E Os Fracos Sofrem o Que Devem
E Os Fracos Sofrem o Que Devem
E Os Fracos Sofrem o Que Devem
info@marcador.pt
www.marcador.pt
facebook.com/marcadoreditora
Título original: And the Weak Suffer What They Must?: Europe's Crisis and America's Economic
Future
Título: Os fracos são os que sofrem mais? – A crise da Europa e a estabilidade global ameaçada
Autor: Yanis Varoufakis
Tradução: Sarah Adamopoulos
Revisão: Paula Caetano
Paginação: Maria João Gomes
Capa: Marina Costa/Marcador Editora
Fotografia do autor: Photo acTVism Munich
Impressão e acabamento: Multitipo – Artes Gráficas, Lda.
ISBN: 978-989-754-263-3
Depósito legal: 414 116/16
1
«Os mais fortes fazem o que podem, enquanto os mais fracos fazem o que devem.»
Tucídides, «Monólogo ateniense totalitário: o diálogo dos Mélios e o genocídio», História
da Guerra do Peloponeso, na tradução de Raul M. Rosado Fernandes e M. Gabriela P.
Granwehr para as edições da Fundação Calouste Gulbenkian (a partir do original grego
publicado pela Oxford University Press). Existe uma «versão portuguesa» do axioma
atribuída a António de Oliveira Salazar: «Manda quem pode, obedece quem deve.» (NT)
Para a minha mãe, Eleni, que teria criticado veementemente, mas também com a
maior elegância e compaixão, qualquer pessoa que aceitasse a ideia de que os mais
fracos têm a obrigação de se submeter ao que devem.
ÍNDICE
11
PREFÁCIO
A MANTA VERMELHA
13
YANIS VAROUFAKIS
14
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
2
Referindo-se a Georgious Papadopoulos (1919-1999), coronel de Infantaria e antigo
colaborador do regime nazi que liderou o golpe de Estado militar que teve lugar na
Grécia em abril de 1967 – tendo sido apenas derrubado no final de 1973. Sugere-se con-
sulta online do artigo de obituário publicado aquando do seu desaparecimento no jornal
semanário The Economist: https://web.archive.org/web/20120221125732/http://www.
economist.com/node/219259. (NT)
15
YANIS VAROUFAKIS
16
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
17
YANIS VAROUFAKIS
18
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
19
YANIS VAROUFAKIS
Trata-se, com efeito, de uma história que não deixa ninguém in-
diferente e que explica, em grande medida, a posição dura que foi
advogada por tantos relativamente aos Gregos, isto é, contra eles e
contra o governo em que servi.
«Quando posso reaver o meu dinheiro?», perguntou-me um
jovem ministro alemão, meio a brincar meio agressivo, à margem
daquele primeiro encontro com o Dr. Schäuble. Pensei «cala-te boca»,
e sorri educadamente.
20
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
21
YANIS VAROUFAKIS
O nosso 1929
22
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
23
YANIS VAROUFAKIS
Dívida e culpa
«Uma dívida é uma dívida é uma dívida!», eis o que um outro alto
funcionário da República Federal da Alemanha me disse aquando da
minha primeira visita oficial a Berlim. Ao ouvir isso, não pude repri-
mir a recordação de algo escrito por Manolis Glezos, o símbolo da
resistência da Grécia contra os nazis, num seu livro de 2012 intitulado
Even If It Were a Single Deutsche Mark.5 O comentário do alto funcio-
nário alemão transportava idêntica mensagem: no fundo, o reconhe-
cimento de que cada marco alemão de reparações de guerra devido à
Grécia deve ser pago. Até mesmo um só marco alemão pago poderia
ajudar a reverter uma injustiça tão gritante. Tal como na Alemanha,
quando uma vez instalada a crise da zona euro se considerou uma
evidência que os Gregos eram devedores desavergonhados, também
na Grécia as dívidas de guerra ainda por saldar poderão permanecer
para sempre imperdoáveis.
A última coisa de que precisava, enquanto procurava estabelecer
um terreno de entendimento com o ministro alemão das Finanças,
era deparar-me com narrativas moralizantes. As questões éticas são
5
Glezos, cujo ativismo político começou em maio de 1941 quando, juntamente com
Apostolos Santas, escalou os muros da Acrópole para subtrair, sem ser visto pelas sen-
tinelas alemãs, a bandeira suástica, tem liderado a campanha em favor das reparações de
guerra à Grécia pela Alemanha e, com maior empenho ainda, a exigência de devolução
pelo Estado alemão do «empréstimo» a que, pelas mãos de altos chefes militares, forçou
o Banco Nacional da Grécia durante a ocupação nazi. [O título do livro de Manolis
Glezos poderia ter, em português, a seguinte tradução: Nem que fosse apenas um só marco
alemão! (NT)]
24
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
6
A Truth and Reconciliation Commission foi uma comissão de reconciliação com a História
criada na África do Sul depois da abolição do apartheid. Sob a forma de um tribunal com
audiências públicas, o seu objetivo foi o de fazer a possível justiça relativamente a vítimas
da violação dos direitos humanos que, desse modo, puderam inscrever no espaço público
os seus testemunhos, por vezes perante os seus antigos carrascos, e requerer a amnistia
civil e criminal pelos crimes destes últimos. (NT)
25
YANIS VAROUFAKIS
26
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
interior de uma sociedade. Quando voltar a casa hoje à noite, sou espera-
do num parlamento no qual o terceiro maior partido é uma força nazi.
Quando, imediatamente após a sua tomada de posse, o nosso primeiro-
-ministro depositou uma coroa de flores num icónico lugar de forte me-
mória histórica em Atenas, isso constituiu um ato de desafio contra o
ressurgimento do nazismo. A Alemanha pode orgulhar-se do facto de ter
erradicado o nazismo aqui na sua terra. Mas é realmente uma daquelas
cruéis ironias históricas do destino que o nazismo esteja a reerguer a sua
face ignóbil na Grécia, um país que levou a cabo uma tão combativa luta
contra ele.
Precisamos que o povo da Alemanha nos ajude a combater a misantro-
pia. Precisamos que os nossos amigos deste país se mantenham firmes
no projeto europeu do pós-guerra; ou seja, que nunca mais permitamos
que uma depressão como a que ocorreu nos anos 1930 divida nações
europeias orgulhosas da sua identidade. Tudo faremos para levar a cabo
e a bom porto essa nossa missão. E estou convencido de que os nossos
parceiros europeus agirão de igual modo.
27
YANIS VAROUFAKIS
28
1
8
Esta metáfora baixa de John Connally está citada em Schaller (1996, 1997). Nixon fi-
cou tão impressionado com a perspetiva tão pragmática de Connally sobre o que era
preciso fazer com a Europa (e, embora com menos preocupação, também com o Japão)
que, segundo Kissinger (1979), Ambrose (1989) e Hersh (1983), o presidente pediu aos
seus conselheiros mais próximos para «descobrir como raio iríamos conseguir que o
[vice-presidente] Agnew se demitisse antes de tempo, pensando já em substituí-lo por
Connally – o seu «mais lógico sucessor», tal como Nixon lhe chamou. [Michael Schaller
é um historiador norte-americano da Universidade do Arizona; Henry Kissinger, antigo
conselheiro de Eisenhower, foi um conhecido secretário de Estado norte-americano cujo
nome ficou para a posteridade devido ao importante papel que teve na política estrangei-
ra dos Estados Unidos sob as administrações Nixon e Ford; Stephen E. Ambrose foi um
historiador norte-americano e biógrafo dos presidentes dos Estados Unidos Eisenhower
e Nixon; Seymour Hersh é um importante jornalista de política e investigador norte-
-americano – (NT)].
29
YANIS VAROUFAKIS
30
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
ver como é que isto vai correr para vocês! O meu palpite é que as
vossas moedas vão assemelhar-se a lanchas de salvamento lançadas
ao mar pelo valoroso navio USS Dollar, enquanto são fustigadas por
ondas enormes, cujos embates não podem aguentar por não terem
sido desenhadas para isso, chocando umas nas outras, e sendo todas e
cada uma incapazes de manter a sua própria rota.»13
E, numa frase que ainda hoje ecoa na Europa, Connally resumiu
o programa de forma incrivelmente sucinta, dolorosa, brutal: «Meus
senhores, o dólar é a nossa moeda. E a partir de agora é o vosso
problema!»14
Os líderes europeus deram-se imediatamente conta da gravidade
da situação em que estavam, mas responderam com uma sequência
descoordenada de reações que os levaram de fracasso em fracasso,
culminando quarenta anos mais tarde nas atuais circunstâncias que a
Europa vive. Em 2010, a Europa confrontou-se com as consequên-
cias desses quarenta anos de erros acumulados (ver capítulos 2, 3 e
4). A crise da sua moeda comum deve-se a falhas que remontam aos
acontecimentos, perfeitamente rastreáveis, de 1971, quando a Europa
foi lançada borda fora da chamada zona dólar por Nixon, Connally
e Volcker.15 A comédia de enganos com a qual os líderes europeus
Connally, nem Volcker, nem quem quer que fosse acreditava nas virtualidades da
frágil situação.
13
Estas não são as palavras exatas de Connally (que não ficaram para a posteridade),
mas fixam com exatidão o espírito da sua mensagem. Depois de sair dessas reuniões,
Connally, diplomática e deliberadamente, tentou fazer crer numa qualquer fragilidade
norte-americana quando se dirigia aos repórteres que estavam a cobrir a sua tour pelas ca-
pitais europeias. As suas palavras exatas foram: «Dissemos-lhes que estávamos ali como
uma nação que havia dado ao mundo muito dos seus recursos, recursos também mate-
riais, de tal forma que agora tínhamos de gerir um défice de mais de vinte anos que havia
consumido as nossas reservas e recursos, ao ponto de não podermos continuar a fazê-lo,
e estávamos metidos num grande sarilho, e por isso dirigíamos aos nossos amigos um pe-
dido de ajuda, tal como também eles no passado tantas vezes haviam vindo até nós para
nos pedir ajuda quando estavam com problemas. Eis, no essencial, o que lhes dissemos.»
Transcrição do arquivo material da BBC Radio 4, Analysis: Dollars and Dominance, emitido
às 20h30 BST, na quinta-feira 23 de outubro de 2008.
14
Connally usou esta frase exata em novembro de 1971, numa reunião com ministros das
Finanças em Roma, no contexto de um encontro regular do G10. Ao que consta, teria já
usado a mesma frase, à porta fechada, durante a sua tour pelas capitais europeias, no mês
de agosto desse mesmo ano. Ver Crawford e Keever (1973).
15
Paul Volcker, que mais tarde se tornou presidente da Reserva Federal de Nova Iorque,
antes ainda de o presidente Carter o nomear presidente da Reserva Federal, em 1978, teve
31
YANIS VAROUFAKIS
um papel instrumental que foi fundamental para persuadir John Connally a convencer
o presidente Nixon a «lançar» a Europa ao mar. Nem toda a gente na Administração
ficou contente. Com efeito, Arthur Burns, que em 1970 havia sido nomeado presiden-
te da Reserva Federal por Richard Nixon (e que Volcker substituiu em 1978) proferiu
estas palavras cortantes: «O pobre e miserável Volcker – sem nunca saber muito bem
como posicionar-se sobre o que quer que seja – havia sido bem-sucedido a instilar um
medo irracional do ouro no seu mestre tirânico [John Connally], tendo constantemente
procurado agradar-lhe, alimentando a sua desconfiança relativamente aos estrangeiros
(particularmente os Franceses), em vez de apelar à sua capacidade (pequena, é certo) de
bom senso.» Ver Ferrell (2010), p. 65.
16
Curiosamente, tanto John Connally como Paul Volcker eram democratas de longa data
que Nixon havia coaptado para a sua Administração republicana. O que veio a gerar anti-
corpos nalguns republicanos da Administração que se opunham à sua intenção calculada
de persuadir o presidente Nixon a levar por diante o anúncio explosivo feito em 1971.
32
OS FRACOS SÃO OS QUE SOFREM MAIS?
17
Ver Bator (2001).
18
Francis Bator, que trabalhou na proximidade do presidente Johnson no dossier de
Bretton Woods e sobre o que fazer com ele, publicou na altura um artigo na Foreign Affairs
(ver Bator, 1968) delineando com pormenor os planos da Administração para efetuar
uma transformação gradual do que havia sido acordado em Bretton Woods. A ideia era a
de ir introduzindo uma cada vez maior flexibilidade no sistema, sem contudo destruí-lo,
até porque a sua súbita desintegração causaria enormes danos sociais, tanto nos Estados
Unidos como fora deles.
19
A adjetivação sobre Volcker é da autoria de Richard Nixon, que se referiu a ele usando
essas palavras quando ouviu dizer que Volcker poderia ter sido o responsável por uma
fuga de informação que havia sido entregue ao Wall Street Journal sobre as consequências
que os Estados Unidos estavam a enfrentar devido à «tremenda crise da frente monetária
internacional». Nixon receou que Volcker tivesse deixado escapar a história como forma
de pressionar Connally a levar por diante o que, no final de contas, o próprio Nixon teve
de fazer a 15 de agosto de 1971: acabar com o sistema de Bretton Woods.
33