Da Proclamação Da República Ao Golpe de 1930
Da Proclamação Da República Ao Golpe de 1930
Da Proclamação Da República Ao Golpe de 1930
LORENA ZOMER
Lorena Zomer
Apresentação 7
4.2 Canudos 59
4.3 Contestado 64
10.2 Tenentismo 135
Gabarito 143
Referências 153
7
Apresentação
É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a abordagem desta obra, que pretende es-
clarecer aspectos históricos da formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada República do café com leite, na década de 1930, culminan-
do com a “revolução” que levou Getúlio Vargas ao poder.
Essa longa trajetória do país é esclarecida nesta obra, subdividida em dez capítulos.
Por sua vez, o Capítulo 6 analisa as novas organizações do cotidiano, a formação das elites, o
coronelismo e as dimensões culturais e sociais desse novo contexto, inclusive com a insurgência da
Revolta da Chibata. No Capítulo 7, é feita uma reflexão sobre a efervescência cultural e a renovação
dos grandes centros, indo da Belle Époque ao modernismo, incluindo a Semana de Arte Moderna de
1922. O Capítulo 8 trata da eugenia no Brasil, da imigração e das teorias raciais da década de 1920.
Boa leitura!
1
A crise no Império e a
emergência do discurso republicano
Neste capítulo, nosso intuito é tratar dos acontecimentos importantes que colaboraram
com o fim do Império brasileiro1 e resultaram no surgimento do Brasil republicano.
Com base nessa consideração, traçamos primeiramente ideias sobre questões políticas,
como a imigração e as consequências da Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai).
Posteriormente, nas duas últimas seções, objetivamos pensar a respeito do processo de abo-
lição e a situação social/política daqueles que deveriam ser inseridos na sociedade de modo
igualitário – premissa não muito respeitada –, assim como sobre o desenvolvimento do sistema
de transporte ferroviário.
Importa ressaltar que, no início do século XIX, o Brasil ainda era uma colônia portugue-
sa, situação que se transformou após a Proclamação da Independência, no ano de 1822. Depois
disso, o Brasil vivenciou conflitos importantes, como a Revolução Farroupilha (1835-1845), a
Sabinada (1837-1838), a Balaiada (1839-1841) e a Revolução Praieira (1848-1850), que ques-
tionavam a organização política e social do país, incluindo o Poder Moderador (presente na
Constituição de 1824).
1 Nome dado ao período pós-independência, em que o Brasil era uma monarquia e não se relacionava com a
perspectiva “imperialista” europeia.
10 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Para a manutenção da política régia do Estado brasileiro, uma das estratégias utilizadas para
manter a ordem social vigente foi dar/consolidar privilégios sociais à classe produtora. Como já
mencionado, Dom Pedro II teve de se posicionar diante de algumas rebeliões e conflitos impor-
tantes, processos questionadores da estrutura política do Brasil naquele momento. Para isso, ele
precisou centralizar em suas mãos a ordem, cuja estratégia foi delegar a administração e as políticas
regionais a homens que o apoiavam, a fim de evitar que tais revoltas se repetissem e continuassem a
questionar o seu próprio governo. Somado a isso, outra medida foi manter a escravidão, tanto pela
mão de obra oferecida pelos escravizados quanto pela rentabilidade do tráfico, visto que as fazen-
das de café utilizavam essa força de trabalho, assim como boa parte do restante do país.
Segundo a historiadora Beatriz Mamigonian, os questionamentos acerca da escravidão
vinham já desde o início do século XIX. De acordo com ela, o primeiro acordo para diminuir
a escravidão foi firmado em 1810, entre Inglaterra e Portugal. Em 1815, após o Congresso de
Viena, a Inglaterra conseguiu o compromisso de intensificar a campanha, porém tal medida
somente foi efetivada em 1822, em territórios acima da linha do Equador. A rede de acordos
sempre partia da Inglaterra.
Em 1827, foi firmada a total proibição do tráfico de escravizados, que deveria ser colocada
em prática até 1830, o que gerou um grande debate político. Em 1831, o primeiro e o segundo arti-
gos da Lei Feijó diziam que todos os escravizados encontrados em barcos brasileiros deveriam ser
soltos e que os responsáveis seriam presos e multados. Entretanto, o regente Diogo Feijó, em 1834,
defendeu a revogação dessa lei por considerá-la inexequível, ou seja, contraditória e injusta para a
população (MAMIGONIAN, 2017, p. 90-130).
Leis, políticas e especialmente a educação seriam os únicos meios para mudar aquele con-
texto. Se a realidade social era difícil para os escravos, para a elite era promissora. Nesse período, a
educação era para privilegiados e, em geral, conduzida por tutores pessoais. Posteriormente, esses
alunos eram enviados a Portugal para estudar, de onde retornavam ao Brasil bacharéis e em busca
de emprego público, de modo a fazer com que os cargos administrativos e políticos continuassem,
na maioria das vezes, com a elite.
No entanto, na primeira metade do século XIX, foi criada a escola primária. Segundo Circe
Bittencourt, “desde o início da organização do sistema escolar, a proposta de ensino de História
voltava-se para uma formação moral e cívica, condição acentuada no decorrer dos séculos XIX e
XX” (BITTENCOURT, 2009, p. 61).
Após as revoltas da primeira metade do século XIX, foram buscadas reformas escolares e
a centralização educacional, a fim de se formar cidadãos de acordo com o esperado pelos grupos
mais fortes do período: o de Dom Pedro II e o do Partido Conservador.
Do mesmo modo, o setor político público retomou o Conselho de Estado, que era o Poder
Legislativo e espécie de “cérebro da monarquia”. Agora chamado de Novo Conselho, que havia sido
12 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
extinto em 1834, permaneceu vigente até 1889, mantendo cargos vitalícios cujos lugares eram ocu-
pados por escolhidos de Dom Pedro II (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 281).
A influência do grupo mais conservador na educação, na política e nos cargos públicos per-
mite-nos entender a dificuldade em estabelecer mudanças sociais mais profundas. Mamigonian
ressalta que a polêmica sobre o fim da escravidão ou do tráfico de escravizados se acentuou na
década de 1840. Os argumentos contrários a essa prática tinham por objetivo criar uma ideia de
que tal decisão traria prejuízos ao Brasil, além de lançar dúvidas sobre o que fazer com os libertos
(MAMIGONIAN, 2017, p. 209-280). É preciso considerar que a formação do Brasil, seja enquanto
colônia ou já como império, justificava a escravidão como uma instituição e a protegia legalmente.
Levando em consideração que o Poder Moderador permitia a D. Pedro II – junto àqueles
que mantinham cargos administrativos e políticos indicados pelo rei – decidir sobre várias deman-
das políticas, inclusive intervindo em conflitos regionais, entendemos que seu poder era amplo. No
entanto, ainda restava ao imperador e a seu grupo político conseguir ou construir uma ideia de na-
ção para o país. Para Dolhnikoff, o resultado disso era o interesse em uma unidade que tinha como
base a “autonomia” tanto do governo central quanto do governo regional (DOLHNIKOFF, 2003, p.
433). Essa perspectiva pode ser compreendida em diversas ações do grupo político de Dom Pedro
II, que desejava ter o Brasil reconhecido como um local de cultura tropical, e não de escravidão.
Para tanto, era preciso criar imagens simbólicas, heróis nacionais, selecionar imagens e pai-
sagens idealizadas como naturais. Sobre isso, as historiadoras Schwarcz e Starling (2015) apontam
que o Romantismo foi uma das escolhas:
Procurar por homogeneidades num Estado de proporções continentais e
caracterizado por uma população tão heterogênea era tarefa complicada.
A saída foi “esquecer” a escravidão e idealizar os indígenas, os quais, dizi-
mados sistematicamente nas florestas, reapareciam em romances e pinturas
oficiais ou semioficiais. A representação do país como indígena (e mascu-
lino) juntava as concepções de um Brasil americano, mas também monár-
quico e português. Ou seja: uma mistura da cultura da velha metrópole com
a identificação com a América, que nos faz independentes. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 283-4)
A imagem do Brasil trazia ideias sobre uma “ex-colônia” tropical, com aspectos de sua me-
trópole, porém modificada. Isso também possibilitou novas formações culturais ao recente país,
mesmo que “branqueando” o indígena.
Além disso, Dom Pedro II também se tornou protetor do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB) em 1838, bem como conviveu nesse espaço com o historiador Francisco Adolfo
Varnhagen e os escritores Joaquim Manuel de Macedo e Gonçalves Dias2. O instituto e homens
como Varnhagen inauguraram a escrita da história brasileira, com o objetivo principal de criar
uma ideia de nação para o país. A premissa era de que as histórias narradas pelo IHGB deveriam
ter como fonte documentos e memórias oficiais.
Um dos pontos ressaltados por Julio Bentivoglio é justamente o prêmio recebido por Carl F.
von Martius, por um artigo em que
defendia a escrita de uma história para o país que seria uma síntese do encon-
tro das três raças que a compunham: brancos, negros e índios; superando um
tipo de história que vinha sendo combatida na Alemanha, porque cronológica,
filosófica e universalista; [...]. Essa nova história [...] visava o particular, a com-
preensão dos nexos entre os eventos, o encontro com o espírito do povo e da
nação. (BENTIVOGLIO, 2015, p. 293)
Cabe ressaltar que as relações entre Dom Pedro II e os historiadores do período determi-
navam as ideias do que seria narrado sobre a memória nacional, de acordo com os interesses do
imperador e das classes mais privilegiadas (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 285-6). Segundo
as historiadoras, um dos ápices da relação do Romantismo como movimento estético, cultural e
político e das estratégias e relações de Dom Pedro II, foi a escrita de Iracema e O Guarani, ambos
de José de Alencar.
Figura 1 – Iracema
Fonte: MEDEIROS, José Maria de. Iracema. 1884. Óleo sobre tela: 168,3 cm × 255 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
A pintura datada de 1884, de José Maria de Medeiros, retrata Iracema, a indígena idealizada
pelos padrões do Romantismo brasileiro. A imagem sugere um lugar bucólico, pois traz cores ao
fundo, em perspectiva, revelando um pôr do sol. Além disso, demonstra a riqueza da flora, que leva
à ideia de um “paraíso tropical”. Do mesmo modo, a seminudez da indígena mostra que o mundo
não era assim tão “selvagem”.
A prática de relacionar os indígenas à ideia de selvagem faz parte da própria catequização
direcionada a eles. Quando catequizados, geraram uma miscigenação própria no Brasil tropical,
substituindo o imaginário de uma colonização repleta de diferenças sociais (baseada na escravidão
e na opressão indígena) por uma nação americana próspera.
De acordo com Schwarcz e Starling, após 1848, alguns acontecimentos já mostravam que
nem tudo era homogêneo e a favor de Dom Pedro II. Naquele período, embora a proporção fosse de
14 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
110 políticos conservadores na Câmara para apenas um liberal, algumas questões começaram a ser
debatidas e foram motivo de desgaste para a imagem do imperador: o problema da estrutura agrá-
ria, a questão escravagista e o incentivo ao início da imigração (SCHWARCZ; STARLING, 2015,
p. 274). Tais questões já vinham ganhando corpo desde o início da Guerra do Paraguai (1864-1870).
O trabalho escravo era um dos temas mais espinhosos, visto que, desde a Lei Feijó
(de 7 de novembro de 1831), o debate sobre esse assunto já havia sido levantado e, aos poucos,
ganhava mais defensores para o fim do tráfico, mesmo que isso se desse de maneira lenta e gradual
(MAMIGONIAN, 2017).
É importante considerar que os debates não tratavam apenas do trabalho escravo como fon-
te de mão de obra ou do prestígio social em ostentar a posse de escravizados, mas dos valores
financeiros muito vantajosos desse tipo de atividade.
Essa discussão interna se acirrou na década de 1850, tanto pela pressão de alguns grupos
brasileiros quanto pela pressão estrangeira que buscava encarecer o valor dos produtos agrários no
Brasil, visto que os de suas colônias também estavam mais caros devido à proibição do tráfico ou
ao fim da escravidão. Somado a isso, a Inglaterra também desejava matéria-prima da África, bem
como desenvolver um comércio com o continente, mas, para isso, precisava diminuir o tráfico de
africanos escravizados (BETHELL, 2002, p. 14).
Com a intenção de extinguir o tráfico, algumas iniciativas começaram a ser realizadas ainda
na década de 1850, a fim de trazer mão de obra imigrante. Uma delas, a Lei n. 601, de 18 de setem-
bro de 1850 (a Lei de Terras) desencadeou mudanças, visto que um de seus objetivos era norma-
tizar o controle das terras, para que se pudesse passar a falsa ideia de que os imigrantes poderiam
adquiri-las, quando, de fato, ela acabava impedindo o acesso à posse da terra tanto por parte dos
imigrantes quanto dos escravizados, uma vez que as terras só poderiam ser vendidas, e não doadas.
Tal perspectiva tornava o Brasil bastante atraente para esses estrangeiros que buscavam uma vida
melhor, fugindo de crises e dificuldades em seus países de origem. Sobre esse processo, além de
limitar o número de terras que poderia ser comprada,
a Lei de Terras instituiu no Brasil a terra como mercadoria e permitiu a vinda de
imigrantes para promover a grande e a pequena lavoura [...]. E, ao impedir que
desde o início esses camponeses pudessem se tornar proprietários, reafirmava o
que deles se esperava: colonos morigerados e laboriosos como força de trabalho
para as propriedades agrícolas do Estado ou Particulares. Portanto, a Lei de
Terras, ao dificultar o acesso à propriedade ao conjunto da população campesi-
na, ao mesmo tempo colocava este coletivo aos ditames do capital. (SANTOS,
2001, p. 36)
Além de reforçar a posse das terras pelas elites, por meio dessa lei os imigrantes tinham seus
lugares demarcados, assim como os negros. Embora a Lei de Terras não tivesse muitos recursos
para controlar a demarcação, foi uma estratégia para manter a ordem social no Brasil, mesmo com
a proibição do tráfico.
Diante do descontentamento de conservadores escravocratas, a Guarda Nacional foi refor-
çada, para que se cumprisse a lei.
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 15
Nesse período, foram construídas as primeiras estradas de ferro e algumas escolas, fo-
ram estruturados o serviço de iluminação pública e o sistema de telégrafos e foi criado o Código
Comercial, a fim de estimular o comércio interno. Entretanto, se considerarmos todos os proble-
mas políticos e sociais para que o país se desenvolvesse de fato, seria necessária uma transformação
profunda. Só isso faria com que o Brasil fosse respeitado e visto como um país “em desenvolvi-
mento”. E tal transformação era necessária porque os interesses dos grupos dominantes do período
visavam ao desenvolvimento econômico e político, porém não ao social.
Toda a verba investida na estrutura considerada “modernizante” era proveniente do que
vinha do tráfico de escravos (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 274-275). Mesmo com tantas
mudanças e com a alta do café na década de 1860, a imigração só seria acentuada após a abolição e
com o incentivo da “política de branqueamento”.
O que percebemos das medidas mencionadas é que, enquanto algumas delas trouxeram
as transformações econômicas esperadas, geraram também novas críticas acerca da condução
política de Dom Pedro II. Um desses elementos foi a Guerra da Tríplice Aliança, ou, como é mais
conhecida, a Guerra do Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870, considerada o maior conflito
armado da América do Sul.
Durante a guerra, presenciou-se a permissão, por parte dos López, de outras vertentes po-
líticas para a reorganização política e social do Paraguai. Entretanto, esses capítulos contidos na
Constituição paraguaia de 1844 e de 1856 nunca foram efetivamente postos em prática e, vale
dizer, aqueles que deveriam fomentar olhares diferentes, ou mesmo serem opositores à política
dos López, eram os próprios representantes e/ou indivíduos pertencentes às famílias relacionadas
aos já dirigentes do país (SOUZA, 2006a, p. 128-129). A organização política do Paraguai diferia
da brasileira, pelo fato de o Brasil apresentar um governo imperial e “centralizador”, enquanto o
Paraguai tinha uma perspectiva mais “nacionalista” e de desenvolvimento econômico.
Além disso, o período político dos López contou com um crescimento econômico, com in-
centivo da indústria local, subsidiada pela venda da erva-mate, de fumo e de madeiras. Essa situa-
ção destacou o Paraguai dos demais países, oferecendo a possibilidade (mas não necessariamente
a efetivação) de ser um país socialmente melhor (SOUZA, 2006a, p. 126).
Também houve o direcionamento de verbas públicas à educação primária e até mesmo o en-
vio de alunos a outros países por meio de fomento público e arrendamento de terras (antes perten-
centes aos representantes da Coroa espanhola ou da Argentina) (SOUZA, 2006a, p. 305-306). Esses
fatores favoreceram o crescimento econômico do país e a independência em relação à Inglaterra,
embora ele ainda se mantivesse em quase total isolamento em relação aos países vizinhos.
Essas características exemplificam como a realidade econômica, social e política do Paraguai
era diversa daquela do Brasil. Ao mesmo tempo, não havia um motivo contundente para que o nos-
so país tivesse receio do vizinho, mesmo que ele ameaçasse dominar o Rio Paraná, com o objetivo
de chegar à Bacia do Rio da Prata.
Foi com base nessas possíveis ameaças que ocorreu a Guerra do Paraguai, na qual foram
vitoriosos o Brasil e os demais países (Argentina e Uruguai), apoiados pela Inglaterra, a qual tinha
16 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
como objetivo reduzir a autonomia paraguaia, um dos únicos países a não depender de seus inves-
timentos e empréstimos. Enquanto isso, o Brasil contraía mais empréstimos para poder se armar
durante esse período bélico.
Cabe observarmos que, mesmo com uma postura arrogante de Solano López em querer
dominar o Rio da Prata e o Brasil não aceitando a intromissão ou o crescimento paraguaio, o único
país beneficiado pela guerra foi a Inglaterra.
Tal acontecimento causou um desgaste político ainda maior para Dom Pedro II, além de
dificuldade econômica para toda a nação. A principal consequência política foi o fortalecimento
do Exército, uma das instituições que mais questionou as ações do imperador. Entre as exigências
militares estavam a autonomia política e a manutenção da hierarquia após a guerra3.
Isso fortaleceu também as discussões sobre o fim da escravidão, já que muitos soldados eram
escravos e foram à guerra diante da promessa de ganharem a liberdade. Ao retornarem, não apenas
queriam a liberdade, mas também o avanço do movimento abolicionista.
Além disso, muitos cargos mais altos da hierarquia militar já mantinham discussões sobre
ideais republicanos, que questionavam diretamente o Poder Moderador de Dom Pedro II e a estru-
tura política legitimada por ele e seu grupo.
Como dito anteriormente, a Guerra do Paraguai causou endividamentos do governo brasi-
leiro, visto que “o Tesouro Real indicou um gasto de 614 mil contos de réis. Para se ter uma ideia da
magnitude desses gastos, basta comparar com o orçamento do império disponível para 1864, que
era de 57 mil contos de réis” (DORATIOTO, 2002, p. 462). Por outro lado, no contexto da guerra,
o Paraguai perdeu sua autonomia política e territorial.
O historiador José Murilo de Carvalho traz uma ideia do significado da Guerra do Paraguai
para o contexto brasileiro e a situação política posterior:
De repente havia um estrangeiro inimigo que, por oposição, gerava o sentimen-
to de identidade brasileira. São abundantes as indicações do surgimento dessa
nova identidade, mesmo que ainda em esboço. Podem-se mencionar a apresen-
tação de milhares de voluntários no início da guerra, a valorização do hino e da
bandeira, as canções e poesias populares. Caso marcante foi o de Jovita Feitosa,
mulher que se vestiu de homem para ir à guerra a fim de vingar as mulheres bra-
sileiras injuriadas pelos paraguaios. Foi exaltada como a Joana d’Arc nacional.
Lutaram no Paraguai cerca de 135 mil brasileiros, muitos deles negros, inclusive
libertos. (CARVALHO, 2002, p. 38)
A citação constata de que forma um processo histórico tão polêmico e complexo como a
Guerra da Tríplice Aliança pôde trazer outras perspectivas para o Brasil, entre elas, a ideia do
Brasil como um país de povo unido para a luta. Isso traria mais que a exigência da liberdade para
os escravizados que haviam lutado, e a busca do reconhecimento do exército na hierarquia política.
A Guerra do Paraguai suscitou sentimentos de participação cívica e de cidadania.
3 O site da Biblioteca Nacional oferece diversas fontes para análise da Guerra do Paraguai. Entre elas, trazemos o
seguinte “dossiê”, disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/dossies/guerra-do-paraguai>. Acesso em: 19 fev. 2018.
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 17
Carvalho (2002) aponta que a escravidão estava tão enraizada em nossas características so-
ciais e políticas que apenas após a Guerra do Paraguai a questão voltou a ser debatida. Além do
desejo de liberdade suscitado durante o período de 1864 a 1870, o Brasil foi alvo de críticas por
manter e ter em combate escravos, um constrangimento diante de seus aliados e inimigos.
No que se refere à segurança nacional, por que o Brasil manteria um exército permanente
com escravos? Então, foi nesse período (1871) que a Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei
do Ventre Livre) foi sancionada por Dom Pedro II, abrindo oficialmente precedentes para a aboli-
ção total da escravatura. Pensar em nuances desse contexto, tanto em seus aspectos sociais quanto
políticos, é o objetivo da próxima seção.
Esse é o panorama social do bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde vivia Afonso
Henriques de Lima Barreto, escritor e neto de duas escravas. O ano aproximado descrito pela his-
toriadora é o de 1881, mesmo do nascimento do escritor. Embora Lima Barreto fosse filho de uma
professora e de um tipógrafo, sua vida ainda seria marcada pelas consequências de um período
quase não vivido por ele (tinha 7 anos quando ocorreu a abolição).
Por que um país que logo teria o fim da escravidão e seria uma República, sinônimo de
igualdade e de cidadania, viveria um futuro com diferenças sociais bem demarcadas e baseadas
em raça, etnia e classe? Para Schwarcz (2017), a questão ia muito além da econômica ou mesmo se
ligava apenas às regiões mais produtoras. Para ela,
De tão naturalizada, a escravidão não era privilégio de grandes proprietários.
Os monarcas, mas também pequenos roceiros, negociantes, taberneiros, profis-
sionais liberais, padres, comerciantes, e por vezes até escravos possuíam cativos.
A escravidão entrou em cheio nas casas privadas e nos negócios públicos do
Estado [...]. O escravismo era, sobretudo, um bom negócio. Mas era mais do
que isso; ele moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e de
cor dois marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e
obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma
hierarquia estrita. (SCHWARCZ, 2017, p. 29)
com a promulgação da Lei de 7 de novembro 1831 (a Lei Feijó), o Brasil não debatia o fim da escra-
vidão pensando em igualdade e cidadania para os escravizados. As pautas de discussão acabavam
sendo apenas sobre o peso econômico da decisão e reiterando o que esse trabalho e seu tráfico
sustentavam no Brasil.
Ou seja, a maioria da população brasileira do século XIX de maneira alguma pensava que
oferecer ao escravizado a liberdade era uma necessidade de justiça. O que pressionava nesse senti-
do eram apenas os interesses ingleses, que exigiam o fim do tráfico negreiro para o Brasil visando a
benefícios próprios. Em paralelo, outros países da América davam liberdade aos escravos.
Então, esse modelo escravagista não combinava com uma nação moderna, muito menos se
o Brasil caminhasse para o republicanismo (MAMIGONIAN, 2017, p. 9-29).
Dessa forma, apenas pelas independências de países da América Latina e da pressão exterior
é que o governo desse período passou a obedecer ou discutir algumas das leis anteriores à Áurea.
Isso não significa que o surgimento dos discursos republicanos, ou mesmo os desdobramentos da
Guerra do Paraguai e da própria campanha abolicionista, não foram ouvidos; pelo contrário, foi
pelos meandros que a política brasileira não conseguiu contornar que esses acontecimentos laterais
encontraram força e espaço para se instituir como políticas universais.
A questão abolicionista certamente foi uma das mais polêmicas e caras para o período pos-
terior a 1850. Tendo em vista a sua proibição em breve, o tráfico cresceu muito nas décadas que
antecederam 1850. A liberdade, que deveria ser dada àqueles que foram traficados ilegalmente,
muitas vezes teve de ser defendida por juristas e advogados (MAMIGONIAN, 2017, p. 430-433).
Isso demonstra que ferir a lei não era algo grave, visto que moralmente uma maioria não se impor-
tava com a vida dos escravizados.
Além disso, podemos pontuar outras características sobre a alforria desse período – quan-
do ela ocorria. Schwarcz (2017), ao falar sobre a vida de Lima Barreto, menciona a avó dele da
seguinte forma:
A avó de Lima, Geraldina Leocádia, fora alforriada quando a família se mu-
dou para o Rio [de Janeiro]. Os Pereira de Carvalho parecem ter se adiantado
ao movimento que seria mais geral apenas na década de 1880, concedendo
alforria condicional, mas preservando os libertos por perto. [...] Os motivos
para receber a tão desejada carta de liberdade eram vários, porém não poucas
vezes razões simples, pautadas em desígnios do coração, falavam mais alto. [...]
Geraldina e os filhos permaneceriam próximos de seus ex-proprietários. Havia
muita ambivalência, de lado a lado, nessas trocas de favores; elas auxiliavam na
inserção social futura dos “ingênuos”, mas igualmente mantinham laços de ser-
vidão e novas formas de dependência. (SCHWARCZ, 2017, p. 37)
A passagem referente à família de Lima Barreto demonstra que, quando a lei era aplicada,
alguns acabavam cedendo à alforria. Ou seja, por pressões políticas ou sociais, os proprietários re-
solviam manter-se perto de seus ex-escravos. Esse gesto era baseado em um processo hierárquico,
racista e classista, no qual práticas clientelistas eram estendidas a negros com a promessa de uma
inserção social, já que, após a alforria, não eram mais propriedade, e isso significava também que
não era mais obrigação de seus donos defendê-los.
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 19
Além disso, o trabalho de Geraldina era o de doméstica, muito comum para mulheres ne-
gras no mundo pós-escravidão. Esse foi um trabalho considerado inferior e subestimado por mui-
tas casas ao longo de um século4.
O caso da mãe de Lima Barreto também se relacionava com essa prática de dependência. Ao
adquirir o “nome social” Pereira Carvalho, ela pôde estudar e se tornar professora (SCHWARCZ,
2017, p. 37).
Nesse sentido, podemos entender que, por lei ou por vontade própria, negros e negras re-
ceberam suas alforrias, mas, em geral, não tiveram seus futuros planejados, muito menos uma
inserção social que visava à igualdade. Um argumento para isso é o próprio estímulo à vinda de
imigrantes europeus, a fim de substituir o trabalho escravo negro, mesmo que em geral fosse muito
mais caro e menos rentável em relação ao primeiro.
O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão – cerca de um ano após o feito em
Cuba. O historiador José Murilo de Carvalho mostra que a discussão só veio à tona em 1884 no
Senado. Segundo ele:
O Brasil era o último país de tradição cristã e ocidental a libertar os escravos.
E o fez quando o número de escravos era pouco significativo. Na época da
independência, os escravos representavam 30% da população. Em 1873, ha-
via 1,5 milhão de escravos, 15% dos brasileiros. Às vésperas da abolição, em
1887, os escravos não passavam de 723 mil, apenas 5% da população do país.
(CARVALHO, 2002, p. 47)
4 Para mais informações, ver o trabalho de Joaze Bernardino Costa (2015), que trata do trabalho doméstico e das
mudanças que ocorreram apenas no século XXI, com o reconhecimento por lei do trabalho doméstico no Brasil.
20 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Um dos aspectos que mais pesam sobre essa discussão e que podemos pontuar sobre essa
questão social – uma consequência de séculos de escravidão e da falta de igualdade e de cidada-
nia – é que, mesmo aqueles que lutavam pela própria liberdade, quando a alcançavam, acabavam
legitimando a escravidão. Para o autor,
embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escravizar os
outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a escravidão, pode en-
tender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para reflexão. Tudo indica que os
valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade
europeia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no
Brasil. (CARVALHO, 2002, p. 49)
Portanto, longe de normatizar ou justificar o racismo presente no Brasil pela própria cul-
pabilidade de ex-escravizados, o que queremos, ao trazer tal citação, é demonstrar o quanto essa
questão social é complexa, ainda mais ao ser refletida e discutida ainda nos séculos XIX e XX.
Se estudarmos a vida e a obra do escritor Lima Barreto, é possível perceber que os escraviza-
dos que antes cuidavam de fazendas e faziam outros trabalhos semelhantes passaram, na sua maio-
ria, a ocupar lugares marginais em cortiços e assumiram empregos apontados como subalternos,
não somente nos anos seguintes, mas durante o século XX também.
Podemos destacar que a modernização no Brasil (empreendida na segunda metade do
século XX) não foi acompanhada de preceitos sociais ou de igualdade para negros. Ela era de-
sejosa de imigrantes brancos, a fim de deixar a “República Tropical” mais branca. Sobre isso, o
historiador Carvalho aponta a seguinte ideia:
O argumento da liberdade individual como direito inalienável era usado com pouca
ênfase, não tinha a força que lhe era característica na tradição anglo-saxônica. Não o
favorecia a interpretação católica da Bíblia, nem a preocupação da elite com o Estado
nacional. Vemos aí a presença de uma tradição cultural distinta, que poderíamos
chamar de ibérica, alheia ao iluminismo libertário, à ênfase nos direitos naturais, à
liberdade individual. Essa tradição insistia nos aspectos comunitários da vida religio-
sa e política, insistia na supremacia do todo sobre as partes, da cooperação sobre a
competição e o conflito, da hierarquia sobre a igualdade. (CARVALHO, 2002, p. 51)
Nesse caso, fica claro que as ideias de liberdade e de igualdade não tinham o mesmo peso
para todos. A tradição e os costumes mantiveram-se junto ao fraco debate político, após 1888.
Afinal, políticos que acreditavam que o país deveria indenizar os donos de escravos após a abolição
não discutiriam como dar aos ex-escravos uma cidadania plena (SCHWARCZ, 2017, p. 60-63).
A ordem de construção dessa estrada foi de Dom Pedro II, cujo objetivo central era interli-
gar o Rio de Janeiro a São Paulo e Minas Gerais. O pagamento do empréstimo foi feito apenas na
década de 1870, porém, antes disso, as relações do Brasil com a Inglaterra se estreitaram, após a
resolução da questão Christie.
A empresa que se instalou a partir de 1860 foi a The São Paulo Railway Company, que cons-
truiu ferrovia de Santos até Jundiaí. Além do desenvolvimento maior ainda dessa região, logo
migrantes do Brasil começaram a se aproximar de onde se projetavam as novas ferrovias, au-
mentando o povoamento do interior e estimulando o desenvolvimento da Politécnica do Rio
de Janeiro, visto que em geral a mão de obra engenheira era inglesa (TELES, 1994, p. 471).
Após 1870, foram logo construídas as ferrovias paulista (1872), a mogiana (1875) e a sorocabana
(1875). O mapa a seguir permite-nos entender a interiorização e o desenvolvimento causados
pelo aumento das ferrovias:
Mapa 1 – Ferrovias do Brasil em 1876
Considerações finais
O objetivo deste capítulo foi trazer alguns debates vividos no século XIX que criaram as con-
dições para que o poder monárquico, a escravidão e a ordem social vigente fossem questionados e
para compreender como algumas práticas políticas e econômicas, como a imigração e a construção
das ferrovias, mudaram o cenário brasileiro do interior (a começar por São Paulo). Esses processos
também estão diretamente ligados ao modo como se deu a Proclamação da República no país,
por meio da tomada do poder pelos militares, instituindo uma política republicana e sem grandes
transformações – o que trouxe consequências para as primeiras décadas do século XX.
Foi em seus momentos finais que o Império brasileiro aprovou um projeto há muito acalen-
tado pelo poder público, assinando-se o decreto que autorizava a construção de um caminho
de ferro que faria a ligação da província de São Paulo ao sul do Brasil. Em 9 de novembro de
1889, através do Decreto n. 10.432, o engenheiro João Teixeira Soares recebeu do Governo
Imperial autorização para “construcção, uso e goso” da ferrovia que passou a ser denominada
A crise no Império e a emergência do discurso republicano 23
Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG). No dia 14 de novembro, Teixeira Soares
assinou o contrato com o Governo Federal, e apenas seis dias após a assinatura do decreto e um
dia após a assinatura do contrato, caía a Monarquia e com ela o compromisso entre as partes.
[...]
A questão da imigração recebeu destaque no Decreto Imperial. As Cláusulas 39 a 46 organiza-
vam a colonização nas terras servidas por suas linhas férreas. A Companhia deveria estabele-
cer em terras a serem demarcadas até dez mil famílias de agricultores nacionais e estrangeiros,
no prazo máximo de quinze anos. Cada família teria direito a um lote de terras de dez hectares
e uma casa construída. Enquanto tivessem seu sustento provido pela Estrada de Ferro, os colo-
nos trabalhariam 15 dias por mês em seus lotes e os demais dias para a Companhia, mediante
um salário acordado entre as partes. [...] O governo estabelecia também que 15% das famílias
poderiam ser nacionais; as outras seriam compostas de imigrantes europeus ou das possessões
portuguesas e espanholas que chegassem ao país por conta própria ou por conta do governo.
Neste sentido, colocava a Cláusula XLIV, o único compromisso do Governo seria o de encami-
nhar os imigrantes para as localidades, onde seriam recebidos pelos agentes dos contratantes.
[...] Permaneceu, portanto, um dos problemas que se tornariam centrais na construção da
EFSPRG: a carência de mão de obra considerada adequada para a dura tarefa de abertura de
caminhos para a ferrovia. A noção do que seria “adequado” incluía preconceitos contra a mão
de obra nacional e especialmente contra os trabalhadores do interior da região, os caboclos.
[...]
As referências a imigrantes e migrantes evoluem paulatinamente na documentação durante
1908. Fontes como jornais e relatos memorialísticos de descendentes ou imigrantes atestam o
fornecimento de passagens para imigrantes de zonas pobres da Europa para a colonização das
zonas contíguas ao caminho de ferro e para sua construção.
Sugestão complementar
Como sugestão complementar, indicamos o blog do Instituto Moreira Salles5, que tem um
variado acervo iconográfico, principalmente do século XIX. Disponível em: <https://blogdoims.
com.br/categorias/>. Acesso em: 27 fev. 2018.
Atividades
1. Elabore uma ideia que considere duas perspectivas políticas diferentes sobre as consequên-
cias da Guerra do Paraguai para o Brasil.
5 O Instituto Moreira Salles é uma organização sem fins lucrativos que dispõe de um vasto acervo de obras de arte.
Possui sedes em Poços de Caldas (MG), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ).
24 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
3. De que forma é possível estabelecer uma relação entre a construção das ferrovias em São
Paulo e o processo de interiorização no século XIX? Além disso, qual era a estratégia econô-
mica envolvida no estímulo das ferrovias?
4. Com base na leitura do capítulo e do trecho do artigo de Márcia Janete Espig, na seção
“Ampliando seus conhecimentos”, estabeleça uma relação entre a construção das ferrovias e
a imigração no Brasil.
2
Republicanismo no Brasil Imperial
1 Sobre a política de imigrantes direcionada pelo governo brasileiro, sugerimos a leitura de Biondi (2010).
26 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
A citação deixa evidente que não havia homogeneidade de pensamento, visto que Silva
Jardim criticou duramente Quintino Bocaiúva – também republicano, mas de cunho mais liberal.
De modo geral, ressaltamos que essa perspectiva heterogênea pode ser considerada importante
para a construção de uma política mais democrática no Brasil.
Bocaiúva tinha como proposta uma revolução “mais branda”, sem armas e/ou conflitos, e só
foi eleito por ter:
falseado o regime republicano de fiscalização, de discussão pública, falseado
o regime representativo, para que se desse a ditadura de um pequeno grupo
paulista, descubro na sua eleição, o que eu sentia de longos meses: uma cons-
piração de alguns velhos elementos do Partido Republicano gastos para a ação
patriótica, somente capazes da intriga para a cobiça do poder, aliada à falta de
compreensão da situação política atual, com o pretenso fim de paralisar a ação
republicana, por medo dos perigos que ela continuasse a trazer; pela incerteza
do gozo do poder, e pela aspiração mesquinha das posições que possa dar um
eleitorado republicano dentro do regime monárquico; e ainda, o que tem mais
importância do que pudera parecer, pelo receio do predomínio moral dos novos
elementos republicanos em ação. (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191)
Com base nisso, é possível afirmar que Silva Jardim mantinha ideias mais diretas impostas
pelo ideário republicano. Tal perspectiva apoiava uma mudança clara, diferentemente dos liberais,
que eram reconhecidos por oscilarem entre seus interesses e os de Dom Pedro II.
Silva Jardim defendia que o movimento fosse revolucionário no sentido maior do termo,
ou seja, com ampla participação popular, com o intuito de que o sistema, após implementado, não
fosse apenas de acordo com os interesses de um grupo mais privilegiado.
Outras ideias de Silva Jardim também corroboram com essas afirmações:
Por que razão o 7 de abril [de 1831 – o movimento que obrigou D. Pedro I a
abdicar] degenera em movimento monárquico? – indagava. “Porque o grupo
dos exaltados deixou-se vencer pelo dos moderados... É mister evitar a nossa
entrega ao liberalismo, sequioso de poder, tornando-se republicano de um dia
para outro. É preciso tirar o Partido Republicano deste perigo: que a República
seja a Monarquia sem o Imperador! [...] O momento é o mais oportuno para a
instituição da república no Brasil, é o mais adequado para a sua instituição sem
grande abalo social. A nação inteira está mesmo à espera de um novo estado de
coisas, sente-se nas vésperas de uma reorganização. O partido dito conservador
invade o terreno das reformas liberais. O partido liberal arvora a bandeira da
federação, que bandeira arvoraremos nós? Certo que a da república imediata, e,
pois, a da revolução [...] apelamos para todos que a pátria habitam, a fim de que
nos auxiliem no trabalho e na regeneração da pátria. Pedimos o concurso da
mulher, porque sabemos que sem o impulso do seu coração, jamais revolução
gloriosa ou reforma eficaz o homem realizou; pedimos o concurso dos moços
porque sabemos que na mocidade alia-se o entusiasmo científico ao entusiasmo
28 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
patriótico; pedimos o concurso dos velhos porque sabemos que a sua inflexão
consagra e santifica o denodo cívico, o impulso rebelde e a audácia política.
Pedimos o concurso de todos, qualquer que seja a sua nacionalidade: – dos es-
trangeiros – se é que essa palavra estrangeiros existe nos nossos dicionários – a
que colaborem conosco na reorganização da terra que adotaram... (JARDIM
apud BASTOS, 1986, p. 192-195)
O discurso do jornalista Silva Jardim deixa evidente que os liberais percebiam no republi-
canismo um meio de permanecer no poder, pois, mesmo com as diferenças em relação a Dom
Pedro II, sempre estiveram ao seu lado. Silva Jardim traz em suas palavras a disputa entre liberais
e conservadores desde a independência do país. Esses grupos, em geral, eram diferentes, mas em
diversos momentos tinham pautas comuns2.
Ricardo Salles afirma que liberais e conservadores eram entendidos como integrantes de
grupos políticos que ocupavam lugares, por vezes, opostos. O primeiro estava relacionado às clas-
ses médias e urbanas, com profissionais de todas as áreas; o segundo dizia respeito, em sua maioria,
aos produtores rurais.
Na década de 1860, emergia com mais força a questão abolicionista, assim como o argu-
mento liberal da descentralização do poder. Esses interesses entre as propostas dos conservadores
(SALLES, 2012, p. 5-9).
Do mesmo modo, a federalização é apontada como uma resposta ao conturbado período
político por parte dos conservadores. O que se destaca, entretanto, é o pedido de apoio das mais
diversas camadas sociais. Para Silva Jardim, elas traziam interesses também diversos aos dos libe-
rais e aos dos conservadores: entre eles, estavam especialmente os estrangeiros e as mulheres, algo
bastante atípico para esse tempo, visto que elas não tinham o direito de votar.
O apoio da ciência, isto é, do conhecimento que reflete sobre a sociedade e acrescenta ou-
tras perspectivas políticas e sociais, também está presente na fala de Silva Jardim, quando ele diz
“o entusiasmo científico ao entusiasmo patriótico”. Essas correntes ou teorias científicas chegaram
ao Brasil e seus debates estavam relacionados ao progresso, ao ideal de modernidade, bem como à
formação e ao futuro do povo. Por isso, podemos entender que uma nação moderna, que visa ao
progresso e ao crescimento, deve aliar sua política às novas perspectivas.
Percebemos ainda no discurso de Silva Jardim diversas propostas que não são conserva-
doras nem comuns a esse período brasileiro, especialmente se lembrarmos que o coronelismo, o
clientelismo e a escravidão eram as práticas mais em voga, de modo que pouco estava sendo deba-
tido para que elas fossem transformadas. Coronéis recebiam cargos por meio da política regional
ou federal e eram nomeados em um posto imperial que se manteve na República (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 322).
Em um governo oligárquico e com influência federalista, coronéis tinham o controle da
região e faziam trocas políticas com o governo federal. Durante a República, os coronéis depen-
diam de uma rede complexa de poder para se manter nesse status, o que desmitifica a ideia de
poder absoluto.
O clientelismo, por sua vez, refere-se ao uso do que é público para interesses privados – no
caso, de acordo com o que propunham os coronéis. À medida que a República cresce e o poder
oligárquico diminui, as práticas clientelistas e coronelistas também, tornando-os intermediários
entre o poder e o povo3.
O fim da escravidão era um dos maiores embates da época, visto que uma parte dos repu-
blicanos ou defendiam sua protelação, ou sua manutenção. Enquanto decisões na justiça usavam
como argumento a proibição de 1831, assim como o aumento de quilombos e o fim da Guerra do
Paraguai, o discurso republicano ia se aproximando cada vez mais da defesa do fim do escravismo
(FERNANDES, 2006, p. 182).
Nesse caso, precisamos considerar que nem todo republicano era abolicionista ou, ao me-
nos, defendia de imediato o fim da escravidão, já que alguns protelavam tal ideia, por serem eles
mesmos conservadores ou donos de escravos.
Ainda assim, de acordo com o historiador Sérgio Buarque de Holanda, “foram os repu-
blicanos os que, retomando a bandeira caída por terra, se dispuseram a levar às consequências
últimas os princípios que outrora tiveram em comum com os liberais genuínos” (HOLANDA,
1985, p. 261).
Na época, para que o Brasil prosperasse como outras nações no mundo ocidental, ele não
poderia mais ser sinônimo de país escravagista. Por isso, o republicanismo em geral defendia a abo-
lição, visto que não era possível propor um regime republicano e, ao mesmo tempo, manter escravos.
É nesse sentido que positivistas, ou militares influenciados pelo positivismo, quando pas-
savam a fazer parte do partido, acabavam levantando suspeitas sobre os republicanos, já que es-
ses nem sempre eram abolicionistas. Corrobora essa ideia o Manifesto do Congresso do Partido
Republicano, feito na cidade de Itu, em 1873:
“Fique, portanto, bem firmado que o Partido Republicano, tal como considera-
mos, capaz de fazer a felicidade do Brasil, quanto à questão do estado servil, fita
desassombrado o futuro, confiando na índole do povo e nos meios de educação,
os quais unidos ao todo harmônico de suas reformas e de seu modo de ser hão
de facilitar-lhe a solução mais justa, mais prática e moderada, selada com o
cunho da vontade nacional”.
Parece que esta declaração seria suficiente para apagar todas as dúvidas.
A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não política: está
no domínio da opinião nacional e é de todos os partidos, e dos monarquis-
tas mais do que nossa, porque compete aos que estão na posse do poder, ou
aos que pretendem apanhá-lo amanhã, estabelecer os meios de seu desfecho
prático. E se os nossos contrários políticos pressagiam para um futuro de-
masiadamente remoto o estabelecimento, no país, do sistema governamental
que pretendemos, o que vem interpelar-nos hoje e desde já sobre esses meios?
(Manifesto do Congresso do Partido Republicano Paulista apud PESSOA,
1973, p. 65)
Do mesmo modo, no discurso percebemos que a monarquia é mencionada por ter “criado”
o problema, já que a escravidão era algo recorrente na história do Brasil desde os tempos coloniais,
não sendo, portanto, de responsabilidade exclusiva do Partido Republicano.
Entretanto, enquanto o Império se negava a sanar o problema, o movimento abolicionista
crescia. Isso fez com que o Partido Republicano se aproximasse da defesa do fim da escravidão,
devido à demanda social ou à cobrança de atitude coerente com o ideário republicano.
É importante pontuarmos também em que condições ocorreu a Convenção de Itu, em 1873:
Assim, se essa não era com certeza a primeira ocasião em que se formavam
movimentos republicanos, a alternativa começou a se revelar mais viável a par-
tir de 1870. A cisão do Partido Liberal levou, então, à formação do Partido
Republicano Paulista, em 18 de abril de 1873, que se reuniu na hoje famosa
Convenção de Itu. O grupo criticava, sobretudo, o centralismo do trono e da
administração, e propunha uma reforma pacífica, através da implementação de
uma república federativa. O manifesto de 1870 começava assim: “Centralização
– desmembramento; descentralização – unidade”, mostrando com a ideia de fe-
deração e sua união com um regime político definido como “americano e para a
América” faziam parte da ementa inicial do partido. (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 301-302)
Com base nas afirmações das historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, os gru-
pos que até então oscilavam entre o apoio a Dom Pedro II e a oposição a ele, como era o caso dos
liberais, passaram a apoiar novas posturas políticas, as quais, com base em ideias constitucionais e/
ou republicanas, colaboraram para o fim do governo imperial.
Esse período marcava o ápice da produção de café, gerando riquezas. Em contrapartida, o
discurso republicano, por mais que se colocasse contra a autoridade e a interferência do imperador,
era composto daqueles que defendiam o trabalho escravo ou concordavam com as elites políticas
de províncias como São Paulo e Minas Gerais.
Na citação, também é notável a discussão sobre o modo como a República deveria ser discu-
tida e como chegaria ao poder, ou seja, uma reforma pacífica. A possibilidade de federalização tam-
bém estava entre as opções, isto é, cada Estado independente e respondendo a um poder central.
A abolição não era somente um tema de discordância entre os republicanos. Positivistas, em
maioria militares, também se aproximaram do republicanismo após as décadas de 1860 e 1870.
Nesse contexto, o Exército passou a ter problemas com o sistema monárquico do país, especial-
mente após a Guerra do Paraguai.
Esse problema intensificou-se pela insistência dos militares em terem uma instituição mais
organizada, acompanhada de uma carreira hierarquizada e de maior participação política. Dom
Pedro II e seu grupo político, porém, pouco negociavam sobre as novas demandas sociais e políti-
cas decorrentes da Guerra do Paraguai.
O positivismo – idealizado por Auguste Comte – chegou ao Brasil ainda na década de 1860.
É desse tempo, portanto, o início das influências positivistas que, no caso do Exército brasileiro,
tinham em Benjamim Constant e Deodoro da Fonseca dois expoentes. No Brasil, os seguidores
Republicanismo no Brasil Imperial 31
dessa corrente filosófica defendiam uma união firmada por meio da ideia de nação, a fim de se ter
o progresso do país.
Comte preocupou-se em pensar na organização e na ordem social de um contexto para
obter progresso. Suas ideias foram concebidas no século XIX, em meio às grandes transfor-
mações sociais e políticas após as décadas de 1840 e 1850. Nesse caso, tanto ele quanto Émile
Durkheim, Karl Marx e Max Weber foram os responsáveis pela difusão do pensamento sobre as
mudanças que colaboraram para a institucionalização das disciplinas ligadas às ciências sociais,
especialmente a sociologia.
Comte, em um escrito chamado Curso de filosofia positivista, de 1842, defendia que o espí-
rito humano teria passado por três fases: a primeira era o momento em que sociedades baseadas
em princípios transcendentais e militarismo iriam diminuir; a segunda era aquela em que todos
os fenômenos atribuídos a seres sobrenaturais seriam contestados e, posteriormente, as sociedades
teriam na metafísica suas explicações. Ainda na segunda fase, o ser humano passaria a observar os
fenômenos sociais no decorrer do tempo, a fim de decidir o que era melhor, uma ideia que deveria
ser coletiva (incluindo sacrifícios individuais) (ARON, 2002) e relacionada ao uso da tecnologia,
bem como do domínio da natureza. Na terceira fase, a organização humana estaria na relação, or-
ganização e domínio da natureza e da história.
A França do século XIX, tempo e lugar de Comte, era marcada por uma sociedade capitalista
industrial, e o crescimento econômico dessa modalidade política e econômica era defendido pelo
positivista como exemplo a ser seguido.
Nesse caso, a união do espírito humano, livre de guerras e de violência, em nome de um bem
maior (unido pela história humana e pelo domínio da natureza), chegaria a um estágio final de
desenvolvimento da humanidade, que teria apenas um pensamento, no qual seu “espírito” estaria
baseado apenas nas ideias positivistas.
José Murilo de Carvalho afirma que, para Comte, uma boa pátria seria uma boa mátria
(CARVALHO, 1990, p. 13), visto que era nas ideias do gênero feminino para humanidade e
República que o filósofo encontrava seus argumentos – que estavam baseados na representação
da República na imagem feminina (no caso de Comte, em Clotilde de Vaux) –, um imaginário que
colaborava para legitimar um poder político.
Utópica ou filosófica, a corrente positivista chegou ao Brasil como uma promessa que en-
dossaria os ânimos republicanos, fossem eles abolicionistas, liberais ou militares. Pregava a sepa-
ração entre religião e Estado, visto que a principal responsável pelo desenvolvimento deveria ser a
ciência. Nesse período, havia influências oligárquicas do clero e da própria elite cafeicultora mais
conservadora e monarquista. São exemplos: Benjamim Constant, que era positivista; Bocaiúva, que
era liberal; e Silva Jardim, abolicionista e republicano (CARVALHO, 1990).
Existiam discussões e divergências sobre o fim da monarquia e do futuro do Brasil, caso a
proclamação ocorresse. Contudo, havia uma disputa política e econômica de pequenos grupos so-
ciais, sempre privilegiados ao longo de nossa história. Manter o interesse desses grupos tornou-se
uma das principais premissas dos embates políticos do período.
32 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Mesmo mudando a história política do Brasil, o ato conduzido pelos militares foi também um
golpe, o que colabora para o entendimento sobre o porquê da dificuldade de implementação de um
sistema político republicano. Nesse contexto, embora o Partido Republicano tenha sido responsá-
vel por boa parte da discussão e do desgaste da imagem da monarquia, o novo governo iniciou com
Deodoro da Fonseca, restando ao Partido Republicano dois importantes ministérios: o da justiça e o
da agricultura.
Nesse contexto, Campos Salles, chefe da pasta da justiça, emitiu, entre outros, dois decretos
importantes: o n. 85-A, de 23 de dezembro de 1889 (BRASIL, 1889), e o n. 295, de 29 de março de
1890 (BRASIL, 1890). Neles, as determinações eram as seguintes:
“todos aqueles que derem origem a falsas notícias e boatos alarmantes dentro
ou fora do país ou concorrerem pela imprensa, por telegrama ou qualquer outro
modo de pô-los em circulação”. O Decreto nº 295, feito para preservar o gover-
no “da injúria e dos ataques pessoais que visavam ao desprestígio da autoridade
e tinham por fim levantar contra ela a desconfiança para favorecer a execução
de planos subversivos”. (RAMOS, 2010, p. 5)
Essas leis serviram para instaurar a censura em um período (início da República) que deve-
ria ser de inauguração de uma participação mais cidadã e democrática.
Outra questão que destoa bastante do que desejavam muitos republicanos consta na se-
guinte citação:
organização de um partido republicano construtor, preliminarmente revolu-
cionário, em que realmente se deseje para a pátria uma presidência poderosa,
instituída pela vontade popular, a princípio por aclamação, sujeita em seguida
ao sufrágio universal, – capaz de ser autoridade, na qual se deposite uma cau-
telosa confiança, inteiramente fiscalizada pela Assembleia Nacional, câmara
financeira, e pela opinião pública, por meio de todos os seus órgãos, – tornada
assim o delegado representativo da pátria, síntese da liberdade; e pois Governo,
na combinação feliz dos dois elementos que esta palavra resume: – Poder e Povo.
(JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191, grifos nossos)
imagem enaltece a participação do Exército, ao trazer no fundo Deodoro da Fonseca, como se fosse
o principal responsável pela Proclamação da República.
Figura 1 – Imagem feminina dada à República no Brasil
Fonte: CALIXTO, Benedito. Proclamação da República. 1893. Óleo sobre tela: 123,5 cm × 200 cm. Pinacoteca Municipal de São Paulo,
São Paulo.
Sobre esse assunto, José Murilo de Carvalho explica: “A formação do mito pode dar-se
contra a evidência documental; o imaginário pode interpretar evidências segundo mecanismos
simbólicos que lhe são próprios e que não se enquadram necessariamente na retórica da narra-
tiva histórica” (CARVALHO, 1990, p. 58).
O historiador chama atenção para o fato de não importar tanto a intensidade ou as evidên-
cias diretas sobre a relação de Tiradentes com a ideia de República, ou mesmo sobre os desejos
relacionados à inconfidência mineira. Nesse caso, muito antes da Proclamação da República, em
1789, Tiradentes já questionava sobre a possibilidade de maior representatividade política no país.
Essa perspectiva também está relacionada à criação de um imaginário fundamental para que o
novo regime político fosse afirmado (CARVALHO, 1990, p. 10).
A historiadora Thaís Nivia de Lima e Fonseca (2002) traz em seu trabalho uma análise his-
toriográfica sobre a construção da imagem de Tiradentes. Ela não se deve apenas aos interesses
republicanos, mas conforme a recepção do público de seu tempo e das décadas que se seguiram.
O caráter exaltador, nacionalista e patriótico marcou a historiografia até os anos de 1960, principal-
mente reforçando o caráter extremamente revolucionário que teria tal movimento4.
Posterior a esse período, a influência da História Cultural e de ideias ligadas às representa-
ções colaboraram para que relações sociais também fossem analisadas, a fim de perceber nuances
sobre Tiradentes, para além do “mito”. Para Carvalho,
A luta em torno do mito de origem da República mostrou a dificuldade de se
construir um herói para o novo regime. Heróis são símbolos poderosos, en-
carnações de ideias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação
coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração
dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que
não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns,
os heróis surgiram quase que espontaneamente das lutas que precederam a nova
ordem das coisas. Em outros, de menor profundidade popular, foi necessário
maior esforço na escolha e na promoção da figura dos heróis. A falta de envolvi-
mento real do povo na implantação do regime leva à tentativa de compensação,
por meio da mobilização simbólica. Mas, como a criação de símbolos não é
arbitrária, não se faz no vazio social, é aí também que se colocam as maiores
dificuldades na construção do panteão cívico. Herói que se preze tem de ter, de
algum modo, a cara da nação. (CARVALHO, 1990, p. 55)
Então, um herói era necessário para que houvesse identificação popular e apoiasse aqueles
que instituiriam uma nova forma política. Na Figura 3, é representado Tiradentes no momento de
sua execução.
4 A historiadora aponta que ainda persistem as ideias sacralizadoras. Para uma análise historiográfica do tema, su-
gerimos a leitura de Fonseca (2002).
36 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Fonte: MELO, Aurélio de Figueiredo e. Martírio de Tiradentes. 1893. Óleo sobre tela: 57 cm × 45 cm. Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro.
Na pintura, Tiradentes parece olhar para cima, provavelmente aos céus, como “filho de
Deus”. O padre, ao lado de Tiradentes, clama por sua vida aos céus, ao mesmo tempo em que o
carrasco faz um gesto que parece de não conformação com a situação vivida. Além disso, o cabelo
está alongado e claro, o que o aponta como “semelhante” a Jesus Cristo, ou seja, Tiradentes não era
mais o subversivo de outrora, morto e enterrado como o inimigo da Coroa. Ao contrário, em 1893,
a sua representação é heroica.
Se a imagem de Tiradentes como símbolo republicano nos lembra Jesus Cristo, é possível in-
dagarmo-nos sobre a Constituição de 1891, que declarava a laicidade do Estado. Nesse caso, como
aponta José Murilo de Carvalho, o Cristo era cívico (CARVALHO, 1990, p. 67).
Apesar do agito das capitais e do marasmo do interior – e, com base nas ideias de Machado
de Assis, ressaltadas por Margarida Neves –, o que soou de fato diferente foi a Constituição de
1891. A organização de alguns de seus interesses políticos será debatida na próxima seção.
Republicanismo no Brasil Imperial 37
Em relação aos estrangeiros, poderiam votar aqueles que estavam no Brasil em 15 de no-
vembro de 1889 e não exigiam a manutenção de sua cidadania original. Porém, a ideia de sufrágio
universal é bastante frágil, visto que diversos grupos, inclusive mulheres, permaneceram excluídos
do processo eleitoral. Dessa forma, além dos decretos que cerceavam a população, a lei não garan-
tia a permissão para que todos tivessem voz.
De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, coube à União organizar a legislação em geral,
visto que ela reunia os tópicos criminais e de processos da justiça federal, enquanto dava à esfera
estadual apenas a jurisdição sobre o direito privado (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 21).
Ferraz Júnior aponta ainda que a Constituição defendia o direito de “ir e vir” e deu base para
a ideia de habeas corpus, a fim de que qualquer acusado pudesse ter o seu direito pessoal de defesa,
o que trazia alguma perspectiva de igualdade (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 21).
Outra proposta radical, ao menos na tessitura da Constituição, foi a laicidade, ou seja, a de-
terminação de o Estado não ser governado sob a doutrina ou os interesses diretos da Igreja católica,
ou mesmo de outras religiões. Junto a essa perspectiva vieram outras, entre elas:
a) vedava aos estados e à União estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exer-
cício de cultos religiosos (art. 11, n. 2);
b) vedava o alistamento eleitoral (aos pleitos federais e estaduais) dos religiosos
de ordens monásticas, companhias, congregações, ou comunidades de qualquer
denominação sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto, que importe re-
núncia da liberdade individual (art. 70, n. 4);
c) assegurava a liberdade religiosa a todos os indivíduos e confissões, que po-
deriam exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e
adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum (art. 72, n. 3);
d) dispunha que a República reconheceria apenas o casamento civil, cuja cele-
bração seria gratuita (art. 72, n. 4);
e) determinava a secularização dos cemitérios, que viriam a ser administrados
pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática
38 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
dos respectivos ritos em relação aos crentes, desde que esses não ofendessem a
moral pública ou as leis (art.72, n.5);
f) dispunha que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos deveria ser
leigo (art. 72, n. 6). (LEITE, 2011, p. 40)
Como podemos perceber, são muitas as mudanças que poderiam ser feitas. Mas, como
aponta Fábio Carvalho Leite, a instabilidade do momento após a Proclamação da República (e o
que se esperava dela), junto a ideias tão diferentes, não permitiu que, em um primeiro momento – e
talvez em qualquer outro –, a maioria dessas mudanças fosse cumprida (LEITE, 2011).
Para o autor, os espíritas ou evangélicos, no começo do século XX, ainda encontravam di-
ficuldades para vivenciar sua fé, pois eram vistos como “perturbadores da ordem” (LEITE, 2011,
p. 56). A Constituição de 1891, mesmo não sendo tão transformadora, proporcionou mecanismos
de defesa aos cidadãos, ou seja, liberdade de culto, de expressão e direito de defesa.
Ainda, havia a extinção do Senado Vitalício, do Conselho de Estado, “decretada” a liberdade
da palavra e a descentralização de poder em nome dos Estados, prática que mais tarde favoreceu
grupos específicos na vigência da “política dos governadores”.
O federalismo da forma como foi concebido beneficiou apenas os Estados que estavam mais
desenvolvidos naquele período, por exemplo São Paulo, que já tinha estrutura econômica mais
avançada no que se refere ao desenvolvimento econômico e industrial, enquanto outros depen-
diam dos interesses das oligarquias regionais. Com isso, os abismos sociais aumentavam.
De uma monarquia com poderes e privilégios sobre seus súditos, passamos a ter ferramentas
de construção de cidadania, de igualdade, mesmo que algumas delas fossem muito distantes de
um ideal. Entretanto, no que se refere a esses aspectos, reformas radicais que as garantissem foram
rechaçadas. Levaria ao menos 20 anos para que diversos movimentos começassem a debater em
conjunto sobre questões sociais, enquanto mudanças econômicas e políticas passariam a ruir os
alicerces da primeira República.
Os historiadores Kalina Silva e Maciel Silva definem uma ideia de democracia sobre a qual
podemos pensar na contemporaneidade:
Esse projeto democrático ideal seria o regime em que a sociedade civil organi-
zada fizesse ouvir seus múltiplos discursos (liberdade de expressão); em que os
indivíduos não confundissem a coisa pública com a coisa privada; em que os
valores morais e políticos não estivessem voltados para a satisfação das necessi-
dades puramente materiais, mas que se preocupassem com a melhor forma de
governo; em que a administração do que é público não estivesse nas mãos de
“cientistas” e “técnicos”, controlando de fora o que diz respeito aos cidadãos; em
que o exercício da palavra e o exercício da ação não se contradissessem; em que
as leis pudessem coincidir com os anseios dos destinatários; uma sociedade, en-
fim, em que as pessoas tivessem o sentido de comunidade a inspirar suas ações.
(SILVA; SILVA, 2009, p. 90)
Precisamos considerar que quem participava da política, em geral, eram pessoas de classes
mais abastadas. Se considerarmos que a Constituição previa não existir veto parcial, apenas total,
verificaremos que muitas emendas foram aprovadas legitimando os interesses das elites (FERRAZ
JÚNIOR, 1989, p. 24).
Considerações finais
O objetivo principal deste capítulo foi trazer ideias sobre o período da Proclamação da
República. Podemos perceber que havia divergências e a própria ideia de República – em relação à
conhecida no século XXI – sofreria ainda muitas intervenções e debates. Isso ocorreu porque de-
fender a abolição da escravatura ou mesmo a existência de um governo republicano é algo diferente
de prezar pela igualdade social e racial no país.
Esses dois aspectos foram a base de muitas revoltas e problemas enfrentados nas duas pri-
meiras décadas do regime republicano, ou seja, mesmo que um ideal de memória coletiva tenha
entrado na pauta política, trazendo símbolos e figuras nacionais, ainda assim não foi o suficiente
para que o povo aderisse aos interesses daqueles que haviam proclamado a República.
Parte do povo, excluído das intenções de poder, foi protagonista de diversas ações que bus-
caram outras percepções sobre a República. Nesse caso, a própria Constituição de 1891 não foi
satisfatória para que aqueles que defendiam a igualdade universal conseguissem se respaldar na lei.
O Brasil desta análise histórica corresponde assim a um modelo de país constitucional que até
aos nossos dias se busca construir, numa longa travessia de obstáculos.
[...] Projeto bloqueado inumeráveis vezes pelas resistências absolutistas, pelo continuísmo e
vocação de perpetuidade governista, bem como pelos interesses representativos comprometi-
dos com um status quo de dominação que a classe política busca manter inalterável, debaixo
de seu jugo, insensível por inteiro ao rápido senão vertiginoso agravamento das desigualdades
sociais e regionais, cujo quadro é sobressaltante enquanto prelúdio de uma tragédia de sangue
e guerra civil, de consequências imprevisíveis.
Vemos iminentes, na senda da política recolonizadora em execução, as batalhas de emancipa-
ção do segundo período colonial de nossa História.
40 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Mas essas batalhas hão de ferir-se unicamente se tivermos fibra, coração e alma para arros-
tar, com as energias do espírito nacional, rememorativo das páginas heroicas do passado, a
soberba imperialista dos invasores silenciosos, que ora nos ameaçam dissolver a identidade de
povo, apagando os traços, as cores e as raízes de nossa cultura, ou seja, de nossa brasilidade.
O constitucionalismo europeu teve por premissa de luta e contradição o absolutismo de uma
sociedade já organizada e estruturada, a saber, a sociedade feudal do ancien régime. [...]
O nosso constitucionalismo, ao revés, levantou-se sobre as ruínas sociais do colonialismo,
herdando-lhe os vícios e as taras, e ao mesmo passo, em promiscuidade com a escravidão tra-
zida dos sertões da África e com o absolutismo europeu, que tinha a hibridez dos Braganças
e das Cortes de Lisboa, as quais deveriam ser o braço da liberdade e, todavia, foram para nós
contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída no domínio colonial.
Sem embargo desses pressupostos negativos, que significaram desníveis qualitativos de inicia-
ção constitucional, tanto de portugueses quanto de brasileiros, houve um processo até certo
ponto comum de introdução de instituições representativas e constitucionais no que toca à
velha metrópole e à nascente nacionalidade, quando esta estreou os primeiros passos da cami-
nhada para a independência imperial e a criação do Estado.
Com efeito, a fonte doutrinária fora a mesma: o constitucionalismo francês, vazado nas garan-
tias fundamentais do número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26
de agosto de 1789. Nesse documento se continha a essência e a forma inviolável de Estado
de Direito.
Atividades
1. Estabeleça uma relação entre Exército, República e positivismo.
2. O trecho da defesa de Antônio da Silva Jardim sobre o modo como deveria ocorrer a Pro-
clamação da República pode ser uma fonte de análise sobre os diversos aspectos e visões da
política do período, especialmente entre liberais/conservadores e republicanos/abolicionis-
tas, como Silva Jardim. Traga argumentos para fundamentar tal afirmação.
4. Para Paulo Bonavides, desde a Proclamação da República havia diferenças sociais e políticas
em relação ao contexto revolucionário francês, para além das divergências comuns em pe-
ríodos tão diferentes. Explique em que consistia essas diferenças.
3
Movimentos urbanos e sociais
Vemos o quanto é forte esta alavanca – a palavra – que alevanta sociedades in-
teiras, derruba tiranias seculares... (CUNHA apud SEVCENKO, 1999, p. 130)
Neste capítulo, trataremos sobre o modo como o modelo brasileiro de república foi ques-
tionado na passagem do século XIX para o XX. Esse período ficou marcado pelas tentativas de
centralização de poder do novo regime político, enquanto tinha de enfrentar as iniciativas da
oposição, seja dos monarquistas, seja dos republicanos de perspectivas divergentes.
Deodoro da Fonseca chegou a fechar o Congresso Nacional, causando a Revolta da
Armada (que será discutida no Capítulo 4), por não conseguir conduzir um debate tão acirra-
do com a Marinha, último reduto da monarquia. Esse fato, que levou à sua renúncia em 1891,
permitiu que seu vice, Floriano Peixoto, assumisse a presidência. Floriano reabriu o Congresso,
consoante os princípios da Constituição de 1891, recém-promulgada.
Gabriel Terra Pereira afirma que o período em que Floriano Peixoto assumiu o gover-
no foi marcado por uma forte crise econômica e pela falta de entendimento entre os poderes
Executivo e Legislativo. Floriano Peixoto rompeu com os governadores – atitude contrária à de
Deodoro da Fonseca – e, com isso, conseguiu o apoio do Congresso Nacional.
Após Floriano Peixoto assumir o governo, o conflito maior se deu por sua permanência
no poder, enquanto campanhas em jornais clamavam por sua saída. Essa postura, em geral de
militares, devia-se ao “artigo de número 42 da Constituição Federal de 1891: ‘no caso de vaga,
por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois
anos do período presidencial, proceder-se-á nova eleição’” (PEREIRA, 2009, p. 110).
Gabriel Pereira afirma que a resposta de Floriano Peixoto foi buscar apoio do Congresso
e “aposentar” aqueles que estavam contra sua permanência (PEREIRA, 2009, p. 110). A rea-
ção militar se deu especialmente pela segunda Revolta da Armada, enfrentada por Floriano
Peixoto, que teve de combater outras revoltas, como a Revolução Federalista, em que líderes
rivais intencionavam outras direções políticas para o Rio Grande do Sul.
Após Floriano Peixoto assumir o governo, o conflito maior se deu por sua permanência
no poder, enquanto campanhas em jornais clamavam por sua saída. Essa postura, em geral de
militares, devia-se ao “artigo de número 42 da Constituição Federal de 1891: ‘no caso de vaga,
por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois
anos do período presidencial, proceder-se-á nova eleição’” (PEREIRA, 2009, p. 110).
O alto custo da Revolução Federalista fez com que Floriano Peixoto tivesse sua imagem
mais desgastada ainda, especialmente por conta da liderança de Custódio de Melo – líder da
Revolta da Armada de 1891 e Ministro da Marinha de Floriano. Custódio, porém, discordando
do presidente, demitiu-se e levantou mais debates sobre a posição dos militares em relação à
condução econômica do país. Antes disso, foi preciso desconstruir a ideia de que a Revolução
42 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Federalista era também composta pela participação de monarquistas. Entre os anos de 1893 a 1894,
Floriano Peixoto utilizou a imprensa para se firmar no poder e procurou combater e eliminar a
presença de monarquistas (PEREIRA, 2009, p.111-2).
Naqueles tempos conturbados, os primeiros presidentes permaneceram no poder sem serem
eleitos, contrariando a Constituição para cuja elaboração eles tinham colaborado (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 319-21).
Neste capítulo, nosso intuito é apresentar o modo como alguns setores da recente República
foram organizados. Trazemos, ainda, perspectivas sobre os ideais de cidadania e de igualdade
e sobre ideias socialistas e anarquistas importantes para o movimento operário desse período.
Além disso, apresentaremos a organização trabalhista da primeira década republicana, a fim de
demonstrar como direitos adquiridos apenas no século seguinte já estavam em pauta nessa épo-
ca, reivindicados por operários e operárias.
Podemos inferir a ideia de que os militares e sua organização tentaram motivar o povo, po-
rém foi preciso mais tempo para que a população entendesse o que a República poderia oferecer.
O hino escolhido ainda era o de 1831, cuja letra foi reescrita em 1908 e oficializada em 1922.
Ambos os símbolos – o hino e a bandeira – foram criações militares, com influências positivistas,
assim como a própria heroicização de Tiradentes.
A obra de arte de Manoel Lopes Rodrigues (Figura 2), simboliza a alegoria da República.
A República na maioria das vezes é representada por mulheres, como na França ou na Argentina.
No Brasil dos militares positivistas, a pintura traz a ideia de paz, com o vestido branco, porém com
a espada ao lado. Ao mesmo tempo, a coroa é de ramos de café, simbolizando a riqueza econômica
mais significativa do período. Atrás, está a representação da bandeira do país.
1 Nome dado ao regime político em que o poder Legislativo é exercido por duas câmaras – no caso do Brasil, pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
2 Para saber mais sobre esse período da história brasileira, acesse o site da Biblioteca Nacional: <www.bn.gov.br>.
Acesso em: 27 fev. 2018. Nele, Além de fontes e diversos documentos é possível ter contato com pesquisas que vem
sendo desenvolvidas na Biblioteca, assim como exposições.
44 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Figura 2 – A República
De acordo com Valéria Salgueiro, é também desse pe-
ríodo diversas pinturas que exploravam o tema da “fundação”
de diversas instituições do Brasil, como São Paulo, Rio de
Janeiro e a região amazônica, muitas delas com pinturas de
temas que valorizavam a República. Ainda nos primeiros anos
da República houve um forte investimento em reformas de
prédios já existentes, bem como novas construções. Segundo
Valéria Salgueiro, em instituições como IHGB (Instituto
Histórico Geográfico do Brasil) prevalecia temas relativos à
monarquia até o fim dela, prática que pode ser entendida ao
considerarmos o contexto da fundação do IHGB por Dom
Pedro II, em 1838, com o objetivo de escrever a história da
nação brasileira, forjando sua “identidade” e características
mais salientes (SALGUEIRO, 2002, p. 3-5).
No entanto, de acordo com Valéria Salgueiro, após a
Proclamação, temas como a Revolta de Filipe dos Santos,
a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, que antes
causavam desconforto, passaram a ser parte das principais
obras encomendadas pelo governo. Muitas das pinturas re-
Fonte: RODRIGUES, M. L. A República. 1896.
Óleo sobre tela: 228 × 118,5 cm. Museu de tratando esses acontecimentos, bem como o território brasi-
Arte da Bahia, Salvador.
leiro, eram realizadas em viagens dos artistas, como no caso
de Antônio Parreiras3.
José Murilo de Carvalho afirma que, com a criação desses símbolos, uma pequena eli-
te se intitulou representante do povo no processo de “passagem” do Império para a República
(CARVALHO, 1990, p. 73), ou seja, evidencia-se aí um ponto importante sobre a concepção de
República que estava sendo forjada no Brasil, a de que a participação de uma maioria antes e depois
da Proclamação não importava tanto.
Um dos interesses daqueles que declararam o fim do Império era criar símbolos que sus-
tentassem seu poder, cujo objetivo era dar mais poder ao próprio Exército, sob a égide positivista.
Entendemos que essas estratégias não foram suficientes para manter o Exército no Executivo, visto
que sua representatividade diminuiu após 1895, desgaste causado também pela Revolução Federalista
e pela segunda Revolta da Armada.
No entanto, os símbolos nacionais por si só não resolveriam o problema das adaptações
políticas do início da República, visto que ainda na década de 1890, no governo de Prudente de
Morais, a Guerra de Canudos (que será tratada no Capítulo 4), no interior da Bahia, abalaria as
estruturas republicanas.
No que se refere à participação popular, é preciso lembrar que a nova Constituição definia
que apenas jovens alfabetizados, com mais de 21 anos e com determinada renda poderiam votar.
3 Para saber mais sobre a pintura como fonte para entendimento desse período, ver o trabalho de Salgueiro (2002).
Movimentos urbanos e sociais 45
Isso significava que ao menos 82,9% da população brasileira não votava, visto que era analfabeta. Os
outros 17% não correspondem ao número de votantes, visto que poderiam ser alfabetizados, mas não
tinham renda suficiente (FERRARO; KREIDLOW, 2004, p. 182). Porém, é preciso que observemos:
se o povo não participou da Proclamação, também não defendeu o retorno da monarquia.
Segundo José Murilo de Carvalho, muitos representantes da elite tinham o direito de votar
devido às suas posses, entretanto eram analfabetos (cerca de 85% da população carecia de educação
primária) (CARVALHO, 2002, p. 33-5). Além disso, havia ainda o risco de votar e de ser recrimi-
nado pelos cabos eleitorais dos candidatos regionais por sua escolha. O voto, nesse caso, era muito
mais uma obediência à vontade de coronéis do que um ato de liberdade de escolha por um governo
ou outro.
Grupos de intelectuais já vinham debatendo ideias sobre liberdade de escrita, formação
identitária e patriótica do Brasil, entre outras, muitas vezes vindas dos círculos abolicionistas e
republicanos. A historiadora Silvia Gomes de Bento Mello, em sua tese, afirma que a Proclamação
da República foi um momento chave para que esses grupos, que ela chama de moços, passassem a
ter o direito de escrever e debater ideias de formas diferentes das que eram impostas no Império
(MELLO, 2008, p. 12).
No estado do Paraná, que já tinha clubes de leitura nos anos de 1870 na capital Curitiba,
proliferaram dezenas de novos grupos de intelectuais, utilizando a Biblioteca Pública do Paraná,
mas também sedes de revistas do período. Como afirma a historiadora:
No Paraná da instalação e consolidação da República, despontava uma mocida-
de que se atrelava aos circuitos da palavra, acreditando com ela poder delinear
as características e as condições necessárias para a prosperidade paranaense.
Assim, a constituição de um Paraná autônomo e autêntico ganhava corpo atra-
vés da escrita de moços que se envolviam em atividades de leitura, escrita e
oratória. Moços que se dedicaram ao jornalismo e à literatura, valendo-se da
palavra para defender as causas nas quais acreditavam. (MELLO, 2008, p. 10)
Esse grupo divergia da perspectiva que os militares tinham sobre a construção da República
no Brasil. Isso demonstra que estávamos longe de um ideal de democracia, mas que fomentou a
participação de intelectuais, muitas vezes diferentes daqueles já estabelecidos na política brasileira.
Mello aponta em sua tese uma relação de reciprocidade entre esses novos intelectuais do
Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, ou seja, as discussões ganharam espaço nas décadas seguintes
e, ao mesmo tempo, tal fato demonstra que não ocorriam apenas no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.
Ainda, é importante considerar que muitos desses moços, apesar de não serem militares,
também defendiam ou discutiam ideias positivistas, conforme podemos perceber na citação a se-
guir, em um debate sobre os indígenas:
Em linhas gerais, os moços embasavam-se no Positivismo e no ideal de consti-
tuir uma República soberana e autônoma. E ainda afirmavam o anticlericalismo
através de textos marcados pela crítica à catequese e aos Jesuítas. Estaria a cargo
do Estado ocupar-se do gentio, incutindo-lhes o sentido e o valor da pátria, da
República, da família e do trabalho, formando, assim, cidadãos [...].
A cidadania implicava em certos atributos, como a liberdade e a autonomia e se-
ria garantida pelo trabalho, pela educação. Neste quadro, em que se montavam
46 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Nesse sentido, a República deveria acabar com os privilégios sociais, dando lugar aos grupos
mais simples, em especial, aos trabalhadores, aqueles que, de fato, faziam a fortuna do país e que não
desfrutavam do valor do próprio trabalho. O jornal, por sua vez, era um dos lugares em que as classes
mais simples estariam representadas, a fim de que a participação política fosse buscada. Várias notí-
cias veiculadas nele, ou em espaços como o dele, não eram comuns por volta de 1860-1870.
Parte dessas discussões passaria a fazer parte do debate político que se iniciava, devido à orga-
nização partidária política de 1893, no que se refere às características e aos procedimentos necessários
para a criação de partidos, após a dissolução dos partidos monárquicos (LESSA, 1988, p. 75).
Desse modo, ao mesmo tempo em que se discutia no Brasil os melhores símbolos para criar
uma identificação popular, havia a disseminação de opiniões e temas até então proibidos.
A República proclamada era, para muitos, algo a se descobrir e a se definir, isto é, era preciso
pensá-la como um novo regime político que seria organizado e a que grupos sociais ele se estende-
ria. Essas respostas viriam a ser debatidas nas décadas seguintes. Alguns desses grupos poderiam
ser os de trabalhadores e operários das primeiras fábricas maiores ou mais organizadas do Brasil
desse período, cujos desejos, baseados nos ideais socialistas e anarquistas, eram de buscar efetivar
a igualdade prometida pelo termo república.
Nesse sentido, é importante considerar que a “fama” de violência relacionada aos anarquis-
tas, construída ao longo do tempo, colaborou para que suas intenções fossem desconsideradas.
Aqueles contra quem “lutavam” continuaram a obter benefícios submetendo operários e operárias
à exploração.
Havia conflitos também entre anarquistas e socialistas, especialmente no que se refere às
relações com o Estado e o direito ao voto. Na citação seguinte, José Murilo de Carvalho evidencia
tal aspecto:
Os setores operários menos agressivos, mais próximos do governo, chamados
na época de “amarelos”, eram os que mais votavam, embora o fizessem dentro
de um espírito clientelista. Os setores mais radicais, os anarquistas, seguindo a
orientação clássica dessa corrente de pensamento, rejeitavam qualquer relação
com o Estado e com a política, rejeitavam os partidos, o Congresso, e até mesmo
a ideia de pátria. O Estado, para eles, não passava de um servidor da classe capi-
talista, o mesmo se dando com os partidos, as eleições e a própria pátria. Ao en-
cerrar um Congresso Operário, em 1906, no Rio de Janeiro, um líder anarquista
afirmou que o operário devia “abandonar de todo e para sempre a luta parla-
mentar e política”. O voto, dizia, era uma burla. A única luta que interessava ao
operário era a luta econômica contra os patrões. (CARVALHO, 2002, p. 60)
5 Para mais informações sobre as mudanças no mundo do trabalho no Brasil na virada do século XIX, ver Gomes (2005).
50 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Anarquistas acusavam o Estado de ser um “fantoche” que agia de acordo com os interesses
dos donos das fábricas ou, em geral, de qualquer empregador. Diziam que a administração política
do Estado criada após a Proclamação da República foi estabelecida com a finalidade de manter no
governo muitos que já estavam lá.
Nesse sentido, para os anarquistas os sindicatos existentes funcionavam com caráter assis-
tencialista ou eram cooperativas que buscavam atender à demanda popular, em detrimento aos
interesses dos patrões. Por esse motivo, chamavam os integrantes dos sindicatos mais tradicionais
de amarelos. Nessa conjuntura, portanto, os operários que queriam ter mais destaque, ou mesmo
voto, precisavam aliar-se aos amarelos, em uma prática clientelista, algo muito recorrente no perío-
do ou mesmo na história do Brasil.
Compreendemos que o movimento anarquista no Brasil foi crucial para que os operários
passassem a perceber a importância da união entre eles, a fim de que as pautas semelhantes ti-
vessem, nessa unidade, mais força para vencer. José Murilo de Carvalho resume a importância do
período de atuação dos anarquistas:
Na indústria e na construção civil, encontravam-se as posições mais radicais,
influenciadas pelo anarquismo trazido por imigrantes europeus. O auge da
influência dos anarquistas verificou-se nos últimos anos da Primeira Guerra
Mundial, quando lideraram uma grande greve que incluía planos de tomada do
poder. Em São Paulo, o peso do anarquismo foi maior devido à presença estran-
geira e ao pequeno número de operários do Estado. (CARVALHO, 2002, p. 59)
A citação deixa evidente que as relações entre o patronato e os operários, mediadas pelo
Estado, que era uma representação em geral do próprio patronato, não eram suficientes para aten-
der às necessidades dos operários. Dessa forma, a ação anarquista abalou essas certezas, fazendo
com que partidos ou organizações operárias e socialistas começassem a se manifestar de maneira
mais enfática, conquistando mais direitos, como descanso semanal remunerado, o direito de se or-
ganizar como grupos e a redução de jornada de trabalho – este último era um dos principais pontos
da pauta anarquista e socialista.
Tais ações anarquistas foram malvistas pelos dirigentes de Estado (e das fábricas), que toma-
ram diversas medidas:
O governo federal aprovou leis de expulsão de estrangeiros acusados de anar-
quismo, e a ação da polícia raramente se mostrava neutra nos conflitos entre
patrões e operários. O anarquismo teve que enfrentar ainda um opositor in-
terno quando foi criado o Partido Comunista do Brasil, em 1922, formado
por ex-anarquistas. O Partido Comunista vinculou-se à Terceira Internacional,
cujas diretrizes seguia de perto. A partir daí a influência anarquista declinou
rapidamente. (CARVALHO, 2002, p. 59-60)
Muitos imigrantes que trouxeram ideais socialistas e anarquistas acabaram sendo expulsos
do Brasil, muitas vezes acusados de “baderneiros”. A citação de Carvalho, ao afirmar que a polícia
não era predominantemente neutra (o que entendemos por “estar ao lado dos patrões”), demonstra
a ausência de direitos dos operários, bem como a liberdade de contestação em um país que já era
uma república. Junto a isso, os ideais comunistas chegaram ao Brasil e acabaram com as últimas
forças anarquistas.
Movimentos urbanos e sociais 51
6 Para um debate historiográfico de como questões de classe e a inserção dos ex-escravos se deu após a Proclamação
da República no mundo do trabalho, ver Negro e Gomes (2006).
52 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Para Carvalho, o movimento operário permitiu grandes avanços em relação aos direitos
civis e à cidadania, isto é, garantiu conquistas maiores mesmo que seus reflexos viessem a des-
pontar somente a partir de 1930, no governo de Getúlio Vargas. O ato de pedir visibilidade nas
leis trabalhistas (em busca de horário de trabalho adequado, manifestação de interesses e defesa
dos direitos básicos) permitiu que, aos poucos, seus espaços fossem mais respeitados, alcançando
direitos como o descanso remunerado e as indenizações por acidentes de trabalho (CARVALHO,
2002, p. 59-60).
Considerações finais
A frase de Euclides da Cunha (CUNHA apud SEVCENKO, 2015, p. 130), jornalista e escritor
brasileiro, que abre este capítulo está relacionada aos movimentos sociais, que começaram nos anos
de 1890 no Brasil. Ou seja, enquanto as autoridades militares regiam o Brasil com práticas ditato-
riais, outros grupos fizeram o que de mais importante poderia ser ocasionado pela “liberdade de
uma República”: o direito à palavra.
Portanto, se a República organizada logo após a Proclamação era o resultado de interesses
de militares, bem como de classes privilegiadas, ela também lançou as ideias de igualdade e de
cidadania, mesmo que de forma bastante sutil, permitindo o surgimento de novos movimentos
urbanos e sociais.
Com as reflexões aqui expostas, fica claro que cidadania ou um governo do povo não era o
objetivo da República de Deodoro da Fonseca e seu grupo. Vários grupos, porém, entenderam que
um pequeno espaço havia sido aberto e, nas décadas seguintes, muitas conquistas seriam buscadas
por meio de rebeldia e de questionamentos políticos intensos após essa abertura.
A comparação não se faz em abstrato, ela ocorre sempre entre seres ou fenômenos relaciona-
dos, situados em um tempo e espaço, em um determinado contexto de relações sociais. Para
tanto, é preciso, distinguir o trabalho tanto na sua forma ontológica, fundamental, estruturante
de um novo tipo de ser, o homem, ser social; quanto nas suas formas históricas, penosas,
alienantes, desintegradoras dos melhores valores da pessoa humana. Na primeira forma, a
delimitação entre a reprodução estritamente biológica e a produção/reprodução própria dos
homens é constituída não apenas pelo produto do trabalho, mas pela consciência, pela capaci-
dade de representar o ser, o produto, de modo ideal, na sua imaginação criadora (CIAVATTA
FRANCO, 1990, p. 43).
Movimentos urbanos e sociais 53
Atividades
1. Sobre o início da República, explique por que foi um momento tão conturbado, embora
promissor.
3. Explique sobre o tratamento dado aos anarquistas e sobre quem eram os “amarelos”.
Neste capítulo discutiremos sobre o modo como a República foi organizada no fim do
século XIX e no início do XX, no que se refere às movimentações populares e contestações
sociais. Em um primeiro momento, buscamos entender como o Cangaço1, mesmo que carre-
gado de violência, está relacionado a uma perspectiva de reação diante da miséria social e do
descaso político.
O cangaço, nesse caso, vai além de uma caricatura tradicional em que a violência é re-
tratada como casual, gratuita e vinculada a interesses de enriquecimento. Ressaltamos que tal
movimento está relacionado a Canudos, que ocorreu no fim do século XIX, de cunho messiâ-
nico, mas também social.
Canudos formou seu arraial por meio das promessas de Antônio Conselheiro, por uma
vida melhor e por medo, visto que os cangaceiros “assustavam” as populações do interior, que
muitas vezes viviam sem nenhuma proteção.
Do mesmo modo, o Contestado2 foi uma disputa entre coronéis e fazendeiros da região
dos planaltos catarinense e paranaense, posseiros, sertanejos e mateiros, cuja liderança era do
curandeiro José Maria, da comunidade Taquaruçu (MACHADO, 2012b).
Objetivamos, com essa abordagem, destacar problemas sociais que estavam eclodindo
no Brasil, cuja centralidade estava na ineficiência do discurso republicano: o de prover cidada-
nia e igualdade a todos.
4.1 O Cangaço
Vídeo
Não existe uma data exata que define o início do Cangaço no Nordeste,
porém temos um indício dos princípios desse movimento na lenda sobre O
Cabeleira. O personagem lendário do século XVIII foi a inspiração da obra
homônima, de Franklin Távora, lançada em 1876. José Gomes, a pessoa que
inspirou o Cabeleira, foi responsável por inaugurar o termo banditismo rural 3,
empregado para se referir ao Cangaço e aos movimentos de Canudos e Contestado.
O historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ao analisar a estrutura da obra,
afirma que o romancista colaborou com os movimentos literários realista e naturalista:
[A obra] remete para o caráter compósito e de fronteira que teriam esses
escritos, eles oscilariam entre “composições literárias” e “estudos históricos”
(TÁVORA, 1973, p. 22), escritos que respondiam, assim, às novas regras
trazidas para o campo literário pelo que veio a ser chamado de realismo e de na-
turalismo, que articulavam o propriamente ficcional ao imperativo de se figurar
o que seria a realidade. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229)
Sem comprometimento com a realidade, assim como qualquer livro literário, o conto par-
tia de um contexto muito real, com nuances sociais e políticas em que alguém como Cabeleira
praticava ações violentas, por vezes apenas como mercenário e, em outras, como justiceiro. Para
Albuquerque Júnior,
Essa literatura visaria, assim, dar a ver e conhecer [...] todo o Norte, já que de-
veriam lutar não somente contra a ignorância da realidade dessas terras pelos
centros cultos do país, mas contra o falso juízo e o desprezo que a elas eram
devotadas, lançando mão, para isso, da “rica mina das tradições e crônicas” das
províncias setentrionais do país [...]. O romance em que materializa esse proje-
to, O Cabeleira, se apoia em narrativas orais, algumas delas na forma de versos,
que circulavam na província de Pernambuco, em torno desse bandido lendário.
Em várias passagens do romance, Távora vai buscar nesses textos as imagens
com que figura o corpo, os gestos, as ações do lendário criminoso, seu entor-
no social, os costumes e paisagens de seu tempo. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2017, p. 229-230)
Albuquerque Júnior reafirma que Franklin Távora traz em suas notas de rodapé os trechos
que seriam suas fontes, semelhante a escritores e etnógrafos do período. Dessa forma, o escritor
trouxe o regional e suas tradições orais, expressões e acontecimentos, tratando-os muitas vezes
como memória, testemunho e documento (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229).
O discurso de Távora é referente à década de 1870, na qual se discutia, além de princípios
literários – que seriam os genuínos do território nacional –, a “brasilidade” que o Sul estava per-
dendo devido à presença de imigrantes.
Além disso, uma das grandes contribuições da literatura de Távora é colocar em evidência
o tema da literatura das secas, termo que designa um contexto social e político que nos permite
avançar na compreensão da situação do Nordeste no fim do século XIX. Junto à ideia de literatura
da seca, o cangaço é mencionado no livro como sinônimo de “voz sertaneja” ou de “complexo de
armas”, portadas abaixo do cangaço4 (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 233).
Tal perspectiva deu base para vários estereótipos formados com base nessa leitura, ou seja,
dos cangaceiros apenas como homens “fora da lei” que aterrorizavam o interior do Nordeste.
Entretanto, é preciso considerar o lugar e o contexto social ocupado por esses homens. Para
Petrônio Domingues:
O aparecimento do cangaço está relacionado ao sistema político, jurídico, eco-
nômico e social do Nordeste brasileiro; à decadência e reveses da cadeia produ-
tiva ligada à agricultura e pecuária, à vida de penúria da população sertaneja, às
penosas secas, à ausência do poder público, às injustiças advindas dos “coronéis”
4 Nesse caso, o termo refere-se a uma roupa vestida pelos “criminosos”, conforme Albuquerque Júnior (2017, p. 233).
O sertão e o interior do Brasil 57
e seus jagunços, às rivalidades e brigas fratricidas entre clãs familiares, aos abu-
sos e truculência da polícia, aos códigos de honra, vingança e violência do ser-
tão, à fragilidade das instituições responsáveis pela lei, ordem e justiça, à falta de
perspectivas e esperanças de dias melhores. No entanto, essa explicação adquire
sentidos e significados mais complexos quando cruzada com a própria história
dos bandoleiros, chamados de cangaceiros. (DOMINGUES, 2017, p. 4)
O “exemplar” mais temido e respeitado do Cangaço foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Ele matava por qualquer motivo, seja por interesse, seja por vontade ou, até mesmo, por vingança.
Também tinha acordos e relações com políticos importantes, bem como com famílias tradicionais.
Lampião foi entrevistado, filmado e fotografado por Benjamim Abrahão, como demons-
tram os exemplos a seguir5:
Figura 1 – Lampião no sertão nordestino, próximo ao Rio São Francisco.
5 Benjamin Abrahão Calil Botto (1901-1938) fotografou e compôs uma das maiores coleções de Virgulino Ferreira
da Silva, o Lampião (1898-1938). Por meio desse acervo fotográfico, o Cangaço se tornou mais conhecido, além de ter
passado ao imaginário popular, em lendas, canções e cordéis. Para saber mais, acesse o site “Brasiliana Fotográfica”, da
Biblioteca Nacional. Disponível em: <http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=conflito>. Acesso em: 28 fev. 2018.
58 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Entre a lenda do Cabeleira até a vida e morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Nordeste foi
cada vez mais deixado de lado, do Império à República. O fim da escravidão aumentou a massa que
se acumulava nas cidades maiores, bem como a miséria já “natural” do sertão.
O sertão e o interior do Brasil 59
4.2 Canudos
Vídeo
A situação da Igreja católica apostólica romana não era muito cômoda após
a Proclamação da República, especialmente ter perdido boa parte de seu poder po-
lítico. Nesse contexto, foram lançadas diversas estratégias para que ela continuasse
ampliando seu horizonte de domínio e, ao mesmo tempo, lutasse contra ideologias
e correntes que surgiam, como o socialismo, o liberalismo, o positivismo, o cienti-
ficismo, o protestantismo e a maçonaria (HERMANN, 2008, p. 124).
A romanização, incentivada pelo Vaticano, também instituiu o aumento de trabalho missio-
nário (incluindo escolas), com a finalidade de reforçar a moralização e a hierarquia no interior da
Igreja (HERMANN, 2008, p. 124).
Esses apontamentos demonstram as reações da Igreja católica mediante a proibição de sua
participação política. Entretanto, segundo a historiadora Jaqueline Hermann, a Igreja não pôde
controlar todas as inquietações e manifestações contra si, por isso movimentos como Canudos e
Contestado são também vistos como messiânicos (HERMANN, 2008, p. 125).
Hermann aponta que o messianismo pode ser entendido como um movimento reformador
e restaurador ocorrido em um contexto de ausência de leis e regras de organização. Para a autora,
“A instabilidade habitual dessa sociedade rústica, baseada em solidariedades de parentesco e com-
padrio, tornava-a suscetível a arranjos e laços de compromisso e dependência que estruturavam
alianças sempre provisórias, conformando o chamado ‘coronelismo’” (HERMANN, 2008, p. 127).
Além disso, também é preciso considerar a marginalização tanto do interior do Brasil quan-
to das relações de classe peculiares a cada região. O movimento de Canudos tornou-se um meio de
expressão fanático e de marginalizados, conforme evidencia parte da historiografia (HERMANN,
2008, p. 127).
Portanto, à medida que conflitos locais ocorriam (e considerando o poder dos coronéis),
propostas messiânicas buscavam ganhar espaço, para além da interferência da Igreja. Ressaltamos
que o regime republicano já havia instituído a “política dos governadores”, cuja máxima era a
60 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
autonomia regional. Em troca, São Paulo e Minas Gerais deviam deixar o governo federal agir
livremente em seus territórios.
Foi nesse contexto que Antônio Conselheiro começou a apregoar pelo interior do sertão
promessas religiosas de salvação, de proteção contra cangaceiros e coronéis e o fim da miséria
social em que vivia uma maioria. Conforme Hermann (2008, p. 127), por meio do “catolicismo
popular, os sertanejos construíram uma identidade ao mesmo tempo marginal e autônoma”.
Antônio Conselheiro nasceu no Ceará, em uma família letrada, mas falida. Após dar aulas
e vender o que herdou, passou a ser caixeiro-viajante. Com a traição e fuga da mulher, começou a
perambular pelo interior do sertão nordestino, fazendo e estimulando construções, como cemité-
rios e igrejas, ao passo que conquistava a confiança dos primeiros companheiros que formaram o
grupo que o acompanhava (HERMANN, 2008, p. 140).
As historiadoras Schwarcz e Starling apontam como era a região na qual Antônio Conselheiro
e seus seguidores se estabeleceram e como se deu a escolha pelo local:
A região fora ocupada por uma série de latifúndios decadentes, era assolada por
crises cíclicas de seca e desemprego crônico, e contava com milhares de sertane-
jos que peregrinavam pelo sertão baiano. Em maio de 1893, Conselheiro e seus
seguidores chegaram a Bom Conselho, Bahia. Ali assistiram a uma cobrança de
impostos que haviam aumentado muito com o advento da República e, diante
do povo reunido num dia de feira, Antônio Conselheiro arrancou os editais pre-
gados nas paredes e os queimou. Ao saber do ocorrido, Rodrigues Lima, enviou
soldados para prender o beato e sertanejos. Esse combate levou Conselheiro
a pôr fim à peregrinação e se estabelecer na fazenda de Canudos. Da data de
chegada até o fim da guerra, a comunidade cresceu de 230 para cerca de 24 mil
habitantes e, batizado de Belo Monte, o arraial se tornou um dos mais populosos
da Bahia. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 333)
Diversos elementos possibilitaram a formação desse grupo que seguia as ideias de um reli-
gioso pregador de dias melhores a uma multidão que vivia na precariedade. A República piorou
essa situação em consequência do aumento de impostos.
Além disso, o temor dos coronéis, como representantes da República, aumentava com a
possibilidade de não pagamento desses impostos. Com o ato de rebeldia – e de vitória – de Antônio
Conselheiro, o grupo acreditou que poderia “vender” aquela dita República que os oprimia, viven-
do em um local livre do domínio dela. Nesse sentido, o arraial de Belo Monte adquiriu três inimi-
gos: a República, a Igreja e os coronéis.
Longe de idealizar Canudos, é preciso, no entanto, considerarmos que o cotidiano nessa
comunidade era muito melhor do que o conhecido pela maioria. Isso se deve em especial ao uso
coletivo da terra para plantio e colheita, assim como a criação de animais diversos e a produção de
couro curtido. Do total da produção existia uma divisão, nem sempre igualitária, mas bem mais
vantajosa em relação à que era comum antes do arraial (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 333).
O governo do período era o de Prudente de Morais, o primeiro regime republicano civil após à
Proclamação da República, ou seja, um tempo conturbado, visto que os militares tinham se mantido
por pouco tempo no poder, mas objetivavam voltar ao governo, e o republicanismo parecia ainda não
ser o suficiente para as demandas políticas brasileiras (HERMANN, 2008, p. 139).
O sertão e o interior do Brasil 61
Embora Antônio Conselheiro tenha recebido o frei e permitido que ele fizesse até mesmo
missas, acabou por expulsá-lo, pois o religioso insistiu que os conselheiristas obedecessem às leis
republicanas. Por esse motivo, acabou sendo acusado de maçom e protestante.
O frei, por sua vez, além de dizer que se tratava de uma seita política, colocou em seu relató-
rio que o arraial de Antônio Conselheiro representava um cisma6 na Igreja católica baiana.
A partir de 1896, sobretudo em razão de alguns problemas ocasionados na região, o arraial
de Antônio Conselheiro começou a sofrer incursões do Exército. Essas batalhas foram facilmente
vencidas no início, mas martirizaram toda a região, em especial os fiéis de Conselheiro.
De acordo com Schwarcz e Starling, foi com a morte do comandante do Exército, Moreira
César, que o arraial de Belo Monte passou a ser a notícia mais veiculada nos principais jornais do
país, tratado como o “mal que manchava a República”. Tal perspectiva pode ser resumida do se-
guinte modo:
No Rio de Janeiro, capital da República, os jornais divulgavam que Canudos era
um reduto monarquista e tinha que ser destruído. Mesmo assim, o arraial resis-
tia a ataques cada vez mais violentos da quarta expedição enviada pelo governo,
composta de 421 oficiais e 6.160 soldados, armados até os dentes. Em outubro
de 1897, o Exército garantiu que quem se rendesse sobreviveria. Mas o acordo
não foi cumprido, e muitos dos homens, mulheres e crianças que se entregaram
foram degolados. No dia 5 do mesmo mês, por fim, o arraial foi invadido, quei-
mado com querosene e dinamitado. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 334)
A degola, a dinamite e o desejo de destruir Canudos, um povoado pobre no meio do sertão
baiano, representa a situação social do país, ocasionada por anos de colonização e da presença por-
tuguesa, ao passo que também nos mostra que a República não foi proclamada para dar igualdade
social ou participação política à maior parte da população.
Canudos precisava ser apontado como exemplo do que se faz com a rebeldia e com a sub-
versão, desconsiderando o que levou o lugar a ser um reduto considerado como fuga da República.
Existem diversos debates sobre o peso da história de Canudos e as razões que ocasionaram
esse movimento. Hermann traz o debate de modo objetivo. Para a historiadora, a primeira versão
interpretativa para explicar Canudos, a de Euclides da Cunha, trata do tema como algo evolucional,
visto que o escritor se preocupa com o espaço geográfico, as dificuldades e a organização estrutu-
rada até o ápice do problema, o próprio homem, na ideia exposta a seguir:
Tal como a natureza, inóspita e acuada por agressões permanentes, seculares, o
homem do sertão nasceu desse “martírio” e da luta cotidiana pela sobrevivência,
tendo por isso uma força física extraordinária e uma capacidade “inata” para
domar as dificuldades geográficas e climáticas. Mas, esse homem viril, possuía
uma degenerescência primordial, uma formação racial nefasta, que o torna fra-
co moralmente. Só por isso pôde se afeiçoar a uma religião tipicamente mestiça,
“deixando-se facilmente arrebatar pelas superstições mais absurdas e crendo no
que já não existe sequer em Portugal, como o misticismo político do sebastia-
nismo” (CUNHA, 1975). (HERMANN, 2008, p. 145)
Wikimedia Commons
Figura 4 – Cartum da Revista Ilustrada (c.1896), representando a imagem de Antônio Conselheiro tentando
“barrar” a República.
Entendemos que o governo republicano não estava (e continuou a não estar) preocupado
em negociar ou sanar os problemas que levaram Antônio Conselheiro a ter tantos seguidores. Se
estes, por sua vez, seguiam-no para fugir da violência e desmandos dos coronéis, da brutalidade
de cangaceiros e da pobreza ocasionada também pela seca, os que não o seguiam não tiveram vida
melhor que a do arraial.
Canudos era muito menor que a capacidade do Exército para destruí-la, mas sua força em
resistir tantos anos demonstra que era grave a miséria social brasileira naquele tempo, e mostra-
-nos de que forma grupos religiosos já estavam alterando a ordem social do século XX.
64 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
4.3 Contestado
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O território abrangido pelo Contestado (1912-1916) foi uma região de carac-
terísticas bastante diversas às condições de Canudos, porque envolveu um territó-
rio maior (Figura 5), próximo à divisa entre Santa Catarina e Paraná.
Figura 5 – Mapa histórico do Contestado
uma área de disputa litigiosa entre os estados de Santa Catarina e do Paraná, em um local conhe-
cido como Taquaraçu, depois de passar pela cidade de Campos Novos (MACHADO, 2012a, p. 1).
O problema entre os estados já existia desde o fim do século XIX e foi acentuado no início do
XX. Sua principal consequência era a falta de regulação de terras, causando problemas entre ser-
tanejos e fazendeiros. Dessa forma, problemas como grilagem e disputas de terra já eram comuns
nessa região, aumentando as desigualdades sociais e de classe.
Não obstante, a presença da companhia ferroviária Brazil Railway, que já atuava na re-
gião desde 1908, causou mais problemas, visto que o acordo de construção permitia a explora-
ção da madeira das margens, atuando sobre terrenos de fazendeiros e posseiros (MACHADO,
2012a, p. 1-2).
Em Taquaruçu, por volta de 1912, José Maria passou a dar aulas militares, estabelecendo re-
lações com posturas religiosas e afirmando que a República não conseguia atender às necessidades
locais – e, portanto, a monarquia deveria retornar.
Sobre esse período, o historiador Paulo Pinheiro Machado (2011) narra o contexto de for-
mação de Taquaruçu:
A partir da formação da “Cidade Santa” de Taquaruçu, vários outros sertanejos
passaram a agrupar-se no núcleo inicial. Havia um grande número de veteranos
da Guerra Federalista (1893-1895), maragatos descontentes com o domínio
dos republicanos, opositores políticos dos Coronéis da Guarda Nacional que
governavam os municípios serranos de Santa Catarina. Taquaruçu e, depois, os
novos redutos recebiam também muitos sertanejos expulsos de suas posses com
a construção da estrada de ferro ao longo dos rios do Peixe, Iguaçu e Negro.
(MACHADO, 2011, p. 178-179)
Soldados que haviam lutado contra e a favor do governo na Revolução Federalista, grupos
que estavam descontentes com o governo republicano e, principalmente, a construção da estrada
de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul – que constituía a principal diferença entre Contestado e
Canudos – foram causas dessa concentração de pessoas em Taquaruçu. Esta era uma região prós-
pera devido à construção da estrada de ferro, mas a falta de regulamentação em relação à posse da
terra gerou um acúmulo de problemas sociais.
Paulo Pinheiro Machado (2012a) aponta que, por muito tempo, a historiografia tratou a
Guerra como uma reação do governo federal a “sertanejos fanáticos” que não sabiam porque luta-
vam. Ou seja, apenas obedeciam a José Maria, cujo objetivo era tomar terras. O historiador afirma
que tal perspectiva foi problematizada na década de 1970:
[O historiador] Duglas [Teixeira Monteiro, na obra Os errantes do novo século:
um estudo sobre o surto milenarista do Contestado, de 1974] consegue, com os
instrumentos teóricos disponíveis em sua época, entender o processo interno de
reelaboração mística e de construção da linguagem e da visão de mundo rebel-
de. O trabalho deste autor teve grande impacto na historiografia seguinte, por
ajudar a demolir o muro da intolerância e da arrogância urbanas, que só conse-
guia ver “ignorância”, “fanatismo” e “carências” no mundo sertanejo. A partir da
obra de Duglas, o mundo sertanejo passa a ser visto pelo que efetivamente foi,
pelo que construiu e pelo que acreditava. (MACHADO, 2012a, p. 4)
66 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
A tese desconstruiu a ideia de que o Contestado foi “vencido” por militares federais com
muita força, especialmente depois de 1914 (até 1916), e que era um local de fanáticos que lutavam
em nome de um monge.
Segundo Machado, a obra mencionada traz para o movimento a perspectiva da luta pela
posse de terras, para além do discurso sobre fanatismo e superstição, que está mais relacionado a
uma estratégia de desqualificação do poder pelos coronéis e pelo próprio governo federal do perío-
do, o que o autor chama de quadro santo. Para ele, o que ocorreu no Contestado entre 1912 e 1916
foi o resultado de décadas de conflitos com base em experiências “missioneiras” desde o século
XIX, com mais ou menos força. Com a ação mais contundente de fazendeiros e grileiros, e os inte-
resses econômicos da companhia de ferro, o problema foi extremamente acentuado (MACHADO,
2012a, p. 5).
Desse modo, a partir de 1912, tanto as forças federais quanto estaduais começaram a preo-
cupar-se com a atuação de José Maria, visto que, para elas, os camponeses – desempregados e com
suas terras griladas – estavam sendo incentivados a essa revolta.
Com enfrentamentos entre esses grupos, a Guerra do Contestado durou cerca de quatro
anos, com períodos de menor e maior repressão militar. Aliás, na mesma medida em que os cam-
poneses resistiam às investidas oficiais ou dos coronéis, estes os reprimiam.
Machado (2011), em outro trabalho sobre as memórias do Contestado7, busca entender
como as táticas e o cotidiano do conflito ocorreram e, assim, explicar por que os redutos “rebeldes”,
quando destruídos por tropas oficiais, eram substituídos por novos. Armadilhas, “emboscadas”, as-
sim como problemas de fome e abastecimento foram cruciais para o enfraquecimento dos sertane-
jos. Nas memórias analisadas por ele, a crueldade empregada por rebeldes também foi recorrente,
especialmente no fim.
O que percebemos com o conflito do Contestado é que a situação de guerra agravou os pro-
blemas sociais e políticos da região entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Se fosse feita a
regulação de terra, de normas e regras para atuação da Brazil Railway – que deixou desempregados
e tomou terras para extração de recursos florestais – e de políticas sociais (por parte da República)
para atender à carência da região, a revolta não teria ocorrido.
A Guerra do Contestado deixou milhares de mortos, traumas incontáveis de todos os
lados, e, ainda hoje, de acordo com Machado (2012a, p. 12), a região onde habitam sertanejos e
caboclos remanescentes apresenta os piores Índices de Desenvolvimento Humano do estado de
Santa Catarina.
Considerações finais
Personagens da literatura ou a representação de pessoas reais em páginas literárias demons-
tram a complexidade dos primeiros 25 anos de República no Brasil.
7 Sugerimos a leitura do artigo “Guerra, cerco, fome e epidemias: memórias e experiências dos sertanejos do Contes-
tado”, de Machado (2011).
O sertão e o interior do Brasil 67
Do Nordeste ao Sul, o que podemos perceber, brevemente, é que o regime político escolhido
apenas por alguns não correspondia às demandas sociais da época. Entretanto, é preciso observar
que, dotados de interesses religiosos ou não, influenciados por ideologias políticas ou não, muitos
grupos contestaram a ordem e a hierarquia vigentes.
Os movimentos tratados aqui não são e não devem ser vistos apenas “como subversivos,
fanáticos ou violentos”. Eles são gritos de marginalizados desejosos de justiça social, são reflexos da
miséria brasileira do período, reafirmada pela questão da posse de terra.
Efetivamente, se temos problemas com esses na atualidade, exigir da República práticas que
sanassem tais questões naquele período é cometer anacronismos. Mas foi com base em ações como
de Canudos e do Contestado que novas posturas políticas foram tomadas, para que revoltas como
essas não se repetissem.
Pode-se dizer que em Os sertões, a literatura é dominada pela ciência sem deixar de ser lite-
ratura, enquanto a imaginação artística, apoiada no gênero narrativo das grandes epopeias,
ganha as formas da objetividade científica e da busca por leis gerais de funcionamento do
mundo. Para Roberto Ventura, a narrativa literária de Euclides também incorporou e dia-
logou com a tradição dos relatos de viagem e das expedições científicas, dando expressão
artística e científica ao universo natural e social observado. Neste sentido, embora Euclides
adentre o sertão nordestino como jornalista e militar, é o cientista que se impõe com vigor
no momento de descrição da natureza, do homem e do cenário que compõe a vida e a luta
no sertão. Fortemente apoiado sobre as teorias científicas da época, as páginas de Os sertões
procuram desvendar os enigmas da natureza agreste do sertão e a sua força na formação da
psicologia do homem sertanejo.
Embora Euclides da Cunha seja mais frequentemente associado ao movimento pré-moder-
nista, na medida em que emerge de sua narrativa uma forte crítica à realidade brasileira, sua
obra pode ser associada à literatura naturalista do final do século XIX. O movimento natura-
lista, como é sabido, tinha como característica principal uma íntima ligação com o cientificismo
positivista de Auguste Comte e uma forte crença segundo a qual o mundo social poderia ser
explicado a partir das forças da natureza. De acordo com o escritor francês Émile Zola (1840-
1902), um dos fundadores do romance naturalista, seria possível criar leis gerais de compreen-
são dos fenômenos humanos do mesmo modo que o médico e fisiologista Claude Bernard
68 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Dicas de estudo
• GUERRA de Canudos. Direção de Sérgio Rezende. [S.l.]: Columbia Pictures do Brasil,
1997. 165 min.
O filme apresenta a história do Arraial de Canudos, local em que viveram os fiéis e segui-
dores de Antônio Conselheiro. Evidencia todas as lutas e as investidas do governo federal
a fim de destruir o local, além de tomar por base a obra de Euclides da Cunha, Os sertões.
• O MATADOR. Direção de Marcelo Galvão. [S.l.]: Netflix Brasil, 2017. 100 min.
Esse filme evidencia e/ou representa o que seria parte do sertão nordestino na primeira
metade do século XX.
• CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil,
2012. Guerra do Contestado: 100 anos. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/contestado>.
Acesso em: 22 fev. 2018.
Nesse site é possível encontrar um “dossiê” reunindo diversas leituras, fontes, sugestões
e entrevistas sobre o Contestado. Tal material foi organizado em comemoração aos 100
anos do fim do conflito.
Atividades
1. Que relação podemos estabelecer entre o Cangaço e a situação social do sertão nordestino?
3. Quais relações podem ser estabelecidas entre Canudos e Contestado, apesar de ambas não
terem ocorrido na mesma década nem em estados próximos geograficamente?
4. Com base no texto complementar de Vanderlei Sebastião de Sousa, explicite como a litera-
tura produzida por Euclides da Cunha expõe o sertão nordestino e quais eram as influências
do escritor.
5
República civilizatória e resistência
A citação de Carvalho sugere-nos que, mesmo com a realidade política do Império, que não
permitia manifestações em prol de igualdade ou algo semelhante, a falta de criticidade política não
era algo que atingia a todos. Esse tipo de conhecimento, mesmo não sendo cotidiano, passou a ser
comum após a proclamação, visto que foram muitos os movimentos: a Revolta da Chibata e da
Armada, Canudos, bem como a Revolta da Vacina e o Contestado.
A República, formada a partir de 1889, era “objeto” de disputa entre os militares, os monar-
quistas e outros sujeitos cujo entendimento divergia acerca da postura política a se tomar. Lilia
Schwarcz e Heloisa M. Starling trazem esse contexto da seguinte forma:
A República foi produto da ação de um grupo de oficiais social e intelectualmente
antagônico à elite civil do Império, insatisfeito com a situação do país e com o seu
próprio status político. Mas esses oficiais estavam divididos internamente, e não
conseguiram chegar a um acordo sobre o significado do republicanismo ou quan-
to aos objetivos institucionais do novo regime [...]. Além disso, o grande prestígio
que a República emprestava aos militares estimulava a ambição política dos oficias
e a desunião interna, aliada ao desacordo entre as elites civis acerca do papel do
Exército na nova sociedade. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 320)
Desse modo, percebemos que o discurso utilizado pelo presidente para obter o apoio popu-
lar, assim como para controlar a crise política instituída, manteve uma postura rígida, necessária
para que o equilíbrio político se tornasse comum na República. Tal postura gerou a expressão flo-
rianismo, em analogia ao jacobinismo da Revolução Francesa (SCHWARCZ, 2017, p. 102).
A ação ditatorial era compreensível para Floriano Peixoto, especialmente porque, após
assumir o cargo, encontrou resistências, não somente da população civil, mas de partidários de
Deodoro da Fonseca. Naquele período, as eleições para presidente e para vice-presidente eram
separadas, e os eleitos podiam ser de grupos políticos distintos. Portanto, quando Floriano Peixoto
assumiu, as rivalidades políticas se acentuaram. Ele renomeou os presidentes dos estados (cargos
que correspondem, na atualidade, ao de governador) e confrontou resistências locais do próprio
governo e de jornalistas (FLORES, 2008, p. 58-60).
O historiador Elio Flores traz em sua análise o debate defendido pelo lado mais conser-
vador do Senado e do Congresso. Naquele período, apesar da resistência a Peixoto, era preciso
que o poder legislativo o apoiasse em medidas extremas, a fim de “salvar” a República (FLORES,
2008, p. 60).
Em abril de 1892, um acontecimento agravou a instabilidade política:
No dia 6 [abril de 1892], 13 generais, nove oficiais superiores do Exército e
quatro da Armada enviam carta, datada de 31 de março, na qual pediam elei-
ções presidenciais. Eles reclamavam da substituição dos administradores dos
72 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
O governo do estado do Rio Grande do Sul foi tomado por federalistas. Os republicanos,
sob a liderança de Júlio de Castilhos, pediram o apoio de Floriano Peixoto, tornando a chamada
Revolução Federalista (1893-1895), uma guerra civil sangrenta no Sul do país.
Republicanos, como Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado, opunham-se diretamente aos
federalistas de Silveira Martins. Estes, como republicanos mais radicais, objetivavam o federalismo,
a autonomia municipal e a centralização do poder federal; já os republicanos positivistas rio-gran-
denses desejavam uma ditadura positivista (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 321).
República civilizatória e resistência 73
Diante desses problemas, em setembro de 1893, aconteceu uma nova revolta, que ficou co-
nhecida como Revolta da Armada. Nela, os marinheiros exigiam uma eleição imediata, alegando
que Floriano Peixoto assumiu o governo em um momento no qual novas eleições deveriam ter sido
convocadas, ou seja, afirmava que ele estava usurpando um lugar que não era seu.
Além disso, seu líder principal, Custódio José de Melo, fez a seguinte declaração ao
Jornal do Brasil:
Concidadãos,
Contra a Constituição e contra a integridade da própria Nação, o chefe do
Executivo [Floriano Peixoto] mobilizou o Exército discricionariamente, pô-lo
em pé de guerra e despejou-o nos infelizes estados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. Contra quem? Contra o inimigo do exterior, contra estran-
geiros? Não. O vice-presidente armou brasileiros contra brasileiros; levantou
legiões de supostos patriotas, levando o luto, a desolação e a miséria a todos os
ângulos da República [...]. Sentinela do Tesouro Nacional como prometera, o
chefe do Executivo perjurou, iludiu a Nação, abrindo com mão sacrílega as ar-
cas do erário público a uma política de suborno e corrupção. [...] Viva a Nação
Brasileira! Viva a República! Viva a Constituição!
Capital da República, 6 de setembro de 1893.
Contra-Almirante Custódio José de Melo. (MELO apud JANOTTI, 1986, p. 68)
A Revolução Federalista, que já era considerada cruel e arbitrária por parte de Floriano
Peixoto, é apontada como um dos motivos para que o presidente renunciasse. Ao fim, Custódio
José de Melo reafirma sua “obediência” à Constituição, argumentando, portanto, sobre a convo-
cação de uma eleição. Segundo Flores, nesse período, Floriano Peixoto também articulava uma
mudança na Constituição, a fim de conseguir um segundo mandato.
Rui Barbosa, jurista liberal que se colocava notadamente contra Floriano Peixoto por meio
do Jornal do Brasil, além de veicular diversas reportagens, antes da Revolta da Armada, a favor da
oposição dirigida a Peixoto, acabou exilado (FLORES, 2008, p. 68-70).
O movimento foi “contido” apenas no início de 1894, devido à falta de água e alimentos
(tática de Floriano Peixoto), bem como pelo discurso legalista do chefe do Poder Executivo con-
tra a imagem dos “revoltosos”. A estes restou apenas a possibilidade de fugir navegando para o
sul do Brasil.
Entretanto, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz afirma que o conflito não se manteve ape-
nas na capital federal, estendendo-se à Ilha do Governador (SCHWARCZ, 2017, p. 103).
Floriano Peixoto, que já estava envolvido no combate à Revolta Federalista, também é
apontado pela historiadora como alvo de manifestações, primeiras greves, protestos e críticas
dos jornais operários (SCHWARCZ, 2017, p. 102), ou seja, o povo com suas várias associações
estava começando, em tempos de República, a reivindicar o seu espaço.
A política nos anos seguintes e a Revolta da Vacina são os temas da próxima seção.
74 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Os setores populares já haviam sido duramente atingidos pelas reformas de Pereira Passos
(tema do Capítulo 6)1, sendo excluídos de seus lares e, muitas vezes, despejados nas primeiras vilas
das periferias. As casas, consideradas insalubres, também eram apontadas como construções que
não condiziam com uma urbanização moderna e bela.
Após a reforma, o centro estava “embelezado” e livre daqueles que não deveriam ser vistos
(prática que aumentou a marginalização desses grupos). Entretanto, a não aceitação da vacina, nos
meses após junho e julho de 1904, não está relacionada apenas com a revolta pela perda de suas
casas, visto que:
A oposição à vacina apresentou aspectos moralistas. A vacina era aplicada no
braço com uma lanceta. Espalhou-se, no entanto, a notícia de que os médicos
do governo visitariam as famílias para aplicá-la nas coxas, ou mesmo nas náde-
gas, das mulheres e filhas dos operários. Esse boato teve um peso decisivo na
revolta. A ideia de que, na ausência do chefe da família, um estranho entraria
em sua casa e tocaria partes íntimas de filhas e mulheres era intolerável para a
população. Era uma violação do lar, uma ofensa à honra do chefe da casa. Para
o operário, para o homem comum, o Estado não tinha o direito de fazer uma
coisa dessas. (CARVALHO, 2002, p. 75)
Nesse caso, as condições de não aceitação da vacina são morais, visto que a honra da família
– e de suas mulheres – poderia ser “maculada”.
Gilberto Hochman (2011, p. 378) também aponta as práticas religiosas afrodescenden-
tes como expressivas nesse contexto, as quais explicavam e curavam doenças de acordo com
seus princípios.
Diante disso, como afirma José Murilo de Carvalho, não podemos reduzir a Revolta da
Vacina como um mero gesto irracional por desconhecimento da ciência, visto que ela
foi um protesto popular gerado pelo acúmulo de insatisfações com o governo.
A reforma urbana, a destruição de casas, a expulsão da população, as medidas
sanitárias (que incluíam a proibição de mendigos e cães nas ruas, a proibição de
cuspir na rua e nos veículos) e, finalmente, a obrigatoriedade da vacina levaram
a população a levantar-se para dizer um basta. O levante teve incentivadores
nos políticos de oposição e no Centro das Classes Operárias. Mas nenhum líder
exerceu qualquer controle sobre a ação popular. Ela teve espontaneidade e dinâ-
mica próprias. (CARVALHO, 2002, p. 74)
Portanto, tratou-se de um movimento mais orquestrado do que algo aleatório. Além dos
aspectos econômicos, de mobilidade e de estrutura social, havia o apoio dos setores operários, da
oposição política contra Hermes da Fonseca. Não obstante, Carvalho também considera a reivindi-
cação do povo como um motim2 que, em sua complexidade, era uma reação baseada nos princípios
1 Campanhas de saneamento e de urbanização aconteceram no Rio de Janeiro, mas foram estendidas a outras ca-
pitais. Esses processos desencadearam problemas para as comunidades mais pobres que, em geral, foram deslocadas
para a periferia dos grandes centros.
2 Na historiografia, Edward Thompson (2008, p. 105-202) reflete sobre a ideia de motim quando se refere às manifes-
tações inglesas, na ocasião em que o povo se indignou contra o preço do pão e do trigo. Não necessariamente se tratava
de uma consciência de classe, ao menos de uma que tivesse entendimento de si, mas cuja dinâmica era muito própria.
O caso estudado também não se aproxima do contexto mencionado no texto de Thompson, entretanto, pensamos da
mesma forma a fim de não diminuir a reação popular do período.
76 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
daqueles que o fizeram. As figuras a seguir demonstram a Revolta da Vacina, imagens que expli-
citam a desorganização causada pelos receios da população em ser vacinada, devido às notícias
espalhadas e ao desconhecimento médico da população.
Figura 1 – Cartum publicado em O Malho, em 1904, fazendo uma sátira à Revolta da Vacina.
Wikimedia Commons
República civilizatória e resistência 77
É evidente a revolta popular, atacando o que seriam os bens públicos e aquilo que pertencia à
equipe médica. Gilberto Hochman tem afirmações semelhantes às de Carvalho, porém, frisa que a
resistência à vacinação também era uma união da oposição (positivistas, militares, elites políticas e
monarquistas), que objetivavam desqualificar as medidas públicas estatais, as quais se estenderiam
à própria ideia de República, a qual ainda era o alvo de sindicatos em busca de melhores salários
(HOCHMAN, 2011, p. 378).
Podemos entender, com base em ideias de José Murilo de Carvalho (2002), que o Estado
fazia parte do entendimento social e político do povo, o qual, no entanto, não permitia violações
de sua vida privada, de suas práticas religiosas, sociais e culturais. Carvalho expõe esse argumento
ao trazer uma reportagem do período:
Como disse a um repórter um negro que participara da revolta: o importante
era “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo”. Eram, é
verdade, movimentos reativos e não propositivos. Reagia-se a medidas raciona-
lizadoras ou secularizadoras do governo. Mas havia nesses rebeldes um esboço
de cidadão, mesmo que em negativo. (CARVALHO, 2002, p. 75)
Com base na citação, é possível dizer que aquela não era uma situação apática e fazia
parte de um processo de formação social e de compreensão sobre o que o Estado tem dever e
direito de executar.
Havia o desconhecimento sobre o modo de ação da ciência, da saúde e, conforme Hochman
(2011, p. 178), apenas quatro anos depois (em 1908) houve um novo surto de varíola, no qual mil
pessoas entre cem mil faleceram. Nesse ano, porém, não houve registros de recusa à vacinação. Ao
longo de duas décadas subsequentes o número diminuiu, confirmando a medida implementada
por Oswaldo Cruz (HOCHMAN, 2011, p. 178).
Apesar da eficiência da vacina posteriormente, esse movimento demonstrou a insta-
bilidade política no que se refere ao entendimento e à aceitação de um governo republicano,
aliado à ideia de que o povo não era apático para ter suas vidas tão modificadas sem ao menos
questionar a situação.
processo abolicionista trouxe a liberdade aos escravos, porém, mesmo com diversas reportagens e
notícias indicando que tal passado deveria ser esquecido, a igualdade entre negros e brancos não
foi discutida estrategicamente.
No caso dos marinheiros negros envolvidos na Revolta da Chibata,
Antes de tomarem a extrema decisão, viram frustradas suas tentativas de melho-
rar as condições de trabalho, fosse na solicitação realizada ao então presidente
Nilo Peçanha, quando lhe entregaram um quadro desenhado a carvão com seu
perfil, em maio de 1910, ou mesmo por reclamações à imprensa [...]. Tempos
depois, um dos cabeças da futura revolta sinalizou – mediante carta anônima
endereçada ao comandante do “scout Bahia” –, em setembro daquele ano, que
a situação explodiria caso nada fosse realizado. Arrependido, meses depois, o
mesmo comandante reconheceu o erro de cálculo, pois “não demos à ameaça
maior importância. Hoje, seria o caso de acreditar ser um apelo justo, feito às
autoridades contra a chibata!...” [...]. Impedidos de votar por lei, não tinham
como eleger um representante que os defendesse [...] restou-lhes o caminho das
armas, da ameaça. (NASCIMENTO, 2016, p. 153)
Tais iniciativas demonstram como o movimento, mesmo que curto, era consciente quanto
aos seus motivos. Essas ações sugerem que há muito tempo os marinheiros, vítimas de chibatadas,
estavam reivindicando direitos e, ao menos, integridade física. Também não desejavam mais ser
tratados como seus pais e avós, antes escravizados.
Além disso, as relações estabelecidas com o presidente Nilo Peçanha (1909-1910) e, posterior-
mente, com Hermes da Fonseca (1910-1914) denunciam o descaso público para com as questões
raciais, mesmo que elas fossem reduzidas naquele tempo a uma ideia de igualdade. Esse aspecto é
mais grave ainda se considerarmos a postura de Nilo Peçanha3, visto que a historiografia o classifica
como um presidente “mulato”. Ele, por sua vez, não teria se importado com as demandas das pessoas
da mesma raça.
Ao tomarem o navio em que estavam, os revoltosos mataram seis pessoas do alto comando
da Marinha, inclusive o comandante, que era o principal responsável pelos castigos físicos destina-
dos aos marinheiros, em especial, aos negros.
Além da extinção das penalidades físicas e da exigência de participação nas decisões, tal
como os marinheiros brancos, Álvaro Nascimento afirma o seguinte:
Os marinheiros sabiam que não adiantava extinguir a chibata e expulsar oficiais
que castigavam mais que o permitido por lei. Afinal, como garantir a própria
segurança a bordo dos navios ou nas unidades em terra, havendo marinheiros pe-
rigosos que, após uma dose de cachaça, uma pisada no calcanhar ou uma rejeição
amorosa, perdiam a razão, puxavam o canivete e se punham a ameaçar a vida de
todos? Como resolver esse grave problema? É nesse momento que entra a terceira
reivindicação: o governo havia de “educar os marinheiros que não [tinham] com-
petência para vestirem a orgulhosa farda”. (NASCIMENTO, 2016, p. 155)
Além de uma formação mais adequada, os marinheiros também pediam o direito de apren-
der a guiar os novos navios, pois somente os brancos recebiam o curso. E, por último, denunciavam
a falta de cumprimento de alguns decretos, visto que estes (dos anos de 1890) já determinavam o
fim dos castigos físicos.
Durante os quatros dias, lançaram algumas bombas, causando mortes, porém logo foram
rendidos sob a promessa de serem enviados a outro estado e de terem seus argumentos discutidos
em assembleia do Senado. Passadas algumas semanas, oficiais retornaram aos navios e, depois de
mais uma revolta na prisão da Ilha das Cobras, os marinheiros negros que tinham participado do
levante tiveram o seguinte destino:
a Marinha, a Polícia e o Exército começaram a agir, prendendo, torturando,
desterrando ou matando os envolvidos. Dezesseis morreram asfixiados ina-
lando a cal utilizada para higienizar os detritos dos presos, numa cela da Ilha
das Cobras, ao tornar-se pó logo após a evaporação da água. As chaves esta-
vam nos bolsos do oficial comandante da ilha, que se ausentara no momento
da fatalidade. [...] Outros 11 foram fuzilados no navio Satélite, que levava 97
ex-marinheiros extraditados para o Norte do país, a fim de trabalharem na
construção da ferrovia Madeira-Mamoré e na extração da borracha. Os 11
foram acusados de estarem organizando um motim [...]. A “carga” era com-
posta por 200 homens (ex-marinheiros e detentos) e 44 detentas da Casa de
Correção. Mulheres chegaram aos destinos maltrapilhas e famélicas como
seus colegas de travessia. Submeteram-se ou foram vendidos a empreendedo-
res locais. O navio Satélite, um paquete comercial, parecia mais o último navio
negreiro em pleno século XX. (NASCIMENTO, 2016, p. 158-159)
A citação deixa evidente que, apesar das fotos e reportagens feitas com os marinheiros par-
ticipantes do movimento de 1910, eles logo foram tratados de outra forma. O futuro deles foi ba-
seado na morte, em exílio e uma situação análoga à escravidão, o que muito justifica a urgência da
Revolta da Chibata, liderada por João Cândido.
A revolta demonstrou como negros só poderiam ocupar cargos considerados inferiores ou
subestimados, ao mesmo tempo que não eram tratados de forma igual aos brancos que ocupavam
esses mesmos lugares. Tal fato ainda aponta que a República não estava tão preocupada com a
questão de igualdade ou mesmo de proteção aos negros, tanto por sua ação antes da revolta – de
“descaso”, – quanto pela maneira como puniu diversos dos sujeitos que participaram dela.
O líder João Cândido Felisberto acabou internado em uma ala psiquiátrica por alguns meses
e, depois, foi preso por dois anos na Ilha das Cobras (CARVALHO, 1995). Foi classificado pelos
meios institucionais como louco, visto que apenas alguém assim poderia querer apontar armas e
matar devido às condições de trabalho. É importante ressaltar que a questão racial ou de falta de
igualdade não era considerada pela imprensa, ou mesmo pelo Estado.
Posteriormente, o líder da revolta foi solto e exonerado da Marinha do Brasil. O jornal Gazeta
de Notícias, de 31 de dezembro de 1912, reportou esse fato e reproduziu a sentença dada pelo juiz:
Considerando, finalmente, que não existe nos autos nenhuma prova de que os
réus tenham praticado qualquer ato que, autorizando a suspeita de participação
na referida revolta, revista a figura jurídica do art. 93 do Código Militar, e que
as faltas que lhes são imputadas constituem simples infrações disciplinares,
cujo conhecimento escapa da competência do Conselho de Guerra, art. 219,
do Regimento citado, por unanimidade de votos julga não provada a acusação
para o fim de absolver, como absolve, os réus João Cândido, Ernesto Roberto
80 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Francisco Dias Martins, Raul de Faria
Neto, Alfredo Mala, João Agostinho, Vitorino Nicácio de Oliveira, Antônio de
Paula e Gregório do Nascimento, ficando, porém, suspensa a execução desta
sentença em virtude da apelação necessária, interposta para o Supremo Tribunal
Militar, na forma da lei. (NASCIMENTO, 2008)
Figura 3 – Notícia revelando que João Cândido fora solto.
Embora a imagem e a sentença proferida representem a liberdade de João Cândido, ele não
a teve por completo no restante de sua vida. Um negro que resiste, que confronta a República – e
os seus princípios – poderia até não ser punido pelo resto de sua vida, mas também não poderia
desfrutá-la como se fosse um branco.
Considerações finais
Com base nas reflexões expostas, entendemos que enquanto as medidas republicanas de-
veriam estar voltadas a um equilíbrio e uma saudável divisão de poderes, monarquistas, civis e
República civilizatória e resistência 81
militares disputavam o poder entre si. O Rio de Janeiro e outras capitais que foram urbanizadas nas
primeiras décadas do século XX viam mulheres, crianças e homens buscando seu espaço social/
político e resistindo à marginalização recorrente às suas classes.
O Brasil, nesse caso, estava definindo sua ideia de República, de como ela funcionaria e traria
a “civilização” aos trópicos. Entretanto, ao mesmo tempo, grupos políticos de oposição e populares
resistiram, fazendo com que acontecimentos se tornassem símbolos dessa República oligárquica.
Eles estavam também, em conjunto, buscando uma cidadania plena e universal.
A primeira das reivindicações da marujada exigia que fossem retirados “os oficiais incompe-
tentes”; indivíduos que, na hora de exigir dos comandados o cumprimento dos serviços diá-
rios, não levavam em conta a diferença entre o acúmulo de tarefas e o número de marinheiros
disponíveis para realizá-las. Havia poucos homens para executar tantas tarefas. Como não
viam ou nem queriam ver essa diferença, esses oficiais “incompetentes” preferiam entender
o não cumprimento dos serviços como “provenientes da desídia costumeira e da impossi-
bilidade de compreensão dos deveres de pontualidade, boa vontade, e boa predisposição ao
trabalho” – como disse o oficial Alberto Durão Coelho (1911, p. 39).
A segunda delas exigia a extinção da base legal utilizada por oficiais que cometiam excessos
correcionais: “reformar o código imoral e vergonhoso a fim de que desapareça a chibata, o bolo
e outros castigos semelhantes”. Desde o Império, era praxe entre muitos oficiais castigar com
uma quantidade de chibatadas superior àquela permitida pelo código disciplinar da Armada
(conhecido por Artigos de Guerra), mas registravam um número bem menor (Nascimento,
2008, p. 217). Se os marinheiros desejavam o fim dos castigos físicos, dever-se-ia eliminá-los
enquanto letra da lei (Decreto-Lei n.328, de 12 abr. 1890). Durante a revolta, o disciplina-
mento mediante castigo foi discutido e condenado na Câmara dos Deputados e no Senado, e
seu uso suspenso até que uma nova legislação fosse aprovada.
Até aqui relatei as motivações mais exploradas pela historiografia para explicar a revolta. Em
minhas pesquisas, percebi que faltou outra, somente citada pelos autores, mas que fora regis-
trada por Dias Martins como reivindicação coletiva da marujada. Os marinheiros sabiam que
não adiantava extinguir a chibata e expulsar oficiais que castigavam mais que o permitido por
lei. Afinal, como garantir a própria segurança a bordo dos navios ou nas unidades em terra,
havendo marinheiros perigosos que, após uma dose de cachaça, uma pisada no calcanhar ou
uma rejeição amorosa, perdiam a razão, puxavam o canivete e se punham a ameaçar a vida de
todos? Como resolver esse grave problema? É nesse momento que entra a terceira reivindica-
ção: o governo havia de “educar os marinheiros que não [tinham] competência para vestirem
a orgulhosa farda”. Vários processos criminais mostravam as rivalidades entre marinheiros nos
82 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
navios, terminadas em brigas, lesões corporais e até homicídios (Nascimento, 2001, Cap. 1).
O castigo físico e oficiais durões punham algum freio nos brigões. Era urgente que a Marinha
fosse capaz de educar e preparar seus marinheiros para o trabalho e a vida em grupo, dimi-
nuindo as tensões.
Atividades
1. Quais são os argumentos que motivaram a Revolta da Armada?
2. A Revolta da Vacina não foi um movimento apenas ocasionado pelo medo popular de ser
vacinado contra a varíola, especialmente se considerarmos que ela era uma das maiores
causadoras de epidemias do período. Sendo assim, registre alguns elementos que incitaram
a revolta.
4. Estabeleça uma relação entre as questões raciais e políticas no que se refere à Revolta da
Chibata, a fim de analisar os argumentos com os quais os “revoltosos” justificaram seus atos.
6
Reforma urbana e questão social na capital da República
Olhei com tristeza as casas do Mangue, as da “Cidade Nova” nas ruas trans-
versais; as do morro da Favela eu apenas entrevia. Pensei de mim para mim:
por que não se acabava com “aquilo”? Seria necessário aquele repoussoir
para afirmar a beleza dos bairros chamados chics? Pus-me a pensar na sorte
daqueles que residiam naquelas casas pobres. Certamente, imaginei, pagam
aluguéis exorbitantes! (BARRETO, 1987, p. 161-162, grifos do original)
O trecho citado é de Lima Barreto, escritor fluminense, que aponta as mudanças ocasio-
nadas pelas reformas urbanísticas no Rio de Janeiro. Barreto está questionando a República,
que deveria ser responsável por todos, e não apenas por uma ou outra classe. As classes mais
baixas foram penalizadas e obrigadas a mudar para regiões periféricas da cidade, permanecen-
do distantes das regiões centrais.
Podemos perceber a melancolia do narrador, quando afirma: “Olhei com tristeza as ca-
sas do Mangue” e “Por que não se acabava com ‘aquilo’?”. Era necessária tanta exclusão para se
tornar bonitos ou elegantes os bairros de poucos?
Neste capítulo trazemos reflexões a respeito de parte da formação social do Brasil e das
resistências encontradas nas primeiras décadas do século XX. Analisamos as relações sociais e
culturais modificadas pelas interações e novas organizações no cotidiano, nas casas e no mun-
do do trabalho.
Apresentamos perspectivas da organização social e política instituída no Brasil, de-
monstrando de que modo a federalização colaborou com a não discussão sobre os deveres da
República perante seus cidadãos.
Para além dessa questão, expomos também de que forma a participação política, que
ocorria por meio de indicação no período imperial, passou a ser organizada durante as primei-
ras décadas da República.
Não obstante, diante da estagnação social e da participação cidadã comuns a esse perío-
do, veremos o movimento grevista dos anos de 1910, assim como o movimento da capital da
República, que começava a perceber novos comportamentos e demandas sociais após o proces-
so de urbanização do Rio de Janeiro.
Para Resende (2008), a Constituição de 1891 determinou uma prática individualista nas
políticas públicas direcionadas à economia e à própria política. O direito ao voto era apenas para
homens, acima de 25 anos e alfabetizados, condições que excluíam boa parte da população. Assim,
poucos tinham acesso à política e, consequentemente, às discussões e aos embates, os quais diziam
mais a respeito dos interesses das classes dominantes.
Além disso, como ressaltado anteriormente, o federalismo foi uma política lançada e firma-
da por intermédio de Campos Sales, que governou entre 1898 e 1902, ao fim da década de 1890.
O entendimento dessa estratégia pode ser assim definido:
Sobre esse princípio edifica-se a força política dos coronéis ao nível municipal
e das oligarquias nos níveis estadual e federal. A centralidade conferida aos di-
reitos individuais, deixando de lado a preocupação com o bem público, ou seja,
a virtude pública ou cívica que está no cerne da ideia de República, funciona
como barreira no processo de construção de cidadania no Brasil. (RESENDE,
2008, p. 93)
Esses coronéis espalhados pelo Brasil eram eleitos e, portanto, detinham o poder nas pró-
prias mãos ou conforme o grupo político que representava sua imagem.
É importante considerarmos que a Constituição de 1891 atribuía aos estados a organiza-
ção dos municípios, incluindo autonomia aos interesses das duas instituições, em seu art. 68: “Os
Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo
quanto respeite ao seu peculiar interesse” (BRASIL, 1891)1. Ao analisarmos esse artigo, bem como
a condição de liberdade política e de interesses dos governantes, podemos perceber que, além do
entrave entre estados e municípios, já que ambos deviam ter autonomia (prática federalista), havia
uma questão maior: todos os municípios ou estados se encontravam reféns dos governos locais,
isentando a República de intervir ou de ser responsável pelos “cidadãos” de seu território.
A República oligárquica, ou do “café com leite”, havia transformado a estrutura imperial em
republicana. Entretanto, é preciso lembrar que as formações partidárias nos anos de 1890, o con-
flito de Canudos e as Revoltas da Chibata, da Armada, do Contestado e, até mesmo, a da Vacina se
posicionavam de acordo com suas questões particulares, reivindicando uma postura mais republi-
cana ou criticando a existência daquela República.
Embora a República não oferecesse cidadania e o povo fosse contrário ao poder de coronéis
locais e/ou regionais, construíam-se à época ideais ou movimentos que lutariam por uma nova
perspectiva republicana.
Nesse contexto, Resende (2008) faz uma importante diferenciação entre as famílias tradicio-
nais dos tempos da Colônia e do Império e em relação aos coronéis. Para a historiadora, o período
de maior atuação deles, entre 1889-1930, deve ser analisado da seguinte forma:
Embora também uma forma de exercício de poder privado, ele não é uma
prática, constitui um sistema político e é um fenômeno datado [...] é um fe-
nômeno que só pode ser entendido a partir da marca histórica do antigo e
exorbitante poder privado; da estrutura agrária latifundiária que fornece a
Conforme demonstra o autor, embora tenha ocorrido um novo arranjo social e político após
o fim do Império, é possível estabelecer relações com o estilo econômico e social anterior. Ao mes-
mo tempo, Arias Neto (2008) aponta a intromissão em assuntos relativos ao capital, cujo objetivo
era direcionar as verbas, que, por vezes, foram aplicadas em atividades manufatureiras, transportes
e até especulação financeira (especialmente ligada ao café) no fim do Império.
Com o desenvolvimento da cultura cafeeira, houve o investimento estrangeiro, comum entre
1860 e o início do século XX, em tempos de corrida imperialista, injetando capital para a constru-
ção de ferrovias, portos e empreendimentos industriais ligados à produção agrária (ARIAS NETO,
2008). Essas condições foram suficientes para motivar os primeiros movimentos de urbanização e
empregos livres (de forma bastante precária) a partir de meados do século XIX.
86 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
As regras e leis instituídas pela federalização permitiram que o poder fosse bastante descen-
tralizado e, principalmente, que ficasse à mercê de interesses particulares nas mais diversas regiões.
Isso impedia políticas conjuntas maiores entre estados e governo federal, além de manter a violên-
cia empregada na disputa entre coronéis. Nesse contexto, a situação econômica era marcada pela
inflação e por uma dívida externa vertiginosa, além de o café, principal produto de exportação,
estar com o preço em queda (RESENDE, 2008).
Reforma urbana e questão social na capital da República 87
vezes conhecedores das ideias anarquistas, formavam associações e clubes de luta, argumentando a
necessidade de direitos trabalhistas – ainda incipientes no Brasil –, melhores condições de trabalho
e o direito à educação (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
O historiador Claudio Batalha trata da participação nacional na formação operária, citando
o exemplo de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Os imigrantes italianos, muitas vezes, vinham do cam-
po, sem experiência sindical ou operária. No Brasil, enfrentavam problemas étnicos e identitários,
porém havia um ponto que fazia eles se verem como um grupo, segundo o historiador: a escolha
de vir ao Brasil em busca de melhores condições sociais, para o que a ação sindical ou de união era
um caminho possível (BATALHA, 2008).
Nesse sentido, Batalha (2008) rejeita o “mito” do italiano imigrante que chegava ao Brasil já
politizado. Sobre essa ideia, o historiador também considera que as diferenças instituídas no Brasil,
em momentos de decisão sobre participar ou não da greve, voltar ou não para Itália, eram tangen-
ciadas por questões étnicas, interferindo na atuação operária sindical.
É importante ressaltar que, com a representatividade por meio de sindicatos ou revoluções,
os anarquistas italianos contestavam a existência do Estado. No caso brasileiro, isso fazia ainda
mais sentido, visto que a República até aquele momento não havia instituído leis regulamentando
o trabalho operário.
Por conta de uma representação sociocultural, quando falamos em operário, pensamos na
imagem de homens. No entanto, era comum o emprego de crianças e de mulheres. Batalha aponta
que, devido às características culturais, mulheres não estavam nas organizações nem participavam
dos primeiros movimentos; apenas em 1919 é que surgiram as primeiras uniões das costureiras
(BATALHA, 2008). Tratavam-se, portanto, de grupos considerados inferiores, por isso, receptores
de um pagamento menor.
Segundo Schwarcz e Starling (2015), entre 1906 e 1908, ocorreram diversas greves, que co-
meçaram após a criação da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1906. Porém, é de 1902
a primeira greve multiprofissional, em que chapeleiros, gráficos, pintores, entre outros trabalha-
dores pediram redução de jornada de trabalho e o direito à organização operária (SCHWARCZ;
STARLING, 2015). Após, seguiram-se as primeiras greves de estivadores e de ferroviários.
Nesse contexto, Gomes (2005) reitera a importância da atuação de diversos jornais socia-
listas, como O operário, A tribuna, A gazeta operária e A tribuna do povo2. Esses periódicos eram
importantes devido aos debates e apoios políticos, assim como sugestão de leis, até então mu-
nicipais, que deveriam ser consideradas em âmbito federal a fim de que o trabalho de operários
fosse respeitado.
Nos anos seguintes, apesar da grande atuação desses primeiros operários anarquistas e/ou
sindicalizados, as ideias socialistas ficaram desgastadas, o que, para Gomes (2005), não diminuiu a
importância desse período para os movimentos que ocorreriam em 1917.
2 Angela de Castro Gomes fez uma importante pesquisa sobre a trajetória das primeiras organizações sindicais e
socialistas até os anos de 1930. Para compreender melhor esse período, sugerimos a leitura da obra A invenção do tra-
balhismo (GOMES, 2005).
Reforma urbana e questão social na capital da República 89
Gomes (2005) ressalta também a importância da atuação dos estivadores do porto do Rio
de Janeiro entre 1903 e 1905, por meio da União dos Foguistas e da Associação dos Marinheiros e
Remadores, que tinham como advogado Evaristo de Moraes3. Este era um rábula4 conhecido pela
defesa do assassino de Euclides da Cunha e por ter atuado na defesa do marinheiro João Cândido,
durante a Revolta da Chibata. Moraes também atuou, posteriormente, no Ministério do Trabalho
do governo de Getúlio Vargas, nos anos de 1930 (GOMES, 2005).
As reivindicações dos estivadores do porto do Rio de Janeiro foram bastante importantes,
o que fez o patronato perceber a força desses homens quando reunidos e, por isso, iniciar suas
formações policiais, que começaram a agir, então, com represálias. Para além dos problemas e con-
flitos ocasionados, os operários passaram a defender a união entre grupos, ou seja, ambos os lados
perceberam a importância das negociações. Gomes (2005) descreve as negociações e greves como
violentas até o ano de 1908 e após a Greve Geral de 1917.
Nesse sentido, a Greve Geral de 1917 não está dissociada do contexto anterior, visto que es-
sas associações, as panfletagens e os debates políticos permitiram aos grupos que se manifestavam
incentivar outros – com trajetória sindical ou não. Nessa revolta, de 50 a 70 mil pessoas, no Rio de
Janeiro e em São Paulo, estavam envolvidas.
Schwarcz e Starling apontam que, apesar da grande participação operária, bem como de pi-
quetes e conflitos armados (que causaram inclusive uma morte), os resultados não vieram de ime-
diato (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Porém suscitaram diversos levantes nos anos seguintes e
foram fundamentais para a formação sindical, na década de 1920, bem como para a fundação do
Partido Comunista, em 1922, mesmo com uma repressão policial maior nesse período.
A classificação dessas realidades como as mais sujeitas à criminalização diz respeito às pró-
prias condições de sobrevivência desses espaços ocupados. Existiam roubos e outros problemas
diante da falta de oportunidade de trabalho, ausência da representação do Estado e, ainda, das
precárias condições de moradia, que eram responsáveis pela propagação de diversas doenças, as
quais, por sua vez, provocavam epidemias, mortes e contaminação de alimentos.
Marins (1998) explica que o comércio dividia paredes com casas mais ou menos luxuosas.
As moradias populares obedeciam ao mínimo de leis necessárias. Nesse período, havia poucas
regras para instalação de novas residências ou estabelecimentos comerciais.
A Figura 1, a seguir, traz a representação do que seria o Monte Castelo, destruído totalmente
em 1922, como parte do processo de urbanização do início do século XX no Brasil. A Figura 2 mostra
uma área de cortiços, em que os varais, e provavelmente o esgoto, tomavam as ruas da cidade. Já a
Figura 3, traz outro debate, ainda do ano de 1893.
Figura 1 – Estudo para Panorama do Rio de Janeiro
Wikimedia Commons
Fonte: MEIRELLES, Victor. Estudo para Panorama do Rio de Janeiro. 1885. Óleo sobre tela: color., 105 x 104 cm. Museu
Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
92 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
A capa de uma importante revista da época, na Figura 3, faz uma referência ao prefeito do
Rio de Janeiro, Barata Ribeiro, cuja ação foi “desmontar” o cortiço Cabeça de Porco no ano de 1893.
A prefeitura foi vitoriosa ao retirar a população daquele espaço. Porém foi derrotada, muito antes
da Belle Époque, já que, ao permitir à população recolher as madeiras restantes da demolição, pro-
porcionou que construíssem suas novas casas no futuro Morro da Providência, que era próximo ao
cortiço. Essa prática foi repetida muitas vezes nas décadas seguintes. Como bem lembra Marins, a
República inaugurou no Rio de Janeiro os seus morros e favelas como moradia (MARINS, 1998).
É desse período também a influência sofrida pelos eugenistas (tema que aprofundaremos no
Capítulo 8). Segundo Sevcenko,
os navios europeus, principalmente franceses, não traziam apenas os figu-
rinos, o mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as peças e li-
vros mais em voga, as escolas filosóficas predominantes, o comportamento,
o lazer, as estéticas e até as doenças, tudo enfim que fosse consumível por
uma sociedade altamente urbanizada e sedenta de modelos de prestígio [...].
(SEVCENKO, 1999, p. 37)
Sevcenko (1999) não se refere, portanto, apenas à moda, ao cinema (recém-chegado), aos
instrumentos musicais ou às revistas cujo conteúdo era referente ao cotidiano de Paris, mas às
ideias, concepções de vida e de ciência que esses navios atracados também traziam.
Quando Pereira Passos5, prefeito e engenheiro civil, reformou o centro da cidade, criando
viadutos, pavimentando calçadas e ruas, assim como melhorando mercados públicos e, especial-
mente, a zona portuária, em sua leitura, estava modernizando a cidade do Rio de Janeiro. Isso,
porém, não está relacionado à ideia de desenvolvimento social, mas de melhoria nas condições
sanitárias, viárias e estéticas da região central.
Fazer a cidade ver o seu fluxo de carros em constante movimento, assim como sanear os
problemas mais relevantes, foi o objetivo central dessa reforma. É preciso, porém, considerar que
ruas alargadas ou criadas ocuparam lugares já estabelecidos. Além disso, pessoas que viviam em
prédios, cortiços ou velhas casas foram expulsas. Nesse sentido, Sevcenko explana:
Desencadeia-se simultaneamente pela imprensa uma campanha, que se pro-
longa por todo esse período, de “caça aos mendigos”, visando à eliminação de
esmoleres, pedintes, indigentes, ébrios, prostitutas e quaisquer outros grupos
marginais das áreas centrais da cidade. (SEVCENKO, 1999, p. 34)
O objetivo era eliminar qualquer vestígio ou pessoa que lembrasse a pobreza ou mesmo os
“perigos do centro”. A modernização, nesse caso, referia-se a um processo de civilização no enten-
dimento daqueles homens; por isso, sanar o problema muitas vezes era afastá-lo dos olhos daqueles
que vislumbravam as novas criações.
O historiador afirma que a região mais central da cidade do Rio de Janeiro estava reservada
para o novo (avenidas, calçadas) e de modo elegante (SEVCENKO, 1999). Essa visão de novo e ve-
lho, tendo em vista a reconfiguração da cidade, também é apontada por Schwarcz em sua análise da
5 Prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906 e responsável pelo projeto de reurbanização da capital da República.
Tratava-se de um projeto com bastante influência europeia, especialmente francesa, visto que Passos fez seus estudos
em Paris.
94 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
vida e obra de Lima Barreto. O trecho a seguir traz a ideia de alguém que “corta” a cidade de trem
e visualiza a sua nova composição social. A historiadora, valendo-se dessa ideia, explica:
O trajeto do trem era pretexto, ademais para assinalar diferenças sociais que de-
limitavam classe, raça, gênero e região, singularidades que ficavam ainda mais
claras quando comparadas com as da população do centro do Rio. [...] A lite-
ratura de Lima pode ser considerada, portanto – e sobretudo a partir de 1903,
quando ele aceita o emprego amanuense e vai residir nos subúrbios –, como
uma “obra em trânsito”. (SCHWARCZ, 2017, p. 163-164)
O subúrbio, o caminho distante das casas em que moram os trabalhadores, assim como as
disputas pelo bairro “suburbano” melhor, aqueles que conseguiram se preservar próximo dos chi-
ques, ou mesmo as definições do próprio recenseamento da prefeitura do Rio de Janeiro de 1906,
que aborda moradores da cidade e moradores dos subúrbios, são as novas configurações do Rio de
Janeiro (SCHWARCZ, 2017). A República, governo político repleto de privilégios para alguns,
fazia-se com base em novas divisões sociais evidentes e de sociabilidades. Essa última perspectiva
é evidente na observação de Lima Barreto, quando aponta os novos comportamentos e adaptações
do cotidiano:
Na vida dos subúrbios, a estação da estrada de ferro representa um grande pa-
pel: é o centro, é o eixo dessa vida. Antigamente, quando ainda não havia por
aquelas bandas jardins e cinemas, era o lugar predileto para os passeios domin-
gueiros das meninas casadouras da localidade e dos rapazes que querem casar,
com vontade ou sem ela.
Hoje mesmo, a gare suburbana não perdeu de todo essa feição de ponto
de recreio, de encontro e conversa. Há algumas que ainda a mantêm te-
nazmente, como Cascadura, Madureira e outras mais afastadas de resto, é
em torno da “estação” que se aglomeram as principais casas de comércio
do respectivo subúrbio. Nas suas proximidades, abrem-se os armazéns de
comestíveis mais sortidos, os armarinhos, as farmácias, os açougues e é pre-
ciso não esquecer a característica e inolvidável quitanda. (BARRETO apud
SCHWARCZ, 2017, p. 173)
O Méier era ponto de encontro entre as estações e o local onde trabalhadores também en-
contravam o que precisavam. Faziam ali mesmo suas compras de suprimentos básicos, em arma-
zéns e armarinhos, e de carne e remédio, caso pudessem comprar.
A vida distante do centro fazia com que as pessoas aproveitassem seutempo. Assim, o Méier
se tornou um bom lugar – de subúrbio – para morar, diante de seu comércio desenvolvido. O lugar,
antes desabitado, ganhou novas memórias e relações sociais.
Lima Barreto confirma a passagem no local de mulheres, não somente as trabalhadoras
ou desacompanhadas – motivo de sussurros –, mas as meninas com seus instrumentos musi-
cais: “Pobre Moça [...] No instituto, só têm talento musical as moças ricas e bem aparentadas”
(BARRETO apud SCHWARCZ, 2017, p. 173). Entre o violino e o piano, as diferenças sociais tam-
bém existiam, mas diferentemente de outrora, quando as classes mais simples sequer poderiam
pensar na possibilidade de tê-los ou de literalmente tocá-los.
Arias Neto (2008), no que se refere à formação das cidades desse período, aponta um
crescimento populacional de 203% entre 1872 e 1920, de 9.903 milhões de pessoas para 30.635
Reforma urbana e questão social na capital da República 95
milhões, bem como aponta que o número de cidades com mais de 30 mil habitantes passou de
67 para 265, totalizando aproximadamente 15,7 milhões de pessoas. Junto a isso, no processo
modernizador autoritário, além da expulsão e do reordenamento social nos centros, como o do
Rio de Janeiro, surgiu uma nova disciplina de trabalho e de comportamento nas relações sociais
(ARIAS NETO, 2008).
Considerações finais
São Paulo e Rio de janeiro concentraram, em parte, os altos rendimentos a partir da metade
do século XIX até o início do século XX. Embora boa fração dessa riqueza tenha vindo do mercado
do café, é preciso considerar que havia também investimento estrangeiro. Ao mesmo tempo, com
o café, pôde-se investir em outras áreas que não a agrária.
Dessa forma, a indústria e a modernização brasileira não foram determinadas apenas por
um produto agrário, mesmo que indiretamente. Além disso, se 46% de toda a indústria estavam
nos dois estados centrais do período, significa que 54% estavam espalhados pelo país. Esses outros
estados também encontraram na Constituição de 1891 um modo de exercer poder, mesmo que de
forma local ou estadual e, até mesmo, autoritária.
O Brasil que se configurou nesse período era o início de nossa República e, ainda que o
liberalismo oligárquico fosse a política instituída, as mudanças sociais, no cotidiano, de resis-
tências e lutas de classes fizeram com que um ideal republicano mais igualitário passasse a ser
desejado, muitas vezes utilizando o instituto do habeas corpus presente na nova Constituição
(ARIAS NETO, 2008).
Podemos dizer que o processo modernizador e de crescimento econômico, mesmo não con-
centrado em ideais de igualdade e de democracia, demonstrou que o ideal de República (ainda não
existente) estava sendo buscado.
[...] Dois debates principais atravessam a análise histórica da greve: espontaneísmo ou organi-
zação? Greve anarquista ou radicalização ocasional de uma greve de reivindicações de melho-
rias que tomou tamanha amplitude por causa do contexto de empobrecimento progressivo?
Os dois debates estão entrelaçados, uma vez que, ao colocar a ênfase no papel dos anarquistas,
se destaca também a ideia de greve organizada. Os anos de enfraquecimento, quase de aniqui-
lação, das organizações classistas em São Paulo que precederam a greve levam a considerar
que o movimento de 1917 surgiu espontaneamente, sem prévia organização. Realmente, os
sindicatos paulistanos, com exceção de alguns poucos (gráficos e chapeleiros, por exemplo),
96 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Atividades
1. Com base nas ideias expostas sobre as decisões tomadas no âmbito político e econômico,
após a Proclamação da República, busque diferenciar a prática liberalista de antes da Repú-
blica e após 1890, assim como em que aspectos a Constituição de 1891 não favorecia uma
política igualitária.
2. O “mito” do imigrante italiano sindicalizado é refutado por Claudio Batalha (2003). Expli-
que de que forma o historiador argumenta sobre isso.
3. Como podemos estabelecer uma relação entre os movimentos operários na década de 1910
e a Greve Geral de 1917?
1 Para uma leitura mais ampla sobre esse processo na Europa, com elementos que o diferenciam da preocupação
no Brasil referente à Belle Époque, sugerimos a leitura dos capítulos 9, 10 e 11 do livro de Hobsbawm (2009).
98 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Nesse contexto, o conceito de moderno ou de ideal estava sendo questionado. Quais eram as
raças ou etnias mais representativas, que direção dar à República ou mesmo a representação por-
tuguesa eram as questões do momento.
Segundo Carvalho (1998), no início do século XX, havia um questionamento sobre os
portugueses e seus descendentes, que até algumas décadas antes eram heroicizados. O portu-
guês poderia significar também o atraso, devido ao modo como se deu o desenvolvimento do
país, firmando sua cultura com preceitos coloniais, que insistiam em permanecer no Brasil.
Um exemplo de escritor defensor dessa ideia era Raul Pompeia. Para ele, uma vez que todos
os portugueses fossem retirados de qualquer emprego ou instituição do Brasil, a República se
estabeleceria. Tratava-se, portanto, de um debate amplo: a perspectiva identitária brasileira
estava sendo forjada em busca do progresso e não poderia carregar ou ser composta de ele-
mentos notadamente portugueses (CARVALHO, 1998).
Mello (2008) assinala o despontar de um movimento nas capitais e nos grandes centros,
ainda na virada do século:
O surgimento de tais bibliotecas vincula-se às chamadas sociedades literárias:
associações que se alastravam pela Província e que tinham por finalidade, em
linhas gerais, difundir e fomentar a instrução e a cultura, responsabilizando-se
pela fundação de teatros e bibliotecas, em modelo que se assemelhava ao que
acontecia na Corte e em outras partes do país. (MELLO, 2008, p. 91)
A palavra passa a ser partilhada, buscada e discutida. Diversos clubes literários e bibliotecas
fomentaram ideais e os fizeram circular pelo país, tanto via correspondência entre escritores e jor-
nalistas quanto por viagens que muitos deles faziam, especialmente para São Paulo e Rio de Janeiro.
Portanto, assim que a estrutura política da República começou a dar sinais de desgaste, devido à
ação e à resistência de movimentos na rua, no âmbito político, as ideias ganharam mais espaço.
A criação da Academia Brasileira de Letras (ABL) era reflexo da efervescência literária do
fim do século XIX. Seus fundadores, em um primeiro momento, não objetivavam debater assun-
tos políticos, especialmente Machado de Assis e José Veríssimo. Esses escritores entendiam que
literatos não deveriam se envolver – ao menos diretamente – com os acontecimentos da República
(RODRIGUES, 2001). Tal perspectiva, porém, não diminuiu a relação dos escritores com as ques-
tões sociais ou o comportamento a se esperar deles, conforme a ideia de Oswald de Andrade:
“[...] Como bom preto, o grande Machado o que queria era se lavar das mazelas atribuídas à sua
ascendência escrava. Fazia questão de impor rígidos costumes à instituição branca que dominava”
(ANDRADE, 1976, p. 77).
Essa ideia foi presente e comum à ABL até a década de 1910, quando faleceu Machado de
Assis e retirou-se da Academia José Veríssimo, devido à indicação de um político a uma cadeira.
Segundo Mello (2008), isso ocorreu no momento em que políticos começaram a perceber que
concepções ligadas ao progresso de um país estão estritamente relacionadas à formação cultural
de um povo (MELLO, 2008). Desse modo, atrelar os interesses políticos aos literários, utilizando
seus movimentos, correntes e debates, permite que um povo seja compreendido, guiado e até
mesmo manipulado.
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 99
Da ABL aos diversos clubes, revistas e até mesmo aos representantes culturais da Igreja ca-
tólica, entendemos que a palavra, ou a disputa por ela, tornou-se uma prática mais comum no de-
correr do século XX. Um exemplo de como essa premissa é fundamental é considerar que Getúlio
Vargas fazia discursos constantes por meio de rádios e jornais e, principalmente, passou a controlar
com mais veemência o que era ensinado nas disciplinas ligadas à memória nacional.
Se a palavra passou a ser comum, a disputa por ela era maior ainda, o que podemos perceber
pela existência de grupos diversos, como escritores que eram ligados a uma ideia de boemia, de
forte relação com as ruas, e outros, como os da ABL. Ambos os tipos ainda são diversos daqueles
que incentivariam o movimento modernista. As centenas de clubes e academias que surgiam pelo
país lançavam correntes e ideais, cujos objetivos eram se tornar os mais comuns ou representantes
de um período. Escritores famosos ou reconhecidos, como Lima Barreto, não conseguiram sempre
seu lugar na ABL ou em outros centros, devido à concorrência e ao interesse de muitos.
Além dos documentos e discussões oficiais das ABL, há outros escritos e declamados nos
bares mais boêmios das cidades:
Os tempos mudaram, meu caro. Há vinte anos um sujeito para fingir de pensa-
dor começava por ter a barba por fazer e o fato cheio de nódoas. Hoje, um tipo
nestas condições seria posto fora até mesmo das confeitarias, que são e sempre
foram a colmeia dos ociosos. Depois, há a concorrência, a tremenda concorrên-
cia do trabalho que proíbe romantismos, o sentimentalismo, as noites passadas
em claro e essa coisa abjeta que os imbecis divinizam chamada boêmia, isto é, a
falta de dinheiro, o saque eventual das algibeiras alheias e a gargalhada de troça
aos outros com a camisa por lavar e o estômago vazio [...]. (RIO, 1994, p. 294)
Para Rio (1944), uma discussão boa entre escritores era marcada pela objetividade, assim
como por publicar e conquistar leitores de acordo com os temas que estavam em voga. A institu-
cionalização dos escritores, embora houvesse diversas academias, não era mais comum. Mas eles
estavam conquistando um novo espaço, o profissional, pois vendiam seus trabalhos.
Liberdade de escrita e novos ideais de modernidade passaram a ser propagados nesse perío-
do, com a colaboração desses autores. Esse processo ia sendo acentuado à medida que as relações
oligárquicas se desgastavam, entre 1915 e 1930. Resistências e mudanças sociais também faziam
parte desses acontecimentos, que não ocorriam apenas em grandes centros, como afirma Sevcenko
(2009, p. 256): “O pioneirismo de São Paulo talvez se devesse à forte tensão social, sobretudo a
partir da Guerra, conjugando as forças emergentes da fronteira agrícola e da economia urbana,
contra uma elite assentada, porém declinante [...]”. Ou seja, São Paulo vivenciava mudanças sociais
e políticas mais profundas porque reunia diversos aspectos sociais, perspectiva que não anulava
outros centros.
Além disso, na medida em que se declinava o poder mais hegemônico das oligarquias, os
governos buscavam no moderno o envolvimento do povo com a política e, evidentemente, com
seus interesses:
[...] Washington Luís organizou, financiou e realizou uma temporada de con-
certos sinfônicos no Teatro Municipal, a preços populares, com um programa
variado, composto exclusivamente de compositores brasileiros e modernos.
No Rio de Janeiro, no final daquele ano (1921), foi organizada, no salão da
100 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
O trecho descreve um centro alvoroçado, em que o tempo parece correr depressa, ruas em
que se podia escutar conversas, cochichos e, principalmente, lugares onde muitas novidades esta-
vam passando ou acontecendo. Era esta a São Paulo dos anos de 1920: viva, colorida e em processo
de modernização, mesmo com a relutância das oligarquias. Ressaltamos também que, até o fim do
século XIX e o início do XX, o Rio de Janeiro foi reconhecido por envolver muito do processo de
industrialização, o que não ocorria nos anos anteriores a 1920.
Além disso, os imigrantes (que eram muitos) trouxeram sua força de trabalho e suas ideias
anarquistas, ou qualquer coisa política ou de representação econômica; eles trouxeram práticas
culturais, línguas e formas de expressão e formaram bairros, ou seja, alteraram a representação
identitária e de formação do Brasil (tema do Capítulo 9 deste livro).
Podemos entender que o processo de modernização estava acontecendo em São Paulo e
em outros grandes centros por meio de mudanças de comportamento. No entanto, Sevcenko
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 101
(2009) apresenta um pensamento de Sérgio Buarque de Holanda, a fim de criticar a ideia homo-
gênea de que o modernismo se colocava contra as instituições conservadoras e tradicionais do
Brasil já em seu início:
Parece claro que o próprio impulso que levou os primeiros homens a gravar
desenhos nas paredes das cavernas participa muito, não de um desejo de li-
bertação como já se tem dito (isto é, libertação no sentido de exaltação, corres-
pondendo a uma expansão de vitalidade), não de esforço de resistência contra
o aniquilamento, mas ao contrário, e acentuadamente, ao desejo invencível de
negar a vida em todas as suas manifestações. (HOLANDA apud SEVCENKO,
2009, p. 312, grifo nosso)
A noção de liberdade, de algo novo, de um ponto de vista sobre os temas do período e a in-
fluência de outras vanguardas, é o que sustenta a ideia de que a São Paulo dos anos de 1920 estava
em um processo de transformação para apresentar uma nova perspectiva ao Brasil.
Na virada do século XIX para o XX, a expressão artística não era tão significativa, com ex-
ceção de nomes como Lima Barreto, Machado de Assis e Euclides da Cunha. No que diz respeito
aos movimentos, apenas o parnasianismo e o simbolismo tinham destaque em algumas regiões
do Brasil (NASCIMENTO, 2015).
Quando algumas exposições começaram a ser realizadas, como a de Anita Malfatti, em
1917, elas faziam parte de um processo amplo, o de trazer ideais de modernidade da Europa para o
contexto brasileiro. O que essa e outras exposições traziam era princípios cubistas, futuristas e ex-
pressionistas, ou seja, preceitos artísticos bastante diversos do habitual. Nascimento (2015) reitera
que, embora muitas dessas exposições tenham passado despercebidas, provocaram reações:
No caso Anita [Malfatti], estão, pela primeira vez, defrontados publicamente no
Brasil dois valores radicalmente distintos. Um é o valor representativo do conserva-
dorismo cultural da época; as palavras de Monteiro Lobato reproduzem os parâme-
tros de uma estética acadêmica que entendia a pintura como reprodução direta da
natureza. Outro é o valor absolutamente novo, expresso nos quadros de Anita, de
uma arte que atende a seus próprios princípios, não tendo um compromisso foto-
gráfico com os objetos da realidade natural. (NASCIMENTO, 2015, p. 380)
Monteiro Lobato acusava Anita Malfatti de ter uma atitude estética forçada, sob a influência
de Picasso e outros. Nascimento (2015) tem o entendimento de que uma corrente estava buscando
seu espaço, com pensamentos ou comportamentos de um novo período, motivo pelo qual se deu
o debate do trabalho de Anita Malfatti. No ano de 1917, essa artista teve pouco apoio, e apenas
Oswald de Andrade teria feito um artigo em sua defesa. Oswald de Andrade, já amigo de Mário
de Andrade, aproxima este de Anita Malfatti e, nos cinco anos seguintes, os três passam a discutir
sobre a estética brasileira e suas relações com o contexto (NASCIMENTO, 2015, p. 381).
Schwarcz e Starling (2015) afirmam que foram várias as ideias sobre modernidade nesse pe-
ríodo, buscando-se uma nova imagem sobre o Brasil. Nesse caso, a experiência paulista da semana
de 11 a 18 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal, foi a catalizadora do que estava acontecendo
no país. Homens e mulheres como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila
do Amaral e Heitor Villa-Lobos levaram sua arte para a exposição, a fim de trazer a ela movimen-
tos europeus, porém com traços brasileiros (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
102 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Embora o movimento não tenha alcançado repercussão imediata, ele incentivou novas pu-
blicações nos anos seguintes. No ano de 1924, Oswald de Andrade lançou o Manifesto da poesia
pau-brasil, cujo objetivo era reforçar a ideia de formar e discutir sobre poemas brasileiros:
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da litera-
tura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em
sua época. O estado de inocência substituindo o estado de graça que pode ser
uma atitude do espírito. O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a
adesão acadêmica. A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor
de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas
brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia
e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais.
Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa
etimológica. Sem ontologia. Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores
de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o
minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil. (ANDRADE, 2017, grifos nossos)
Nessa parte do manifesto, Oswald de Andrade traz diversos elementos do que seria uma cor-
rente literária ideal e significativa sobre o Brasil. Há uma crítica à ausência de uma atuação maior
da ABL, quando sugere “o contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica”.
Do mesmo modo, reafirma que os movimentos modernos devem ser conduzidos por aqueles que
representam a “atualidade” do Brasil, em “apenas brasileiros de nossa época” e em “meeting cultu-
ral”, diminuindo o lugar das influências europeias e norte-americanas.
Tal como as vanguardas europeias, o que muitos desses artistas defendiam era a valorização
da cultura e dos traços próprios ao seu país e, por isso, propositalmente o nome do manifesto con-
tinha o termo pau-brasil, certamente um dos elementos mais representativos e originais do Brasil.
Mário de Andrade é lembrado tanto por sua intensa participação em todo o movimento
quanto por sua obra Macunaíma, cujo objetivo era frisar um estilo de escrita mais livre, mas que, ao
mesmo tempo, trazia outros princípios. Durante a busca de um amuleto, Macunaíma, personagem
da obra, tem diversos comportamentos e passa por inúmeras regiões brasileiras, com indígenas,
brancos e negros sendo retratados. Assim, Macunaíma
representava [...] o resultado de um período fecundo de estudo e dúvidas
sobre a cultura brasileira, incorporando traços de uma cultura não letrada,
em que se inseriam indígenas, caipiras, sertanejos, negros, mestiços e bran-
cos, muitos deles até então esquecidos nas artes nacionais. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 339)
Mário de Andrade, autor de Pauliceia desvairada (1921), mostra em sua obra um Brasil
ainda desconhecido, o qual começaria a fazer parte de um projeto de nação no período de governo
de Getúlio Vargas, tanto pelo interesse do presidente quanto pelas influências de representantes do
movimento modernista, que ocuparam cargos nos ministérios desse governo. O autor não chegou
a sair do Brasil, mas para o seu projeto nacional havia o mais importante:
A foz do Amazonas é uma dessas grandezas tão grandiosas que ultrapassam
as percepções fisiológicas do homem. Nós só podemos monumentalizá-las
na inteligência. O que a retina bota na consciência é apenas um mundo de
águas sujas e um matinho sempre igual no longe mal percebido das ilhas.
O Amazonas prova definitivamente que a monotonia é um dos elementos
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 103
Tal percepção de Mário de Andrade vinha das viagens feitas por ele pelo interior do Brasil,
a fim de conhecer o país. A citação deixa evidente o tom “de grandiosidade” e de sua diversidade,
que, para ele, deveriam ser molduradas, ou seja, pintadas, narradas ou retratadas. Tratava-se de um
apelo ao que era belo no Brasil, ressaltando-se belezas naturais muito além de qualquer caracterís-
tica europeia, uma postura comum dos artistas do período imperial.
Do mesmo modo, nos anos subsequentes, Oswald de Andrade declamou e publicou o
Manifesto antropofágico ou antropófago. Parte do texto afirma o seguinte:
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição
permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi capi-
talista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem.
A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites consegui-
ram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida
e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá
não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto
antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor.
Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A
baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a
calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra
ela que estamos agindo. Antropófagos. Contra Anchieta cantando as onze mil
virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de
São Paulo. A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de
D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aven-
tureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino,
as ordenações e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e
opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem
prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama. (ANDRADE,
2017, grifos nossos)
O sentido dado por Oswald de Andrade nesse manifesto é o de retirar das culturas que
formaram a brasileira o seu melhor, ou seja, transformar o que foi trazido de bom em uma cul-
tura própria.
A antropofagia, estudada pelo escritor, seria um ritual ou gesto que retém a parte boa do seu
“inimigo”, que toma as suas forças. Nesse sentido, Oswald de Andrade também reitera o que deve-
ria ser deixado de lado, devido à dominação comum e à manipulação cultural que havia ocorrido:
“Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema” (ANDRADE, 2017).
Esses povos eram representados pelos portugueses, os bragantinos, os quais impuseram sua cultura
cristianizada à “terra de Iracema” (a indígena idealizada em José de Alencar), era, portanto, preciso
expulsar os espíritos que não respeitavam a predominância de uma cultura indigenista e própria
ao Brasil, uma brasilidade.
104 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
A antropofagia se referia à ideia de “deglutir” a cultura, no caso, todas aquelas que com-
punham a brasileira, e dar um lugar especial aos indígenas, afrodescendentes e aos descendentes
europeus, porém não deveria mais permitir que a Europa e os Estados Unidos tivessem supremacia
cultural nas terras tropicais brasileiras.
O Abaporu2, por exemplo, foi uma das pinturas mais representativas desse momento.
O nome da obra tem o sentido de “o homem que come carne humana”, por isso, está diretamente
relacionado ao movimento antropofágico e à Revista de Antropofagia. Para além das questões es-
téticas, o sol e o cacto que estão presentes na obra podem lembrar nossas paisagens dos sertões e
do interior do Brasil, assim como podem ser elementos de denúncias sociais, devido à miséria que
existe nesses espaços. O sujeito pensativo da pintura pode nos sugerir o mesmo, pensar sobre o
Brasil, e, além disso, seus pés e mãos nos lembram os trabalhos de tantos, desenvolvidos e desco-
nhecidos pelo Brasil.
Ainda que os manifestos acabassem desencadeando interesse em publicar a Revista de
Antropofagia, a publicação teve em seu primeiro número o manifesto de Oswald de Andrade,
que era de família abastada e havia circulado bastante pela Europa e conhecido, além de artistas,
diversas teorias, como a da psicanálise. Ao voltar ao Brasil, o escritor se juntou a outros artistas,
como Mário de Andrade e Anita Malfatti, e lançou tal revista (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Nela, havia
Referências a Rousseau, Montaigne, Picabia, Freud, e em destaque aparecia
exposta a contradição entre duas culturas distintas e coetâneas: a primitiva
(ameríndia e africana) e a latina (europeia). Diferentemente do indigenismo
romântico do XIX, a ideia era apresentar não um processo de assimilação
pacífico, mas a tensão inerente a esse encontro, que levaria à deglutição crítica
do outro. “Tupi or not tupi, that is the question” [...] “uma língua literária e
não catequizada”. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 339)
A crítica estabelecida ao indigenismo romântico do século XIX não tinha por objetivo
desqualificar os indígenas, mas os movimentos artísticos do período imperial. Ao mesmo tempo,
havia uma valorização do indígena, do afrodescendente e da cultura europeia (em menor parte),
cujo interesse era criar um produto novo, com uma face mais moderna. Este não se relacionava
com uma perspectiva tão harmoniosa, como foi o romantismo indigenista, o qual acabou por
legitimar boa parte da herança colonial e europeia; a expressão tupy or not tupy diz respeito a esse
limite, que não deve ser considerado; apenas um movimento antropofágico conseguiria fazer a
distinção do que “poderia ser aproveitado”.
Percebemos, assim, que a Semana de Arte Moderna de 1922 – e seus desdobramentos – não
se tratava apenas de exposições de arte, mas de um momento em que críticas e debates políticos
foram levantados também relacionados às questões de ordem social e política instituídas no Brasil.
Se a Semana de Arte Moderna de 1922 levou alguns anos para repercutir de modo mais amplo, o
Brasil se encontrava à época vivendo outros movimentos e ideias – conservadoras ou não – que
2 Para saber mais sobre a obra, acesse a página Enciclopédia Itaú Cultural: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
obra1628/abaporu>. Acesso em: 2 mar. 2018.
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 105
ocasionariam novas mudanças (temas dos próximos capítulos). Essas transformações também fo-
ram possíveis devido aos novos comportamentos da virada do século.
cafés. O historiador traz a seguinte perspectiva sobre os anos de 1910 a 1920 em São Paulo: “[...]
A democratização do acesso à música; a proliferação dos bailes e ambientes de dança pagos como
parte polpuda da emergente indústria do lazer e a proliferação dos ritmos frenéticos [...] o maxixe,
o tango, o fox trotter [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 89-90).
Com a indústria fonográfica e a do cinema norte-americano (especialmente pelos proble-
mas decorrentes da Primeira Guerra Mundial), os encontros e sociabilidades movidos à música
em cafés dançantes, assim como saraus e sessões de cinema marcadas, tornaram-se práticas mais
comuns à parte da população.
Nesse tempo, o centro estava transformado, com ruas bonitas “aos olhos” dos muitos que o
frequentavam, fosse para trabalhar, fosse para ter um encontro, para ver uma exposição ou ler em
bibliotecas e clubes de escritores/leitores.
Considerações finais
Neste capítulo refletimos sobre as mudanças ocasionadas pela Proclamação da República,
isto é, sobre o que significa uma República ser o tipo de governo escolhido do período. Mesmo com
todos os problemas e a resistência ocorridas nas primeiras décadas no Brasil com relação a instalar
um governo mais democrático ou que atendesse à população, foram perceptíveis transformações
no cotidiano e na possibilidade de falar ou escrever sobre outras demandas, que permitiram aos
escritores – e a seus leitores – estabelecer reflexões culturais e políticas sobre o Brasil oligárquico.
É preciso considerar que a economia, quando deu liberdade para que novos segmentos in-
dustriais se instalassem ou se propagassem, permitiu que tradições e novos costumes fossem con-
testados. Imigrantes e migrantes passaram a buscar lugares tanto no campo quanto nas cidades,
alterando esses espaços sociais.
Tais características nos fazem compreender que processos tão complexos – como a instala-
ção de uma República – somente são entendíveis quando analisamos a ruptura diante dos peque-
nos e grandes desdobramentos.
Ao definir a cidade de São Paulo como berço do modernismo porque era “espiritualmente
muito mais moderna”, o autor da Pauliceia Desvairada conclui que no Rio [de Janeiro], a
“grande camelote acadêmica”, “sorriso da sociedade”, “corte imperialista”, seria impossível a
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República 107
eclosão desse movimento devido ao seu atraso cultural. O exotismo folclórico do samba e a
falta de um espírito aristocrático negavam à capital federal o espaço da modernidade já ocu-
pado pela metrópole bandeirante.
Para essa linha de interpretação converge a avaliação de Antônio Cândido, para quem o
modernismo, tal como o romantismo, seria um “momento paulistano”, quando a capital ban-
deirante se projetara sobre a nação buscando “dar estilo às aspirações do país todo”.
Através de seus intelectuais, principalmente os modernistas, a capital paulista pretendia alcan-
çar a liderança cultural, reivindicando para si a direção da inteligência brasileira. Filiados a
agremiações político-partidárias, articulistas de jornais claramente identificados com essas
agremiações, membros da administração pública estadual, impregnados de um forte senti-
mento de paulistanidade entendida na sua dimensão identificadora, esses intelectuais associa-
riam às tarefas políticas as lutas no campo artístico-literário.
Temos aqui, diante dessa análise, uma das contradições dos modernistas de São Paulo,
pois se de um lado rejeitavam todos os outros regionalismos taxando-os de passadistas e
antimodernos, por outro lado queriam colocar no lugar um novo regionalismo, só que este de
matriz paulista.
Vale a pena salientar uma mudança de atitude de boa parte dos autores modernistas com rela-
ção ao nacionalismo, fato que, segundo Eduardo Morais, vai estar diretamente relacionado com
os acontecimentos da Revolução Paulista de 1924, originados na onda crescente do tenentismo.
Essa insurreição militar teve início do dia 5 de julho de 1924, quando os revoltosos toma-
ram os quartéis do Exército, força pública, estações de trem, bem como grande parte da área
urbana da cidade. O presidente do estado, Carlos de Campos, retirou-se da cidade ordenando
um bombardeamento indiscriminado, pois era incapaz de detectar a posição dos revoltosos.
Dessa forma, a capital foi sistematicamente alvejada, sendo especialmente visados os bairros
operários e populosos, embora não escapassem também escolas, hospitais e igrejas [...].
Assim, se no primeiro momento modernista a preocupação era combater o passado em nome
da atualização/modernização, a partir de 1924 ocorreu uma mudança de perspectiva, ou seja,
colocou-se a óptica do nacionalismo como processo de renovação: “só seremos modernos se
formos nacionais”. Neste sentido, o “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade, lançado
em 1924, pode ser considerado uma obra inaugural. Aqui “não é o passado genérico que é
negado, mas parte concreta deste passado, o lado bacharelesco, aquele que escondia, em fun-
ção do processo de transplantação cultural, o verdadeiro passado brasileiro que deveria ganhar
visibilidade. [...]
Atividades
1. A Proclamação da República permitiu que novas ideias fossem debatidas sobre diversos
temas, inclusive a política. Escreva a respeito de como essa “possibilidade” ocasionou novos
“olhares” sobre o Brasil, mesmo em um mundo oligárquico.
2. Indique um exemplo em que espaços públicos foram construídos de acordo com interesses
privados no início do século XX, motivo pelo qual podemos afirmar que houve uma priva-
tização do público em São Paulo.
108 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
3. O texto encontrado na seção “Ampliando seus conhecimentos” estabelece uma relação entre
o modernismo e o tenentismo. Com base nele, responda qual foi a mudança ocorrida no
movimento modernista após esse último acontecimento.
Não há solução para os males sociais fora das leis da biologia. Não há polí-
tica racional, independente dos princípios biológicos, capaz de trazer paz e
felicidade aos povos. Política econômica, conservadora, democrática, socia-
lista, fascista, comunista, todas essas políticas e formas de governo falham
se não se inspirarem nos ditames da ciência da vida. Eis, por que, a polí-
tica por excelência, é a política biológica, a política com base na eugenia.
(KEHL, 1933, p. 24)
O slogan traduzido pode ser entendido da seguinte forma: “Eugenia é a direção correta para
a evolução humana”. Para a defesa desse argumento, é possível notar na imagem da árvore (cuja re-
presentação contém fortes raízes e muitos galhos bem apresentados, remetendo às suas bases), no
lado esquerdo, as disciplinas já citadas e outras como Etnologia, Geografia, Psicologia, Anatomia
e Direito, e, no lado direito, as palavras política, economia, estatística, religião, evolução e medicina,
termos que reúnem áreas de conhecimento em voga e em desenvolvimento durante o século XIX e
o início do XX. A imagem sugere que esses campos de estudo, quando dominados e incentivados,
poderiam trazer progresso àqueles que os detivessem.
Portanto, a ideia de eugenia pode ser entendida como um movimento científico relacionado
à discussão sobre raça, gênero, saúde e nacionalismo no início do século XX no Brasil, cujo fim
seria uma regeneração racial. De acordo com Silva e Silva (2009),
foi a Antropologia Física a primeira ciência a estudar a variedade de raças e de
seres humanos, levando ao surgimento de uma disciplina especializada na de-
terminação das diferenças biológicas entre as raças, a Frenologia. Criada ainda
no final do século XVIII, a Frenologia teve grande desenvolvimento no século
seguinte, influenciando muitos pensadores sociais, entre os quais o criador do
positivismo, Auguste Comte. Tal disciplina – hoje totalmente desacreditada –
pretendia estabelecer as características psicológicas de cada raça com base nas
medidas e no tamanho do cérebro. Ela influenciou as teorias eugênicas sobre ra-
ças superiores nos séculos XIX e XX, assim como a Medicina e a Criminologia,
que tiveram na obra do italiano Lombroso sua maior influência. (SILVA; SILVA,
2009, p. 346-347)
No século XIX, a ideia de raça passou a fazer parte dos interesses das ciências sociais e hu-
manas, especialmente após a publicação dos estudos de Charles Darwin, em 1859, sobre a teoria
evolucionista. Esta, além de frisar as diferenças entre as raças (racialismo), justificava algumas
como superiores (SILVA; SILVA, 2009). Por isso, para os eugenistas, cada raça tinha um grau de
importância na escala natural da evolução, sendo a mais superior a raça branca.
A eugenia, como corrente, ganhou espaço no Brasil devido ao contexto da época, em que o
número de ex-escravos e de imigrantes chegando às capitais era imenso. Como visto nos capítu-
los anteriores, não houve uma preparação sanitária ou de urbanização nas cidades que buscasse
atender a maioria da população, embora desde o fim do século XIX já existisse uma preocupação
maior. Contudo, em geral, os centros das cidades e os bairros destinados às classes mais superio-
res estiveram no centro dos projetos de saneamento. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a
pobreza imperava por meio de cortiços, empregos informais e ausência de direitos, ocasionando
problemas urbanos e rurais de todos os tipos.
A Revolta da Vacina, ocorrida em 1905, também pode ser analisada pelo viés do discur-
so eugênico que chegava ao Brasil nos anos de 1910. Na Figura 2, observe um cartum retratan-
do Oswaldo Cruz1, cientista do período e responsável por análises clínicas que buscavam sanar
1 Ressaltamos a importância desse cientista, cujo instituto de pesquisa criado no ano de 1900 foi transformado na
Casa Oswaldo Cruz, em 1986. Ele foi um dos responsáveis por boa parte das principais pesquisas de História da Saúde
e de outras ciências ligadas a esta. Para mais informações, fontes e pesquisas relacionadas, acesse o site: <www.coc.
fiocruz.br>. Acesso em: 20 fev. 2018.
112 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
problemas de saúde decorrentes de todo tipo de mazelas sociais. A busca por focos de todo tipo
de larvas, o estudo da peste bubônica e da febre amarela, a criação de soros e o estímulo à análise
e criação de institutos de pesquisa no Brasil estão entre as realizações de Oswaldo Cruz. O cartum
representa a atuação do cientista, durante a reforma urbana e a Revolta da Vacina, em 1905.
Figura 2 – Cartum de O Malho, com Oswaldo Cruz passando o pente-fino da “Delegacia da Higiene” no
morro da favela.
Wikimedia Commons
Para além dos problemas ocasionados pela Revolta da Vacina, bem como pelo desconhe-
cimento da população sobre os interesses de Oswaldo Cruz e de sua equipe, esse acontecimento
demonstra como o Brasil estava começando a se preocupar com preceitos higiênicos e de saúde.
A reforma urbana e de saneamento nas principais capitais e as influências de princípios diversos,
como o positivista (que apontava que o uso da ciência deve ser aprimorado para haver progresso),
podem ser apontados pela historiografia.
June Hahner, por exemplo, afirma que educadoras sanitaristas foram contratadas pelo
estado do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX para difundir nas escolas conhe-
cimentos e regras de higiene, a fim de combater doenças e a mortalidade infantil. Dessa forma,
a família brasileira poderia ter filhos saudáveis e, de acordo com os princípios do período, re-
generaria a raça e a nação (HAHNER, 2003). Um dado que representa a preocupação com a
moral, a ideia de nação e de higiene a partir dos anos de 1920 e 1930 é o de que 1% de todo o
recolhimento de impostos deveria ir para o atendimento das crianças e de suas mães – porém
apenas para aquelas que tivessem o casamento reconhecido pelo Estado, segundo a Constituição
de 1934 (HAHNER, 2003).
Essas estratégias e ações apenas ganharam espaço devido ao entendimento de muitos
cientistas, os quais afirmavam de que o Brasil se tratava de um país não civilizado e com raças
inferiores, com indígenas, negros, caboclos e mestiços. Nesse sentido, algumas instituições e
cientistas brasileiros tentaram, sob a influência de correntes europeias, fazer propostas sobre um
“melhor” progresso ao Brasil (CARRARA, 2004), bem como sobre a absorção das raças aponta-
das como inferiores.
Discursos eugênicos no Brasil 113
Schwarcz traz a seguinte expressão de João Batista Lacerda, diretor do Museu Nacional do
Rio de Janeiro, durante o primeiro Congresso Internacional das Raças, na cidade de Londres, em
1911: “O Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e so-
lução” (LACERDA apud SCHWARCZ, 2009, p. 11). Tal premissa evidencia o que estava em jogo: o
Brasil só teria progresso no século XX se fosse reconhecido como um país miscigenado, entretanto
com predominância da cor branca. Schwarcz aponta ainda que a tese de Lacerda trazia a seguinte
pintura como representação de sua ideia:
Figura 3 – A Redenção de Cam
Wikimedia Commons
Fonte: BROCOS, Modesto. A Redenção de Cam. 1895. Óleo sobre tela: 199 cm × 166 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
Essa obra representa a família ideal para a proposta eugenista: aparentemente simples, po-
rém com um futuro promissor, visto que a criança é branca. Note que a avó, ou matriarca, é negra,
provavelmente uma ex-escrava, enquanto sua filha já é miscigenada, em razão de ser parda. Do
casamento desta com um branco, nasceu uma criança branca.
Os olhares dos pais e as mãos da matriarca direcionados ao céu demonstram uma satisfação
por tal característica, ou uma redenção, e alegria por parte das negras em deixarem como herdeiros
crianças brancas. Em outra análise da obra, Lotierzo e Schwarcz trazem mais uma afirmação de
Lacerda, assim como sua conclusão sobre a necessidade da branquitude no país:
“os brancos, cuja consciência desperta com a ideia do dever, convidam os negros
e os amarelos, seus irmãos, a estreitar mais os liames de amizade” [...] Segundo o
cientista brasileiro, por efeito da evolução e da entrada de imigrantes europeus,
levaria três gerações ou um século para que o país se tornasse evidentemente
branco. (LOTIERZO; SCHWARCZ, 2013, p. 3)
O trecho entre aspas se refere ao discurso de Lacerda e deixa evidente o pensamento dele de
que, embora as três raças “convivessem” no Brasil, a supremacia e a liderança vinham da branca, o
114 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
que ele intitula de “consciência sobre um dever”. Mais direta é a ideia de Lotierzo e Schwarcz, que
trazem a perspectiva futura de Lacerda: em três gerações, o país seria “branco”.
Ainda sobre a análise da pintura, Lotierzo e Schwarcz fazem observações sobre a “esperança”
estar na criança branca, com um pai branco, e que o fato de as mulheres serem as negras ou pardas
denota um problema de gênero, pois o lado mais “fraco” estava nas mulheres. Não obstante, é pre-
ciso considerar que Cam, filho de Noé, segundo relata a Bíblia, foi escravizado e, depois, isolado
pela própria família, sendo sua descendência apontada por muitos teóricos como a responsável
pela povoação da Europa, a partir da África. Em virtude disso, os negros eram então vistos por
esses teóricos como descendentes de alguém com moral degradante.
O sociólogo Richard Miskolci entende que havia um desejo no Brasil por direcionar o país
em um projeto de hegemonia política, o qual entendia a sociedade como uma realidade biológica
e que só teria sucesso econômico e político para si – e para o mundo – quando embranquecida.
O sociólogo aponta ainda que relações sexuais e uniões que poderiam ou não acontecer deveriam
ser controladas, de acordo com a boa moral e os valores do período (MISKOLCI, 2012).
Entretanto, as medidas eugênicas no Brasil foram menos agressivas que em outros países,
como nos Estados Unidos, onde elas tiveram como marco o ano de 1907, em que milhares de pes-
soas foram esterilizadas de forma obrigatória, sendo a maioria delas negra e com doença mental.
No caso brasileiro, predominou uma política de projetos sociais, em que a educação sexual, exames
pré-nupciais e os conflitos familiares eram mediados buscando sanar os problemas, e não “elimi-
nar” a sua origem (STEPAN, 2004).
Assim, ainda que a Sociedade Eugênica de São Paulo tenha sido criada em 1918, já no ano de
1914 uma primeira tese abordou o tema. O título era justamente Eugenia, apresentada na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, cujo orientador foi Miguel Couto. Pouco antes, um artigo de Renato
Kehl – um dos principais responsáveis no Brasil e na América Latina pela propagação dos ideais
eugênicos – foi publicado. Kehl afirmava ser necessário estudar os preceitos sobre hereditariedade
com base na ciência de Francis Galton, a fim de que o país evoluísse (SOUZA, 2012).
Souza aponta que a eugenia menos agressiva obteve mais espaço no Brasil, em relação à
forma como ocorreu nos Estados Unidos, pela ideia de sanar, curar e incentivar a higiene dos mais
variados grupos por meio de políticas sociais, a fim de que tivessem filhos sadios, em vez de proibir
ou tornar essas pessoas “inférteis” (SOUZA, 2006).
Ao mesmo tempo que havia intelectuais que apoiavam os preceitos eugenistas no país, al-
guns os repudiavam, perspectiva que colaborou para o enfraquecimento do movimento. Um deles,
o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, rebateu diretamente Oliveira Vianna, autor que defendia
a ideia de eugenia com a expressão capital eugênico. Esta se refere ao princípio de que o desenvol-
vimento de uma raça é condicionado por sua biologia, o que, segundo Oliveira Vianna, atingia
diretamente os brancos, cujo “capital” era maior. Nesse caso, o Brasil só seria um país moderno se
estimulasse a imigração de mais representantes arianos (PAIVA, 1978).
Sérgio Buarque de Holanda afirma que a influência dos negros e indígenas se deu de dife-
rentes formas, inclusive domésticas, as quais não foram passivas. Além disso, a miscigenação não
poderia ser vista como um problema para os portugueses (e seus descendentes), visto que eles
Discursos eugênicos no Brasil 115
também eram resultado de relações com árabes e judeus, não somente no aspecto racial, mas cul-
tural e étnico (HOLANDA, 1995).
O problema maior do debate entre aqueles que tinham como influência a eugenia e os que
não a defendiam é o mito de democracia racial. Se a teoria evolutiva racial não ganhou toda a elite
ou intelectuais do período, ela ganhou uma substituta, a de que as três raças haviam se miscigenado
(como representado no livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre), assimilando-se mutua-
mente e vivendo em uma “quase” harmonia social (OLIVEIRA, 2015).
branca dos racistas. No Brasil, o clima tropical era visto como fator adicional de
deterioração de sua população mestiça [...]. (STEPAN, 2004, p. 149-150)
O que ocorreu foi uma apropriação de cada país às ideias influenciadas pelas teorias da euge-
nia, porém de acordo com os princípios nacionalistas de seu tempo. Muitos desses países estavam
buscando construir uma república democrática ou, pelo menos, havia uma disputa nesse sentido.
Nesse contexto, Souza (2006b, p. 82) afirma:
A eugenia pode ser definida, inclusive – especialmente no Brasil e na América
Latina –, exatamente como uma ciência polimorfa. Ou seja, como uma forma
de conhecimento cuja constituição se processou a partir da relação direta com
outros ramos do pensamento científico e social, sem perder, no entanto, a
sua natureza e seus objetivos. Como os próprios eugenistas a classificavam, a
eugenia se caracterizava como uma “ciência biossocial”, orientada tanto pelo
conhecimento biológico e pelas diferentes disciplinas médicas, quanto pelo
conhecimento social e político, como a sociologia, a pedagogia, a demografia
e a antropologia.
No caso brasileiro, Souza aponta que, entre os anos de 1910 e 1920, intelectuais passaram a
empregar os termos raça amarela, raça branca, entre outros, para falar sobre a população do país.
Renato Kehl, responsável por vários ideais eugenistas, apoiava a miscigenação racial, por acreditar
que o Brasil estava vivendo um processo de branqueamento e, portanto, de melhorias genéticas.
Entretanto, Souza afirma que, após décadas, Kehl passou a duvidar de que isso estivesse de fato
ocorrendo, ou seja, o farmacêutico passou a acreditar que tantas raças e imigrantes chegando esta-
va apenas ocasionando o que chamava de degeneração (SOUZA, 2006b).
Um dos argumentos para essa ideia era a crítica ao casamento inter-racial, entre brancos e negros:
Entendemos que a mestiçagem é dissolvente, desmoralizadora e degradante,
prejudicando, portanto, o espírito superior visado pela procriação eugênica. É
indiscutível o antagonismo e mesmo a repulsa sexual existente entre os indi-
víduos de raças diversas. Só motivos acidentais ou aberrações mórbidas fazem
unir-se um homem branco com uma negra ou vice-versa. E o produto deste
conúbio nasce estigmatizado não só pela sociedade, como, sobretudo, pela na-
tureza; está hoje provado, não obstante o grito de alguns cientistas suspeitos,
que o mestiço é um produto não consolidado, fraco, um elemento perturbador
da evolução nacional. (KEHL apud SOUZA, 2006b, p. 181, grifos nossos)
Schwarcz e Starling salientam um tema específico da década de 1920. Elas afirmam que o
antropólogo Edgard Roquette-Pinto, presidente do primeiro Congresso Internacional de Eugenia
(1929), previa que no ano de 2012 o Brasil seria 80% composto de brancos e 20% de mestiços, ou
seja, não haveria negros e indígenas (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Considerando o período
e até mesmo o desconhecimento do mapa brasileiro, entendemos que as ideias de Roquette-Pinto
correspondiam ao seu tempo e ao seu grupo, que defendia uma mestiçagem eugênica (SOUZA,
2006). Porém, o que mais interessa apontar sobre tal afirmação é que o debate no Brasil após a
abolição da escravatura deixou de discutir igualdade e cidadania, para concentrar sua atenção nos
respaldos biológicos da diferença racial e social.
Assim, justificava-se a hierarquia social brasileira e se escondiam os pilares em que tais di-
ferenças foram instituídas. O ex-escravo deveria conviver com o preconceito por ter sido escravo,
assim como com a vergonha por pertencer a uma raça “inferior”.
Nesse contexto, a imigração, portanto, era pauta de análise de intelectuais e teóricos, que
emitiam suas opiniões nos jornais de boa circulação e nos boletins das instituições. Stepan (2005)
aponta que as ideias eugênicas desse período estavam mais relacionadas a questões sanitárias que
a qualquer tentativa de “mudança genética”. Ao mesmo tempo, a partir de 1920, a discussão sobre
eugenia envolveu questões como raça, imigração e formação nacional, ou seja, políticas imigrató-
rias também projetavam o seu “imigrante ideal” (STEPAN, 2005).
Considerações finais
A eugenia foi uma prática científica e de intenso debate entre os anos de 1910 e 1940 no
Brasil. Seu eixo eurocêntrico era comum, além da tendência a ideias e correntes que acompanha-
vam os preceitos europeus desde os séculos do Período Moderno. As principais consequências das
ideias eugenistas ao Brasil é que as diferenças étnicas e raciais, presentes desde quando o país era
colônia, apenas se acentuaram. Isso se devia ao fato de elas não terem sido vistas como culturais e
resultado de um modus operandi colonial. Nesse mesmo contexto, importantes instituições de estu-
do e pesquisa surgiram ou cresceram como o Museu Paulista (São Paulo), o Museu Emilio Goeldi
(Belém) e as Faculdades de Medicina (em Salvador e no Rio de Janeiro). Todas essas instituições
tiveram seus próprios pesquisadores, cujas ideias colaboraram para a formação do pensamento
brasileiro da época.
Dicas de estudo
Para um debate mais aprofundado sobre a relação entre o mito da democracia racial, a histo-
riografia brasileira e as teorias sociais e raciais do século XX, sugerimos as leituras a seguir:
• FREYRE, G. Casa-grande e senzala. Campinas: Global, 2012.
Essa obra tem por objetivo debater as origens da composição e miscigenação brasileira,
cujo foco de análise é a casa senhorial no Brasil Colônia. A “casa-grande” é vista como um
símbolo de uma monocultura econômica açucareira que, por sua vez, não dinamizou as
relações sociais.
120 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Atividades
1. Diferencie a eugenia mais agressiva (EUA) da mais suave (Brasil) e explique como se deu sua
apropriação no Brasil.
2. No que se refere à eugenia no Brasil, explique em que medida ela se relaciona com a reforma
urbana e sanitária.
4. O texto de Gustavo Kern da seção “Ampliando seus conhecimentos” expõe uma crítica da
eugenia à miscegenação de raças. Com base no que abordamos neste capítulo e na leitura
do texto de Kern, descreva uma relação possível entre a eugenia e perspectivas intelectuais
do período.
9
1920 e as efervescências sociais e políticas
Nesse trecho, percebemos que, ainda que se esperassem novidades relacionadas a um tempo
de paz, de movimentos pacifistas, havia a ideia de um povo “enigmático” e que assistia “impassível”
ao seu contexto. Longe da ideia de um povo que aceitava e apenas assistia aos acontecimentos,
o cronista, segundo Sevcenko, expõe em sua crônica sentimentos ambivalentes e perceptíveis na
realidade paulistana.
Sobre esse período, Schwarcz e Starling (2015) afirmam que, entre 1914 e 1918 (época da
Primeira Guerra Mundial), o Brasil viveu uma série de novos acontecimentos – como flutuação do
preço do café, secas e mudanças devido à entrada de imigrantes – que ocasionaram a formação de
um grupo de liberais nos grandes centros, além da expansão das fábricas menores, em virtude do
abalo no abastecimento dos produtos importados.
Sevcenko (2009) afirma que, nos anos de 1920, elementos fundadores de São Paulo ou de
seus comportamentos identitários foram buscados. Geralmente ligados às fábulas ou aos mitos,
o bandeirante, antes apontado como malvestido, violento e sem grandes ambições, passou a ser
1920 e as efervescências sociais e políticas 123
representado como um herói colonial, o que “venceu” tempos difíceis. Velloso, por sua vez, apre-
senta o bandeirante como um herói repleto de epopeias, patriota e sério, tendo o século XVI como
essência ou vivendo “uma espécie de Eldorado” (VELLOSO, 2008, p. 375).
Sevcenko recorre ao mito da torre de Babel, a fim de explicar a quantidade de povos que
chegavam à capital paulista, afirmando que havia uma fusão entre os índios, os brancos e os negros:
Tudo leva a crer que o movimento aluvial das ádvenas, egressos do velho mundo
e das velhas opressões secularmente organizadas, tende a crescer prodigiosa-
mente, rumo das nossas plagas. E começaremos então a penetrar no coração do
maravilhoso encargo que nos foi cometida pela Providência. [...] a realizar uma
gloriosa inversão do mito de Babel – a tornada dos povos dispersos pela terra
ao seio de uma pátria humana, [...] onde [...] surgirão como num encantamento
as novas arquiteturas da sociedade futura [...]. (NOGUEIRA apud SEVCENKO,
2009, p. 37)
A citação deixa evidente o acolhimento defendido por alguns no que diz respeito aos imi-
grantes (povos dispersos pela terra) por uma pátria cuja formação estava sendo buscada e forjada.
No trecho, percebe-se uma promessa de contextos melhores, nas expressões velho mundo e velhas
opressões. Nesse caso, como em um presente da providência divina, os mais variados grupos sabe-
riam se unir e fazer crescer essa pátria, invertendo o mito original de Babel.
A rápida urbanização e a industrialização dos grandes centros ocasionaram problemas
sociais e o aumento populacional. Do mesmo modo, a abolição da escravatura e a imigração
alteraram os costumes e as tradições. No caso de São Paulo, a cidade precisava ter sua história
representada e narrada pelo coletivo. Assim, ganharam espaço os clubes literários e de lazer. Se
eram novos os grupos sociais e as experiências, era preciso também criar novas sociabilidades
(SEVCENKO, 2009).
Nesse caso, o ideal de modernidade era reafirmado com os princípios de ordem e progresso
da pátria. Para gerar um sentimento de pertencimento e de patriotismo, em uma terra de tantas
raças e línguas, o esporte foi uma ferramenta utilizada. Grandes clubes do futebol da atualidade
foram fundados naquele período, como Corinthians (1910), Palmeiras (1914) e Portuguesa (1920),
os dois últimos por imigrantes, assim como ocorreram disputas no atletismo e nas regatas. Nestas,
os clubes dos anos de 1920 tiveram destaque. O futebol se tornou uma paixão, junto ao entusias-
mo pela ocorrência da primeira Olimpíada após a Grande Guerra, a qual ocorreu em 1922, na
Antuérpia (SEVCENKO, 2009).
Ao mesmo tempo, esses esportes se tornaram especiais para o período porque, em sua tor-
cida, sentimentos de pertencimento e de coletividade eram incentivados. Também os entendemos
da seguinte forma: “Nesse desempenho físico, em que o corpo é a peça central, os agentes da ‘ideia
nova’ se expõem a um intenso bombardeio sensorial e emocional, que se torna a substância ener-
gética em si mesma da ação [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 68) – ou seja, na disciplina do corpo, novos
ideais eram fortalecidos.
Da mesma forma, como afirma Sevcenko (2009), estimulavam-se o exercício, o cuidado
com o corpo e a exaltação dos hábitos de higiene, práticas muito comuns em tempos de sanita-
rismo, de eugenia e de reformas urbanísticas. A regeneração da “raça” encontrou no esporte uma
124 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
ferramenta. No caso de São Paulo, além dos esportes, colaboraram a ocorrência de movimentos e
de exposições, como as modernistas de Mário de Andrade e Tarsila do Amaral.
Velloso (2008) faz algumas ponderações sobre o ideal modernista no Brasil e no caso espe-
cífico do Rio de Janeiro, onde era diferente. Para a autora, nessa cidade era preciso desvincular o
modernismo da ideia de um movimento cultural baseado em vanguardas, como foi em São Paulo.
Isso porque as elites não se misturavam às camadas populares nem mesmo para festividades e,
desse modo, elementos culturais ligados a um ideal de modernidade se deram mais pela atuação
de intelectuais boêmios. João do Rio, Emílio de Meneses, Pixinguinha, Prudente de Morais Neto,
Sérgio Buarque de Holanda, Lima Barreto, entre outros são alguns dos homens que frequentavam
bares e cafés, estabelecendo contatos e firmando interesses em lançar revistas (VELLOSO, 2008).
Portanto, eram outros os espaços de vinculação de ideias, mas que também colaboraram para a
formação de novas tradições e elementos de união identitária, entre eles o samba.
É importante diferenciar um aspecto entre o Império e essa fase da República: a imagem
do indígena forte, idealizado e apontado como representante da cultura brasileira, já não era mais
aceita. Nesse novo tempo, são o português da venda, o literário do café, a mulata sensual, o malan-
dro e o Jeca Tatu de Monteiro Lobato os personagens que fazem parte dos almanaques, revistas e
caricaturas. A modernidade do Brasil veio com outros comportamentos, mais branca, europeizada,
formando outra nacionalidade.
Com sindicatos ferroviários, do porto, do comércio, entre outros era perceptível que os
grandes centros estavam mais organizados nesse período, a ponto de sofrerem violência policial
e de terem publicidade “investida contra” suas ideias. Não menos importante na época era o bol-
chevismo, que devido à situação complexa na Rússia tornou as palavras anarquistas e socialistas
mais polêmicas.
Nesse período, além da repressão policial, o patronato, a Igreja católica e uma classe política
e intelectual colaboraram para o fim do anarquismo no Rio de Janeiro. E foi nesse contexto que
comunistas começaram no Brasil a buscar apoio entre os sindicatos, com mais intensidade após a
criação de um partido.
O Partido Comunista do Brasil foi fundado no ano de 19221, acirrando as diferenças entre
anarquistas2 e socialistas, visto que os primeiros eram contra uniões de classe ou partidárias. Por
isso, muitos foram extraditados devido às participações em greves entre os anos de 1910 e 1920.
Além disso, era preciso conviver com o desemprego, a baixa sindicalização e a recusa por parte
dos anarquistas em estabelecer alianças com outros setores. Ainda assim, essa classe não deixou
de atuar e passou a competir mais com socialistas e comunistas. Chamamos atenção aqui ao fato
de que é comum desqualificar aqueles que lutavam (ou lutam) por direitos sociais e trabalhistas.
Essa tem sido a tônica da ideologia burguesa em relação ao movimento operário:
isolar a luta de classes como um fenômeno artificial, obra de agitadores vindos
de fora, infiltrados nas fábricas e associações, germes contaminadores da “boa
alma” do ordeiro operário nacional. [...] A burguesia falava em “fantasmas” e
“invasores”, mas, como boa crente, desenvolvia intenso exorcismo dentro e fora
das fábricas. Era necessário extirpar o mal pela raiz: o alvo da repressão bur-
guesa não eram os “bandidos infiltrados”, mas indiscriminadamente, a classe
operária e o movimento como um todo. [...] Em relação ao Código de Menores,
por exemplo, os industriais paulistas lançaram mão de argumentos expostos na
recente legislação fascista do trabalho, os quais invariavelmente diziam que o
menor desocupado (jornadas menores) estava com as portas escancaradas para
o vício e para o crime. (HARDMAN; LEONARDI, 1989, p. 62-67)
Um dos principais elementos de disputa naquele período dizia respeito à criação de leis que
possibilitassem um espaço de luta legalizada aos operários. Expor crianças e adolescentes (embora
naquele contexto não houvesse lei que os defendesse) era um modo também de não incentivar po-
líticas educacionais. A ideia de trabalho, nesse caso, era reafirmada como formadora da boa moral
dos iniciantes no mundo do trabalho. Nesse contexto, alianças com o patronato eram buscadas
também devido às dificuldades encontradas, o que chamamos de sindicalismo amarelo (GOMES,
1979), cujas associações operárias podem ser exemplos.
No que se refere ao Partido Comunista, a partir dos anos de 1924 e 1925, aproveitou-se dos
tempos de eleições para eleger seus primeiros candidatos, ainda que fossem poucos. Sobre isso,
Batalha cita um trecho de um artigo publicado em fevereiro de 1928:
1 Para muitos pesquisadores, trata-se de um partido complexo, pela sua trajetória política. Para saber mais, sugeri-
mos a leitura de Santana (2001).
2 Para uma análise mais criteriosa da cultura anarquista no Brasil, é indispensável o estudo de Hardman (2003).
126 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
[...] só nos devem encher de satisfação as novas diretivas que vem adotando o
movimento proletário entre nós, arregimentando suas forças para futuras bata-
lhas eleitorais, que inaugurarão uma fase na política, fazendo com que o proleta-
riado entre em cena, independentemente dos chorrilhos políticos da burguesia,
manifestando sua vontade firme de afirmar-se numa classe forte e politicamente
capaz de escolher seus mais dedicados membros para as investiduras legislati-
vas. Será um dos muitos meios de alargar sua luta geral contra os exploradores,
criando uma nova frente de combate e preparando com ela novas bases para
um mais largo movimento de massas capaz de derrubar definitivamente os seus
exploradores e levá-los à definitiva vitória contra os seus inimigos seculares.
(LAVINSKY apud BATALHA, 2008, p. 181)
No trecho, são evidentes os bons ânimos para um novo tempo que parecia se formar no
horizonte da luta operária. A ideia de não precisar apenas se aliar, mas de criar suas próprias leis,
é perceptível em “criando uma nova frente de combate”. Não menos importante é a observação
de que a luta “de classes” era algo secular, ou seja, uma percepção – ainda que própria do Partido
Comunista, entre tantos outros que existiam ou existiram desde 1890 – de que era preciso união
entre iguais. Batalha reitera a importância de todos os partidos e as atuações municipais, porém
frisa o Partido Comunista, que foi o primeiro a alcançar mesmo que sua área de maior atuação
ainda fosse a capital federal (BATALHA, 2008).
O que podemos perceber no movimento operário é a sua pluralidade, tanto em sua organi-
zação quanto em sua postura ideológica. Bittencourt (2007) aponta que a historiografia afirma que,
das sociedades de “socorro-mútuo” de meados do século XIX, teriam surgido as associações de re-
sistência e, por último, destas teria nascido o Partido Comunista do Brasil. A trajetória seria então
de: mutualismo, socialismo, anarquismo e comunismo, em um caminho linear e de substituição.
Para Bittencourt (2007), o que existia era a convivência, nem sempre pacífica, entre diferen-
tes iniciativas, ao mesmo tempo que as doutrinas teóricas e políticas não eram tão rígidas ou fecha-
das em si mesmas. Isso se deve às apropriações devido ao contexto brasileiro e às consequências e
influências da Revolução Russa. Ideias positivistas e cientificistas cruzavam com as lutas internas e
as estabelecidas com o patronato (BITTENCOURT, 2007).
De todo modo, entendemos que diversos perfis de operários passaram a se ver como um
grupo (quiçá, como classe), perspectiva que começava a abalar a estrutura burguesa oligárquica
brasileira. Entretanto, não eram apenas os operários que buscavam novos direitos: as mulheres
também. E é sobre elas que tratamos na próxima seção.
com o feminismo no início do século XX (1910-1920), período em que a chamada primeira onda
feminista chegou ao Brasil.
No que diz respeito ao termo onda, compreendemos como um sinônimo que representa os
momentos em que os ideais e as discussões daquele movimento foram mais divulgadas. Questões
políticas, sociais, trabalhistas e culturais se tornaram pauta do movimento desse período, porém,
enfatizamos que o termo não foi bem difundido e aceito em todo o contexto.
Muito antes de o feminismo ser visto como uma onda, diversas ações de mulheres deram
notoriedade às suas questões, o que motivou um movimento muito maior, tanto em outros con-
tinentes quanto na América. Ainda, no fim do século XVIII, na França, um dos marcos do femi-
nismo foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de Gouges, em 1791 – uma
reação à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual não incluía as mulheres. Para
Gouges, elas tinham o direito de votar e de serem votadas, representando, desse modo, uma chance
para conquistarem seus ideais. De acordo com Scott (2002), a própria exclusão das mulheres na
declaração de 1789 estimulou a luta por direitos iguais. Gouges foi punida com a guilhotina, porém
isso não diminuiu a sua importância e muito menos fez com que outras desistissem.
Após esse fato e com o crescimento da burguesia e das atividades industriais que exigiam o
trabalho feminino, mais mulheres encontraram brechas para, aos poucos, deixarem de ser apenas
responsáveis pela casa e pelos filhos. Ressaltamos que, na atualidade, muitas mulheres ainda acu-
mulam trabalhos dentro e fora do lar, assim como as mulheres que encontraram no capitalismo
uma oportunidade para sair de casa não eram as únicas, visto que há muito tempo já existiam em-
pregadas domésticas, agricultoras, vendedoras de rua ou mesmo servas e escravas.
O feminismo chegou ao Brasil em meados do século XIX, por meio de traduções de textos
como os de Mary Wollstonecraft, feitos por Nísia Floresta em sua estada na Europa no início do
século XIX. Mas o feminismo da primeira onda, representado no Brasil por Bertha Lutz e Maria
Lacerda de Moura, destacou-se no começo do século XX, cujas principais discussões diziam res-
peito à questão sufragista, aos direitos trabalhistas e ao acesso ao ensino.
Já a segunda onda feminista é posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial, representado
especialmente por Simone de Beauvoir e por Betty Friedan, que enfatizaram questões relativas ao
corpo, ao prazer, ao divórcio, aos métodos contraceptivos, à contrariedade ao patriarcado e à vio-
lência contra as mulheres – ideias que foram mais fortes no Brasil a partir dos anos de 1970. É desse
tempo o incentivo das feministas ao uso do termo mulher – em contraposição ao termo homem,
considerado universal –, para firmar uma identidade de grupo, a fim de ganhar mais notoriedade
e força nos meios sociais, culturais e políticos (PEDRO, 2005).
Portanto, foi no início do século XX que o Brasil conheceu mais algumas ideias feministas.
Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura colaboraram com manifestos sobre o sufrágio universal, o
direito e acesso à educação e os direitos trabalhistas. Nesse período, as manifestações feministas
publicadas em jornais exigiam o sufrágio e desejavam um aumento no número de profissões des-
tinadas às mulheres, além de reivindicarem trabalhos no comércio e nas repartições. Ressaltamos
que, por meio da Constituição de 1934, as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto.
128 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Apesar de ser notório desse tempo um feminismo libertário que buscava os direitos traba-
lhistas, representado por Maria Lacerda de Moura, os objetivos de um feminismo sufragista, como
os de Bertha Lutz, foram os mais divulgados até meados do século XX. Ressaltamos ainda que
muitas dessas mulheres eram taxadas de sufragettes, termo pejorativo e visto como sinônimo de
vandalismo, desordem e falta de “boa moral”.
Essas mulheres já enfrentavam muitos preconceitos apenas por falarem de direitos, portanto,
lutavam para que suas reputações não caíssem tanto a ponto de perderem a guarda de seus filhos,
de serem abandonadas, entre outros aspectos importantes para elas no período (HAHNER, 2003).
Maria Lacerda de Moura e Bertha Lutz, no início, reivindicavam juntas direitos para as mu-
lheres, mas no decorrer da amizade elas seguiram trajetórias diferentes devido às questões de classe.
Lutz foi educada no Brasil, mas concluiu seus estudos de Licenciatura em Ciências na Universidade
Sorbonne, da França. Posteriormente, formou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, assim
como publicou diversos trabalhos de sua área profissional e também sobre seus interesses femi-
nistas. Ainda no ano de 1918, passou a redigir semanalmente uma revista, em que convocava as
mulheres a compor uma “Liga de Mulheres Brasileiras” (HAHNER, 2003).
Já a educadora mineira Maria Lacerda de Moura vinha de uma família mais simples, com di-
ficuldades financeiras. Ela havia deixado um casamento infeliz e se mudado o Rio de Janeiro, onde
o custo de vida era alto e não havia creches para deixar o filho no período de trabalho. Portanto, sua
vida foi marcada pela defesa dos direitos relativos ao corpo, ao prazer e contra a moral burguesa,
na qual muitas mulheres eram subordinadas, com obrigações muitas vezes não escolhidas por elas
(HAHNER, 2003).
Maria Lacerda também se preocupou mais com a falta de direitos trabalhistas para as mu-
lheres, visto sua condição social, e, por isso, ela compreendia aquelas que sentiam em seus salários
e no abuso do patrão a falta de igualdade. Em contraposição, Bertha Lutz, de classe abastada, exigia
o sufrágio e, embora em um primeiro momento não fosse a solução para os problemas apontados
por Maria Lacerda, podemos perceber que ambos os objetivos de luta se complementaram, afinal,
se as mulheres tivessem o direito de estudar e votar (e de serem votadas) já naquele período, talvez
pudesse haver leis que apoiassem as ideias de Moura.
O que havia de comum entre essas duas mulheres que representaram muitas de suas ge-
rações e das futuras era o desejo por um mundo mais igualitário, um mundo em que mulheres e
homens pudessem ter a mesma liberdade, as mesmas oportunidades e o respeito de todos, inde-
pendentemente da natureza biológica.
Em relação ao acesso ao Ensino Superior, já existiam mulheres no Brasil em várias pro-
fissões no início do século XX, entretanto ainda havia muito preconceito. O próprio magistério
era um curso procurado justamente por ter sido relegado pelos homens, que o deixaram de lado
quando as primeiras mulheres se tornaram professoras e por ser caracterizado como “mais fe-
minino” (HAHNER, 2003), no qual as mulheres estendiam aos alunos os cuidados destinados
aos seus filhos.
1920 e as efervescências sociais e políticas 129
Não obstante, na medicina e no direito era comum as mulheres serem taxadas de masculi-
nizadas e fracassadas no que se refere ao casamento, pois para a sociedade da época só poderiam
ter sucesso profissional se ocupassem o lugar dos homens. As discussões de higienistas do Rio de
Janeiro e seus apontamentos determinando a maternidade como algo que tornava as mulheres
mais pacientes e altruístas foram comuns nesse período (SOIHET, 1996), o que caracterizava mu-
lheres intelectuais ou capacitadas como “perigosas” para os bons costumes.
Portanto, empregos que exigiam menos estudo, como os de datilógrafas e de telefonistas,
eram os mais aceitos para mulheres, pois para os homens essas funções não incomodavam os luga-
res ocupados por eles. Hahner afirma que as mulheres que ousaram adentrar a medicina, o direito
e a engenharia, nesse contexto, foram as que futuramente representaram o movimento sufragista,
justamente pelo seu maior acesso político e financeiro (HAHNER, 2003).
Essas mulheres, de camadas abastadas, tinham como pauta questões relacionadas aos in-
teresses de suas classes, ou seja, para elas seus problemas estavam relacionados à educação e ao
sufrágio. Se esses aspectos fossem alcançados, elas conquistariam a liberdade de escolha sobre a
direção de suas vidas e não mais seriam subestimadas.
Em relação ao contexto do feminismo da primeira onda, ainda no período de Getúlio Vargas,
as relações de gênero vigentes foram utilizadas para manter um governo autoritário e conservador.
A preocupação com o crescimento populacional e a indústria fez com que o governo de Vargas se
concentrasse na família. Nesse sentido, enquanto o ideal burguês era de que a mãe continuasse a
educar seus filhos, o próprio sistema capitalista instigava as mulheres (até mesmo de classes abas-
tadas) a irem às ruas trabalhar. Dessa forma, para não perder o controle sobre as mulheres, muitos
empregos e limites foram criados. Um deles foi a puericultura, um modo de cuidar da higiene e
da saúde de pessoas menos favorecidas, na qual as mulheres poderiam estar no mundo público,
entretanto desempenhando um papel “naturalmente feminino” (BESSE, 1999). Trabalhos como
floristas, secretárias, telefonistas, professoras de crianças e operárias foram alguns também comuns
a partir desse período, porém raramente de líderes (DUARTE, 2003).
Cada onda feminista ou reivindicação das mulheres está relacionada ao seu contexto, isto
é, em uma mesma sociedade existem muitas mulheres – termo plural, não singular – com objeti-
vos em comum e que variam de acordo com os interesses da época. Baseadas em ideias de Scott,
a partir da década de 1970, muitas feministas – acadêmicas ou não – passaram a utilizar o termo
mulheres, sem diminuí-lo a uma representação totalitária de todas as mulheres, isto é, sabemos que
as mulheres ou mesmo suas contemporâneas, em geral, não eram idênticas no que se refere aos
sentimentos e às personalidades. Entretanto, tendo em mente que a expressão mulheres abarca a
pluralidade, optaram por essa bandeira.
Nesse sentido, algumas feministas e historiadoras utilizaram o método para então com-
preender as diferenças, visto que a categoria mulheres não poderia ser analisada se não fosse vista
em relação aos demais que formam as sociedades, em questões de classe, etnia, raça e orienta-
ção sexual. Ainda que as feministas do início do século XX não tenham debatido esses aspectos,
130 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
porque não era a demanda de seu tempo, entendemos que os anos de 1920 inauguraram lugares e
desejos até então poucos aceitos no Brasil.
Considerações finais
Os anos de 1920 permitiram novos olhares sobre a sociedade brasileira. Se mulheres e ope-
rários estavam mais organizados, mesmo com relutâncias e limites impostos, juntos conquistaram,
nos anos de 1930, direitos até então desconhecidos. E essas vitórias não estavam dissociadas do
movimento operário ou da formação partidária socialista/anarquista dos anos de 1890, nem do
próprio movimento modernista. A República Velha, nem tão velha assim, já demonstrava grandes
sinais de desgaste, e as reivindicações e transformações mencionadas até aqui colaboraram para
estremecer a estrutura oligárquica comum ao Brasil.
Pode-se abrir esta seção respondendo a uma pergunta: se o samba malandro não era uma
tradição longínqua, qual teria sido efetivamente sua origem? Por certo ela deve ser procurada
em outro lugar muito específico: o teatro de revista. Tal gênero teatral, bastante popular na pri-
meira metade do século XX, era um espaço onde se dava um franco diálogo com o mundo da
música popular: não faltam provas de que nos palcos musicados da cidade do Rio de Janeiro
canções eram lançadas e/ou popularizadas e que artistas se moviam livremente entre os dois
meios [...].
Afinal, com a popularização do teatro de revista e a ausência de meios de divulgação de peso,
como um mercado discográfico e radiofônico forte, a colocação de músicas em peças era uma
chance importante para um compositor ou cantor popularizar seus produtos. Por outro lado,
nada melhor para um revistógrafo que aproveitar canções de sucesso para popularizar suas
peças, principalmente se estas canções fossem interpretadas por estrelas como Margarida Max
ou Araci Cortes.
Por outro lado, vários revistógrafos chegaram inclusive a ser coautores de sucessos populares,
já que as partituras sempre possuíam uma parte composta especialmente para determinada
peça, cabendo muitas vezes aos autores da mesma a tarefa de colocar a letra na música.
Assim, Luís Peixoto tornou-se um nome destacado na música popular, pois, embora fosse
fundamentalmente um homem do teatro de revista, assinou letras de muitas músicas que che-
garam ao sucesso. Outros autores de peças chegaram a grandes sucessos: Ari Pavão foi autor da
letra de Chuá, música composta pelo maestro Sá Pereira para a revista Comidas, Meu Santo!,
de 1925, e que se tornou um dos grandes sucessos da década, assim como Zizinha, música
1920 e as efervescências sociais e políticas 131
composta por Freitinhas para a revista Se a Moda Pega e que após receber letra de Carlos
Bittencourt e Cardoso de Menezes tornou-se um dos grandes sucessos de 1926. Assim, tor-
na-se claro que não se pode estudar o teatro de revista dos anos 1920 perdendo-se de vista a
música popular, e vice-versa.
Toda essa ligação entre o teatro de revista e a música popular apoia a ideia de que o samba
malandro tenha suas origens nos palcos da revista carioca, mesmo porque tanto o malandro
quanto os demais tipos de grande sucesso no teatro de revista decolariam, a partir dos anos
1920, para carreiras duradouras também no cinema e na música popular. Malandros, mulatas,
caipiras e portugueses se fazem presentes, por exemplo, nas chanchadas, no humor radiofô-
nico, televisivo e teatral, com muita frequência, principalmente a partir dos anos 1920 e até os
dias de hoje.
Em relação à malandragem, é possível identificar uma notável simetria entre sua popularidade
nos palcos e seu surgimento na música popular. As primeiras músicas de sucesso calcadas
nessa temática apareceram nos últimos anos da década de 1920. Já nos palcos, embora exis-
tente há muitos anos (VENEZIANO, 1991: 122-124), a malandragem ocupou um lugar mais
central a partir do mesmo período, uma vez que nos anos 1920 uma noção “malandra” do
Brasil assumiu grande importância no teatro de revista carioca (GOMES, 1998).
Atividades
1. Nicolau Sevcenko afirma que houve incentivo à formação de clubes/associações e ao esporte
em São Paulo no início do século XX, especialmente com a intenção de dar ideias de “per-
tencimento” em um período de intensa imigração. Explique o argumento do historiador.
3. Estabeleça uma relação entre o movimento feminista dos anos de 1920 e o sufrágio universal
de 1934.
4. Com base no texto de Tiago de Melo Gomes, na seção “Ampliando seus Conhecimentos”,
analise os argumentos desse autor – e as fontes por ele utilizadas – sobre o “samba malandro”
ser um símbolo nacional.
10
“Revolução” de 1930: história e historiografia
Neste capítulo refletiremos sobre a relação dos fatos ocorridos nos anos de 1920 com a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder. O intuito é perceber em que aspectos a República Velha
perdeu seus alicerces centrais, proporcionando lugares de contestação e resistência, tanto so-
ciais quanto políticos. Para tanto, analisaremos as relações políticas do período, o tenentismo e
a própria ideia da entrada de Vargas no governo como uma revolução, visto que esse é um dos
temas mais complexos na historiografia brasileira.
Nilo Peçanha defendia o fim do analfabetismo pelo incentivo às políticas públicas educa-
cionais e apontava nos movimentos operários questões a serem pensadas no âmbito jurídico e do
trabalho, temas que para ele não poderiam mais serem deixados de lado. De toda forma, também
dar prioridade ao movimento operário significava ganhar o seu apoio.
Artur Bernardes e Urbano Santos acabaram eleitos em 1922, e, além de outros políticos fi-
carem descontentes, o Exército também se incomodou, visto que diversos cargos do setor militar
foram dados a civis. Nesse tempo, a imprensa, favorável a Nilo Peçanha, passou a pedir a puni-
ção daqueles que estavam prejudicando os militares (FERREIRA; PINTO, 2008). Além disso, Nilo
Peçanha, no que seria chamado de reação republicana do Rio de Janeiro, trocou diversas cartas com
militares de todo o Brasil ainda antes da eleição. Essa relação foi estreitada quando cartas falsas
foram enviadas por Artur Bernardes subestimando as ações militares (FERREIRA; PINTO, 2008).
Após o término da eleição, parte da imprensa passou a defender o grupo representado por
Nilo Peçanha e, paralelamente,
as lideranças políticas de Minas e São Paulo não se deixaram, entretanto, inti-
midar diante das declarações alarmistas dos militares sobre a ameaça de revolta
das tropas [...] Carlos de Campos, líder da bancada paulista na Câmara Federal,
assumia posição semelhante ao declarar: “Não cogitamos de acordo, nem é pos-
sível aceitá-lo”. A atitude de São Paulo é definida e definitiva. Em conformidade
com essa orientação, ao ser realizada em maio de 1922 a eleição para a mesa da
Câmara Federal e para as diversas comissões parlamentares, foram excluídos
todos os deputados dissidentes. (FERREIRA; PINTO, 2008, p. 398-399)
Não houve discussão ou debate mais profundo. Aqueles que estavam no poder não lança-
ram estratégias para diminuir o “tom” de resistência da oposição, nem mesmo para mantê-la mais
controlada. E, ainda, retiraram dos cargos todos os deputados que haviam apoiado a reação repu-
blicana. Com base nessas considerações, podemos entender o porquê de se ter demorado cerca
de oito anos para uma nova resistência, visto que muitos opositores perderam seus cargos, assim
como tais fatos demonstram que a estrutura política vigente já estava sendo contestada, tanto no
âmbito político quanto no social.
Nos primeiros anos da década de 1920, o Brasil foi marcado por transformações de ordem
política e econômica. A expansão da cultura do café e da atividade industrial fez surgir uma bur-
guesia industrial (em São Paulo), além de alterações na classe operária e em outros grupos sociais.
A instabilidade política e seus conflitos, ocasionados pelos interesses políticos das oligarquias em
se manter no poder, e a Crise de 1929 foram elementos preponderantes para a ascensão de Getúlio
Vargas ao poder. Berutti, Farias e Marques explicam o contexto da crise:
A década de [19]20 foi marcada por um clima de euforia, especialmente nos
Estados Unidos. A produção total norte-americana aumentou em mais de 50%,
e a prosperidade podia ser medida pelo enorme movimento das bolsas de va-
lores. A busca do rendimento a curto prazo e em grandes proporções provocou
uma onda de especulação em larga escala, em torno das sociedades por ações.
Milhões de norte-americanos foram atraídos para o mercado de capitais, que
era movido pelo clima e confiança e pelo mito da eternidade do American way
“Revolução” de 1930: história e historiografia 135
Nesse panorama, os Estados Unidos, em grande ascensão, influenciavam as nações que es-
tivessem com tal país. Lembramos que isso ocorria após a Primeira Guerra Mundial, momento
em que a Europa, ao menos no início da década de 1920, também dependia dos Estados Unidos.
No Brasil, o produto principal era o café, cujos maiores compradores eram os Estados Unidos e
a Europa. Desse modo, o que já era uma crítica ao governo, por não estimular outras produções
e setores econômicos, tornou-se um problema maior ainda com a quebra da bolsa de valores, em
1929. Operariado, burguesia industrial e setores liberais estavam entre os políticos que debatiam as
medidas da República do café com leite.
A burguesia industrial sentia-se prejudicada pelas medidas econômicas direcionadas ao
café, enquanto pressionava o governo pedindo apoio financeiro e proteção aos seus interesses.
Nesse contexto, “a classe média urbana contestava a Política dos Governadores e o coronelismo,
que lhe roubavam possibilidades de chegar ao poder, via eleições. Por isso ela reivindicava reformas
eleitorais, moralização nas eleições e voto secreto” (BASTOS; SILVA, 1986, p. 239).
Tal como no discurso de Nilo Peçanha, a reforma política no que se refere ao voto era também
uma das pautas desse grupo, visto que sua participação ou representação só aconteceria se a oligar-
quia mineira e paulista perdesse o controle do governo. Para isso, seria preciso fortalecer ainda mais
o Exército e outras oligarquias. Nesse sentido, um dos movimentos importantes foi o tenentismo.
10.2 Tenentismo
Vídeo
Schwarcz e Starling afirmam que, no ano de 1920, os oficiais de baixa patente
(segundos-tenentes ou primeiros-tenentes) formavam cerca de 65,1% do Exército e
mais 21,3% eram capitães (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Em geral, esses tenen-
tes, embora fossem do Exército, também faziam parte de diversos grupos sociais,
sendo rígidos na política, mas liberais na economia.
O espaço de atuação desses tenentes não era amplo, mas, após alguns movimentos, ganha-
ram notoriedade. Segundo Lanna Júnior, o tenentismo teve uma
fase heroica, de 1922 a 1927, como movimento de conspiração, pegou em ar-
mas para lutar contra as oligarquias dominantes. Nesse período, surgiu como
única alternativa aos anseios das classes médias populares. As mudanças ti-
nham de ser feitas pelas armas, o que teria transformado os militares rebeldes
em vanguarda política da luta contra o domínio oligárquico [...] era elitista;
propunha a moralização política contra as oligarquias cafeeiras [...] pregava a
mudança a partir de cima, sem a participação das classes populares. (LANNA
JÚNIOR, 2008, p. 316)
Além disso, militares que haviam perdido o poder desde a saída de Floriano Peixoto ob-
jetivavam retornar. Para isso, precisavam questionar o poder vigente – a oligarquia cafeeira – e,
posteriormente, moralizar as instituições. Esse seria o objetivo inicial desses tenentes, porém sem a
136 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
participação popular. Nesse aspecto, devemos lembrar que o povo, ausente das participações polí-
ticas até a década de 1920, no entendimento desses tenentes, continuaria sem tal poder.
Primeiramente, diversos levantes aconteceram na cidade do Rio de Janeiro, em Niterói e no
estado de Mato Grosso, em espaços como vilas militares, fortes e em batalhões. No Rio de Janeiro,
os revoltosos se fecharam, em 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana e, do local, fizeram
alguns ataques estratégicos, porém logo ficaram cercados. Dezessete tenentes saíram do forte e
caminharam pela Avenida Atlântica em meio ao fogo das tropas legalistas. Apenas dois sobrevi-
vessem, entre eles Siqueira Campos, um dos principais líderes do movimento durante a década de
1920 (LANNA JÚNIOR, 2008).
Figura 1 – Revolta dos 18 do Forte de Copacabana
Wikimedia Commons
A Figura 1 traz a ideia de tomada da rua e da resistência que assumiram os tenentes quando
caminharam em direção às tropas republicanas, além das mortes e da rápida tomada da ordem por
parte do governo, que conseguiu fazer com que as oligarquias vissem tais tenentes apenas como
desordeiros em um primeiro momento. Dessa forma,
[foram] menosprezados como rebeldes, foram julgados como revolucionários.
Dois anos depois, foram sentenciados, pelo artigo 107 do Código Penal, “con-
siderados como pretendentes a mudanças violentas da forma de governo e da
Constituição do país”. Para os condenados, essa sentença era a “demonstração
de parcialidade do Judiciário e subserviência deste ao Executivo”, a gota d’água,
o “móvel imediato” das revoltas que ocorreram a partir de 1924, dois anos de-
pois do acontecimento de 1922. (FORJAZ apud LANNA JÚNIOR, 2008, p. 319)
Mesmo que o fim desses militares não tenha sido como heróis, a memória deles, assim como
a punição de alguns, serviu para inspirar os movimentos futuros, como os ocorridos no Mato
Grosso (12/07/1924), em Sergipe (13/07/1924), no Amazonas (23/7/1924), no Pará (26/7/1924) e
no Rio Grande do Sul (29/10/1924). Muitos movimentos nem chegaram a eclodir, visto que foram
logo controlados, entretanto, mesmo limitados, esses levantes demonstravam como os militares
estavam se organizando ao longo da década.
“Revolução” de 1930: história e historiografia 137
Os tenentes falavam em derrubar o governo de Artur Bernardes em nome da nação. Eles de-
sejavam o voto secreto, maior representação política, liberdade de pensamento, nova organização
do Poder Executivo e, especialmente, o equilíbrio entre os três poderes. No ano de 1924, a ação do
grupo foi organizada da seguinte forma:
Foi iniciada com a tomada de alguns quartéis. Apesar de os tenentes consegui-
rem se instalar na capital paulista, com a ação repressiva do governo, que não
distinguia rebeldes dos civis, os tenentes resolveram abandoná-la, deslocando-
-se para o interior de São Paulo, onde também eclodiam revoltas. Fixando-se
em seguida no Oeste do Paraná, as tropas vindas de São Paulo enfrentaram os
legalistas à espera dos “tenentes” provenientes do Rio Grande do Sul, onde as
revoltas tiveram à frente figuras como João Alberto e Luís Carlos Prestes e con-
taram com a oposição gaúcha do PRR. Em abril de 1925 as duas forças se jun-
taram, dando origem à Coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes. (FERREIRA;
PINTO, 2008, p. 401)
O movimento cresceu à medida que se deslocava para o interior, onde provavelmente havia
menos tropas, em um primeiro momento. No mês de outubro, chegaram à Foz do Iguaçu e, ali,
encontraram outros grupos vindos do Rio Grande do Sul, estado que logo teve todos os grupos
controlados, restando apenas as tropas de Luís Carlos Prestes. Além disso, dois grupos se juntaram
(em abril de 1925), fortalecendo a resistência, dando origem à chamada Coluna Prestes1.
O objetivo maior da Coluna Prestes era fazer propaganda de seus ideais, a fim de ganhar
apoio e fazer com que outros se revoltassem contra o governo. Quanto mais marchava, mais a
Coluna Prestes se sentia vitoriosa, afinal, diferentemente de 1922, não foi calada por três anos pelo
governo. Ainda assim, Lanna Júnior faz a seguinte consideração:
[A Coluna] consista em uma minoria de civis comandados por uma minoria de
militares. Tornou-se lendária por seus feitos de coragem e bravura. Em situações
adversas, reverteu posições e conseguiu sair vitoriosa. Em Ramada “as linhas re-
volucionárias, não obstante serem continuamente varridas pela metralha, avança-
vam com uma bravura inaudita” [...]. (LANNA JÚNIOR, 2008, p. 329)
O historiador, no trecho, refere-se à luta travada em Ramada, no Rio Grande Sul, onde, após
quase serem controlados, os combatentes resolveram utilizar táticas de guerrilha para continua-
rem, antes da formação da Coluna Prestes.
Assim, os tenentes definiam suas rotas utilizando os caminhos menos conhecidos e com
rápida mobilidade, mudavam de planos para ter segurança e usavam munição das tropas legalistas.
Dessa forma, percorreram cerca de 24 mil quilômetros, atravessando diversos estados brasilei-
ros (Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Ceará e Pernambuco).
1 Para saber mais sobre todos os levantes, sugerimos a leitura completa do texto de Lanna Júnior (2008).
138 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Figura 2 – Coluna Costa-Prestes, em que Costa é o quarto sentado e Prestes, o terceiro, da esquerda para
direita.
Wikimedia Commons
Ferreira e Pinto apontam que existem três correntes de entendimento sobre o tenentismo: a
primeira de que o movimento representava as classes médias e objetivava maior representação po-
lítica; a segunda (1960-1970) que entende o tenentismo como um movimento basicamente militar
que queria apenas o poder do Executivo novamente para si; e a terceira, que considera os militares
representantes tanto do Exército quanto da sociedade, ou seja, trata-se de uma corrente historio-
gráfica que defende uma análise mais global (FERREIRA; PINTO, 2008).
Lanna Júnior, por sua vez, traz diversas perspectivas sobre o tenentismo, duas delas referen-
tes aos historiadores Boris Fausto e José Murilo de Carvalho. Para o primeiro, embora com críticas
de Lanna Júnior, os tenentes teriam uma origem simples, por isso se colocavam contra o governo,
mas respondiam à hierarquia militar. Mesmo assim, o trabalho de Boris Fausto é apontado por
Lanna Júnior como interessante, do ponto de vista metodológico, visto que considera ideias e fon-
tes das ciências sociais (LANNA JÚNIOR, 2008).
José Murilo de Carvalho, segundo Lanna Júnior, traz uma versão que considera as mu-
danças dentro e fora das Forças Armadas. Nesse caso, o que ocorre principalmente após a
Proclamação da República é uma forte institucionalização do Exército, tendo como agentes os
tenentes. Ao mesmo tempo, o tenentismo de 1920 seria uma continuação da intervenção dos
tempos da Proclamação e, até mesmo, da tomada de poder por Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto (LANNA JÚNIOR, 2008).
São muitas as possibilidades de interpretação do tenentismo. De qualquer forma, tratava-se
de um movimento que ganhou destaque ao combater o governo do período, o de Artur Bernardes,
que teve o mandato findado muito próximo ao fim da Coluna Prestes.
Quando o novo governo iniciou, o de Washington Luís, as oligarquias pareciam fortalecidas,
da mesma forma como havia ocorrido com o levante do Forte de Copacabana. Entretanto, dessa
vez, o prazo seria menor. A historiadora Anita Prestes define o período como “o início de uma nova
fase, em que as oposições, contando com a liderança da juventude militar rebelde, ingressariam
no caminho da revolução nacional, que terminaria por abalar os alicerces da República Velha”
(PRESTES, 1990, p. 86).
“Revolução” de 1930: história e historiografia 139
O tom das palavras de Getúlio Vargas é de renovação, de reforma, de um futuro até então
desconhecido. Suas promessas estão relacionadas a uma nova administração, com programas de-
sejados e desconhecidos.
As discussões historiográficas acerca da Revolução de 1930 apontam que ela foi possível
após a cisão entre os setores da burguesia industrial com os setores médios e urbanos e sua chega-
da ao aparelho estatal. Para Boris Fausto, a Revolução de 1930 ocorreu por meio de conflitos entre
as oligarquias que tiveram o apoio de parte dos militares com o intuito de neutralizar o poder da
burguesia composta de cafeicultores. Nas palavras do historiador,
a partir de 1930 ocorreu uma troca da elite do poder sem grandes rupturas.
Caíram os quadros oligárquicos tradicionais; subiram os militares, os técnicos
diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais. Desde
cedo, o novo governo tratou de centralizar em suas mãos tanto as decisões eco-
nômico-financeiras quanto as de natureza política. Desse modo, passou a ar-
bitrar os diversos interesses em jogo. O poder de tipo oligárquico, baseado na
força dos estados, perdeu terreno. As oligarquias não desapareceram, nem o
padrão de relações clientelistas deixou de existir. Um novo tipo de Estado nas-
ceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico. (FAUSTO, 2002, p. 182)
Segundo Fausto, permanecia no poder uma estrutura elitista, com o poder concentrado em
suas mãos, além de perpetuarem práticas clientelistas, porém sob novas organizações. Não obstan-
te, Fausto afirma que algumas estratégias foram logo definidas, o que caracteriza, para ele, o novo
governo como a Revolução de 1930. A primeira estratégia era uma economia voltada aos interesses
industriais, a segunda era o estabelecimento de uma aliança com a classe trabalhadora, em uma
espécie de proteção estatal, e, por último, era ter o Exército como uma “indústria de base” e de
proteção interna (FAUSTO, 2010).
Outro historiador, Edgar Salvadori De Decca, afirma que Getúlio Vargas, junto ao setor mais
conservador da Aliança Liberal, a burguesia industrial, teria liderado uma contrarrevolução, a fim
de controlar mudanças sociais mais profundas. Entre elas, estaria a ação do movimento operário
(DE DECCA, 2004).
De qualquer forma, podemos entender que a Revolução de 1930 trouxe um novo tempo
político ao Brasil.
Considerações finais
O movimento tenentista foi um dos principais responsáveis pelo desgaste do sistema políti-
co oligárquico ao fim dos anos de 1920. Isso porque, além de os militares demonstrarem resistên-
cia, também se fortaleceram com a oposição política dos representantes da aliança “café com leite”.
Além disso, é preciso considerar todas as resistências encontradas nas décadas anteriores,
isto é, as Revoltas da Chibata, do Contestado, da Armada e de Canudos, o movimento operário
com suas greves, o movimento feminista, entre outros. Todos esses, cada um ao seu tempo e com
“Revolução” de 1930: história e historiografia 141
suas reivindicações, tinham algo em comum: desejavam outra organização para a República que se
iniciava, fosse na direção do Executivo, fosse na simples declaração de igualdade social e de políti-
cas públicas que corroborassem com uma maior participação popular.
O movimento modernista, os representantes da eugenia e aqueles que almejavam mais hi-
giene e sanitarismo nas ruas, ainda que para poucos, faziam parte desse desejo por um Brasil re-
publicano e moderno.
Fica evidente que a ausência quase completa da Coluna Prestes de nossa historiografia
(enquanto os levantes de 22 no Rio, 24 em São Paulo e a Revolução de 30 contam com uma
vasta bibliografia) não pode ser aceita como um fato casual e fortuito. Principalmente, quando
algumas das principais figuras da Marcha da Coluna permaneceram, durante anos, em posi-
ções de destaque na vida nacional. É impossível negar que houve o propósito deliberado de
relegar a Coluna e seus feitos ao esquecimento e, ao mesmo tempo, permitir que seu conteúdo
fosse esvaziado do seu verdadeiro sentido, deturpado e manipulado pelas classes dominantes
ao longo dos anos que se seguiram ao movimento de 30.
Indiscutivelmente, a ruptura de Prestes com os “tenentes” e sua adesão aos ideais comunistas
podem explicar muita coisa. A partir desse momento, praticamente todos seus antigos compa-
nheiros viram-lhe as costas e aderem, em maior ou menor grau, à chamada Revolução de 30 e
ao novo poder instalado sob a liderança de Getúlio Vargas. Entrementes, falar na Coluna e nos
seus feitos era impossível sem referir-se a Prestes e seu papel destacado. A Coluna estava iden-
tificada com Prestes. E Prestes, a partir de 30, estava identificado com o comunismo e a União
Soviética. Para as classes dominantes e seus mais novos colaboradores – os antigos “tenentes” –
era indispensável destruir o mito do “Cavaleiro da Esperança”, que haviam ajudado a difundir,
enquanto correspondia aos seus interesses.
As ideias comunistas encontravam no Brasil uma nova e original forma de propagação: por
intermédio de Luiz Carlos Prestes – indiscutivelmente a figura de maior destaque e a prin-
cipal liderança do movimento tenentista –poderiam atingir setores, como de fato aconteceu
em certa medida, que o débil PCB (Partido Comunista Brasileiro) não tinha possibilidade
de influenciar. Tratava-se, pois, para os vitoriosos de 1930, de travar o combate sem tréguas
contra o comunismo e contra Prestes. Para isso, era preciso silenciar a história da Coluna e,
pouco a pouco, ir transfigurando o seu verdadeiro sentido. Com o tempo, não só o sentido
da Coluna seria deturpado, como o do movimento tenentista em geral. Uma outra “história”
deveria aparecer, a história dos donos do poder.
Tratava-se de esquecer a verdadeira história da Coluna: uma história de luta revolucionária
contra as oligarquias personificadas pelo seu representante máximo na época – o presidente
142 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
Artur Bernardes; uma história de rebeldia, da qual participaram não só os “tenentes”, como
contingentes mais ou menos numerosos de homens e mulheres oriundos do povo, das massas
populares; uma história em que, diferentemente dos estereótipos insistentemente propagados
no Brasil pelas classes dominantes, verificava-se que o povo, quando encontra condições pro-
pícias, quando dispõe de lideranças em que confia e que se mostram capazes de mobilizá-lo e
quando é motivado por um determinado objetivo, é capaz de organizar-se e lutar, inclusive de
armas na mão, com infinita abnegação e desprendimento, pela causa abraçada.
[...]
Atividades
1. Qual a relação entre a reação republicana do Rio de Janeiro e o fim da República Velha?
2. De que forma podemos afirmar que há uma relação próxima entre o movimento tenentista
e a Revolução de 1930?
3. Por que, para Boris Fausto, houve uma revolução em 1930, mesmo com o poder centralizado
em poucas mãos no período posterior?
4. Para a historiadora Anita Leocádia Prestes, o tenentismo teve uma revisão historiográfica
complexa a partir de 1930. Estabeleça a argumentação da autora e explique o porquê das
diferenças.
Gabarito
2. A abolição foi um processo longo, lento e gradual, iniciado ainda em 1831 (quando o
tráfico negreiro foi proibido), mas que, de fato, manteve-se por várias décadas. Apenas a
partir de 1860, com a participação de negros na Guerra do Paraguai, a campanha aboli-
cionista e o início do discurso republicano, intensificou-se a luta pelo fim da escravidão.
A existência da escravidão, entretanto, nunca foi um problema moral para uma maioria,
inclusive de negros libertos, pois era algo “naturalizado”. Desse modo, quando o pro-
cesso de abolição ganhou fôlego, tanto por pressões internacionais quanto nacionais, a
inserção social e a igualdade de direitos não fizeram parte da pauta política principal, e
as consequências para os libertos foram de marginalização e de ausência de uma política
eficiente de igualdade de direitos.
3. A construção das ferrovias teve início devido ao interesse de cafeicultores, que de-
sejavam transportar com mais rapidez seus produtos, além de baratear o transporte.
Desse modo, aproveitando-se da Lei Feijó, passaram a estimular a construção da primei-
ra estrada de ferro, a Santos-Jundiaí – construída em grande parte com dinheiro público,
o que demonstra um direcionamento privilegiado do uso desse dinheiro. Ao mesmo
tempo, o interior de São Paulo foi alvo de povoação, visto que era preciso montar vilas a
fim de sustentar as necessidades dos operários. Esse, certamente, foi um dos primeiros
processos de interiorização no período contemporâneo à História do Brasil.
4. A construção das ferrovias estava ligada à ideia de progresso, ou seja, um país só poderia
crescer e se desenvolver caso também pudesse escoar a sua produção do interior, bem
como povoá-lo. Por isso, trazer novos grupos sociais e étnicos para que trabalhassem na
construção das ferrovias foi uma prática comum durante a segunda metade do século
XIX e início do XX. Parte da mão de obra utilizada era também brasileira, porém nem
sempre eram os nativos que predominavam. Ao trazer mais grupos imigrantes e ao não
144 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
atender às necessidades daqueles que já viviam nessas regiões, isso fez com a desigualdade
social e racial aumentasse. Assim, podemos dizer que a bandeira de progresso, levantada
pela construção das ferrovias e com a vinda de imigrantes, trouxe crescimento ao Brasil, mas
também foi base para o aumento das desigualdades.
3. A Constituição de 1891 foi a primeira que trouxe perspectivas de igualdade social e política
para um público maior. Um dos aspectos era permitir que as pessoas tivessem o direito de
defesa antes de serem punidas, e tal discussão culminou na prática do habeas corpus. Além
disso, foi defendido em sua escrita o direito de todos “de ir e vir”, ou mesmo de professar sua
fé, sem serem julgados ou punidos por isso. Entretanto, sabemos que as leis foram criadas
em um período de bastante instabilidade e em um país sem tradição de respeito aos direi-
tos. Desse modo, entendemos que essas leis estavam apenas iniciando a formação de uma
cultura da igualdade.
3. Os anarquistas eram chamados de “baderneiros”, visto que não aceitavam a autoridade es-
tatal e de suas instituições. Para eles, o Estado, assim como toda autoridade institucional,
era responsável pela legitimação da opressão e da falta de direitos dos operários. Por isso,
pregavam manifestações e greves, a fim de obterem negociações mais contundentes e bené-
ficas. Devido a essa postura arrojada, muitos anarquistas acabavam presos, e os que eram
estrangeiros chegavam até a ser expulsos do país. Os “amarelos” eram chamados dessa forma
pelos anarquistas, pois aceitavam apenas parte dos direitos necessários e eram persistentes
nas negociações com o patronato.
4. O historiador inglês Eric Hobsbawm afirma que é necessário analisar a classe operária de
acordo com o contexto a que pertence. Para isso, é preciso considerar a economia nacio-
nal, a classe, o Estado, as leis e as práticas comuns a um país. O historiador Edward Pal-
146 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
mer Thompson, por sua vez, argumenta que não é ideal reduzir o trabalho a uma simples
ideia de “emprego” e seu vínculo linear com os processos educacionais escolares, é preciso
compreender o trabalho na sua necessária relação com a vida. Dessa forma, defende que é
preciso criticar a visão meramente economicista do trabalho, para pensar esse tema com
base na experiência e nos sentimentos gerados pelos sujeitos sociais, a fim de perceber
como eles compreendem e mudam os seus espaços.
4. O principal elemento era o repúdio ao modo como os marinheiros negros eram tratados e,
para eles, a República também era culpada, visto que não tornava eficazes leis que os prote-
gessem e lhes dessem garantias de igualdade. Dessa forma, apenas um levante contra aqueles
que representavam essas instâncias seria respeitado ou ouvido.
148 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
2. Para o historiador Claudio Batalha, o imigrante que vinha ao Brasil em geral pertencia ao
campo, sem tradição ou participação sindical. Dessa forma, a ideia de que todos vinham
com conhecimento dos princípios anarquistas não seria válida; porém, ao mesmo tempo,
esses imigrantes chegavam ao Brasil com o objetivo de enriquecer, e essa escolha por vir
demonstra uma reação diante da opressão e pobreza sentidas anteriormente. Estas são cons-
tantes no Brasil e, diante disso, apenas uma ação coletiva poderia mudar.
3. Podemos perceber que os movimentos não foram unânimes, nem ao menos ocorreram ao
mesmo tempo. Mas entendemos que, à medida que a década de 1900 passava e as ideias so-
cialistas e anarquistas eram divulgadas, bem como associações e sindicatos atuavam, operários
passaram a perceber que a união deles poderia mudar. Se o patronato reagia com força, como
muito aconteceu após 1908 e, em especial, no ano de 1917, sindicalizados compreenderam que
reinvindicações poderiam ser atendidas mediante a insistência por meio de greves e negocia-
ções. Longe de um ideal, o que apontamos é a construção de uma consciência operária, notada
com evidência a partir dos anos de 1920.
4. O autor tem como principal preocupação demonstrar que, apesar da aparente diminuição
de movimentos e de formação de resistências até por volta do ano de 1914, a ideia de uma
espontaneidade baseada nas diferentes instituições significa uma consciência da importân-
cia da luta por direitos e do quanto as mais diversas realidades estavam relutando contra as
opressões sentidas. Dessa forma, embora sejam grupos ideologicamente diversos, o envol-
vimento dos três fez com o movimento operário, de modo geral, entendesse que as reivindi-
cações eram de todos.
versos grupos começaram a debater questões sociais e até mesmo políticas sobre o futuro
da nação. Além disso, uma maior liberdade na economia permitiu que novos grupos se
instalassem no Brasil, junto a tantos imigrantes e forros, que colaboraram para que cidades
tivessem seus comportamentos e ideais transformados.
2. Os bairros novos, que deveriam atender à população suburbana, conhecidos como “cidades-
-jardim”, acabaram sendo construídos pela Companhia City às classes mais abastadas. Além
de o processo de construção das ruas e casas ter parâmetros superiores aos que os mais simples
poderiam pagar, o não incentivo do comércio nesses locais fez com que muitos não almejas-
sem essas moradias. Do mesmo modo, nesses bairros era comum a construção de praças e
pequenos parques de acordo com os interesses dos moradores, e ainda os jardins, que tanto
deixavam os locais mais agradáveis, não eram organizados nos bairros mais simples.
3. O início do movimento modernista não tinha uma intenção geral de debate político, ou
seja, de envolver suas exposições e produções artísticas em temas de interesses maiores,
além dos estéticos. As questões centrais, no início, eram relativas às vanguardas europeias
como inspiração para a busca de uma brasilidade. Entretanto, com o tenentismo, cujo
questionamento era o sistema político oligárquico, o ideal modernista tornou-se eviden-
temente político, colaborando na proposta de mudança intencionada ao Brasil.
2. Para Stepan (2004), a discussão sobre eugenia no Brasil estava mais relacionada a mudanças
sanitárias e reforma urbanística dos grandes centros que a uma mudança ou proposta mais
radical de alteração genética, ou seja, de uma eugenia “negativa”. Dessa forma, podemos
entender que a eugenia não encontrou o seu espaço de forma mais radical, que é evitar o en-
150 História do Brasil: da Proclamação da República ao Golpe de 1930
trelaçamento de raças (vistas como inferiores e superiores), tendo sido pensada mais como
uma política social e para justificar as diferenças já existentes.
3. Por meio do discurso de Renato Kehl, Souza (2006b) evidencia que a opinião de diversos
teóricos estava estampada nos jornais, trazendo números e argumentos sobre a escolha do
imigrante – como etnia, aptidão física e histórico de doenças –, bem como a sugestão de
proibição de casamentos entre raças diferentes. Por meio dessas fontes (jornais), é perceptí-
vel que alguns grupos sociais eram segregados, segundo o estabelecimento ou não de rela-
ções com outros.
4. Kern (2013) afirma que a miscigenação de raças era condenada pela eugenia, visto que
não poderia ser “equiparada” ou reconstituída uma raça superior após ser miscegenada.
Além disso, a miscigenação se mostrava como um limite ao progresso de um país, cau-
sando degeneração racial e “atrasos” à civilização. Kern traz ainda ideias de Schwarcz,
as quais reafirmam que as raças deveriam ser diferenciadas em aspectos físicas, morais
e culturais, assim como deveriam ser conhecidas e hierarquizadas. Portanto, na medida
em que as raças fossem analisadas, soluções para os problemas sociais do Brasil pode-
riam ser encontradas.
2. Anarquistas defendiam a liberdade individual e, por isso, colocavam-se contra reuniões par-
tidárias e associações, especialmente se mantivessem alianças com o patronato. Dessa forma,
com a ausência de leis e direitos, o desemprego e a falta de sindicalização, os grupos (que
eram muitos) acabavam antes de ganharem espaço na política. Além disso, muitos anarquis-
tas também foram extraditados após as greves dos anos de 1910. Nesse sentido, o Partido
Comunista do Brasil, além de buscar na formação partidária uma força, também incentivou
os “seus” operários a se candidatarem e, por isso, não muito além das capitais, especialmente
da federal, ganhou destaque nos anos de 1920.
3. As feministas dos anos de 1920 no Brasil tinham interesses diversos entre elas. Bertha Lutz
liderava a reivindicação ao acesso ao Ensino Superior e ao voto universal. Acreditava que
as mulheres alcançariam a igualdade quando pudessem escolher seus representantes ou se
candidatarem. Além disso, a escolha por qualquer profissão também traria equidade e igual-
dade às mulheres. Maria Lacerda de Moura defendia os direitos trabalhistas essencialmente,
porém várias dessas reivindicações acabaram alcançando o status de lei na Constituição de
1934, atingindo até mesmo homens, visto que até então nem todos poderiam votar.
Gabarito 151
4. Tiago de Melo Gomes observa, por meio de várias fontes, a existência de elementos culturais
ligados ou presentes na boêmia, na dança ou mesmo no cotidiano carioca. Isso já era forte
nos anos de 1920 e sua origem seria uma espécie de teatro popular, com músicas que acaba-
vam se tornando comuns no dia a dia. Dessa forma, o “samba malandro” teve sua origem em
palcos e, desse lugar, foi também para os cinemas e rádios. Personagens malandros, mulatas,
caipiras e portugueses deram vida e continuidade para esses temas.
3. Para o historiador, além da ruína da oligarquia da República Velha, houve mudanças radicais,
que o permitem entender tal processo como revolucionário. São eles: estreitamento de laços
do Estado com a classe trabalhadora, direção da economia para investimentos industriais e
fortalecimento do Exército como instituição e responsável pela segurança interna do país.
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