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Uberlândia
2021
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Uberlândia
2021
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RESUMO
O presente artigo analisa a ideia de família juntamente com a importâncias acerca das
conquistas femininas ao longo de toda evolução social e como a alteração do papel da
mulher afetou na concepção, formação e estruturação da família, bem como nas relações
de parentesco. Inicialmente com observações acerca da história e, logo após, somatizada
aos instrumentos jurídicos que sofreram mutações significativas ou foram alvo delas,
chegou-se à conclusão do quanto as mudanças das mulheres frente à sociedade
influenciaram no direito de família.
INTRODUÇÃO
* Graduanda no Curso de Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – Faculdade de Direito “Prof.
Jacy de Assis”. E-mail: analisa.silvasoares9@gmail.com
Artigo científico sob orientação do Prof. Doutor Gustavo Henrique Velasco Boyadjian.
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mulher frente a essa instituição. Foram analisados os fatos que geraram tais mudanças e
como elas, com relação à posição da mulher frente à organização familiar, influenciaram
nas modificações do direito de família, e, se tal influência foi direta ou não. Para isso, foi
utilizado o método dedutivo, o ponto de partida foram situações gerais que ocorreram
tanto no cenário jurídico quanto no cenário social familiar que tiveram a mulher como
protagonista, posteriormente, foi possível observar a influência que tais variações
exerceram sobre o direito de família.
1. ABORDAGEM HISTÓRICA
A família moderna, final do século XVIII e século XIX, tinha papéis claramente
definidos. A mulher assumia o lugar da boa mãe, dedicada em tempo integral, responsável
pelo espaço privado, ou seja, o cuidado da casa, dos filhos e do marido. Ao homem, cabia
o espaço público da produção, das grandes decisões e do poder (COUTINHO, 1994).
A posição que a mulher ocupava na família a proporcionava um status especial.
A maternidade tornou-se para ela, ao longo da história, uma das únicas funções
valorizadas socialmente, permitindo-a ser reconhecida. Esse fenômeno promoveu-lhe o
sentimento de pertencimento e uma posição de aparente prestígio (BORSA; FEIL, 2008).
A ela, caberia todo o desenvolvimento dos filhos, em tempo integral, sem horas para
descanso ou férias, esteja saudável ou doente. Do contrário, poderia ser acusada ou se
sentir culpada pela negligência. No final do século XIX, as mulheres trabalhavam
exclusivamente em casa ou em negócios da família. Os únicos ofícios permitidos fora de
casa eram a educação de crianças, a enfermagem e o serviço doméstico, porém, eram
restritos e estavam limitados as moças de classe social baixa (COUTINHO, 1994).
Com a Segunda Guerra Mundial, a mão de obra masculina nas indústrias ficou
escassa, devido ao fato de que os homens tiveram que prestar serviços ao exército.
Consequentemente, as mulheres assumiram os postos de trabalho vagos, substituindo os
homens nas fábricas. Para que elas pudessem desempenhar melhor os seus novos papéis
profissionais, foram criadas creches e cantinas, com isso, abriram-se mais vagas no
mercado de trabalho para elas, assim como possibilitou o distanciamento da ocupação, na
época sacramental, do cuidado exclusivo dos filhos.
No início do século XX, as mulheres começaram a trabalhar no comércio, como
vendedoras e nos escritórios como secretárias, além de aumentarem sua participação no
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ensino e nas fábricas. Dessa forma, os papéis de esposa e mãe foram alterados. Essa
ideologia que possibilitava o trabalho fora de casa para as mulheres não tardou a chegar
no Brasil e possibilitou-lhes uma nova forma de construção de sua identidade social.
Também, há destaque aos movimentos feministas que eclodiram na década de 1960 nos
países desenvolvidos, e que impulsionaram o sentimento de descontentamento das
mulheres, tais movimentos chegaram, com certo atraso, no Brasil, mas propiciou a
mudança no papel e na posição da mulher na sociedade brasileira. (COUTINHO, 1994)
A busca por liberdade sexual surgiu com a pílula anticoncepcional, que abriu novos
horizontes para as mulheres, acompanhado pelo desejo de igualdade de direitos, de
salários e de decisão. Com o marco mundial do controle da concepção, a mulher teve
autonomia quanto ao seu corpo e liberdade de optar pela maternidade, separou-se a
sexualidade da reprodução. Forneceu à família e, principalmente, à mulher, a noção de
escolha, permitindo à última escolher quando e quantos filhos desejaria ter. Assim, a
mulher deixou de ser obrigada a destinar-se à maternidade. Consequentemente, as
possibilidades de inserção no convívio social e laboral aumentaram. Com a gravidez
tardia, ela poderia se dedicar a outras funções, por exemplo, a de trabalhar (SARTI, 2007).
Em seguimento, na década de 1980, começaram a se instaurar processos de
inseminações artificiais, como as fertilizações. Esses, dissociaram a questão da gravidez
da dicotomia homem e mulher. A mulher deixa a função de reprodutora e passa a assumir
uma identidade social mais autônoma e independente (SARTI, 2007). Modifica-se
também a legislação. Atendendo a novas demandas e configurações familiares, a
instauração do divórcio tornou-se mais simples, o que aumentou sua frequência, já que,
paralelamente, a sociedade tornou-se mais tolerante ao papel e direitos da mulher solteira
ou divorciada (GUTIERREZ; FERRÃO; ROCHA, 2011; ROSA, 2013). A mulher que,
no passado, tinha pouca escolha, na contemporaneidade, passa a escapar do determinismo
biológico e social e se descobre cidadã, ou melhor, sujeita do seu desejo.
Com isso, foi-se reconhecendo a importância das famílias naturais, de modo que
começaram a se assemelhar com o modelo das famílias modernas. Após o século I a.C.,
também se verificou um declínio do poder marital, do pater famílias, sobre a esposa.
Como consequência, se a mulher fosse sui iuris (sujeito ativo), seus bens permaneciam
sob sua custódia, não passando a integrar o patrimônio do pater.
Já o direito pós-clássico foi marcado por novos juízos morais, movidos pelo
cristianismo e a ideia de Estado. A incapacidade relativa das mulheres púberes
enfraqueceu, corroborando com a possibilidade de a filha obrigar-se por contrato.
No direito brasileiro, a normatização da família demorou a ter sua autonomia.
Os primeiros três séculos referentes ao Brasil Colônia foram marcados pela subordinação
a Portugal, que transmitiu ao ordenamento pátrio um modelo familiar orientado pelas
famílias romanas, canônicas e germânicas.
Com o passar do tempo, as autoridades civis começaram a substituir as
competências das autoridades canônicas, de modo que várias normas foram emanadas no
intuito de regular a família, como o Decreto de 03.11.1827, Consolidação de Leis Civis
de Teixeira de Freitas e a Lei 1.144 de 1861, os quais tratavam de temas como casamento,
regime de bens, unidade familiar, entre outras legislações. Não obstante se tratar de fontes
formalmente brasileiras, o período do império foi regido por reminiscências do direito
canônico e português, que foram reproduzidos pelo ordenamento brasileiro.
O período republicano apresentou a instituição do casamento civil, separando-o
da jurisdição eclesiástica, e a codificação do direito civil. O Código Civil de 1916
reconhecia apenas a família matrimonializada, patriarcal e hierarquizada sobressaltando
a feição patriarcal do direito romano para a família brasileira. Segundo Maria Berenice
Dias, a família era reconhecida enquanto selada pelo matrimônio, pautada pela hierarquia,
o marido era o chefe da sociedade conjugal, incumbindo-lhe a representação legal da
família e a administração dos seus bens (redação inicial do artigo 233).
Para tal código, a família seria constituída unicamente pelo matrimônio, com
estreita visão, limitando-a ao casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre
seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e
aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e
aos filhos tidos como ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir
direitos, na vã tentativa de preservar o casamento. Esses aspectos mais discriminatórios
remanescentes no Código Civil de 1916 foram amenizados principalmente por meio de
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três normas: Lei Nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), Lei Nº 6.515/1977 (Lei do
Divórcio) e, acima de tudo, pela Constituição Federal de 1988, tratados adiante.
Assim, a redação original do artigo 233, do Código Civil de 1916, foi alterada
pelo Estatuto da Mulher Casada: o marido continuou figurando como chefe da sociedade
conjugal, mas a lei definiu que a função seria exercida com a colaboração da mulher, no
interesse do casal e dos filhos. De modo similar, o poder familiar seria exercido pelo
marido durante o casamento. Somente na falta ou impedimento do “chefe da família” que
a mulher poderia exercer o poder familiar (artigo 380). Tal disposição foi novamente
alterada pelo Estatuto da Mulher Casada, para que o poder familiar fosse exercido pelo
marido com a colaboração da mulher. Se eles divergissem, prevaleceria a decisão do pai,
restando à mãe recorrer às vias judiciais. Outro sinal inequívoco do caráter patriarcal
residia no artigo 393, também do Código Civil, se a mãe contraísse novo matrimônio,
perdia o poder familiar sobre os filhos do casamento anterior. A única possibilidade de
recuperá-lo era enviuvando. Esse cenário perdurou por quase cinquenta anos, quando o
advento do Estatuto da Mulher Casada alterou a redação para manter o poder familiar em
caso de novas núpcias.
Posteriormente, a Lei do Divórcio regulou a antiga indissolubilidade do
casamento e dispôs, em seu artigo 27, que o pai e a mãe são ambos titulares dos direitos
e deveres parentais. Mesmo ocorrendo o divórcio ou sobrevindo novo casamento, os
encargos persistem, apesar de a guarda dos filhos ser atribuída a apenas um dos genitores.
Não obstante o valor da mudança, a igualdade entre os genitores ainda exigia
aprimoramentos. Foi a Constituição Federal, em seu art. 226, § 5º, que deu um passo
ainda maior, ao prever que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Por conseguinte, suplantou a antiga
feição romana na qual o pai tem o domínio da família e o poder de decisão sobre os filhos.
Adiante, a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) reforçou a
igualdade parental, ao estatuir que o “pátrio poder” seria exercido, em igualdade de
condições, pelo pai e pela mãe. Em caso de discordância, ambos podem demandar à
autoridade judiciária. A partir dessa análise, é possível concluir que a Lei no 4.121/62
(Estatuto da Mulher Casada), a Lei no 6.515/1977 (Lei do Divórcio), a Constituição
Federal de 1988 e a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) combateram a
subordinação da mulher perante o homem, reforçando a igualdade parental. Além disso,
eliminaram a expressão “durante o casamento”, pois o poder familiar dos pais independe
da situação conjugal.
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Nos últimos anos, a guarda exclusiva a um dos genitores foi a que predominou
no cenário brasileiro, principalmente a guarda atribuída unilateralmente à mãe, como
resultado de um longo processo histórico em que a mulher era vista como provedora do
lar, enquanto ao homem cabia o trabalho e sustento da família. Consoante compreende-
se, até pouco tempo atrás, havia um papel a ser exercido pelo homem e outro pela mulher,
incumbindo a ela o dever de zelar pelo cuidado diuturno dos filhos, e a ele a manutenção
e sustento do lar. Destarte, em caso de separação, a guarda dos filhos era inexoravelmente
atribuída à mãe, real detentora do saber de "ser mãe". Ocorre que, relevada a dinâmica
social, não mais subsiste a divisão de papéis, masculino e feminino, desenvolvendo pai e
mãe o mesmo vínculo de afeto e cuidado com os filhos. O relacionamento familiar como
um todo, assim, encontra-se pautado na igualdade de exercício dos direitos e deveres na
sociedade civil e no âmbito conjugal. E pelas mudanças na estrutura familiar brasileira,
com suas novas formas de composição, bem como as exigências socioeconômicas da vida
moderna, em especial a inclusão crescente da mulher no mercado de trabalho, foi editada
a Lei n. 11.698/2008, instituindo a guarda compartilhada.
Dessa forma, a composição familiar deixou de ser rígida, por exigir vínculo
conjugal e poder familiar, e passou a ser mais flexível, com poder e também dever familiar
por parte de ambos, homem e mulher.
com a entrada da criança na escola, a partir do século XV. Tal modificação foi bastante
lenta, porém profunda. A substituição da escola na aprendizagem infantil, exprime uma
aproximação entre os membros, promovendo o surgimento de um sentimento familiar.
Com a proximidade entre os membros da família, esta começa a se tornar mais privada,
mas a forma como o homem se apresentava em sociedade ainda era importante. Com o
passar do tempo, a educação dos filhos também começou a ser valorizada na sociedade.
A família, então, passa a se organizar em torno dos filhos, no lugar do foco nas relações
sociais (HEYWOOD, 2004). No século XVIII, o núcleo familiar passa a distanciar-se da
sociedade pública (ARIÈS, 1981). O espaço maior para a intimidade foi preenchido por
uma relação mais próxima entre pais e filhos, um modelo mais nuclear.
A partir do século XIX, com a modernidade, vieram também as grandes
mudanças na relação conjugal. Surge a ideologia de que a união do casal deveria
acontecer devido ao amor e a felicidade existente entre os dois. Assim, o amor se tornou
fundamental para sustentar a relação. Quando esse já não existia mais, não haveria
motivos para continuar (MORGADO; DIAS; PAIXAO, 2013). Outro fator de
enfraquecimento das amarras do modelo familiar tradicional, está ligado ao movimento
social de reconhecimento das uniões homossexuais. Este movimento apresenta
implicações jurídicas quanto a organização e formalização da estrutura familiar
(FARIAS, 1986; ROUDINESCO, 2003).
poder será exercido "em igualdade de condições pelo pai e pela mãe" e que o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos cabe a ambos.
A versão original do projeto do Código Civil de 2002, mantinha a expressão
pátrio poder, seguindo os termos da codificação de 1916, embora o seu conteúdo
refletisse as vicissitudes do direito de família. Todavia, foi proposta a mudança para a
denominação “poder familiar”, de modo que o novo Código Civil foi o responsável pela
derrogada da expressão pátrio poder do texto legislativo, após a desvinculação dos
moldes patriarcais e a despatrimonialização da família, cuja natureza mudou para assumir
um caráter protetivo, regido pelas cláusulas de mútua compreensão e afetividade. Assim,
desvinculou-se o instituto da ideia unicamente paterna para transferi-lo à família,
resguardando os princípios de igualdade parental. Entretanto, a denominação ainda não
se mostra totalmente adequada, pois a expressão que mais parece agradar a doutrina é
autoridade parental ou, mais recentemente, responsabilidade parental. Outrora o termo
normatizado era pátrio poder, até ser alterado para poder familiar, sendo que este já não
sustenta mais a realidade social e familiar. Isso evidencia que o Direito de Família está
em constante mudança e progresso, conforme se reconhece novos direitos e deveres.
Dessa forma, o poder familiar não é entendido como autoritário, pois é um
múnus, mas não se trata somente de um encargo, nem tampouco um mero poder. O poder
familiar implica dizer que os pais devem ter uma conduta de proteção, de orientação e
acompanhamento dos filhos.
Nesse ínterim, o poder familiar é indisponível, pois não pode ser transferido
voluntariamente pelos titulares a terceiros, uma vez que decorre da
paternidade/maternidade natural ou legal. Também é irrenunciável, na medida em que
não se pode renunciá-lo, com ressalva da adoção, que não é transferida, mas renunciada.
Além disso, o poder familiar é indivisível, embora seu exercício possa ser difundido entre
ambos os genitores, especialmente quando se trata de pais que dissolveram o vínculo
conjugal ou de convivência, por fim, é imprescritível, não se extinguindo pelo desuso.
A Constituição da República de 1988 promoveu grandes e relevantes
transformações no Direito de Família. Produziu-se a denominada democratização da
família, com a progressiva redução da potestas do pater familias até se retirar do marido
a chefia da sociedade conjugal. A família, então, passou a ser vista e regulada como
espaço e instrumento para a realização da dignidade da pessoa humana.
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A evolução das famílias e o casamento andam lado a lado, não podendo citar
um, sem mencionar o outro. É importante lembrar que, com o passar do tempo, além da
evolução do casamento, também surgiram formas de dissolução, antes sendo aceito
somente o desquite, depois a separação judicial e atualmente o divórcio direto.
Por muito tempo, prevaleceu na sistemática pátria, a indissolubilidade
matrimonial, amparada com previsão constitucional da época. Foram numerosas as
tentativas para romper essa muralha constitucional em prol do divórcio, e após relevantes
discussões, foi editada a Emenda n° 9 de 1977 que ensejou na Lei 6.515/1977, Lei do
Divórcio. O instituto dava fim ao casamento, conhecido como desquite, o qual
impossibilitava que o casal continuasse morando sob o mesmo teto, mas que não dissolvia
o vínculo matrimonial definitivamente, e com isso, impedia novo casamento. O desquite
se transformou em separação, com duas formas de romper o casamento: a separação e o
divórcio. Essa lei privilegiou a mulher com a faculdade de optar, ou não, pelo uso do
patronímico do marido, retirando a imposição da mulher se despersonalizar, abrindo mão
do próprio nome. Substituiu o regime da comunhão universal de bens para o da comunhão
parcial de bens, e ampliou a equiparação dos filhos, qualquer que fosse a natureza da
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filiação, para os fins de sucessão hereditária. Em seu artigo 20, trouxe a presunção de que
ambos os cônjuges são obrigados pelo sustento dos filhos, acabando com o entendimento
de que a fixação da prestação alimentícia está associada à ideia de culpa, bem como
estabeleceu a reciprocidade de prestação alimentar, cabendo ao cônjuge responsável pela
separação judicial pensionar o outro, sem distinção entre homem e mulher, vinculando o
pagamento dos alimentos ao binômio necessidade/possibilidade.
Em seguida, a Constituição Federal de 1988 consagrou plenamente o divórcio
em seu art. 226, mencionando o divórcio direto, e para finalizar, a Emenda Constitucional
66/2010 remodelando o §6 do artigo 226 da Constituição Federal vigente, suprimiu a
separação judicial, tornando mais célere o procedimento judicial do divórcio, sendo ele
litigioso ou consensual. Percebe-se então, que as famílias brasileiras sofreram ao longo
das décadas modificações muito expressivas, conforme foram sendo aceitos outros tipos
de uniões. E com essa evolução e aceitação da sociedade, o Estado se deu por obrigado a
criar novas leis e proteger essas novas famílias.
Houve, na evolução histórica, algumas modalidades de separação, como o
repudium, aplica-se tanto ao casamento quanto aos esponsais (contrato de promessa de
casamento, próximo à modalidade de noivado atual) e divortium, que se reserva ao
casamento já contraído, Bonfante sustenta que, até a época dos imperadores cristãos,
divortium designava o estado de ruptura do vínculo conjugal e repudium o ato pelo qual
se manifestava a vontade de terminar o casamento. A partir dos imperadores cristãos,
divortium traduzia a dissolução bilateral e repudium a extinção unilateral do casamento.
O instituto existiu sempre em Roma, sendo, porém, pouco usado no mais antigo período,
o primeiro caso de divórcio foi motivado pela esterilidade da mulher.
Nesses casos, os dois cônjuges não tinham igual direito de se repudiarem, a
mulher in manu não podia fazê-lo, ao contrário daquela que conservara sua
independência. Se a mulher, entretanto, fosse antiga escrava mantida pelo dono para fim
de casamento, só o marido podia romper a união contraída. A dissolução do casamento
poderia ocorrer por morte de um dos cônjuges, pela perda do conubium (capacidade
matrimonial) e pelo divórcio, ou ocorria em casos específicos, como pelo adultério da
mulher, por envenenar os filhos sem o conhecimento do marido, entre outras
possibilidades, a variar conforme o direito vigente. Com o divórcio, a esposa podia
recuperar o dote quase inteiramente. Geralmente, os filhos permaneciam com o pai e, se
a mãe tinha sido responsável pelo divórcio, devia deixar uma parte do dote para os
cuidados dos filhos. A perda do conubium, consoante explanação de Moreira Alves, podia
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ocorrer se um dos consortes sofria capitis deminutio, pela perda do status libertatis ou
civitatis, por exemplo, quando em razão serviço militar o cônjuge se tornasse prisioneiro.
Antes da lei Lulia de adulteriis coercendis não havia forma especial para o
divórcio. Só na prática a mulher devolvia ao marido as chaves recebidas ao entrar no
domicílio conjugal. A lei Lulia, sob pena de nulidade, exigiu forma solene. Cumpria
convocar sete testemunhas púberes e cidadãs romanas, mais um liberto, encarregado de
levar a declaração de divórcio. A estas formalidades acrescentou-se, mais tarde, a menção
do divórcio nos registros competentes. Livre, a princípio, a única sanção consistia nas
retenções sobre o dote, facultadas ao marido, conforme a culpa fosse de um ou do outro
cônjuge. O divórcio foi depois regulamentado.
As causas de divórcio, admitidas por Justiniano, são as seguintes: "Divortium ex
justa causa", repúdio em casos determinados por lei e acarretando graves sanções a cargo
do culpado; "Divortium sine causa", punido, mas válido; "Divortium ex communi
consenso”, vedado por Justiniano, mas restabelecido por seu sucessor; "Divortium bona
gratia (no tempo de Justiniano) causado por motivos não imputáveis a nenhum dos
cônjuges, tais como esterilidade durante três anos consecutivos, deficiência física de
qualquer deles, ausência do marido por cinco anos, como prisioneiro de guerra, doença
mental ou voto de castidade de um dos cônjuges, não acarretava sanção alguma. Portanto,
mesmo o divórcio injustificado, embora punível, era válido, exceto no caso da mulher
culpada e condenada por Justiniano ao confinamento perpétuo em convento.
Foram os imperadores cristãos, e isso como reflexo da doutrina da Igreja sobre
a indissolubilidade do matrimônio, que começaram a combater o divórcio, sem, no
entanto, chegarem a proibi-lo.
Assim, Constantino admitiu, em 331 D.E., que o marido ou a mulher pudessem
repudiar o outro cônjuge quando ocorressem certas causas, por exemplo, se a mulher fosse
declarada culpada por adultério ou por envenenamento, ou, com relação ao marido, se réu
de homicídio, envenenamento ou violação de sepulcro. Caso fosse verificado o repúdio
sem a existência de uma das causas admitidas, o cônjuge que repudiara o outro sofria
sanções, se marido, era ele obrigado a restituir o dote e a não contrair núpcias; se mulher,
perdia ela, em favor do esposo, o dote e as doações nupciais, além de sofrer a pena de
deportação.
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poderiam participar das eleições. Essa situação fez com que o governo tivesse de criar
formas de controle da população e das dinâmicas locais.
Uma das obras que tratam dessa forma de controle é a “Direitos de Família”,
publicada em 1869, por Lafayette Rodrigues Pereira, e que serviu como uma importante
base doutrinária nos assuntos referente as relações familiares (MIYAZATO, 2012).
Segundo Lafayette, a partir do estabelecimento do casamento para acatólicos, o Estado
passou a reconhecer legalmente três tipos de casamento: o casamento de católicos, regidos
pelo direito canônico, e pelas Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia; o
casamento misto (entre católicos e acatólicos), regidos pelas normas do direito canônico;
e o casamento de acatólicos, celebrado conforme religião dos cônjuges, mas cabendo à
autoridade civil julgar as nulidades e impedimentos para o mesmo , diferente dos outros
casamento que fica a cargo do foro eclesiástico. No entanto, mesmo que o casamento de
acatólicos tivesse como denominação "civil", não significou que houve uma separação
com a esfera religiosa, pois ele continuou tendo suas regras reguladas pela instituição de
âmbito confessional. Com isso, pode-se afirmar que o casamento, neste contexto, foi
fundado através da união do elemento religioso e civil.
Em 1870, deu-se a criação da Diretoria Geral de Estatística, com o objetivo de
obter o recenseamento da população, como uma forma de compensar as deficiências do
levantamento populacional, que até então era realizado pela Igreja católica, e que não
contemplava todos os habitantes, sobretudo os protestantes.
À vista disso, em 1874, o decreto n. 5604 regulamentou o registro civil de
nascimentos, casamento e óbito para todos os habitantes do império, independente da
religião. A partir deste decreto, o registro civil ganhou caráter institucional e generalizado,
sob responsabilidade do juiz de paz. No entanto, a promulgação do decreto não excluiu o
valor civil das certidões religiosas, que continuaram a ser realizados e serviam de
instrumentos de provas e solicitadas no cumprimento de medidas legais.
Atrelado a essa deliberação, ocorreu a real implantação do casamento civil com o decreto
n. 181, em 1890.
Como resposta a isso, a Igreja procurava, através da doutrinação, fazer acreditar
que o casamento civil não expressava a vontade de Deus, e seria uma questão de
sacramento. Afirma que o Estado teria promulgado o casamento civil com a desculpa da
garantia da sucessão de bens, da legitimidade da família e dos filhos, e defende que essa
mesma legitimidade poderia ser comprovada por outros meios legais (como o registro
civil de nascimento, por exemplo). Por esse motivo, não haveria necessidade de
regulamentação do casamento civil. Além do mais, o decreto não seria uma expressão da
vontade nacional, já que, segundo eles, a população não realizava o casamento civil e o
mesmo só serviria para “alarmar toda a sociedade”:
Na Constituição Federal de 1890, com a substituição do Império pela República,
os poderes religiosos e estatais foram separados. O Decreto n° 181, de 1890, do Governo
Provisório, reconheceu o casamento civil no Brasil e retirou do casamento religioso
qualquer valor jurídico que pudesse apresentar. No dia 24 de fevereiro de 1891, entrou
em vigor a nova Constituição que dispõe no Título IV, na seção II "Da declaração dos
direitos", § 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será
gratuita”. Observa-se que a primeira Constituição Republicana cuidou de estabelecer que
somente seriam reconhecidas as uniões fundadas no casamento civil, ou seja, não havia
proteção do Estado à família no seu sentido de membros de pessoas unidas por vínculo
biológico e afetivo, mas ainda sem deixar de lado a patrimonialização.
Entretanto, a Constituição de 16 de julho de 1934, primeira a consagrar os
direitos sociais, introduziu inovações, tratou da família no capítulo I do título V, “Da
Família, da Educação e da Cultura" onde se lê: Art. 144 – “A família, constituída pelo
casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.” e “Art. 146 – O
casamento será civil e gratuita a sua celebração”. O casamento perante ministro de
qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes,
produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a
autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no
processo, sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil.
Observa-se que no artigo 144 foi usado o termo "família", porém as que têm
proteção do Estado são apenas aquelas constituídas pelo casamento indissolúvel, sendo
que as constituídas informalmente não eram consideradas família. Cabe ressaltar um
avanço na legislação até então muito conservadora, o reconhecimento do casamento
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membros no que diz respeito a direitos civis e à assistência social, como no artigo 164
que diz ser obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à
infância e à adolescência, com amparo as famílias de prole numerosa. E o artigo 165, que
trata da vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil que será
regulada pela lei brasileira e em benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre que
lhes não seja mais favorável a lei nacional do de cujus.
As Constituições brasileiras, desde 1824, dispõem sobre o princípio da
igualdade, (art. 178, XII): A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue e
recompensará em proporção dos merecimentos de cada um, bem como a Constituição de
1891 (art. 72, § 2º): Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de
nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e
todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
Em diante, a Constituição de 1934 (art. 113, § 1º): Todos são iguais perante a lei. Não
haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões
próprias ou do país, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas, de forma
mais simplificada a Constituição de 1937 (art. 122, § 1º): Todos são iguais perante a lei.
Constituição de 1946 (art. 141, § 1º): Todos são iguais perante a lei. Constituição de 1967
(art. 153): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo
religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei. E a Emenda
Constitucional nº 1, de 1969 (art. 153, § 1º): Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o
preconceito de raça. Seguida pela Constituição de 1988 (art. 5º): Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: “homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, nos termos desta Constituição.”
Até 1934 as Constituições tão somente afirmavam, de forma genérica, o
princípio da igualdade de todos perante a lei, sem, contudo, citar expressamente a
proibição da discriminação em função do sexo. Em 1934, pela primeira vez, o constituinte
se ocupa da situação jurídica da mulher de forma a proibir distinções ou privilégios em
razão do sexo. A Carta de 1937, em flagrante retrocesso, suprime a referência expressa à
igualdade jurídica dos sexos, retornando a fórmula genérica das Constituições
promulgadas no século anterior. Na Constituição de 1946 o legislador apenas reproduziu
o texto anterior. Podemos dizer que a partir da Constituição de 1967, começou a firmar-
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se a igualdade jurídica entre homens e mulheres. Por fim, a Magna Carta de 1988 igualou,
definitivamente, homens e mulheres em direitos e obrigações. Ressalta-se que tanto a boa
hermenêutica, quanto o mecanismo de Controle de Constitucionalidade, pelo princípio da
hierarquia das normas, recomenda que qualquer norma que contrarie essa igualdade deve
ser declarada inconstitucional.
A Constituição de 1988 teve a preocupação de igualar homens e mulheres de
forma expressa em vários de seus dispositivos, como por exemplo o artigo 201, inciso V,
“pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202.”; artigo 226, § 5º, “Os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher.”
Apesar de que, desde 1934, a Constituição brasileira admite a igualdade de todos
perante a lei, a mulher permaneceu em condição de desigualdade. Observa-se que
preconceitos que a mulher vem sofrendo através dos séculos acabaram por tornar-se
regras de direito indiscutíveis. Parece-nos que a parte mais difícil da luta da mulher pela
igualdade de tratamento foi a tentativa de mudar o pré-conceito de família, que vivia sob
a égide de que uma família perfeitamente adequada a sociedade é aquela feita e vivida
em função do chefe homem. O modelo de família era, indiscutivelmente, o patriarcal,
hierarquizado e desigual, completamente dependente das vontades masculinas.
Nos ensina Paulo Luiz Netto Lôbo, que a materialização da igualdade de direitos
e obrigações entre homem e mulher, nas relações conjugais e de união estável,
acompanhou a evolução do princípio da igualdade no âmbito dos direitos fundamentais,
incorporadas às Constituições dos Estados democráticos contemporâneos. Pode ser
destacado princípios com duas dimensões, sendo elas a igualdade de todas perante a lei,
a saber, a clássica liberdade formal, que afastou os privilégios medievais dos estamentos
e dos locais sócio jurídicos (corporações de ofício ou guildas), e dotou todos os homens
de direitos subjetivos iguais, ou seja, aqueles que a lei considera iguais, e a igualdade de
todos na lei, amplificando o alcance, para vedar a discriminação na própria lei, como por
exemplo, a diferenciação entre direitos e deveres de homens e mulheres, na sociedade
conjugal.
A igualdade buscada pela mulher e apregoada pela constituição somente veio a
se estabilizar com pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, que se posicionou
frente as desigualdades do Código Civil editado antes da atual constituição com a
revogação de toda e qualquer norma infraconstitucional diferenciadora, anterior à
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A União Estável, ainda não foi aprofundada constitucionalmente, fato que gera
muitas vezes insegurança jurídica, devido a isso, uma corrente defende a determinação
constitucional para que o legislador ordinário facilite a conversão da união estável em
casamento para tornar mais seguras as relações familiares, pois apenas o casamento
seria capaz de trazer absoluta segurança. Diante disso, o artigo 226, § 3º da Constituição
Federal não contém qualquer espécie de determinação, mas apenas um comando
dirigido ao legislador infraconstitucional para que remova ou deixe de opor dificuldades
para os companheirosque desejem se casar. Em relação àqueles que optam por continuar
vivendo informalmente, a tutela constitucional seria completa, em face do princípio da
igualdade conferido a todas as entidades familiares.
Sustenta a outra corrente, contrária ao tratamento isonômico de tais categorias,
que o texto constitucional, ao determinar que a lei facilite a conversão da união estável
em casamento, está claramente demonstrando a diferença entre ambos e a primazia do
matrimônio, como união solene, pois é inerente à ideia de conversão a de desigualdade,
ou seja, não faria sentido a determinação de conversão de uma coisa em outra a não ser
que sejam desiguais. Ao companheiro não foi assegurado o direito real de habitação
previsto para o cônjuge (art. 1831, do Código Civil) e os filhos nascidos de uma união
estável não gozam da presunção de paternidade (art. 1597, do Código Civil).
Viu-se o Poder Judiciário e a sociedade, nos primeiros oitenta anos do século
XX, obrigados a lidar com tais relacionamentos, sem qualquer apoio do Poder Legislativo
que ainda não se encontrava pronto para tratar da questão.
Adahyl Lourenço Dias (1975, p. 56) noticia a existência de casamentos por
contrato, nas décadas de 50 e 60, em que o varão contratava os serviços domésticos da
mulher, à qual era concedido direito sobre parte das rendas do trabalho do companheiro,
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bem como participação nos bens adquiridos. Tais ajustes tinham por finalidade
regulamentar a situação de fato que o direito se recusava a reconhecer, mas foram
rejeitados pelos Tribunais, sob o argumento de que seu objeto era ilícito.
A primeira reação da jurisprudência foi admitir a indenização da mulher por
serviços prestados e demonstrados, não sendo suficiente a simples convivência more
uxório. Posteriormente, passou-se a reconhecer à mulher direito à parcela do patrimônio
amealhado na constância do relacionamento, desde que houvesse a demonstração de
participação econômica direta em sua aquisição, seja pelo reconhecimento de uma
sociedade comercial de fato, com base no artigo 1363, do Código Civil de 1916, seja pelo
princípio geral de vedação do enriquecimento ilícito. O simples fato da convivência more
uxório não era suficiente para lhe atribuir a situação de sócia ou meeira.
Inicialmente, conforme afirmado poucas linhas antes, esse direito estava
condicionado à demonstração incontestável de que a mulher exercera atividade
econômica própria suficiente para justificar sua participação no patrimônio, que lhe seria
atribuído na estrita proporção de sua contribuição, podendo ou não corresponder à
metade. A simples realização de tarefas domésticas e os cuidados dispensados aos filhos
e ao homem não lhe asseguravam direito algum sobre os bens aquestos. Quando esse
fosse o caso, ser-lhe-ia garantido apenas direito a uma indenização pelos serviços
prestados ao companheiro. Não era possível, entretanto, reconhecer direitos quando o
relacionamento implicasse adultério, conforme jurisprudências da época.
A evolução jurisprudencial e legal culminou com a promulgação da Constituição
Federal que, em seu artigo 226, § 3º, estabelece que, “para efeitos de proteção do Estado,
é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo
a lei facilitar a sua conversão em casamento”. Ao concubinato puro, deu-se o nome de
união estável e reconheceu-se a necessidade de que tal relacionamento fosse devidamente
protegido pelo Estado, retirando-o do limbo jurídico em que se encontrava, mas sem,
contudo, equipará-lo inexoravelmente ao casamento.
A mulher era vista como um mero objeto. Era posse do pai enquanto menina,
posse do marido enquanto jovem e se por ventura ficasse viúva passava a ser posse da
família do pai do marido morto. A influência do individualismo patriarcal se fez presente
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em várias passagens do Código Civil de 1916 como, por exemplo, no antigo art. 6°, II,
que considerava a mulher na classe dos relativamente incapazes; no dispositivo que
outorgava ao pai o poder sobre o filho ilegítimo reconhecido, enquanto menor (art. 360);
na competência dada ao pai para nomear tutor; no exercício exclusivo da chefia da
sociedade conjugal pelo marido; na necessidade de a mulher conseguir autorização do
marido para que pudesse exercer, fora do lar conjugal, qualquer profissão (art. 233); na
proibição de a mulher casada aceitar tutela, curatela ou qualquer outro múnus público,
herança, legado e mandato sem autorização do cônjuge varão (art. 242); na prevalência
da vontade paterna no caso de discordância entre o pai e a mãe quanto ao consentimento
para o filho menor casar (art. 186); no exercício exclusivo do pátrio poder pelo marido,
enquanto perdurasse a sociedade conjugal (art. 380).
As ideias que se desenvolveram no mundo contemporâneo fizeram nascer a
Declaração dos Direitos Humanos. Esta, em seu art. 14, estabeleceu que homens e
mulheres devem gozar dos mesmos direitos, não só durante o matrimônio como após a
dissolução deste.
Na evolução do nosso Direito de Família, a diretriz no sentido da emancipação
da mulher ocorreu de maneira progressiva. O problema da incapacidade relativa da
mulher casada não suscitou muitas questões judiciais. Com o mesmo efeito, surgiu o art.
446 da CLT, em que se presumia autorizado o trabalho da mulher casada, permitindo, em
caso de oposição, que a interessada recorresse ao suprimento da autoridade judiciária
competente.
Registre-se, também, que o próprio Código Civil de 1916, ao lado de dispositivos
humilhantes para a mulher casada, trouxe normas altamente avançadas, prenunciando,
assim, a vocação igualitária de nosso Direito. Basta lembrar o art. 240, que declarava
assumir a mulher, pelo casamento, os apelidos do marido e a condição de consorte e
companheira. Da mesma maneira, o art. 246 conferia-lhe privilégios negados ao marido,
conforme Silvio Rodrigues, como o direito de dispor livremente do produto de seu
trabalho.
A adoção do nome de família do marido (agnação) pela mulher, se traduz em
um costume a que a lei deu guarida, para exprimir a comunhão de vida entre os cônjuges,
como reflexo do sistema patriarcal romano. Derivado do latim nomem, que advém do
verbo noscere ou gnoscere, nome significa a denominação ou a designação que deve ser
dada a certa ou determinada pessoa ou coisa, para que possa ser reconhecida e
individualizada. O artigo 240, parágrafo único, do Código Civil de 1916, falava da
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
familiares. O fato de tentar o máximo de inclusão possível, levou também o direito a ser
chamado por alguns como direito das famílias, buscando maior igualdade parental ao
deixar para trás o reconhecimento apenas da família nuclear.
Entretanto, todas as evoluções não tratam apenas das conquistas femininas na
sociedade, apesar de indiscutível a relevância. Destaca-se a necessidade de possuir
controle da população, e tirar o controle, mal feito, da mão da igreja, que também fez
ampliar direitos, com o reconhecimento do casamento civil. A ampliação da afetividade
nas famílias também deve ser considerado um grande marco. O que antes ocorria por
questões de sobrevivência e desenvolvimento passou a ter como base a afetividade, o que
fez também alterar a visão com relação às crianças, que antes saiam de casa aos sete anos,
capacitavam para mão de obra, e retornavam aos dezoito para servir à família. Mudança
percebida com a discrepante situação atual, em que a prole sai de casa, em regra, após a
maioridade para alcançar crescimento pessoal, não servindo apenas à sua família de
origem.
É possível considerar, portanto, a grande influência da mulher nas alterações e
conquistas, bem como considerar tal influência direta. Mas é indevido atribuir apenas à
mulher o grande avanço que ocorreu nesse importante seguimento do direito, por todo o
exposto acima.
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ABSTRACT
This article analyzes the idea of family together with the importance of women's
achievements throughout the social evolution and how the change in the role of women
affected the conception, formation and structuring of the family, as well as kinship
relationships. Initially with observations about the history and, soon after, added to the
legal instruments that underwent significant changes or were the target of them, it was
concluded how much the changes of women in society have influenced family law.
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