Um Contrato de Heterossexualidaed - A Quem Serve
Um Contrato de Heterossexualidaed - A Quem Serve
Um Contrato de Heterossexualidaed - A Quem Serve
de heterossexualidade:
a quem serve?
ISSN: 2358-0844
n. 9, v. 1 maio.-out. 2018 Priscila Costa1
p. 500-511.
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo propiciar uma reflexão acerca de conceitos naturalizados, como
o de heterossexualidade, família, sexo e gênero. Pretende, também, traçar um paralelo entre a matriz da
heterossexualidade e o conceito de Contrato Social, de Rousseau, analisando as formas pelas quais essa matriz
é reiterada a todo momento, de maneira que se torna naturalizada e condição indispensável para viver.
Ademais, visa enfatizar a importância da Educação neste processo reiterativo – seja a partir da família de
origem, escola ou mídia – e pontuar e analisar meios de desconstrução dos binarismos que mantêm a lógica
heterossexual, ao mesmo tempo em que a produzem. É através da Educação que se pode promover o
pensamento crítico, permitindo aos sujeitos o questionamento dessas normas. Em um mundo pós-moderno,
pós-estruturalista, de identidades fluidas, a rigidez com a qual a sexualidade é encarada engessa os mecanismos
que possibilitariam o trânsito livre dos sujeitos, o trânsito de sujeitos livres.
PALAVRAS-CHAVE: Heteronormatividade; Educação; Família; Matriz da heterossexualidade.
Abstract: This article aims to provide a reflection on naturalized concepts, like heterosexuality, family, sex and gender.
It also intends to draw a parallel between the heterosexuality’s matrix and the Rousseau's concept of Social Contract,
analyzing the ways in which this matrix is repeated all the time, becoming naturalized and indispensable to individual’s
survivor. Moreover, it aims to emphasize the importance of education in this reiterative process - either from the
original family, school or media - and score and analyze ways to deconstruct the binarism that keeps and produces the
straight logic. Through education we can provide critical thinking, allowing individuals to question these standards.
In a post-modern and post-structuralist world of fluid identities, the rigidity with which sexuality is seen plasters
mechanisms that would allow free transit of the subjects, the transit of free subjects.
Keywords: Heteronormativity; Education; Family; Heterosexuality’s matrix.
Resumén: El presente artículo tiene como objetivo propiciar una reflexión a cerca de los conceptos
naturalizados, como el de heterosexualidad, familia, sexo y género. Intenta, también, trazar un paralelo entre la
matriz de la heterosexualidad y el concepto de Contrato Social de Rosseau, analizando las formas por las cuales
esta matriz es reiterada en cada momento y así se vuelve natural y condición indispensable para vivir. También
busca enfatizar la importancia de la Educación en este proceso reiterativo – sea a partir de la família de origen,
escuela o media – y indicar y analizar medios de deconstrucción de lós binarismos que mantienen la logica
heterosexual mientras la produce. Es a través de la Educación que se puede promover el pensamiento critico,
permitiendo a los sujetos los cuestionamientos de estas normas. En un mundo posmoderno, pós-estructuralista,
de identidades fluidas, la rigidez con la cual se considera la sexualidad endurece los mecanismos que
posibilitarián el tránsito libre de los sujetos, el tránsito de sujetos livres.
Palabras clave: Heteronormatividad; Educación; Familia; Matriz de la heterosexualidad.
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Psicóloga pela Faculdade Ruy Barbosa e Mestra pelo Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade, da Universidade Federal da Bahia. E-mail: priscila.cordeiro.costa@gmail.com
Recebido em 10/11/15
Aceito em 08/12/17
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“Faço contigo um contrato, todo em teu prejuízo e todo em meu proveito, que eu
observarei enquanto me aprouver, e que tu observarás enquanto me aprouver”.
ROUSSEAU
Foucault (1988) mostra que a proliferação de discursos sobre o sexo, mais do que puramente
um fenômeno quantitativo, serve para uma regulação do sexo e da sexualidade por meio de discursos
úteis e públicos. Busca-se subjugar os corpos e controlar as populações através desses discursos, que
não reprimem o sexo, e sim o valorizam, fazendo com que o sexo ocupe uma posição de segredo, ao
mesmo tempo em que definem o que é natural e aceitável, e o que não o é. Existe uma polícia do
sexo, que busca uma sexualidade economicamente útil e politicamente conservadora. De acordo com
Preciado (2008), o biopoder possibilita o cálculo técnico da vida em termos de população. Todos
esses discursos sobre o sexo (religioso, científico, médico) são construídos visando o exercício desse
biopoder, sendo assim, não são naturais.
Para Rousseau (1945), o vínculo social é a soma de convenções fundamentais que, ainda que
nunca tenham sido afirmadas, estão implicadas no fato de viver em sociedade. Sendo assim, o
contrato social é definido como a solução para o problema: “encontrar uma forma de associação que
defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um,
unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, e permaneça tão livre como
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anteriormente”. Wittig (2006) afirma que não vivemos nesse contrato ideal (e utópico), e sim sob um
contrato que não diz o seu nome. Nesse contrato, as regras e convenções da heterossexualidade
tornam a vida possível, da mesma forma que respirar é condição para viver, e aqueles que não se
adequam à lógica heterossexual são colocados em uma posição abjeta.
A declaração ‘É uma menina!’ ou ‘É um menino!’ [...] instala um processo que, supostamente, deve
seguir um determinado rumo ou direção. A afirmativa, mais do que uma descrição, pode ser
compreendida como uma definição ou decisão sobre um corpo. Judith Butler (1993) argumenta que essa
asserção desencadeia todo um processo de ‘fazer’ desse um corpo feminino ou masculino. Um processo
que é baseado em características físicas que são vistas como diferenças e às quais se atribui significados
culturais. [...] O ato de nomear o corpo acontece no interior da lógica que supõe o sexo como um ‘dado’
anterior à cultura e lhe atribui um caráter imutável, a-histórico e binário. Tal lógica implica que esse
‘dado’ sexo vai determinar o gênero e induzir a uma única forma de desejo (LOURO, 2004, p.15).
Butler (2002) chama a atenção para a questão de que não existe um “eu” antes do discurso,
posto que já nascemos inseridos em relações de poder que nos precedem (sendo, dessa forma, históricas)
e que vão interferir em nossas ações. A relação sexo-gênero-sexualidade, que pressupõe que uma pessoa
de determinado sexo deve performativizar o gênero correspondente a esse sexo, e se interessar por
pessoas de sexo oposto ao seu, é o que Butler chama de matriz da heterossexualidade.
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Butler (2013) levanta uma discussão sobre os conceitos de sexo (como algo natural, pré-
discursivo) e gênero (como algo construído culturalmente). A que serviria a noção de sexo, se não
for para justificar a estrutura binária? Os saberes sobre o sexo, ditos pré-discursivos, não seriam
construídos pelas ciências biológicas e médicas?
No mesmo livro, Problemas de gênero, a autora introduz, também, uma discussão sobre o
gênero em torno de duas perspectivas: humanista (a pessoa possui determinado gênero) e social (a
pessoa é, dentro de uma abordagem relacional). Com isso, a autora traz um debate sobre livre-arbítrio
e determinismo. Como pensar sobre algo se o próprio pensar está maculado pelas cadeias linguísticas
de uma linguagem binária e falocêntrica? Butler também contrapõe os pensamentos de Beauvoir
(1980) e Irigaray (1985). Para a primeira, “mulher” era uma categoria oposta a “homem”, sendo,
dessa maneira, o seu negativo, o que continuaria a reforçar o binarismo. Para a segunda, “mulheres”
era uma categoria que deveria ser pensada fora da relação oposta (Eu x Outro), posto que essa é
presumidamente binária e falocêntrica.
De acordo com Preciado (2008), o conceito de gênero surgiu na Segunda Guerra Mundial,
juntamente com outras “invenções”, quando John Money, um psicólogo neozelandês, fez o primeiro
uso da noção de gênero, com relação a cirurgias em bebês intersexuais, ao mostrar como a plasticidade
do conceito de gênero veio se opor à rigidez do conceito de sexo.
Louro (2004) nos leva a fazer reflexões sobre as marcas de poder que regulam os corpos, e toda
a matriz sexo-gênero-sexualidade. Partindo de ponderações sobre como os significados das marcas dos
corpos mudaram no decorrer do tempo, evidenciando a inconsistência de preceitos atuais de divisão
binária, a autora trouxe como exemplo que, até o início do século XIX, o masculino era o único modelo,
sendo a mulher um "homem invertido", que se desenvolveu ao contrário, para dentro.
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Tanto Louro (2004) como Butler (2010) utilizam como exemplo a performatividade da drag,
mostrando como essa, ao parodiar o feminino, expõe o quanto a autenticidade do feminino (e
masculino) é questionável e permeada por uma cultura heterossexista, que reitera, a todo momento,
as normas regulatórias que controlam corpos e desejos, baseadas em um suposto sexo pré-discursivo
(e, portanto, natural), que deve guiar a expressão do gênero e a orientação sexual. Além disso, Butler
(2002) realça que a performatividade da drag evidencia todo o simulacro das performances de gênero,
que nunca conseguem atingir por completo o ideal, nem mesmo quando se tratam de homens e
mulheres heterossexuais. A reiteração, por si mesma, já expõe a não-naturalidade da norma, posto
que, se essa fosse a forma natural (una) de as coisas serem, não seria necessária a repetição dos limites.
Butler (2010) chama de performatividade a reiteração dessa norma (ou desse conjunto de
normas) hegemônica, por meio de citações, que, ao mesmo tempo em que confirmam o discurso
normativo, produzem-no.
A autora questiona a serviço de quê (e a custo de quê) essas normas se materializam, produzindo
sujeitos e corpos inteligíveis e ininteligíveis, relegando os últimos a uma posição de abjetos, sem os
quais, paradoxalmente, não se pode produzir os primeiros. Nesse ponto, Butler (2010) desenvolve a
explicação do exterior constitutivo, chamando a atenção para o fato de que é dessa posição (não como
um local físico, mas como um local de discurso) que se pode criticar a norma hegemônica, ou seja,
deste local inabitável que é produzido pela mesma norma que o pretende excluir.
Um ponto importante, levantado por Butler (2013), é a não universalidade em pensar sobre
essas questões de gênero e identitárias. Butler usa o exemplo de Irigaray para mostrar que se houvesse
simplesmente uma inversão, e conseguíssemos chegar ao lócus de pensamento descrito por Irigaray,
fora da estrutura binária falocêntrica, e considerássemos essa nova maneira como a única verdade,
não permitindo o diálogo, isso configuraria um certo “fascismo”. Butler sugere que as políticas sejam
feitas em termos de uma coalizão aberta, na qual as “identidades” podem se instituir e se abandonar
(de acordo com os contextos e os interesses), como forma de romper o binarismo, no qual, o tempo
todo, as coisas se configuram pela oposição, retroalimentando o próprio pensamento binário e o
colocando como única possibilidade.
Essa ideia de que as "identidades" podem cambiar de acordo com os interesses é um traço do
sujeito pós-moderno. Hall (2002), em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, discorre
acerca da “crise de identidade” do sujeito pós-moderno, que é tida como parte de um processo de
mudança, na qual as estruturas estáveis de identidade têm se abalado. A mudança estrutural está
Periódicus, Salvador, n. 9, v. 1, maio-out. 2018 – Revista de estudos indisciplinares em gêneros e sexualidades
Publicação periódica vinculada ao Grupo de Pesquisa CUS, da Universidade Federal da Bahia – UFBA
ISSN: 2358-0844 – Endereço: http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus
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fragmentando paisagens culturais de gênero, classe, sexualidade, etnia, etc. Essa mudança se deu,
principalmente, por conta da desconstrução do sujeito do Iluminismo, um sujeito racional, estável.
Os movimentos sociais da pós-modernidade expuseram a multiplicidade das identidades.
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à
medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente (HALL, 2002, p.3).
De acordo com Louro (2003), os movimentos dos anos 60 colocaram em evidência os sujeitos
excêntricos (no sentido de fora do centro, diferentes). Isso contribuiu para o surgimento do sujeito
pós-moderno. Os sujeitos não se conformam mais com lógica centro-margem, que vigorava até então
(e ainda há muito investimento de poder tentando sustentar essa lógica). A realidade que pode ser
observada agora é completamente diferente daquela até então postulada. Os sujeitos pós-modernos
são nômades, viajantes, transitam entre os territórios e as fronteiras, pluralizam sentidos e significados
dessas experiências, estão abertos às mudanças. A autora mostra que não há mais como e nem porquê
imaginar um sujeito fixo, já marcado ao nascer, que siga o roteiro sexo-gênero-sexualidade, apesar
de todos os esforços dos discursos de poder para que os sujeitos sigam esse roteiro, esse contrato
social heterossexual.
O reconhecimento dos sujeitos dentro de cada uma das possibilidades de identidade é feito a
partir da interpelação, ou seja, reconhecemo-nos dentro de cada categoria de acordo com o que nos é
perguntado. Dessa forma, em determinados momentos, podemos nos identificar de acordo com a raça,
classe, orientação sexual, entre tantas outras categorias. Somos sujeitos de múltiplas identidades, o que
explicita o caráter fragmentado, instável, histórico e plural dos sujeitos e das próprias categorias.
2 A Teoria Queer surgiu no final dos anos 80, em oposição aos estudos sociológicos sobre minorias sexuais e de gênero.
De acordo com Miskolci (2009), os estudos sociológicos acabavam por naturalizar a norma heterossexual, já que,
estudando as minorias, supõe-se que há uma norma hegemônica, ou seja, os estudos serviriam para reiterar essa norma.
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aos movimentos identitários (estruturalistas). A autora levanta a necessidade de uma postura crítica,
mesmo que, às vezes, seja necessário o uso de conceitos identitários, principalmente por conta de
políticas públicas.
Para Butler (2002), o uso da palavra “queer” transcende o campo puramente linguístico,
constituindo-se, assim, em um ato político. O termo pode ser reivindicado por todos aqueles que
desconstroem a naturalidade da heterossexualidade hegemônica, colocando-a em questão. A
terminação vai de encontro à terminologia de identidade e o binarismo que está implícito na mesma.
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Apesar da noção pós-estruturalista de fluidez das identidades, de acordo com Louro (2000), a
centralidade da sexualidade nas modernas sociedades traz consigo uma dificuldade de entendê-la
como fluida. Admitir uma nova identidade sexual ou de gênero é considerado uma alteração na
essência do sujeito – “tememos a incerteza, o desconhecido, a ameaça de dissolução que implica não
ter uma identidade fixa” (WEEKS, 1995, p.89).
Ainda é mais inteligível que uma pessoa transite entre as identidades de classe, por exemplo,
ascendendo socialmente, do que transite entre as identidades sexuais ou de gênero. Como exemplo
disso, Louro (2001, p. 63-64) expõe o caso do prefeito de uma pequena cidade da Alemanha,
Quellendorf, que, em 1998, após algum tempo de eleito, decidiu assumir publicamente uma nova
identidade de gênero, apresentando-se como mulher, informando sua intenção de concluir a
transformação através de processos médicos-cirúrgicos. Esse caso ocasionou um reboliço na cidade
e as pessoas iniciaram um movimento para destituir o prefeito, por considerar que a sua essência
havia mudado, ou seja, ele não era a mesma pessoa em quem haviam votado.
Rousseau (1945) afirmou que a família é o primeiro modelo das sociedades políticas. O pai
corresponderia a um chefe e os filhos corresponderiam ao povo. Dentro dessa concepção está
implícita uma noção de subordinação, ou seja, tanto o pai quanto o chefe seriam hierarquicamente
superiores aos filhos e ao povo, respectivamente. É interessante observar que a mulher é totalmente
invisibilizada e não chega a ser citada em todo o livro do autor.
Considerando que a família de origem é a primeira fonte de contato com a cultura, através
dela são passados, simbolicamente, por meio da linguagem, os valores aceitos em sociedade. Dessa
forma, é através dessas figuras primárias que o indivíduo aprenderá o que significa um
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comportamento adequado ou não (ZWEIG; ABRAMS, 2009). Por esse motivo, a importância das
figuras parentais na formação do universo simbólico do sujeito é bastante significativa e influencia
diretamente nos seus comportamentos, sejam eles encobertos ou explícitos.
Um exemplo da reiteração inadequada dessa norma são as datas comemorativas do “dia dos
pais” e “dia das mães”, que, sob a máscara de propiciar um momento de proximidade parental,
fortalecendo vínculos entre pais (e por que não mães?) e filhxs4, reproduzem um conceito arcaico de
família, também corroborado pelo site de busca mais conhecido do mundo (Google), no qual basta
digitar a palavra “família” na parte de “Imagens” e brotarão na tela diversas imagens de uma família
heteronormativa, branca, com filhxs, e, principalmente, feliz.
Aqui cabe um parêntese para discorrer um pouco acerca da “ditadura da felicidade”. Costas
(2006) apresenta a visão do psicólogo Steven Hayes que, em entrevista, pontua que a nossa
necessidade de estar sempre certos e conseguir tudo o que queremos tem se intensificado na
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atualidade devido a dois fatores: a facilidade com que a tecnologia faz as coisas e a “ditadura da
felicidade”. Para nos adequar ao mercado de trabalho, muitas vezes precisamos competir com
máquinas que, obviamente, realizarão o mesmo trabalho, em um tempo muito mais curto. As
tecnologias nos fazem entrar em contato com uma ideia de perfeição, na qual tudo é muito simples,
assim, somos impelidos a acertar sempre e a alcançar aquilo que almejamos. Nesse percurso, o ser
humano é exposto às suas limitações, o que é inerente à vida, e o grande problema é que ele não
aprendeu a lidar com as mesmas.
A busca pela perfeição é exigida e, além disso, também é ordenado que estejamos sempre
felizes, portanto, o sofrimento por conta dessa busca não deve existir. Todo sofrimento deve ser evitado,
esquecendo-se, assim, que lidar com experiências negativas faz parte da existência. É natural que nos
sintamos tristes em determinadas situações. Na tentativa de evitar essas dores, criamos fobias e medos
que limitam a nossa vida, atrapalhando-nos de alcançar nossos valores pessoais.
Debord (1997), em seu livro A sociedade do espetáculo, esclarece que a sociedade atual
manifesta-se como uma acumulação de espetáculos. Há uma representação do que se vive, sem se
viver de fato, e as coisas que acontecem são apenas passíveis de contemplação. E, posteriormente,
essas coisas se diluem no tempo.
É necessário observar as relações de poder vigentes nas normas e o efeito dessas nos sujeitos,
como meio de questioná-las, trazendo as suas transitoriedades contingenciais, encarando a
multiplicidade como algo interessante. Ou seja, essa multiplicidade não deve ser motivadora de medo
e sim de estímulo para que sejamos mais críticxs.
Louro (2003) discorre acerca da ultrapassagem dos limites da episteme, em todos os contextos,
incluindo o da Educação, e traz o conceito de Foucault (1995) para denotar a episteme como o campo
de conhecimento do que pode ser pensado, do que é permitido pensar. Sendo assim, a autora explica
a necessidade de se questionar o que está posto como natural, como forma de ultrapassar esse campo
do que é permitido pensar.
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O questionamento da "naturalidade" com a qual a matriz binária impera, a fim de excluir tudo
que parece instável, é um passo importante para diminuir o medo experienciado pelo que é
inconstante, o medo do diferente. Nada é natural, nem mesmo o sexo, como já discutido por Butler,
tudo é contingencial. Pensar nisso pode ser bastante efetivo no ambiente educacional, tanto familiar
quanto escolar, contribuindo para desenvolver uma postura crítica nos sujeitos.
As datas comemorativas, como os dias das mães e dos pais, passaram a ser festejadas na Lua Nova como
Dia da Família. As famílias são homenageadas de uma forma mais ampla e contextualizada, ou seja, pais,
mães, avós, tios, tios, primos... podem estar presentes numa festa que tem acontecido sempre aos sábados,
simbolizando a família contemporânea em suas diversas configurações. As datas religiosas não estão
inseridas neste contexto, pois a Lua Nova é uma instituição laica. (ESCOLALUANOVA, 2013).
Louro (2003) também traz uma reflexão importante sobre o binarismo existente na Educação:
ignorância x conhecimento. A ignorância e o conhecimento estão implicados mutuamente, um faz
parte do outro; todo conhecimento é conhecimento de alguma coisa, e tudo que escapa a esse
conhecimento é ignorância. A autora levanta um ponto interessante, que é pensar a serviço de quê
está o conhecimento, e o desejo de não conhecer determinados aspectos. Isso nos faz refletir sobre
como funcionam as relações de poder. Além disso, propõe uma erotização do conhecimento, no
sentido de um desejo de saber, de questionar as premissas que mantêm e produzem a ordem. Sem
sexualidade não existe curiosidade.
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COST A, P.C.; U M C O N T RA T O D E H E T E RO S S E X U A L I D A D E
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