
músicas. (…) As outras músicas estão perdidas pela, digamos, ação do tempo? (…)
Se foram tocadas outras, acredito que sim... você tem alguma informação
privilegiada para compartilhar conosco? se tiver, será bem vinda, inclusive poderei
até atualizar minha pasta... 12 de maio de 2012 às 17:12 ·
D- Bom, eu só fiz contar as músicas marcadas com asteriscos que estão no relicário
e cheguei ao número 123 - o que não deixa de ser um número bem interessante.
Em relação ao asterisco, diz o livro: "músicas tocadas em sessão por M. Gabriel".
Foi isso. 12 de maio de 2012 às 17:17 ·
254 Para manter a confidencialidade, alterei o nome por letras. A letra M é atribuída ao Moderador; a letra A para o discípulo
que teve a disponibilidade de postar os fonogramas diariamente até o dia 30 de maio de 2012; B, para o discípulo proveniente
da língua inglesa; C para a única intervenção de um sócio quanto ao alertar em dispor das músicas gradualmente; D para o
discípulo que faz a lista dos fonogramas. E assim por diante. Nessa discussão foram 12 os discípulos ativos, correspondentes
as letras: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M. Mesmo para as pequenas participações também sigo o mesmo raciocínio (N, O,
P, Q), assim a sequência das letras foram atribuídas mediante a data de “chegada” de cada discípulo. Destes, após o término
do tópico, somente I apagou todos os seus comentários o que inviabilizou a aprofundar-me no resultado do estudo, uma vez
que ele era um dos peritos sobre as histórias que envolvem a utilização dos 1ºs fonogramas utilizados em sessão pelo M.
Gabriel. Todos os comentários derivam do grupo formado na plataforma do facebook vistos em 16/11/2014.
251
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A- Hummm.. pois é... essa pasta que tenho aqui é anterior ao livro, mas depois vou
dar uma olhada no livro, que por sinal ainda não li, e atualizarei minha pasta..
grato.. 12 de maio de 2012 às 17:22 ·
G- Essa do Liga [Ligava Liga.MP3] eu não tinha... isso que eu tenho aquela
coletânea que foi feita a muitos anos atrás chamada "No tempo do Mestre Era
Assim" com 9 cds eu acho. 13 de maio de 2012 às 23:16 ·
Este processo colaborativo deu origem á construção de um arquivo sonoro interno ao grupo
mas, sobretudo, a um conhecimento particular sobre as próprias músicas e o seu papel no
quadro da UDV. Ofereceu ainda uma possibilidade muito particular para análise musical e dos
textos, quer sob o ponto de vista da história relacionada com a UDV quer sob o ponto de
vista do seu significado simbólico. Um episódio interessante advém da participação de um
discípulo de língua materna não portuguesa que deu origem a um exercício muito especial de
desmontagem dos textos da forma que a palavra pudesse ser entendida por ele. Este processo,
sob o ponto de vista da minha pesquisa, foi particularmente importante porque me permitiu
perceber o modo como o conhecimento na UDV se constrói também através da música. A
participação deste discípulo estimulou os participantes a refletirem um pouco mais sobre as
expressões endémicas contidas nos FM. Para um estrangeiro, somente a tradução das palavras
era pouco proveitosa. Nesse sentido, a música veio ser um importante mediador de
aprendizagem tanto da língua estrangeira (Good et all 2014) como na apreensão dos termos
próprios de um vocabulário nativo.
B- Entao meus amigos - estou querendo traduzir estas musicas pra auxiliar meus
amigos aqui quem estao estudando a lingua (como eu!). Estou entendendo a maioria
das palavras, mas muita coisa nao estou conseguindo, como nesta musica Luar de
Campina. Quero saber se tem uma site ou lugar onde posso conseguir as letras das
musicas, ou na alternativa, conseguir um amigo pra rever ou corregir meus
entendementos das palavras portugues. 8 de maio de 2012 às 05:32 · (foi mantida a
grafia original) 255.
Apesar dos esforços desenvolvidos pelos membros do grupo no sentido de traduzir os textos
das canções ficou claro, pelo decurso dos comentários, que apenas a tradução do texto do FM
não leva à compreensão da mensagem. As múltiplas tentativas de clarificação mostram o
modo como, também em português, a mensagem da palavra pode não ser consensual. No
exemplo seguinte os participantes tinham entendimentos diferentes sobre o significado da
palavra “Campina” utilizada na canção “luar de campina”:
255B é associado a uma unidade instalada na 1ª região (Novo México/ EUA), território que compreende atualmente 6 núcleos
e 2 DAVs.
252
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B- Grato I pra suas letras e examinacoes, especialmente pra nos gringos! Estou
vendo que e' muito mais de traduzir. Com as musicas e' mais pra entender. 11 de
junho de 2012 às 16:25 · Curtir
N- 22-Osvaldo Oliveira e Jacinto Silva- luar de campina.mp3 - 16 de junho de
2012 às 04:46 · Alguém já viu esse Luar de Campina? 16 de junho de 2012 às 04:46
· Curtir
B- Essa musica foi um das primeiras do Relicario que eu traduzi por ingles, e foi
tanto trabalho so pra entender as palavras do portugues e as expressoes. Quero
saber onde consegiu estas letras e se elas sao da cancao original? 16 de junho de
2012 às 05:09 · Curtir
B- Legal!! Entao - como pode explicar por um gringo o que e' e signafica o Luar de
Campina? 16 de junho de 2012 às 05:46 · Curtir
N- O nome do autor dessa música é José Ferreira. Olha o que achei "Foi gravado
em 1969, do tempo em que o São João de Campina era realizado nos bairros da
cidade, com uma maior interação com a comunidade.". É o luar visto na cidade de
Campina Grande na Paraíba. 16 de junho de 2012 às 05:49 Curtir
2
B- Entao e' Campina com um "C", um lugar certo, nao so uma campina que estou
vendo em minha imaginacao? 16 de junho de 2012 às 06:00 Curtir 1
N- isso.... da cidade de Campina Grande mesmo 16 de junho de 2012 às 06:18 ·
Curtir
N-Confundi essa postagem com a outra da Marinês... os dois falam de Campina
Grande... rsrs 17 de junho de 2012 às 21:26 · Curtir
D- I, (…) Eu tenho cerca de 500 músicas que são tocadas em sessão. Preciso fazer
o cruzamento pra saber quantas delas foram utilizadas pelo MG. É um trabalho e
tanto. Então, quando alguém já publica música, história ou livro, já considero bem
legal porque facilita uma parte desse trabalho de resgate de memória musical. Bem
que o senhor poderia disponibilizar algumas por aqui. Que tal? 17 de maio de 2012
às 17:12 · Curtir · 1
B- Que bom amigos! Pode ver que voces ja me auxilaram muito. E o que e'
interresante pra mim e' que eu nao sabia que existiu um CD do m.Edison Lodi. E'
uma coisa que posso encontrar? 25 de maio de 2012 às 02:35 Curtir1
B- O que tenho e' varias colecoes antigas, principalmente do Manaus e Bahia, e
outros CDs marcados como "Musicas que MG Tocou". 25 de maio de 2012 às
02:39 · Curtir
Q- N, tranquilo. Quero sim. Tenho a maioria das músicas que diz no relicário... Eu
tinha mais de 8gb de musica da UDV, até que eu falei isso para o m.
Anchieta(citado no relicário tbm) e ele disse: "Eu tenho 52gb..." rsrsrs me sentí uma
formiga kkkk 15 de junho de 2012 às 13:49 · Curtir
253
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D enfatiza a necessidade de baixar para o tópico todos os fonogramas por ele organizado, mas
segundo o Moderador, essa necessidade se opunha ao objetivo do tópico em analisar os
fonogramas com tempo. E esta preocupação conduz o grupo à discussão sobre a metodologia
a seguir no sentido da construção de um conhecimento coletivo. O método adotado nesse
ambiente reflete o método de estudo ocorrente dentro do Salão do Vegetal: quando um
determinado assunto surge o MD orienta os participantes a direcionarem suas perguntas num
mesmo sentido a fim de explorarem o máximo sobre o mesmo.
M- Acho bom ter a lista, e a partir da lista, postar uma canção e comentar,
examinar, estudar esta música, contar a história dela e algum acontecimento se
houver...depois, posta outra e assim vamos pra frente (...) com o estudo bom e com
PACIÊNCIA pra receber as informações, assim como aprendemos na União. Se
tiver tudo de uma vez aqui, um comenta e posta uma coisa, outro comenta e posta
outra coisa, ai acaba perdendo o foco e a linha do assunto de cada canção, entende?
O A foi convidado a ir postando aos poucos justamente para que todos do grupo
pudessem ter a oportunidade de ir acompanhando a evolução do tópico do
RELICÁRIO e aprender juntos, um passo de cada vez, juntando as contas deste
colar belíssimo. Peço a compreensão dos senhores para que possamos manter desta
forma, a não ser que achem que é desnecessário ser desta forma. Não estou sendo
autoritário, mas apenas procurando manter a proposta deste tópico. O que me
dizem? (...) O que os senhores acham? 25 de maio de 2012 às 04:18 · Curtir · 1
A- Mais uma... cuidado ao comentar essa M.. Para mim, ela ensina um modo de
viver...Ditado dos Antigos.MP3 - 11 de maio de 2012 às 04:48.
M- "Se é pra morrer dormindo eu prefiro Viver acordado" e "É melhor andar
sozinho do que mal acompanhado." Estas são as duas frases que mais gosto na
música. A primeira mostra bem um dos propósitos que eu penso da caminhada de
desenvolvimento Espiritual. Trata de fazer a pessoas dar conta mesmo do que é que
tá fazendo aqui. Acordar de uma vez. A segunda frase a minha avó que sempre me
dizia, e assim o tenho feito deste então; Graças a Deus que hoje eu ando em boa
companhia com estes tantos Amigos que tenho encontrado pelo caminho. De fato,
uma bela música que era usada em sessão e podemos estar apreciando. 11 de maio
de 2012 às 05:07 ·
Cada canção postada pelos membros do grupo remetia a um cenário e instigava novas
discussões e compreensões sobre e a partir da música. Um das mais relevantes será a que se
prende com o conceito de “chamada” e a presença da música nesse quadro da sessão. Mostra,
por exemplo, o modo como uma canção comum pode ser transformada numa chamada sendo,
254
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portanto, ressignificada. No livro Relicário Lodi inclui o depoimento de M. José Luiz256 que
descreve o momento em que a canção Caminho Firme é transformada em chamada, sendo
uma ocasião histórico dentro da instituição.
Antes do Caminho Firme ser uma chamada, era na realidade um tema de amor que
fiz ao Mestre Gabriel. E foi feito em forma de chamada. Ele gostava muito dessa
chamada porque ela conta a história da Hoasca, a história de diversos destacamentos
nessa história. Quando ele queria ouvir a chamada, colocava a música “Cante
Cantador”(João Silva e Jacinto Silva), cantada por Jacinto Silva:
Depois do verso – continua M. José Luiz – “cante um tema de amor”, e sem que a
música tivesse terminado, Mestre Gabriel desligava a vitrola e eu começava a
chamada Caminho Firme. Quando a chamada era concluída, Mestre Gabriel colocava
somente o final da música:
256Esse tema musical, foi-me apresentado como resposta a uma pergunta durante uma sessão. Assim, umas das interpretações
apresentadas, faz referência a saudade de um ente já falecido.
255
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tópico, grande parte dos discípulos já ouviu ou tem gravada... 16 de maio de 2012
às 17:12 ·
Não é recorrente os discípulos partirem das preferências espirituais e morais dos cantores,
compositores e interpretes para escolherem o fonograma que postam. Mas quando se sentem
emocionados pela escuta é natural procurarem conhecer a vida do artista ou mesmo
conjecturar a respeito adequando aos Ensinos do Mestre. A partir do fonograma do Pequeno
Príncipe (1957/FESTA), A reflete:
A- E aí, alguém vai falar algo sobre as duas músicas postadas hoje? Vivendo e
Aprendendo e Pequeno Príncipe... é importante a interpretação de todos os
Senhores... É, conheço esse acontecimento, mas sem ingressar muito no que
o Mestre falou sobre a gravação, a mensagem passada pela mesma é muito
interessante, acredito inclusive que Antoine de Saint-Exupery era partidário da
doutrina espírita... 16 de maio de 2012 às 22:38 · Curtir
Na seguinte postagem, um dos comentários chama a atenção sobre a falta da capa do disco
“O homem que faz rir”. Este aspecto revela uma certa importância dada ao material visual
dos discos, principalmente aos discípulos que buscam conhecer o repertório “original” do
Mestre Gabriel (v. Anexo I)257..
D- "O homem que faz rir" está marcada. 16 de maio de 2012 às 17:49 · No meu
livro não tem a capa, e consta a seguinte informação: "O home que faz rir" Texto
Humorístico de Milton Silva Bittencourt/RCA Victor (1966) 16 de maio de 2012
às 17:53 · Vou postar uma foto. 16 de maio de 2012 às 17:55 · Curtir
256
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Figura 34 - Disco “O Homem que faz Rir” – 1966 (RCA Victor – BBL 1376).
O humor é um dos princípios disseminados pelos membros da UDV. Segundo descrito por
M. Caburé e C. Melro da UDV-PT, esse aspecto facilita quando é preciso falar sobre alguma
desconfortante situação. Este modo de raciocínio conciliado à seleção de palavras positivas,
adequado à construção das frases revela um método de relacionamento idealizado pela
sociedade. Fator que apresenta algumas estratégias de regulação do humor, com intenção de
dirigir a atenção e as emoções (Shifriss et all 2015).
Muitos fonogramas são usados como argumento para a discussão de aspetos centrais da
própria doutrina. Por exemplo, a canção Forró sem Briga (1970/Tropicana), do repertório
“original”, está conotada como uma canção de conciliação:
A partir do dia 25 de maio de 2012, foram criados mais alguns tópicos com objetivo de
organizar melhor as postagens e o estudo do grupo.
257
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É a partir deste momento que se inicia o que designo por 2ª fase do tópico Relicário do
Músicas do Alto. A 1ª fase, iniciada em 2 de maio, encerrou oficialmente em 30 de maio de
2012, com 22 fonogramas postados pelo discípulo A referentes a discos diferenciados. Dentre
as postagens foram compartilhados também 3 vídeos e áudio, 1 vídeo de lançamento do Livro
Relicário postado pelo discípulo F e ainda mais 4 fonogramas postados após a saída ativa de
A. Ao todo foram postadas 26 fonogramas, 4 (clips) numa discussão que envolveu ativamente
12 pessoas em 310 comentários. Foram postados por A os seguintes fonogramas:
2ª fase
Após o dia 30 de maio, a 2ª fase das discussões e compartilhamentos inicia. Segundo D, não
era producente trazer os fonogramas grafados no livro e sim os comentados, pois “Ali já tem
258
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*
Figura 35 - Disco “Sinfonia das Aves Brasileiras” – 1966 (Copacabana – SCLP 10538).
259
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Após ouvir o LP é possível entender que além dos cantos das aves brasileiras e dos
instrumentos musicais, Johan Dalgas as funde “com a música representativa do estado de
espírito do povo brasileiro e de povos amigos” (site Dalgas). Dentre os povos amigos estão
Grã-Bretanha, Holanda, Japão, Bélgica e Portugal. A fusão de uma sonoridade emicamente
brasileira estimulada pelo canto dos pássaros com temas musicais estrangeiros, formam uma
rede de ligações geográficas que sugerem fazer conjecturas sobre a época em que Mestre
Gabriel as ouviu. Quando em mãos, a capa de um LP trazia muitas informações, o que hoje
não ocorre com a maioria dos CDs. A capa deste LP em particular (cf. Anexo .,..) contem um
conjunto de informações que de alguma forma se confundem com princípios da doutrina
udevista. Todavia, longe de fazer qualquer menção ao encarte, os participantes deste tópico
acharam produtivo baixar todos os FM do LP de uma só vez, por se tratar de fonogramas
instrumentais. Neste tópico, apenas um discípulo informa haver escutado um desses
fonogramas durante a sessão, Tico Tico no Fubá.
Neste sub-tópico o participante N inicia divulgando que irá compartilhar duas “músicas deste
disco que já foram postadas antes. Aproveitemo-las”.
260
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*
Figura 36 - Disco “ Top Set - Alberto Mota e seu conjunto” - 1966 (Polydor - LPNG 4116)
*
Figura 37 - Disco “ É caco prá todo lado” – 1967 (CBS 37590).
RELICÁRIO - disco É CACO PRA TODO LADO (1969) - 5 de junho de 2012 · Maceió
01. No pezinho da fogueira – Osvaldo Oliveira (Antônio Barros) – Cantada/Forró de salão
02. É caco pra todo lado – Osvaldo Oliveira (Osvaldo Oliveira – R. Conceição) - Cantada/Forró
03. O canto do galo – Osvaldo Oliveira (Jorge Paiva) - Cantada/Forró
04. Lembrança medonha – Osvaldo Oliveira (Osvaldo Oliveira – Antônio Bezerra) -Cantada-Forró
05. A voz da razão – Osvaldo Oliveira (Osvaldo Oliveira – R. Conceição) -
06. Serrador de primeira – Osvaldo Oliveira (Agripino Aroeira – Osvaldo Oliveira)
261
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Neste sub-tópico foram feitos 148 comentários, com 9 participantes ativos. Porém, como nos
outros tópicos, I com o término das discussões retirou suas contribuições, embora fosse um
dos maiores conhecedores das histórias que envolviam cada fonograma. Assim, algumas
explicações “desaparecem” e no lugar, junto aos agradecimentos, restaram advertências para
que não fossem trazidas algumas das história consideradas reservada às sessões. A falta dos
comentários fizeram com que o tópico perdesse um pouco a funcionalidade de trazer maior
compreensão a respeito da doutrina transmitida pelo Mestre Gabriel através da música,
sobretudo para aqueles que chegaram após o término do tópico. Como foi o caso de T:
Porém, como manifestou T, ainda foi possível absorver saberes que enriquecem o
aprendizado e para a continuidade das observações disponho de mais algumas narrativas na
sequência com que foram surgindo. Então, o sub-tópico inicia com N, trazendo dados sobre
os artistas tanto do LP como do período de lançamento.
Neste tópico a abordagem foi diferenciada. Foram sendo postados não somente o título dos
fonogramas, mas também o texto ou partes do texto das canções. Tonando as referências
interpretativas mais claras e direcionadas, uma vez que utiliza os próprios textos dos
fonogramas para exprimir uma ideia ou um entendimento (ou desentendimento) do teor do
FM.
262
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Este sub-tópico até o momento é o último da série listado no índice/tópico Relicário. Teve
início em 15 de junho de 2012 e término em 10 de julho de 2013. Foram feitos 108
comentários sobre o assunto com a participação de 8 membros, sendo 3 destes os mais ativos
e 2 membros participantes desde o primeiro tópico (mas somente “visível” 1 dos membros).
No início do sub-tópico N descreve quais os discos que serão “trabalhados” e informa que
destes apenas 10 fonogramas foram usados. Porém B traz a notícia que, desta coletânea foram
bem mais que 10 fonogramas usados em sessão pelo Mestre Gabriel. Baseou-se no trabalho
263
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que D realizou ao ler o livro. D informou a B que no decorrer do livro aparecem as músicas
que Mestre Gabriel utilizou. Porém no final do livro, junto às fotos dos LPs, não há essa
indicação. Para iniciar o sub-tópico N compartilha somente a 1ª capa do disco Aquarela
Nordestina262, para depois compartilhar fonogramas dos 4 discos da cantora Marinês que
disponho nas 4 figuras a seguir.
*
Figura 38 - Disco “Aquarela Nordestina” -1959 (SINTER- SLP 1745).
*
Figura 39 - Disco “O Nordeste e seu Ritmo” – 1961(RCA Victor - BBL 1110).
262 Para conhecer e ouvir o repertório completo do disco, Aquarela nordestina, disponível:
http://www.forroemvinil.com/marines-aquarela-nordestina/ Acesso em 15/11/2014.
264
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*
Figura 40 - Disco “Marinês Outra Vez” – 1962 (RCA Victor – BBL 1183).
*
Figura 41 - Disco “Siu, siu, siu” -1964 (RCA Victor - BBL 1273).
265
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Q- Rapaz... Acho que tinha umas músicas que ele colocava mais pra o povo mirar e
se encantar mesmo rsrsrs como hoje em dia o pessoal coloca muitas assim tbm. É
um momento único na Borracheira. Mas essa situação daí também pode trazer um
"amparo" (Tenha pena do Nordeste). 16 de junho de 2012 às 01:06 · Curtir
N- Também me conformo com isso aí Q, umas músicas pra esperar o tempo
chegar. Mas vem somando alguma coisa aí. Ó meu vocabulário aumentando.
Conhecendo os nomes de uns bicho q eu não conheço. 16 de junho de 2012 às
01:08 · Curtir · 1
Q- As vezes se coloca também uma dessa já no alto tempo pra a pessoa ver um
monte de coisa, mas dentro de um sentido claro. abraços mano 16 de junho de
2012 às 01:09 · Curtir
266
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Nestes comentários surgem alguns termos endêmicos à própria doutrina como mirar, encanto,
burracheira e tempo de burracheira são terminologias das quais um aprendiz, logo que entra em
contato com a sociedade, necessita saber para conseguir compreender o que se diz entre os
discípulos (v. índice remissivo). A partir do dia 2 de julho as contribuições (a partir do
compartilhamento feito por N) foram se escasseando. Dentre estas, vem o FM “Cadê o
Peba.mp3” que gera uma contribuição.
N- O povo que mora em meio daquela seca, na pobreza quase extrema, é que faz
jus quando a gente diz "todo sertanejo é um forte". Mas a gente pode dizer também
que a gente ainda tá precisando de mais riqueza em outros âmbitos né? E que as
vezes qualquer chuvinha na nossa seca, ajuda a amenizar a temperatura... 10 de
outubro de 2012 às 00:02 · Curtir
N - Tem umas coisas que não entendi nessa letra... alguém consegue pegar?
N- Entendi agora... "Se não "inrricar" remedeia"... por isso q ela pediu ora fazer
hospital. Se o cabra não ficar rico no trabalho, acaba se desagastando com o
trabalho e vai precisar de saúde. Agora sim 3 de março de 2013 às 16:06 · Curtir ·
1
267
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e interações entre os discípulos se tornaram dinâmicas amostras dos métodos possíveis para a
construção de um conhecimento a partir do fonograma.
Além das interação pessoais, da troca de fonogramas e reflexão sobre os mesmos, esse espaço
interativo evidenciou algumas formas de conduta adotadas mediante a apreensão da doutrina.
Performances que ultrapassam questões relacionadas com a consciência ou mesmo com a
postura corporal, mas que salientam uma certa domesticação da escuta (uma escuta ética)
como algo relativo ao desenvolvimento espiritual. Como diria Schafer, seria uma espécie de
limpeza de ouvidos, uma vez que se ensina a notar sons nunca antes percebido, sons saudáveis
(Schafer 2001: 67). Isto é, sons que estão em equilíbrio com a capacidade de audição,
percepção e assimilação dos sons da música para as pessoas (Schafer 2001: 44). Através das
análises dispostas nesse ambiente virtual, os participantes expuseram uma forma de raciocinar
bem próxima das exercidas durante a audição de fonograma durante uma sessão. Nesse
sentido, colocaram em prática o método utilizado dentro do ritual, isto é, a forma de
raciocínio que é estimulada dentro do Salão do Vegetal.
A parte seguinte refere-se a outro grupo virtual criado por membros da UDV, denominado
por Musincante. Este grupo, de forma semelhante ao anterior também privilegia o repertório
dos fonogramas “originais” embora inclua nos seus interesses todos os temas musicais
performados na UDV. Neste local, a participação é mais intensa e se estende a um número
maior de discípulos interessados em se aprofundar no estudo, qualificando-o como um
ambiente de convergência mais rico em informações advindas dos próprios fonogramas.
268
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MUSINCANTE
O Musincante é um grupo não oficial da UDV, mas somente associados podem fazer parte. O
meu vínculo ocorreu logo após a minha associação à instituição CEBUDV através do grupo
UDV-Portugal, quando Japú (27/06/2011 entr.) (participante do grupo desde 1999) em visita
à UDV-PT me convidou a fazer parte desse “ciberlocal”. Segundo Japú, o grupo em 2007
contava com 120 participantes, de acordo com JV em 2009 já haviam 217 participantes, em
2012 aumentou para 506 inscritos, e em 2015 contava com 575 discípulos procedentes de
várias localidades tanto do Brasil como fora do país.
Conforme JV, não há uma estatística precisa das saídas de membros do grupo, como também
não há como perceber o grau hierárquico atual de cada membro, uma vez que isso é definido
somente aquando da inscrição e “posteriormente não é mais acompanhado”. Revela, no
entanto, que houve “59 inscritos em 2007, 25 em 2008, 68 em 2009, 86 em 2010, 126 em
2011, 124 em 2012, 41 em 2013 e 27 em 2014” (descrição concedida em 18/11/2014 via e-
mail).
(...) esta lista não tem um moderador, nos moldes que outras têm. O que nos
modera desde o início (já há quantos anos? uns cinco, seis, talvez mais), e de forma
eficaz, é o bom senso e o objetivo de trocar músicas e informações, montando um
acervo comum destinado ao incremento de possibilidades de escolha dos M.
Representantes e para o uso privado dos partícipes. Tem sido bom assim, por ser
uma lista informal sem nenhum vínculo institucional com o CEBUDV ou a UDV, e
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Logo, Musincante é um grupo formado no ciberespaço composto por discípulos que têm como
objetivo discutir assuntos relacionados com os fonogramas performados em sessão. No
entanto, esse espaço virtual de discussão foi-se alterando até encontrar um local que se
adequou aos interesses do grupo. Assim, optou por um perfil restrito, onde os membros se
cadastram em uma lista e a partir deste cadastro começam a participar (via e-mail) de todas as
discussões do grupo. Como descreve JV que está no grupo desde 1999:
Antes houve alguns outros participantes nas diversas fases pelas quais o grupo
passou, desde o saudoso Audiogalaxy, um sistema peer-to-peer que no início do
século 21 passou a ser perseguido pela indústria de direitos autorais (assim como o
Napster). Houve outras etapas de troca de músicas e de informações, inclusive com
um site próprio que tinha senha para entrada (mas alguns inteligentes divulgavam a
senha publicamente nos orkuts e facebooks, daí fechamos o site). Nesta atual fase
do googlegrupos, que se iniciou em maio de 2007, a dinâmica de entrada se dá por
pedido via e-mail e o descadastramento se dá normalmente pela ação do próprio
membro, via unsubscribe, sem um aviso ou controle - só quando o unsubscribe não
funciona é que o cancelamento é feito a pedido (descrição concedida via e-mail –
18/11/2014).
Essa privacidade proporcionou grande liberdade aos participantes que dinamizaram, a partir
de algum fonograma compartilhado na lista por qualquer membro nela cadastrado, muitas
informações e troca de conhecimento referentes ao universo musical em geral. Nessa
construção de saberes são revelados diversos assuntos, contextos e informações sobre tudo o
que envolve o fonograma, assim produzindo um imenso arquivo de dados.
Nesse local é possível iniciar uma grande discussão envolvendo discípulos de muitas partes do
Brasil, na tarefa de refletir sobre elementos que remetem a um contexto histórico, técnico e
até mesmo particular de como foi produzido tal fonograma. Caso seja referido um fonograma
que de alguma forma tenha importância dentro do contexto da UDV, o interesse cresce e
saberes diversos sobre o “sujeito” são apresentados. Interesse que aumenta sobretudo se o
fonograma tiver sido supostamente usado pelo Mestre Gabriel. Quando surge alguma
270
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Muitas vezes são desvelados assuntos próprios à doutrina mas reservados a locais e hierarquias
especificas, enquadrando a discussão no limite entre o que pode e não pode ser dito nesse
espaço e fora da sessão. No entanto quando o limite começa a “tocar” as margens do que não
é recomendado nesse ambiente é recorrente algum discípulo (comumente um mestre) mediar
/informar sobre o cuidado em ultrapassar a fronteira. Caso seja necessário alguns chegam a
solicitar que o discurso ou questionamentos sejam feitos em pvt (que significa em e-mail
privado) ou mesmo somente em sessão.
271
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263 MP3 é uma abreviação atribuída a um formato digital de comprimir/arquivar áudios, atualmente atua como substituto
econômico e prático de outros arquivos de áudio como o CD.
264 Terence Mackenna (1984: 39) refletia sobre os conceitos de droga e computador “vêm-se aproximando um do outro”,
uma vez que a tecnologia acaba sendo verdadeiramente a “pele da nossa espécie” (idem 129).
272
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realizada nesses suportes podem ocorrer de varias formas: através do nome do artista, do
título do fonograma, do gênero ou da temática que tenha optado por categoriza-lo. Outra
discussão, (que se revela mais como um tipo de consultoria dada por membros capacitados)
incide sobre a tecnologia dispensada sobre a sonorização do Salão do Vegetal. Medidas do
salão, disponibilidade financeira do grupo local e quantidade de participantes nas sessões são
informações verificadas como elementos de base para calcular uma melhor acústica ambiente.
Contudo, uma das mais significantes trocas de saberes acontece quando, a partir de algum FM
compartilhado, ocorre a interpretação textual (Ricoeur 1994). Esses são compartilhados com a
finalidade de serem analisados para uma futura performance em sessão, passam por avaliações
que corroboram para o aprendizado, tanto de quem participa ativamente da discussão, como
do discípulo que se mantém como espectador “olheiro”.
Geralmente o critério de avaliação dos FM é feito por todos os que se sintam competentes
para isso. Situação que denota uma certa democracia, onde a hierarquia oficial da UDV não é
o ponto determinante para a ação – uma vez que os graus hierárquicos não são comumente
dispostos junto aos nomes dos participantes. De modo geral, o discípulo acrescenta ao seu
nome a designação laboral e gentílica, raramente aparecendo o nome do núcleo ou DAV do
mesmo. A seguir, exemplifico umas das formas de análise do texto de uma canção proposta
por um discípulo à lista Musincante, através de uma conversa entre Japú e outro discípulo:
Título: Esperança
Interprete: Casaca
Caminhando pelo mundo eu tropeço na estrada
Sempre não enxergo nada tudo
Aquilo que é meu tudo aquilo que é seu
Sempre em menos de um segundo
Sem pensar a humanidade fala em desenvolvimento
Sem pensar em quem nasceu / sem pensar em ninguém
273
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MA: Bom dia Japú, na minha opinião, a música deixa um tanto de palavras que não
conduzem a coisas boas. como por exemplo:
não senti que o contexto da música cobre essas palavras. Então na minha opinião
não acho adequada essa música. Bom essa é minha opinião, talvez esteja errado,
minha compreensão até o momento é essa, mas vamos ver a dos demais
musincantados. (Local: Goiás) - (17/07/07).
Outra forma recorrente de análise é enviar um arquivo em MP3 e solicitar sua avaliação a
quem se dispuser. Como ocorreu na data entre 27 e 28 de setembro de 2015.
274
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O que define uma música “boa” ou “não boa” no contexto da sociedade udevista? Para os
discípulos, a música “boa”, refere-se essencialmente àquela que é positivamente validada pelo
MR após uma análise interpretativa. No caso das canções, os textos precisam conter palavras
“positivas”, ou seja, palavras associadas a regras de conduta moral/ética ou contextos
inerentes à doutrina. Simultaneamente, recomenda-se que as canções que incluem palavras
consideradas “negativas”, ou que trazem uma mensagem negativa não façam parte das listas
selecionadas. A isto, atrela-se a designação de “música não boa”. As palavras que expressam
significados “negativos” só são aceitas se houver uma composição de palavras “positivas” que
as encubra. Neste sentido, as mensagens contidas no texto das canções devem ser veículos dos
ensinamentos que, durante a sessão, auxiliam a concentração mental e a ligação com o astral
superior, como também devem ter o papel de “eficientes corretores da moral”. Segundo uma
das descrições ocorridas no tópico intitulado A Onça (com 64 postagens de 20 autores), um
dos discípulos reflete sobre a forma como Mestre Gabriel manuseava os fonogramas a fim de
“tratar” dos seus discípulos. Nesta descrição, o discípulo refere-se à competência atribuída ao
Mestre no manuseio de um FM que em princípio tem palavras vaciladas, tentando mostrar que
esse exercício requer uma habilidade particular para encobrir uma palavra negativa por outra
positiva265.
GR- (...) Que o M. Gabriel dizia que por um a gente conhece o outro. Conhecer
não significa seguir e obedecer, pois no caso do mal a gente deve conhecer pra
aprender a se livrar, a se defender e no caso de Deus a gente procura conhecer pra
seguir com mais consciência. O M. Gabriel não usava só músicas "angelicais" e
"celestes", como sabemos. Ele usava músicas com palavras vaciladas e até com coisas
negativas, mas Ele sabia (e sabe) perfeitamente como cobrir, como corrigir e sabia
usar com perfeição pra chegar em algo negativo dentro de alguém pra poder tirar,
pra poder corrigir e equilibrar a pessoa que estava naquela situação. Cabe a nós
aprender (um dia) a fazer isso. Agora, essas músicas que misturam palavras de
ensinos e coisas assim muito "na cara" eu não guardo mais. Melhor cultivar a poesia
limpa, vinda da inspiração e que conduz a um entendimento maior e melhor
(29/06/2009).
Para os mestres que têm mais dificuldade em gerir a seleção dos FMs em tempo real é possível
atuar previamente a partir de uma seleção anterior à sessão. Todavia nem sempre os resultados
dessa pré-seleção correspondem de forma orgânica ao decorrer da sessão uma vez que os
temas a discutir são profundamente aleatórios e, na verdade, para os participantes o método
usado pelos metres é praticamente irrelevante: “Sinceramente, pra mim o que realmente
265 Neste sistema há palavras que não são indicadas constar em uma canção, por extensão não devem ser proferidas tanto
dentro de uma sessão como também na vida cotidiana do discípulo. Estas coincidem com palavras também não muito aceitas
pela sociedade no geral, como: suicídio, desgraça, loucura, etc. Assim, como meio de seguir e exemplificar a forma como
ocorre a metodologia do “encobrir”, após a descrição dessas palavras negativas, o correto é remediar os “efeitos” com a
descrição das palavras Luz, Paz e Amor, que segundo M. José Luiz, significa a presença de Deus.
275
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importa é a impressão causada pela música em alto tempo de burracheira, sem a interferência do
racionalismo. Também depende de o mestre que coloca a música fazer dentro da força, no
momento certo” (RZ – Núcleo S. Cosmo e S. Damião Curitiba/PR em 17/05/2010).
IB - Para esse objetivo tem uma muito boa do Gabriel o pensador, porém o ritmo é
um pouco acelerado, tem quem não goste de escutar em sessão, mas eu acho ótima,
LPA (10/10/2007).
276
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Nesse tópico, embora a discussão sobre reedição da palavra cantada dos FMs performados em
sessão tenha iniciado no ano de 2007, a partir da postagem do FM Sem Parar, esse mesmo
assunto, a partir do mesmo tema musical ressurge no ano de 2010 evidenciando o estudo
também da palavra além do ritual. A discussão se dinamizou a partir da pergunta de JV.
Esta referência trouxe à conversa 66 participantes, num total de 101 postagens. Suscitou
também assuntos não mais referentes ao objetivo principal da lista - que é pesquisar, analisar e
aprender com os fonogramas reproduzidos em sessão. Situação que ocasionou a intervenção
de um “mediador” para lembrar sobre as recomendações de não misturar os assuntos, uma
vez que a Musincante foi desmembrada de uma outra lista denominada Manos, para somente
falar de Música. Mesmo assim, o áudio de um texto restrito já “circulava” na lista. Tratava-se
de “um tema de trabalho da Direção do CEBUDV” cujo autor, o M. Edson Saraiva, ainda não
havia autorizado.
PB- Mas já que o texto circulou, peço cuidado com seu uso e também moderação
nas observações de seu conteúdo. Aproveito pra pedir que o áudio não seja
disponibilizado aqui. Como já disse uma vez, se algum achar que deve, que o faça
de modo particular, evitando inclusive, os pedidos nesta lista. Lembro de um
conselho de nosso Guia: Todo cuidado do mundo reunido, ainda é pouco.
Fraternalmente (27/10/2010).
277
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O texto refere-se a um dos saberes da UDV, e é uma espécie de código de conduta que deve
ser aplicado pelos Caianinhos (discípulos). O termo Caianinho faz alusão ao Caiano, que
segundo a História da Hoasca, é considerado o 1º a beber o Vegetal, este entregue pelas mãos
do Rei Salomão. Assim, “Caiano é o 1º Hoasqueiro” e os discípulos da UDV são os seus
seguidoes, os Caianinhos. O tópico denominado por “DNA do Caianinho”, indica o conteúdo
do texto com as seguintes frases:
No total são 18 itens referentes aos desvios de conduta e 18 antídotos. Deste texto, cito
apenas o que traz referencia à música aplicada em sessão, especificamente adequada pelo
participante RZ em resposta ao assunto sobre o uso de palavras negativas em FMs.
14- “Os angélicos. Só falam em flores, anjos e musicas iluminadas, não querem
perceber o diabólico precisando de transformação [“desvio de conduta”].
O verdadeiro Caianinho é investigador de si mesmo” [“antidoto”]
(Tópico: “DNA – aplicado ao assunto músicas” com 36 postagens de 21 autores
em 27/10/2010).
Como complemento, o discípulo GR traz uma canção do músico brasileiro Raul Seixas para
explicitar o seu posicionamento quanto ao tema: “músicas com palavras sob exame”.
Ele me disse que que M. Gabriel explica aonde é, e o que é, e o sentido geral da
letra cobre essa palavra. E que tudo depende do contexto e do porquê. Quem
coloca deve saber porque faz e quando fazer... Depois que ele falou isso, fiquei mais
flexível com essas coisas. Assim vi que o que fica é a mensagem...a essência real da
música. Compartilho essa opinião, e desejo auxiliar em alguma coisa no que você
está questionando.um abraço! (24/07/2010).
Seguindo esse raciocínio, JE vai mais além e traz reflexões que vão ao encontro dos graus
hierárquicas atribuído a certos FMs, estes designados à performance apenas por discípulos
“habilitados”. Segundo JE
JE - (...) Sei de músicas com palavras não positivas que foram tocadas pelo Mestre
Gabriel e depois cobertas pela doutrinação a respeito. Inclusive há chamada com esse
278
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intuito. Creio que vale um pouco a frase popular : "quem não tem competência, não
se estabelece" - que entendo no caso como: se a música é boa apesar de alguma
palavra... ou não toca ou administra (função fundamental do MR ).(Diz mestre
Herculano que a gente não tem só garoa, tem também tempestade - tem que
aprender a administrar) (25/07/2010).
O discípulo JO explica como tem observado o método de usar palavras negativas inseridas no
contexto ritual. Ele sugere alguns exemplos tanto das proferidas verbalmente em sessão como
através dos FM performados pelo Mestre Gabriel, ressaltando o nível de “equilíbrio” que o
participante deve ter para não se abalar facilmente (dentro e fora da sessão) quando se escuta
palavras consideradas negativas.
JO - Eu não gosto de tabus, e acho que temos que ter equilíbrio para ouvir as coisas
mesmo que seja de burracheira, e não se abalar fácil. Vejo os mestres falando no
salão, doutrinando, e falam do Satanás (tem gente se benzendo agora JE), para
poder alertar, e podermos nos defender. No meu entendimento não há palavra mais
negativa que o nome do próprio Satanás, e mesmo assim é falado e ninguém morre
na sessão por causa disso. (...)Eu faço uma reflexão nesse trecho. É o inicio da
música, que se chama "Sem Parar".
Há quem diga que "parada" é gíria para coisa [droga]. Mas no caso não é. A parada
que no sentido de parar mesmo. A mensagem que passa é que não devemos parar
na vida, pois perderemos tempo. E perder tempo na vida é deixar de viver... Se a
pessoa deixa de viver por vontade própria está cometendo suicídio. A palavra é
forte, mas é o entendimento do compositor. Eu gosto do jeito do Mestre
Herculano: "Não tem musica ruim... Se a música não é boa nois doutrina ela
até ela ficar boa...".
Se entrar uma palavra que é negativa, o Mes (sic) da cabeceira é pra equilibrar...É
como penso (25/07/2010) (grifo meu).
Após a leitura feita por JO, JE esclarece que atualmente são tantas palavras que “apareceram”
como não recomendadas a serem usadas tanto em sessão como fora, que ele não sabe quais
exatamente Mestre Gabriel citou. Mas lembra que chamar alguém de louco é uma delas. Após
lançada essa incerteza outros discípulos introduzem mais palavras negativas que acreditam não
poder ser verbalizadas.
DN - Como dizia o nosso caro M. Zé Luiz: "Toda música é boa, se num for boa,
doutrina em cima dela que ela fica boa".(26/07/2010).
DN - Queridos irmãos, tbém sei de q temos ter cuidado com mais palavras além de
Louco, MISERÁVEL, PESTILENTO, E MENTIROSO...Acho q o fato de
não devermos falar em uma sessão cabe a nós termos cuidado tbém no nosso dia a
dia...grande abraço a todos e boa semana. N. Arco Iris Jba- SC (26/07/2010).
JE - Olá DN, com a ressalva que essas em maiúscula são por tua compreensão, não
do Mestre Gabriel.... 26/07/2010).
RZ - PB e manos, das palavras que citou, não vi a palavra “mentira” ou
“mentiroso”. Uma vez ouvi que esta é uma das palavras. Ou não? (26/07/2010).
279
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FM - Interessante esse assunto. Mas como já foi falado, temos 2 assuntos a serem
estudados. Existem palavras que não podemos usar para com um irmão, tanto por
educação, como também para não vire uma "condenação" - e existem 3 palavras
que não devem ser pronunciadas numa sessão (essas 3 palavras -como já escutou o
JE, eu tb, escutei mais que 3 [palavras]) (26/07/2010).
PB - Prezado, Essa é uma das, senão a palavra que designa as mais infortunadas
condições do ser humano. Quer dizer estragado, corrompido, arruinado,
danificado, condenado, amaldiçoado, condenado ao inferno. Prefiro desejar
que nosso próximo seja feliz, que encontre a compreensão, paz, a saúde, a
harmonia e a fortuna. Que o nosso papo continue sob o símbolo da Luz, Paz e
Amor. Abs. (Tópico: Palavras em Músicas editadas 27/07/2010) 266.
O problema do uso de determinadas palavras no ritual parece ter também equivalência nos
gêneros musicais, justamente pela associação que podem ter a determinados perfis estéticos
que não se adequam ao estado emocional previsto pela doutrina, ou mesmo por alguns
discípulos. NT se questiona sobre a performance no ritual do estilo com o qual ele mais se
identifica, o Hevy Metal, pois observa que não é comumente performado pelo MR/MD, ao
contrário das categorias “MPB, Sertanejo/Regionais”.
266Logo, neste sistema há palavras que não são indicadas constar em uma canção, por extensão não devem ser proferidas
tanto dentro de uma sessão como também na vida cotidiana do discípulo. Estas coincidem com palavras também não muito
aceitas pela sociedade no geral, como: suicídio, desgraça, loucura, etc. Assim, como meio de seguir e exemplificar a forma
como ocorre a metodologia do “encobrir”, após a descrição dessas palavras negativas, o correto é remediar os “efeitos” com a
descrição das palavras Luz, Paz e Amor, que segundo M. José Luiz, significa a presença de Deus. No entanto, há palavras que
é creditado a quase impossibilidade de cobrir, isso por ser atribuído a poucos mestres essa habilidade. Neste sentido, atribui-se
a essas palavras negativas um grau de força (extra) que somente podem ser dominadas/combatidas por quem também tem
um grau superior (“de força”) - geralmente posição atribuída aos mestres mais antigos ou contemporâneos ao Mestre Gabriel.
Situação que remete a hierarquia estipulada para determinadas palavras, assim, determinados FM e chamadas.
280
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Parece ser também claro um processo de “domesticação do gosto” que vai ocorrendo à
medida que os indivíduos se vão educando na doutrina e habituando a um perfil estético
particular:
MO- Isso aí. Também sou jovem e não gosto dos "rocksinhos". As músicas das
antigas da UDV, essas que já tocavam no tempo do Mestre me agradam um tanto.
Marinês é ótimo. Abraços.
JV - Uma coisa que aprendi há muitos anos e que venho confirmando na UDV é
que existem dois tipos de música - a ruim e a boa. Sem pré-conceitos. E sempre
afinando o instrumento do sentir. Abraço, tudo de bom!
CV - Ouvi algo semelhante de um MR da região durante usa sessão. Ele disse q
quando chegou ficava "implicando" (sic) com o ritmo da música, o arranjo ou
mesmo com a voz do(a) cantor(a) e com o tempo, prestando atenção nas
mensagens das músicas, td isso ficou secundário (Tópico “Sessão de Jovens” 25
postagens de 16 autores em 11/10/2007).
Através das discussões promovidas entre os membros o lugar e a função da música no ritual
constituem igualmente interesses de análise e contribuem seguramente para a reconfiguração
267 Bragança em sua pesquisa sobre a sinestesia na música faz referência aos trabalho do psicólogo Donald Broadbent que em
1958 desenvolveu estudos relacionados ao foco da atenção, assim denominando o processo como uma espécie de filtro com
capacidade de armazenar informações, ou seja, uma espécie de audição seletiva anteriormente abordada pelo britânico E. C.
Cherry (1953).
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do ritual. Qual a melhor forma de atrair novos discípulos? A música pode efetivamente ser um
dos ingredientes de atração? Existem funções a partir das quais a música é entendida como um
elemento orgânico dentro da UDV? Que tipo de lugar ocupa efetivamente a música, sob o
ponto de vista do seu sentido e significado, enquanto ferramenta doutrinária?
AS “FUNÇÕES”/APLICAÇÕES DA MÚSICA NO
QUADRO DA UDV
Seja a partir dos depoimentos dos mestres ou dos discípulos, seja a partir dos textos escritos
sobre as práticas da doutrina, a música parece estar remetida – na voz dos udevistas – para
situações e aplicações muito claras quer no ritual quer fora dele. É esse papel atribuído à
música – aos fonogramas em particular – que está na base do que parece ser uma
preocupação de classificação presente em vários discursos e que tomam as chamadas “músicas
originais” como modelo. Vejamos então de que forma a música é classificada no sentido da
construção do arquivo, tendo como critério as suas eventuais aplicações enquanto ferramentas
doutrinárias.
São duas as fontes principais a partir das quais se procede à classificação da música e para a
qual o papel dos grupos virtuais – em particular o Musincante – é fundamental. As fontes são
o conjunto dos fonogramas considerados “originais” (FM utilizados pelo Mestre Gabriel) e o
livro Relicário (Lodi 2010). Embora o levantamento feito por Lodi sugira uma quantidade
determinada de LPs, na lista Musincante é possível aceder a uma comunicação intensa que
procura completar o arquivo a partir de contribuições e conhecimentos que vão sendo
acumulados através da colaboração entre os membros que para isso constroem redes de
cooperação:
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ML- Bruno. Até hoje não sei se o LP que tocou na presença do Mestre Gabriel, em
Manaus, foi um exemplar deste que você postou o link do Forró de Vinil, ou se foi
um desse aqui que coloco em anexo. Um abraço.
SA- É a maioria tá lá na casa da Jandira. (Núcleo Sereno de Luz/ Vilhena/RO -
24/09/2010).
Um dos participantes, na época residente do estado de João Pessoa/PB é conhecido por sua
dedicação em pesquisar sobre as “originais”. Dentre suas contribuições, foi promover junto
aos associados a compra dos LPs condizentes aos utilizados pelo Mestre, com finalidade em
disponibiliza-los a quem se interessasse.
EO- quem tiver essas [FM] que o Márcio escreveu num e-mail anterior, ficarei
grata:
Só Quero Um Xodó, trazendo o bom sentimento do amor.
Procissão, trazendo a boa presença de Jesus, da renovação, da boa luta prá vida.
Juizo Final, dando-nos um alerta.
Maria Coisa, eita, quanto a gente ri e aprende...!!!
Eu chego lá, Aboio, canto a coragem, chamando prá luta, prá semear, prá vitória!
Mãe Sertaneja, fala da mulher, da mãe que segura todas as pontas, com os filhos,
fazendo o que é preciso, prá alegria da familia(naturalmente traz a lembrança da
Mãe Natureza).
A volta do baião, prá mim o baião é o ritmo da União.
Quem sabe, um dia, possamos escrever um livro, falando da Marinês e do conteúdo
que tem as músicas que ela gravou, heim? (Márcio) Abraços, /Núcleo Princesa
Encantada/Campinas SP
EO- Bem, eu sou uma jovem aprendiz e ainda não ouvi falarem a respeito da
música Corina, mas acho que o MG [M. Gabriel] tá se referindo Corina como
sendo a UDV... meu pensamento tá na direção certa? (18/11/2009).
283
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trazem semelhantes mensagens. Tal critério deixa entender que a maior finalidade desta
classificação é a de auxiliar na escolha da música, por parte do MR, no momento da sessão. É
possível associar a um mesmo fonogramas vários assuntos, sendo o contrário igualmente
verdade. Segundo descrição de um discípulo, aos FMs listados abaixo é atribuído o papel de
explicar o que é a União do Vegetal:
RA - Mano, das músicas que tenho informação que foram utilizadas pelo MG para
falar da UDV, estou lembrando das seguintes:
http://www.mediafire.com/?z3malg8xviii5mf - O Grande Reinado (Jota Lima)
http://www.mediafire.com/?rvxiivm5r60kkka - Caatingueira (Marinês)
http://www.mediafire.com/?r84rgpy4oalq4cg - Corina (Marinês)
http://www.mediafire.com/?fcix1pmi1vjavhq - Meu Matulão (Marinês)
http://www.mediafire.com/?jk36u6a2n83z9zk - Escolinha (Tonico & Tinoco)
Nova Irradiação - Zico & Zeca. (19/07/2012).
268 Julia Hummes referencia alguns trabalhos que refletem sobre o funcionalismo da música, entre eles estão: Merriam (1964),
284
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Nessa lista foi atribuído a cada FM descrito uma análise alegórica270, comumente realizada pelo
MR quando traz um fonograma para a sessão. Todavia, não quer dizer que esse método
reflexivo ocorra entre os discípulos (receptores-passivos) durante o ritual, justamente por cada
pessoa ter uma forma de compreender aquilo que escuta como também, segundo a UDV, ter
um grau singular de entendimento. Geralmente os participantes não fazem uma interpretação
genesíaca convencional dos diferentes FM mas produzem uma decodificação estrutural,
sobretudo se for texto271.
músico Paulo Morão após as sessões na UDV fez alguns temas musicais inspirados em chamadas. Segundo Lodi, Jacinto Silva
(e sua esposa) foi associado à UDV até a desencarnação, nessa época ele já fazia parte da UDV e estava no CI, mas tinha receio
em dirigir uma sessão. Essa situação denota que apesar do FM ter algumas vezes cumprindo o papel de “MD” durante às
sessões dirigidas pelo Mestre, os artistas ou interpretes desses FMs, quando associados à instituição não. Neste sentido, a voz
decorrente do suporte mecânico ganha relevância em detrimento de quem a pronunciou. Tal processo enfatiza a importância
da palavra em detrimento de quem a articula.
270 Neste caso, o termo Alegoria/Parábola revelou-se apropriado para descrever o processo de análise utilizado pelos
discípulos, uma vez que esse processo remete constantemente a observação a partir da figura de linguagem, tendo os iniciados
privilégio no entendimento dessa linguagem.
271 Pesquisas sobre a análise desses FMs sobre o prisma dos estudos literários podem vir a ser um contributo para a área.
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repete tanto via presencial (em sessão), como on-line. Assim como em Música do Alto, o
grupo Musincante também é palco dessa investigação temporal.
Apesar de ser importante os participantes descobrirem, seja através das lembranças primárias
ou mesmo secundárias, o que chama mais atenção é o método da construção dessa memória.
Desse modo, saber quem foi a “testemunha ocular da história”272 não significa argumento
suficiente. Para a busca dessa “veracidade inquestionável”, é necessário que ocorra a
convergência de mais que um depoimento, a fim de chegar ao um veredicto final. Nesse
sentido, em todo o processo de construção do conhecimento dentro do contexto udevista, a
memória é extremamente “requisitada”. Em toda discussão, seja no ritual, como fora é a
memória que é trabalhada, e isso envolve aspectos ligados à mente e à consciência (Capra
1982: 269-270).
Escutas afinadas com a performance da música e das chamadas que condicionadas à doutrina
são o que de mais fiável poderia ter de memória - a música por estar afixada em fonogramas,
as chamadas por ser constate a sua performance. Segundo Suzel Reily (2014), a música tem um
papel significativo na sustentação de memórias compartilhadas. A autora entende que o
momento musical pode evocar infinitas memórias associativas tanto referente ao contexto em
que é performada como também memórias de um passado distantes das experiências
imediatas,
como o tempo dos antepassados ou o tempo mítico dos deuses(...) sendo sua
densidade consequência do nosso grau de comprometimento com a canção e o(s)
contexto(s) de sua performance. (...) Nossas memórias compartilhadas englobam
os aspectos contextuais da performance, tais como os participantes envolvidos, sua
localidade, sua temporalidade e o conjunto de práticas mais ou menos padronizado
que identifica aquela performance. Com efeito, toda performance musical faz parte
de um universo estético reconhecível e reconhecido por seus participantes, mas
também por aqueles que são excluídos dele. Esta memória é o produto de
sucessivas performances – a trajetória, por assim dizer, da canção, que, com cada
nova performance, vai sendo resignificada por aqueles que a apropriam. Deste
modo, a própria trajetória da canção cria uma memória. Como uma espécie de
arquivo, a performance retém, mesmo que de forma quase imperceptível, o seu
desdobramento ao longo do tempo (Reily 2014: 04).
Reily traz alguns trabalhos que realçam aspectos biológicos da memória, esses que envolvem a
produção de mapas neurais que são responsáveis pela memorização que é facilitada pela
prática cotidiana, ou seja pela prática da memória musical (idem). Sobre a memória contextual
a autora abarca várias definições que envolvem a memória musical, justamente por ser através
286
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dessa memória que uma enormidade de registros são associados. Cita as memórias episódica e
memória de flash, que são extremamente emocionais por guardar lembranças também afetivas
(idem 7). Memória ancestral, que envolve a reconstituição histórica e memória social,
transmitida de geração a geração ao longo dos séculos (idem 9). Nesse sentido é aclarado a
importância da música como mantenedora por excelência da memória seja de uma
coletividade, seja de um indivíduo, uma vez que, segundo Reily, é nas canções que muitas
tradições expressivas guardaram sua memória, sua trajetória.
A garimpagem realizada pelos discípulos na busca da doutrina contida em músicas novas, faz
desse suporte (os fonogramas) algo vivo e dinâmico, cujo neófito que se submete e se
interessa a esse oficio sempre aparece com novidades para expressar a doutrina ancestral. Nas
palavras do discípulo e músico Flávio Mesquita nas primeiras paginas da agenda de 2011: “não
há futuro sem presente, nem presente sem passado”. A performance dos fonogramas em
sessão tornam-se um pouco disso, pois é reverenciada a doutrina do passado em novos FM
que surgem diariamente formando uma base de dados para o futuro. Em termos de conduta,
os FMs performados pelo Mestre Gabriel evocam um espaço e tempo não mais existente, mas
que servem tanto como modelo musical de análise para novos FM, como modelo de conduta
social/moral (por serem considerados mediadores de mensagens). Ação que fixa uma prática
de repetição e retenção memorativa. Contudo há a intersecção entre os FM utilizados no
passado e os empregues no presente, sendo ambos demarcadores de uma identidade caianinha,
justamente pelo modo como são selecionadas (as novas), mantidas (as antigas) e performadas
em sessão, isto é, devido a sua pedagogia. O acervo musical traduzido em “passado” além de
demarcar uma identidade, também serve de modelo para o acervo musical presente e nesse
sentido. Assim sendo, nesse contexto social a memória é vista enquanto prática (Reily 2014)
uma vez que articula presente e passado como forma de manutenção doutrinária.
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experiência vivida por todo discípulo que, ao menos uma vez, ocupou o lugar de auxiliar de
som durante o ritual.
Para expor essa vivencia, coloco logo abaixo o texto produzido em campo:
No dia 12 de maio de 2012 num sábado de lua crescente foi realizada na Sede Geral em
Brasília uma sessão anual em comemoração ao dia das mães, ritual que teve início às 20:00
horas e término às 00:15. Em homenagem ao dia, foi convidada para dirigir a sessão uma
senhora que fazia parte do CDC, que estava acompanhada por sua mãe (já com uma idade
avançada) e a sua filha, assim, completando 3 gerações de mulheres da mesma família que
beberam o Vegetal (como foi mencionado em sessão). Segundo algumas conselheiras, na Sede
Geral há aproximadamente a participação de: 80 crianças; 31 Conselheiras; 17 conselheiros e
20 mestres, num total de 148 pessoas. Nesse dia a “casa” estava quase cheia. Foram
performados 10 fonogramas e aproximadamente 15 chamadas. Após a sessão Hélio (CI), que
ficou como o responsável por coordenar o som, revelou como ocorreu o ritual a partir do seu
cargo.
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né. Ai aquele assunto fez [com um assobio, e mexendo os braços fez um sinal
figurando um “foi para o espaço”]. Ao invés da gente estudar o assunto, o assunto
[sorri e diz] mudou.
Depois aquela que ele ofereceu para as mães, aquela cheia de perguntas das crianças,
bem típico da fase de 8 anos, “por que isso, porque aquilo”, chama-se “8 anos” da
Adriana Calcanhoto. E depois o poema do m. Edson Lodi, “A graça de Maria”.
Essa música o Mestre disse que não era para ficar compartilhando, passando para
muita gente, pra ninguém. Mas como é um trabalho que a senhora tá fazendo, vou
passar como confiança também. Evita fazer copia, só se for pra mestre dirigente.
Né, Joelson?. Teve uma música que geralmente não toca em sessão, mas foi pedido
pelo MD, pela oportunidade que a mãe dela estava ai, eu até hoje não tinha ouvido,
foi “Emoções”. Foi uma coisa pessoal dela, um sentimento pessoal que
compartilhou com a gente. E na hora que já tinha concluído, fechado a sessão, o
mestre pediu pra eu colocar a música para homenagear as pessoas, as mães. Assim
que é a música na união do Vegetal, é a critério do mestre representante.
PPL: Ouve também a chamada da Mestre pequenina?
Hélio: Essa chamada, foi uma chamada que a MD trouxe o CD. Geralmente o CD da
chamada eu não copio. Foram várias as músicas que não foram tocadas e foram
tiradas já no começo. Tinha uma aqui “Recuerdos de Ypacaraí”, tocou na sessão
instrutiva, instrumental [ele coloca]. A música é um instrumento do mestre, DO
MESTRE [levanta as mãos para o alto se referindo ao Mestre Gabriel]. Que a
sessão é dirigida pelo Mestre e por quem é designado a representar. Então pra gente
examinar isso. É bem legal.
PPL: Quantas chamadas foram feitas?
Hélio: Não contei, mas eu não me lembro de uma sessão com tanta chamada assim.
Joelson: Acho que foi até mais que 14 e 15 (contando com as de abertura de
fechamento). Eu até ia trazer uma, mas foram tantas.
Hélio: Eu achei legal, teve oportunidade pra muita gente falar, muita gente fazer
chamada. Gente que numa sessão de escala normal dificilmente a pessoa tem essa
coragem [de fazer uma chamada], digamos assim.
Joelson: Só pra deixar claro, que chamada da gravação só esta na voz da M.
Pequenina mas não é dela, é de autoria do M. Gabriel. Ela tem 9 chamadas que ele
autorizou. Na voz dele não tem essa gravação.
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Este conceito se desenvolveu a partir de três fatores ocorrentes durante as sessões: a paisagem
sonora audível durante o ritual, a performance reduzida imposta aos participantes nesse ambiente
e a ingestão do Vegetal. Uma vez evidenciado que através da articulação destes 3 elementos o
participante deste ritual experimenta sensações de grande intensidade corporal, a tese
caminhou no sentido de demostrar como uma “partitura” social delimita e direciona a escuta
individual, ou seja, como reciprocamente uma lógica social revela uma lógica da escuta.
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participante atribui significados, tanto de modo reflexivo como de modo sensitivo (Schafer
2001, Ruth Stone 1982; Steven Feld 1982). Esta abordagem privilegia a análise do som como
comportamento ao buscar entender como se processa o ato de interpretá-lo. Para descrever
essa performance foi preciso fazer algumas considerações sobre como ocorre o processo da
escuta.
Nesse sentido, esse ambiente ritual foi observado como um local que promove um
comportamento para além das práticas religiosas (Gennep 2011) onde os elementos
(sonoridade, indivíduo, grupo, sociedade e objeto) estão ligados entre si através de uma
sequencialidade de eventos, num continuum sucessivo de ações. Assim, todo aprendizado
iniciado nesse local - que se propaga para além desse ambiente - se readéqua ao cotidiano dos
discípulos que, por sua vez, inspira o ritual. Essa manutenção extra ritual (essa ponte que
aproxima intra e extra ritual) é especialmente proporcionada pela escuta do fonograma musical
(FM) adequado à doutrina.
Deste modo, retomo o modelo de análise proposto no início desta tese (som/
ouvinte/ambiente - Truax 1984) que considerou três universos - fonogramas, mestre e sessão -
articulados com os seguintes conceitos: palavra cantada, paisagem sonora e sequencialidade, para
relembrar que a partir da combinação dessas dimensões foi possível entender a componente
comunicacional como um mecanismo “pedagógico” adotado pela União do Vegetal.
Através do grupo estabelecido em Portugal foi possível trazer elementos que abrangem, de
uma forma mais geral, toda a sociedade udevista. O enfoque partiu da possibilidade de
observar essa doutrina como um lugar de conhecimento sistematizado e formal, o qual
apresenta uma metodologia própria. Assim, a partir da proposta que explora uma
epistemologia dos saberes não acadêmicos (Albuquerque 2011), percebi o protagonismo que a
292
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Assim, em resposta às perguntas propostas na introdução deste trabalho, foi possível tecer
algumas considerações que doravante apresento.
Nesse sentido, assim como um músico organiza a sequência dos seus temas musicais como
meio de impactar o seu público (Seeger 2013), o MR/MD também mantém essa inquietude. É
através de um padrão próprio, evidenciado a partir da sequência com que insere as ferramentas
de trabalho (chamada, silêncio, oratória e fonograma) durante uma sessão, que o MD busca
envolver o participante. Mesmo que exista um modelo ritual que revele um método de estudo
293
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absorvido pela sociedade udevista global, é através da paisagem sonora produzida no local
(através dos FMs, idioma, sotaque, posição geográfica, arquitetura, equipamento sonoro, entre
outros), que se torna possível atribuir uma marca identitária a este espaço. Por outro lado, a
partir do padrão sonoro adotado pelo MD - que compreende a quantidade e sequência com
que dispõe cada ferramenta de trabalho – é possível identificá-lo através da sua assinatura sonora
(Molina 2014).
De igual modo, considerei a sessão como uma unidade mínima de uma sequencialidade
sendo o agrupamento das sessões um conjunto sequencial que promove o aprendizado dos
saberes em sua totalidade. Assim, observar o repertório musical de uma sessão e,
subsequentemente, observar o repertório das demais sessões, possibilitou entender que o
ensino aí desenvolvido não se revela de forma inerte, mas seguindo uma sequência lógica de
informações que é construída sessão após sessão.
A utilização dos FMs como roteiro sonoro durante as sessões na UDV pode proporcionar a
delimitação do estado transcendente do participante. No entanto, cada tipo de sessão
proporciona estados diferenciados. Por exemplo, nas sessões de adventícios a oferta de FM é
maior, o que pode proporcionar também um maior deslumbramento das visões, das mirações -
onde se visualiza elementos variados como cenas, ações, cores, desenhos geométricos.
273 É uma paisagem sonora que possui boa relação entre figura e fundo. O som de fundo tem pouca intensidade, o que
favorece os sons pontuais serem ouvidos com maior clareza (Schafer 1997: 72).
274 Miguel Angel Garcia em Paisagens Sonoros de um mundo coerente descreve a transição vivida pela sociedade WICHI na
Argentina após a entrada dos missionários (evangélicos e anglicanos) e a entrada da tecnologia. Ambos transformando os
“costumes” e a paisagem sonora local. Segundo o autor “al medio acústico del ecosistema abonado por los innumerables
sonidos que emiten aves, insectos y animales domésticos y montaraces, se superponen las melodías de los coritos y la palabra
cantada de la Biblia” (García 2005: 190).
294
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Sensações comuns aos adventícios que, segundo menciona M. José Luiz, derivam “da vontade
do novato em ver cores” (2012 entr.). Logo, entende-se que o participante nas primeiras
sessões, por não conhecer a doutrina, tem uma certa liberdade de mirar além dos já iniciados.
Por outro lado, é esperado que com a frequência, com o hábito, os discípulos aprendam a
dominar os seus pensamentos e concentrarem-se no que é transmitido a fim de aprenderem a
adequar a sua compreensão e assim “afinar a escuta” (Chion 2012) no que é a doutrina.
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O FM, neste ambiente, pode também ser considerado um elemento atrativo, inclusive quando
o ouvinte é um adventício, ao envolver o participante quando este se reconhece/identifica
com um determinado tema reproduzido em sessão. Se o tema for conhecido do participante,
o fonograma exerce um papel de catalizador e mediador entre as fronteiras (do conhecido e
do desconhecido/entre dentro e fora do ritual). Portanto, a empatia é ressignificada quando
escutada durante o ritual, assim promovendo um outro atrativo emotivo, desta vez associado a
esse ambiente.
Neste contexto, além de ser entendida como dádiva ou donativo – como presentes que
costumam oferecer uns aos outros -, a música também pode constituir uma forma de
identificação pessoal, uma espécie de “diário sônico” individual, um registro que revela traços
do perfil e da personalidade de alguém ao relacionar experiência e interpretação. Segundo
Ricoeur “a apropriação pela compreensão de um texto proporciona ao sujeito novas formas
de vida, novas formas de ser” (1999: 105), sinalizando uma auto compreensão.
296
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Contudo, ao mesmo tempo que o indivíduo é representado ou se torna, num sentido figurado,
“dono” de uma dada composição musical (normalmente pelas analogias feitas entre o tema
escutado e a vida do indivíduo), também ocorre a despersonificação do protagonismo original
idealizado pelo compositor. Logo, este processo revela a descontextualização do tema musical
originado num dado contexto social, para a sua recontextualização ao ser adequado a um novo
contexto (Bauman e Brigss 2008). Assim, essa apropriação deixa de ser considerada como uma
posse, promovendo assim um novo sentido.
No cenário udevista, mesmo que o texto permaneça o mesmo, a ele são conferidos estatutos
singulares de, por um lado, ser mensageiro e mediador de saberes doutrinários através de um
linguajar êmico e interpretativo e, por outro, ser símbolo e personificação de um indivíduo,
sobretudo através da palavra cantada (Finnegan 2008). Assim, sobre um único FM é possível
construir e idealizar distintas perspectivas e interpretações e a partir das sequentes experiências
(de vida e nas sessões) o indivíduo pode ter a possibilidade de observá-lo de diferentes
ângulos.
Mesmo a música sendo produzida originalmente para fins comerciais e por indivíduos não
pertencentes à UDV, a partir da sua recontextualização, é nutrido um sentimento de pertença
identificadora. A experiência vinculada à música ganha valor a partir da construção de
significados pessoais e sociais construídos pelo participante. Neste sentido, uma vez que este
bem simbólico, quando escutado dentro do ritual, vem envolver o ouvinte através da
gramática, sintaxe e domínio musical, também promove experiências afetivas. Processo que
envolve a construção pessoal de um repertório coletivo de FMs tanto procedentes de um
passado relevante à doutrina, como procedente de um momento relevante ao próprio
indivíduo. Assim, nesse contexto social a memória é vista enquanto prática (Reily 2014) uma
vez que articula presente e passado como forma de manutenção doutrinária. Dada essa
particularidade, a performance da escuta, apesar de ser domesticada pelo contexto sonoro ritual,
sempre será relativa ao sujeito e relacionado a ele, mesmo não estando consciente dessa ação.
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Este processo de filtragem, visa promover a apreciação da música num sentido mais
“venerável”. Isto é, ela não é vista somente como entretenimento, pois assume um carácter
voltado a um método de ensino. Desse modo, assume uma função que converge para alguns
conceitos fundantes à doutrina, com funcionalidade de (como um discurso) trazer elementos
que contemplam concepções sobre ética e moral que, segundo discípulos, compreendem
noções elevadas, espirituais e transcendentais. Processo esse que fornece bases para refletir
sobre a noção de “boa” conduta influindo assim nas normas comportamentais, entre as
relações humanas e as atitudes sociais.
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O processo decisório que envolve a reprodução um tema instrumental durante a sessão (que
pode ser visto tanto como uma atitude autoritária, mas também como uma forma de acautelar
a regulação da mensagem doutrinária), recai sobre o receio de aflorar no participante uma
escuta não “consciente”, ou seja, uma escuta que privilegia o “simples” entretenimento. Neste
sentido, trata-se de um sistema que revela dois aspectos referentes à escuta musical:
Se a partir de determinado tema musical comercial são transmitidos saberes que remetem a
saberes doutrinários e transcedentais, pode-se entender que esses saberes, inscritos
fundamentalmente nas palavras, revelam características que desmistificam a sua secularidade
enquanto algo desprovido de espiritualidade. Assim, o FM é valorado como um transmissor
de mensagens que possibilita ao ouvinte refletir sobre: resolução de problemas, reflexão
pessoal e rememoração de alguma situação. Esses elementos objetivam promover um certo
tipo de introspeção. E mostram que os saberes doutrinários podem estar inscritos no
quotidiano comum onde a música também adquire sentido. Podemos dizer que de alguma
forma a música e a palavra cantada inscrita no fonograma constitui não apenas uma extensão
da doutrina para além do ritual mas também um testemunho da relação dessa mesma doutrina
com a própria vida.
A relação do aprendizado dentro desse contexto define a música e a palavra cantada como
mediadora dos saberes doutrinários sob uma ótica autopoiética275 (ou enactivista), onde a
sonoridade passa a se configurar como mais uma estrutura que se modifica continuamente a
cada função a ela atribuída resultante das interações entre o ambiente e os sujeitos, e que segue
275 Autopoiese é uma teoria fundamentada na década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e
Humberto Maturana para determinar a capacidade que os seres vivos têm de produzirem a si próprios de uma maneira auto-
referencial. Isto é, um ser vivo poder ser caracterizado como um sistema autopoiético, quando há a ocorrência de “uma rede
fechada de produções moleculares, a partir das quais as moléculas produzidas geram, com suas interações, a mesma rede de
moléculas que as gerou” (Torres & Góis 2011: 620). Essa teoria foi aplicada por Niklas Luhmann na área das ciências sociais,
contribuindo enormemente no método da observação social onde a observação antes estanque num elemento
individualizado, passou a observar a interação e comunicação entre os elementos.
299
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Nessa rede, cada indivíduo tem o seu valor, por saber e sentir onde cada coisa acontece. Onde
houver alguém da organização, haverá a própria organização, já que a performance individual
é instituída por um modelo que se reproduz em todas as células/polos da organização,
equivalente a uma “organização fractal que é onipresente”. Nesse sentido, o indivíduo é
compreendido pelo coletivo, ou seja, se entendermos a interação, negociação e relação entre
os indivíduos, conheceremos o seu coletivo (Strauss 1999; Capra 1982).
Em síntese, podemos dizer que o contributo central desta tese, enlaça às seguintes questões:
(1) A UDV configura uma comunidade acústica, (2) A performance da escuta é um
elemento central para o ritual e para a consolidação da doutrina, (3) O fonograma constitui
uma extensão do ritual, (4) A palavra cantada adquire um valor de “escritura” no sentido
doutrinário, uma vez que é ela que tem a capacidade de orientar a mensagem quer no ritual
quer para além dele. E, nesse sentido, o fato de termos um repertório musical que é resgatado
do repertório comercial, confere à própria doutrina um valor acrescentado como algo que está
presente na vida num momento prévio à própria doutrinação.
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Índice remissivo
Burracheira: termo utilizados pelos discípulos da UDV para descrever um dos efeitos da
ayahuasca que segundo colaboradores, Mestre Gabriel descrevia como uma “força estranha”.
Chacrona: faz referência a folha (um dos componentes da ayahuasca), que segundo a
simbologia udevista compreende a energia feminina, por nascer do túmulo da conselheira do
rei Inca, Hoasca. Também simboliza a luz, ou seja, a sabedoria.
Chave: um conjunto de palavras dentro de uma frase que remete a alguma mensagem.
ÍNDICE*REMISSIVO*
Encanto: “’entrar nos encantos’ é um encontro espiritual, mas a presença nesta dimensão é
seletiva. O dirigente da sessão faz ‘o pedido’ para que os outros que não podem ‘entrar’ nos
encantos possam ‘ver’” (Melo 2010: 51).
Feitio: é a atividade que envolve a feitura da decocção. Neste local são realizadas sessão em
meio ao trabalho de lavar as folhas, macerar o cipó, montar esses ingredientes dentro das
panelas, juntar com água, ferver muitas vezes trocar de panelas até chegar no ponto
pretendido. Enquanto, geralmente, os homens fazem essa função as mulheres cuidam do
alimento, da limpeza do local. Funções ininterrupta que podem demorar o tempo que durar a
feitura em media 3 dias. Contudo, anterior a esse processo há a mensagem.
Hoasca: além de ser o nome da conselheira é o nome da História da Hoasca que compreende
toda a cosmologia udevista. Tem como um dos seus objetivos “ensinar como ‘trazer’, ‘abrir’
ou ‘chamar’ o encantos”(Goulart 2004: 198)
Mariri: denomina o cipó (uma dos vegetais que compõem o decocção), mas também
simboliza um personagem mítico da história da Hoasca. É o Marechal do rei Inca Ele é
simbolizado dentro do ritual pelo masculino e força.
Miração- segundo Labate há dois tipos de miração, a “verdadeira miração e a “falsa miração”. A
primeira refere-se a um “plano espiritual divino” de caráter revelador de ligação com a
divindade, considerado como “o verdadeiro mundo, que governa o mundo aparente, visível,
tido como ilusório” (idem 3010). Já a “falsa miração” refere-se a alucinação, fantasia arbitrária e
subjetiva, criação própria “você fica ali viajando” (Labate 2004: 311)276. Dentre os discípulos
da UDV, ao ter uma miração – a ação de alguma cena - tem que se saber interpretar.
Geralmente traz alguma mensagem.
276Labate também faz uma breve reflexão a respeito do debate existente sobre “o limite entre natureza e cultura” que visa
desvendar os padrões visionários ocorrentes em quem faz uso da ayahuasca. Cita algumas experiências realizadas por
pesquisadores em grupos variados de indivíduos. Assim, destaca a seguinte questão: “as visões engendradas pela experiência
da ayahuasca dão acesso a dimensões universais da mente humana ou são culturalmente prescritas?” Segundo a autora
acredita que “possa haver dimensões universais da experiência com alucinógenos – determinadas neurologicamente – mas,
como afirma Langdon (1992), a propósito das visões indígenas: ‘Esses traços universais são percebidos e interpretados pelos
Siona de acordo com expectativas culturais’” (Labate 2004: 313).
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Musica boa: relativo aos temas musicais que são performados em sessão, e também para
escutar cotidianamente.
Palavras Vaciladas: palavras incertas, mal definidas, geralmente consideradas indevidas tanto
para fala como para a escuta.
Peneira: uma análise aprofundada no conteúdo do fonograma após seleção. É uma ação que
busca separar o que é, e o que não é institutivo aos saberes da doutrina, ou seja, o que
transmite uma moral permitida (positiva) em oposição ao que transmite algo negativo.
Salão do Vegetal: denomina todo local onde é realizado uma sessão. Pode ser em meio a
floresta, ou num local aberto como ocorre nas sessões realizadas em dia de feitio.
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Jornais
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Agendas
- Agenda 2011 – UDV 50 anos: construindo a paz no mundo;
- Agenda 2013 e 2014 – José Gabriel: Filho da Bahia;
- Agenda 2015 – Gabriel: em busca do Tesouro.
324
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BIBLIOGRAFIA*
Fonte primária
Os dados listados logo abaixo são referentes a todos os colaboradores que contribuíram com
informações, tanto durante a pesquisa exploratória como no estudo de caso.
325
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BIBLIOGRAFIA*
326
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BIBLIOGRAFIA*
Luiz Airão
Estou aqui –Roberto
Carlos
34 Ana Pinheiro CI 28 advogada Grupo Cor do Som
(RJ) Aquarela - Toquinho
Natureza -
35 Davi Luiz CDC 32 Policia Militar Amor Cósmico – Oliveira
e Panelas
Os 3 reis Magos
36 Rafael QM 33 Gerente de Catingueira – Marinês
projetos Conheci um Zé – Milton
Nascimento
Entrevistas coletadas Brasil (Porto Velho - 2012)
37 Fernando QS 50 comerciante Núcleo Erunaiá É diferente – composição
(Paulista) própria
38 Donizete QM 52 comerciante Núcleo M. Minha 1ª professora –
(MS) Gabriel Jacinto Silva
39 Jorge Elage QM/Pr 68 Analista de Núcleo M. Todos a cantar –
(MG) esidente sistema Bartolomeu esperança
Mensagem do além – José
Rico
40 Ana Maria CDC 58 Professora e N. Mestre Catingueira- Marinês
(Acre) pró- reitora Gabriel
41 Luiz Carlos (AM) MR/M 64 comerciante Núcleo M. Bom dia Roceiro – Tupi e
– 1º discípulo após CR Bartolomeu tupã
o MO
42 Daniel Castor QM 67 Assessor N. Mestre
(Pará) administrativo Gabriel
43 Amâncio(Seringal) QM 59 Comerciante e N. Erunaiá
companheiro de músico.
Jandira (filha do
M. Gabriel)
44 Alcimar MR 43 Professor de N. Erunaiá Estou aqui – Roberto
Geografia Carlos
O sol continua brilhando
– Jacinto Silva
Os devotos do divino-
Ivan Lins
45 Franclin QS 20 Militar da N. Erunaiá -Força que uni – Janys
força aérea (acre)
46 Valmir QS 18 Estudante 2º N. Erunaiá -Swing diferente –
grau Franclin
-Tempo do bem – Rauney
-Maregarei- Fraclin
(canções próprias
47 Joycimere CI 33 Estudante N. Erunaiá
(Porto Velho) pedagogia
48 Maruca QM 53 Dentista A janela – Roberto Carlos
327
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BIBLIOGRAFIA*
(Porto Velho)
49 Herculano M. ADV 48 Juiz Federal N. Erunaiá
(MG)
50 Dionéia CDC 64 Dona de N. Estrela do
(Acre) – esposa M. casa/Cabelerei Norte
Braga ra
51 Raimundo Braga MO 82 N. Estrela do Caminhando em frente
Norte
52 Marcos Lessa QS 21 estudante de N. Flor divina O menino e o mar-
(Fortaleza) música Rubinho do Vale (ex
UDV)
Canto Lunar – Tarancón
Fonte de agua viva
53 Celso Ex – 47 Empresário/ Caboclo Livre – Oliveira
(Fortaleza) sócio ex policial de Panelas
Nova Irradiação – Zilo e
Zalo
54 Moises QS 15 Estudante N. Erunaiá
ensino médio
55 Clara QS 22 Estudante de N. Erunaiá
direito
56 Fabio B. QM 40 Comerciante e
(PR) estudante de
administração
57 Silvia (SP) - CDC 56 Professora de N. M.
Registrou as piano Bartolomeu
chamadas no
arquivo do RJ.
58 José Augusto CI 49 N. M.
(MG) Bartolomeu
59 Rafael (Bahia) CI 26 Estudante N. Encanto das
antropologia Águas
60 Roque (Bahia) QS 40 Antropólogo N. Reis Magos
61 Emanuel QS 27 Ciências N. Reis Magos
Sociais
62 Araçuã CI 28 Adm. Pública N. Menino
Galante
Entrevistas coletadas Brasil (São Paulo - 2012)
63 Sábia (Maranhão) CDC 43 Programação UDV-Portugal Nossa Senhora- Roberto
sistema/artes/ Carlos
terapeuta Todo mundo quer ser rei-
64 José Luís (PV) MO – 76 Técnico em O homem- Roberto
Mestre contabilidade Carlos
pela /administraçã Luz divina – “
firmeza o. Terapias Estou aqui - ”
alternativas Outra vez em busca desse
abrigo – Roberto Carlos
65 Tuju (português) CI 35 ambientalista UDV-Portugal
328
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BIBLIOGRAFIA*
329
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BIBLIOGRAFIA*
330
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Apêndices
2. Visitante não associado (V) – terminologia (sigla) por mim introduzida para
discriminar indivíduos não associados, mas que possuam o conhecimento de como ocorre o
ritual, dentre eles estão os ex-sócios e indivíduos que frequentaram outras linhas
ayahuasqueiras. Tal terminologia não consta como hierarquia dentro da instituição, mas
segundo alguns interlocutores, subentende-se que quem ingeriu a bebida é de alguma forma
iniciado no processo de progressão hierárquica.
3. Sócio Visitante (SV) - terminologia (sigla) por mim introduzida para discriminar
membros filiados à UDV que visitam um outro grupo que não o seu (local/cidade de
associação). Tal terminologia não consta como hierarquia dentro da instituição quando não
estiver atrelada a algum grau, ou seja, pode ser atribuído a qualquer grau hierárquico;
4. Sócio (QS) – existem dois níveis de sócios, os sócios fundadores (que fundaram o
Centro Beneficente União do Vegetal - CEBUDV) e os sócios efetivos que, após
frequentarem as sessões, se associam e são admitidos oficialmente à instituição, passando a
fazer parte do Quadro de Sócios. Para fazer parte deste grau é preciso ter sido: adventício,
visitante ou mesmo ex-sócio (ex-mestre, ex-conselheiro, ex-membro do Corpo Instrutivo).
Este grau pode ser o primeiro estágio para os novatos, como também local de reaprendizagem
doutrinária para mestres, conselheiros ou membros do Corpo Instrutivo (CI) que foram
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APÊNDICES*
5. Corpo Instrutivo (CI) - são indivíduos pertencentes ao QS que são selecionados pelo
MR para entrarem num novo grupo de estudos. Neste estágio, apesar de continuarem a
participar das sessões de escala (que é aberta a todos os sócios) são lhes disponibilizadas
sessões específicas, com assuntos distintos do grau anterior. Nas sessões realizadas para este
grau somente os membros que fazem parte do QS não participam e também não devem saber
o ensinamento que ali é transmitido. Somente ascende a este grau (assim como para os outros
graus) quem demonstra ao MR o seu grau de memória, principalmente, através das perguntas
realizadas nas sessões. Segundo o M. Caburé, basta apenas uma pergunta para saber o grau que
o discípulo está, e dependendo da pergunta essa é capaz de fazê-lo ascender na hierarquia,
pois mostra o grau (sabedoria) do discípulo. No grau do CI é exigido um comprometimento
maior entre o discípulo e a instituição que abrange: nível social (participação, interação e
promoção dos eventos realizados pela mesma); administrativo (participar como membro da
associação) e moral - muitos discípulos deixam de beber álcool, de participar de outras linhas
ayahuasqueiras, e iniciam a necessidade de uma forma de conduta mais “esmerada” – como
corte de cabelo, roupas limpas, formas de falar dentro do ritual mais coerentes com a doutrina
ensinada;
7. Mestre (QM) – assim como ocorre no grau do CDC o indivíduo é convocado para o
grau de Mestre por uma diretoria. É através do Mestre Representante (que a seguir descrevo)
que o discípulo recebe o uniforme e a Estrela bordada no peito sob o pronunciamento:
“Receba a Estrela para um dia estar no lugar de encontrar-se com o Mestre” (Melo 2010: 95).
332
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Mas para chegar a esse grau o caminho é longo, uma vez que se ampliam as exigências e se
acrescentam novos critérios, principalmente relacionados à absorção da doutrina, isto é, ao
grau de memória. Neste caso é necessário saber seguir uma sequencialidade, um roteiro
próprio às sessões, isto é: conhecer a doutrina apreendida durante as sessões e saber
reproduzí-las – performá-las - em forma de histórias, chamadas, música como também através
do silêncio; saber abrir e fechar uma sessão; saber específicas chamadas; saber quais palavras
devem ser faladas e como introduzí-las durante, as sessões; e como prova final, contar a
história da Hoasca 277 numa sessão para alguns mestres, configurados em examinadores. É
também ser um membro ativo dentro da instituição, tendo participado dos cargos
administrativos e eventos sociais com a irmandade. No entanto, a vida pessoal é em grande
parte observada, pois é preciso ter uma conduta moral percebida através da prática, ter um
relacionamento familiar estável, ser casado (sendo a esposa membro do grupo) e não ter
alguns vícios (como uso de bebidas alcoólicas e psicoativos ilícitos), isto para dar o exemplo.
Nas sessões realizadas especificamente para estes grau hierárquico não é permitida a
participação de nenhum dos outros graus inferiores. Neste nível somente os homens podem
ter acesso. Com exceção da esposa do M. Gabriel, M. Pequenina, ainda as mulheres chegam
somente até o grau de conselheiras, por motivos que logo afrente descrevo.
277Sobre a História da Hoasca ver em “Fernandes 1986, Andrade 1995, Luna 1995, Goulart, 2004) e em publicação não
acadêmica (Alves, 2009)” (Melo 2010: 78)
333
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APÊNDICES*
função por Assistente do Mestre (AM), sendo uma denominação que “utilizamos apenas aqui,
internamente, carinhosamente. Os MA são do QM, aqui temos caso excepcional, pq não tem
ainda outros mestres” (c. Sabiá via e-mail 25/02/2016).
* Mestre Assistente Central (MAC) – auxilia o MCR substituindo-o quando necessário nas
supervisões e no que ele recomendar. Sua permanência é na Sede Geral e somente poderá ser
MAC se já tiver sido MR;
* Mestre Central da Região (MCR) - este posto é a autoridade máxima da região. Tem
como umas das competências além de supervisionar os núcleos, pré-núcleos e Dav’s da região,
autorizar a realização de sessões com o Vegetal onde não haja grupos oficialmente formados
pela instituição. Só pode ser MCR se já foi um MR;
*Mestre Assistente Geral (MAG) - a este cargo compete auxiliar o MGR e também
substituí-lo quando necessário. Somente quem já foi MCR pode ocupar esse cargo, que
também possibilita a responsabilidade de acompanhar as atividades dos grupos no exterior;
334
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
*
Figura 42 – Mestres da Recordação (1960-1987) – site oficial UDV
*
Figura 43 - II Encontro do CREMG em Porto Velho/RO. 1989. Crédito: DMD/CEBUDV.
Foto: Yuugi Makiuch
Segundo site oficial da UDV281, no total foram 24 discípulos que receberam do próprio Mestre
Gabriel a formação de mestre. Atualmente existem vivos 8 MO282: Pequenina (esposa), Braga,
335
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APÊNDICES*
José Luiz, Monteiro, Herculano, Roberto Souto, Roberto Evangelista e Jair Gabriel (filho).
Além da recordação dos ensinamentos, também lhes é atribuída a função de corrigi-los -
amparados pela supervisão da Representação Geral e pela supervisão dos próprios membros
do CREMG - caso haja alguma dúvida ou esquecimento. Essa supervisão e orientação deve-se
a um enunciado (segundo um membro do CI de Portugal recorrendo às palavras do MO
Manoel Nogueira já falecido) de que todos os mestres do Conselho da Recordação, unidos,
são o Mestre Gabriel.
* Mestre Dirigente (MD)283 – é um termo destinado a quem for dirigir a sessão. Porém, não
é denominado pela instituição como sendo um “lugar” fixo, ou mesmo um grau alcançado
oficialmente ou burocraticamente. A este atribui-se uma momentânea (porém relevante)
função espiritual. Como “lugar movediço” somente existe durante o ritual e geralmente quem
é de direito ocupa-lo é o MR. No entanto, é um “lugar” onde o MR tem a liberdade de
escolher quem pode ocupá-lo. Essa escolha envolve muitas situações, como por exemplo:
quando o MR não se encontra na cidade ou mesmo impossibilitado de comparecer ao ritual;
quando há a visita de um membro do QM ou mesmo do CDC, o MR aproveita tanto para
reciclar o conhecimento como também dar oportunidade a visita de dirigir uma sessão; mas
inclusive, quando convida um discípulo a fim de ensiná-lo a dirigir uma sessão, situação que
favorece também testar a memória desse discípulos.
336
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
por CEM (Centro de Estudos Médicos). Além de zelar pela saúde “física e mental” dos
filiados, participam e apoiam estudos que comprovaram a palavra do “Mestre Gabriel de que
o Vegetal é 'comprovadamente inofensivo à saúde'”284. Neste sentido foi responsável por
conquistar o direito do uso ritual da ayahuasca em 1986 no Brasil e em 2005 nos EUA;
Este departamento tem por objetivo trabalhar a concretização do ser humano integral que
pretende, através dos monitores voluntários locais, desenvolver temáticas a nível internacional;
337
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APÊNDICES*
Março 11 + 11 11 + 16 12 61
Abril 15 + 14 29
Maio 15 15 + 14 8 52
Junho 15 + 12 10 + 15 13 65
Julho 9 + 13 8 18 48
Agosto 12 + 10 14 36
Setembro 18 + 10 17 45
Outubro 12 + 9 6 27
Novembro 7 11 + 16 13 47
Dezembro 13 + 8 10 9 40
Total 508
2009
Janeiro 10 9 14 33
Fevereiro 10 + 10 7 22 8 57
Março 18 14 + 17 19 68
Abril 15 + 18 13 + 12 9 67
Maio 18 + 18 24+12+13 85
Junho 38 + 12 9 11 18 88
Julho 17 + 23 9 17 10 76
Agosto 18 + 18 36
Setembro 21 + 17 15 + 16 69
Outubro 18 + 10 8 12 48
Novembro 11 + 18 20 16 10 75
Dezembro 16 + 22 12+7 57
Total 759
2010
Janeiro 17 + 10 11 + 10 23 15 87
Fevereiro 21 + 18 8 20 20 87
Março 14 + 19 24 9 66
Abril 16 + 15 14 45
Maio 13 + 16 12 + 37 78
Junho 13 + 9 17 39
Julho 19 + 21 16 19 23 98
Agosto 9 + 17 5 13 44
Setembro 12 + 17 12 21 62
Outubro 18 + 17 4 2 41
Novembro 18 + 21 19 13 71
Dezembro 19 + 13 22 19 13 86
Total 804
2011
Janeiro 19 19 38
Fevereiro 20 + 15 20 55
Março 13 + 17 20 12 62
Abril 17 + 17 15 49
Maio 20 + 22 12 54
Junho 32 + 17 16 65
Julho 18 + 17 4 27 5 26 97
338
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
Agosto 24 + 16 16 56
Setembro 25 + 25 30 7 7 + 14 108
Outubro 21 + 15 36
Novembro 18 + 9 15 42
Dezembro 12 + 21 17 13 63
Total 725
2012
Janeiro 17 17
Fevereiro 11 19 30
Março 9+5 25 39
Abril 14 16 30
Maio 23 23
Junho 19 15 34
Julho 8 21 29
Agosto 15 15
Setembro 19 12 18 49
Outubro 18 18
Novembro 17 29 46
Dezembro 17 17
Total 347
2013
Janeiro 18 + 9 27
Fevereiro 24 20 44
Março 23 15 13 51
Abril 13 14 +16 13 56
Maio 16 16
Junho 13 + 12 14 16 55
Julho 12 18 30
Agosto 7 7
Setembro 8 12 20
Outubro 20 + 16 18 10 64
Novembro 22 19 15 56
Dezembro 15 + 14 8 37
Total 463
2014
Janeiro 11 + 12 18 41
Fevereiro 16 + 12 17 17 62
Março 12 + 12 13 37
Abril 15 18 33
Maio 14 + 10 24
Junho 10 16 + 7 14 47
Julho 17 + 13 9 39
Agosto 22 14 36
Total 319
339
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APÊNDICES*
Tabela 18 - Títulos referenciais dos respectivos tópicos do Regimento Interno do CEBUDV em 2016
Apêndice nº V – Relação dos fonogramas utilizados pelo Mestre Gabriel segundo coletânea
realizada pelo discípulo Mark a partir do livro Relicário (2009).
Lista das “Originais”: relação Relicário / envio: Mark Rendleman (Novo México - EUA) – 24/04/2015.
# Músicas Estreladas * Todos Títulos Na Ordem Artista Álbum Ano Label
1 01. Valsa do Imperador 1 Valsa do Imperador Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
2 02. Sukivaki 2 Sukivaki Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
3 03. Branca/ Morrer sem 3 Branca/ Morrer ... sem ter Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
ter Amado Amado Frisch aves brasileiras
4 04. Santa Lúcia 4 Santa Lúcia Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
340
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
5 05. Danúbio Azul/ 5 Danúbio Azul/ Contos dos Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Contos dos Bosques Bosques Frisch aves brasileiras
6 06. Tico-Tico no Fubá 6 Tico-Tico no Fubá Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
7 07. Ondas do Danúbio 7 Ondas do Danúbio Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
8 08. La Chanson Du 8 La Chanson Du Molin Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Molin Rouge Rouge Frisch aves brasileiras
9 09. Luar do Sertão 9 Luar do Sertão Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
10 10. Loch Lomond 10 Loch Lomond Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
11 11. Vira do Ninho 11 Vira do Ninho Johan Dalgas Sinfonia das 1966 Copacabana
Frisch aves brasileiras
12 01. A Casa do Sol 12 A Casa do Sol Nascente Alberto Mota E Top set 1966 Polydor
Nascente Seu Conjunto
13 02. Arrastão 13 Arrastão Alberto Mota E Top set 1966 Polydor
Seu Conjunto
14 01. No Pezinho da 14 No Pezinho da Fogueira Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Fogueira Oliveira E lado
Jacinto Silva
15 02. É Caco Pra Todo 15 É Caco Pra Todo Lado Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Lado Oliveira E lado
Jacinto Silva
16 03. O Canto do Galo 16 O Canto do Galo Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
17 04. Lembrança Medonha 17 Lembrança Medonha Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
18 05. A Voz da Razão 18 A Voz da Razão Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
19 06. Serrador de Primeira 19 Serrador de Primeira Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
20 07. Vem cá Morena 20 Vem cá Morena Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
21 08. O Tocador Que Beber 21 O Tocador Que Beber Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
22 09. Luar de Campina 22 Luar de Campina Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
23 10. Orgulho de Vaqueiro 23 Orgulho de Vaqueiro Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
24 11. Cante Cantador 24 Cante Cantador Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
25 12. Pagode na Serra 25 Pagode na Serra Osvaldo De É caco pra todo 1968 Cbs
Oliveira E lado
Jacinto Silva
26 01. Cristo do Monte 26 Cristo do Monte Marinês Aquarela 1959 Sinter
nordestina
27 02. Aquarela 27 Aquarela Marinês Aquarela 1959 Sinter
nordestina
341
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APÊNDICES*
342
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
63 02. Nosso Amor Foi Uma 56 Nosso Amor Foi Uma Marinês Na peneira do 1971 Cbs
Aposta Aposta amor
64 03. Eu Vim Sim 57 Eu Vim Sim Marinês Na peneira do 1971 Cbs
amor
65 04. Na Peneira do Amor 58 Na Peneira do Amor Marinês Na peneira do 1971 Cbs
amor
66 01. Ora, Viva São João 59 Ora, Viva São João Marinês Mandacaru 1968 Cbs
67 02. É no Balanço do Mar 60 É no Balanço do Mar Marinês Mandacaru 1968 Cbs
68 03. Sininho do Amor 61 Sininho do Amor Marinês Mandacaru 1968 Cbs
69 04. Fartura do Nordeste 62 Fartura do Nordeste Marinês Mandacaru 1968 Cbs
70 05. Amor é Mais Amor 63 Amor é Mais Amor Marinês Mandacaru 1968 Cbs
71 06. Cantiga de Viola 64 Cantiga de Viola Marinês Mandacaru 1968 Cbs
72 01. Agradecimento 65 Agradecimento Trio Nordestino No meio das 1970 Cbs
meninas
73 01. Chitãozinho e Chororó 66 Chitãozinho e Chororó Nonô E Naná O Casal Mais 1967 Chantecler -
feliz do rádio CH 3177
74 02. Pequenino 67 Pequenino Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
75 03. Quando a Gente Ama 68 Quando a Gente Ama Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
76 04. Querido Bem 69 Querido Bem Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
77 05. Declaração de Amor 70 Declaração de Amor Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
78 06. Corinthians e 71 Corinthians e Palmeiras Nonô E Naná O Casal Mais 1967
Palmeiras feliz do rádio
79 07. Terra Sempre Terra 72 Terra Sempre Terra Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
80 08. Prova de Amor 73 Prova de Amor Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
81 09. Uma Casa de Caboclo 74 Uma Casa de Caboclo Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
82 10. Dilema de Vida 75 Dilema de Vida Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
83 11. Expressão dos Olhos 76 Expressão dos Olhos Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
84 12. Por Toda Vida 77 Por Toda Vida Nonô E Naná O Casal Mais 1967
feliz do rádio
85 01. O Sermão da 78 O Sermão da Montanha Roberto Faisal O sermão da 1962 Odeon
Montanha montanha
86 01. A Mulher e O 79 A Mulher e O Transito Zé Trindade O homem que 1966 Rca victor
Transito faz rir
87 02. O Homen e O Burro 80 O Homen e O Burro Zé Trindade O homem que 1966 Rca victor
faz rir
88 01. O Pequeno Príncipe 81 O Pequeno Príncipe Paulo Autran O pequeno 1957 Festa
príncipe
89 01. Jardim de Saudade 82 Jardim de Saudade Turami E Tocador de 1970 Cbs
Silvanito/ viola
90 02. Rei do Pagode 83 Rei do Pagode Turami E Tocador de 1970 Cbs
Silvanito/ viola
91 01. Forró Quentinho 84 Forró Quentinho Jackson Do O cabra da peste 1966 Discolar
Pandeiro
92 02. Bodocongó 85 Bodocongó Jackson Do O cabra da peste 1966 Discolar
Pandeiro
93 03. Secretária do Diabo 86 Secretária do Diabo Jackson Do O cabra da peste 1966 Discolar
Pandeiro
94 Alegria do Vaqueiro Jackson Do O cabra da peste 1966 Discolar
343
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APÊNDICES*
Pandeiro
95 01. Novo Nordeste 87 Novo Nordeste Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
96 02. Lindo Papel 88 Lindo Papel Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
97 Menina Moça Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
98 03. O Grande Reinado 89 O Grande Reinado Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
99 Homem Não Chora Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
100 Pássaro Teimoso Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
101 04. Ao Amanhecer no 90 Ao Amanhecer no Sertão Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
Sertão
102 Morena Linda Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
103 Seu Zezé Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
104 Vem Cá Meu Bem Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
105 Homem Pequeno Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
106 Expressão da Verdade Jota Lima O novo nordeste 1970 Musicolor
107 01. O Vento 91 O Vento Águias Do Águias do norte 1968 Premier
Norte
108 02. Forró da Bahia 92 Forró da Bahia Águias Do Águias do norte 1968 Premier
Norte
109 01. Os Cabeludos 93 Os Cabeludos Joci Batista Juazeiro verde 1969 Bevery
110 02. Juazeiro Verde 94 Juazeiro Verde Joci Batista Juazeiro verde 1969 Bevery
111 03. Na Pensão de D. Biu 95 Na Pensão de D. Biu Joci Batista Juazeiro verde 1969 Bevery
112 01. Poeira Voando 96 Poeira Voando Josa Vaqueiro Josa vaqueiro 1969? Norton
Do Sertão do sertão
113 02. Valente é o Bem-Te- 97 Valente é o Bem-Te-Vi Josa Vaqueiro Josa vaqueiro 1969? Norton
Vi Do Sertão do sertão
114 03. Amor Enchucalhado 98 Amor Enchucalhado Josa Vaqueiro Josa vaqueiro 1969? Norton
Do Sertão do sertão
115 01. Caveira 99 Caveira Ary Lobo Aqui mora o 1960 Rca victor
ritmo
116 01. Escolhinha 100 Escolhinha Tonico E Morão da 1969 Caboclo
Tinoco porteira continental
117 02. A Enfermeira 101 A Enfermeira Tonico E Morão da 1969 Caboclo
Tinoco porteira continental
118 01. Ilha de Marajó 102 Ilha de Marajó Zito Borborema Os dois Cantagalo
agarradinhos
119 02. Beleza de Alvorada 103 Beleza de Alvorada Zito Borborema Os dois Cantagalo
agarradinhos
120 01. Nova Irradiação 104 Nova Irradiação Zico E Zeca/ Aquela carta 1967 Chantecler
121 02. A Enxada e a Caneta 105 A Enxada e a Caneta Zico E Zeca/ Aquela carta 1967 Chantecler
122 01. Siricora 106 Siricora Clemilda Fazenda taquari 1970 Rca victor
123 01. Forró Sem Briga 107 Forró Sem Briga Clemilda Forró sem briga 1970 Tropicana
124 01. Ligava liga 108 Ligava liga Jacinto Silva Ritmo explosivo 1965 Cbs
125 01. Só o Amor Constrói 109 Só o Amor Constrói Dom E Ravel Terra boa 1969 Rca victor
126 01. Balança a Rede 110 Balança a Rede Zé Do Norte Mulher rendeira 1969 Chantecler
127 02. Meu Pião 111 Meu Pião Zé Do Norte Mulher rendeira 1969 Chantecler
128 01. Forró ao Vivo 112 Forró ao Vivo Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
129 02. Forró Embuletado 113 Forró Embuletado Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
130 03. Anita Vem Dançar 114 Anita Vem Dançar Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
131 04. Zé Calango no forró 115 Zé Calango no forró Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
344
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
132 05. Forró em Carfarnaum 116 Forró em Carfarnaum Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
133 06. Vamos Merengá 117 Vamos Merengá Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
134 07. Voar Doar Meu 118 Voar Doar Meu Coração Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Coração Sanfona De 8
Baixos
135 08. Brincando 119 Brincando Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
136 09. Mordedura 120 Mordedura Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
137 10. Quadrilha Avançada 121 Quadrilha Avançada Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
138 11. Minha Ex-Mulher 122 Minha Ex-Mulher Abdias E Sua Forró ao vivo 1969 Cbs
Sanfona De 8
Baixos
139 01. Ditado dos Antigos 123 Ditado dos Antigos Canário E A missa 1970
Passarinho
140 01. Realidade 124 Realidade Tupy E Tapuã Realidade 1969 Sabia
copacabana
141 02. Sertão na Evolução 125 Sertão na Evolução Tupy E Tapuã Realidade 1969 Sabia
copacabana
345
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APÊNDICES*
quarta letra)
17/03/13 M. Caburé
Instrutiva
27/03/13 M. Caburé
escala anual
06/04/13 7 -A Montanha (Rubinho da Vale) C. Melro CI. Surucuá
extra -Natureza das Coisas (Santana)
sábado -Amor Cósmico (Oliveira de Panelas)
-A Semente Original (Geraldo Azevedo)
-Astro Rei (não lembro autor)
-Ave Maria Sertaneja (Gonzaga)
-Cerca Velha (Marinês)
20/04/13 - QS. Martim
2ª escala
27/04/13 2 - Arrastão (Tim Maia) Cura MC 1ª
extra -.Canário do Rei Mar região
sábado - Som do Mar (não foi Europa
reproduzida/problemas técnicos) MCristovam
28/04/13 MC 1ª
Instrutiva região
Domingo Europa
MCristovam
04/05/13
1ª escala
05/05/13 dias das Mães
extra
Domingo
08/05/13 almoço 12:00 – Hino a Bandeira (UDV) Aniversário
extra UDV-PT
quarta
18/05/13 2 - Dias melhores virão (Jota Quest) Açor C. Grifo
2ª escala - Autoral (Grifo)
01/06/13 1 - Igrejinha de Cosmo e São Damião C. Sabiá C. Melro
1ª escala
14/06/13 3 - Natureza das coisas (Rodrigo Sater) Tiê M. Caburé
adventícios - Nossa senhora (Roberto Carlos)
sexta - Uma luz (Roberto Carlos)
15/06/13 1 - "Timoneiro" (Paulinho da Viola) Curió CI. Açor
2ª escala
23/06/13 1 - Jesus Salvador (Roberto Carlos) Curió M. Caburé
escala anual(17:00 hs)
São João
domingo
06/07/13 4 -Pachelbel cha om Ferreirinho C. Sabiá
1ª escala -Brasileiros
- Eu te desejo
- Foi Deus
22/07/13 2 12:00 - Hino a Bandeira Persistência , Curió M. Caburé
anual – aniversário - História da Hoasca (Mestre Gabriel) perseverança.
da UDV - Hino à Bandeira História da
almoço União do
Segunda Vegetal
03/08/13 2 -Grande Mãe Determinação, C. Sabiá C. Melro
1ª escala - Eu só peço a Deus perseverança
09 a 11/08 ACAMPAMENTO
17/08/13 - - - - -
2ª escala
07/09/13 C. Melro
346
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
1ª escala
21/09/13 N.Inmacula
2ª escala da
Concepción
Madrid
27/ 09/13 6 - Love and Respect (Instrumental) Cosmo e Curió C. Melro
Anual - Tango to Évora (Lorena MacKennit) Damião
- Bolero ‘Ravel’
Cosme e Damião - Celtic Mistic
- Bailando la Luna
sexta - Cosmo e Damião
05/10/13 3 -Timoneiro (Paulinho da Viola) 1º Batizado de Curió M. Caburé
1ª Escala - Cuidado com as Coisas- (Trio Cotovia
Nordestino) Assunto:
1º Batizado na UDV- - Pastor. cuidado com
PT o mal
06/10/13 M. Caburé
Instrutiva/12:00
Domingo
19/10/13 2 - Instrumental Tiê
2ª escala -Traz outro amigo também (Zeca C. Sabiá
Afonso)
347
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APÊNDICES*
19/04/14
(17:30- reunião de
Direção )
2ª escala
26/04/14 5 - Tudo posso no Senhor (Arimatéia) Martim M. Caburé
extra - Desiderata
adventícios - Ordem natural das coisas
- Trás outro amigo também
sábado (Zeca Afonso);
- Cantilena da Lua Nova.
10/05/14 2 - Desatador de nó (Flávia Venceslau) Consciência C. Sabiá M. Caburé
extra - Oração de São Francisco (Fagner)
Aniv.(dia 8/5) DAV-
Lisboa 7 anos
Sábado
348
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PATRÍCIA*PAULA*LIMA*
14/06/14 M. Caburé
extra/adventícios
sábado
21/06/14 Encontro da
sessão de Direção da 1ª Região da
Região Europa
sábado N.Inmaculada
Concepcion
25/06/14 M. José Luiz
extra (MO)
29/06/14 M. Sérgio
extra Martins
349
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Lista&das&“Originais”&e&aplicações&
&
N Ano Título do fonograma Interprete(s) Compositor(es) categori Figura de Situação de aplicação Indicação de
º a Linguagem/ ancoragem palavra,
Conteúdo som ou categoria
transmitido anímica
(ensino/
comunicação
1 1957 O Pequeno Príncipe Paulo Autran Antoine de Saint- Oratória Adverte para reflexão sobre a responsabilidade Mistério / importância /
Exupéry com Exortação/ do cativar /reencarnação. “Recado do discípulo Estrela / Flor /Sol
fundo Parábola Geraldo para o M. Gabriel”. /amigo
musical
2 Caveira Ary Lobo João Rodrigues e Forró Exortação “Para desatar nó do orgulho, da inveja e do Encandeia/ Justiça divina
B. Vieira ciúme e manter a língua em seu devido lugar (...) / inveja / Caim
resultado saúde e alegria e paz” (Lodi 156)
3 1961 Cadê o Peba Marinês Zé Dantas Forró Exortação Diploma de boas maneiras (Lodi 156) Gente sabida /razão /
buraco/morada
4 1962 Gavião Marinês Oscar Moss e João Forró Exortação doutrinar homem namorador / “eficaz para Quem tem amor
do Vale manter o rebanho, principalmente as ovelhas a incuberto / padece /
salvo” (Lodi 2010: 154) curadô/
5 1962 Voz Geral Marinês João do Vale e Ari Forró Exortação/ Sentido de responsabilidade Zé / seca /olha pro meu
Monteiro Parábola “uma andorinha só não faz verão” sertão / estudando /
trabaia
6 1962 Corina Marinês Zé Dantas Forró Exortação/ Direcionado tanto para os discípulos (cura de Corina / eu vou/fui/vai
Parábola vícios), como para o Mestre Gabriel (conecção encosto/ sombra/
eterna com a UDV) - hierarquias de valores, espírito
intenções e significados.
7 1965 Liga, Ligava Jacinto Silva J. Silva Forró Parábola Para todo amor não correspondido / cura Liga / vai / amor /vem
8 1964 Meu Matulão Marinês Antônio Barros Forró Parábola A matula como representação da UDV - que fulo/filho/pai/reinado/
Mestre Gabriel sempre carregará. tesouro/ouro / cuidado
9 1964 Curandeiro Marinês Rosil Cavalcanti Forró Parábola Mestre Gabriel retratado como curandeiro “ Ele Curandeiro/ sertão do
usa uma raiz e um cipó” (Lodi 2010: 157). nordeste/ chá de
raiz/loucura/reza
10 1966 Todo o LP Sinfonia das Johan Dalgas Instrume Miração “é escutar e se encantar” (RD – Músicas do Pássaros
Aves Brasileiras - Frisch - ntal Alto 30/05/2102)
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PATRÍCIA&PAULA&LIMA&
1º Disco Oficial
utilizado pelo
Mestre Gabriel
11 1966 Arrastão Alberto Mota e Edu Lobo/ Palavra Parábola “chega de ficar só sombreado (...) a união do Ei! Rainha do Mar /sem
seu Conjunto - Vinicius de cantada Vegetal é uma corrente (...) Rainha do Mar” fim, Sombra/Iemanjá
2º Disco Oficial Moraes (Lodi 2010: 107) /Sta Barbará, Janaina/
utilizado pelo Senhor do Bom Fim
Mestre Gabriel
1966 The House of the Alberto Mota e Alan Price/ Vrs. instrume Miração “Muito linda ela... inclusive, detalhe é que já se Miração (Visão)
Rising Sun seu Conjunto Fred Jorge ntal houve notícias de que ela teria sido a primeira
música tocada em sessão” (FA 04/05/2012
Músicas do Alto).
12 1966 O Homem e o Burro Zé Trindade Zé Trindade Oratório Exortação “usava a simplicidade humorista para doutrinar Raciocina/Inteligente/Ca
(...) mexia com os beberrões de uma forma samento /ciúme/ Jesus,
alegre (...) conselho (...) alerta era dado com vaidoso, modesto, juízo,
vista ao relacionamento do home e a mulher” traição, vícios, maldade
(Lodi 2010: 110).
13 1966 Secretária do Diabo Jackson do Osvaldo Oliveira e Forró Exortação/par Essa música era colocada quando alguém dizia Diabo/ quando não vem
Pandeiro Reinaldo Costa ábola que estava incorporando um espírito na sessão/ manda secretário
ou como repreenda a uma mulher sedutora
(Lodi 2010: 145).
14 1967 Vento de Maio Marinês Gilberto Gil e Forró Parábola “inesquecível pra quem a ouve pela primeira vez Você que Vem /
Torquato Neto (...) lenimento para a tristeza” (Lodi 155) chegando/ tome
Para sessão de adventício assento/tristeza alegria /
(Foi reproduzido para a própria interprete vento brando / claro luar
enquanto adventícia) / Firmeza
15 1967 Vivendo e Marinês Anastácia e Forró Exortação Superação (B 16/05/2012 Músicas do Alto) Aprende a se levantar/
Aprendendo Italúcia Incentiva a esperança, firmeza, coragem, cai/ ensinar/ acordar/
humildade, curar traumas (remete ao sistema respostas certas às
perguntas respostas). perguntas
(entrou na loja (...) afastou alguns Lps e tirou o
‘Vivendo e aprendendo’. Ele não foi procurar,
foi buscar” (Lodi idem 124)
16 1967 Catingueira Marinês Onildo Almeida e Forró Alegoria “Mestre Gabriel comparava a catingueira à Segredo/raiz/Deus/ ama
José Maria de União do Vegetal (...) ela é a árvore mais / benção
Assis resistente que existe no nordeste (...) por ser sua
raiz profunda aguenta 6 a 8 anos de seca sem
perder o verde, a vida” (Lodi 2010: 125).
351
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APÊNDICES&
17 1967 Eu chego lá Marinês João do Vale e Forró Exortação “Ensina como se chegar a vitória/música Chego lá/ vim/irmão/
Abel Silva positiva” (Idem) Vitória/nascer/coragem/
morrer
18 1967 Uma Casa de Caboclo Nonô e Naná Nonô Basílio Música Parábola/ “vou colocar uma música pro senhora ouvir e Casa/ abençoada /
Raiz Exortação entender a minha vida” (Mestre Gabriel Lodi pouco/bondoso coração
idem 136). (diário sônico).
19 1967 Dilema da vida Nonô e Naná Nonô Basílio Música Parábola/ “’estou ai sou eu’ ou ‘quem quiser me conhecer Honestidade /duro
Raiz Exortação um pouco mais, escute esta música’” (Lodi idem vencer/
138) (diário sônico). lealdade/amparo/nobreza
/ dever/merecer
20 1967 Corinthians e Nonô e Naná Nonô Basílio Música Exortação Pacificação de opostas opiniões Maior/laia/confusão/
Palmeiras Raiz / educação /
desafio opinião/honrar
21 1967 Expressão dos Olhos Nonô e Naná Nonô Basílio Música Exortação Indicado para sessão de casal Olhos espelham o
Raiz coração
22 1967 Nova Irradiação Zico e Zeca Zico e Zeca Música Parábola “incorporando a voz do Mestre Gabriel na Rádio/memória/coração/
Raiz sintonia do amor” (Lodi 2010: 155) inteligência/ciência/consc
iência/receptor/saudade
23 1968 Serrador de Primeira Osvaldo Oliveira Agripino Aroeira e Forró Exortação/ “para doutrinar contra vicio e os maus – Serra dor/ serrar paixão/
Osvaldo Oliveira Parábola costumes decorrentes dos que gostavam do amor caprichoso/ o que
‘mulherio’” (Lodi 154) engana agente...
24 1968 No pezinho da Osvaldo Oliveira Antônio Barros Forró Parábola Indicado para festa de São João e mês de frio Queira/ amor/fogueira
Fogueira (junho)/ “recomenda-se para aumentar a alegria
e esquentar o coração solitário” (Lodi 155).
“Acho interessante a gente entender essas letras
pensando em quem tava colocando elas na
sessão. Se era música pra esperar o tempo ou se
tinha algo a mais, não sei” (5/06/2012 Músicas
do Alto).
25 1969 É caco pra todo lado Osvaldo Oliveira Osvaldo Oliveira e Forró Exortação “A letra dessa música não esta inserida no ritual Briga a noite inteira
R. Conceição da UDV, onde as palavras de sentido mais forte /bebida /apavorado /
como brigas, peixeira e lambanças raramente peixeira / lambança
são utilizadas” (Lodi 132). Mestre Gabriel
colocava para “os discípulos perceberem a vida
que estavam levando, deixando os
compromissos familiares para viver nos forrós
(Lodi 133)
“Terapia para expor sentimentos encobertos”
352
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PATRÍCIA&PAULA&LIMA&
(Lodi 2010)
“Mestre trabalha sempre dentro dos mistérios”
(I 06/06/2012 Músicas do Alto).
26 1968 Luar de Campina Jacinto Silva J. Ferreira Forró Parábola Chamar a burracheira (Luz e Força) Ver/ louco/ morrer/
sambar/ rever /
procurar/passarada/
amada
27 1968 Cante Cantador Jacinto Silva João Silva e Forró Parábola Tema de amor fraterno/pureza. “Quando o Contente/amor/amizade
Jacinto Silva Mestre Gabriel queria ouvir a chamada do / mágoa/ saudade/quer
Caminho firme ele colocava a música” (Lodi bem
130)
28 1968 Amor é mais Amor Marinês Dilson Dória e Forró Parábola Canção em resposta a outra canção/anuncia um Embora/voltarei/recorda
Jacinto Silva retorno. Recordar história de vidas passadas/ ção/ solidão/
importância da palavra/ imagem. segredo/sofre/dor/triste/
chorando/amor
29 1968 Cantiga de Viola Marinês Onildo Almeida Forró Exortação/ Amor incondicional do Mestre Gabriel com o Saudade/ sofre/
parábola próximo amizade/ amor/ bem
(músicas que lembram chamadas (Musincante) querer/esperança viva/
flor
30 1968 Sininho do Amor Marinês Altamiro Carrilho Forró Parábola “é uma música de tradição dele, o anuncio de Igrejinha/sino/ Amor que
e Ribeiro Valente seu nascimento. (...) Ele [Mestre Gabriel] nasceu /
escutou o sino bater na hora do nascimento” verdadeiro/milagre.
(Lodi 121) (Diário Sônico) Nosso Senhor
31 1968 Fartura do Nordeste Marinês Antônio Bezerra e Forró Parábola Reforço do remédio/ suavizar a saudade/ Chuva/nordeste / maio/
D. Castro melhora a memória fartura/sertão
32 1969 Saudade de Campina Marinês Rosil Cavalcanti Forró Parábola Cativar atrativo. Profecia de expansão, como Lembro/notícia /saudade
Grande também, nomear o núcleo
33 1969 Vamos Rodar a Roda Marinês Antônio Barros Forró Parábola (Tema musical usado pelo Mestre Gabriel para Maria em Coisa/ em
/exortação “dirigir a sessão”) função de uma
coisa/Daná
34 1969 Carreiro Boi Marinês Antônio Barros Forró Parábola/ advertência ao MR para ser cauteloso com os O tempo de garrote já
exortação discípulos foi/ O ferrão no boi ele
não vai gostar
35 1969 Guerra e Paz Marinês Antônio Barros Forró Exortação “Uma boa dose de paz pode melhorar seu dia e Fim a guerra/paz na
dos que estão ao seu redor (...) prescreve-se” terra/ amor perfeito
essa música (Lodi: 155) /devedor/mundo
36 1969 A volta Marinês Luiz Queiroga Forró Parábola Para os que retornam para a UDV, mas não Cheguei / fui /voltei
para os muito sensíveis (Lodi 2010) /tristeza/mundo
353
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APÊNDICES&
/maldade/
chorar/saudade/
recomeçar
37 1969 Amor Enchucalhado Elino Julião Elino Julião e José Forró Parábola “quando o gado esta enchucalhado tá tranquilo Tranquilo/amor/ procura
Cândido o pastorador” (letra) / sofredor / escura /
38 1969 Na Pensão da Dona Joci Batista Joci Batista e Rita Forró exortação Contra reclamações Briga / intriga /
Biu (Briga de artista?) Passos e Silva nordestino/
duelo/faca/louco
39 1969 Realidade Tupy e Tapuã Tapuã e Dino Música Exortação “Orgulho é um vício(...) como medida Nas alturas tem um
Frasco Raiz preventiva recomenda-se doses maciças de superior/criador/orgulho
humildade e simplicidade (...) nas vozes de Tupy /futuro/
e Tupã tem forte efeito restaurador (Lodi 154) morte/rico/pobre
40 1969 A Escolinha Tônico e Tinoco Tônico e Nhô Música Exortação “Aula de singeleza e humildade” (Lodi 156) – Ensinando/professora/
Crispim Raiz (nacionalismo) criança/ homem de
amanhã / Brasil /
bandeira/ modesta/
/esperança
41 A Enfermeira Tônico e Tinoco Tônico e Ariston Música Parábola “Dores? Nervosismos e ansiedades (...) é alivio Alivio/doente/anjo
de Oliveira Raiz na certa” Lodi 156) celestial/vigilante/caridad
e/humanidade
42 1969 Poeira Voando Josa Vaqueiro do Josa Vaqueiro do Forró Indicado para sessão de adventício/ traz
Sertão Sertão e Manuel A. miração e luz/ visão das “belezas da
Filho natureza”(Lodi 2010: 154)
43 1969 Valente é Bem Te Vi Josa Vaqueiro do Osvaldo Eurico e Forró Parábola Para suavizar a saudade/e clarear a recordação” Saudade/sertão /
Sertão Nadia Lima (Lodi 2010: 155) coração/ deixei /amor/
ouvir a Siricora
/aboiar/beija flor
44 _ Beleza da Alvorada Zito Borborema Antônio Barros e Forró Parábola Indicado para sessão de adventício Amanhecer / agua
(Alvorada Sertaneja?) Manoel Vieira /“Antidepressivo e tonificante para memória” agitada/alegria/tabulero/
(Lodi 2010: 155) passarinho
45 _ Ilha do Marajó Zito Borborema António Brasil e Forró Parábola/ Para os que retornam desvalidos [para a UDV] e Telegrama / Pai / volte
Nilza Brasil exortação precisa de um fortificante depurar a solidão, meu filho/ casa dos pais
tem-se me poções de botica” (Lodi 155)
1970 - Marinês, - - Exortação Facilidade em doutrinar, ferramenta de trabalho, -
Jacinto Silva e ensino, instrução (foram estes os 3 LPs que M.
Trio Nordestino Gabriel levou para Manaus).
46 1970 Agradecimento Trio Nordestino Severino Ramos e Forró Parábola referente a vida do Mestre Gabriel/ marco Saudade/lembrança/
Jacy Santos histórico (representa a sua melhora de saúde) Deus /
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PATRÍCIA&PAULA&LIMA&
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PATRÍCIA(PAULA(LIMA(
(
Anexos
Anexo I – Texto descrito na contracapa do LP, O Homem que faz rir de Zé trindade (1966
/RCA Victor – BBL 1376).
Anexo II – Descrição da entrevista realizada com Geraldo Siqueira Carvalho (na época MR
do núcleo Tiuaco/ Manaus) sobre a oficialização do uso de fonogramas durante a sessão da
UDV- Jornal 1286 Alto Falante de 1995:
286No Jornal 1 também é visto a demanda referente aos buscadores “garimpeiros das músicas raras” e o incentivo em trocar
informações sobre este assunto, como “possibilidade de fazermos uma ponte entre irmãos que quiserem estabelecer vendas e
trocas de discos, informações de músicas raras etc.”. Incentivo que posteriormente ganha força com a popularização da
internet.
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ANEXOS(
Após beber o Vegetal pela primeira vez, em Porto Velho, fui para um hotel.
Quando cheguei no apartamento, a burracheira voltou novamente, pois tinha
bebido uma grande quantidade de Vegetal. Foi quando tive uma miração, uma
espécie de recordação. Me vi dançando. Uma moça do hotel tocava piano e eu subi,
na força do Vegetal, e me vi no salão nobre de um reinado antigo, dançando aquelas
valsas antigas. Depois que eu cheguei em Manaus, que mestre Florêncio abriu a
Distribuição, dei a ideia de se escutar música nas sessões, pois achei muito bonito
quando ouvi pela primeira vez. Comprei, então, uma eletrola. Mestre Vicente
Marques comprou o disco dos passarinhos, com a música “Danúbio Azul”. Mestre
Florêncio colocou numa sessão do Vegetal. Todos gostamos da experiência, pelas
belas mirações que nos proporcionou. Mestre Florêncio pegou a eletrola e o disco e
mandou para Mestre Gabriel, para sua preciação – e obtivemos a aprovação.
Cícero Fernandes, em sua tese Transformações pessoais na União do Vegetal (2011), traz outros
detalhes da entrevista realizada com Geraldo287:
Florêncio tava em Porto Velho e Mestre Gabriel falou pra ele, que só podia ir a
Manaus se eu bebesse Vegetal. Ele nem me conhecia. Aí, bebi Vegetal pela 1ª vez,
nós mais o Mestre Gabriel. (...) Quando eu fui a 1ª vez a Porto Velho a negócios [...]
Depois que terminou a sessão, eu fui lá pro [Porto Velho Hotel] e no hotel ficava
até tarde da noite tocando um piano e saxofone né? Aí, me deitei, a burracheira
voltou, aí, aquela música que tava escutando foi uma coisa maravilhosa. Eu me vi
num país que eu nem conhecia, país no estrangeiro. Eu todo de cartola e uma bolsa
toda, meio longa, larga, branca assim, nós dançamos a valsa ‘vianesa’ (vienense).
Uma maravilha que eu vi nesse dia, foi uma das maiores mirações que eu vi na
minha vida. (...) Aí, em Manaus com 2 ou 3 meses, chega o Florêncio lá, da União
do Vegetal, foi beber comigo lá no sítio que eu tinha. Aí, eu disse: “Florêncio, eu
tenho uma ideia boa rapaz. Vamos ouvir um disco de passarinho.(...) Aí, trouxe o
disco dos passarinhos, fomos ouvir na burracheira em Manaus e foi uma maravilha,
lindo, lindo, lindo. (...) Aí, Mestre Florêncio mandou pra Mestre Gabriel essa
eletrola e um disco vinil e foi para Porto Velho e o Mestre Gabriel aprovou a
música na União do Vegetal (Fernandes 2011: 133).
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PATRÍCIA(PAULA(LIMA(
(
Por fim, nas últimas páginas desse material há uma breve recomendação sobre a “Eleições
Conscientes”, alertando o discípulo quanto à sua responsabilidade em participar ativamente no
que for cabível a cada um, se elegendo ou ocupando algum cargo e votando. Após essa
recomendação está disposto em ordem decrescente de importância cargos de Mestre Geral
Representante, Mestre Assistente Gerais, Presidente da Diretoria Geral, Vice Presidente,
Secretária Geral, Secretário Adjunto, Diretor do Departamento Jurídico, Vice-diretor do
Departamento Jurídico. Revisão, Elaboração, textos, ilustrações e editoração da cartilha.
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ANEXOS(
(
Figura 44 –Mestres eleitos para a Diretoria Geral e Conselho Fiscal em 2014. Foto: Blog oficial / UDV.
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(
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