06 - Trigger - Kingship TRADUÇÃO LEIGA

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TRADUÇÃO LEIGA: TRIGGER, Bruce C. (2007). Kingship.

In: TRIGGER,
Bruce C. Understanding Early Civilizations. Cambridge: Cambridge University Press.
pp. 71-91.

5. Realeza

Todas as civilizações iniciais comparadas neste estudo tinham reis. Na


terminologia política moderna, isto significa que a soberania, ou autoridade suprema,
era simbolicamente encarnada em um único indivíduo ao invés de alguma coletividade
de pessoas como “todos os adultos”, “todos os homens”, “todos os proprietários”,
“todos os nobres” ou algum conceito abstrato como “Deus” ou a “vontade geral” de
Jean-Jacques Rousseau (Kamenka 1989: 7).

Os termos usados para designar reis tinham diferentes significados e conotações


em diferentes civilizações. A palavra asteca que é glosada como “rei” era tlatoani
(plural: tlatoque), que em nahuatl significava “grande/reverenciado orador”. Os astecas
e seus vizinhos falantes de nahuatl aplicavam este termo a todos os chefes de Estado
hereditários, mas eles concebiam a liderança política de uma maneira diádica. O
tlatoani compartilhava a soberania com o cihuacoatl, um funcionário hereditário
escolhido de um ramo secundário da família real e que não poderia se tornar rei. O
cihuacoatl supervisionava as cortes e a administração palacial e, quando necessário, agia
como regente. Apesar de seu título significar “mulher cobra”, o dignitário deste cargo,
como o tlatoani, era sempre um homem. No pensamento asteca, o tlatoani e o cihuacoatl
juntos simbolizavam o senhorio, assim como a divindade suprema Ometeol, Senhor e
Senhora da Dualidade, era a entidade dual que constituía a totalidade da existência. Na
prática, entretanto, o tlatoani asteca era um governante supremo.

Os iorubas também tinham um título genérico para seus chefes de Estado


hereditários, obá. Este título indicava descendência de Oduduwa, o deus que criara o
mundo, e era tradicionalmente restrito aos governantes hereditários dos estados iorubas
mais significativos e do vizinho Benin. Alguns governantes locais subordinados
também reivindicavam o título de obá, embora eles não gozassem de muitas das
prerrogativas deste cargo. Em contraste aos termos em inglês ‘king’ (e em português
‘rei’), ‘obá’ não se refere aos governantes hereditários de estados não-iorubas ou aos
chefes dos estados iorubas menores. Cada estado ioruba também tinha um título
especial para o seu obá, tais como o Oni de Ifé, o Alafim de Oió, o Alaketu de Ketu, o
Owa de Ilesa e o Orangun de Ila . Entre os maias, o governante de uma cidade-Estado
era designado k’ul ahaw (senhor sagrado). Vários termos sumérios (en, ensi, lugal)
designavam os chefes das cidades-Estado do Período Dinástico Arcaico mesopotâmico,
mas nenhum desses termos era exclusivo a uma única cidade.

No Egito, o título mais importante usado para designar o chefe de um Estado era
nswt. Somente um nswt legítimo poderia existir no mundo em um momento, embora o
título fosse também empregado para o rei dos deuses (nswt ntrw). O nswt governava por
direito não somente o Egito, mas o mundo inteiro e era responsável pela manutenção,
tanto da ordem social quanto do equilíbrio cósmico. Ele precisava ser egípcio. Se,
durante períodos de conflito social ou divisão política, mais de uma pessoa reivindicasse
o título, entendia-se que somente um único requerente poderia ser o governante
universal. Os reis de outros países eram chamados wr (‘príncipe’ ou ‘o grande’) ou ḥq3
(governante), termos que eram também empregados para dignitários ou chefes
subordinados dentro do Egito.

Os títulos reais egípcios expressavam muitos níveis de significado cultural.


‘Nswt’, além de significar ‘governante universal’, significava, mais especificamente
‘Rei do Alto Egito (Sul)’. Governantes também recebiam o título bı͗ ty, que significava
‘Rei do Baixo Egito (Norte)’. De acordo com o dualismo assimétrico que dominava o
pensamento egípcio, o termo ‘nswt’ não apenas contrastava com ‘bı͗ ty’, mas também o
incorporava. Este uso refletia a crença egípcia de que, na aurora da historia, um reino do
Alto Egito havia conquistado e incorporado um do Baixo Egito e criado o Estado
egípcio. O rei também era chamado nstwbı͗ ty, ‘Rei do Alto e Baixo Egito’, que
significava o mesmo que ‘nswt’ em sua forma inclusiva. Depois da morte, reis eram
chamados apenas de ‘nswr’, o que presumivelmente designava o aspecto eterno e
imutável da monarquia: o reinado era um cargo eterno (dt) e os reis mortos eram
identificados com o deus Osíris. O titulo ‘bı͗ ty’ pode ter se referido aos aspectos
transitórios, acidentais e renováveis (nḥḥ) da realeza: o rei como um indivíduo vivo. Os
títulos ḥm (‘majestade’ ou ‘indivíduo em quem a realeza é encarnada’) e nb (senhor)
também designavam o rei como um individuo mortal (Allen 2000: 31–32; Ray 1993:
70; Silverman 1995: 64–69).
O governante inca também tinha um título exclusivo, Sapa Inca (inca único)
(Rowe 1944: 258). O governante Shang era entitulado wang. Não é claro se os
governantes Shang reconheciam a existência de outros wang, governando regiões que os
reis Shang não controlavam.

Assim, os termos para ‘chefe de Estado’ em diferentes civilizações iniciais


cobriam campos semânticos apenas parcialmente sobrepostos. Em geral, cidades-Estado
tendiam a designar reis genericamente, enquanto Estados territoriais reconheciam a
existência de apenas um governante universal. Embora, ‘rei’ possa fornecer uma glosa
razoável para essas várias palavras, um entendimento sólido da realeza nas civilizações
iniciais só pode desenvolver-se a partir de um estudo comparativo detalhado dos
conceitos de realeza em civilização iniciais particulares.

Em anos recentes, vem sendo sugerido que algumas civilizações iniciais podem
não ter tido monarcas, mas os exemplos propostos, que incluem o estado Teotihuacán
no Vale do México no primeiro milênio d.C. (Cowgill 1997) e a civilização do Vale do
Indo (Possehl 1998), são exemplos arqueológicos para os quais não há documentos
escritos contemporâneos. O argumento principal colocado em favor da ausência de reis
é a inexistência de representações desses governantes na iconografia desses estados, há,
entretanto, uma ausência notável de retratos reais na arte sobrevivente da china Shang e
dos incas. Para os Shang, não há evidencia de que os reis, que aparecem de forma
proeminente em registros escritos, tenham alguma vez sido representados na arte. Nós
sabemos, entretanto, através de fontes históricas que estátuas em tamanho real dos
governantes incas esculpidas a partir de folhas de ouro eram objeto de veneração. Todas
essas estátuas foram derretidas pelos invasores europeus no século XVI. Da mesma
forma, no Vale do México, representações reais claramente identificadas não parecem
ter sido frequentes durante o período Asteca Tardio e elas eram associadas
principalmente com os estados maiores e mais centralizados. Consequentemente, a
escassez de retratos reais em algumas civilizações iniciais não indica uma ausência de
reis. Além disso, cada um dos estados iorubas, nos quais sabemos que grande parte do
poder político era formalmente dividido entre os chefes de várias famílias proeminentes,
possuía um rei divino.

Portanto, parece razoável concluir que todas as civilizações iniciais


provavelmente tinham monarcas, mesmo se a realeza era definida de formas um pouco
diferentes e o poder político real exercido por tais governantes variava
consideravelmente de uma para outra. Enquanto algumas sociedades pequenas, sem
estado, podem ter sobrevivido dentro ou nas fronteiras de sistemas de cidade-Estado,
formas republicanas de soberania dentro de estados, quer elas tenham tomado a forma
de despotismo, oligarquias ou democracias, surgiram dessas monarquias e as
substituíram. A universalidade dos reis em nossa amostra sugere que em todas as
civilizações iniciais, o poder político era representado de uma maneira pessoal. Hallpike
(1986: 282) observou que os monarcas forneciam um modo concreto e, por isso,
facilmente entendido de representar a autoridade suprema no nível do estado.

Estados antigos também tinham reis. Há exemplos, no Havaí e entre os zulus, da


evolução da realeza conforme o poder político de certos chefes aumentava (Flanney,
1999). Nas civilizações iniciais, entretanto, o poder supremo era menos carismático,
mais institucionalizado e mais rotineiramente transmitido de uma geração para a
próxima. Como resultado, o exercício da realeza sempre se tornou mais importante em
comparação com o titular particular deste cargo. Não obstante, a soberania continuou a
ser vista como um atributo de um único indivíduo. Embora a realeza não fosse mais o
único ou nem mesmo o mais importante princípio estruturante da sociedade, os reis
descreviam-se como pais de suas nações, um status metafórico que combinava os
conceitos de benevolência e autoridade (Trigger 1985b). Os reis eram considerados
como responsáveis pelo bem-estar geral de seus reinos e seus deveres incluíam manter a
ordem interna e a prosperidade, defender seu reino de inimigos externos e conduzir as
relações com o sobrenatural.

A realeza fornecia o último grau no qual os conflitos eram resolvidos e as


decisões eram tomadas em relação a políticas gerais, embora isto fosse frequentemente
feito em nome do rei ao invés de através de sua intervenção pessoal. Manter a ordem
pública requeria garantir que os fazendeiros permanecessem submissos ao estado,
produzissem excedentes alimentares e pagassem taxas e alugueis. Também envolvia
mediar e resolver conflitos entre as classes dominantes que ameaçassem a unidade do
estado. Os reis eram normalmente comandantes militares supremos. Apesar de que no
Oió e outros estados iorubas, a liderança militar era monopolizada por um dignitário
chefe oriundo de uma linhagem proeminente não-real, os reis iorubas formalmente
declaravam guerra e eram considerados sobrenaturalmente responsáveis pelo sucesso ou
fracasso das campanhas militares. (R. Smith 1969: 120). Acreditava-se que, se um
exército era derrotado, o rei tinha falhado em cumprir seu papel sobrenatural, o que às
vezes resultava em regicídio ou suicídio real (Ajisafe 1924: 21). Embora o poder dos
reis variasse, a realeza constituía um foco que era essencial para coordenar e gerir
assuntos de interesse geral.

QUALIFICAÇÕES PARA A REALEZA

Em todas as civilizações iniciais, monarcas masculinos eram preferidos e, em


pelo menos cinco (Mesopotâmia, China, o Vale do Mexico, Inca e Ioruba), parece que
somente homens podiam governar. Entre os iorubas, referências a obás femininas estão
restritas a um período inicial e largamente mitológico (Denzer 1994: 8). A única regente
feminina relatada na Mesopotâmia era Ku-Baba, considerada primeira governante dos
Kish, a qual era também uma deusa (Lerner 1986: 59). Monarcas mulheres
ocasionalmente governaram o Egito e o historiador do Egito tardio Manetho diz que foi
decidido em tempos muito antigos que uma mulher poderia reinar. Não obstante,
monarcas mulheres geralmente eram admitidas somente durante crises dinásticas e seus
reinados eram considerados como contrários a ordem normal. Seus reinados também
contradiziam o dogma religioso egípcio, no qual a realeza era vista como transmitida
diretamente do deus Osíris a aquele que era seu filho e reencarnação, Hórus. A deusa
Ísis, esposa de Osíris e mãe de Hórus, era unicamente o meio através do qual a realeza
divina se renovava (Troy 1986). Não é certo se as governantes mulheres maias descritas
em Piedras Negras, Palenque e Naranjo eram monarcas em pleno direito ou meramente
regentes para governantes homens jovens (Graham 1991: 473).

Um rei encarnava simbolicamente a identidade de uma política e reconciliava


em si interesses conflitantes. O padrão normal de liderança política e religiosa no
regicídio Vale do México era baseado em um princípio de autoridade dual que refletia a
ordem primordial do universo. Entretanto, o tlatoani, que representava o princípio
cósmico masculino, predominavam e era de fato o governante supremo de cada cidade-
Estado (Rounds 1983). Na década de 1960, alguns antropólogos teorizaram, com base
no exemplo asteca, que todas as civilizações iniciais tinham dois ou mais reis que
dividiam o poder e reinavam ao mesmo tempo. Zuidema (1964: 127) sugeriu que os
incas tinham um padrão de realeza dual, com o líder da dinastia dominante atuando
como o governante principal, contudo, hoje é evidente que nos níveis superiores, os
incas especificamente rejeitavam o princípio geral de divisão da liderança em favor de
um único governante (Gose 1996b). Alguns reinos no Vale do México e entre os
iorubas tinham múltiplos reis simultaneamente, mas esses inevitavelmente eram estados
pequenos e insuficientemente integrados, formados por uma série de grupos cada qual
seguindo seu próprio líder.

A realeza era hereditária na prática em todas as sete civilizações iniciais e


hereditária na teoria em todas exceto talvez nas partes sumérias da Mesopotâmia. Este
arranjo refletia o a natureza geralmente estável e institucionalizada da liderança nas
civilizações iniciais. A realeza tendia a passar de pai pra filho ou de algum irmão mais
velho para um mais jovem antes de “descer” para a próxima geração. Em alguns
Estados, como o reino Axante no Norte de Gana, que desenvolveu-se tão recentemente
quanto o século XVIII, o cargo real era herdado matrilinearmente. Contudo, mesmo
nesta sociedade matrilinear, os reis buscavam casar-se de modo a garantir que seus
filhos ou netos os sucederiam (Wilks 1975). Uma vez que a maioria dos reis tinha que
cumprir um papel ativo no governo das civilizações iniciais, a hereditariedade do cargo
real raramente era determinada estritamente por progenitura masculina. Escolhas eram
necessárias para maximizar a probabilidade de que cada rei fosse seguido por um
sucessor capaz. Sob essas circunstâncias, vários procedimentos de seleção eram usados
para determinar a sucessão. Havia variações de uma civilização inicial para outra em
definir tanto o grupo do qual um sucessor poderia ser escolhido, quanto como e por
quem a seleção seria feita.

Entre os maias clássicos, a realeza parece normalmente ter passado de um


governante para um filho de sua esposa principal. Estudos recentes das genealogias
reais maias eliminaram a hipótese de que, no período clássico inicial, a realeza maia
havia alternado-se entre um grupo de linhagens paternas (A. Miller 1986: 41). O
prestígio das linhagens paternas de ambos os genitores cumpria um papel em
estabelecer o status hereditário de um herdeiro, enfraquecendo, assim as chances de
sucessão por um filho nascido de uma mulher que não fosse a esposa principal de um
rei. Não é claro, entretanto, se havia uma preferência por progenitura masculina. Os
maias praticavam rituais especiais de designação de herdeiros, aparentemente em um
esforço para assegurar uma sucessão estável. Isto sugere a possibilidade de que o direito
de um primogênito à realeza poderia ser questionado. Também tem sido argumentado
que o costume maia de manter governantes aprisionados em batalha como prisioneiros
por longos períodos antes de os matar era destinado a promover instabilidade em seus
reinos ao impedir seus filhos de os sucederem formalmente neste ínterim (Schele and
Freidel 1990: 194).

Nas cidades-Estado da Mesopotâmia, a realeza, da mesma forma, passava


regularmente de um governante para seu filho. Não obstante, a sucessão precisava ser
sancionada por uma divindade padroeira da cidade, cuja vontade era determinada por
oráculos e práticas divinatórias. Urukagina de Lagash, que não se tornou governante por
herança, vangloriava-se de que o deus da cidade havia o escolhido para ser rei entre 36
mil cidadãos homens (Postgate 1992: 268). Alguns reis iniciais também são relatados
como tendo sido selecionados ou aprovados por aclamação popular. J. N. Postgate
(1992: 270) sugere que a descendência patrilinear não era uma qualificação exclusiva ou
adequada para a realeza e que a ideologia suméria não admitia um direito hereditário no
nível da sucessão real (see also Mander 1999; Steinkeller 1993).

Tanto no Egito, quanto entre os incas, a realeza era passada de pai para filho,
com o herdeiro sendo designado pelo monarca em exercício. Idealmente, o herdeiro era
um filho da esposa principal do rei, mas em circunstâncias excepcionais, tais filhos
poderiam ser preteridos em favor de um filho de uma esposa secundária que fosse mais
capaz. Mesmo quando um herdeiro era designado com bastante antecedência, poderiam
surgir conflitos sobre a sucessão após a morte do rei, com as diferentes facções da
família real e a classe dominante apoiando candidatos rivais. Para garantir ainda mais
uma sucessão pacífica, às vezes os reis egípcios e incas colocavam seus herdeiros
preferidos como governantes “júnior” durante seus próprios reinados. Frequentemente o
rei júnior recebia o comando do exército como um delegado de seu pai idoso. Monarcas
velhos ou enfraquecidos em ambas as civilizações eram às vezes mortos ou depostos
por filhos ambiciosos buscando prevenir que outro irmão ou meio-irmão fosse nomeado
como sucessor. No Egito, era essencial para um novo rei realizar os rituais fúnebres de
seu predecessor de modo a validar sua reivindicação ao trono (Shafer 1997b: 283 n. 16,
287–88 n. 52). Entre os incas, a escolha de um herdeiro pelo governante anterior era
confirmada por um conselho de altos funcionários, por oráculos do deus sol que eram
recebidos pelo alto sacerdote daquela divindade e pelos sacerdotes do oráculo que
falavam pelos reis anteriores (Kendall 1973: 72–73; Patterson 1991; Rostworowski
1999). Nos dois Estados, a transferência do poder real era considerada como um evento
pelo qual tanto a ordem cósmica quanto a política eram, primeiro ameaçadas e então,
por fim, renovadas.
O rei asteca era selecionado, frequentemente em meio a rivalidades
consideráveis, entre os irmãos ou filhos do rei morto por um conselho formado pelos
quatro funcionários mais altos do Estado (van Zantwijk 1994). Estes funcionários eram
usualmente membros da família real e o novo rei era um deles. O cihuacoatl, atuando
como regente, também cumpria um papel na seleção. Há relatos de que no período
formativo da monarquia asteca, a eleição de um novo rei era confirmada por todos os
homens e mulheres do estado (Durán 1964: 40–41), mas, mais tarde, o povo meramente
aclamava o novo governante. Conforme os estados astecas se tornavam mais poderosos,
a sucessão mudou de um padrão “pai-para-filho” para um no qual a realeza
frequentemente passava de um irmão para outro antes de “descer” para a geração
seguinte. Acredita-se que esta mudança tinha a intenção de aumentar o número de
candidatos adultos e experientes dentre os quais o novo governante poderia ser
selecionado. O novo procedimento favorecia a nomeação de um membro da família real
que já era militar e politicamente bem sucedido. Conforme o Estado asteca passou a
dominar mais reinos vizinhos, tais qualidades tornaram-se cada vez mais valorizadas em
um líder (Rounds 1982).

Tem sido sugerido que na dinastia Shang a realeza pode ter se alternado entre
dois ramos patrilineares e dez divisões matrilineares do clã real (K. Chang 1976: 84).
(alternâncias mais simples ocorriam entre ramos de famílias reais alhures, incluindo
iorubas e escoceses da Alta Idade Média [Whitaker 1976].) Entretanto, não há evidência
conclusiva que tal circulação da realeza tenha ocorrido na china Shang (Vandermeersch
1977: 284–93). A realeza parece, a princípio, ter passado de irmão mais velho para mais
novo em uma única linhagem antes de “descer” para o filho mais velho do irmão mais
velho. Mais tarde, a realeza passava de pai para filho, com uma forte preferência por
primogenitura (Chêng 1960: 216–17). Esta tendência – o oposto do que ocorria entre os
astecas – pode ter refletido uma necessidade de equilibrar a forte ênfase na ancianidade
como fonte de status elevado com a crescente necessidade de governantes que
estivessem na flor da idade, conforme a liderança militar se tornava mais importante.
Uma sucessão estritamente fraternal, com pouca possibilidade de deixar passar alguém
na frente dos candidatos mais irremediavelmente incapazes, teria encorajado uma rápida
sucessão de governantes envelhecidos

O rei ioruba era escolhido entre os descendentes masculinos de um governante


anterior por funcionários hereditários que pertenciam às mais importantes linhagens
paternas não-reais, em consulta com os membros proeminentes do clã real. A realeza
frequentemente alternava-se entre dois ou mais ramos ou linhagens da família real de
modo que um rei raramente era sucedido por seu próprio filho. O conselho de Estado
podia determinar que um rei mal sucedido cometesse suicídio ou que fosse morto pelos
funcionários do palácio, mas, em compensação, os reis tinham que confirmar a
nomeação de novos membros para este conselho (Bascom 1969: 30–33; Pemberton and
Afolayan 1996: 76–79). Os obás do Benin, que haviam ido mais longe que qualquer dos
reis iorubas no que diz respeito à redução do poder de seu conselho de Estado, também
estabeleceram uma hereditariedade da realeza direta de pai para filho mais velho, que
harmonizava com a regra geral Edo de heranças. Em contraste com os reis iorubas, o
obá do Benin também não poderia ser deposto por seus principais conselheiros
(Bradbury 1957: 40–41). Como os reis do Egito antigo, um novo rei do Benin precisava
validar sua sucessão mediante o enterro do seu pai e a realização de rituais elaborados
de investidura. Incapacidade para cumprir esses requisitos poderia desqualificar um
filho mais velho incompetente de se tornar rei. No Oió e em outros estados iorubas, a
mãe biológica do rei era morta ou deveria cometer suicídio, ao mesmo tempo que seu
filho “renascia” como rei (S. Johnson 1921: 56), e era substituída por uma mulher que
era nomeada para ser a rainha mãe oficial (iya oba) (Law 1977: 70–71). No Benin, a
mãe do rei não era morta, mas instalada em um palácio em Uselu às portas da cidade do
Benin, onde ela empunhava um poder considerável. Ela e seu filho, que era agora um
governante divino, não podiam, entretanto, nunca mais se encontrar novamente (Ben-
Amos 1983; Bradbury 1973: 55).

Assim, a soberania nas civilizações inicias era encarnada em um indivíduo e a


estabilidade da realeza era tanto guardada quanto simbolizada pela continuidade do
cargo real dentro de uma única família. Em famílias reais mais poderosas, a realeza
tendia a ser herdada fraternalmente ou através das gerações dentro de uma única
linhagem, mas nas famílias mais fracas ela alternava-se entre uma série de linhagens
que reivindicavam descender de um único ancestral remoto. Embora tal alternância
tenha sido explicada como um mecanismo para manter reinos extensivos unidos na
ausência de uma autoridade centralizada (Whitaker 1976), isto não explica a prática nas
cidades-Estado iorubas. Entre os iorubas, a alternância talvez servisse para mitigar a
competitividade entre ramos das famílias reais que poderia fragmentar e resultar na
emigração de candidatos derrotados na disputa pelo poder real e de seus apoiadores. A
densidade populacional relativamente baixa dos iorubas facilitava tal movimento.

Uma vez que os reis nas civilizações iniciais, diferentemente dos monarcas
constitucionais modernos, tinham que ser capazes de governar efetivamente e muitas
vezes proporcionar liderança militar pessoal, era altamente desejável que eles fossem
homens adultos e competentes. Por esta razão, também era desejável que uma seleção
fosse feita entre um grupo de candidatos rivais. Onde os reis tinham mais poder, a
realeza era herdada de acordo com a primogenitura masculina ou o monarca em
exercício decidia qual de seus filhos deveria sucedê-lo. Em outros casos, decisões sobre
a sucessão eram feitas por representantes da família real ou por membros poderosos da
classe dominante. Mesmo onde o herdeiro era estabelecido por primogenitura, a
necessidade de realizar vários ritos a fim de se tornar rei, assegurava que um novo
governante ou podia governar eficazmente ou era controlado e apoiado por pessoas que
podiam.

O CARÁTER SAGRADO DA REALEZA

Apesar de indivíduos, famílias e comunidades menores amiúde terem divindades


patronais com quem eles se comunicavam ou diretamente ou através do espíritos de
seus ancestrais mortos, seres humanos comuns tinham apenas um contato limitado com
o sobrenatural. O rei, situando-se no ápice da sociedade, constituía o elo mais
importante entre os seres humanos e as forças naturais das quais o bem estar tanto da
sociedade quanto do universo dependia. Estas relações eram mediadas por rituais que
apenas os reis ou seus delegados eram aptos a realizar.

Somente os governantes Shang eram aptos a patrocinar os rituais divinatórios


escapulomânticos (predição o futuro segundo as fissuras que aparecem em ossos
queimados) que permitiam a eles, através de seus ancestrais mortos, comunicar-se com
o seu mais alto deus, Shangdi. Estas adivinhações também possibilitavam os sacrifícios
corretos que garantiam boas colheitas e o bem-estar do reino (K. Chang 1983: 44–45).
Os reis maias buscavam, através do derramamento ritual de seu próprio sangue ou
ingerindo substâncias alucinógenas, entrar em estados de transe que permitissem a
comunicação com os espíritos de seus ancestrais mortos e com divindades cósmicas. No
Egito, a doutrina oficial dizia que somente o rei podia fazer oferendas aos deuses em
templos em todas as partes do Egito, aos ancestrais reais ou mesmo para plebeus mortos
em suas sepulturas. A fórmula ritual que transmitia ofertas à força-vital (k3) de uma
pessoa morta, descrevia essas ofertas como “um presente que o rei oferece”. Assim, em
teoria, mesmo a água que um fazendeiro vertia sobre a sepultura de um parente morto,
passava para o mundo espiritual como um presente do monarca reinante, cuja presença
fazia com que o Egito prosperasse (Gardiner 1950: 170–73). Foi sugerido que
catástrofes naturais prolongadas no Egito em certos períodos podem ter levado ao
assassinato ou deposição de reis que foram julgados como incapazes de sustentar a
ordem cósmica (B. Bell 1971).

Eles serem considerados como a incorporação da força e vitalidade do reino


levou a uma ênfase na saúde e vigor dos reis enquanto indivíduos. Os faraós egípcios,
depois de um reinado de trinta anos, e em intervalos frequentes depois disso,
celebravam o ritual Sed (ḥb sd) no curso do qual eles simbolicamente morriam e
renasciam. Acreditava-se que este ritual funcionava para renovar os poderes físicos e
mentais de um governante envelhecido (Gohary 1992). Os egípcios acreditavam que
uma renovação similar ocorria quando um rei velho morria e era substituído por seu
filho. Em geral, a iconografia da realeza nas civilizações iniciais enfatizava juventude,
proeza e habilidade marciais. Os reis egípcios eram raramente, senão nunca, retratados
como velhos ou débeis.

Devido a sua associação estreita com as forças sobrenaturais, os reis recebiam


vários atributos divinos. As reivindicações mais extremas sobre a divindade dos reis
eram feitas nos grandes estados territoriais, onde o contato direto entre o governante e a
maioria de seus súditos era bastante limitado. Uma vez que a autoridade real era
necessariamente mediada por múltiplos níveis de funcionários, o governante era
percebido como um ser remoto que afetava a vida das pessoas de modo semelhante ao
das divindades ou forças naturais (consideradas as mesmas coisas), e isto tornava mais
fácil para as pessoas comuns aceitarem a noção de divindade dos governantes.

O Estado egípcio colocava uma ênfase especial na ideia de que o rei era filho do
sol ou uma manifestação terrestre do deus criador-solar e, consequentemente, um
governante universal. Como o sol, o rei passava por ciclos infinitos de morte e
renascimento. Os reis alegavam serem a manifestação terrestre de todos os deuses
egípcios principais, cada qual sendo associado com uma comunidade particular no Egito
e identificado naquele lugar como a divindade criadora. Ao nutrir todos esses deuses
como um filho nutre os espíritos de seus ancestrais mortos, o rei cumpria um papel
fundamental na manutenção da ordem cósmica (Frankfort 1948; Silverman 1991: 56–
71). Apenas os reis eram classificados como deuses (ntr) durante suas vidsa (Hornung
1997: 301). As enchentes anuais do Nilo e as derrotas dos inimigos do Egito eram
resultado direto do poder sobrenatural dos reis. Contudo, parece que os reis eram vistos
como divinos apenas no sentido de que seus corpos, como as imagens de culto nos
templos, eram receptáculos nos quais diversos deuses podiam entrar. Um rei enquanto
indivíduo tornava-se dotado de tal poder como uma consequência de rituais de
entronização que envolviam sua purificação, renascimento ritual e coroamento pelos
deuses (L. Bell 1997: 140; Goebs 1998: 340). Como conseqüência desses rituais, cada
rei sucessivo representava o renascimento e a renovação terrestre do monarca anterior (e
em última instância de Hórus), ao passo que os reis mortos eram identificados com
Osíris, o governante imutável do reino dos mortos. Pode ser como encarnação terrena
do poder divino que o rei em exercício era chamado ntr nfr, que é convencionalmente
traduzido como “deus belo”, mas pode ter significado deus “jovem” ou “reencarnado”
(Hornung 1982: 138–42; Malek 1997: 227).

Acreditava-se que os reis egípcios eram tão dotados de poder sobrenatural que
apenas tocar neles ou em seus emblemas sem tomar precauções rituais poderia causar
sérios danos. Entretanto, apesar de eles regularem o cosmo, não se esperava que eles
operassem milagres. Se um conselheiro de confiança ficava doente, o rei ordenava um
médico real para atendê-lo. Um culto funerário elaborado era mantido para cada rei
morto na expectativa de que, enquanto a forma imutável (dt) do poder sobrenatural, os
reis mortos poderiam conceder bênçãos sobrenaturais ao Egito. Apesar de muitos
estudiosos sugerirem o contrário, é evidente que mesmo no Império Antigo todos os
seres humanos mortos se tornavam formas dt, mesmo se eram pouco importantes.
Assim, a diferença entre plebeus mortos e reis mortos era a extensão de seu poder
sobrenatural e não uma diferença qualitativa (O’Connor and Silverman 1995).

Os súditos dos reis incas eram ensinados que o rei era descendente e a
contraparte ou manifestação terrena do deus sol, Inti, e talvez também do deus criador
mais velho, Viracocha. O sol era considerado como a fonte e o repositório imediatos do
poder de cada governante inca. Como no Egito, acreditava-se que a ordem cósmica era
recriada a cada reino sucessivo (MacCormack 1991: 117). A transformação na natureza
do rei que resultava de seus rituais de investidura requeria a ele casar novamente com
sua esposa principal, que agora se tornava sua rainha (quya [coya]), uma prática que
levou muitos cronistas espanhóis a acreditar que um governante inca casava-se com sua
esposa principal apenas depois de se tornar rei (MacCormack 1991: 125). Duzentos ou
mais garotos e garotas eram sacrificados por todo o reino como parte dos rituais de
entronização real (Kendall 1973: 197). Se o rei ficava doente em qualquer tempo,
quatro lhamas e quatro crianças eram mortas e grande quantidade de roupas eram
queimadas para assegurar sua recuperação (Murra 1980: 58).

Tanto os monarcas incas vivos quanto os mortos eram vistos como exercendo
papéis chave na promoção da fertilidade agrícola e do sucesso militar, atividades que
nas crenças e nos rituais, eram fortemente ligadas. Os reis mortos eram considerados
como reunidos ao sol, embora seus corpos mumificados, que mantinham suas
identidades pessoais, continuassem a ser vestidos e a receber comida como se eles
estivessem vivos. Cada rei morto era um lócus de poder sobrenatural e uma importante
fonte de pronunciamentos oraculares sobre assuntos políticos. Reis mortos e vivos eram
assim considerados, como o próprio sol, como uma fonte de vida e prosperidade para
seus descendentes e para o Estado inca como um todo (Gose 1996a). Como no Egito, os
ancestrais mortos das pessoas ordinárias também olhavam pelo bem estar de seus
descendentes; o que distinguia os reis mortos a esse respeito era a fonte e a extensão de
seu poder.

Na China, os reis Shang realizavam sacrifícios para Shangdi. Se o deus fosse o


ancestral original da dinastia Shang, como muitos especialistas acreditam, o rei, como
principal descendente vivo dos ancestrais reais – cujos espíritos eram os únicos capazes
de se comunicar e interceder com Shangdi –, era exclusivamente qualificado para
manipular o poder sobrenatural a fim de promover o bem estar do conjunto da nação (K.
Chang 1983). Os reis se referiam a si mesmos como yü i ren (Eu, o único [principal]
homem), usando o termo neutro em relação a status aplicado aos homens (ren) de
qualquer posição (Wheatley 1971: 52). Reis chineses posteriores, incluindo aqueles da
dinastia Zhou, não reivindicavam status divino, apesar de ostentarem o título “Filho do
Céu”, tendo tian (céu) ou substituído Shangdi ou tornado-se um novo nome para ele
(Hsu and Linduff 1988: 320–21). Os espíritos dos reis mortos eram considerados
extremamente poderosos e eram consultados através de adivinhação. Seus cultos eram
alinhados com aqueles dos dez diferentes sóis que acreditava-se brilharem no mundo em
dias sucessivos em ciclo de dez dias, cada dia identificado com um sol particular. Eram
oferecidos sacrifícios humanos e animais aos reis mortos, como eram às forças
espirituais inerentes no mundo natural.

Entre as outras civilizações na nossa amostra, que eram compostas de muitos


estados menores, havia variações consideráveis na medida de deificação atribuída aos
governantes. Os reis iorubas compartilhavam a autoridade política com os titulares de
linhagens paternas não-reais. Não obstante, a realeza era considerada um cargo divino, e
os reis eram considerados possuidores de poderes sobrenaturais extraordinários que
permitiam a eles assegurar a fertilidade de seu reino e o bem estar de seu povo
(Bradbury 1973: 74). Os reis eram venerados como os veículos através dos quais o
poder divino era canalizado ao mundo humano, dando ânimo aos seres humanos, bem
como às plantas, aos animais, aos rios e à atmosfera. Para proteger o povo de seus
poderes sobrenaturais, os reis eram ritualmente segregados em seus palácios. Embora
cada estado ioruba preservasse cuidadosamente os nomes de cada um de seus
governantes sucessivos, o poder real era visto como uma presença contínua. Cada
governante sucessivo era dotado de uma continuidade inquebrável de tal poder e falava
daquilo que seus antecessores reais haviam feito como se as obras deles fossem as suas
próprias (K. Barber 1991: 51). Uma autoridade obá era descrita como “incontestável” e
seu poder “como o dos deuses” (Pemberton and Afolayan 1996: 1). No Benin, afirmar
que o rei realizava atos humanos como comer, dormir, lavar-se ou morrer era uma
ofensa passível de punição de morte (Bradbury 1957: 40).

Somente os reis iorubas podiam realizar os rituais que eram cruciais para o bem
estar de sua terra e de seu povo. Os poderes dos reis mortos eram transmitidos a seus
sucessores em rituais que envolviam que o novo rei ingerisse pequenas porções do
corpos de seus antecessores. Não obstante, indivíduos reais que se tornavam senis ou
cujo comportamento seriamente desagradava seus conselhos podiam ser executados.
Muitos iorubas ainda acreditam que, por curtos períodos, quando devotos comuns
entram em transe durante seus rituais, os deuses tomam posse e falam e agem através
deles. Acreditava-se, ao que parece, que os reis, no curso de suas cerimônias de
investidura, tornavam-se possuidores dos poderes de várias divindades, as quais
permaneciam com eles pelo resto de suas vidas ou enquanto eles permanecessem
saudáveis e ritualmente puros. Estes rituais eram acompanhados de sacrifícios humanos
planejados para aumentar o poder do rei. Enquanto os espíritos de todos os iorubas
mortos eram venerados por seus descendentes, que buscavam beneficiar-se de sua
proteção e apoio sobrenaturais, os espíritos dos governantes eram objeto de cultos
especialmente elaborados. Porque seu poder beneficiava o governante vivente, bem
como fazia o poder das divindades cósmicas, eles ajudavam a sustentar o reino inteiro
(Pemberton and Afolayan 1996: 73). O culto dos ancestrais reais era mais elaborado no
Benin, onde cada rei morto recebia um complexo ritual separado (ugha) com seu
próprio altar (Bradbury 1957: 55). Todavia, aqui também o poder real, apesar de
sobrenatural em origem, tendia a ser quantitativamente e não qualitativamente diferente
daquele de outras pessoas.

O termo maia para “governante” que era comumente usado após 400 d.C., k’ul
ahaw, tem sido interpretado como significando um líder com poder divino ou status
semelhante ao de um deus. Os governantes maias portavam os trajes e atributos de
diferentes deuses e ostentavam nomes que incorporavam referências a numerosas
divindades. Em Tikal, essas referências frequentemente eram a Kawil, um deus da
fertilidade e da continuidade dinástica, em Naranjo elas eram a Chak, o deus da chuva e
das tempestades (Houston 2001; Martin and Grube 2000: 17). Eles podem ter sido
considerados como recebendo poderes sobrenaturais no curso dos rituais de investidura
ou de designação de herdeiros. Não há, entretanto, evidências de que eles fossem
considerados deuses. Governantes mortos, em contraste, eram identificados com heróis
ancestrais e divindades cósmicas principais, aparentemente enquanto mantinham suas
próprias personalidades, e eram adorados em templos mortuários elaborados que cada
rei eregia para esse propósito (Freidel and Schele 1988a; Houston and Stuart 1996).

Finalmente, os maias parecem ter acreditado que, ao passo que os governantes


morriam, a realeza era eterna. A sucessão dos governantes maias assemelhava-se às
mortes e aos renascimentos periódicos dos deuses que presidiam o universo em ciclos
sucessivos desde o começo do tempo. Cada rei maia simbolicamente reemergia do
mundo inferior no momento de sua ascensão para dirigir a ordem social e voltava ao
mundo inferior, como o sol ao final de cada, no momento de sua morte. A noção dos
filhos reais concedendo um renascimento aos pais que os haviam engendrado tem sido
descrita como o mistério central da religião oficial maia (Freidel, Schele, and Parker
1993: 281). Contudo, à época do período Clássico tardio, esta renovação cíclica era
menos importante que o registro em crônicas da sucessão linear de governantes em cada
cidade-Estado maia. Isto foi possível pela invenção de um calendário de longa duração,
que permitia que curtos períodos de tempo fossem vistos como segmentos de uma série
contínua e infinita (A. Miller 1986).

Os astecas e outros habitantes do vale do México acreditavam que divindades


entravam e possuíam os corpos de seus devotos por períodos variados de tempo. Na
investidura de novos reis, rituais elaborados eram realizados, no curso dos quais o rei
era vestido com os emblemas das principais divindades cósmicas. Estes rituais eram
planejados para assegurar que os poderes dessas divindades viessem a residir no rei e
permitissem a ele assegurar as colheitas, liderar exércitos à vitória e governar o estado
de maneira sábia (Clendinnen 1991: 78–81; Townsend 1989). O rei asteca era
identificado como o substituto de Xiuhtecuhtli, deus e criador do fogo, que, como uma
manifestação de Ometeotl, controlava o eixo central do universo. Entretanto, ter essa
divindade ancestral suprema como seu patrono não impedia o rei asteca de se identificar
com outras divindades importantes que eram descendentes de Xiuhtecuhtli (Heyden
1989: 39–41).

Desta forma, os reis astecas se tornavam divinos (teotl) mesmo se eles não
fossem considerados deuses. Dizia-se que seus lábios e línguas tornavam-se os dos
deuses, uma vez que os deuses falavam através deles, e que eles eram os ouvidos, os
olhos e os dentes dos deuses (Townsend 1992: 205; López Austin 1988, 1: 398–99).
Uma vez investido, esperava-se que um monarca lançasse uma campanha militar que
demonstraria seus poderes recém-adquiridos e produziria um grande número de
prisioneiros para o sacrifício aos deuses que completaria sua investidura. Em seus
funerais, os reis astecas eram novamente vestidos nos trajes, uns sobre os outros, das
principais divindades cósmicas, a fim de que fossem identificados com esses deuses
antes da cremação (Heyden 1989: 41). Os sacrifícios humanos que são relatados como
tendo sido realizados em intervalos regulares para fortalecer a alma tonali (a fonte de
vigor e racionalidade) do rei Montezuma II podem ter sido planejados para alimentar os
poderes divinos especiais que habitavam nele (Clendinnen 1991: 82). Ao passo que os
reis astecas eram tratados com grande reverência, não há evidência de que eles fossem
considerados como sendo diferentes em essência dos outros membros da nobreza
hereditária (Read 1994). No lugar disso, eles eram homens em quem os poderes
sobrenaturais se manifestavam em um grau exclusivo. Apesar de as cinzas dos reis
serem enterradas na base do templo público principal, não havia culto público aos reis
mortos.
Do mesmo modo, o conceito mesopotâmico de realeza era baseado na religião.
Os sumérios acreditavam que os deuses haviam inventado a realeza como a maneira
mais eficaz de governar a si próprios e então haviam transmitido-a aos humanos. Joan
Oates (1978: 476) argumenta que a posição do rei (en or ensi) evoluíra de um cargo
primordial e masculino nos rituais do templo mais comumente associados com as
divindades femininas que eram as padroeiras das cidades-Estado. Em cidades onde a
divindade patronal principal era masculina e, portanto o sacerdote en era feminino, a
realeza passava para as mãos de um lugal (literalmente “grande homem”), cujo cargo
pode ter derivado de um cargo de liderança militar em tempo parcial. Somente após o
período dinástico inicial esses títulos começaram a formar uma hierarquia na qual o
lugal, agora interpretado como significando “hegemônico”, tomava precedência sobre o
ensi, que significava “governante da cidade” ou “governador” (Hallo 1957).

Governantes mesopotâmicos do período dinástico inicial eram vistos como seres


humanos ocupando a mesma posição em relação a divindade padroeira da cidade que
um mordomo ou capataz em relação a um proprietário de terras. O poder que um
governante gozava como resultado da aprovação e apoio dos deuses era simbolizado
porque ele portava os emblemas divinos da realeza – uma coroa, o trona da vida, o cetro
da justiça e a maça para controlar o povo – acreditava-se que estes haviam sido
enviados para a terra junto com a própria realeza (Postgate 1992: 261–63).

Era dever dos reis da Mesopotâmia assegurar que as divindades fossem bem
alimentadas, vestidas e abrigadas. Eles corriam o risco de punição divina se eles
falhassem em realizar os desejos de um deus. Um rei prudente, entretanto, poderia
esperar com razão o favor e a proteção da divindade padroeira de sua cidade em retorno
por seu bom comportamento pessoal e conduta diligente dos negócios da cidade. Os reis
recebiam revelações e ordens divinas em sonhos e visões. Para evitar ofender
involuntariamente os deuses, eles constantemente buscavam averiguar a vontade das
divindades através de práticas divinatórias. O único aspecto inerentemente sobrenatural
da realeza era que os reis, juntos com as sacerdotisas ou mulheres da família real,
personificavam as divindades principais durante os rituais de ano novo que eram
associados com a fertilidade e a renovação cósmica. Presumivelmente, o poder dessas
divindades entrava no rei e em outros participantes durante este curto período (Postgate
1992: 265–66).
Ironicamente, a Mesopotâmia, a civilização onde os reis eram tidos como mais
humanos, era a única cujas lendas retratavam reis orgulhos ou impiedosos provocando e
insultando divindades (Pritchard 1955: 84). Estas histórias, entretanto, ilustravam que
era impossível mesmo para o mais ambicioso dos humanos opor-se aos deuses ou
adquirir novos poderes. Os governantes da Mesopotâmia algumas vezes conseguiam
escapar da ira divina, quando eles a descobriam através das práticas divinatórias,
mediante o apontamento de uma pessoa de origem humilde como substituto do rei cuja
morte poderia aliviar a ira dos deuses. Tal substituto era executado depois que o perigo
havia passado (Frankfort 1948: 262–65).

Durante o domínio acádio sobre a Mesopotâmia (2350–2190 d.C.) e novamente


no período da terceira dinastia de Ur (2112–2004 d.C.) reis hegemônicos tentaram
reivindicar status divino. Seus nomes eram escritos após o sinal classificatório
(taxograma) que indicava um deus, eles eram mostrados usando adereços na cabeça
com chifres como aqueles dos deuses, e juramentos legais eram realizados em nome
deles bem como em nome das divindades. Alguns desses reis também estabeleceram
cultos mortuários elaborados. Pode ter sido neste contexto que alguns dos mais
celebrados governantes do período dinástico inicial, tais como Gilgamesh, que era
reivindicado como um ancestral pelos reis da terceira dinastia de Ur, começaram a ser
descritos como deuses ou semi-deuses. Não obstante, estas reivindicações falharam em
conquistar aceitação generalizada e, mais tarde, reis mais poderosos como aqueles da
Assíria, evitaram tais pretensões. Uma vez que o status humano dos reis havia sido
estabelecido, era impossível, mesmo para os reis hegemônicos ou hereditários mais bem
sucedidos, transcendê-lo (Engnell 1967; Frankfort 1948: 297–99; Postgate 1992: 266–
67).

Os governantes de civilizações inicias invariavelmente reivindicavam apoio


divino, e a maioria deles era considerado dotado de poderes divino. As reivindicações
mais ousadas eram feitas no Egito e entre os incas, ambos estados grandes nos quais os
governantes tendiam a estar longe de seus súditos, mas mesmo aqui a natureza humana
do governante enquanto individuo era reconhecida. Reivindicações fortes de divindade
por parte de governantes eram feitas entre os iorubas, cujos chefes de estado eram
ritualmente segregados de seus súditos. As reivindicações mais fracas eram encontradas
entre os mesopotâmico, que no período dinástico inicial haviam se tornado o povo mais
urbanizado em nossa amostra e portanto os mais aptos a observar seus governantes de
perto. O fracasso dos líderes (hegemon) da Mesopotâmia em alcançar status divino
sugere que fatores históricos bem como funcionais ajudam a moldar a imagem dos reis
nessas sociedades.

Os reis também reivindicavam ser descendentes das principais divindades


cósmicas. De acordo com uma versão da cosmologia egípcia, no começo do tempo o
Egito havia sido governado por Atum ou Re (a divindade solar criadora) e ele foi
sucedido por seu filho Shu (ar), pelo filho de Shu, Geb (a terra), e pelo filho de Geb,
Osíris. Cada uma dessas divindades havia se retirado a seu turno para um reino
cósmico, deixando o filho (ou reencarnação) de Osíris, Hórus, para governar o Egito.
Todos os reis egípcios posteriores eram descendentes lineares de Hórus, que, depois da
morte, se tornou identificado com Osíris, o governante morto por excelência (Meeks
and Favard-Meeks 1996: 16–32). Os reis incas alegavam que o deus sol era o ancestral
divino de sua dinastia, seus raios tendo engendrado (ou no Lago Titicaca ou nas
cavernas de Paqariktambo, perto de Cuzco) quatro pares de machos e fêmeas de um dos
quais a família real inca descendia (Urton 1990). Os reis Shang pertenciam à principal
linha de descendência do clã Zi, o qual, de acordo com uma lenda registrada em uma
data posterior, descendia de uma mulher mortal que foi engravidada por um pássaro
negro que pode ter sido Shangdi e que talvez também era identificado com o sol (K.
Chang 1976: 167). Cada rei ioruba reivindicava descender de um dos dezesseis filhos
de Oduduwa, o deus que havia baixado a si mesmo do céu em uma corrente de ferro
para criar o mundo (Bascom 1969: 10–12). No Benin, um descendente de Oduduwa
substituiu a dinastia anterior de ogiso (reis do céu) que havia sido deposta por governar
mal (Ben-Amos and Rubin 1983: 21; Egharevba 1960: 1–6). Os governantes astecas e a
nobreza no vale do México traçavam sua descendência desde uma encarnação do deus
Quetzalcoatl, que reinara na cidade inicial de Tollan (M. E. Smith 1996: 37–38). Do
mesmo modo, os governantes maias traçavam suas linhagens até uma ou mais das
principais divindades de seu panteão (Houston and Stuart 1996: 290). O sangue dos reis
maias e de seus descendentes era considerada especialmente carregado de poder
sobrenatural. Somente os reis da Mesopotâmia não reivindicavam normalmente
descendência dos deuses.

Estas reivindicações estabeleceram uma afinidade genealógica entre os reis e as


divindades cósmicas. Elas também sugeriam que os reis se diferenciavam dos plebeus
em origem e natureza. Entretanto, mitos desse tipo não distinguiam claramente os reis
da nobreza hereditária que era descendente de governantes anteriores. No caso da
nobreza asteca e inca ou dos clãs reais ioruba, esses descendentes poderiam ser bastante
numerosos. Um rei Shang ou Zhou era ainda distinguido como o membro de mais alta
patente da linhagem principal do clã real, o que o dotava de uma superioridade
genealógica e de um poder ritual indisputáveis. Os egípcios alegavam que os reis
enquanto indivíduos eram concebidos pelo deus sol, Re, que havia possuído o corpo do
rei em exercício no momento de sua procriação. Embora governantes como o Faraó do
Império Novo, Ramsés II, podiam vangloriar-se que seu nascimento divino havia os
colocado a parte dos outros humanos, mesmo quando eles ainda estavam no útero, a
única prova de que eles haviam sido concebidos de um modo especial era a sua eventual
sucessão ao trono (Hornung 1982: 142). Reivindicações como essa geralmente
enfatizavam não a singularidade dos reis, mas seus papeis de liderança, e eles parecem
ter dado aos reis poderes que eram maiores que, mas não inerentemente diferente,
daqueles detidos por outros humanos. Eram os rituais de investidura que cumpriam o
papel central em dotar os reis de poderes sobrenaturais que os colocava à parte das
outras pessoas. No curso desses rituais, que geralmente envolviam jejum, penitência, e
ser empossado com diversos emblemas associados com as divindades, os reis eram
identificados com vários deuses e adquiriam seus poderes divinos. Governantes egípcios
e iorubas e talvez outros também se tornavam reencarnações de seus predecessores. Os
poderes sagrados adquiridos no curso desses rituais eram então simbolizados pela
veneração com a qual os reis eram tratados, pelos trajes distintivos que eles usavam e
pelos emblemas especiais, tais como coroas, bastões e tronos ou assentos reais, que
somente eles podiam usar. Como os próprios reis, esses objetos eram frequentemente
considerados carregados de poder sobrenatural. Ainda que os reis da Mesopotâmia
fossem normalmente considerados como não possuidores de poderes sobrenaturais por
direito próprio, eles gozavam de proteção especial e apoio das divindades tutelares de
suas cidades-Estado. Os rituais de investidura transformavam os reis em intermediários
entre o humano e o divino. Enquanto indivíduos, os reis permaneciam humanos e
mortais, mas enquanto encarregados de um cargo sagrado, eles eram colocados à parte
de todos os outros humanos como resultado de terem adquirido poderes sobrenaturais
únicos. Esses poderes aumentava sua autoridade, mas também a delimitar o escopo do
que eles podiam fazer (Postgate 1992: 274). O poder político supremo era
universalmente entendido e expresso em termos religiosos. Reis, como os deuses
cósmicos, possuíam poderes para ajudar e prejudicar seres humanos. Para seus súditos,
estes poderes devem ter se assemelhado às forças imensas que eram inerentes no mundo
natural.

Algumas civilizações iniciais enfatizavam a posse de podres sobrenaturais mais


que outras. Aquelas que mais salientavam esses poderes tendiam a ser aqueles em que
os estados eram maiores e os reis mais distantes da maioria de seus súditos. Contudo, o
fracasso de reis mesopotâmios que se tornavam poderosos em atingir o reconhecimento
a suas reivindicações de possuir poderes divinos revela que as tradições culturais
cumpriam um papel fundamental em determinar até que ponto os reis eram
considerados divinos. Não obstante, na Mesopotâmia não menos do que em outras
civilizações iniciais, o poder político era conceitualizado mais em termos sobrenaturais
do que simplesmente políticos ou econômicos.

SACRÍFICIO DE SERVIDORES

Uma indicação interessante de como os reis eram vistos nas civilizações iniciais
é a medida na qual servidores e outras vítimas humanas, voluntaria ou
involuntariamente, eram executados nos funerais de reis e membros de alta patente da
nobreza. Há evidencias de sacrifício de servidores nas fases iniciais de ambas as
civilizações do Egito e da Mesopotâmia. Centenas de servos homens e mulheres, bem
como artesãos, eram executados e enterrados em volta dos complexos funerários reais
egípcios da Primeira Dinastia em Abidos e em números menores em volta das tumbas
de funcionários de alta patente em Mênfis (Edwards 1985: 23). Números substanciais
de servidores eram enterrados no que geralmente considera-se que tenham sido enterros
reais do período Dinástico Inicial em Ur na Mesopotâmia, apesar de que os enterros
femininos podem ter sido o de sacerdotisas en de alta patente ao invés de rainhas
(Pollock 1999: 211). Algumas reminiscências dessa prática podem ter sobrevivido na
poesia épica mesopotâmica posterior, a qual fala de servos acompanhando governantes
falecidos ao mundo inferior (Kramer 1963: 130). Contudo, este tipo de assassinato
parece não ter persistido por muito tempo nas culturas em que as vítimas humanas não
eram regularmente sacrificadas aos deuses.

Entre os astecas, os maias e os iorubas, que regularmente realizavam sacrifícios


humanos a suas divindades, vítimas humanas eram executadas no curso dos funerais de
alto status. Sacrifício humano era parte regular dos rituais de enterro dos reis ioruba e do
Benin (S. Johnson 1921: 44, 55). No Benin, membros da guarda pessoal do obá estavam
entre aqueles que era executados. Além disso, esposas e escravos dos governantes
cometiam suicídio para que eles pudessem continuar a servi-los depois da morte
(Egharevba 1960: 76; Lucas 1948: 256). Vitimas humanas também eram
periodicamente sacrificadas como parte do culto de reis falecidos (Bradbury 1957: 39,
55).

Os Shang enterravam até varias centenas de humanos em túmulos reais. Embora


tenha sido sugerido que a maioria dessas vítimas eram cativos estrangeiros, dados
arqueológicos indicam que elas representavam um corte transversal dos servidores reais
– mulheres, funcionários, guardas e servos – bem como alguns prisioneiros de guerra.
Os últimos eram amiúde decapitados ou desmembrados e tinham suas mãos amarradas
para trás no momento de sua morte (Keightley 1969: 369–77). Seres humanos também
eram periodicamente sacrificados, junto com animais domésticos variados, e enterrados
em volta dos túmulos e templos ancestrais de membros falecidos da família real. Essas
práticas parecem nunca ter sido extensivas na corte Zhou, mesmo durante o período
Shang, e se extinguiram completamente durante a dinastia Zhou seguinte (Chêng 1960:
69–79; Hus and Linduff 1988: 172).

Há relatos de que quando um rei inca morria, suas esposas secundárias favoritas,
servos e alguns funcionários eram estrangulados, muito deles voluntariamente. Além
disso, mil garotos e garotas de cinco a seis anos de idade, muitos deles filhos da nobreza
provincial não-inca (Betanzos 1996: 131–33), eram reunidos e enterrados em pares
através do reino. Entre os Shang e os incas, sacrifícios de servidores eram praticados em
uma escola muito menor no enterro de altos funcionários.

Quaisquer que fossem os propósitos a que servissem a matança de humanos em


contextos funerários, é evidente que isto não era um fenômeno unitário. Algumas
mortes parecem ter sido, como sacrifícios animais, oferendas de sangue designadas para
fortalecer a alma da pessoa morta com a força vital da vítima. Isto parece ter sido o caso
com as matanças funerárias mais humildes dos Shang e incas. Pelo menos alguns
sacrifícios humanos iorubas feitos após a época do enterro eram incumbidos de carregar
mensagens e pedidos de auxilio sobrenatural ao morto (Connah 1987: 145), mas esses
sacrifícios parecem também ter sido planejados para alimentar e fortalecer o espírito da
pessoa morta.
Sacrifícios desse tipo assemelham se de perto aqueles feitos para as divindades
cósmicos. Em outros casos, parece que os serventes e funcionários da casa eram
enterrado com, ou perto de um rei morto ou de um membro da classe dominante para
que as almas deles pudessem acompanhar e continuar a servir a esta pessoa. O
morticínio de pessoas, tanto para nutrir ou para servir os mortos, era uma forma de
esbanjamento e, portanto, um símbolo impressionante do status elevado do morto, mas
sua restrição a sociedades em que os seres humanos bem como os animais eram
regularmente sacrificados aos deuses sugere que isto era associado com a equiparação
dos reis (incluindo os reis mortos) aos poderes sobrenaturais. Também é significativo
que uma forma mais restrita de sacrifício de servidores era praticada pelos altos
funcionários em sociedades onde era um atributo das práticas reais de enterro, a
Mesopotâmia sendo a exceção. Ao passo que reis eram publicamente reconhecidos
como sendo política e simbolicamente únicos, eles também eram identificados em
termos de tratamento ritual como membros da classe dominante.

VALIDANDO O PODER

Em toda parte os reis validavam seus reivindicações ao poder temporal e


sobrenatural através de seus estilos de vida esbanjador. Independente da extensão de seu
poder, reis, altos funcionários e suas famílias moravam em palácios esplendidos,
vestiam roupas magníficas e jóias elaboradas e eram servidos por um grande número de
servidores. Eles também se entretinham prodigamente e concediam presentes raros e
valiosos a seus principais apoiadores. O estilo e as praticas da corte real impunha um
padrão que outras pessoas emulavam em qualquer medida que eles pudessem pagar e
que a lei permitisse. A riqueza dos reis providencia evidencia visível de sua posição
social elevada e do poder de seus reinos. Ao mesmo tempo, os reis eram assíduos em
sua devoção publica e privada ao sobrenatural: construir templos, fazer sacrifícios
elaborados aos deuses e comandar rituais de esbanjamento que asseguravam o
funcionamento adequado do universo e o bem estar da sociedade.

Eles também tinham que preservar sua autoridade pessoal em relação a outros.
Suas interações com seus súditos eram pesadamente ritualizadas e governadas por uma
etiqueta especial. Entre os incas, por exemplo, mesmo o mais alto dos funcionários
tinha que usar roupas simples, ficar descalço e carregar pequenos sacos quando hes era
concedida uma audiência com o rei (Rowe 1944: 259). Entre os asteca e alhures, fazer
contato visual com o governante era proibido. Os reis tendiam a gastar muito do seu
tempo em aposentos privados de seus palácios, aos quais poucas pessoas alem de seus
servos tinham acesso, concedendo audiências para apenas uma fração selecionada de
seus súditos e aparecendo em publico apenas em conexão com os principais rituais e
festividades comunais. A reclusão real era levada mais longe entre os iorubas, cujos reis
raramente deixavam os alojamentos internos de seus palácios e apareciam em público
somente com suas faces cobertas pela borda adornada de suas coroas (Bascom 1969:
30–31).

Para proteger seus poderes sobrenaturais e manter sua habilidade de se


comunicar com e de influenciar o sobrenatural, esperava-se que os reis observassem
vários tabus e penitencias. Grandes rituais as vezes requeriam purificação, jejum,
abstinência sexual e privação de sono por longos períodos. Os governantes maias
submetiam-se a dolorosas sangrias para induzir transes que facilitam a comunicação
com o sobrenatural (Schele and Miller 1986). Reis mesopotâmicos tinham sua face
ritualmente estapeada uma vez por ano pelo alto sacerdote da divindade padroeira de
sua cidade para lembrá-los da necessidade de humildade em suas relações com os
deuses (Kuhrt 1987: 33).

Os reis também tinham que estar aptos para gerenciar os negócios políticos de
seus reinos de forma eficaz. Muitos reis lideravam exércitos à batalha, e sua habilidade
para derrotar inimigos estrangeiros refletia e reforçava seu poder político. Em estados
centralizados, reis poderosos podiam, se necessário, usar a força para assegurar a ordem
publica e manter tanto os funcionários quanto o povo sobre controle. Onde o poder era
menos centralizado, os reis tinham que confiar mais em suas habilidades diplomáticas e
de persuasão (Apter 1992). O papel político dos reis nos estados pré-industriais foi
resumido em uma observação que os escritores árabes atribuem ao monarca persa do
séc. VI d.C., Cosroes I. Acredita-se que ele tenha observado que um reino somente pode
prosperar se o seu governante tiver a capacidade de frear a rapacidade de seus
funcionários de modo que a produção agrícola e artesanal possa florescer e sustentar o
sistema de taxação real do qual o poder real depende (R. McC. Adams 1965: 71).
Mesmo um rei ioruba astuto podia transcender as severas limitações físicas e políticas
de seu cargo para frear a competição mutuamente destrutiva entre membros rivais das
classes dominantes e assegurar sua própria autoridade.
Finalmente, somos nós, não as pessoas que viveram nas civilizações iniciais, que
diferenciamos entre poder político e sagrado. Os iorubas acreditavam que o rei ao
canalizar a energia sobrenatural para o mundo humano cumpria um papel não menos
importante em derrotar os inimigos estrangeiros que os dignitários hereditários não-
reais que comandava os exércitos do estado. Os rituais de ano novo cumpriam um papel
fundamental nas observações religiosas públicas mesopotâmicas, ao reencenar e assim
renovar a criação do mundo e o estabelecimento da realeza entre os deuses, afirmava o
paralelismo entre o reino terrestre e aquele das divindades celestiais do qual a
prosperidade da terra dependia (Hooke 1958). No Egito, o mesmo verbo (ḫꜥı͗ )
designava a aparência de um rei em sua gloria sobre seu trono e a aurora e o ciclo
geracional pelo qual um jovem rei sucedia um mais velho complementado pelo
nascimento, morte e renascimento diários do sol e pela inundação anual do Nilo. A
sucessão real era tão essencial quanto esses ciclos naturais porque ela renovava o poder
cósmico pelo qual os deuses e, portanto, o universo, nada menos que o próprio Egito,
eram mantidos (Frankfort 1948: 148–61). Em uma cultura na qual a realeza era
percebida como “um poder como o dos deuses” e algo essencial para a manutenção da
ordem cósmica, tais paralelos abarcavam tanto a ideologia central quanto o papel na
pratica da realeza.

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