Nazismo No RS
Nazismo No RS
Nazismo No RS
São Paulo
2016
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São Paulo
2016
2
Orientadora: ________________________
Profa. Dra. Alzira Lobo de Arruda Campos,
Mestra e doutora em História Social (USP/SP);
Livre-docente em Metodologia da História
(UNESP/SP).
Banca Examinadora:
“Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história.”
Hannah Arendt.
4
RESUMO
O Movimento Neonazista está no Brasil desde 1980. A maioria das células
neonazistas está na Região Sul, organizada em gangues e agindo pela violência e
discriminação racial e cultural. Tem suas raízes ideológicas no nazismo alemão, que
vigorou entre os anos 1933 e 1945 do século passado. Embora sem a mesma
estrutura e organização, o neonazismo quer dar continuidade ao nazismo,
difundindo a superioridade da raça ariana, com vistas à fundação de uma nação
branca – a Neuland – sem a presença de subraças como judeus, negros e ciganos,
tampouco com a presença de subculturas, como os homossexuais. O entendimento
do neonazismo perpassa toda a ideologia nazista e sua estrutura mítica, que foi
capaz de atrair as massas e manipulá-las pelo medo e pela violência. Com a vinda
de imigrantes alemães ao Brasil, o País passou pela experiência de ser sede do
partido nazista, que assistia às necessidades materiais dos imigrantes, mas que
também os doutrinava ideologicamente. Passados os tempos da II Guerra e da
derrota do nazismo, não passaram, porém, os aspectos essenciais da doutrina,
atualmente retomados e difundidos pelo neonazismo. Embora as novas gerações,
descendentes dos primeiros imigrantes alemães vindos para o Brasil, não sejam
cúmplices e nem apoiem o neonazismo, é fato que o movimento quis estabelecer-se
na região que mais recebeu esses imigrantes, a Região Sul do Brasil – parte do País
que se destaca pelo grande número de descendestes de europeus, perfil preferido
pelo neonazismo para a disseminação de suas ideias.
Palavras-chave: Nazismo, Movimento Neonazista, Totalitarismo, Imigrantes
alemães, Disseminação de ideias.
5
ABSTRACT
The Neo-Nazi Movement is in Brazil since 1980. Most Neo-Nazi cells is in the
Southern Region, organized in gangs and acting by violence and racial and cultural
discrimination. Has its roots in the ideological German Nazism, which ran between
the years 1933 and 1945 of the last century. Although without the same structure and
organization, the Neo-Nazism either give continuity to Nazism, promoting the
superiority of the Aryan race, with views to the foundation of a white nation – the
Neuland – without the presence of subraces as Jews, blacks and Gypsies, either with
the presence of subcultures, such as homosexuals. The understanding of Neo-
Nazism pervades the whole Nazi ideology and its mythical structure, which was able
to attract the masses and manipulate them by fear and violence. With the arrival of
German immigrants to Brazil, the Country experienced to be the headquarter of the
Nazi Party, who watched the material needs of immigrants, but also doctrinated them
ideologically. After the Second World War times and the defeat of Nazism, not
passed, however, the essential aspects of the doctrine, currently resumed and
broadcast by Neo-Nazism. Although the new generations, descendants of the first
German immigrants coming to Brazil, are not accomplices and not support the Neo-
Nazism, it is a fact that the movement wanted to settle in the area that more received
these immigrants, the Southern Region of Brazil – part of the country that stands out
for its large number of Europeans descendents preferred profile for Neo-Nazism to
the dissemination of his ideas.
KEYWORDS: Nazism, Neo-Nazi Movement, Totalitarianism, German immigrants,
Dissemination of ideas.
6
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 07
1 INTRODUÇÃO
Com seus países em ruínas, parece não haver alternativa senão a imigração.
O caos vivido pelos refugiados e os riscos nas travessias marítimas sem qualquer
tipo de segurança, além do preconceito que enfrentam parece não afugentá-los,
devido à possibilidade de uma nova vida. Em terras europeias, primeiramente é
preciso conquistar um espaço num dos campos de concentração, como é o caso do
assentamento de Heidenau.
A USP parece ser a instituição brasileira que mais trata e produz materiais
sobre o neonazismo e assuntos relacionados. Por meio do Núcleo de Estudos da
Violência e da Comissão Teotônio Vilela, a universidade produz conhecimentos,
sempre de modo interdisciplinar, concernentes ao racismo, à intolerância e à
discriminação racial.
Uma das provas de que há uma crescente preocupação com a reflexão sobre
o tema do neonazismo é a incidência de pelo menos 131 mil resultados no site
Google: textos que relacionam o tema a publicações de trabalhos acadêmicos,
notícias e outras informações colocadas nas redes sociais. É relevante constatar
que a maioria dos textos é publicação recente.
Mas não se deseja afirmar que não havia estudos relacionados ao tema.
Tampouco que não havia fatos relacionados ao neonazismo. Exemplo de órgão que
reflete há tempos acerca do neonazismo e dos crimes de preconceito e racismo é o
Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo e da Comissão
Teotônio Vilela, que já em 1994 investigava a ação da violência juvenil e a atuação
neonazista no Brasil.
pessoa sobre o neonazismo. Sua pesquisa também aponta que o Brasil possui em
torno de 150 mil simpatizantes do neonazismo na atualidade.
Mestrado Doutorado
29%
71%
12
10
6 Mestrado
Doutorado
4
0
Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte
20
15
Doutorados
10
Mestrados
0
Pública Particular Confessional
0 Mestrado
Doutorado
A palavra-chave
chave totalitarismo
totalitarismo possui 12 dissertações de Mestrado e 4 teses
de Doutorado. Portanto:
Mestrado Doutorado
37%
63%
Encontra-se 1 dissertação
dissertaç de Mestrado na Região
egião Sul. A Região Sudeste
possui 5 dissertações e 4 teses de Doutorado. A Região
egião Centro-Oeste
Centro possui 1
dissertação de Mestrado.
estrado. A Região
egião Nordeste possui 1 dissertação e 1 tese de
Doutorado. E a Região
egião Norte possui 1 dissertação de Mestrado.
estrado.
26
3 Mestrado
Doutorado
2
0
Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte
12
10
8
Mestrado e Doutorado.
6
Números totais
4
0
Pública Particular Confessional
10
0 Mestrado
Doutorado
A teoria desses estudiosos indica que o mito coloca o homem no centro dos
fatos. Dá sentido ao presente, justifica eventos passados e provoca expectativas
futuras. Desdobra o tempo em explicações que preenchem lacunas na história, no
entendimento e nas relações humanas. De posse das possíveis explicações sobre
toda sorte de fenômenos, os homens passam a compreender, aceitar e a lidar
melhor com a vida e suas contingências, tal como elas são. Episódios
desconcertantes, misteriosos ou inexplicáveis, por meio da abordagem mítica,
alcançam significado e utilidade. A crença nos mitos faz com que os homens se
tornem próximos daquilo que está acima e além de suas forças e compreensão.
Após a crença na verdade do mito, ele assume uma terceira função – sua
influência causa a sensação de satisfação e redução da ansiedade frente àquilo que
não estava claro e evidente. É a certeza de que as dúvidas e inseguranças do
cotidiano encontram sentido na narrativa mítica, e até mesmo mística de uma
verdade suprema.
origens, sua identidade e o seu destino após a morte. Raphael Patai discorre ainda
que, num mundo apavorante e inseguro, dominado pelos poderosos e pelas leis
imutáveis da natureza, a narrativa da criação responde suficientemente às tensões
humanas, quando afirma que a
[...] Terra foi criada por uma divindade benévola e onipotente, com a
expressa finalidade de servir à habitação do homem [...]. Os reinos
animal e vegetal tinham sido criados para o sustento da vida
humana, que os astros haviam sido afeiçoados para dar ao homem
calor e luz, e para marcar, em seu benefício, o dia, a noite e as
estações do ano, e que Deus santificara o Sábado a fim de que fosse
um dia de repouso para toda a humanidade (PATAI, 1974, p. 69).
O mito da criação, nos tempos atuais, já não é tão requerido como outrora.
Até mesmo as pessoas que orientam suas vidas pela fé estão devidamente
esclarecidas pelas ciências quanto às teorias sobre as origens do universo. De fato,
existe um princípio de conciliação – mesmo que ainda não totalmente aceito – entre
a crença mítica e as ciências, sem que uma destrua a verdade da outra. Cita-se
como exemplo, o diálogo interdisciplinar entre a teoria criacionista e a teoria
evolucionista1.
Conforme Patai, esse mito não só aborda o tema das origens do cristianismo,
mas também do destino dos seguidores de Cristo. Regras que transcendem os
séculos e as culturas. E que determina, ainda hoje, as relações sociais e
econômicas das sociedades ao longo dos séculos.
1
Parece estranho, mas foi um cientista religioso e nada ortodoxo, ligado institucionalmente à Igreja
Católica quem delineou a base das explicações sobre a expansão do universo. Trata-se do jesuíta
belga Georges Lemaître (1894-1966), amigo de Albert Einstein, e que por sinal o questionava sobre
sua não aceitação do que se tornou a teoria do Big Bang (ALVAREZ, 2015).
2
Cf. Gn 1,26.
34
no Livro VII de sua obra A República (380 a.C./1989), Platão relaciona a caverna
com o contexto social da época. Dizia ser a sociedade um lugar de sombras e
ilusões, onde a vida e as relações estavam pautadas em histórias irreais,
simbolizadas pelas sombras projetadas na parede da caverna. Platão, e mais tarde
Aristóteles (384-322 a.C), pela filosofia, inauguraram uma nova fase no
conhecimento na Grécia Antiga, a fase das explicações segundo os recursos da
lógica argumentativa, herdada da maiêutica socrática e que deu origem às ciências3.
3
Cf.: PLATÃO, 1989.
37
A busca pela identificação sempre foi uma constante nos povos germânicos.
Desde o século XVIII a reflexão mais rigorosa sobre a identificação humana com os
mitos foi realizada na Alemanha e em nenhum outro lugar (LACOUE-LABARTHE;
NANCY, 2002, p. 31). Os alemães foram e ainda são exímios estudiosos não só dos
mitos, mas de toda a tradição filosófica grega. Sempre leram bem o grego e por isso
tornaram-se herdeiros dessa tradição, mais do que os outros povos europeus.
consolidava a sabedoria e ditava o padrão das relações sociais e políticas4. Por isso
também questionou profundamente a maneira como a política era realizada na polis.
Para os antigos, ser livre era o mesmo que participar da esfera pública da
convivência – a ágora – e, junto aos demais cidadãos, definir os rumos da cidade.
Todos os citadinos deviam igualmente opinar. Todos eram iguais. Agir e falar
espontaneamente nesse espaço público era critério para a formação da cidadania e
realização da liberdade.
Nessa visão política, não havia como alguém impor suas ideias sem a
presença e a avaliação das outras pessoas no espaço público. E, ao contrário de
todo tipo de totalitarismo ou ditadura, cujas ideias são gestadas previamente na
mente de um ou de alguns que se impõem aos demais, a construção política na
antiga Grécia pautava-se na diversidade das ideias e discursos. Entende-se o
porquê os gregos eram diametralmente contrários a toda forma de totalitarismo e
autoritarismo político.
4
Os mitos presentes na filosofia de Platão são todos segundo uma ordem racional. Basta ver o mito
da Caverna, que fala especificamente sobre a luz da razão, no sentido de que é a luz da filosofia
quem liberta os sábios da ignorância.
39
outrem. Bastam suas próprias ideias, elevadas à categoria de ideologia para definir
os rumos de suas ações (cf.: ARENDT, 1983, p. 31-83).
razão (logos) e a educação filosófica, a crença mítica ainda era mais determinante
na identidade e no comportamento das pessoas, especialmente dos jovens. O povo
facilmente recontava os feitos heroicos das deidades, identificava-se com o
heroísmo dos personagens e se emocionava com o desfecho de suas tramas.
Parece que as explicações racionais ou filosóficas – que poderiam hoje em dia ser
chamadas de científicas – embora importantes, não agradavam tanto as pessoas
quanto o fascínio despertado pelos mitos. Lacoue-Labarthe e Nancy comentam que
Platão observou um forte mimetismo que assegurava essa identificação entre o povo
e seus mitos.
Ainda na questão da Grécia Antiga, não restam dúvidas de que ela influenciou
toda cultura Ocidental, até os dias de hoje. Mesmo com o advento da Idade Média e
o fato do cristianismo ter ocupado todos os espaços sociais, ditando regras
comportamentais, os elementos mais importantes da Antiguidade permaneceram
através dos séculos. De fato, com o fim Idade Medieval e a retomada do Helenismo
41
Em sua obra, propõe para o povo alemão, a imitação das virtudes e de toda a
tradição cultural grega. Afirmava que os alemães deveriam imitar os antigos para
que se tornassem inimitáveis. A imitação, segundo Winckelmann, garantiria o
fortalecimento da identidade germânica. Na obra O Nascimento do Trágico. De
Schiller a Nietzsche (2006), o escritor Roberto Machado, ao referir algumas das
ideias de Winckelmann, comenta que o autor alemão encontrava na arte grega “[...]
uma nobre simplicidade e uma serena grandeza” (Machado, 2006, p.11). A Grécia
era o ideal da beleza, da formosura, da arte e do conhecimento. Deveria, portanto,
ser imitada pelas futuras gerações.
Winckelmann conclui:
transcendência e lutava pela superação de suas crises. Eis, portanto, a raça superior
como conteúdo central do mito nazista. Conforme Moore,
descendente de Odin. Afirma, por exemplo, que, mesmo morto, Odin torna-se vivo e
presente como essência da alma germânica (ROSENBERG, 1930, p. 219). E afirma
também: “Odin war und ist tot; den “Starkenvonoben” aberent deckte der Deutsche
Mystiker in der eigenen Seele” (Odin estava e está morto; o “homem forte lá de
cima”, mas o místico alemão o descobriu em sua própria alma) (ROSENBERG,
1930, p. 219, tradução nossa).
Esses comentários quiseram despertar os arquétipos 5 de honradez e de
heroísmo nórdicos, fortalecendo a imagem da superioridade racial do povo alemão.
O livro de Alfred Rosenberg Der Mythus des 20. Jahrhunderts (1930)6 e de
Adolf Hitler, Mein Kampf (1925)7, foram as obras fundamentais para a constituição
mítica e ideológica do nazismo na Alemanha. O Mito do século XX se tornou o
suporte teórico do partido, enquanto Minha Luta tornou-se sua aplicabilidade.
Rosenberg elaborou uma ampla investigação sobre as origens da nação
germânica, exaltando seus grandes feitos, valorizando suas histórias reais e
mitológicas. Uma das principais discussões da obra refere-se às origens do
arianismo e sua relação com a Alemanha. Sua conclusão foi muito simples: os
alemães são os herdeiros da raça superior ariana.
Embora não seja o objetivo aqui determinar as origens dos arianos e seus
mitos fundadores, mas tão somente o mito racialista da NSDA, é importante
mencionar alguns aspectos utilizados pelos nazistas em seu programa ideológico de
governo. Conforme o historiador Léon Poliakov (1974), a problemática da racialidade
humana está ligada diretamente à questão da linguagem.
A tradição monogenista, fundada nos princípios bíblico-cristãos entende que
os homens foram originados de um único tronco criacional, em Adão e Eva, os
primeiros habitantes da terra. Já a corrente poligenista, muito considerada pelas
teorias racistas do Ocidente, afirma que os homens são diferentes porque possuem
origens diferentes. Essa compreensão, em síntese, levou muitos estudiosos da
antropologia e da história à constatação de que, nas diferenças raciais, estão
também as distinções valorativas de superioridade e inferioridade dos povos. O
5
A terminologia “arquétipos” é aqui usada no mesmo sentido que foi pensada por Carl Gustav Jung.
Trata-se do conjunto de imagens, ideias e expressões míticas presentes no inconsciente coletivo.
Esses registros são herdados geneticamente por um povo ou uma etnia, a partir de seus ancestrais
(Ver em: CG. JUNG., 2002, p. 13-51).
6
Em português: O Mito do século XX.
7
Em português: Minha Luta.
46
grande, que diz: Eu sou Dario, o Grande Rei [...]. Um Persa, filho de
um Persa, um Ariano de linhagem Ariana [...] (COUTO, 2008, p. 21).
Todas essas questões sobre as origens arianas foram relidas por Rosenberg
e por Hitler segundo a ideologia nazista. Apesar do empenho histórico de
Rosenberg, ele não quis apenas retomar os antigos mitos germânicos, como dados
históricos, mas fazê-los influenciar a conduta e a alma do povo alemão, à maneira
do nazismo.
Sua teoria pressupõe que o mito, mais do que uma representação, é uma
potência. Nas palavras de Lacoue-Labarthe e Nancy, o mito é “[...] a potência de
reunião das forças e das direções de um indivíduo ou de um povo, a potência de
uma identidade subterrânea, invisível, não empírica” (LACOUE-LABARTHE;
NANCY, 2002, p. 49). Trata-se de uma identidade própria e sua autoafirmação. Essa
identidade não é algo dado, nem imposto, mas sonhado. Visto ser o mito, mais que
uma realidade fora do homem, uma imagem subjetiva com a qual ele se identifica e
se relaciona, intelectual e afetivamente.
Pode-se dizer que a ideologia do Partido Nazista obteve sucesso por dois
motivos bem específicos. Primeiramente, a crença do povo na proposta político-
partidária e, em segundo lugar, sua identificação com ele. Uma identificação com um
modelo, um tipo de ideia ou crença a ser realizada. Ao analisar os escritos de Alfred
Rosenberg, os autores franceses afirmam que para haver essa identificação, foi
necessária “[...] uma crença total, uma adesão imediata e sem reservas com a figura
sonhada, para que o mito [fosse] o que ele é, ou ainda, [...] para que essa figura
tome figura” (IBIDEM, p. 51).
Daí entende-se o empenho da estratégia nazista nas propagandas para as
massas, nas simbologias e em outros recursos disponíveis para impressionar e
convencer a população. Sem a estratégia da propaganda não seria possível
transmitir as ideias, o sonho político pensado por Hitler e seus colaboradores.
Lacoue-Labarthe e Nancy, analisando ainda os escritos de Rosenberg,
explicitam que para o autor alemão a liberdade da alma germânica é Gestalt.
Significa dizer que é a forma de ser e de viver que permite fundar uma crença ou um
mito sonhado enquanto projeto político. Rosenberg, porém, entende que a Gestalt é
sempre limitada plasticamente. Esse limite que isola, mas que distingue um tipo, no
caso da Alemanha é a raça. A raça é, portanto, a “[...] identidade de uma potência de
formação, de um tipo singular” (IBIDEM, p. 52). A raça ariana é portadora de um mito
50
ou de um tipo sonhado por uma potência superior. Mencionando Lagarde, ele afirma
que a nação alemã está “[...] nos pensamentos de Deus” (IBIDEM, p. 52).
A adesão popular irrestrita ao princípio ariano tomou a forma de “mística”.
Mais do que uma simples crença, se tornou a participação total no tipo. É assim, por
exemplo, que ele escreve: “[...] a vida de uma raça, de um povo, não é uma filosofia
com desenvolvimento lógico, nem um processo desenvolvendo-se segundo leis
naturais, mas é a formação de uma síntese mística” (LACOUE-LABARTHE; NANCY,
apud ROSENBERG, 2002, p. 55)
Essa mística é um ato de fé. Também Hitler entendeu que esse ato de fé –
Glaubenserkenntinis – é de fato um ato, não uma abstração (IBIDEM, p. 54-55).
Portanto, o mito só passa a existir quando realizado8. A concretude desse sonho
vivido ocorria numa espécie de liturgia mítica e estética inaugurada pela NSDA. Mas
para que esse esquema tivesse sentido, foram precisos duas determinações
suplementares.
Em primeiro lugar, a terra ou a unidade territorial e, em segundo lugar, a raça
e o sangue alemão. Essa preocupação foi comum tanto a Hitler quanto a Rosenberg
(Blut und Boden) (IBIDEM, p. 55). Para justificar a importância da terra e do sangue,
Hitler partiu de alguns fatos bem concretos. Quanto à unidade territorial, foi preciso
frisar a importância da terra como o lugar dos arianos. Como já se viu anteriormente,
8
Foi esta crença mística no tipo ideal de raça que motivou Hitler e seus colaboradores na realização
do projeto nazista que coloca os arianos acima dos outros povos, como superiores. Também
defenderam a tese segundo a qual a miscigenação do povo ariano com raças inferiores acarretaria
sua degeneração. A ideia da degeneração foi primeiramente pensada por Georges-Louis Leclerc de
Buffon (1707-1788), na teoria do Environmentalism. Nessa teoria, Buffon afirma que os seres vivos
adaptam-se para sobreviver, num contínuo processo de evolução. Enquanto monogenista Buffon
acreditava que todos os seres humanos originaram-se em Adão e Eva. Entretanto, suas ideias não
alcançaram grande impacto por causa das hostilidades recebidas por parte da Igreja. Não tanto pela
“teoria das degenerações”, mas porque não conseguiu comprovar como os homens de um mesmo
tronco familiar, evoluíram em raças diferentes. Buffon afirmava que o clima, a geografia, a
alimentação e outros aspectos foram os fatores que proporcionaram a distinção entre as raças.
Fatores que tornaram algumas raças mais evoluídas e outras mais degeneradas. As críticas
começaram porque uma coisa foi alegar que os acidentes (aquilo que se vê) de uma raça mudaram
ao longo do tempo e dos lugares. Outra coisa foi afirmar que a natureza (essência) humana também
sofreu mudanças. Daí surgiu o problema de não conseguir comprovar que como Adão continha em si,
as várias essências humanas – ou seja, a índole, a natureza ou o caráter imutável de um grupo étnico
– que geraram as várias raças. Talvez o problema tivesse sido resolvido se Buffon afirmasse que as
raças humanas, embora dessemelhantes, possuíssem a mesma essência vinda de Adão, e que a
evolução ou degeneração modificaram apenas seus acidentes (Cf.: Poliakov, 1974, p. 141-144). As
considerações sobre a teoria da degeneração racial de Buffon influenciaram os darwinistas alemães
do século XX e, estes, influenciaram diretamente a ideologia racialista do Partido Social Alemão.
Hitler entendeu que as raças possuem características específicas e que a miscigenação, causa
degeneração e mudança em suas estruturas primordiais. Deste modo, a raça ariana não deveria se
miscigenar com uma raça inferior para não se degenerar.
51
9
Os mitos de Frankenstein e do Lobisomem são exemplos da Literatura Gótica. São personagens ou
criaturas ligadas às trevas. Esse tipo de literatura sempre esteve presente nos povos europeus.
53
10
Um dos eventos marcantes da campanha de Hitler foi o lançamento de um filme sobre o Congresso
nacional do Partido Nazista, na primavera de 1934. O trabalho foi financiado pelo próprio partido e
teve como diretora Leni Riefenstahl. Sobre isso, comenta Peter Longerich: “A obra intitulada Triunfo
da Vontade, que viria a ser o filme propagandístico mais conhecido do regime nazista, distinguia-se
dos documentários convencionais pela direção de fotografia extraordinariamente movimentada, pelas
tomadas inusitadas, espetaculares até, e pelas sequências de cortes mais habituais no cinema de
ficção” (LONGERICH, 2004, p. 265).
54
11
A esse respeito, destaca-se a entrevista de George Kateb, em 20/05/1992, em Documenti correlati.
Explica o autor sobre a perseguição aos judeus, nestes termos: “Il problema fondamentale di Hannah
Arendt era capire perché gli ebrei fossero detestati in Europa. Il fatto che lei stessa fosse ebrea
rendeva tale interrogativo particolarmente acuto e pressante. Secondo la sua analisi, appunto, molti
ebrei, avendo precluse altre opportunità, poterono solo accumulare denaro. Queste ricchezze, una
volta messe al servizio di determinate élite politiche, generarono nella massa e nella pubblica opinione
sentimenti di ostilità nei confronti degli ebrei, che erano in grado (o erano ritenuti tali) di influenzare la
politica della società in quanto detentori di ricchezza e anche di poteri segreti [...]”. (O problema
fundamental de Hannah Arendt foi entender por que os judeus eram odiados na Europa. O fato de
que ela era judia fez esta pergunta particularmente aguda e urgente. Segundo sua análise, de fato,
muitos judeus, privados de outras oportunidades, eles só poderiam acumular dinheiro. Essas
riquezas, uma vez que foram feitas para o serviço de certas elites políticas, geraram nas massas e na
opinião pública, sentimentos de hostilidade contra os judeus que foram capazes (ou eram
considerados tais) de influenciar a política social enquanto detentores de riquezas e também de
poderes secretos [...]) (KATEB, 1992, tradução nossa).
55
Algumas de suas frases ficaram famosas ao longo da história. E até hoje são
muito citadas. Goebbels dizia, por exemplo: “Uma mentira repetida mil vezes torna-
se verdade” (COUTO, 2008, p. 73). Sobre Hitler também afirmou: “Este homem é
perigoso, ele acredita no que diz” (IBIDEM, p. 73).
Conforme crescia no movimento nazista, Goebbels empreendia grandes
campanhas publicitárias para impressionar a população. No poder do Ministério da
Conscientização Pública e Propaganda, exigiu que todos os meios de comunicação
estivessem submetidos a uma das câmaras do seu Ministério. Dividiu as categorias
dos meios de comunicação em imprensa, artes, música, cinema, literatura e rádio.
Conforme Couto (2008), havia também uma preocupação em manter o
diálogo com os alemães de outros países, inclusive o Brasil, a fim de convencê-los a
aderir ao Partido Nazista.
Alguns dos objetivos da propaganda nazista incluíam lembretes aos
alemães de que o Partido Nazista fazia um esforço constante contra
intervenções externas e internas de judeus. Além de também lembrar
aos germânicos, presentes em países como Tchecoslováquia,
Polônia, União Soviética e Países Baixos, de que os alemães
preservavam seus laços consanguíneos e que os nazistas não
tinham nada contra os inimigos potenciais como a França e a Grã-
Bretanha, potências estas que tentavam fazer a guerra contra a
Alemanha (IBIDEM, p. 74).
Nas artes plásticas houve alguns incentivos. Mesmo que o nazismo não
produzisse muitas expressões artísticas variadas, Hitler mostrou-se interessado por
este tipo de arte. Em sua obra Mein Kampf, Hitler afirmou que aos treze anos de
59
idade já sentia uma forte tendência para seguir a carreira de artista e pintor. Porém,
encontrou forte resistência de seu pai. Dizia Hitler:
thámbos grega, “[...] um misto de medo e admiração, gerando certo conforto pela
sensação de pertencer a um coletivo protetor [e] de promoção social na nação
alemã” (IBIDEM, p. 45).
povo em geral. Nos longos e eufóricos discursos públicos, falava com convicção,
utilizando-se de muitos gestos e palavras emotivas. Por vezes focando uma única
ideia, repetida e bem articulada.
O quinto aspecto são as normas ditadas pelo grupo a que se pertence. Um
indivíduo tende a obedecer às normas de seu grupo, mesmo em prejuízo seu. Por
isso, muitas vezes assume opiniões e ideias contrárias às suas, para estar bem com
a maioria. O sexto aspecto foi a punição e a recompensa. Os agentes
propagandistas induziam os indivíduos a obedecer às normas e os coagiam caso
não obedecessem. Para isso, os nazistas empreenderam punições e até execuções
públicas para seus adversários. Por outro lado, premiações e títulos de honra foram
concedidos aos simpatizantes que se destacavam nas atividades partidárias.
Um sétimo aspecto muito importante foi a utilização dos símbolos do poder.
Os discursos de Hitler e seus colaboradores reuniam multidões. Os desfiles
militares, as procissões do partido e outras demonstrações públicas eram projetadas
numa atmosfera quase religiosa. Os discursos eram próximos à bandeira da NSDA,
aos cartazes com a imagem do Führer e à suástica. Tudo isso fazia parte da
metodologia da repetição de ideias-força. Os símbolos da luta nazista, reverenciados
e difundidos em todo o país, despertavam a crença e proporcionavam a sensação
de potência popular.
Um dos ícones muito utilizados foi a águia, impressa na bandeira do partido.
Ela expressa autoridade e vitória, atributos exaltados pela ideologia nazista.
Conforme Jean Chevalier, em Diccionario de los símbolos (1986), para muitas
culturas da Antiguidade, ela significava superioridade e poder. A águia, “capaz de
elevarse porencima de las nubes y de mirar fijamente al sol, se considera
universalmente como símbolo celeste y solar a la vez [...]” (capaz de elevar-se acima
das nuvens e olhar fixamente o sol, é considerada universalmente como símbolo
celeste e solar ao mesmo tempo) (CHEVALIER, 1986, p. 60, tradução nossa).
A suástica ou cruz gamada foi igualmente utilizada na bandeira nazista e nas
materiais de propaganda do partido. Conforme Chevalier, a suástica é “[...] uno de
los símbolos más extendidos y más antiguos que existen [...] (um dos símbolos mais
populares e mais antigos que existem) (CHEVALIER, 1986, p. 967 tradução nossa).
É identificada com o sol. Nesse sentido, a NSDA se colocou como a luz para a
62
12
Sturmabteilung ou Divisão de Assaltos.
13
Schutzstaffel ou Tropa de Proteção.
14
No final do primeiro capítulo de sua obra, Hitler, ao falar de sua infância, comenta a morte repentina
de seu pai. A preocupação dele por sua educação e a resistência de Hitler em ser um burocrata,
como sua família desejava. A seguir, no capítulo II, Hitler narra sua trajetória de aprendizados e
sofrimentos em Viena (cf.: HITLER, 1983, p.23-52).
64
15
O termo Reich em alemão significa Reino ou Império. O primeiro Reich, que durou até o ano de
1806 foi a mais duradouro da Nação Germânica. Conforme Couto (2008), Reich diz respeito à
expressão alemã Heiliges Rõmisches Reich Deutscher Nation. Sua correspondente latina é Sacrum
Romanorum Imperium Nationis Germanic. Diz o autor que o território deste grande império estendia-
se desde a chamada “[...] Francia Oriental, que abrangia os atuais países da Alemanha, Bélgica,
Países Baixos e Áustria. Obteve expansão em 870 (com a anexação do reino da Lotaríngia, estreita
faixa de terra ao longo dos rios Reno e Ródano), em 1014 (com a anexação de alguns reinos da Itália
atual), e em 1033, com o reino da Borgonha. Em seu apogeu, ele tinha um vasto território que incluía
Alemanha, Áustria, Suíça, Liechtenstein, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, República Checa,
Eslovênia, a região leste da França, o norte da Itália e o oeste da Polônia. Como podemos perceber,
era mesmo uma grande faixa de terra” (COUTO, 2008, p. 59). Trata-se de um reino que fora
governado por muitos príncipes, reis, clérigos, prelados e cavaleiros nobres. Esse tipo de
administração não permitia que o império fosse uno e forte, como muitas nações ao redor. Por isso,
alerta o autor, “Foi o Reich que mais durou, mas o que menos importância como país unificado teve”
(IBIDEM, p. 60).
16
O Segundo Reich alemão iniciou em 1871, tempo em que o povo germânico estava vivendo uma
grande campanha em prol da unificação nacional. Essa questão tornou-se evidente nos vários
conflitos armados provocados pelo ideal de unificação. Ainda em 1848, os Estados alemães uniram-
se para elaborar uma constituição para a Alemanha unificada. Conforme Couto (2008) nesse tempo
surge a figura central para a criação desse Segundo Reich – Otto Von Bismarck. Este monarca “[...]
criou uma política de guerras contra inimigos externos e contra a ocupação das regiões alemãs, o
que resultou na expansão do território Prussiano e, depois, germânico. Em oito anos (entre 1864 e
1871), foram travadas três grandes guerras que visavam a unificação dos germânicos: A Guerra dos
Ducados (em 1864), a Guerra Austro-Prussiana (em 1866) e a Guerra Franco-Prussiana (em
1870/71)” (IBIDEM, p. 60).
65
familiar, frente a uma população cada vez mais numerosa. Nessa época, a maioria
do povo alemão dependia das atividades agropecuárias. Uma solução para resolver
esse impasse foi o estímulo à imigração de trabalhadores alemães para outras
regiões do mundo, inclusive para o Brasil.
Nessa época, na Alemanha havia um forte incentivo aos colonos que partiam
para outras nações em busca de trabalho e melhores condições de vida. Esse apoio
garantia que no futuro, os imigrantes pudessem retornar ao país de origem. No
Brasil, a imigração foi relativamente fácil e rápida, pois o país mantinha, nessa
época, boas relações diplomáticas com a Alemanha. Além disso, havia no Brasil,
mas especificamente nos três estados do sul, políticas de incentivo à chegada dos
trabalhadores estrangeiros.
houve um interesse político por parte da Alemanha pelas regiões colonizadas por
seus cidadãos.
Caroline Luvizotto (2009) citando René Gertz (1987) afirma que o interesse
alemão pelos estados do Sul ocorreu depois de sua unificação. Mais tarde, com a
ascensão de Hitler ao poder, as relações entre Brasil e Alemanha se intensificaram.
Iniciativas foram empreendidas nos estados sulinos por volta do ano de 1934, sob o
pretexto de ajudar economicamente a região colonizada por alemães e ajudá-los no
próprio desenvolvimento. Nessa ocasião, o governo Vargas mostrou simpatia e
apreço pelas ajudas. Alguns fatos intensificaram as relações entre os dois países,
como por exemplo, o treinamento dos soldados brasileiros pela polícia alemã.
[...] harmonia entre teutos e brasileiros, [...] não durou muito tempo: a
partir de 1938, os ingleses e norte-americanos extremamente
preocupados com essa relação abalaram a aliança, chamando
atenção dos brasileiros para o “perigo alemão”: os alemães
pretendiam apoderar-se do território brasileiro partindo do Rio
Grande do Sul, pois era a região que havia sofrido maior influência
dos povos germânicos. O interesse da Alemanha pelo território do sul
do Brasil já era conhecido desde as primeiras décadas da
colonização alemã no País, principalmente por causa de sua posição
geográfica e influência na América Latina (IBIDEM, p. 77).
17
A pesquisa do historiador Jean Roche destaca esse fato de que o uso do idioma alemão foi
amplamente difundido nas escolas e falado nas ruas e estabelecimentos públicos nas regiões de
imigrantes. Na obra A colonização alemã e o Rio Grande do Sul II (1969), Roche comenta sobre
tempos em que os colonos orgulhavam-se de suas raízes e sua língua materna. O que constituía
uma das formas mais excelentes de manter as tradições entre as famílias e sofrer menos influências
de outras culturas que coexistiam no país. O autor destaca que as escolas particulares eram
preferidas às escolas públicas. Pois nelas era possível o ensino fiel da cultura e da língua alemã.
Nelas era “[...] ministrado o ensino da língua mais pura e mais literária. No último quartel do século
XIX, o alto alemão tornou-se a língua de comunicação e de cultura, porque os colonos e os
organismos pangermanistas se aproveitaram da indiferença das autoridades republicanas” (ROCHE,
1969, p. 658).
69
convencer de que a “[...] campanha hitlerista ficava bem na Alemanha, mas nunca
no Brasil” (GERTZ, 1987, p 141).
18
Tempos nazistas aqui significa desde o princípio do movimento, antes mesmo de ser partido, até
sua extinção, com o término da II Guerra.
19
Ver esse assunto amplamente debatido em GERTZ, 2012, p. 144-177.
71
A ideia de relacionar alemães com o nazismo ainda existe nos dias de hoje no
sul do Brasil20. Nessa região isso se tornou tão sério, que muitos ainda acreditam
que ser alemão ou ter essa origem é o mesmo que ser nazista ou apoiador dessa
ideologia. Trata-se de uma percepção falsa e preconceituosa que ainda perdura,
segundo o autor.
20
A obra O Neonazismo no Rio Grande do Sul (2012), o autor René Gertz comenta sobre a
necessária distinção entre alemães e seus descentes e os adeptos do nazismo e neonazismo. O
autor diz ser um erro acreditar que os imigrantes foram ou são todos concordes ao nazismo e
neonazismo. Na prática, especialmente nas localidades do interior, muitos descendentes de alemães
são chamados pejorativamente de nazistas.
72
Na era Vargas, havia no Brasil mais de 140 mil imigrantes. Eles foram
estimulados a permanecer no País. No Estado do Rio Grande do Sul, já havia pelo
menos 600 mil pessoas descendentes de germânicos. Entende-se o empenho da
Alemanha em convocar com veemência seus súditos para filiarem-se ao Partido
Nazista, às associações e a clubes recreativos de cultura alemã que estavam sendo
fundados e consolidados no Brasil e no mundo.
21
A tela “Redenção de Cam” (1895), pintada pelo espanhol radicado no Rio de Janeiro, Modesto
Brocos y Gómez (1852-1936), expressa claramente a situação que inspirou Lacerda em muitos
outros estudiosos da relação entre raça e desenvolvimento humano e social dos povos. Na tela,
percebe-se uma senhora negra, com braços erguidos aos céus, como se agradecesse por uma graça
alcançada. Vê-se uma jovem mulata sentada com sua criança, branca, no colo. Ao seu lado está o
esposo que também é um homem branco. A pintura retrata a evolução étnica e social que o Brasil
deveria realizar (Cf.: SOUZA, V. S.; SANTOS, R. V., 2012, p. 745-760).
74
Nas colônias mais prósperas, como as do Vale do Rio Pardo, região próxima
à capital, Porto Alegre, embora com um número pequeno de filiados, mas grande de
adeptos e apoiadores, foi a região que mais se destacou pelo grande número de
pessoas reunidas ao redor do rádio para escutar os discursos de Hitler diretamente
de Berlim. Em sua reportagem, Andréia Bueno, João Caramez, Renan Silva e
Wesley Soares (2015) afirmam que a maioria dos que simpatizavam com os
discursos do Führer, eram na maioria das vezes pessoas esclarecidas, como
padres, comerciantes, jovens estudantes brasileiros na Alemanha e pessoas que
tiveram contato mais direto com o Partido Nazista23. Abaixo, citam-se alguns dos
principais membros fundadores e mantenedores do Partido Nazista do Rio Grande
do Sul, todos residentes na região do Vale do Rio Pardo:
22
Na reportagem de Augusto Hoffmann e Yaundé Narciso, no site “Tempos Nazistas”, os autores
relatam um resumo sobre o Partido Nacional Socialista alemão no Vale do Rio Pardo. Trata-se de
uma das regiões de imigração alemã que mais se desenvolveu no Estado do Rio Grande do Sul.
Numa época em que os adeptos do nazismo podiam expressar suas ideias e aderirem publicamente
ao Führer, comentam os autores, a NSDA no Estado fundou várias outras entidades, como a “[...]
Hitler Jugend (Juventude Hitlerista), a Deustch Arbeits fronts (Frente de Trabalho Alemão), entre
outras”. Na cidade de Santa Cruz do Sul, primeira colônia do Estado, “... já em 1933, havia [...] um
núcleo do NSDAP. Os adeptos do partido promoviam no Deutsches Heim (Casa Alemã), encontros e
festividades para os imigrantes da célula local, simpatizantes e convidados, como noites de músicas
típicas, projeções de filmes, comemorações do Dia Nacional do Trabalho e apresentações de
discursos do Führer” (HOFFMANN; NARCISO, 2015).
23
Cf.: BUENO, Andréia; CARAMEZ, João; SILVA, Renan; SOARES, Wesley, 2015.
76
No afã de ter os imigrantes mais próximos e fiéis, Hitler não mediu esforços
para promover a fundação do Partido Nacional Socialista Brasileiro e suas várias
ramificações. O objetivo principal foi instruir os imigrantes com a doutrina da NSDA.
O partido foi responsável pela maioria da propaganda ideológica alemã no País.
Uma das atribuições do partido consistiu na “[...] ‘unidade’ dos súditos alemães, sem
esquecer que a preservação do corpo uno [...] submetido ao Estado (cuja figura
personificava no Führer), era um dos elementos componentes da ideologia
totalitária” (PERAZZO, 1999, p. 63).
24
O conceito de totalitarismo foi amplamente refletido por Hannah Arendt em As origens do
Totalitarismo (1989). A filósofa o define como um fenômeno novo, diferente de todos os outros
regimes existentes e correlatos, como as ditaduras, as tiranias ou outras formas de despotismo
histórico. O totalitarismo está assentado na ideologia e no terror total, por meio do domínio total,
destruindo o espaço público e toda forma de liberdade humana.
77
Hans Henning von Cossel foi o nome mais importante na direção do Partido
Nazista Brasileiro, com sede em São Paulo. Além da sua função de presidente do
partido, servia de adido cultural no Consulado da Alemanha, na década de 1930. Ele
chegou à cidade de Santos em 1934. Foi apresentado ao cônsul geral do Brasil pelo
chefe da Seção do Exterior da NSDA. O cônsul declarou que Cossel seria o
responsável por chefiar as organizações socialistas alemãs em todo o Brasil
(IBIDEM, p. 72).
Para a maioria dos imigrantes, o nazismo nada mais era que a exaltação da
identidade germânica, ou seja, a prática do germanismo. Poucos imigrantes estavam
realmente intencionados em promover e instituir as práticas do nazismo no País.
Por volta dos anos 1930, conforme as pesquisas de René Gertz (2012), um
quarto da população do Estado do Rio Grande do Sul era descendente de alemães.
Esses imigrantes, em sua maioria viviam das atividades agropecuárias. Não só eles,
mas os italianos – bem mais numerosos no Estado –, e poloneses, austríacos,
franceses, japoneses, gregos e árabes, para citar os mais expressivos. Alguns
viviam do comércio nas cidades. Receberam o nome de colonos, pois moravam em
aglomerados populacionais pequenos, nas vilas chamadas colônias de imigração.
relação mostrou-se cordial até a proibição total das atividades do partido no Brasil,
em 1938. O governo alemão mantinha relações com seus partidários tanto no Brasil
quanto nos demais países por meio da Auslands organizationder
Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei (Organização do Partido Nazista no
Exterior).
Conforme a autora, os
Mesmo que nem todo imigrante alemão tenha colaborado com o nazismo, é
fato que o movimento difundiu-se primeiramente entre os imigrantes. A força da
NSDA no País iniciou por aqueles considerados parte da arquitetônica ideológica de
Hitler. Possivelmente daí tenha se originado o preconceito ainda hoje existente de
relacionar descendentes de alemães com o nazismo e o neonazismo. No livro, Gertz
84
Uma das teses defendidas pela A.O. foi a de que os teutos residentes em
outros países, e adeptos do nazismo, não deveriam se miscigenar com povos de
outras raças e tampouco usar a língua local. Caso contrário, seriam considerados
traidores do povo ariano. A neutralidade política exigida dos alemães residentes nos
vários países foi, na verdade, uma estratégia para manter as atividades do partido
de Hitler atuante, sem conflitos ou polêmicas com o povo e o governo locais.
25
René Gertz menciona o político Jair Krischke, dirigente do Movimento de Justiça e Direitos
Humanos do Rio Grande do Sul. Em 2006, num programa de rádio, ele teria feito a seguinte
afirmação: “Onde a colonização alemã é muito forte, como no Sul do Brasil, ainda persiste um
sentimento neonazista” (KRISCHKE, 2006 apud GERTZ, 2012, p. 36).
85
um novo tempo”, que surgia com o nacional-socialismo (IBIDEM, p. 153). Esse tipo
de propaganda motivava o comprometimento dos alemães fora da Europa.
Em meio a tantas teorias que geraram conflitos raciais, uma atitude estranha
causou mal-estar entre os descendentes de alemães nascidos no Brasil. Numa dada
ocasião, eles também foram proibidos de participar como membros do Partido
Nazista no Brasil. Como essa inconformidade foi grande, houve a criação da
Associação dos Teuto-Brasileiros Pró-Nazismo, muito bem articulada pelo
representante mais proeminente em solo brasileiro, o Sr. Hans Henning von Cossel.
Para Hintz, o professor Schüle, já na Alemanha, foi escalado para lutar contra
os russos. Muito ferido, acabou sendo internado num dos hospitais da Cruz
Vermelha. A seguir, foi lutar na Rússia. Mas durante a batalha desapareceu.
Acredita-se que tenha sido prisioneiro do exército russo e, a seguir, levado
prisioneiro nos campos de concentração na Sibéria.
NAZISMO:
26
Existe uma única raça, a humana. Mas aqui será usado o termo raça como sinônimo de etnia ou
cultura, da mesma forma que foi utilizada pelo nazismo e, atualmente, pelo neonazismo.
27
Ver a obra: Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória (2006), de Carlos Gustavo
Nóbrega de Jesus.
94
- Uso de uma variedade de símbolos, muitos advindos dos mitos, das lendas
e da literatura nórdica;
NEONAZISMO:
precisam ser analisadas por meio da “[...] história social da emergência desses
problemas e de sua constituição progressiva” (BOURDIEU, 2001, p. 36-37).
sociais mais simples, mas também no meio das pessoas cultas e politicamente
influentes da Europa.
Os anos de 1980 foram ainda mais difíceis para o cenário econômico mundial.
Foram tempos da retomada do liberalismo na economia e de maiores tensões na
Guerra Fria. Os europeus, acostumados com o progresso científico, o consumo
abundante e certa estabilidade econômica, começaram a perder muitos de seus
privilégios. A juventude preocupava-se com seu futuro, temendo o desemprego e a
instabilidade econômica.
102
Apesar disso, a Guerra Fria estava vivendo sua maior expressão e espalhava
um clima de violência e tensão entre os dois blocos políticos. EUA e seus aliados
sondavam os exércitos vermelhos e apoiavam grupos radicais armados que, em
suas nações, barravam o contágio com as ideias comunistas. Recursos financeiros e
armamentos de ponta foram dispensados ao Iraque e ao Afeganistão, e até mesmo
Osama Bin Laden se mostrou um forte aliado dos EUA, contra os russos.
103
Porém, com o passar dos anos e o fim da URSS, numerosos grupos radicais
mulçumanos, sempre dispostos a iniciar uma nova Jihad, classificaram o Ocidente
cristão como tendo um povo infiel e inimigo do Profeta. Do lado ocidental, os grupos
radicais islâmicos foram classificados como terroristas e fundamentalistas.
Verdadeiras ameaças, como foram na época das Cruzadas. Os radicais islâmicos
aliados tornaram-se inimigos. Pode-se dizer que as criaturas se voltaram contra seus
criadores.
28
Cf.: United Nations, XV, 1960.
29
Cf.:http://www.sullivre.org/.
106
Norte com relação aos italianos do Sul, por isso muitos afirmam que a verdadeira
Itália é de “Roma para cima”. São comuns expressões como esta: “O Norte trabalha,
Roma arrecada e o Sul gasta.” Essa atitude torna-se irracional porque o Norte
italiano depende muito da Região Sul. Grande parte dos consumidores dos produtos
do Norte vive na Região Sul. Parece que o preconceito fala mais alto que o bom-
senso.
Conforme Vizentini, pelo menos três quartos dos jovens da França não são de
origem francesa. A Itália possui aproximadamente 60 milhões de habitantes, mas
chegará em 2050 com 30 milhões de habitantes. E grande parte dessa população
não será etnicamente italiana (IBIDEM, p. 32). Os países estão preocupados com o
baixo índice de nascimentos, e por isto criam mecanismos para dirimir os prejuízos
através de leis de incentivo ao nascituro (ClickPB, 2015).
A política das décadas de 1990 e 2000 ainda estava muito atrelada à lógica
do sistema neoliberal. O fato é que muitos outros interesses e necessidades, ligados
às questões sociais, culturais e ambientais, surgiam e tornavam-se tão ou mais
importantes que a própria economia. Temas como o superaquecimento global, a
107
É a ideia de que cada povo deve manter sua identidade original, cultura,
costumes e tradições sem influenciar ou deixar-se influenciar pelas demais culturas.
Nesse caso, a distinção entre nazismo e neonazismo consiste na afirmação de que
aquele defende a incompatibilidade entre etnias diferentes, e este defende a
incompatibilidade entre culturas diferentes. A discriminação que no nazismo foi
racial, no neonazismo torna-se cultural.
visível no grupo neonazista National Allience, que defende a guerra racial onde os
brancos irão extinguir as sub-raças negra e judaica. Esta ideia está no romance
escrito por um de seus líderes, William Pierce, intitulado Turner Diaries, inspirador
dos atentados em Oklahoma (1995).
Diante dos fatos que ocorrem ao redor do mundo, pode-se afirmar que o
neonazismo, embora distinto em alguns aspectos do nazismo original, postula, ele
próprio, a sua continuidade. Não são dois grupos separados, mas uma só doutrina
readaptada para os novos tempos.
O fato é que o nazismo não se findou com a queda de Hitler. E mesmo que o
neonazismo enfatize as distinções culturais como estratégia de adaptação ao século
XXI, sua base está na crença da superioridade da raça ariana e na discriminação
das raças consideradas inferiores.
Por razões históricas e culturais, que aqui não serão comentadas, o povo
gaúcho possui um forte sentimento separatista em relação ao restante do Brasil31.
Uma das explicações mais aceitas pelos estudiosos da cultura gaúcha para essa
tendência à emancipação está no mito fundador do Estado, a Revolução
Farroupilha, iniciada em 20 de setembro de 1835. Luta travada pelos gaúchos contra
o Império e a favor de sua independência política. Pelo senso comum, muitos
gaúchos atestam que mesmo politicamente unido à Federação, o RS é
culturalmente independente, pois possui tradições, usos e costumes próprios que
diferem do restante do País.
30
A partir de agora, abrevia-se a expressão Rio Grande do Sul pela sigla RS.
31
Ver capítulo VI da obra O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, de Darcy Ribeiro (1995).
32
Ver a obra Cultura Gaúcha e separatismo no Rio Grande do Sul (2009), de Caroline Luvizotto.
112
Essa crítica encontra-se também nas pesquisas de Helena Salem (1995). Ela
diz não haver motivos plausíveis para o caos social, pois o movimento neonazista é
constituído de pequenos grupos, se comparados às demais forças políticas radicais
atuantes. Isso, porém, não significa subestimar o preconceito presente em sua
doutrina e a violência urbana expressa em suas ações.
33
Esse partido político é claramente neonazista (cf.: http://pnsb.tumblr.com/).
115
Eles fazem questão de não serem confundidos com outro movimento bem
conhecido e atuante na cidade de Santo André, os skinheads. Uma parcela
considerável dos skins concentrou-se na defesa do nazismo, proclamando a
superioridade dos brancos e agredindo as minorias étnicas. A princípio, não estavam
muito preocupados em investigar a árvore genealógica de seus membros, a fim de
se ajustarem à doutrina nazista original, que pressupõe a ascendência nórdica para
o autêntico nazista. Dificilmente todos os esses skinheads brasileiros,
autodenominados neonazistas, possuem a genética nórdica. Algo que parece mais
difícil quando se pensa no Brasil, um País de mestiços.
nazismo para afrontar a justiça e chamar a atenção da sociedade. É deste modo que
muitos pesquisadores, como Lopes e Salem, acabam por conferir o título de
neonazistas a quase todos os grupos radicais, pelo simples fato de utilizarem
expressões simbólicas do nazismo.
Além disso, como quase todos os outros movimentos juvenis, durante anos os
carecas precisaram estruturar sua identidade e seus objetivos. Como bem lembra a
autora, ao contrário dos “[...] punks, os carecas começaram a construir seu próprio
movimento [...] através de uma complexa elaboração e reelaboração de mensagens,
informações e signos produzidos e captados de diversos modos” (COSTA, 2000, p.
144).
As pesquisas realizadas por Márcia Costa e por muitos outros estudiosos dos
grupos juvenis radicais optam por analisar o neonazismo brasileiro a partir das
manifestações dos vários grupos, como os carecas do subúrbio. Numa perspectiva
diferente desses pesquisadores, o presente texto não optará por essa via,
primeiramente porque o neonazismo possui sua originalidade e difere muito do
movimento dos carecas. Em segundo lugar, porque o neonazismo é oriundo do
nazismo alemão e os carecas originaram-se dos skinheads ingleses.
No Brasil, a ideia de uma nação branca é vista como absurda. Isto pode ser
um fator social relevante para barrar o crescimento do neonazismo no País.
Entretanto, não se pode presumir que todos os brasileiros discordem da cultura nazi.
Também o racismo, o preconceito, a homofobia e a agressão às minorias étnicas
são vistos como algo socialmente execrável, no Brasil e no mundo; todavia, tudo
isso ocorre com muita frequência e de modo velado. Não é possível, portanto,
afirmar que as ideias e as práticas neonazistas não estejam crescendo e se
desenvolvendo no País.
34
Cf.: DIAS, 2007.
35
Durante o período da redação desta dissertação, o site Valhalla88 esteve fora da internet. Foram
muitas as tentativas de acesso ao seu conteúdo, sem êxito.
121
VALHALLA http://valhalla88.com/
W.A.R. - WHITE ARYAN RESISTANCE http://www.resist.com/
WAU http://www.rac-usa.org/wau/
WHITE POWER SP http://www.whitepowersp.org/ (DIAS, 2007, p.
xix).
Alguns dos sites brasileiros pesquisados por Adriana Dias foram analisados
também pela polícia. E muitas pessoas foram localizadas e autuadas. De fato,
difundir o neonazismo no Brasil é crime, quando acompanhado do racismo e da
intolerância. Independentemente dos muitos benefícios de suas pesquisas para a
sociedade, o que ainda se torna questionável, em primeiro lugar, é o número de
neonazistas apontados pela autora. Os 150 mil brasileiros neonazistas apontados
em suas pesquisas são pessoas anônimas que se identificam com o nazismo,
trocam informações e baixam arquivos da internet a respeito do assunto.
Pelo menos 5% dos eleitores dos três estados do Sul foram consultados. A
pergunta única na cédula de votação foi a seguinte: “Você quer que Paraná, Santa
Catarina e o Rio Grande do Sul formem um país independente?” 36 A resposta
deveria ser marcada com Sim ou Não. O resultado foi a vitória do Sim, com 95,74%
de adesão dos votantes37.
36
Cf.: Site do movimento: http://www.sullivre.org/.
37
O resultado total foi o seguinte: O Estado do Paraná registrou 88,82% de votos sim e 11,1% de
não. Santa Catarina registrou 94,21% de sim e 5,37% de não. O Rio Grande de Sul registrou 97,21%
de sim e 2,70% de não. Totalizando 616.917 votantes nos três Estados (Ver em:
http://www.sullivre.org/).
124
38
Gertz questiona a autora por primeiramente assinalar o número de 150 mil neonazistas no Brasil,
mas em outra entrevista, colocar o número de 90 mil para os neonazistas brasileiros (cf.: GERTZ,
2012: p. 38).
125
Até a publicação de seu livro, em 2012, não havia mais que 35 neonazistas
registrados no Estado do RS. Em recente entrevista à imprensa, Jardim diz ter neste
ano de 2016, cerca de 100 neonazistas registrados pela justiça. Ao contrário das
pesquisas que levantam a hipótese da existência de centenas ou milhares de
neonazistas no Brasil, ou daquelas que os confundem com outros grupos juvenis
radicais, a justiça oficializa este pequeno grupo como neonazistas por julgar
39
Em países como a Mongólia é possível ver a incidência de grupos identificados com o neonazismo.
Algo aparentemente muito estranho, pois na II Guerra Mundial, quando Hitler aprisionava soldados
russos, aqueles que possuíam feições mongóis, eram imediatamente executados, ao contrário dos
russos loiros. O Chile é outro país que curiosamente possui vários grupos neonazistas. E muitos dos
seus membros são de ascendência indígena, como a maioria da população chilena, constituída da
miscigenação de europeus (especialmente espanhóis e alemães) e indígenas (cf.: VASCOUTO,
2005). O Brasil, que é um País de mestiços, também está entre os países que mais possuem grupos
neonazistas.
127
Por outro lado, foi um tempo importante para a juventude, que conquistara
maior liberdade de expressão, após anos de dura repressão militar. Multiplicavam-se
os grupos juvenis, também chamados de tribos. Dentre eles estavam os punks, os
skinheads, os góticos e as torcidas organizadas dos grandes times de futebol.
Também havia os vinculados à música, à arte e à estética. Outros, ainda, mais
ligados às religiões tradicionais e ao esoterismo, como as pastorais e ministérios, no
cristianismo, e grupos como os Rastafári e Hare Krishna.
tolerantes com a cultura negra. Discordavam dos neonazistas por estes serem
avessos aos não arianos.
Pode-se dizer que o maior problema das autoridades gaúchas não são as
torcidas organizadas, mas grupos antissociais, como os neonazistas e alguns
vândalos inseridos em meio aos torcedores. A preocupação da polícia, nesses
eventos, tem por base o fato de que os neonazistas estão se multiplicando
rapidamente e se introduzem em eventos esportivos para agir violentamente,
atacando adversários pertencentes a grupos étnicos bem específicos.
40
A expressão grenal refere-se à clássica disputa entre os dois maiores times do RS, o Grêmio (gre) e
o Internacional (nal).
41
UOL, 2007.
131
Em 2005, três judeus foram agredidos a socos e facadas num bar da capital
gaúcha. Em agosto do mesmo ano, em Caxias do Sul, um homossexual foi morto
em um parque da cidade. Em outubro, um punk foi agredido na rua. Esses crimes
estão diretamente relacionados ao grupo neonazista existente nessa cidade.
Em 2010, uma blitz policial apreendeu livros, CDs, soqueiras e facas com
alguns jovens em Porto Alegre, além de um vídeo ameaçando o senador gaúcho
132
Paulo Paim, que é negro. Ao saber do fato, o senador divulgou uma carta de
repúdio, dizendo que não cederia às ameaças neonazistas ou de qualquer outro
grupo racista. Num dos trechos da carta, ele comenta:
Se eles pensam que com este movimento vão calar a minha voz no
Congresso Nacional, que sempre foi e será em defesa dos
discriminados, sejam eles negros, brancos, índios, ciganos,
evangélicos, católicos, de matriz africana, judeus, palestinos e
daqueles que lutam pela livre orientação sexual, estão enganados.
Pelo contrário. Continuarei a minha luta para que todos os
preconceitos e discriminações sejam eliminados em nosso País. Se o
material elaborado por essas pessoas foi feito para me intimidar ou
prejudicar, isso não aconteceu, pois não me intimido e tampouco os
gaúchos. Lembro que há oito anos fui eleito para o Senado com 2
milhões de votos e o povo gaúcho, numa demonstração de repúdio a
esse tipo de atitude neonazista, me reelegeu com quase o dobro de
votos, 3.9 milhões (PAIM, 2010 apud Vermelho Portal, 2010).
A juíza Marta Borges Ortiz, de Porto Alegre, que acolheu o caso, diz que só
não houve a morte dos três jovens porque algumas pessoas intervieram. E relata:
Além do fato da agressão aos três judeus em Porto Alegre, notícias de que
Caxias do Sul está na rota do neonazismo internacional alarmaram ainda mais as
investigações policiais e a preocupação da sociedade com a presença desses
grupos no Estado. O jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, na edição de 31/05/2009,
afirma que a cidade é uma das bases do neonazismo nacional. Inclusive que
Ricardo Barollo, possivelmente líder nacional do Movimento Neonazista, havia
visitado várias vezes a cidade para articular ataques terroristas às sinagogas e às
minorias étnicas. Conforme reportagem, para os neonazistas,
42
Cf.: IBIDEM, p. 88.
136
Até o ano de 2016, o Dr. Jardim havia obtido pelo menos 100 nomes de
membros documentados pela polícia, mas prudentemente não divulgados, pois é
preciso uma longa investigação para saber se um indivíduo é de fato membro
assíduo, colaborador ou simpatizante do movimento. Tais pessoas estão sendo
constantemente monitoradas pela polícia.
Estado e o que ele tem como diferencial dos demais grupos juvenis radicais que
existem no País. A base argumentativa desta dissertação assenta-se na análise e
nos relatos do delegado Jardim, uma vez que ele se tornou a referência mais
importante no Brasil para as questões relacionadas ao neonazismo.
dizer, quando colocam a ideologia racista em prática. Os crimes mais comuns são a
agressão verbal e física, o racismo e o homicídio.
Paulo César Jardim frisa que o RS é a região mais atraente para os grupos
neonazistas, por causa das colônias de imigração europeia estabelecidas no Estado
e que geraram uma população de maioria ariana. Existe no Estado, como foi
referido, antecedentes históricos da ação partidária do nazismo. Muitos imigrantes e
descendentes de europeus gaúchos aderiram ao hitlerismo, na época de sua
ascensão na Alemanha.
43
Ver em: DIMENSTEIN, 2004.
141
[...] não é fonte pra ninguém que está trabalhando nisso, tanto no
lado da polícia, quanto do lado deles. Para esse tipo de trabalho que
a gente faz, tu tens, a cada 100 pessoas que falam sobre
neonazismo, 99,99 fakes. Não dá para acreditar em ninguém. Por
isso a gente utiliza outros meios (JARDIM, 2013 apud SARTORI,
2013).
A proposta racista de Hitler, por mais estranho que pareça, ainda atrai
pessoas imaturas e despreparadas na vivência social e na capacidade de tolerar e
respeitar o diferente. A adesão cega a essa ideologia é uma ficção, um sonho, um
mito que, na prática, só aumenta o aspecto sombrio de um mundo ainda desigual e
incapaz de proteger e promover a dignidade de todas as etnias e culturas.
143
6 CONCLUSÃO
O mito nazista baseou-se nos mitos antigos dos povos arianos. A marca do
ariano – como povo eleito pelas divindades, superior em todas as suas capacidades
– foi um pilar importante da política dos nazistas na marcha e no exercício do poder
que exerceram na Alemanha. A doutrina racial do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães (NSDA), que caracterizou o Terceiro Reich, resultou no
genocídio de 20 milhões de indivíduos, em campos de concentração e de
extermínio, dentre os quais seis milhões de judeus foram eliminados, assim como os
ciganos e outras minorias consideradas parasitas da humanidade.
Dentre as muitas conjecturas para o interesse alemão pelo Brasil, uma delas
se ressalta: Hitler pretendia construir uma nação branca nas Américas, como polo
estratégico do domínio universal, predestinado aos arianos. O Sul do Brasil
aparecia, assim, como um lugar de escolha, uma vez que recebera um dos maiores
contingentes de imigrantes alemães.
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