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Administradores Hospitalares
Autoria: Letícia Corrêa Magalhães Ferreira, Adriane Vieira
RESUMO
Os hospitais abrigam tensões de natureza grupal e profissional. Seu corpo diretivo e clínico é
constituído por médicos que muitas vezes têm dificuldade de aceitar normas de disciplinas
coletivas e de ouvir recomendações, principalmente por parte dos administradores
hospitalares. A pesquisa realizada teve como objetivo analisar como os administradores
hospitalares da cidade de Belo Horizonte percebem as relações de poder entre a sua categoria
profissional e a dos médicos proprietários de hospitais. Através da metodologia qualitativa
foram coletados, descritos e analisados, os discursos de nove administradores hospitalares,
com experiência mínima de quatro anos de exercício da gerência em hospitais. Os dados nos
permitiram identificar o hospital como um local da disciplina médica, no qual o médico
controla o cotidiano dos demais profissionais, determinando o tipo de comportamento
esperado. Os entrevistados se ressentem da falta de autonomia na gestão e consideram que
isso prejudica o andamento dos processos, bem como a qualidade dos serviços prestados.
Queixam-se, principalmente, da falta de informações e da impossibilidade de participarem nas
decisões estratégicas. Os entrevistados admitem que o relacionamento com os médicos-
proprietários é permeado por conflitos, pois muitas vezes estes ignoram as questões colocadas
pelos administradores e insistem na diferença de classe, utilizando-a como forma de fazer
prevalecer suas opiniões. A principal característica dos conflitos diz respeito, portanto, à
percepção de superioridade do profissional médico em relação aos demais.
1 Introdução
A organização hospitalar apresenta estrutura orgânica extremamente complexa, na
medida em que exige conhecimentos específicos necessários para gerir recursos físicos e
humanos. Em épocas passadas, era administrada por curiosos, religiosos, militares e médicos
que não tinham conhecimentos suficientes para geri-la. Nos dias atuais, segundo Cherubin
(1999), ainda predomina uma administração pouco profissionalizada, executada por médicos
proprietários que em sua maioria não adquiriram conhecimento necessário para tal e agem
como se fossem profissionais especializados na área. No entanto, pela lógica do mercado,
sobrevive o hospital que produz melhores produtos por meio de uma agressiva política de
incorporação tecnológica e de um crescente aperfeiçoamento e controle de seus processos
internos. “Quem não se atualiza buscando novos avanços internos e não modernizando os
processos de gestão, termina ultrapassado pela onda de modernização, competitividade e
eficiência marcante em nossos tempos” (FEUERWERKER, 2001, p. 6).
Turner (1987, p. 157) afirma que “o hospital não é só uma instituição crucial nos
sistemas de saúde modernos, mas simboliza, também, o poder social da profissão médica,
representando a institucionalização dos conhecimentos médicos especializados”. Larson
(1977) reforça tal concepção quando sugere que a extensão contemporânea da dominação
médica entretece-se na história recente do hospital e que o impacto social crescente da
tecnologia médica nas sociedades modernas resulta do poder social conferido à profissão
médica através dos hospitais e das universidades.
Nos hospitais ocorrem tensões de natureza grupal e profissional, assegura Gonçalvez
(1998, p. 82), envolvendo o corpo clínico, constituído por médicos que trabalham no hospital,
que têm muita dificuldade em “repartir seu poder, aceitar normas de disciplina coletiva e
ouvir sugestões ou recomendações”, que foram formados para tomarem decisões difíceis em
relação à vida e a morte das pessoas. Contudo, mudanças se fazem necessárias nessas relações
de poder entre corpo diretivo, clínico e técnico-administrativo, para que as organizações de
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saúde, públicas e privadas promovam assistência segundo os padrões exigidos pela
Organização Mundial de Saúde - OMS, pelos órgãos governamentais e pela demanda dos
clientes.
Um exemplo da necessidade de imprimir às organizações hospitalares uma
administração profissionalizada é a Portaria n. 2.225/GM, de 5 de dezembro de 2002,
publicada pelo Ministério da Saúde (2007), na qual são estabelecidas exigências mínimas
para a estruturação técnico-administrativa das direções dos hospitais vinculados ao SUS. De
acordo com a classificação por porte de hospital passam a ser exigidos profissionais com
formação específica em Administração Hospitalar ou com cursos de qualificação na área
(BRITO, 2004).
Conforme Carapinheiro (1998,) a área de saúde apresenta escassez de estudos
produzidos sobre as dimensões da gestão hospitalar mais estritamente ligadas aos fatores
políticos, internos e externos, que bloqueiam o seu exercício, ou então, aquelas que se
prendem ao enquadramento funcional.
Nesse contexto, e visando preencher tal lacuna, esta pesquisa tem como objetivo
analisar como os administradores hospitalares da cidade de Belo Horizonte percebem as
relações de poder entre a sua categoria profissional e a dos médicos proprietários de hospitais.
Para alcançar tal objetivo foi realizada uma pesquisa do tipo qualitativa-descritiva em
instituições hospitalares privadas, cuja diretoria clínica era composta por médicos
proprietários. Os sujeitos de pesquisa entrevistados foram nove administradores hospitalares,
com experiência mínima de quatro anos de exercício da gerência em hospitais. A técnica de
análise utilizada foi a análise de conteúdo do tipo categorial-temática. Na seqüência deste
trabalho apresenta-se o referencial teórico que guiou a análise dos dados, detalhes sobre a
condução da pesquisa e a descrição analítica dos dados.
2 Referencial teórico
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Segundo Foucault (1979), qualquer agrupamento humano estará sempre permeado por
relações de poder, uma vez que o pressuposto básico para a manifestação desse tipo de poder
são as relações inerentes à vida social. É preciso levar em consideração que o fenômeno da
dominação, com as diversas relações de poder que lhe são imanentes, antecede o próprio
Estado.
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A disposição de mesas e cadeiras, quadros na parede, vasos e porta-retratos sobre as
mesas funcionam como demarcadores de território, evidenciando desde logo a sua
apropriação. Fischer (1994, p. 85) acrescenta que “esses demarcadores tem uma função
preventiva, indicando aos outros, quem possui e ocupa o espaço assim delimitado. São, na
realidade, símbolos – entes comunicantes – que evidenciam uma relação dual - entre si
mesmo e os outros – de fronteiras caracterizadas.
Essas demarcações podem também refletir e traduzir a posição ocupada por indivíduos
na organização: as dimensões da sala ocupada, o andar ou local onde se localiza (geralmente,
a alta direção ocupa os andares superiores – comando “top down”), o espaldar da cadeira
(cargos importantes demandam cadeiras de espaldar alto), as dimensões (e estilo) da mesa;
enfim, esses elementos estão impregnados de simbolismos de mensagens intra-ambientais. “A
distribuição num espaço e a arrumação desse são uma expressão do sistema hierárquico e uma
de suas formas mais visíveis” (FISCHER, 1994, p. 91).
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Rio de Janeiro, “com o objetivo de tratar dos interesses médico-sociais e do ensino da
Medicina, sob os auspícios do governo” (ZAGONEL, 1996, P. 78).
A escola, segundo Berger e Luckmann (1989), funciona como um aparelho
legitimador das funções sociais a serem assumidas, bem como da constituição das identidades
profissionais. Ela é a encarregada de dar continuidade ao processo de socialização dos
sujeitos, iniciado na família, permitindo a interiorização dos valores, regras e normas
institucionais, cujo caráter e extensão são determinados pela complexidade da divisão do
trabalho e da distribuição social do conhecimento. A linguagem, por sua vez, é o veículo de
internalização dos esquemas motivacionais e interpretativos, que dizem respeito ao como ser
um bom médico, respeitar a ética profissional, agir de acordo com os interesses da
corporação, diferenciar-se dos demais profissionais, etc. Portanto, além da linguagem é
preciso adquirir “compreensões tácitas, avaliações e colaborações afetivas desses campos
semânticos” (BERGER; LUCKMANN, 1989, p. 185).
Esse aparelho legitimador, que é a escola, é formado por professores médicos
experientes que se utilizam de símbolos, como o uniforme branco e a linguagem científica, e
rituais compostos por exames e qualificações que garantem a aprendizagem de
conhecimentos, habilidades e atitudes que caracterizam tal profissão e a diferenciam das
demais, e ao mesmo tempo promovem a identificação subjetiva com a função e suas normas
adequadas. Tal identificação é maior quando o status do conhecimento é elevado e a
valorização desta atividade também, como no caso dos médicos (BERGER; LUCKMANN,
1989).
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A baixa adesão a modelos de gestão participativa demonstrada pelos médicos resulta
em um acentuado processo de distribuição de poder no interior da organização com
todas as suas conseqüências. A não-adesão quase nunca assume a forma de
confronto, mas de um silencioso boicote, uma espécie de resistência pacífica que
resulta em eficaz arma contra mudanças pretendidas pelos dirigentes (CECÍLIO,
1997, p. 317).
Cecílio (1997) sugere que a autonomia dos médicos apoiaria as ações em comum se
guiasse os administradores hospitalares para um futuro mais assertivo e comungasse com os
interesses da organização sempre que fosse colocada em prática.
O poder legal deve e precisa ser utilizado para conduzir as ações com firmeza e
objetivo, mas o despoder dos que são contratados para gerenciar as instituições hospitalares
enfraquece o poder em comum. Luz (1986) sugere que a estrutura hierárquica se decompõe
diante das várias faces dos desejos individuais, interesses que geram conflitos entre os
proprietários e administradores responsáveis pela racionalidade da produção.
Vários autores, como Hall (1984), Lebrum (1984), Luz (1986), Cecílio (1997),
discutem a concepção de conflito de interesses. Dentre eles, Hall (1984) apresenta a idéia de
que haveria três possíveis visões de conflito. A primeira encara o conflito como um fenômeno
raro e transitório; a segunda, mais radical, entende o conflito como uma força motora
onipresente e causadora de ruptura; e a terceira sugere que o conflito pode ser um aspecto
reprimido do sistema social, nem sempre visível no nível empírico como uma realidade,
aparecendo de forma silenciosa ou como denomina Cecílio (1997), como o “não-ruído”.
De acordo com Luz (1986), as organizações formais e hierárquicas facilmente
produzem atores autoritários, que são também profissionais interessados em organizar os
serviços e a produção. Talvez, não conscientemente, os médicos tomem a direção de suas
organizações para não perderem as rédeas de seus negócios, porém, mudanças na estrutura
organizacional e complexas informações na área de saúde, podem situá-los em desvantagem
competitiva no setor administrativo.
O fato é que, apesar da evolução das organizações hospitalares, ela ainda está sujeita
ao poder dos médicos proprietários e ao seu controle sobre os administradores hospitalares, o
que pode ameaçar toda a organização. Dessa forma, a presente pesquisa busca o entendimento
sobre as relações de poder que se estabelecem entre os administradores hospitalares e médicos
proprietários, bem como os possíveis conflitos existentes entre eles.
3 Metodologia
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As informações foram coletadas por meio de entrevistas individuais semi-estruturadas.
Assim sendo, seguiu-se um roteiro que permitiu conservar certa padronização das perguntas
sem impor opções de respostas, permitindo ao entrevistado formular respostas pessoais que
melhor expressassem sua subjetividade (VERGARA, 2003).
Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo do tipo
categorial-temática. Conforme sustenta Minayo (2000), a análise temática consiste em
descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência
signifique alguma coisa para o objeto analítico visado. Logo, fazer uma análise temática
consiste em descobrir os temas, que são as unidades de registro nesse tipo de análise e que
corresponde a uma regra para o recorte. Após o recorte, as unidades de significação foram
classificadas e agregadas em categorias.
As principais categorias que nortearam a coleta e análise centraram-se nos fatores que
envolvem os administradores hospitalares e os respectivos médicos proprietários, buscando
investigar questões favoráveis ou desfavoráveis nas relações de poder, tipos de controle,
disputa de interesses e tipos de conflitos.
Nesse item são descritos quais são os poderes delegados pelos médicos proprietários
aos administradores hospitalares e como os administradores hospitalares participam da gestão.
No entanto, antes se faz necessário mencionar que todos os hospitais são sociedades
anônimas, sendo que quatro são do tipo familiar e dois não têm fins lucrativos. Todos eles
contam com a participação de médicos no conselho administrativo ou na diretoria executiva.
Quanto a forma de contratação dos administradores hospitalares, sete foram indicados para
ocupar o cargo pelo Conselho de Administração e os demais participaram de processos
seletivos abertos.
No que se refere aos poderes delegados pelos médicos proprietários aos
administradores hospitalares há diferentes posicionamentos, dos nove entrevistados cinco se
ressentem da falta de autonomia e afirmam que isso prejudica o andamento dos processos,
bem como a qualidade dos serviços prestados.
Entre os administradores que se encontram insatisfeitos, a queixa principal se refere a
falta de informações e a impossibilidade de participar das decisões que visam estabelecer
diretrizes estratégicas.
Existem assuntos ligados a diretoria clinica e outros assuntos que dizem apenas aos
médicos proprietários que não são colocados para o administrador. (Entrevistado 2)
Poderes para decisões operacionais que devem ser delegadas posteriormente por
mim para os demais setores. (Entrevistado 6)
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Nesses depoimentos já encontramos elementos que nos permitem identificar o hospital
como um local da disciplina médica, ou seja, aquele que permite ao médico não somente curar
os doentes, mas, também controlar o cotidiano dos demais profissionais determinando o tipo
de comportamento esperado (FOUCAULT, 1979). Esse controle se dá, essencialmente pela
determinação de quem pode ter acesso às informações privilegiadas e a partir delas atuar,
pois, como define Foucault (1979), o poder é uma relação de forças e como tal se constitui de
ações sobre ações, como desviar, tornar fácil ou difícil, ampliar ou limitar. Sendo assim,
quando as decisões dos administradores hospitalares puderem, de alguma maneira, impedir
que o interesse da classe médica seja sobrepujado elas serão vetadas.
Dão os poderes necessários, porém, sempre que alguma atividade vai de encontro
aos interesses pessoais ela é desfeita. Os interesses deles se sobrepõem as obrigações
da empresa. (Entrevistado 8)
Conforme Luz (1986, p. 17), nas organizações hospitalares é comum que o poder seja
repassado com muita cautela, em um processo lento e com pouca confiabilidade por parte dos
proprietários para os administradores, denominados “generais sem exército”. Os
administradores buscam a autonomia prometida pelo cargo e procuram desenvolver suas
funções sem restrições. Porém, desde o início, suas ações estão limitadas e sofrem
interferência freqüente dos contratantes, que temem perder o poder nas relações, o poder
autoritário, o poder da punição e o poder do controle, até então centralizado pela cúpula. No
entanto, a qualidade dos serviços e a produtividade de uma organização, na
contemporaneidade, estão intimamente relacionadas à rapidez das respostas às demandas do
ambiente interno e externo, portanto, a participação dos gestores e seus colaboradores nos
processos decisórios, acompanhadas de maior autonomia são elementos-chave do sucesso.
O administrador deve participar do sistema de uma empresa; para gerenciar é
preciso unificar propósitos e produtos a fim de que todas as necessidades sejam
satisfeitas: a do capital, a da sociedade, a do trabalhador e a do cliente (Entrevistado
1)
O que poderia facilitar o trabalho do administrador seria reconhecer que existe este
ambiente externo, que é competitivo e voraz, e suas influências. Deixar de ser
familiar e passar a ser uma empresa de fato e não um grupo de amigos, como eles
mesmos se rotulam. (Entrevistado 8)
Nesses extratos de fala existem coincidências em relação aos achados das pesquisas
realizadas por Cecílio (1997), uma vez que revelam a expectativa de que os médicos
partilhem as mesmas preocupações que os administradores quanto ao sucesso do negócio,
comunguem dos mesmos objetivos, deleguem e concedam maior autonomia aos gestores,
confiando em suas capacidades intelectuais sem receio de perder o poder.
Luz (1986) sugere que a acentuada autonomia dos médicos, defensores de regras e
normas profissionais na rotina administrativa, em contraposição à necessidade de uma gestão
eficaz por parte dos administradores contratados, mesmo nos modelos mais participativos e
democráticos, tem demonstrado resistência por parte dos colaboradores, denunciando seu
caráter autoritário. Portanto, muitos atributos de rigidez, mecanismos, autoritarismo e
coordenação inadequada que têm caracterizado os serviços de saúde, provêm mais da
organização profissional do que das suas características burocráticas.
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preocupa com o seu objetivo, com os seus interesses, visto que é um personagem
passageiro naquela instituição. (Entrevistado 4)
Nós temos problemas com os planos de saúde, que nem sempre pagam para o
paciente a melhor tecnologia, esse fato irrita profundamente o corpo clínico. O
conflito existe quando o administrador hospitalar não consegue o melhor material
cirúrgico; equipamentos a serem pagos pelos planos de saúde. (Entrevistado 6)
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Eles influenciam utilizando do poder de conhecimento sobre a medicina e sobre a
necessidade dos nossos clientes. (Entrevistado 1)
Gerentes são indicados pelos médicos e se reportam a eles. Eles tomam todas as
decisões estratégicas. Por ser uma diretoria com membros acima dos 70 anos, é
conservadora. Isso prejudica a agilidade de tomada de decisão e maior agressividade
das ações (Entrevistado 7).
Crescer gera trabalho, gera compromisso, gera dedicação. A organização foi criada
apenas para gerar emprego para eles, logo basta ela apenas existir (sobreviver) que
já lhes atende. Sim, basta lembrar o jargão muito citado “Médico acha que é deus,
mas alguns têm a certeza !”. (Entrevistado 8)
Analisando os extratos das falas, é importante destacar que quando se perguntou aos
administradores como os médicos influenciam a tomada de decisão e se/como demonstram
sua superioridade, todos os entrevistados se manifestaram livremente, revelando os
antagonismos nos relacionamentos, mesmo aqueles que em momentos anteriores se disseram
satisfeitos com a qualidade dos relacionamentos e com liberdade e autonomia para a ação.
Nesse ponto, chamamos a atenção para a presença de conflitos reprimidos, que aparecem de
forma silenciosa conforme Hall (1984) ou sem ruídos segundo Cecílio (1997). Podem ser
considerados também conflitos latentes, no sentido de que há um conflito de desejos e
preferências entre aqueles que exercem o poder e aqueles sujeitos a ele, uma vez que estes
têm consciência dos seus interesses.
Sim desautorizam às vezes, porém, de forma conveniente. Não incomoda, pois são
medidas necessárias e coerentes. Não prejudica, agrega. (Entrevistado 5)
Não me incomoda muito, pois nem tudo que é proposto deve ser aprovado.
(Entrevistado 7)
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Gera descredibilidade entre os colaboradores e me deixa insegura para tomar a
decisão certa na próxima vez.. Nunca se sabe se terei que voltar a trás nas minhas
decisões. (Entrevistado 1)
Essa é apenas mais uma faceta da disputa pelo poder entre classes profissionais,
classificada por Luz (1986) como o “despoder” daqueles que são contratados para gerenciar.
Conforme a autora, isso acaba enfraquecendo o poder comum, uma vez que a estrutura
hierárquica se decompõe diante das várias faces dos desejos individuais, gerando desconforto
para aqueles que são responsáveis pela racionalidade dos processos, isto é, para os
administradores hospitalares.
Se a instituição está indo bem ou não o problema é da administração e não dos
médicos. Poucos médicos se envolvem com todos os interesses da organização e
ainda têm alguns médicos que, por não suportarem tanta pressão ou o tipo de política
interna, pedem demissão. (Entrevistado 1)
Poderíamos ter uma maior participação dos médicos nas negociações junto aos
planos de saúde, no intuito de tentar orientar, convencer os responsáveis pelos
pacotes a praticarem melhores preços e permitirem o uso de melhores materiais nos
kits. (Entrevistado 6)
5 Considerações finais
Os hospitais apresentam uma estrutura orgânica complexa que exige conhecimentos
específicos para gerir tanto recursos físicos quanto humanos. Eles também abrigam tensões de
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natureza grupal e profissional, uma vez que simbolizam o poder social da profissão médica.
Seu corpo diretivo e clínico é constituído por médicos que representam a institucionalização
de conhecimentos especializados e que muitas vezes têm dificuldade de aceitar normas de
disciplinas coletiva e de ouvir recomendações, principalmente por parte dos administradores
hospitalares.
No passado, os hospitais eram administradores por religiosos e militares, nos dias
atuais, apesar de ainda predominar uma administração executada por médicos proprietários, já
existe uma exigência de profissionalização da gestão, ditada pela lógica da competição de
mercado, de incorporação tecnológica e do aperfeiçoamento do controle dos processos
internos.
Nesse contexto, a pesquisa realizada teve como objetivo analisar como os
administradores hospitalares da cidade de Belo Horizonte percebem as relações de poder entre
a sua categoria profissional e a dos médicos proprietários de hospitais. Através da
metodologia qualitativa foram coletados, descritos e analisados, os discursos de nove
administradores hospitalares, com experiência mínima de quatro anos de exercício da
gerência em hospitais.
Os dados nos permitiram identificar o hospital como um local da disciplina médica, no
qual o médico controla o cotidiano dos demais profissionais, determinando o tipo de
comportamento esperado. Tal controle se dá pela determinação de quem pode ter acesso às
informações privilegiadas e a partir delas atuar (FOUCAULT, 1979).
Os administradores hospitalares entrevistados se ressentem da falta de autonomia na
gestão e consideram que isso prejudica o andamento dos processos, bem como a qualidade
dos serviços prestados. Queixam-se, principalmente, da falta de informações e da
impossibilidade de participarem nas decisões estratégicas. Também revelam a expectativa de
que os médicos partilhem das mesmas preocupações, no que se refere ao sucesso do negócio,
que deleguem confiando nas suas capacidades técnicas e que comunguem dos mesmos
objetivos organizacionais.
Os entrevistados admitem que o relacionamento com os médicos-proprietários é
permeado por conflitos, pois muitas vezes estes ignoram as questões colocadas pelos
administradores e insistem na diferença de classe, utilizando-a como forma de fazer
prevalecer suas opiniões. A principal característica dos conflitos diz respeito, portanto, à
percepção de superioridade do profissional médico em relação aos demais.
Outro achado da pesquisa diz respeito à presença de conflitos reprimidos e latentes, no
sentido de que há consciência das divergências de desejos e de preferências entre aqueles que
exercem o poder e aqueles que são sujeitos a ele. Esse conflito é resultado, principalmente, de
um tipo específico de ação, por parte dos médicos, que visa prejudicar a credibilidade do
administrador ao desautorizar suas decisões, levando ao desgaste emocional, à perda de
produtividade e de comprometimento de toda equipe e ao aumento da insegurança para a
tomada da decisão.
Por fim, os resultados da pesquisa indicam que não é mais possível manter a velha
forma de organização, na qual atuam em paralelo um sistema administrativo e um assistencial,
pois o controle financeiro de uma organização depende da racionalização do emprego de
recursos no atendimento aos pacientes. Aproximar os administradores hospitalares das
decisões estratégicas organizacionais é uma forma de garantir não apenas a sobrevivência,
mas a perpetuação bem-sucedida dos negócios. As formas de controle são inerentes à
administração, mas se utilizadas para a manutenção dos interesses da organização podem
trazer benefícios na construção de uma nova estrutura organizacional, que foque seus
trabalhadores e, principalmente, a produtividade desses em equipe.
Os médicos, em seu trabalho, fazem a diferença, porém, a maneira como os
administradores trabalham com esses profissionais pode resultar em uma vantagem
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competitiva. Esta pesquisa reforça estudos de Cecílio (1997; 2002), Carapinheiro (1998),
Cherubin (1999), Feuerwerker (2007), Carapinheiro (1998) e Luz (1986), e indica ser
fundamental a busca de conhecimentos profissionais de todas as classes que integram as
equipes de saúde. Assim, espera-se que este estudo contribua para que médicos e
administradores hospitalares se conscientizem acerca de seus diferentes papéis, colaborando
de modo efetivo para o aumento da produtividade e o aperfeiçoamento da qualidade dos
serviços prestados pela organização hospitalar à comunidade que servem.
Referências
ANTUNES, J. L. F. Por uma geografia hospitalar. Tempo Social; Revista de Sociologia. USP,
São Paulo, v. 1, n. 1, p. 227-234, 1989.
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção da realidade social. 16ª ed., São
Paulo: Vozes, 1985.
BAUER, M.W.; GASKELL, S.; ALLUM, N.C. (Org.). Pesquisa qualitativa com texto,
imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
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FEUERWERKER, L. C. M. O hospital e a formação em saúde. Desafios atuais. Revista
Ciência e Saúde Coletiva: Abrasco. Disponível em:
<http://www.abrasco.org.br\cienciaesaudesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=492
> Acesso em: 29 de Mar. 2007.
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NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 24.,
2000, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Anpad, 2000.
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