HDP - Sebenta Sofia
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DIREITO PORTUGUÊS
SOFIA ALVES CUNHA
FDUL
2019/2020
Primeiro Período Segundo Período
Direito Divino
O direito situa-se não apenas no plano Humano, mas decorre mesmo, em última análise, da realidade que
ultrapassa o homem, Deus. Daí, que se possa falar, e se tenha falado, de direito divino.
Contudo, na Idade Média aludiu-se indiferentemente, por vezes, a direito divino e direito natural. Todavia, a
distinção entre os dois direitos torna-se absolutamente precisa: Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho
distinguem-nos, contudo sem grande rigor.
Para Santo Agostinho, a lei eterna é a razão e vontade de Deus que manda conservar a ordem natural e proíbe
que ela seja perturbada. E a lei natural foi inscrita por Deus no coração do homem, ensinamento de Santo
António.
De acordo com o pensamento de S. Tomás de Aquino, tendo sido retomado por teólogos- juristas peninsulares
dos séculos XVI e XVII com certas alterações terminológicas, existem quatro espécies de leis: a lei eterna, a
lei natural, a lei divina e a lei humana.
A lei eterna é a própria razão de Deus, governadora e ordenadora de todas as coisas. Não era escrita e tinha a
ver com algo transcendente.
Dela procedem a lei natural e a lei divina.
A lei natural foi definida como uma participação da lei eterna na criatura racional que lhe permite distinguir
o bom e o mau.
A lei divina é constituída pelo Velho e Novo Testamento, que foi por Deus expressamente revelada para que
o homem pudesse sem vacilações nem dúvidas ordenar-se em relação ao seu fim sobrenatural, que é a bem-
aventurança eterna.
Relativamente à lei humana, o rei quando aponta a lei não está liberto da lei divina, assim esta resulta da
confluência harmoniosa das anteriores leis.
Como veremos o direito natural não se apresenta, assim, como um conceito unívoco.
A grande discussão nas conceções do direito natural do período pluralista, começou com a interpretação das
versões de Gaio e Ulpiano, defendendo o primeiro que o direito natural era racional, e o segundo que era
irracional.
o Gaio, houve quem concebesse o direito natural como eminentemente racional.
o Ulpiano, o direito natural, teria como base o instinto, comum a seres racionais e irracionais.
Entre nós (Portugal), a grande orientação parece ter sido a da racionalidade, uma vez que a vemos subscrita
por Vicente Hispano e Estevão Martins. Reportam-se ao direito natural como derivação da lei eterna e à
conceção desta como razão e vontade de Deus.
Apesar de se tender para a versão de Gaio, isto é, que o direito natural era racional, a par dessa discussão
surgiu uma nova corrente, com uma dupla conceção:
o Profana
Defendia que o direito natural era a razão que se encontrava no próprio homem, que é fruto da natureza de
Deus.
Para Alain de Lille deriva-se da natureza, conceito vago e fluído, que acaba ligado a Deus.
o Sacral
Defendia que era no direito natural que se encontrava a resposta para alguém que se revia em Deus.
Para Santo Agostinho o direito natural, síntese entre a consciência e a graça, foi dado por Deus desde a criação
do homem.
1
Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo I, 12º Edição, página 121 a 133
De um ou outro modo, o direito natural medievo aparece hoje denominado de direito natural teleológico, por
contraposição ao direito natural da idade Moderna, a que se dá o nome de profano, visto que não é preciso
recorrer a Deus para fundamentar a sua validez.
Nesta linha, o direito natural permanece completamente à margem e é exterior a Deus.
Durante o período Medieval, pode-se discutir o que fosse o direito ou a lei divina, mas não a existência dessa
ordem jurídica. A necessidade de ela ser respeitada pelos governantes representava mesmo um dado
axiomático e indiscutível. Os governantes não estavam, alias, apenas subordinados à lei divina, mas também
à lei natural. Este configura-se como algo de transcendente em relação aos titulares do poder como verdadeira
ordem normativa, obrigatória ou vinculatória.
Tratava-se de um setor jurídico que se sobrepunha à vontade dos governantes e aos súbditos, de todo e
qualquer membro da comunidade. Era, aliás, da necessidade de sujeição da ordem jurídica ao direito anterior
ao governante que resultava a inviolabilidade do direito subjetivo para quantos entendiam o príncipe como
fonte única e exclusiva da ordem positiva.
De tudo decorre como requisito e pressuposto fundamental do direito humano a imprescindibilidade da sua
adequação ou conformação com as ordens jurídicas superiores e com a Justiça.
O que é facto é que o Direito Natural é para os homens deste período um corpo normativo absolutamente
essencial.
Sem prejuízo de uma pluralidade de entendimentos, sem prejuízo de haver nuances a cerca da forma como
o Direito Natural foi conceptualizado, o que mostra a enorme riqueza de pensamento em torno desta
pluralidade normativa complexa que marcou o pensamento na Idade Média também em Portugal, o que é
facto é que há um pensamento unânime de todos os autores em torno desta ideia de que o Direito Natural é
absolutamente essencial, é um corpo normativo que se impõe com particular vigor, é um conjunto limitado
de preceitos que devem ser observados por todos, nomeadamente, aqueles que criam Direito, quer seja a
comunidade quando cria as suas regras através do costume, quer sejam os decisores quando criam Direito
através das suas sentenças, quer seja o Rei.
Quando se criticou o Direito Natural, considerou-se que ele apontava para a rigidez. Os doutrinadores deste
período quando falaram nesta lei justa por natureza, que se impunha à observância dos homens,
nomeadamente, quando criavam as suas próprias regras através de uma pluralidade de fontes, entendia-se que
este Direito era um Direito fixo, imóvel, universal, intemporal.
De facto, nós encontramos algumas ideias defendidas por grandes nomes do pensamento desta altura, como
por exemplo Graciano, que no seu decreto, em 1140, entende que o Direito Natural seria universal e
intemporal.
Porém, esta conceção rapidamente surgiu aos homens da época como uma perspetiva que traduziria uma
rigidez excessiva do Direito Natural.
Portanto, não é justa a crítica que foi feita ao Direito Natural de que ele seria um Direito imóvel no tempo e
no espaço. Muito pelo contrário, teólogos que meditaram sobre o Direito Natural, vão afirmar que nele
podemos encontrar preceitos que impõem, preceitos que proíbem e preceitos que meramente aconselham ou
persuadem. Estes últimos, não seriam universais nem intemporais.
É necessário que a razão humana descubra preceitos que são particularmente valiosos. Como é que nós
conseguimos concretizar esta ideia de que há uma participação da lei eterna na criatura racional que lhe
permite distinguir o bem do mal, que é, no fundo, a visão tomista do Direito Natural?
o Preceitos Primários
Deus inscreve no coração do homem três tendências:
1)Tendência para viver em sociedade
O homem é um animal gregário, tem esse apetite social, mais do que os animais irracionais que vivem nesse
estado, como as formigas ou as abelhas
2)Tendência para a conservação do ser
3)Tendência para conhecer a verdade
São Tomás de Aquino não invalida a hipótese de outros pensadores puderem identificar outras tendências
inatas em nós. Contudo, estes preceitos, porque são imediatamente derivados das tendências que Deus
inscreveu no homem, que decorrem de forma evidente e irracionalmente para todos, em todas as épocas, em
todos os locais, diz-nos São Tomás de Aquino que são universais e intemporais.
o Preceitos Secundários
Aqui, operando a nossa razão, São Tomás de Aquino já admite a dúvida, admite que nalguns sistemas de
direito complexos, se possa entender que a regra é que o bem, mesmo assim, deve ser entregue ao seu
depositário, ou, então, a regra exatamente oposta, em que essa obrigação de entregar o bem cessa.
Admite, portanto, a variação dos preceitos secundários do Direito Natural.
Assim, falece a crítica ao Direito Natural medievo de que este seria um direito cristalizado no tempo e no
espaço, pois só os preceitos primários, aqueles que são evidentes para todos, é que se impõem universal e
intemporalmente. Os preceitos secundários do Direito Natural, que decorrem dos primários e estão mais longe
das tendências inatas em nós, admitem variação no tempo e no espaço.
o Preceitos Terciários
O Direito Natural é um corpo limitado e valioso de princípios, de regras, não serve para disciplinar da forma
mais concreta e mais precisa os comportamentos, pois esse é o papel do Direito positivo.
O Direito Natural funciona como padrão de validade, funciona, no fundo, como critério de aferição da justeza
do Direito que é criado positivamente. Isto é evidente para todos os homens deste período histórico.
O direito natural assenta em preceitos primários (auto evidentes, de fácil perceção que não
comportam, em momento algum, qualquer possibilidade de alteração: direito à vida), preceitos
secundários (exigem um esforço de raciocínio, por parte do homem comum, para os perceber, e,
como tal, admitem a possibilidade de alteração: usucapião) e preceitos terciários (exigem um
esforço adicional de raciocínio para os perceber, o que só esta ao alcance dos sábios. Admitem
também a possibilidade de alteração)
No direito divino, só́ os preceitos móveis (que correspondiam aos secundários e terciários do
direito. natural) admitiam a mudança, pelo que os preceitos imoveis (correspondentes aos
primários do direito natural) não admitiam alterações, pois tratavam-se de princípios de Deus
que impunham proibições ou comportamentos.
Quando o Rei cria a sua lei, ela não pode estar em desconformidade quer com a lei divina, quer com a lei
natural, uma lei que foi inscrita nos homens e que nos permite descobrir preceitos particularmente valiosos.
Como disse Álvaro Pais, nesse caso, não estamos perante lei, estamos perante corrupção de lei, que não deve
ser acatada, deve ser repudiada.
Tal como a violação de uma norma de Direito positivo só questiona a eficácia dessa norma, e não a sua
validade nem a sua vigência, da mesma forma acontece no Direito Natural, uma vez que também ele é Direito,
também ele se dirige a homens livres, que se podem conformar com as suas regras ou violá-las.
Confunde-se, portanto, o terreno da eficácia com o terreno da validade, que é próprio do Direito Natural.
Ora, se o Direito Natural é portanto este conjunto de regras que são Direito, que se impõem como observância
às normas criadas pelos homens através do pluralismo jurídico, o que é facto é que, neste período, não há
dúvida que se o Direito Natural não é observado pelas regras criadas pelos homens, nomeadamente, pela lei
criada pelo poder do Rei, então não seria direito, seria corrupção de lei.
Se o Direito Natural é, portanto, esta possibilidade que o homem tem de, partindo de tendências inatas,
descobrir preceitos que se impõem com particular vigor porque preenchem o conteúdo valioso do Direito,
assumindo-se como padrão de validade ao Direito positivo, como vimos à pouco, há uma pluralidade de
entendimentos que se cifra, desde logo, na questão de saber se o Direito Natural é algo próprio da razão ou do
instinto. O que é facto é que não se questionou a ideia de que o Direito Natural se funda em Deus.
No entanto, há pensadores deste período que vão recuperar a ideia de natureza, considerando que o Direito
Natural se fundava em natureza. Porém, também se entendia, em contradita, que a natureza era criada por
Deus. Portanto, para alguns autores a natureza seria a causa imediata do Direito Natural, enquanto que Deus
seria a sua causa mediata do mesmo. Esta nuance não é indiferente quando falamos do instituto da dispensa.
Será que alguém, designadamente, o Papa, como sendo representante de Deus na Terra, pode isentar alguém
da observância dos preceitos do Direito Natural, como depois questionaremos se o Rei pode isentar alguém
da observância dos preceitos da sua própria lei?
A resposta depende da conceção que se assumir a cerca da intervenção ou não do conceito de natureza na
origem do Direito Natural.
Aqueles que entendem que o Direito Natural se funda imediatamente na lei eterna, terão muito maior
facilidade em admitir o instituto da dispensa pelo Papa. Com efeito, só o Papa, perante um determinado caso
concreto que lhe fosse apresentado, poderia dispensar alguém da observância duma norma de direito natural
ou direito divino, e fazer aplicar outra. Porém, esse alguém não era qualquer cidadão, pois, apenas o monarca,
em certas situações que não pusessem em causa o bem comum, poderia pedir a dispensa das leis de direito
natural ou direito divino. A dispensa da lei poderia revestir duas formas: através da magna causa ou justa
causa, ou através da causa probabilis.
O estudo histórico do direito implica, assim, a consideração de uma ordem jurídica que ultrapassa os
governantes, de uma ordem superpositiva que se estende a todos. Por isso mesmo, não faltou quem, a propósito
do direito natural, o qualificasse como lei ou direito comum, o que se designará brevemente por direito supra
regna (primeira parte – Direito Canónico + Direito Romano), servindo as considerações registadas sobre a
Justiça, o direito divino e o direito natural como pano de fundo ou substrato comum. Referência ao direito das
gentes, sendo que este se situa entre dois planos, na medida em que é já direito humano, mas universal. Sendo
que constitui norma comum a todos os povos. O ius gentium era concebido como direito cos-tumeiro (o
costume da humanidade), posterior ao direito natural e anterior a toda e qualquer lei escrita. Se o dto natural
existe desde os primórdios do género humano, o direito das gentes aparece depois do pecado original e em
consequência dele.
O Direito Positivo Supra Regna, é um direito que podemos designar de supra-estatal, tomando a expressão
apenas com vista a comodidade expositiva e no sentido de algo que se encontra num plano superior e no
sentido de algo que se encontra num plano superior ao dos reinos ou áreas políticas diferenciadas então
existentes.
Assim, existem duas razões para se dizer que um direito é supra-estatal: a primeira tem a
ver com a ideia de ser superior ao Estado, ou seja, ao Rei, e a segunda tem a ver com a
ideia de não se aplicar a uma só nação.
Importa, antes de mais, fazer uma breve abordagem ao Direito das Gentes, defendido por alguns autores
como sendo também um direito supra-estatal, isto é, que estava acima da lei do reino.
O Direito das Gentes (Ius Gentium) regulava as relações entre os Estados, o que na idade média correspondia
às várias comunidades, sendo um direito de base costumeira.
Há quem defenda que este direito foi o embrião do direito internacional público e só começou a ter eficácia
no renascimento.
Porém, o estudo do direito positivo «supra regna» do período pluralista, na generalidade dos autores, incide
sobre o Direito Romano e o Direito Canónico.
Com efeito, normalmente o monarca enaltecia o Direito Romano, por ser anterior a ele, porém, controlava o
Direito Canónico, pelo facto deste ser elaborado pelo Papa, que era alguém vivo e atual.
De entre os ordenamentos jurídicos «supra regna» que se conhecem, o Direito canónico é o que merece maior
destaque.
O Direito Canónico pode ser genericamente apresentado como um conjunto de normas jurídicas relativas à
Igreja, que regulavam as relações da comunidade dos crentes com Deus e também a orgânica de
funcionamento da Igreja. Cânone significa regra ou norma, sendo que se opõe às normas que são leis civis ou
seculares, podiam ser decretos dos pontífices ou estatutos dos concílios (assembleias eclesiásticas).
Nós definimos fonte de Direito como sendo o modo de formação e de revelação de regras jurídicas. Esta
locução pode se fracionar em duas ideias, “formação” e “revelação” de regras jurídicas.
Quando pensamos nas fontes de Direito Canónico, elas têm um conteúdo formativo e criador, mas se
pensarmos nas compilações destas fontes, elas têm uma vertente de conhecimento e divulgação.
o Fontes Cognoscendi: modos de revelação, os conhecimentos dos momentos jurídicos de que consta o
direito
Conjunto de obras, que adiante se descreverão, que formam o Corpus Iuris Canonici.
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Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo I, 12º Edição, página 135 a 193
Fontes Essendi
Sagradas Escrituras
Aqui existem preceitos que são expressamente revelados por Deus, portanto, há uma conceção sagrada que
transcende a vontade dos homens.
o Antigo Testamento
Contém 3 tipos de normas/preceitos:
• Cerimoniais: dizem respeito ao culto
• Judiciais: dizem respeito à aplicação da justiça
• Morais: referem-se aos aspetos éticos
o Novo Testamento
Contém 3 tipos de normas/preceitos:
• Direito Divino: expressões diretas da vontade de Deus
• Direito Divino Apostólico: são normas de direito divino que advém da ação dos apóstolos
• Direito Apostólico: ditado pelos apóstolos na sua atividade evangelizadora e em virtude do seu poder
legislativo).
As Sagradas Escrituras correspondem os livros seguintes, de acordo com a fixação do Concílio de Trento: os
quatro Evangelhos; Atos do Apóstolos; catorze Epístolas de S. Paulo; duas Epístolas de S. Pedro; três Epístolas
de S. João; uma de S. Tiago; uma de S. Judas; o Apocalipse.
As disposições de Cristo valem para sempre, por isso já se tem dito que os Evangelhos constituem a lei
fundamental da Igreja.
A mensagem expressa nas Sagradas Escrituras não passa aos homens, à comunidade dos fiéis e à Igreja através
do contacto e da leitura direta com os textos sagrados. A iliteracia e o analfabetismo eram esmagadores.
Portanto, existem outras duas fontes de Direito que permitem transmitir a sua mensagem, a tradição e o
costume.
Tradição
Conhecimento translatício, escrito ou oral, de ato de autoridade, classifica-se de várias formas.
A tradição pode ser classificada de três formas:
• Inhesiva
A mensagem que se está a passar por tradição, o conhecimento que passa de geração em geração, escrito, oral,
é exatamente a mensagem que podemos encontrar nas Sagradas Escrituras, ou seja, está-se a transmitir
exatamente a mesma regra. É imediato encontrar a sua base essencial, o seu fundamento imediato, que são as
Sagradas Escrituras, e a tradição expressa exatamente a mensagem das mesmas.
• Constitutiva
O saber tradicional criou uma regra, que se assume como fonte de Direito Canónico, mas que não está nem
expressa nem implícita nas Sagradas Escrituras, porque apareceu depois.
Numa outra perspetiva reconduz-se a tradição às doutrinas que, estabelecidas primitivamente de viva voz,
foram conservadas e transmitidas por meios diversos dos Evangelhos.
Esta formulação assenta em duas considerações:
1) De sete Apóstolos não possuímos qualquer escrito, sendo certo terem fundado Igrejas, que se
mantiveram para além deles, conservando com a fé os respetivos ensinamentos
2) Haver o cristianismo sido estabelecido e divulgado pela prédica e de viva voz, transmitindo-se os seus
ensinamentos oralmente e de acordo com a prática respetiva – o que obriga a atender à maneira como
foram tradicionalmente observados.
Na pena de alguns autores um outro fator leva ainda ao respeito da tradição pela Igreja: só com recurso a ela
se pode estabelecer a integridade e autenticidade dos livros santos. Os livros dos padres são a fonte principal
da tradição, ou seja, cujas obras tenham sido por elas tidas como expressão de comunidade com a fé, pois só
assim tais autores poderão dar o testemunho.
Costume
Norma resultante dos usos da própria comunidade e acompanhada pela convicção de obrigatoriedade, vemo-
la a ocupar lugar importante desde os tempos da Igreja primitiva, em que assumiu o papel de modo de
suprimento de lacunas da legislação.
Pode ser dividido em 2 elementos: a prática reiterada e a convicção de que é juridicamente vinculativa ou
obrigatório atuar daquela forma.
Os grandes problemas do costume vão aparecer, sobretudo, depois do Renascimento do direito romano, nos
séculos XII e seguintes. É então que se porá a questão da articulação do costume com a lei, principalmente o
costume contra legem.
Segundo alguns pontífices, o costume estava subordinado à razão, à fé e à verdade, pois não prevalecia contra
elas. Não só a antiguidade e a racionalidade eram consideradas requisitos do costume, mas também a
consensualidade, isto é, a aceitação da comunidade.
Os canonistas vão exigir determinados requisitos para que o costume possa ser fonte de Direito Canónico.
• O costume tem de ser conforme à fé;
• O costume tem de impor a verdade;
• O costume tem de ser racional, conforme à razão;
• O costume tem de ser observado há tempo, tem de ter antiguidade. O prazo geralmente
apontado serão 10 ou 20 anos.
Decretos e Decretais
A necessidade de completar a Revelação com normas adaptadas aos tempos e às circunstâncias da Igreja,
levou naturalmente ao recurso à autoridade do sucessor, a quem Cristo confiou a Igreja, o Papa, para prover
conforme os casos.
Na Idade Média designaram-se correntemente “decretos” os textos normativos pontifícios, nome esse que
corresponde à terminologia latina epistola decretales, expressão bem evidenciadora da ideia de comunicação
retora e que, sendo utilizada para designar uma ordem ou decisão obrigatória, serviu também para referir o
texto respetivo.
• Decretos pontifícios.
Designavam um ditame pontifício por conselho dos cardeais, independentemente de qualquer consulta.
A terminologia decreta foi aplicada para designar os atos do papa por oposição aos estatutos conciliares.
A distinção entre decretal e decreto (Papa decidia por si só – criava decretos) terá́ entrado em ocaso por volta
do séc. XIII. O termo decretal passou então a designar genericamente a norma ou comando pontifício (Papa-
sequência de um pedido de resolução).
Conforme o âmbito, qualificou-se em: decretal geral ou especial. A primeira era dirigida à generalidade dos
fiéis, a segunda a um círculo delimitado ou mesmo a uma pessoa individual.
Segundo Graciano, como nem sempre os concílios estavam de acordo com o Papa, os decretos (decreta) eram atos
do Papa para formalizar a oposição aos estatutos conciliares, quando estes não eram coincidentes com as suas
ideias.
Graciano na obra “Glosa ao Decretum Gratiani” distingue decretos de decretais, alegando que os primeiros são
normas que o Papa determina por conselho dos cardeais sem que qualquer questão lhe tenha sido colocada, para
se opor aos estatutos conciliares discordantes, enquanto que os segundos (decretais) são normas que o Papa
determina sozinho ou com os cardeais para uma questão que lhe tenha sido colocada, destinada à generalidade dos
fieis (Decretal Geral), ou a um circulo limitado de fieis (Decretal Especial).
Temos aqui a única fonte cognoescendi de Direito Canónico, o Corpus Iuris Canonicis, que integra várias
obras, das quais se destaca As Cinco Compilações Antigas, que atestam, designadamente, a penetração do
Direito Canónico em Portugal. Conjunto de obras que integra o Corpus Iuris Canonicis:
• O “Decreto de Graciano”, de 1140, da autoria do monge Graciano.
• As “Decretais devidas ao Papa Gregório IX”, de 1234, compostas por cinco livros.
• O sexto livro das “Decretais”, que, no fundo, congrega decretais posteriores a 1234 e que foram
promulgadas pelo Papa Bonifácio VIII.
• O sétimo livro das Decretais, de 1313, também chamadas “Clementinas”, porque são devidas ao Papa
Clemente XV. Recolhem decretais subsequentes à publicação do sexto livro.
• As “Extravagantes de João XXII” e as “Extravagantes Comuns”.
A legislação pontifícia, a legislação concilia e as obras compilatórias que elas integram, vão ser objeto de
trabalho e de estudo pela doutrina canonista. Portanto, a doutrina, neste período, também será fonte imediata
de Direito, integrando o grupo das fontes essendi de Direito Canónico.
Existem Concílios ecuménicos, realizados à escala mundial, como foi o caso do Concílio de Trento, que
firma a reação da Igreja face à propagação das ideias protestantes, e existem também Concílios à escala
nacional ou local. As regras que emanam de um Concílio, chamam-se cânones.
Uma das separações possíveis entre os doutrinadores do Direito Canónico é entre aqueles que afirmam a
superioridade do Concílio face ao poder do Papa, os conciliaristas, e aqueles que, pelo contrário, entendem
que o Papa, como representante de Deus, tem um poder superior Concílio, serão estes os curialistas.
Foi-se fixando, pouco a pouco, como conteúdo do significante o de assembleia eclesiástica regularmente
convocada e presidida para deliberar sobre assuntos religiosos. Estes eram de convocatória pontifícia, embora
na Antiguidade Clássica os imperadores se tivessem arrogado tal direito, convocando essas assembleias, assim
como aconteceu no Oriente.
Todavia, foi através do Concilio de Constança que se colocou termo ao cisma do Ocidente, que tinha divido
a Igreja entre dois papas (o de Roma e o de Avinhão), primeiro e depois em três.
Membros dos concílios são os bispos, os cardeais, os gerais das ordens religiosas e os abades isentos. A
ecumenicidade do concílio derivava do facto do papa ter convocado todos quantos têm assento no concílio
Doutrina
As opiniões dos jurisconsultos canonisticos podiam resolver casos da vida. Portanto, a doutrina e as suas
opiniões, também preenche o pluralismo medievo e a pluralidade de fontes do Direito Canónico, como fonte
de Direito medieval.
A doutrina vai estudar e criar o Direito Canónico e as opiniões dos canonistas também vão permitir resolver
casos da vida. O Direito Canónico precisa, no entanto, de um Direito tecnicamente aperfeiçoado para criar as
suas próprias soluções, como o Direito Romano.
A doutrina canonista era particularmente conhecedora do Direito Romano, um jurista canonista era também
um civilista, portanto, criava o Direito Canónico com base no Direito Romano. Assim, a partir do século XII,
é possível separarmos a doutrina canonista em Escola dos Glosadores e Escola dos Comentadores.
Corresponde à opinião e atividade dos juristas, foi através desta que se fez a ponte entre o direito laico e o
direito canónico. O “Utrumque Ius” é um ordenamento criado pelos juristas e é o resultado da resolução
das contradições e da própria rivalidade entre a lei civil e a canónica por via da formação dos próprios
juristas que eram simultaneamente doutores nos dois direitos (in utroque)
Concórdias e Concordatas
As concórdias distinguem-se das concordatas porque as primeiras são acordos celebrados entre o Rei e o Clero
nacionais, enquanto que as segundas são acordos entre o Rei e a Santa Sé, representada pelo Papa, ou seja,
acordos de carácter internacional, que tinham como objetivo principal, o de estabelecer os direitos e as
obrigações de cada uma das partes envolvidas.
Um largo passo em direção à certeza do direito foi dado, no segundo quartel do século XII, com a elaboração
de um dos mais significativos monumentos jurídicos da história do direito: conhecido por
Decretum/Concordia Discordantium Canonum, tendo sido elaborado por Graciano.
O Decreto corresponde a um longo texto, sendo que formalmente corresponde a uma sistemática tripartida:
1) Ministeria: versa as fontes de direito, a doutrina das pessoas eclesiásticas.
2) Negotia: abrange a disciplina das ações e o processo judicial, o regime dos bens eclesiásticos, a
regulamentação do matrimónio.
3) A terceira trata dos sacramentos e da liturgia.
Naquilo que veio a ser chamado de Corpus iuris Canonici, a primeira coletânea de textos é constituída pela
obra de Graciano.
Na elaboração do Decreto, que segundo os seus estudos eram discordantes, Graciano recorreu a quatro
critérios ou processos de realizar a concordância:
• Ratione Significations: a concórdia realizava-se com o recurso ao espírito das normas em presença
• Ratione Temporis: determinando-se o tempo de cada norma em presença, com aplicação do princípio
de revocação da norma anterior pela posterior
• Ratione Loci: evidenciando o originário âmbito territorial das normas, a norma particular derrogaria
a geral
• Ratione Dispensationis: demonstrada a exceção de uma norma em relação a outra, a conciliação far-
se-ia por recurso à relação lógica espécie-género, sem se atender a outras razões.
Para além desta obra, também os cinco livros de Gregório IX (1243), ao qual se adicionou o sexto no tempo
de Bonifácio VIII; assim como as Clementinas ou Sétimo, criadas por Clemente V (1313) e as Extravagantes
de João XXII (recolha de decretais que andavam dispersas), surgiu o Corpus Iuris Canonici.
No sec. XVI, todas estas obras foram integradas, por Dionisio Godofredo, numa única obra que designou por
Corpus Iuris Canonici.
O direito canónico penetrou e foi recebido na Península Ibérica desde os seus alvores.
Situando-nos apenas nos tempos imediatamente anteriores à fundação da nacionalidade, pode-se assinalar
mais do que um documento em que se refere o direito canónico na fase pré-gracianeia, como são exemplos:
numa doação de D. Maurício, bispo de Coimbra, ao presbítero Afonso estatui-se que o objeto da doação não
será retirado ao beneficiado se não atuar com culpa pela qual segundo os cânones deve perdê-la; numa carta
de couto outorgada pelo conde D. Henrique aos 31 de março de 1108, contém-se alusão aos “decretos dos
santos cânones sobre as ordens eclesiásticas e as liberdades das igrejas”.
Posteriores à fundação da nacionalidade e, por isso, já da fase gracianeia, são outros instrumentos ou
referências mortis causa a coleções de Decretais que procederam as Decretais de Gregório IX. Deste modo,
multiplicaram-se os atos e documentos medievais as alusões aos livros de direito canónico.
A penetração do direito canónico era tal que nas cortes ou cúria alargada de 1211 houve necessidade de
hierarquizá-lo em relação ao direito do rei. A ordenação estabeleceu-se, segundo o entendimento geral, com
prevalência daquele. Estava-se perante um reconhecimento de supremacia eclesiástica, traduzida na
superioridade das normas jurídicas da Igreja sobre os vários monarcas.
Contudo, a penetração do direito canónico não se processou sem resistência. Esta evidenciou-se à medida em
que o poder dos monarcas aumenta pela consolidação.
o Beneplácito Régio
Criado por D. Pedro I, instituindo que as regras apostólicas só seriam publicadas se fossem aprovadas pelo
Rei. Face à contestação do clero, D. Pedro I iludiu-os, argumentando que beneplácito régio se destinava a
garantir a autenticidade dos textos canónicos e a evitar a entrada de letras apostólicas falsas. Portanto, seria o
interesse da Igreja que o Rei tentava salvaguardar, ao garantir a autenticidade dos textos canónicos e a evitar
a entrada de letras apostólicas falsas.
o Anti-clericalismo da população
Os clérigos abusavam de certas situações, através de coacção exercida sobre doentes terminais, para obter os
bens destes.
o Doutrinas Heréticas
Doutrina Franciscana, que professava a pobreza e lutando contra o enriquecimento da igreja à custa da
população
Averroismo, que professava uma heresia radical, que defendia que toda a humanidade tinha sido enganada
pelos Deuses.
Não obstante todas as restrições, o direito canónico foi aplicado em Portugal. Não apenas nos tribunais civis
ou seculares, mas também em tribunais eclesiásticos. Paralelamente com a organização judiciária civil existiu
uma organização judiciária eclesiástica, ou seja, de tribunais da Igreja.
Estes conheciam as causas em função da matéria ou em função da pessoa. Os critérios utilizados para justificar
a intervenção dos tribunais da Igreja são o critério da pessoa e o critério da matéria:
o Critério da Matéria
O critério da matéria diz-nos que certas matérias devem ser obrigatoriamente julgadas nos tribunais da
Igreja, aquelas matérias que são do foro espiritual.
Por consequência, num período de marcada sacralidade, tudo tinha uma conotação espiritual e, por isso, tudo
devia ser julgado pela Igreja. Isto levou os nossos monarcas a atuarem, através de atos legislativos que criaram,
para restringirem a abrangência da atuação dos tribunais da Igreja à luz deste critério da matéria.
Há legislação dos nossos monarcas que vai proibir a aposição de cláusulas de juramento em contratos que
seriam puramente civis, para que a aposição dessas cláusulas não pudesse justificar a intervenção da Igreja,
mas sim da jurisdição civil.
o Critério da Pessoa
Porém, os tribunais da Igreja também julgam de acordo com o critério da pessoa, em que certas pessoas devem
ser julgadas nos tribunais. São elas, por exemplo, os membros do clero.
Os nossos monarcas também vão criar legislação para limitarem esta competência da Igreja, criando a regra
do foro do réu. Esta regra diz que se uma das partes for membro do clero, então deve-se seguir o foro do réu
e deve ser o tribunal da Igreja a julgar o caso. Contudo, se o réu for laico, se não pertencer à Igreja, o caso
deve ser julgado num tribunal do Rei.
Porém, há certas pessoas que têm privilégio de foro, ou seja, podem ser julgadas nos tribunais da Igreja, se
não decidirem em sentido contrário. Essas são as pessoas miseráveis, as viúvas e os órfãos. Os professores e
os estudantes universitários também tinham este privilégio de foro, uma vez que o ensino estava
essencialmente concentrado nas igrejas e nos mosteiros.
O costume gradualmente desenvolvido de que o clero não podia ser levado perante um tribunal civil foi
reconhecido oficialmente pelo imperador Justiniano, que o consagrou como privilégio.
Nos tribunais civis o direito canónico aplicou-se também, primeiramente, como direito preferencial. Seria o
próprio monarca que assim o determinaria.
Com efeito na cúria de Coimbra de 1211, decidiu D. Afonso II que as suas leis não valessem se feitas ou
estabelecidas contra os direitos da Santa Igreja de Roma.
É certo que este passo sofreu interpretação restritiva por parte do prof. Braga Professor Braga da Cruz
da Cruz, tendo escrito: “Cremos que se tem exagerado o significado da lei, afirma que aquilo que
quando se pretende ver nela uma total subordinação da vigência das leis pátrias Afonso II terá dito não foi
ao requisito da sua concordância com o direito canónico, embora seja fora de uma hierarquização de
dúvida que os canonistas pretenderam difundir e fazer valer a doutrina da direitos para aplicar no seu
subordinação total das leis civis às leis canónicas. Repare-se que a referida lei tribunal em caso de
de D. Afonso II não fala do direito da Santa Igreja, mas dos direitos da Santa potencial conflito entre
Igreja de Roma”, o que pode querer significar apenas, as suas regalias e fontes. Aquilo que o Rei
privilégios. A ser assim, as leis pátrias só não valeriam contra os cânones que quis dizer foi que o Direito
estabelecem especiais privilégios em favor da Igreja; mas nada obstaria à sua Régio não poderá atentar
aplicação, de preferência ao direito canónico, nos caos de mera diversidade de contra os direitos dos
regulamentações dada pelos dois direitos a problemas jurídicos idênticos. membros da Igreja.
O que é facto é que, sem prejuízo desta opinião isolada do Professor Braga da Cruz, à medida que avançamos
no primeiro período da História do Direito Português, a lei de Afonso II perde eficácia, o Rei vai consolidando
o seu poder e assumindo maior distanciamento face à autoridade da Igreja e do Papa, pelo que, a tendência
nos tribunais do Rei vai ser para nas questões civis, o Direito Canónico ser relegado para uma posição
subsidiária ou secundária, caso haja uma lei régia ou, sobretudo, uma norma de Direito Romano aplicável à
situação. Contudo, existe ainda aqui o critério do pecado, que nos diz que se nos tribunais do Rei a aplicação
de uma lei régia ou de uma norma do Direito Romano redundar em pecado, então não se deve aplicar essa
norma, mas sim a norma do Direito Canónico.
O conceito de costume na Idade Média e no período pluralista era diferente do conceito atual de costume. Há
duas aceções:
o O costume era entendido como sendo direito não escrito, opondo-se ao direito escrito (direito foraleiro,
direito romano, direito visigótico, direito canónico e direito castelhano).
o O costume é uma prática social reiterada com convicção de obrigatoriedade, ou seja, traduz-se na
repetição habitual de uma conduta havida por juridicamente vinculante. Integra dois elementos:
• Elemento objetivo (o uso; a prática reiterada; a observância da conduta)
• Elemento subjetivo (a convicção de que é juridicamente vinculante atuar daquela forma; a
ideia generalizada do caráter obrigatório da regra).
Neste período, o costume é indiscutivelmente a principal fonte de direito, surgindo como a mais antiga delas.
Para tal contribuiu:
• A insuficiência da lei e o facto de ela ser bastante lacunosa.
• Os nossos reis estão, essencialmente, voltados para outros assuntos e, por isso, não existia um aparelho
de autoridade, administrativo ou burocrático, relativamente forte e desenvolvido.
• A impossibilidade de se aplicar um Direito tecnicamente aperfeiçoado.
Só́ adquiriu mesmo pujança onde não existia um aparelho de autoridade, administrativo ou burocrático.
O costume era na origem, um processo de formação jurídica oral, ou seja, surgia com o caráter infixo ou
flutuante, com a fluidez de tudo quanto é meramente verbal. Por isso, era preciso prová-lo e, para evitar
incertezas que decorriam do próprio processo de revelação do costume, se procurou, muitas vezes, fixá-lo por
escrito.
A redução dos costumes a escrito feita com índole meramente privada não lhes retirava caraterísticas
especificas. Na medida, porém, em que se tratava de consagrar o costume através de outra fonte perdia ele a
sua idiossincrasia para se diluir em norma diversa, pelo menos quanto à obrigatoriedade.
Se o costume, à medida em que vai sendo acolhido noutras fontes, perdia o caráter específico para assumir,
total ou parcialmente, a feição destas quanto à obrigatoriedade, foi também, não obstante, adquirindo
generalização crescente. Por um lado, resultou isso da comunidade de costumes decorrente das famílias de
forais e estatutos. Por outro lado, do âmbito da aplicação mais ampla das fontes de absorção, como a lei. Ao
dizer-se que o costume vai adquirindo generalização crescente de forma alguma se pretendia contestar que ele
mantinha, não obstante e em larga medida, caráter restrito ou particular.
Para se ser fonte de direito, não basta a existência de costume. A doutrina apontou determinados requisitos
para que o costume pudesse valer como fonte de direito:
Antiguidade: o tempo necessário, apontado pela doutrina, para que o costume possa ser observado e seja
suscetível de resolver casos da vida, é 10 anos se for invocado contra pessoa presentes e 20 anos se for
invocado contra pessoas ausentes.
• Acúrsio e Baldo diziam indispensáveis dois atos, mas postulavam, com alguma contradição, a
frequência destes;
• Bártolo e Sequazes, por seu turno, deixavam a questão ao arbítrio do juiz.
• Os glosadores entendiam que, além do número de atos, em matéria cível se devia levar em
consideração o transcurso do tempo, isto, é antiguidade.
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Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo I, 12º Edição, página 239 a 258
Consensualidade: o costume tinha de ter o consenso da comunidade e do legislador, o que, à época, era
uma e a mesma pessoa, na medida em que era a comunidade quem introduzia o costume, logo, requeria-se o
consentimento da maioria. O consensus communitais e o consensus legislatoris podiam coincidir, quando à
comunidade pertencesse a potestas legis condendae.
Conformidade com o direito divino: o costume tinha de estar em conformidade com a lei de Deus, a qual
ajustava a ideia de direito natural à utilidade pública, que, na época medieval, correspondia à salvação da
alma.
O costume pode ser introduzido pela comunidade, mas também pode ser introduzido pelo próprio tribunal,
que vai criar as próprias regras. Questão interessante é a relação entre o costume e o direito judicial, ou seja,
a ação criativa do direito pelos tribunais quando se deparam com o caso concreto, a forma como aplicam o
costume nos tribunais.
Costume Judiciário
Naturalmente, se não há lei em abundância, os tribunais não podem deixar de resolver os casos da vida, têm
de os resolver de alguma maneira.
Assim, o tribunal pode criar as suas próprias regras de organização e funcionamento, como por exemplo,
quantas testemunhas é que vão ser ouvidas, como é que as partes se comportam perante o tribunal, se devem
comportar-se através de um documento escrito ou oralmente, entre outras. Resumindo, o tribunal pode criar
regras de conteúdo processual. Além disso, também pode criar regras em matéria de Direito substantivo,
passíveis de resolver os casos da vida.
Reportando-se às sentenças judiciais do primeiro período da monarquia, o Professor Guilherme Braga da Cruz
afirmou que elas apenas dificilmente podiam ser olhadas como fonte jurídica de caráter autónomo.
“Na verdade essas sentenças (da cúria régia, dos tribunais municipais e dos tribunais arbitrais), apesar do peso
que possuíam no estabelecimento de correntes jurisprudenciais e de se revestirem, por vezes de força
vinculativa para a decisão de casos similares, eram sempre tidas e havidas, tão somente, como uma definição
autorizada de costumes anteriormente vigentes e não como um modo autónomo de criar direito novo.”
Enquanto que o costume é introduzido pela comunidade, ou seja, há uma prática reiterada da comunidade, o
estilo resulta de um determinado pretório (juiz), ou seja, é uma prática reiterada dos tribunais que são
chamados a resolver casos da vida, criando preceitos de Direito Processual e de Direito substantivo.
O estilo também é designado pelo costume em casa del rei na cúria régia.
A doutrina discutiu quais seriam os requisitos do estilo e concluiu que são a racionalidade, a conformidade ao
direito suprapositivo (direito natural) e a pluralidade.
A doutrina dominante entende que só o estilo de um tribunal superior é que era vinculativo, sendo o de um
tribunal inferior meramente indicativo.
Façanhas
A façanha também é direito judicial, mas não é costume, não é uma prática reiterada com convicção de
obrigatoriedade, nem é costume judiciário, não é prática reiterada dos tribunais.
A façanha é um julgamento sobre uma ação fora do comum, que fica como padrão
normativo para o futuro. Eram decisões de tal forma complexas que se entendia
que deveriam passar a funcionar como um padrão de referência para o futuro
(regra do precedente britânico).
Imaginemos que estamos perante um facto particularmente excecional, um crime particularmente hediondo
ou uma ação que tem contornos particularmente marcantes.
O juízo sobre essa ação notável funcionará como padrão normativo, se surgir outra ação no futuro com
contornos semelhantes.
De acordo com a opinião colidida de grandes historiadores de Direito, a façanha é direito judicial e é um
julgamento por exemplos. Porque é que este julgamento funciona para casos futuros? Existem 3 opiniões
diferentes.
o Porque o juiz que julgou é particularmente notável e, portanto, a notoriedade advém essencialmente
do julgador.
o Porque suscitou uma forte discussão no tribunal acerca da via de solução que devia ser adotada e,
portanto, essa querela justifica a notoriedade deste primeiro julgamento.
o Porque o próprio caso é particularmente excecional.
Por uma ou por outra destas razões, este julgamento funciona como precedente ou como exemplo para um
caso futuro que seja semelhante.
A façanha foi entendida desta forma, até à opinião de José Anastácio de Figueiredo.
Este vem defender que a façanha é de facto um julgamento por exemplos e funciona como padrão normativo
para o futuro, por ser uma decisão régia e por só se aplicar a casos duvidosos ou omissos na legislação pátria,
À semelhança do estilo, a doutrina dominante entende que só a façanha de um tribunal superior é que era
vinculativa, sendo a de um tribunal inferior meramente indicativa.
São decisões de tribunais arbitrais. As partes designam livremente juízes árbitros, que julgam no âmbito dos
poderes que por elas são conferidos. Eles são escolhidos, em regra, para resolver questões céleres,
normalmente, relativas à atividade mercantil ou marítima.
As decisões dos juízes alvedrios sustentavam-se no costume e poderiam ser aplicadas futuramente por outros
juízes, já que os juízes alvedrios eram pessoas com grandes conhecimentos nas áreas para as quais eram
chamados a proferir decisões.
Da decisão destes juízes alvedrios, havia a possibilidade de recurso para os tribunais superiores,
nomeadamente, para a Cúria Régia, o que significa que a justiça ficava feita em primeira instância.
O direito legislado é aquele que é produto da vontade humana e está positivado, isto é, escrito. É o
direito elaborado pelo poder político, e situa-se nos séculos XI, XII e XIII.
Deve-se aludir ao direito dos povos que se estabeleceram na Península Ibérica e sobrelevam, pela
importância que tiveram no nosso direito, o direito romano e os, por vezes, impropriamente chamados
direitos germânicos.
Entre as leis germânicas mais notáveis destacam-se a Lei Salica, dos Francos Sálios (séc.V), a Lex
Riburia, dos Francos Riburiários, as leis lombardas, de que a mais antiga é o Edicto de Rothario (643)
e em que se salientam as Leis de Liutprando, entre outras.
Menção especial cabe às leis dos Visigodos, povo que dominou a Península durante séculos e cujo
Império apenas terminou com as invasões muçulmanas.
Aos Visigodos se ficaram a dever alguns famosos monumentos jurídicos. Os mais importantes,
considerados do prisma cronológico são:
o Código Leovigildo
O terceiro momento jurídico que integra este acervo normativo de Códigos criados pelos godos.
o Código Visigótico
Também denominado por Liber Iudiciorum ou Iudicum, entre outros, foi publicado em 654 pelo rei
Recesvindo, após a correção, ao que se supõe de S. Bráulio, e com aprovação do VIII Concílio de
Toledo (633).
Este código representava, de certa forma, o termo da evolução legislativa do reino visigodo, contudo
é o último momento jurídico dos godos.
Depois de Recesvindo, Ervígio (680-687), no segundo ano do seu reinado, submeteu o Codex
Visighoticus a uma revisão oficial de que foi encarregue o XIII Concílio de Toledo.
O texto, assim fixado, era conhecido por Forma ou Fórmula Ervigiana e encontra-se distribuído por
12 livros, que se repartem em títulos e estes em leis.
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Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo I, 12º Edição, página 193 a 222
O Código Visigótico surge como “transição entre as fórmulas e o rigorismo do direito romano e os
costumes próprios do povo godo”, consagrando “o triunfo legal do povo romano e a cultura latina-
eclesiástica”.
O Código Visigótico teve vigente no início da monarquia portuguesa, mas acaba por se ir esbatendo
progressivamente. Efetivamente, o Código foi citado em alguns documentos portugueses do século
XII, nos mesmos termos em que o vinha sendo anteriormente nos documentos leoneses; mas no século
XIII, essas citações desapareceram e o próprio fenómeno do renascimento do Código Visigótico
operado em Castela através da sua tradução para romance (Fuero Juzgo) já não tem repercussões
visíveis em Portugal.
Durante o tempo da reconquista cristã, antes da ascensão de Portugal à categoria de reino independente,
existem vários testemunhos da presença do Código Visigótico entre nós.
Nalguns casos, a referência constante dessas fontes do Código Visigótico são fórmulas repetidas e
copiadas, noutros casos tratam-se de transcrições de passagens relevantes do Código, o que demonstra
que ele era conhecido e aplicado no nosso país na época.
Contudo, a partir do século XII deixam de ser tão evidentes os testemunhos do Código Visigótico.
O Código Visigótico é fortemente influenciado pelo Direito Romano e, em Portugal, começa-se a
discutir a partir do século XII a aplicação do Direito Romano Justinianeu, sendo que a partir do século
XIII ele já é diretamente aplicado e já é fonte de Direito entre nós. Assim, como temos acesso à fonte
de Direito Romano direta, os juristas acabam por fazer entrar em desuso a aplicação do Código
Visigótico, que é Direito Romano vulgarizado.
A vigência do Código em território português durante o séc. XII deve ser entendida
restritivamente. Por um lado, é sabido que as populações cristãs sob domínio muçulmano
continuaram, à semelhança das que não caíram sobe o jugo dos invasores, a reger-se pelo
Código Visigótico nos séculos da reconquista antecedentes da fundação da nacionalidade
portuguesa. Por outro lado, conhecem-se numerosos documentos do séc. XII respeitantes
ao território português em que o Código Visigótico continua sendo invocado, o que
comprava ter havido continuidade. Só a partir do séc. XIII, e em concomitância com o
progressivo crescimento da legislação nacional e com a “redescoberta” do direito
justinianeu, as menções ao Código Visigótico principiam a desaparecer.
Há, de facto, no século XII, testemunhos da aplicação deste último esforço legislativo dos godos entre
nós.
O maior exemplo disso é uma lei de Afonso II, o primeiro rei legislador português, que na Cúria de
Coimbra, em 1211, criou um conjunto alargado de leis.
Uma dessas leis tem por objeto a proibição de uma legislação, de uns decretos, de um membro da
Igreja, Soeiro Gomes, que é Prior dos dominicanos. Hoje não é conhecido o conteúdo destes decretos,
Além disto, Afonso II faz apelo a uma lei do Código pelo qual se regem os fidalgos em Portugal. Os
historiadores do Direito têm dado nota que este Código, onde estava inscrita essa lei, é o Código
Visigótico.
Ao mesmo tempo, se olharmos para as Ordenações Afonsinas, veremos que há inúmeras leis
constantes no Código Afonsino, que são transcritas do Código Visigótico de uma forma quase integral.
Isto significa, de facto, que ainda no século II, o Código Visigótico ainda é conhecido com grande
latitude e ainda é aplicado de forma bastante expressiva no nosso país.
Depois vai perdendo importância, porque entra em rivalidade com o Direito Romano, que é
tecnicamente mais aperfeiçoado e que acaba por prevalecer.
o Leis de Leão, datam do reinado de Afonso V de Leão (1017) e vieram a fazer parte do chamado
Fuero de Leon ou Forum Legionensis.
Parte dos decretos da assembleia de Leão foram inseridos num cartulário bracarense - o Liber Fidei.
Suscitam-se dúvidas quanto à classificação das assembleias em que as normas em causa foram
elaboradas, isto é, quanto à natureza do órgão promanante.
Os historiadores falam em Cúria de Leão e Concílios de Coiança e Oviedo.
A verdade, porém, é que a distinção se afigura algum tanto artificial, pois quer os concílios, reuniões
eminentemente eclesiásticas, contavam com a colaboração de laicos, quer as cúrias, congregações
políticas não religiosas, com a intervenção de membros do clero; a isto acresce que umas e outras
assembleias legislavam em ambas as matérias da Igreja e Civil.
Na idade Média foram traduzidos para português vários textos de direito castelhano. Referem-se, de
hábito, a Suma ou Flores del Derecho, Suma ou Flores de las Leyes, e os Nueve Tiempos del Juicio
(tempo dos preitos), da autoria de Jacobo. Para além destas, também se traduziu o Fuero Real e as
Partidas (Sete Partidas) obras tradicionalmente imputadas a Afono X.
o Fuero Real
Criado entre 1252 e 1255, tem um carácter eminentemente localista e foi aplicado a todas as cidades
que não tinham um foral, ou para integrar lacunas do direito local, tendo, portanto, um carácter
subsidiário.
o Partidas
Criadas aproximadamente em 1256, 1263 ou 1265, por um grupo de juristas da corte de Afonso X de
Castela, e crê-se que foram aplicadas oficialmente em Portugal, pois existem partes copiadas desta
obra nas Ordenações Afonsinas
No quadro das fontes de direito relativas ao período medieval, as leis gerais começam por ocupar um
papel modesto. Conhecem-se poucos diplomas contendo normas gerais e abstratas de imposição
coativa. A lei aparece denominada variamente neste período, como decreto ou degredo, de ordenação,
de carta, de postura, de encouto, de constituição...
Do tempo de D. Afonso Henriques resta apenas a memória de uma lei sobre as barregãs (Dispõe sobre
a barrigania, ou seja, sobre as mulheres dos clérigos, as barregãs ou também designadas de concubinas.
D. Afonso Henriques, com essa lei, determinou que as barregãs dos clérigos fossem presas) e do de
Sancho I conhece-se comente uma provisão.
Todavia, aos poucos foi-se processando crescente atividade legislativa dos nossos monarcas.
Iniciou-se a marcha lenta, mas segura, para monopolização do direito positivo pelo príncipe. A função
legislativa, o poder legislativo, torna-se do rei. Decerto, ela será também exercida na cúria/conselho
régio e ou pelas cortes juntamente com o rei. As cortes e, por vezes, os municípios e outras formas de
organização política conseguirão delimitar relativamente a esfera de competência legislativa dos
soberanos em razão da matéria.
Em alguns casos, o rei não pode alterar ou revogar unilateralmente as leis. O seu poder legislativo
estava subordinado aos preceitos das outras ordens jurídicas, a começar pelo direito divino e pelo
direito natural.
De qualquer forma, porém, tornou-se cada vez mais acentuada a propensão para referir o monarca
como centro legislativo por excelência. Por outro lado, este na luta pela supremacia e pela
superioridade jurídico-política da Coroa, vai assumindo e reclamando para si o monopólio legislativo
e o papel de árbitro entre as diversas ordens jurídicas em presença.
Em verdade, e no que toca à escassez, para além das duas leis já citadas, até D. Afonso III apenas se
dispôs da produção legislativa de D. Afonso II, pois de D. Sancho II não há vestígios de quaisquer leis.
E se a D. Afonso II cabe a Glória de ter sido verdadeiramente o primeiro rei legislador português – é
notável, considerada em termos relativos aos seus predecessores, a sua elaboração normativa,
sobretudo na Cúria de Coimbra de 1211.
Relativamente à época posterior a D. Dinis, a penetração do direito justinianeu e seu reflexo na
legislação nacional acentuou-se naturalmente, dada a fundação por este monarca do Estudo Geral, em
cujo currículo o direito romano figurava. A intensificação da função legislativa levou à compilação
das respetivas normas.
Existiram coleções de leis, das quais apenas se possui, redigido no período até 1415, o Livro das Leis
e Posturas, onde se contêm as leis de D. Afonso II a D. Afonso IV, bem como uma referida apenas
como do Infante D. Pedro. Outras compilações contendo leis destes e outros monarcas, como as
chamadas Ordenações de D. Duarte e as Ordenações Afonsinas são já posteriores a 1415.
Neste Código consignou-se a lei do direito, isto é, simultaneamente posta pelo rei e comum a todos os
seus sujeitos, como prevalecente a qualquer outra fonte do direito.
Mas geralmente a publicação das leis e de quaisquer ordens do soberano estava a cargo dos tabeliães,
que, depois de as registarem nos seus livros, as deviam ler no tribunal do concelho, ordinariamente
uma vez por semana, durante um certo período que chegava não raro até um ano. Além disso,
Relativamente à aplicação da lei no espaço, deve-se considerar que nem todas eram de âmbito geral.
Ao lado das normas aplicáveis à escola do país e dimanadas do poder central – isto é, do rei, só ou em
cortes -, outras existiam igualmente dele oriundas, mas de aplicação geográfica restrita. Para além
delas, existiam ainda preceitos cogente (que coage) estatuídos pelas comunidades inferiores, como os
concelhos, e a tais comunidades restritas.
A aplicação da lei no tempo desdobra-se em dois aspetos:
• Sua entrada em vigor;
• Aplicabilidade retroativa.
De facto, não basta saber qual a entrada em vigor de uma lei. É imprescindível determinar se se aplica
a factos em curso à data de início da vigência ou a situações ou consequências jurídicas fixadas com
base em factos produzidos à sombra do direito anterior.
D. Duarte, então infante, estabelecerá que a lei devia ser interpretada de acordo com a sua letra e
recto espírito, pois condenava o que se afastassem daquela alterando enganosamente o seu espírito.
Há a salientar que neste período pluralista algumas leis não eram muito claras e, por isso, levantavam
dúvidas quanto à sua aplicação. Porém, quando tal ocorria, o monarca elaborava uma segunda lei,
denominada de lei declaratória, que esclarecia o sentido da primeira lei.
Direito Outorgado: é aquele que resulta da outorga da concessão de algo, de normas, através de um ato
oficial.
Direito Pactuado: pressupõe um acordo entre duas partes, um encontro de vontades, celebrando-se um pacto
jurídico entre quem elabora as normas ou regras e quem as recebe para as aplicar. Deste resultam direitos e
deveres para ambas as partes.
Cartas de Privilégio
Aceção ampla: a carta de privilégio é um documento que estatui prerrogativas, liberdades, direitos, regalias,
franquias, isenções e privilégios de qualquer ordem. Nesta integram-se cartas de doação, cartas de franquia,
entre outras.
Aceção estrita: a carta de privilégio é um documento que estatui o regime jurídico específico de uma
determinada povoação. É este o sentido que vamos assumir.
Cartas de Povoação
Percebe-se que neste tempo histórico recuado, durante o período da Reconquista, que antecede a formação da
nacionalidade, houvesse a necessidade de atrair população para zonas escassamente povoadas ou mesmo
despovoadas. Assim, uma das formas de garantir a proteção das terras recentemente conquistadas, era atraindo
população para estas terras e é esse o papel das Cartas de Povoação.
Esta carta praticamente restringe o seu conteúdo às condições de assentamento na terra, definindo os estatutos
dos futuros colonos e as condições de exploração da terra, tanto prestações patrimoniais – o tipo de tributos
que os colonos devem pagar aos senhores – como prestações pessoais. Definia-se também a forma como eles
poderiam explorar aquela terra e que direitos lhes estariam garantidos.
A questão que se coloca é saber se estes documentos que, em regra, eram outorgados pelos senhores das terras,
têm ou não uma natureza pactícia / contratual.
Alguns autores pensam que estas cartas são contratos agrários coletivos, como foi o caso de Eduardo de
Hinojosa e Martínez Marina. No entanto, esta natureza contratual foi posta em crise por grandes nomes da
doutrina espanhola, designadamente, Tomás y Valienti, que não considera que estes documentos tenham uma
natureza pactícia ou contratual, mas sim um conteúdo normativo.
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Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo I, 12º Edição, página 227 a 237
Se é verdade que estas cartas são outorgadas pelos senhores, isto não significa que a natureza pactícia
desaparece pelo facto de não existir liberdade de estipulação por parte dos colonos.
Estes são contratos, porque há uma liberdade que permanece, a liberdade de celebração, ou seja, podemos
assinar ou não assinar o contrato. O mesmo acontece com as cartas de povoação, os povoadores não podem
alterar as prestações pagas aos senhores, não podem estipular, mas podem escolher ir ou não para a terra, têm
liberdade de celebração.
De facto, as cartas de povoação são contratos normativos, porque as suas regras dispõem para o futuro, mas
estas ideias não fazem com que se perca a natureza pactícia da carta de povoação.
Eram cartas de privilégio que definiam o conteúdo de uma determinada povoação. Eram outorgadas
pelo monarca, pelo senhor eclesiástico ou pelo senhor feudal, sendo que no caso do monarca
também a mulher e os filhos as tinham de confirmar. Surgiram da necessidade de criação de normas
de direito público, com o fim de regular as relações entre o Estado e os particulares. Eram cartas
mais extensas e completas que as cartas de povoação, abarcavam um número muito mais
significativo de matérias.
Enquanto que as cartas de povoação têm um conteúdo estritamente agrário, as cartas de foral têm um maior
número de matérias como:
• Regras de Direito Processual
• Regras de Direito Militar
• Regras de Direito Fiscal
• Regras de Direito Penal
• Regras de Direito Administrativo
• Algumas regras de Direito Privado, nomeadamente, Direto da Família e Direito Sucessório
No que respeita à relação entre as normas do monarca e as normas específicas dos forais, há que referir que a
norma do foral prevalecia à do monarca, tendo esta, no foral, um carácter subsidiário, já que só se aplicava
em caso de lacuna no ordenamento do foral.
Mais tarde, iremos estudar os institutos da Família, das Sucessões e do Direito Penal. Este estudo consegue
fazer-se porque é muito baseado nestas cartas de foral. É neste tipo de fontes normativas, que se produzem no
reino, definindo as condições jurídicas aplicadas a uma determinada localidade, que encontramos o essencial
destes institutos.
Na prática, pode ser fácil distinguir as cartas de povoação dos forais, mas em teoria podem haver algumas
dificuldades porque, por vezes, o nome que é atribuído a determinado documento nem sempre coincide com
aquilo que deveria de ser o seu conteúdo.
Apesar disto, para Alexandre Herculano, o foral era uma carta constitutiva de um município porque estava
relacionada com o conceito de autonomia territorial.
Contudo, parece que assim não é, os forais não serviram sempre para elevar uma determinada povoação a
concelho. Se olharmos para o conteúdo e para as circunstâncias históricas que ditaram o aparecimento de
alguns forais, vemos que há cartas de foral que foram atribuídas a localidades que já eram concelhos ou a
localidades que nunca chegaram a ser considerados concelhos.
Outra questão que se debate a propósito dos forais, tem que ver com o seguinte:
Em regra, as cartas de foral são outorgadas pelos senhores, que podem ser laicos ou eclesiásticos, e um desses
senhores pode ser o Rei.
A questão que se coloca é: se o foral define o estatuto de uma determina localidade, qual é o valor atribuído a
uma regra que, para além de reger uma localidade, aparentemente também se destina a reger outras terras do
reino, ou mesmo todo o reino?
Exemplo: Existe um foral outorgado por um nobre para povoamento de uma localidade e há uma regra que
isenta todos aqueles que forem viver para aquela população de pagarem um tributo em todo o reino.
Obviamente, se o senhor em causa não é o Rei, ele não pode disciplinar para todo o reino. Então qual é o valor
desta regra? É considerada letra morta? Torna-se ineficaz?
A regra é reduzir o âmbito de aplicação daquele preceito. Portanto, se o senhor não pode disciplinar para todo
o reino, aquela norma é reduzida, aplicando-se apenas aquela terra ou a outras terras do mesmo senhor. Porém,
se o senhor em causa for o Rei, então pode haver uma norma geral e abstrata, que se aplicaria a todo o reino.
Porque é que podemos ter normas aparentemente genéricas integradas em carta de foral?
1. Há de facto forais que são originários, que foram criados especificamente para aquela terra.
2. Também pode acontecer que um senhor de uma terra aproveite um foral que teria sido outorgado por
outro senhor ou por ele próprio, para outra terra, criando, assim, famílias de forais.
Na verdade, grande parte dos forais que foram outorgados em Portugal não são originários, não foram
pensados de novo para a povoação daquela localidade.
Entidade outorgante
Forais régios: do rei, com a confirmação da rainha e dos filhos.
Forais particulares: do senhor eclesiástico ou do senhor feudal.
Molde ou matriz
Há que salientar as famílias de forais, ou seja, forais que tinham um texto base comum, destacando:
Famílias de Forais de Lisboa/Santarém
Famílias de Forais de Évora/Ávila
Famílias de Forais de Salamanca
Forais ampliativos: criados com base na estrutura de outros forais, aos quais se acrescentavam normas
específicas. Forais que funcionam como precedente de outros forais.
Forais confirmativos: eram confirmados pelo monarca ou correspondiam a cópias integrais de outros forais
anteriores.
Os forais são extremamente antigos. Numa primeira fase, eles estão escritos em latim vulgarizado, mas os
mais recentes já aparecem escritos em galaico-português. Consequentemente, é também possível distinguir os
forais pela sua antiguidade e pela língua utilizada.
São cartas de privilégio que surgiram no século XIII e XIV. Distinguem dos forais também pelo seu conteúdo,
porque abarcam muito mais matérias. Enquanto que forais têm essencialmente uma incidência no Direito
Público, os foros têm fortíssima incidência no Direito Privado.
Em regra, eram da iniciativa dos habitantes de um município, que formavam escritos, longos cadernos de
regras que, por vezes, se prolongavam mesmo por títulos e por capítulos, apresentando já uma sistemática
extraordinariamente interessante. Do ponto de vista da sua iconografia, também são riquíssimos, o que mostra
a importância que as populações atribuíam a estes direitos locais.
Os foros são constituídos pelas próprias autoridades locais, pelos próprios concelhos, que os ilustram de forma
muito rica. Os habitantes criavam ou alteravam as normas existentes no município, de acordo com o
conhecimento que tinham das leis e dos costumes locais. Nestes documentos extensos e complexos, cabiam
várias matérias sobre a revelação da vida jurídica local e dos costumes dos forais através de normas.
Os foros eram, portanto, cartas de privilégio mais relacionadas com o Direito Pactuado.
Apesar de os foros serem mais recentes, isto não significa que as matérias que eles abarcam resultem de fontes
mais antigas. Muitas vezes, eles resultam de cartas de foral e de costume.
Também aqui se podem encontrar famílias de foros. Em Portugal, foram muito importantes os Foros de Sino
Ribacoa e, portanto, grande parte dos foros integram-se nesta família, que integra, essencialmente, 4 grandes
foros:
• Foros de Castelo Bom
• Foros de Alfaiate
• Foros de Castelo Rodrigo
• Foros de Castelo Melhor
O prudente é aquele que conhece o direito, que tem a capacidade de distinguir, em cada momento, o
justo do injusto, o devido do indevido. O prudente é aquele que tem Auctoritas, um saber socialmente
reconhecido, e Inventio, a capacidade de criar, de descobrir novas soluções para os casos em análise.
Assim, os juristas declaravam a verdade jurídica através da sua opinião justa e equitativa e resolviam
casos da vida.
A iuris pruentia baseia-se na auctoritas, mas desprovida de poder, ao contrário da lei, que repousa
sobre este, sobre a potestas.
Hoje a jurisprudência identifica-se com as decisões dos tribunais, que se podem impor pela força,
porque têm potestas.
Na base do surgimento do Direito Prudencial estão causas de natureza política, religiosa, económica e
cultural.
o O costume é fragmentário por essência e, ao mesmo tempo, também é localista, não há uma
escala geral, nacional ou global.
o A divisão do Império Romano em duas partes, Império do Ocidente e Império do Oriente, vai
dar origem a duas ordens jurídicas distintas. Na parte oriental, graças à cultura helénica, o
desenvolvimento do direito romano vai culminar no século VI com a obra legislativa do
imperador Justiniano, o Corpus Iuris Civilis. Na parte ocidental, o direito romano vai
ultrapassar a vulgarização, o que de alguma forma significa um período de declínio e
decadência, que contrasta com aquilo que se passa no lado oposto, até à queda de Roma no
século V.
Com efeito, nos finais do século XI, a recriação do Império do Ocidente, iniciada com Carlos
Magno no ano de 800, vai fazer com que o trabalho formidável de criação jurídica do Oriente,
seja aproveitado no Ocidente, a partir do século XII, através do labor das escolas. O imperador
precisava de um Direito forte para construir e edificar o seu Império.
1
Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, 12º Edição, página 261 a 358
Todos estes fatores levaram à necessidade de criação de um direito moderno, que favorecesse não só
os objetivos políticos, isto é, um direito imperial, como também que produzisse as soluções capazes
de corresponder às realidades económicas e culturais da época, a que o direito canónico não dava
resposta. Assim sendo, interessava também aos clérigos receber o que de bom o Direito Romano
tivesse.
A partir do século XII, o Corpus Iuris Civilis e, com particular realce, a sua obra maior, o Digesto,
passa a ser objeto de estudo preferencial em Bolonha, graças ao génio criativo Irnério, que é professor
em Bolonha e que olha para aquele acervo normativo como base essencial de análise. Ao fazer isto,
ele cria, de facto, um ensino técnico universitário de Direito.
Assim, percebe-se que o direito que vai funcionar como base de trabalho do labor jurisprudencial, no
período medieval, é o Direito Romano, que culminará com o Corpus Iuris Civilis.
É a primeira escola que começou a estudar novamente o direito romano nas universidades. Foi fundada
em Bolonha, por Irnério, nos fins do séc. XI ou inícios do séc. XII, e convoca um conjunto de grandes
nomes, dos quais se destaca Acúrcio, considerado o maior glosador desta escola. Entende-se que esta
escola finalizou com a morte de Acúrsio, cuja obra máxima, a Magna Glosa, se poderia tomar como
respetivo termo.
Os glosadores liam os textos de direito romano e, como estes tinham uma linguagem muito técnica,
na tentativa de os perceber, apunham-lhe glosas, que eram pequenas anotações ou explicações
normalmente colocadas nas margens (glosas marginais) ou entre as linhas dos textos (glosas
interlineares).
Entre os vários discípulos de Irnério, destaca-se Acúrcio. Ele é tão relevante para a Escola, que teve,
eventualmente, a capacidade de lhe pôr fim.
Acúrsio realizou vários trabalhos menores e foi também autor de uma das obras
capitais da história da jurisprudência, a Magna Glosa, elaborada entre 1220 e
1234, sendo composta por mais de 96 mil glosas. No fundo, ele recolheu todas
as glosas que os seus juristas antecessores efetuaram ao estudarem o Corpus Iuris
Civilis e compilou-as todas numa única obra, incluindo também algumas glosas
da sua autoria e alguns textos antagónicos.
Esta obra autónoma é também conhecida por Glosa Ordinária ou Glosa de
Acúrcio.
Portanto, quando nós temos uma síntese dos textos que integram o Corpus Iuris Civilis, a tendência
dos juristas posteriores é afastarem-se da análise do Corpus Iuris Civilis e concentrarem-se na síntese.
Então, abre-se uma escola de transição que é idolatra da obra de Acúrcio, dedicando-se exclusivamente
à Magna Glosa.
Esta escola surgiu no do fim séc. XII, limitando-se a fazer um trabalho de compilação e
sistematização das glosas. Só alguns autores é que dão importância a esta escola, defendendo que a
mesma surgiu na sequência de uma obra superior, nomeadamente a Magna Glosa, escrita por Acúrsio,
um grande glosador que marcou uma tendência evolutiva no que concerne ao tratamento dos textos.
Foi fundada por Cino de Pistóia, na segunda metade do séc. XIII e desenvolveu-se ao longo do século
XIV. Esta escola abandona a síntese e retorna ao Corpus Iuris Civilis, uma vez que os comentadores
faziam comentários nos textos de direito romano.
Os principais nomes desta escola foram Bártolo e o seu discípulo Baldo, sendo o primeiro conhecido
por ser a luz do direito, já que a sua influência se fez sentir até finais do séc. XVIII.
Os historiadores do Direito têm apontado diferenças entre a Escola dos Glosadores e a Escola dos
Comentadores. Importa aqui realçar a comparação dos entendimentos das doutrinas tradicionais com
os da doutrina atual.
Doutrinas Tradicionais
Distinguiam as escolas medievais pelo método
No entanto, isto é posto em causa quando olhamos para muitos dos comentários feitos pelos
comentadores. Verificamos que nalguns deles, falece essa nota de originalidade, traduzindo, no fundo,
síntese de opiniões de juristas anteriores.
Ao mesmo tempo, se olharmos para o trabalho dos glosadores, vamos ver que também eles praticaram
o comentário e que temos também criatividade nalgumas opiniões que nos legaram.
Assim, para ultrapassarmos esta diferença e, eventualmente, esta falta de justeza, poderia ser adequado
falarmos de Escola dos Glosadores e dos Pós-Glosadores.
Doutrina Atual
Discorda com as doutrinas tradicionais. Defende que é muito difícil, ou até mesmo impossível, haver
na Idade Média uma clara preocupação em distinguir a letra do espírito da lei, alegando que da letra
da lei já resultava o sentido literal e, por isso, não era de supor que os prudentes pudessem estudar e
explicar um texto sem aprenderem, pelo menos, o seu sentido mais imediato.
Os autores atuais defendem que o que realmente separa a escola dos glosadores da dos comentadores
são razões políticas, pelo que, na prática, não se deve fazer uma separação rígida entre as escolas.
Em termos metodológicos, não houve uma mudança, mas sim uma evolução natural, na medida em
que a existência de textos já explicados literalmente pelos glosadores permitiu aos comentadores ter
mais hipóteses de explorar outros sentidos dos textos, de aproveitar os seus conteúdos e de os adaptar
aos direitos locais.
Há também uma diferença relevante de denunciar. Aquilo que as distingue essencialmente é o objeto
de análise.
Há um dado que é particularmente relevante, a ligação do Direito Prudencial e do trabalho dos juristas
às Universidades.
A grande maioria destes prudentes são professores universitários e, neste período, as Universidades
florescem. Por outro lado, há uma grande fusão de conhecimento nos circuitos universitários da época,
até porque a língua que falam e escrevem em comum é o latim.
O principal centro universitário começa por ser Bolonha, mas pouco tempo depois começam a elevar-
se outros centros de grande referência pela Europa fora, como é o caso de Paris, Nápoles, Oxford e
também Lisboa e Coimbra.
O intercâmbio entre professores e estudantes universitários era muito grande, o que justifica que o
Direito Romano Justinianeu se transforme na fonte de Direito comum nestes centros de produção
jurídica.
Glosas
Correspondem a pequenos comentários clarificadores de uma pequena passagem do conteúdo do texto,
isto é, correspondem a uma explicação sumária de uma palavra ou expressão de um texto jurídico de
Direito Romano. Podem ser:
Interlineares: escritas entre as linhas do texto.
Marginais: escritas à margem do texto.
Distinctiones
É um género promovido ou consagrado nas glosas e corresponde à técnica de distinção, ou seja,
pegando numa norma geral vai-se estabelecendo divisões e subdivisões.
Consilia
São géneros literários que correspondem ao que hoje designamos por pareceres jurídicos, consistindo
na opinião de um jurista sobre uma consulta que lhe é feita, distinguindo-se, no entanto, dos
pareceres atuais nas formalidades e no grau de compromisso assumido pelo autor.
Os consilia eram elaborados com o fim de serem utilizados na resolução de uma situação concreta,
tinham, portanto, uma dimensão prática. Muitas vezes e, para terem mais força, os consilia eram
elaborados e jurados em nome de Deus e da Virgem perante o Evangelho e eram selados, na presença
de testemunhas, pelos notários das universidades a que os autores pertenciam.
Commentarius
Caracterizam-se pela sua forma discursiva, ultrapassando a mera interpretação do texto, já que
consistiam em longas dissertações sobre um tema, assumindo uma especial importância por terem
sido utilizados pelos juristas na adaptação dos textos romanos aos direitos da época, os chamados
direitos locais.
Contrariamente às glosas, os comentários continham posturas críticas aos textos romanos, sendo por
isso que se diz que são géneros literários superiores, nos quais os prudentes se afirmavam na sua
plenitude.
Bártolo, um dos principais juristas da escola dos comentadores, defendia que o jurista, ao analisar um
texto, deveria primeiramente saber qual era a solução correta e só depois é que deveria procurar um
texto legal para fundamentar e basear essa solução.
Lectura
Corresponde ao que hoje é uma lição universitária, mas numa lógica em que o professor se limita a
ler os textos e não pode ser questionado, uma vez que é alguém que é considerado como sendo
2
Ver as restantes figuras nas páginas 282 a 295 do manual, vol. I.
Quaestio
É um género complexo, um método dialogado ou disputado, que corresponde à aplicação do princípio
da contradictio como forma de apurar a verdade e de resolver situações da vida reais ou
ficcionadas. É um elemento de atualização do direito, visto conduzir a um adequamento da norma às
situações da vida da época.
Quaestio facti: reporta-se a uma questão de facto; estava em causa a existência de um evento e,
portanto, provava-se.
Quaestio iuris: reporta-se a uma questão de interpretação do direito, implicava uma disputa intelectual
que se resolvia com o recurso a leges, ractiones e auctoritates.
A quaestio era muito utilizada nas aulas, onde o docente levava os alunos a aceitarem os seus
argumentos. No fundo, tratava-se da resolução de uma questão contrapondo argumentos a favor e
contra para cada solução possível.
Quaestio reportata: a quaestio decorria na aula e era registada por um aluno, que transcrevia os
argumentos resultantes da discussão e a decisão final. Muitas vezes, o raportador completava esse
trabalho com novos argumentos seus, com críticas às posições assumidas e juntando um exórdio e um
título.
Quaestio redacta: era o mestre a redigir uma espécie de ata, na qual também acrescentava os
argumentos não discutidos no debate.
Método problemático
O jurista medievo parte sempre de um problema da vida, seja uma situação real ou ficcionada. Ele não
pensa o Direito abstrato, ele não pensa o sistema jurídico, ele pensa o Direito a partir de problemas
concretos. O jurista obtinha uma solução para o caso concreto, depois de discutir a questão, recolher
os argumentos pró e contra e ponderar as várias soluções possíveis, optando, normalmente, pela
solução que, para ele, lhe parecesse mais razoável.
Método analítico
O pensamento do jurista da época é analítico. Isto significa que a base de trabalho do jurista medieval
é o preceito, o texto da norma. O jurista procurava, para cada caso, um preceito legal que lhe
permitisse encontrar a solução ideal, não se preocupando tanto com a consideração sistemática, isto é,
com o enquadramento no sistema jurídico, procurando, primeiramente, na norma, a solução que mais
lhe convinha e só depois é que a considerava no ordenamento jurídico.
Com efeito, como o código de justiniano não continha uma lógica sistemática, isto é, uma
harmonização de leis, os prudentes medievais, conscientes desse facto, tinham de analisar as leis nele
contidas isoladamente e ao pormenor, abordando-as com um ponto de vista crítico, criando Direito a
partir desse ponto de vista.
Assim, com base nesta metodologia, a primeira preocupação do prudente medieval era analisar o caso
concreto, depois ele tentava encontrar uma solução para o mesmo, ponderando todas as soluções
possíveis, sendo certo que a aplicação da lei tinha de ser controlada em função das respetivas
consequências, face a critérios de justiça de direito natural e de conveniência ou utilidade.
Leges
O jurista medieval também construiu o Direito como sendo uma ciência de textos, ou seja, a análise
e a resolução do problema baseia-se fortemente na intuição do jurista, mas não se serve apenas disso.
Depois de procurar mentalmente a solução mais justa e equitativa para um caso da vida, o jurista
procura no Corpus Iuris Civilis, particularmente, no Digesto, a base para fundamentar a sua opinião e
alicerçar a sua interpretação. Isto significa que o jurista não cria no vazio uma solução para o caso da
vida, ele serve-se do Corpus Iuris Civilis para fundamentar a opinião a que mentalmente chegou.
Portanto, as leges, significam que o jurista medieval se aproxima dos textos do Direito Romano
Justinianeu através desta preocupação essencial: interpretá-lo corretamente.
Neste período histórico, a gramática pôde, assim, ter a dignidade de disciplina filosófica, porque a
gramática não era estrita à sintaxe e à morfologia da frase, como nós hoje a entendemos. A gramática
Depois do processo descrito anteriormente, era necessário coligir argumentos que pudessem
fundamentar a opinião dos juristas.
Rationes
São definidas por Lombardi como sendo os argumentos de equidade e também, numa segunda
perspetiva complementar, como argumentos de direito natural, de oportunidade e de lógica.
Quanto mais fosse o recurso a estes argumentos, naturalmente, mais rica seria a opinião, maior força
intrínseca ela teria e mais o ordenamento jurídico se assumia como prudencial e menos como legal.
O conhecimento alcançado pela utilização das rationes não é entendido como único e necessário, mas
é sempre visto como um conhecimento provável.
Os argumentos criados pelos prudentes medievais, apesar de partirem dos textos legais (código
justinianeu), também iam para além deles, buscando apoio na equidade, no direito natural, na
oportunidade e na lógica, e não num qualquer texto de lei humana ou divina.
Assim, pode-se dizer que, na Idade Média, para além do necessariamente verdadeiro e do
necessariamente falso, aceitou-se também a categoria intermédia da verdade provável (suscetível de
prova), daí a necessidade dos argumentos.
• Retórica
Não é um exercício dialogado, corresponde à arte de persuadir e de convencer. Entende-se que o
jurista para além de conhecer, tem de saber convencer, por isso, ele vale, naturalmente, se não houver
contradições internas no discurso.
• Dialética
É o método que a Idade Média considerava ser tecnicamente mais aperfeiçoado.
É este o cerne da Ars inveniende, da arte de encontrar argumentos. Contudo, ela vai depender,
naturalmente, do lugar que se ocupa. Por exemplo, o defendente do autor não vai utilizar os mesmos
argumentos que o defendente do réu.
• Lógica
Enquanto disciplina de pensar sem contradições.
• Tópica Jurídica
Consiste em observar um problema de todos os seus ângulos e recolher o maior número possível
de argumentos em busca de uma solução. Do uso da tópica jurídica resultam os chamados depósitos
de argumentos, que são conjuntos conseguidos pela observação de um caso nas suas diversas
perspetivas, podendo esses argumentos depositados ser a resposta a um determinado problema. São
argumentos possíveis os de semelhança, de diferença, de causalidade, de efeito, de antecedência, etc.
Auctoritates
No fim de todo este processo, temos apenas uma opinião. Quando é que essa opinião vale?
Ela vale em virtude do peso dessa mesma opinião ou do autor que a produziu, vale em função da
auctoritas.
O Direito Prudencial será seguido como fonte de Direito, se as opiniões dos juristas forem dotadas de
auctoritas. Elas são dotadas de auctoritas, em função do peso dos argumentos apresentados, que fazem
com que aquele saber seja socialmente reconhecido e, por isso, é suscetível, por si só, de resolver casos
da vida.
Auctoritates é definido como o saber socialmente reconhecido. A aceitação de uma solução concreta passava muitas
vezes pela autoridade de quem a defendia. Sabendo-se que a verdade jurídica era sempre meramente provável,
tornava-se particularmente importante o modo como ela se fundamentava e a sabedoria de quem a defendia.
Alguns problemas suscitaram uma pluralidade de opiniões e, nesses casos, era necessário distinguir
qual delas merecia maior credibilidade.
A este propósito surgiu o conceito de opinião comum dos doutores, entendida como aquela que era
defendida por um conjunto de juristas com auctoritas. A solução que tivesse a seu favor a opinião
comum dos doutores saía, naturalmente, reforçada e impunha-se relativamente às outras.
Supõe-se que o critério quantitativo puro nunca terá sido usado, porque ele implicaria uma mera
contagem de opiniões. O critério misto foi, geralmente, o preferido, já que fixava como opinião comum
a mais defendida entre os melhores. Cumpridos os três elementos da Ars inveniende, chegada a
opinião, ela vai prevalecer, não porque o Rei lhe empresta a sua potestas, mas porque a sociedade lhe
atribui um determinado valor.
A Idade Média é um período fecundo para o labor criativo da jurisprudência. No período medievo, o
direito prudencial é uma fonte extraordinariamente relevante em Portugal, principalmente, a partir de
meados do século XII.
Cumprindo esta ideia de pluralismo jurídico, podíamos invocar num tribunal a opinião de um jurista,
com base no Direito Romano. Portanto, o Direito Prudencial também integra a pluralidade de fontes a
que se poderia recorrer para resolver um caso da vida, no primeiro período histórico do Direito
português, no espaço físico de Portugal.
A questão que se coloca é saber quando é que o Direito Romano começa a ser trabalhado pelos juristas
no nosso país, quando é que o Direito Romano Justinianeu é recebido em Portugal?
Portugal mantinha algumas ligações com Itália, que é o principal centro de produção, estudo e
aplicação do Direito Romano Justinianeu na Idade Média, nomeadamente, a cidade de Bolonha. Este
facto, inculca em alguns historiadores a ideia de que o Direito Romano é conhecido entre nós desde
os primórdios da fundação da nossa nacionalidade.
A acrescentar a este elemento, encontramos o facto de desde o reinado de Afonso Henriques, que
encontramos juristas na Cúria Régia, o órgão que auxiliava o Rei nas suas funções governativas.
Designadamente, vamos encontrar um cargo que vai desempenhar um papel extraordinariamente
relevante, praticamente assumindo “as funções de um Primeiro Ministro”, que é o Chanceler.
Ora, desde o reinado de D. Afonso I que encontramos juristas na Chancelaria régia, designadamente,
o caso do Mestre Alberto, do Mestre Julião e de João Peculiar.
O facto de termos juristas, desde cedo, na Cúria Régia, designadamente, na Chancelaria do Rei,
determina a ideia, para alguns historiadores, que o Direito Romano já seria aplicável no nosso país
desde muito cedo. No entanto, daqui não decorre que tal assim aconteça, nem que o Direito Romano
em causa fosse o Direito Romano Justinianeu.
Então, desde quando é que, inequivocamente, o Direito Romano Justinianeu está em Portugal?
A doutrina diverge:
o Num segundo momento, há quem entenda que o direito prudencial teve influência sobre a
legislação portuguesa, designadamente, no reinado de Afonso II, em que houve uma lei sobre
a suspensão de penas e a mutilação dos cadáveres, que é nitidamente influenciada pelo Código
de Justiniano.
o Num terceiro momento, há também quem diga que a receção do Direito Romano Justinianeu
na ordem interna do direito português é inequívoca a partir do reinado de D. Afonso III e,
sobretudo, a partir do reinado de D. Dinis.
3
Rui e Martim Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, 12º Edição, página 335 a 358
A Universidade começou sob o signo do próprio direito romano. Ele passou a ser ensinado na
Faculdade de Leis e durante cinco séculos foi o direito que os juristas portugueses aprenderam. Só no
séc. XVIII é que se introduziu uma cadeira de direito pátrio. Até aí, a formação dos juristas portugueses
era romanista e isso influenciou todo o trabalho autónomo ou integrado na esfera do poder.
A par deste direito, ensinava-se direito canónico na Faculdade dos Cânones.
Portanto, se temos dúvidas de que o Direito Romano Justinianeu influencia a legislação dos nossos
monarcas já em D. Afonso II, o que é facto, é que não temos dúvidas que essa influência é direta, a
partir do reinado de D. Afonso III e, sobretudo, a partir do reinado de D. Dinis.
A partir destes reinados, o Direito Romano Justinianeu aplica-se diretamente em Portugal, resolvendo
casos da vida.
Apesar de este dado ser incontestável, é de sublinhar que o primeiro sinal da presença do Direito
Romano Justinianeu no nosso país data de 1185 e deve-se ao testamento do bispo do Porto, D. Fernão
Martins. Ele legou à Diocese do Porto e de Braga um conjunto de obras de Direito Canónico e um
conjunto de obras de Direito Romano.
Essas obras são todas as que integram o Corpus Iuris Civilis e, designadamente, o Digesto, aparece
neste testamento dividido em Digesto Velho, Digesto Novo e Digesto Esforçado.
Assim, é seguro dizer que nos finais do séc. XII o direito justinianeu era conhecido pelo menos ao
nível de uma camada mais erudita da população.
Em síntese, podemos ver a receção do Direito Romano no nosso país em dois sentidos:
o Sentido estrito: influência de um Direito noutro Direito
o Sentido lato: aplicabilidade direta de um Direito no espaço físico de um determinado território.
A presença do Direito Romano no nosso país fez-se também de forma direta e indireta.
o Direta
O fenómeno da receção do direito romano foi um processo essencialmente académico. Antes do poder
político ter assumido esse direito e o ter utilizado, foram os juristas que, em muitos casos, eram mestres
na universidade, que estudaram e divulgaram o direito justinianeu.
Também o Direito Canónico, fonte de Direito no nosso país, é fortemente inspirado pelo Direito
Romano.
Quando somos convocados, nas nossas vidas práticas, a resolver casos da vida, emitindo opiniões,
naturalmente, nós vamos emiti-las com base no Direito que nos formou. O jurista da época era formado
no Direito Romano Justinianeu, que assume, por isso, uma definição de Ius Commune, de Direito
Comunal, que não é aplicado apenas em Portugal, mas que se aplica como fundamento do Direito
Europeu.
Porém, tal como aconteceu no Direito Canónico, também no Direito Romano podemos encontrar
alguns fatores de resistência e de dificuldade à receção deste Direito, nomeadamente, de ordem
prática.
No século XIV, por exemplo, nós temos notas de agravos às Cortes, feitas pelos povos aos Reis,
denunciando que os juízes não sabem ler nem escrever e, por isso, não têm capacidade para aplicar um
Direito tecnicamente aperfeiçoado como é o Direito Romano Justinianeu.
Os Homens da Idade Média conceberam o Direito enquanto função da Justiça, assim este surge de
forma a alcançá-la. Direito e justiça são conceitos interconverssíveis, não podem pensar um sem o
outro. Os homens de meia idade não podem pensar no Direito sem o filiarem num valor que o
transcende, que é a justiça. Sem ela seria impossível a convivência organizada, a manutenção da
comunidade política, a conceção como povo de um grupo humano.
A sociedade nas suas concretas e manifestações históricas, não traduziu uma consequência automática
e inevitável de uma ordem pré-estabelecida pela suprema vontade de Deus ou por leis da natureza,
necessárias e inalteráveis, mas sim o resultado do múltiplo e diversificado operar humano tendente à
realização da perfeição individual. A ordem social representava a projeção comunitária da condição
dos seus membros. Sendo os homens justos, justa seria a sociedade. Deste modo a perfeição identifica-
se, pois, e necessariamente, com a justiça.
Para além do Direito criado pelas várias fontes que vamos estudar, o direito criado pelos homens –
Direito Humano – em última instância, para estes homens, o Direito funda-se em Deus, ele é a entidade
em nome de quem tudo se faz, se governa, se legisla, se administra, se julga.
Para além do direito que os homens criam através de uma pluralidade de fontes, estes homens vão
também teorizar o Direito Natural, que vão fundar em Deus, e vão falar também numa Lei eterna,
criando uma tripartição de Direitos. Isto significa uma limitação para o legislador, porque se há
patamares de Direito que estão a cima das fontes criadas pelos homens, então o Direito criado por estes
está sujeito a limites, deve conformar-se com esses padrões anteriores e superiores.
O Direito é expressão da justiça e está também num plano que transcende o Direito criado pelos
homens através de uma pluralidade de fontes.
Vai se teorizar, então, um Direito natural, um Direito divino, um Direito eterno, que funciona como
padrão de validade e, ao mesmo tempo, limita a atividade do legislador. Para um homem deste período,
não é concebível que o Direito possa ser aquilo que o legislador quiser e que a lei possa ter qualquer
conteúdo.
No período pluralista, imperava uma desigualdade social quer no acesso ao trabalho, quer no acesso a
locais, quer ainda no uso de vestuário. O direito aplicável não era igual, pois os nobres eram julgados
em tribunais específicos e os impostos eram desiguais. O objetivo principal do homem medieval da
classe do povo era a salvação da alma, daí que o conceito de justiça se encontrasse também limitado
por esta ideia.
Dentro também dos quadros do tempo a grandeza individual correlativa à justa configuração da vida
coletiva pressupõe o acatamento pelo homem da lei divida e da lei natural, na sua integridade moral,
submetendo-se-lhes livremente. Da própria causa final da justiça resultava nela implementada a
existência de um elemento de habitualidade. Quem só esporadicamente tivesse vontade de a respeitar
não seria justo.
A justiça traduzia-se, pois, numa virtude, definida como o hábito bom orientado
para a ação. A justiça, para ser atingida, necessita de vários elementos, entre os
quais, o elemento volitivo humano, que se traduz na vontade do homem em ser
justo e, simultaneamente, o elemento de habitualidade, correspondente à
permanência dessa vontade, que não pode ser esporádica.
1
Rui e Martim Abuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo I, 12º Edição, página 91 a 108
Conceito de Justiça
A ideia de justiça, complexo de todas as virtudes, coexistiu com a conceção de justiça como virtude
especifica. Denominada esta última justiça particular, ela corresponde à noção atualmente comum.
A justiça particular separa-se da justiça universal enquanto esta considera sobretudo o mundo
intersubjetivo e a justiça particular o campo as relações intersubjetivas (recíprocas). Nisso distingue
também das virtudes especificas que regulam a conduta do próprio agente para consigo, como a
paciência e a temperança. Outras virtudes como, caridade gratidão..., regulam igualmente a nossa
conduta em relação aos demais.
Aristóteles teorizou: a atribuição do seu a cada qual. Obras clássicas, como de Cícero receberam esta
conceção aristotélica.
Santo Agostinho: “O que é a Justiça senão a virtude que dá a cada um o quanto lhe é devido?”,
proclamou: “a justiça é a virtude que á a cada um o seu”.
Ulpiano disse: “a justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito”, isto é, a
vontade de cada um em ter o mínimo indispensável para satisfazer as suas necessidades básicas, numa
perspetiva de que cada um receba, à luz da lei divina, uma recompensa por aquilo que lutou,
correspondendo esta recompensa à salvação da alma.
Qual fosse o seu (de cada um) a respeitar pela justiça, determinaram-no os doutores de acordo com o
direito natural. Cícero, Séneca e Ulpiano, cuja lição o Digesto conservara, definiram como virtude
suscetível de permitir a destrinça entre o bem e o mal, o devido e o indevido. Esta ideia de que a justiça
pressupunha, para a determinação do seu conteúdo, um ato deliberativo, encontra-se documentada em
várias fontes conexas à cultura nacional. “A Justiça é dar a cada um o que lhe pertence, depois de feito
um juízo reto”, ensinou Santo António.
Justiça Universal
A justiça é o valor do Direito. Mas o que é o valor? Tradicionalmente, a justiça e a segurança são os
dois valores que encontramos associados ao Direito.
A lei comporta em si segurança, mas também ela própria é um valor. O que é que isto significa?
O valor pode ser visto em variadíssimas situações e, portanto, é nos inalcançável e inacessível.
o O valor também pode ser visto como aquilo que é justo para um, pode não ser justo para outro
– subjetivismo dos valores
Exemplo: Beleza. O que é belo para uns, pode não ser belo para outros.
Justiça Particular
A justiça pode ser vista como uma virtude particular, dotada de um conteúdo específico, ao lado de
outras virtudes. Depende de como a vemos, de forma objetiva ou subjetiva.
Traduzindo-se a Justiça no dar o seu a cada um, fácil é ver a possibilidade de ordenar várias classes de
Justiça. Pensa-se a justiça relacionando sujeitos. O seu conteúdo em concreto depende dos sujeitos da
relação, quem atribui e quem recebe.
O seu conteúdo tem que ver com a constante e perpétua vontade de atribuir a cada um o seu direito.
O que é o seu? O seu deve ser visto como os nossos fins, é aquilo que é necessário à prossecução dos
nossos fins. Está dependente dos fins que cada um de nós prossegue em sociedade.
O seu individual pode e deve ceder perante o seu coletivo, desde que o seu individual seja justamente
indemnizado. Em certos casos para o jurista de hoje o direito é por vezes a expressão de justiça. E isto
era indiscutível na antiguidade, a Justiça era encarada como a estrela polar do direito, a meta.
• Justiça espiritual:
Os sujeitos desta relação, que não se encontram em pé de igualdade são Deus e Homens, há algo que
é devido a deus e deus retribui com a salvação no fim último do homem.
• Justiça política:
Os sujeitos desta relação, que não estão em pé de igualdade são o todo e as partes, ou seja, o Estado e
o cidadão.
• Justiça contenciosa:
Este conceito de justiça significa igualdade absoluta porque relaciona as partes entre si, aplica-se por
exemplo nas demandas. Exige uma absoluta igualdade entre si.
Álvaro Pais enumera a Justiça para com Deus (latria), para com as criaturas merecedoras de honra e
consideração (dulia), para com os superiores (obediência), para com os inferiores (disciplina), para
com os iguais (equidade).
Classificação na qual está subjacente a ideia aristotélica da separação entre a Justiça que deve presidir
às trocas entre iguais e a justiça a observar nas relações entre a comunidade e os indivíduos no tocante
à repartição entre a comunidade e os indivíduos na tocante à repartição de encargos e honras (difundida
por S. Tomás).
• Justiça comutativa/sinalagmática:
Diz respeito às relações entre iguais (pessoas privadas) O objetivo típico da Justiça comutativa é a
troca ou comutação, requerendo-se nela absoluta igualdade entre o que se dá e quanto se recebe, sendo
necessário restituir quando assim não ocorre.
• Justiça distributiva:
Diz respeito às relações da comunidade com os seus membros. O campo de aplicação da justiça
distributiva é o das relações do conjunto político com as pessoas individualmente consideradas.
Ela impõe que os representantes da comunidade repartam os encargos segundo a capacidade de
resistência de cada membro e os bens públicos e prémios de acordo com a respetiva dignidade e mérito,
devendo ao rei justo distribuir a Justiça “a cada um segundo as suas obras”. Contudo, a Justiça
distributiva não exige uma igualdade absoluta, requer apenas que a relação entre o mérito e a
recompensa, a capacidade e o encargo, o investimento e a necessidade.
Justiça Objetiva
Forma de retidão plena e normativa. Tal ideia encontra as suas origens na patrística clássica. Ligada a
Justiça à vontade, a consideração da Justiça divida a isso devia de conduzir. Por isso, a Justiça, na sua
forma pura, identificava-se com o próprio Deus, assim como com Ele se identificava o direito natural.
Ora, sendo Deus o modelo dos homens, feitos à Sua imagem e semelhança, seguia-se a consequência
de uma Justiça humana também objetiva, embora não perfeita, e apenas reflexo da Justiça divina. São
conceções que foram adotadas por muitos glosadores e comentadores e que perpassaram em palavras
de Santo António e se encontram recolhidas nas Partidas, onde se menciona Cristo como sol e fonte
de toda a Justiça.
Pela própria propensão da Justiça objetiva esta difere da subjetiva no tocante à respetiva constância.
Enquanto a Justiça subjetiva permite em si mesmas variações, a Justiça objetiva há de entender-se
como inalterada e inalterável, postulante sempre das mesmas condutas. Sob a influência da ideia
romana do bónus pater famílias, a jurisprudência medieval determinou o conteúdo da Justiça humana
objetiva com recurso à ideia de homem médio, sendo este, na racionalidade do seu atuar, o exemplo a
seguir e é, portanto, normativo.
Aqui olhamos para um sujeito em concreto e procuramos aferir se o comportamento daquele sujeito é
justo. Como é que se afere a justiça de um comportamento individual? Através de um padrão.
Na Idade Média, há 2 padrões no critério dos tratadistas:
1. Conduta do santo
2. Conduta do criminoso
No entanto, o padrão vai ser encontrado na tecnicidade do Direito Romano, no critério de um bom pai
de família, do homem médio, na racionalidade do seu agir.
Justiça e Direito
Concebeu o pensamento medieval a Justiça como a causa do direito. No seguimento de Boécio, a Idade
Média figurou a Justiça como fonte do curso de água com que representou o direito, como se pode ver
nas Partidas. Imagem da época foi a da filiação: o direito está para a Justiça como o filho para a mãe.
De tais figurações decorria a consequência de Justiça e direito possuírem a mesma natureza. Por isso,
não é raro encontrar-se os preceitos de Justiça e de direito como correspondentes. Os três preceitos do
direito referidos por Ulpiano – viver honestamente, não prejudicar o próximo, dar a casa um o seu –
são comuns à própria Justiça. Viver honestamente: Justiça geral, social ou legal; Não lesar o outro:
Justiça comutativa; Atribuir a cada um o seu direito: Justiça distributiva
Entre Justiça e direito, a diferença residia no facto de este traduzir aquela mediante preceitos
autoritariamente fixados. O direito era assim apenas um instrumento de revelação da justiça.
Formas de casamento
Casamento legítimo, celebrado num templo, na presença de um sacerdote que confere a benção e na
presença de testemunhas
o Casamento de Juras
Não recebia qualquer sacramento e era celebrado em qualquer local, não podendo ser realizado num templo e
ser presidido por um sacerdote ou ministro do culto, que, no entanto, podia testemunhar o acto como outro
cidadão qualquer.
Esta forma de casamento celebrava-se através de uma jura recíproca dos noivos.
De acordo com os costumes de Riba Côa, trata-se da manifestação de mútuo consenso das partes que sob
a forma de juramento se vinculam matrimonialmente. Neste caso ainda que o sacerdote possa estar
presente, este não dá a sua benção.
Foi clandestino durante muito tempo porque a união de facto não era aceite pelo facto de não ter sido
abençoada, estando assim à margem da lei civil e canónica.
Esta forma de casamento consiste na existência do estado de casado e na inexistência do acto de casar.
Em 1311 D. Diniz enquadra juridicamente esta forma de casamento, estabelecendo que para se reconhecer
um casamento de pública fama (presunção iniludível) seria necessário que um homem e uma mulher vivessem
na mesma casa há 7 anos consecutivos como marido e mulher, fizessem compras e vendas juntos e fossem
conhecidos na vizinhança como casados.
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Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo II, 1983, página 146 a 165
Aquilo que existe é por e simplesmente uma comunhão de vida, sem qualquer celebração especial.
Portanto, o casamento cunhuçudo pode ser equiparado à atual união de facto.
Este casamento de rapto só tem o nome, pois a raptada consentia o rapto, sendo certo que ocorria quando o
noivo não tinha condições económicas para pagar o dote, ou não agradava à estrutura familiar da noiva.
Existia no Direito Visigótico e verificava-se quando um homem recebia uma mulher livre por esposa sem
ter entregue ao pai desta o pretium pullae;
Apesar de existirem formas mais solenes de casamento do que outras, todas elas têm os mesmos efeitos e
geram os mesmos direitos e deveres. Não havia superioridade de um relativamente ao outro.
No entanto, isto não significa que a população não entendesse uma destas modalidades superiores às outras,
até porque a influência da Igreja neste período, levava a que as pessoas preferissem o casamento por bênção,
sob pena de poderem ser consideradas sanções espirituais.
Esta preferência que o nosso Direito antigo vai revelar face ao casamento por bênção, por influência do Direito
Canónico, tem reflexo na legislação dos nossos monarcas.
Designadamente, importa citar uma lei de D. Dinis, de 1311, a propósito do casamento de pública fama, que
diz: “Se um homem e uma mulher viverem na mesma casa durante 7 anos, tomando as refeições em conjunto,
vivendo em comunhão de vida, fazendo as compras juntos e sendo conhecidos pela vizinhança como marido
e mulher, então, são considerados casados, sem possibilidade de prova em contrário.”
No fundo, esta lei vem criar uma presunção legal, uma presunção iniludível, ou seja, quem preenchesse estes
requisitos não podia ser afastado desta presunção.
Será que é possível nós conhecermos, do ponto de vista histórico, os casamentos que foram celebrados e a
partir de quando? Esta questão aponta para o registo dos patrimónios. Será que os casamentos eram
registados?
É verdade que existe uma lei de D. Afonso IV, de 1352, que é dirigida aos clérigos, obrigando que todos os
clérigos que fossem casados com leigos registassem os seus casamentos num tabelião existente em cada
freguesia. No entanto, discute-se se esta lei se dirigia apenas aos clérigos que fossem casados com leigos ou
se se dirigia a todos os casamentos que tivessem sido celebrados sobre a jurisdição daquela Igreja. Seja de que
maneira for, a verdade é que esta lei permaneceu como letra morta, porque o primeiro registo de casamento
que se tem, data apenas do século XVI.
A regra da época era a de que a propriedade dos bens dos noivos se mantinha individualizada após o
casamento, isto é, os bens da mulher continuavam a ser da mulher e os do marido continuavam a ser dele,
sendo comuns os bens adquiridos após o casamento. Porém, a não ser que a mulher fosse comerciante, a
administração de todos os bens passava a ser exclusivamente do marido, podendo mesmo este alienar os bens
da mulher em seu favor e sem o consentimento dela. Após o casamento, a mulher não podia contratar, afiançar
e estar em juízo, activa ou passivamente, sem o consentimento do marido.
o Comunhão de gaanças
Ambos mantém a propriedade própria dos bens que levam para o casamento e adquirem a
titularidade/propriedade em conjunto dos bens adquiridos na constância do casamento (comunhão de
adquiridos).
No entanto, os bens que se adquirem durante o casamento por doação, sucessão ou sub-rogação, mantém-se
do próprio e não de ambos.
Ambos mantém a titularidade dos bens adquiridos até ao casamento, tal como os referidos naquelas exceções,
contudo, a administração desses bens, no que toca à mulher, está fortemente limitada.
Portanto, ainda que os bens sejam da mulher, eles estão sujeitos à administração do marido, que pode ser
bastante ampla no caso de estarmos perante bens móveis, mas no caso de bens imóveis ele precisa do
consentimento da mulher se os quiser alienar.
Por outro lado, os poderes da mulher estão também fortemente condicionados, por exemplo, se ela quiser
contratar ou afiançar, ela não o pode fazer sem o consentimento do marido, a menos que seja comerciante.
Este regime das gaanças, deve ser conciliado com o regime das arras ou dote.
Este é um bem próprio da mulher, foi constituído a seu favor antes do casamento, mas deriva do património
do novo. Portanto, a questão que se coloca é saber de quem é este património e qual é o seu regime.
Olhando para o direito costumeiro da época que os forais traduziam, parece que aquilo que se seguia é que as
arras deviam ser tratadas como bens próprios da mulher.
No entanto, na generalidade das localidades do reino de Portugal, em termos sucessórios, o dote segue um
regime diferente.
Isto significa que, em caso de morte da mulher, sem que ela deixe descendência, este património passa para o
marido. Esta é uma exceção à regra do Direito Sucessório, que determina que o marido está no último grau da
linha sucessória.
Porém, há uma exceção a esta regra, que são os chamados Foros de Sino Ribacoa, que atribuía a propriedade
das arras aos parentes da mulher, em detrimento do marido, seguindo a regra geral do Direito Sucessório.
Este regime diz que todos os bens do marido e da mulher que são adquiridos antes e depois do casamento, são
bens comuns.
Todo o património anterior e posterior ao casamento era comum aos cônjuges, sendo certo que este regime
verificou-se mais no sul do País.
Titularidade
Ambos mantém a propriedade própria dos bens que levam para o casamento e
adquirem a titularidade/propriedade em conjunto dos bens adquiridos na
constância do casamento, exceto os adquiridos por doação ou sucessão Este regime diz que todos
os bens do marido e da
Administração mulher que são
A mulher tem o poder de administração sobre os seus bens muito limitada, pelo adquiridos antes e depois
que estão sob administração do marido. do casamento, são bens
comuns.
Sucessão das Arra
Em caso de morte da mulher, sem que ela deixe descendência, este património
passa para o marido. Esta é uma exceção à regra do Direito Sucessório.
São uma promessa recíproca de casamento entre os futuros conjugues ou, no caso de eles serem menores,
entre quem os possa legitimamente obrigar. No fundo, é um contrato-promessa de casamento que pode
desencadear efeitos pessoais e patrimoniais.
Este contrato evoluiu consoante os ordenamentos jurídicos que marcam a génese do Direito português.
Se existisse uma promessa de casamento, ela não tinha consequências jurídicas, inclusivamente, qualquer
cláusula penal ou consequência que se estabelecesse no próprio contrato para o incumprimento da promessa,
era considerada nula, e percebe-se porquê, se não fosse assim, a liberdade do casamento estaria condicionada.
Por influência de Constantino, os esponsais passam a ter efeitos jurídicos e são vistos como a primeira fase
do casamento, o qual só se consumava com a tradictio (passagem da mulher da sua família ade origem para o
domínio familiar do marido), esta teria de ocorrer nos dois anos seguintes aos esponsais.
No seguimento do costume visigodo, os esponsais foram utilizados em Portugal e para serem válidos deveriam
ser reduzidos a escrito perante testemunhas.
Os noivos tinham de ter pelo menos 15 anos, podendo, caso não tivessem atingido essa idade, ser representadas
pelos pais ou irmãos, tendo o casamento de se realizar obrigatoriamente no prazo de 2 anos.
Durante a cerimonia o noivo entregava à noiva o anel esponsalício, celebrando-se depois uma escritura em
que ficava consignado que o noivo entregava um dote ao pai da noiva, designado por arras, que correspondia
a um quantitativo pecuniário destinado a assegurar o sustento futuro da noiva para o caso do noivo vir a falecer
ou a repudiar a noiva injustificadamente antes do casamento.
O dote (arras) deveria corresponder a 1/5 ou a 1/10 (dependendo dos autores) da fortuna do noivo, todavia em
muitos casos dependia dos costumes da região. Caso o noivo viesse a falecer antes do casamento, a noiva
recebia parte do dote (normalmente metade). Caso o noivo repudiasse a noiva sem motivo antes do casamento,
perdia o dote na totalidade, sendo este uma forma de a compensar.
No final dava-se a cerimónia do beijo dos noivos (lei do ósculo), fazendo a mulher uma jura de fidelidade ao
noivo, sendo certo que se não a cumprisse era considerada adúltera e punida como tal, que podia ser a morte.
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Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo II, 1983, página 141 a 146
Além deste casamento tradicional dividido em duas partes: a desponsatio (esponsais) e a tradictio, em que o
consentimento da mulher estava excluído, surgiu também por influência visigoda o casamento por rapto que
consistia no casamento sem o pretium puelae (preço pago pelo noivo ao pai da noiva), sendo certo que este
casamento só tinha efeitos jurídicos caso houvesse o consentimento da raptada.
o Direito Canónico
O próprio Direito Canónico assumiu a relevância dos esponsais, apesar de se orientar para uma outra forma
de casamento, como podemos perceber através da leitura das Decretais de Gregório IX.
Está prevista no Direito Canónico, nomeadamente, nas Decretais, a figura do casamento presumido, que nos
diz que se depois dos esponsais sobreviesse, por exemplo, a cópula carnal entre os noivos, o casamento estava
perfeito, sem necessidade de qualquer outra solenidade.
Em termos técnico-jurídicos, instituto designa o conjunto de regras de Direito que, através de uma
pluralidade de fontes, vão reger e disciplinar uma determinada área.
A FAMÍLIA1
o Clã
Como ensinou o sociólogo Émile Durkheim, a noção mais ancestral de família, a primeira.
Os clãs eram simbolizados pelo Totem (símbolo normalmente um animal ou planta), sendo que os seus
membros podiam ou não ter proximidade afetiva.
Na família patriarcal romana não eram exigidos vínculos sanguíneos, existindo dois tipos de vínculos:
• Agnatício: não passava pela obrigatoriedade de laços familiares sanguíneos, mas sim de autoridade
• Cognatício: caracterizado pela existência de laços familiares sanguíneos
Em ambos os vínculos, o pai dispunha da existência dos filhos, podendo ordenar ou permitir a sua morte e
isentar-se da obrigatoriedade de lhe prestar alimentos.
Esta estrutura familiar foi sendo combatida pelos imperadores cristãos, como Constantino, o qual determinou
mesmo que, nas relações familiares, se desse mais importância à “afectio”.
o Família conjugal
Família nuclear, verificamos que, neste caso, a noção é mais estrita e aquilo que determina a pertença à família
é essencialmente os laços de consanguinidade.
Mesmo assim, se olharmos para a família nuclear, a noção de família mais ampla ou mais estrita constrói-se
em função das próprias circunstâncias, o grau de coesão é diverso e flutuante:
• Em período de grande instabilidade a família junta-se
• Em períodos individualistas a família afasta-se
Neste período, como é que a família estava regulada? Como é que este instituto estava conformado? As
instituições jurídico-familiares que se irão estudar são: os esponsais, o casamento, o poder paternal e a adoção.
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Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo II, 1983, página 134 a 141
SISTEMA PENAL
O Direito Penal está hoje conformado por um conjunto de princípios que no primeiro
período da história do direito português não encontramos vigentes, como o princípio da
legalidade, que nos diz que qualquer comportamento penalmente relevante tem de estar
previamente tipificado na lei para ser punido como crime.
Além disso, neste primeiro período, o sistema penal é essencialmente pluralista, o que
significa que não está estritamente nas mãos do Estado ou do Rei.
Por outro lado, os princípios penais humanistas que hoje também vigoram, não se
encontram de igual forma neste período histórico, como podemos verificar:
• A não retroatividade da lei penal desfavorável para o agente
• As penas podem ser retroativamente impostas
• As penas podiam ser arbitrárias, ou seja, podiam ser aplicadas em função do juízo
casuístico do julgador e para os mesmos tipos de factos e de comportamentos
criminalmente relevantes podiam ser arbitrariamente aplicadas penas muito
diferentes.
• Abundam também as cláusulas gerais, não há uma precisão da regra penal
• Punem-se factos absolutamente insignificantes ou irrisórios de forma
desproporcionada e até cruel
• Abundam as penas infamantes, que não geram dor física, mas fundamentam dor
psicológica, vergonha ou vexame
• As penas também eram variáveis conforme as condições das pessoas, podendo
haver comportamentos idênticos punidos de forma diferente, única e
exclusivamente em virtude da pretensa do agente a um determinado grupo social
e não a outro
• As penas também eram transmissíveis, ou seja, se o agente do crime fosse um, a
pena poderia der aplicada não apenas a esse, mas, por exemplo, aos membros da
mesma família
Se olharmos para os meios de prova em processo penal, também vamos encontrar o
arrepio de alguns princípios estruturantes. Assim, não é de estranhar que, por exemplo, o
ónus da prova pudesse recair não sobre o autor, mas sobre o réu, que teria de demonstrar
a sua inculpabilidade, ou seja, teria necessidade de demonstrar que não era culpado.
Os meios probatórios também eram muito diversos, desde meios probatórios racionais,
como aqueles que temos hoje (a prova testemunhal, a prova documental), até meios
probatórios absolutamente irracionais, como os ordálios, os juízos de Deus ou a prova
caldária. Esta última, por exemplo, consiste no acusado colocar a mão dentro de um
recipiente com um líquido a ferver e, naturalmente, queimava-se.
Assim, o primeiro passo da entrega ao Estado deste direito de punir, está nas condições
que a comunidade vai exigir para que a vingança privada pode ser exercida. Ainda que a
reparação e a punição dos crimes estejam entregues à comunidade, a vingança privada
não é um processo desvinculado, ela está conformada por regras e são essas regras o
primeiro passo no sentido de atribuir ao Rei a publicização do ius punenti, do direito de
exercer a reparação e a punição dos crimes.
A perda da paz relativa é um processo, está subordinado a regras que eram impostas pelas
autoridades locais, designadamente, as autoridades concelhias.
Para que a vingança pudesse ter lugar, era necessário que o ofendido ou os seus familiares
(no caso de homicídio), viessem fazem previamente fazer um desafio formal ao agressor,
perante a autoridade local, a Assembleia do Concelho, dando nota de que houve a prática
daquele crime.
O criminoso tinha então 8 dias para abandonar o local do crime (desterro) ou para adiar
a vingança, desde que pagasse uma quantia designada por fredume, que revertia em parte
para o Conselho e outra parte para o ofendido e seus familiares. Todavia, este pagamento
não afastava a possibilidade de findos os 8 dias, o ofendido e a família perseguirem o
agressor.
A Composição
É uma forma de pôr fim à vingança, repondo a amizade entre o agressor e o ofendido ou
os seus familiares. Há vários tipos de composição:
Composição pecuniária: é uma forma de pôr fim à vingança privada através de um
quantitativo em dinheiro que o agressor pagava e que revertia para o ofendido ou para os
seus familiares, sendo considerado bastante e excluindo, assim, a prossecução da
vingança. No fundo, o criminoso indemnizava a vitima ou seus familiares e essa
indemnização era considerada reparação bastante, a vingança não prosseguia e a paz
estava restaurada.
Composição corporal: é uma forma de pôr fim à vingança privada, sobretudo, nas
circunstâncias em que o criminoso não tem bens. É o chamado “entrar às varas”, em que
o criminoso recebia publicamente um conjunto de varadas do ofendido.
Composição por missas: o agressor mandava rezar um determinado número de missas
em honra do ofendido.
Qualquer um destes tipos de composição tinha como efeito pôr fim à vingança privada e,
portanto, a faida já não teria lugar.
Em regra, terminava através de uma cerimónia que incluía o chamado ósculo paxis, o
beijo da paz. A amizade estaria reposta e a justiça estaria saldada.
A composição, em rigor, não é propriamente uma pena, mas é um sacrifício que a lei
impunha e facultava aos criminosos, para que estes evitassem a vingança do lesado ou
dos seus familiares.
o Violação de tréguas
Ao olharmos para o direito foraleiro, vamos perceber que as comunidades, através das
fontes de direito, vão prever não apenas os esquemas da vingança privada, mas também
as penas que devem ser aplicadas a determinados crimes.
A pena de morte, estava prevista para determinado tipo de crimes considerados graves,
como o homicídio, a violação, as ofensas corporais graves ou o ladrão reincidente.
A forma de execução da pena de morte mais frequente era o enforcamento, mas também
existiam outras formas como por exemplo, enterrar vivo o criminoso debaixo do corpo
da sua própria vítima, a lapidação, a crucificação, a fogueira, o afogamento e, para os
nobres, reservava-se a decapitação.
As penas cruéis e infamantes não se destinam a imprimir dor física, elas eram aquelas
que se consideravam particularmente humilhantes e vexatórias, como por exemplo, o
corte da barba nos homens, o corte do cabelo nas mulheres, a procissão do réu de pé,
descalço e com uma corda ao pescoço, a flagelação pública do réu, o marcar o réu com
um ferro em brasa e a exposição do réu em gaiolas no pelourinho das vilas.
Algures neste caminho, vamos ver os nossos monarcas ocupados com estas questões
penais e a criarem legislação, fortemente influenciados pelo direito romano e pelo direito
canónico, no sentido de chamarem a si o monopólio coercitivo. Desde cedo, os nossos
monarcas vão se ocupar do sistema penal, criando legislação sobre a matéria.
No ano seguinte, o Rei, fundamentado no ius commune, vem proibir a vingança privada,
mesmo entre os fidalgos, chegando mesmo a culminar a morte para os fidalgos que
desobedeçam a esta orientação. Entre 1326 e 1330, vai sendo produzido um conjunto de
leis do mesmo monarca que têm este efeito, proibir a vingança privada.
Ao mesmo tempo que se pretende trazer para a esfera pública, para a Cúria Régia, o
arbitrário destes conflitos, também vai sendo produzida legislação, que vai proteger a
justiça pública e criar particulares deveres para os juízes, nomeadamente, orientando-os
pelo valor máximo do Direito, que é a justiça.
Em 1355, D. Afonso IV elaborou uma lei que ficou conhecida como “a lei dos crimes
públicos”. Esta lei definia e estabelecia a punição de um conjunto de crimes que, pelas
suas características, se entendia que deviam ser de investigação oficiosa e obrigatória,
mesmo que não haja queixa do ofendido (crimes públicos). Como tal, eram considerados
os seguintes crimes:
• Crimes Políticos ou de Lesa Majestade;
• Homicídio doloso qualificado e os ferimentos graves;
• Crimes contra a justiça pública, como a resistência ao oficial do rei;
• Crimes religiosos, como a heresia, o sacrilégio ou a blasfémia;
• Crimes sexuais, como a violação, o adultério, o incesto, a bigamia e a alcovitaria;
• Crimes quanto à propriedade, como o furto e o dano;
• Crimes de Feitiçaria.
Direito Romano
Vivia-se sob o princípio da autoridade suprema do “pater-familia”, o qual detinha a titularidade dos bens de
todos os membros do grupo familiar e dispunha do poder de vida ou de morte dos filhos (agnação) e das
pessoas que compunham a sua família, o que extravasava o nosso entendimento de poder paternal.
Direito Visigótico
O poder paternal, de facto, está entregue ao pai, mas a mãe já tem determinados direitos, que acabam por
significar uma relevância grande da sua função.
Ao mesmo tempo, o poder paternal não estava apenas configurado como um poder de sujeição à pater
potestas, mas também como uma espécie de poder-dever ou poder funcional.
Isto significa que o direito de correção que os pais têm, a autoridade que lhes assiste, era vista como uma
contrapartida das obrigações dos deveres que o poder paternal tinha relativamente aos filhos, nomeadamente,
deveres de educação, deveres de proteção e deveres de direção.
A pater potestas cabia ao pai, ainda que a legislação visigótica venha reconhecer à mãe determinados direitos
que ombreiam com os direitos do pai. Por exemplo, se o filho menor pretendesse casar, estava sujeito não
apenas à autorização do pai, mas também da mãe.
Como consequência deste direito paternal que assiste ao pai relativamente ao filho, se o filho adquirisse
património, este era propriedade paterna, sendo trazido à coação, em sede de herança, no caso de morte do
chefe de família.
No entanto, há determinados bens que os filhos podem manter como seus, nomeadamente, os bens que advém
da herança da mãe e também alguns bens que eram considerados especiais, como por exemplo, doações que
o Rei fizesse aquele filho.
Importa também sublinhar que, embora o exercício do poder paternal coubesse ao pai, se ele morresse durante
a menoridade dos filhos, a mãe não passava a exercer o poder paternal, mas sim uma tutela sobre os filhos.
A autoridade do pai não se fundamentava em aspetos políticos e servia para disciplinar a vida
familiar. O exercício do poder paternal cabia ao pai, e se ele morresse durante a menoridade dos
filhos, a mãe não passava a exercer o poder paternal, mas sim uma tutela sobre os filhos.
No direito foraleiro português percebe-se uma evolução nesta matéria, relativamente à matriz visigótica que
foi deixada.
O poder paternal pertence a ambos, ao pai e à mãe, ainda que seja percetível uma superioridade paterna face
ao facto de ele configurar o chefe de família.
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Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo II, 1983, página 165 a 169
O poder paternal cessa com a morte de um dos pais, mas cessa também quando o filho casa e constitui a sua
própria família.
Revela já uma evolução nesta matéria, o poder paternal extingue-se pela morte, mas o cônjuge sobrevivo,
ainda que seja a mulher, mantém o exercício do poder paternal (patria potestas).
ADOÇÃO2
A adoção está prevista no Direito Romano Justinianeu. Este previu duas formas de adoção: a adrogatio e a
adoptio.
Na época pós-clássico acentuou-se a tendência para eliminar a adrogatio e fazer a adopção no sentido da
adoptio, segundo o princípio “adoptio naturam imitatur”.
Mantém-se e evolui um conceito de adopção em que se pretende colocar o adoptado na situação que teria se
tivesse nascido no seio da família, deixando de existir a forma política de adopção.
Quando chegamos ao Direito antigo português, quando Portugal nasce como reino, não encontramos
vislumbre a figura de adoptio, mas surge-nos uma outra, a perfilactio, que tem um significado próximo, mas
com contornos e fins diversos.
• Perfilactio: destina-se a evitar que as regras sucessórias sejam aplicadas e outros propósitos, como
legitimar filhos nascidos fora do casamento.
Quando se dá a receção em Portugal do Direito Romano Justinianeu, o que é facto é que nós vamos encontrar
nas Siete Partidas, algumas referências à adoção no sentido de adoptio romana.
O que é facto é que este instituto não se impôs no nosso direito antigo ao longo dos tempos. Por isso, as
Ordenações Afonsinas, vão se ocupar de forma muito incidental deste instituto da adoção.
Aliás, este instituto entra em decadência no século XVI, e o primeiro Código Civil, de 1867, não introduz
qualquer regra dedicada à adoptio.
Portanto, em Portugal, durante este período histórico, a adoptio está presente nas fontes de forma muito
modesta, mas o instituo particularmente relevante foi a prefilactio.
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Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo II, 1983, página 169 a 171
Ela pode ser identificada como a modificação subjetiva da relação jurídica de pessoas, ou mais amplamente,
da situação jurídica, isto é, a alteração de um complexo de direitos e deveres de que um determinado sujeito
era titular.
Em termos teoréticos, a sucessão pode ocorrer inter-vivos, entre sujeitos que estão vivos e atuantes na ordem
jurídica, ou pode ser mortis-causa, se atendermos especialmente ao facto de determinado certo tipo de
sucessão se encontrar na morte daquele em cuja posição jurídica outros vão ingressar.
Conceitos base
De cujus: é a pessoa falecida que deixa bens para distribuir.
Herança: é o conjunto de bens que importa afetar aos herdeiros, porém, até à data da morte do “de cujus” os
herdeiros apenas têm expectativas, pois só com a morte daquele é que são chamados a receber a herança.
Sucessão universal
O novo sujeito substitui o anterior sujeito na totalidade das relações jurídicas pertencentes ao primeiro. O
sujeito que morre assume tecnicamente a designação de de cujus e quem lhe sucede assume a designação de
herdeiro. Aquilo que este último recebe chama-se herança.
Sucessão singular/particular
Apenas se sucede na titularidade de certos e determinados direitos, que estão também ligados a certos e
determinados bens. Aquele que recebe um certo e determinado bem, designa-se por legatário e o que ele
recebe é um legado.
A Vontade
Se o de cujus deixou designado sucessor, podemos privilegiar a sua vontade.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, I Volume, Tomo II, 1983, página 171 a 185
Contudo, estas duas fontes não se excluem necessariamente, porque a vontade deve mover-se nos quadros do
direito. Se a vontade operar, então, também é necessário que essa vontade, no fundo, salvaguarde as normas
imperativas e obrigatórias que o ordenamento jurídico estabelece e que limita essa vontade.
Quando a lei permite que o de cujus expresse a sua vontade em relação a uma parte dos seus bens – quota
disponível – mas, por outro lado, restringe a sua liberdade de dispor do restante património – quota
indisponível – então os dois fatores de chamamento à herança (vontade e lei) funcionam em simultâneo.
Sucessão voluntária
(relacionada com a quota disponível)
É aquela em que a vontade do autor da sucessão pode operar através de um testamento ou de um contrato.
• Sucessão testamentária: ato jurídico unilateral em que o de cujus faz um testamento e só após a sua
morte é que se conhecem os beneficiários.
• Sucessão contratual: ato jurídico bilateral praticado entre o de cujus e terceiros, só produzindo efeitos
após a morte do de cujus.
Teoricamente é possível, mas não era admissível porque através de um contrato a vontade de um
poderia facilmente suplantar ou sobrepor-se à vontade do outro, limitando-a.
Instituto da redução por inoficiosidade: ocorre para corrigir a vontade do de cujus, reduzindo o valor da
herança dos legatários até à quota disponível, quando esta foi ultrapassada pelo de cujus.
É aquela em que o autor da sucessão nunca pode ou já não pode modificar, por ter morrido.
No direito visigótico os bens eram repartidos em estirpes e depois divididos por cabeça.
Além disso, existiam também dois princípios essenciais que regiam o fenómeno sucessório:
Princípio da igualdade dos sexos: consistia na igualdade entre homens e mulheres no que toca à capacidade
para deixar herança. Os direitos sucessórios da mulher não sofriam qualquer limitação, ou seja, a mulher, pelo
facto de o ser, não tem qualquer limitação em termos sucessórios e, portanto, também tem capacidade para
deixar herança.
Princípio da proximidade de grau: distribuía toda a herança aos parentes do grau mais próximo, afastando
os outros da sucessão (atualmente, o grau mais próximo é composto pelo cônjuge sobrevivo e pelos filhos).
Se existir um parente mais próximo, ele sucederá em preferência ao parente mais afastado, em termos
supletivos. Por exemplo, se houver filhos, não sucedem os netos, e assim sucessivamente.
o Direito de troncalidade: operava na sucessão dos ascendentes, quando o de cujus morria sem
descendentes. Os bens próprios do de cujus, portanto, que lhe advieram por património familiar
(herança ou doação), deviam reverter para o mesmo lado da família de onde esses bens provinham.
• só se admitia este princípio se à sucessão do de cujus concorressem dois ou mais avós de linhas
diferentes;
• esta regra não se aplicava se fossem os pais os sucessores, portanto, só se aplicava se os
sucessores fossem os avós, bisavós e demais ascendentes;
Como é que o Direito Sucessório estava disciplinado no direito português, por forte influência do direito
visigótico?
Em Portugal, vai manter-se no geral o sistema das linhas sucessórias acolhido pelo código visigótico, contudo,
o direito de troncalidade vai ser admitido em termos muito mais latos, tornando-se mesmo um elemento
particularmente caracterizador do nosso sistema sucessório.
Ø Este direito também se aplicava mesmo que concorressem os dois pais à sucessão.
Ø A limitação existia porque importava olhar para a proveniência desse bem: se o bem tivesse origem
num colateral ascendente ou num ascendente para além dos avós (portanto, nos bisavós), então não se
aplicava o direito de troncalidade.
Direito Romano
Acolhia a total e absoluta liberdade de testar todos os bens. O autor da sucessão poderia dispor em vida,
por morte, livremente de todos os seus bens ou, mais amplamente, do património familiar.
Direito Visigótico
Quase não previa a capacidade de testar, já que existia um forte sentimento de comunidade, não sendo bem
vista a alienação do património para fora do seio familiar.
Contudo, por influência do Direito Romano, começou-se a admitir uma quota de livre disposição dos bens,
correspondente a 1/5 do património, a par dos 4/5 que permaneciam indisponíveis e teriam de ser
obrigatoriamente deixados à família.
A quota disponível era normalmente entregue a instituições religiosas, ideia que transitou para o período
da reconquista cristã, já que era entendido como sendo uma forma de comprar um lugar no céu.
Com efeito, no período da reconquista impôs-se a ideia de solidariedade familiar, o que se refletiu no regime
do sistema visigótico, passando então a vigorar os seguintes institutos:
Laudatio parentium
Todos os atos de disposição patrimonial de bens imóveis, quer em vida, quer em morte, estavam sujeitos à
aprovação dos familiares. Naturalmente, que se o parente tivesse uma pretensão sucessória, ele não autorizaria
e, por essa via, limitava a vontade do proprietário do bem em causa.
A partir do século XIII, por influência do Direito Romano Justinianeu, já encontramos consagrada no direito
português a figura do testamento. A prova disso mesmo é uma lei de 21 de maio de 1349, que rege a
publicação dos testamentos.
Esta lei diz-nos quais são as formas pelas quais os testamentos podiam ser realizados:
Havendo testamento, a vontade do testador, no direito antigo português, é absolutamente livre, como no
Direito Romano, ou estava limitada, como no Direito Visigótico?
O antigo direito português conheceu limitações à vontade do testador, que estão plasmadas no Direito e,
portanto, voltamos a ter uma sucessão legal.
Porém, esta sucessão legal é legitimária. Estamos perante um corpo de regras que é impositivo, obrigatório e
que se impõe à vontade do testador, ele não pode desrespeitar.
A quota livre no direito português era de 1/5 no Norte (por influência visigótica) e de 1/3 no Sul (por influência
muçulmana).
Os elementos essenciais relativos à história das Ordenações Afonsinas constam do proémio do seu livro I e aí
se referem os pedidos insistentes, formulados em Cortes, no sentido de ser elaborada uma nova coletânea
do direito vigente que evitasse as incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com
graves prejuízos para a vida jurídica e a administração da justiça.
Cada vez se tornava mais árdua a coordenação das várias fontes, a fim de se apurar o direito aplicável aos
diversos casos concretos.
D. João I atendeu essas representações e encarregou João Mendes, corregedor da Corte, de preparar a obra
pretendida.
Falecido este rei, o Infante D. Pedro, regente na menoridade de D. Afonso V, incitou o compilador a aplicar-
se à tarefa. Rui Fernandes veio a concluir a obra em (28) julho de 1446, na Villa da Arruda.
O projeto foi seguidamente submetido a uma comissão composta pelo mesmo Rui Fernandes e por outros três
juristas, Lopo Vasques, Luís Martins e Fernão Rodrigues.
Após ter recebido alguns retoques, procedeu-se à sua publicação com o título de Ordenações, com o nome de
D. Afonso V.
Qual parte das Ordenações que terá sido redigida por João Mendes e qual parte é que terá sido redigida pelo
Rui Fernandes?
O Livro I, da autoria de João Mendes, está redigido num estilo diferente dos livros seguintes, é o chamado
estilo direto e decretório, também designado por legislativo. Este estilo consiste numa forma de redigir a lei
como se ela estivesse a ser criada naquele momento, sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista técnico.
Os restantes livros, da autoria do Dr. Rui Fernandes, estão redigidos num estilo compilatório, ou seja, as leis
foram reproduzidas exatamente como teriam sido criadas. Este estilo consiste na transcrição da norma jurídica,
incluindo todas as versões anteriores da mesma, bem como todos os comentários e anotações que se fizeram
sobre ela, sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista histórico.
No entanto, esta explicação das diferenças de estilo, não responde à questão que colocámos. As matérias que
integram os restantes livros eram facilmente compiláveis, mas no caso dos cargos públicos do Livro I, essas
normas foram redigidas especificamente para este esforço compilatório, não existiam leis anteriores sobre esta
matéria e, por isso, não era possível obedecer ao estilo de mera compilação.
Assim, podemos concluir, então, que não é possível distinguir quais as partes das Ordenações que foram
redigidas por um e por outro autor.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 36 a 51
O trabalho compilatório foi concluído durante a menoridade de D. Afonso V, enquanto D. Pedro, o Infante de
Alfarrobeira, assumia a regência do reino. É um facto que havia uma forte resistência a tudo aquilo que pudesse
ser obra do Infante, por isso, é normal que se pergunte se as Ordenações Afonsinas terão vigorado em Portugal.
A resposta é afirmativa.
O facto de terem chegado até nós exemplares das Ordenações em número tão significativo, inculca a ideia de
que eles foram fonte de direito vigente no nosso país.
Além disso, ainda não se utilizava a imprensa, pelo que levaria considerável tempo a tirarem- se as cópias
manuscritas, laboriosas e dispendiosas, necessárias à difusão do texto das Ordenações em todo o País, fora da
Chancelaria Régia e dos Tribunais Superiores.
Acresce que se verificava grandes desníveis de preparação técnica entre os magistrados e demais
intervenientes na vida jurídica dos centros urbanos e das localidades deles afastadas.
Sistematização
Talvez por influência das Decretais de Gregório IX, as Ordenações Afonsinas encontram-se divididas em 5
livros.
Cada um dos mesmos compreende um certo número de títulos, com rubricas indicativas do seu objeto, e estes
acham-se subdivididos em parágrafos.
Todos os livros são precedidos por um proémio, que no primeiro se apresenta mais extenso por nele se narrar
a história da compilação.
o Livro I
Abrange 72 títulos, ocupa-se dos regimentos dos diversos cargos públicos, apresentando, portanto, um
conteúdo jurídico-administrativo.
o Livro II
Composto por 123 títulos muito heterogéneos, disciplinam-se os bens
e privilégios da Igreja, os direitos do rei, e a sua cobrança, a jurisdição Livro I: trata dos cargos públicos;
dos donatários, e as prerrogativas da nobreza, o estatuto dos Judeus e Livro II: trata da matéria do
dos Mouros. Agora, consagravam-se providências de natureza Direto Público, portanto, os
política ou constitucional. direitos do Rei, dos clérigos, dos
nobres, o fisco, as notarias, os
o Livro III judeus, os mouros;
Com 128 títulos, tratava do processo civil. Livro III: trata do Processo Civil;
Livro IV: trata do Direito Civil
o Livro IV substantivo;
Ao longo de 112 títulos, se ocupava do direito civil substantivo, Livro V: trata do Direito Penal;
designadamente de temas de direito das obrigações, direito das
coisas, direito da família e direito das sucessões.
o Livro V
Continha 121 títulos sobre direito e processo criminal (podendo certos atos processuais encontrarem-se, em
certos casos, regulados no livro III).
Importância da obra
As Ordenações posteriores, a bem dizer, pouco mais fizeram do que atualizar a coletânea afonsina.
A publicação das Ordenações Afonsinas liga-se ao fenómeno geral da luta pela centralização.
Acentuou-se a independência do direito próprio o Reino em face do direito comum, subalternizado no posto
de fonte subsidiária por mera legitimação da vontade do monarca.
Por isso, além das fontes principais do direito, estabeleceu-se um sistema de fontes subsidiárias, isto é, uma
hierarquia de fontes do direito para recorrer na falta de direito pátrio.
Contudo, importa sublinhar que mesmo assim nem todas as fontes de direito que persistem neste período estão
integradas neste elenco das fontes principais e subsidiárias de direito.
Fontes Subsidiárias
• O Direito Romano (para questões temporais)
• O Direito Canónico (para questões espirituais e temporais de pecado, como por exemplo a usucapião
de má fé)
• A glosa de Acúrsio
• A opinião de Bártolo
• A resolução régia
De acordo com o Direito Romano, era solução que nesta situação o possuidor de má fé se pudesse transformar
em proprietário, desde que a situação se prolongasse durante um longo período de tempo, neste caso, 30 anos.
O Direito Canónico, por sua vez, não permitia a usucapião de má fé, uma vez que se incorria em pecado.
Além disso, o Direito Canónico vai também aplicar-se nos casos em que o Direito Romano não prevê solução,
ainda que se trate de uma questão puramente temporal, exceto se for contrariado pelas opiniões e pelas glosas
dos doutores em leis, remetendo-se para a resolução régia.
Como dissemos anteriormente, o direito foraleiro não está aqui previsto, mas ele permanece como direito
aplicado neste período, sendo objeto inclusivamente de reforma. Os forais estão desatualizados, mas são
entendidos pelas populações como as suas cartas de liberdade e, por isso, eram olhados com particular favor.
Assim, também os monarcas vão olhar para os forais, como é o caso de Manuel I, que será protagonista de
uma reforma desta fonte de direito.
A opinião dos doutores também não está prevista de uma forma direta e imediata, como vai acontecer nas
Ordenações Manuelinas. Ela está apenas prevista de forma implícita. Valoriza-se Bártolo, sem prejuízo
daquilo que os outros doutores possam dizer em contrário.
São as últimas compilações que conhecemos, foram aquelas que permaneceram mais tempo em vigor, sendo
completamente revogadas apenas no século XIX com a codificação, designadamente, com o Código Civil de
1867. Porém, veremos primeiro o contexto que dita o seu aparecimento.
Contextualização Histórica
As novas Ordenações ficaram concluídas em 1595 e receberam aprovação por Lei de 5 de junho desse mesmo
ano, mas que não chegou a produzir afeito. Só no reinado de Filipe II, através da lei de 11 de janeiro de 1603,
iniciaram a sua vigência – a mais duradoura em Portugal.
No reinado de D. Filipe I desenvolveu-se consideravelmente a atividade legislativa, o que fez com que
houvesse a necessidade de revisão das Ordenações Manuelinas.
Para este trabalho foram encarregados três juristas, nomeadamente, Jorge Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro e
Duarte Nunes de Leão.
Estas Ordenações têm uma norma que manda revogar/cessar a vigência de todas as leis extravagantes, com
poucas exceções:
o Ordenações da Fazenda
o Artigos das Cinzas
o Leis que se encontrassem transcritas num determinado livro da Casa da Suplicação
É um facto que há um grande desfavor relativamente a este texto, devido a ter origem em reis estrangeiros,
por isso, todos os erros e gralhas encontrados ficaram designados de filipismos.
Sistematização
A sistematização desta obra é exatamente a mesma que encontramos nos textos compilatórios anteriores.
Assim, encontramos:
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 58 a 63
A epígrafe da matéria relativa ao direito processual, onde se incluem as fontes subsidiárias, já tinha sido
alterada na edição de 1521, passando a ser “Como se julgarão os casos que não forem determinados pelas
Ordenações”.
Esta matéria estava integrada no Livro II, sobretudo, na parte dedicada aos privilégios da Igreja e às relações
entre o Estado e a Igreja.
Nas Ordenações Filipinas, esta matéria passa a estar trabalhada no Livro III, dedicado ao Processo Civil.
Podemos fazer um juízo crítico relativamente à inclusão, como fez o Professor Braga da Cruz.
Será que o Livro III seria a sede mais adequada para tratar aquela matéria?
Esta inclusão sistemática tem um significado particular. A matéria relativa ao direito processual passou para
o livro III porque a aplicação do direito deixou de ser vista como uma questão política, de conflito de poderes
entre o Estado e a Igreja, e passou a ser vista como uma questão técnica, uma mera questão de processo.
Encontrar o direito aplicável era já no séc. XVII um problema de direito processual
Nem todas as fontes de direito que estudámos no período anterior estão integradas neste esforço compilatório,
designadamente, os forais.
As fontes principais e as fontes subsidiárias mantiveram-se, mas foram introduzidos alguns conceitos mais
específicos.
Fontes Principais/Primárias
• A lei do Rei
• O estilo da corte
Passou a ter correspondência com o costume judiciário, ou seja, uma prática repetida nos tribunais superiores
que se transformava numa norma a ser seguida pelos tribunais inferiores. Passou mesmo a consignar-se que o
estilo da corte tinha de ser plural (usado por mais de um tribunal), antigo (com pelo menos 10 anos) e
conforme à razão.
• O costume antigo
Para ser aceite como fonte principal, passou a ter de ser plural, antigo (com pelos menos 100 anos), conforme
à razão e conforme à lei.
Fontes Subsidiárias
Elaboração
Relativamente pouco tempo durou a vigência das Ordenações Afonsinas, sobretudo considerando as
dificuldades que sempre rodeiam a preparação de uma obra deste género.
Concluídas e aprovadas pelos meados do séc. XV, logo em 1505 se tratava da sua reforma.
Com efeito, nesse ano, D. Manuel encarregou três destacados juristas da época, Rui Boto, Rui Grã e
João Cotrim, de procederam à atualização das Ordenações do Reino, alterando, suprimindo e
acrescentando o que entendessem necessário.
Como a lei do Rei se destina a produzir efeitos num tempo alargado, então, o processo de elaboração
das leis deveria estar rodeado de particulares cautelas, o que aponta para a exigência de requisitos.
Além disso, não é possível impor o cumprimento da lei aos súbditos, se não for possível levá-la ao seu
conhecimento.
A lei deve ser clara, a sua disciplina deve ser retilínea, há a obrigação do Rei proceder à interpretação
autenticamente se o texto da lei for obscuro e o conhecimento pelos destinatários é indispensável para
impor o cumprimento normativo legal.
O conhecimento da lei passa também por um esforço de compilar o Direito vigente.
Tem-se conjeturado sobre os motivos que levariam o monarca a determinar tal reforma.
Não seria indiferente a D. Manuel, que assistiu a pontos altos da festa dos descobrimentos, ligar o seu
nome a uma reforma legislativa de vulto.
A suposição alicerça- se em vários testemunhos, inclusive na importância atribuída pelo rei ao direito
e à realização da justiça (no âmbito do direito local, D. Manuel procedeu à reforma dos forais).
Encontra-se uma outra condicionante na introdução da imprensa, pelos finais do séc. XV. Uma vez
que impunha levar à tipografia a coletânea jurídica básica do país, para facilidade da sua difusão,
convinha que a mesma constituísse objeto de um trabalho prévio de revisão e atualização.
A primeira impressão das Ordenações Manuelinas foi realizada por um grande editor da época,
Valentim Fernandes. Este editou entre 1512 e 1513 todos os 5 livros que integram as Ordenações.
Sabemos, inclusivamente, que o primeiro livro a ser impresso não foi o Livro I, mas sim o Livro V.
Porém, à data do manual dos Professores Albuquerque, só se conheciam os dois primeiros livros e, por
isso, naquela altura surgiu a dúvida se efetivamente teria existido uma impressão dos restantes livros.
Essa dúvida está hoje ultrapassada, como já vimos.
Em 1514, encontra-se uma nova edição dos 5 livros das Ordenações, devida a outro editor, João
Pedro Bonini.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 52 a 58
Os compiladores desta edição foram juristas de primeira nomeada, como Rui Boto, Rui da Grã,
Cristóvão Esteves e João Cotrim.
Apesar do Rei pretender que esta edição seja definitiva, a verdade é que ela não será a última.
Já após a sua morte, foi encontrada uma outra edição das Ordenações Manuelinas, datada de 1539,
que assinala algumas diferenças significativas.
Sistematização
Apurou-se que não houve uma transformação radical ou profunda do direito português.
Há uma diferença, na edição de 1513 e 1514, esta matéria das fontes está tratada no Livro II, Título
III, enquanto que na edição de 1521 surge no Livro II, mas no Título V. Porém, a epígrafe é exatamente
a mesma: “Quando a lei contradiz a decretal, qual delas se deve guardar?”
Técnica Legislativa
Relativamente ao mérito técnico deste trabalho, importa dizer que as leis foram rescritas como se se
tratasse de leis novas. É verdade que muitos desses preceitos legais são, no fundo, um reescrever de
preceitos anteriores, mas do ponto de vista técnico avança-se e aprimora-se o texto afonsino anterior.
Abandona-se o estilo compilatório e todo o texto manuelino, nos vários livros, é escrito no estilo direto
e decretório.
Por outro lado, como documento histórico, o texto manuelino perde algum favor face ao texto afonsino
porque agora não é possível perceber de forma imediata se uma determinada lei é nova, criada naquele
tempo histórico, ou se se trata de um reescrever de uma lei antiga.
Fontes Subsidiárias
• O Direito Romano (para questões temporais)
• O Direito Canónico (para questões espirituais e temporais de pecado)
• A glosa de Acúrsio – EXCETO se for contrariada pela opinião comum dos doutores tanto
anteriores como posteriores
• A opinião de Bártolo – EXCETO se for contrariada pela opinião comum dos doutores
posteriores
• A resolução régia
Introduziram também, como fonte de direito subsidiária, a opinião comum dos doutores como critério
filtro de utilização e de tutela da glosa de Acúrsio e da Opinião de Bártolo.
Com efeito, a glosa de Acursio só seria utilizada como fonte subsidiária se não fosse contrariada pela
opinião comum dos doutores.
No que respeita à opinião de Bártolo, esta só poderia ser utilizada como fonte subsidiária se não
pudesse ser contrariada pela opinião comum dos doutores proferida em momento posterior à opinião
de Bártolo.
Esta consagração da opinião comum dos doutores foi entendida por alguns autores como uma cedência
ás ideias do humanismo, que criticava as escolas medievais e particularmente as suas maiores figuras.
Outros autores explicam duma outra forma esta opção das Ordenações Manuelinas, defendendo que
Bártolo não foi posto em causa porque a opinião comum dos doutores foi produto da sua escola e,
além disso era preciso deixar em aberto a possibilidade dos juristas posteriores terem opiniões mais
válidas e actualizadas do que ele.
Estes autores fazem aliás notar que a prevalência da opinião comum dos doutores só funciona em
relação a juristas futuros, nunca se contestando a autoridade de Bártolo em relação aos juristas
anteriores ou do seu tempo.
Edição
O aparecimento de compilações oficiais de fontes de direito, como as ordenações, não impedia que se
continuasse a legislar. Surgem assim diversas leis que não ficaram incluídas nos grandes corpos legais, dando-
se-lhes o nome de extravagantes (por estarem de fora).
Uma dinâmica legislativa acelerada, caraterística da época, teve como efeito que as Ordenações Manuelinas
se vissem rodeadas por inúmeros diplomas avulsos.
Estes não só revogavam, alteravam ou esclareciam muitos dos seus preceitos, mas também dispunham sobre
matérias inovadoras.
Tornou-se imperiosa a elaboração de uma coletânea que constituísse um complemento sistematizado das
Ordenações, permitindo a certeza e a segurança do Direito.
Coube iniciativa ao Cardeal D. Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião, que encarregou o licenciado
Duarte Nunes de Lião de organizar um repositório do direito extravagante, ou seja, que vigorava fora das
Ordenações Manuelinas.
Esse jurisconsulto (à data procurador da Casa da Suplicação), dispunha de experiência que assegurava o êxito
do empreendimento legislativo pretendido. Na verdade, tinha elaborado uma coletânea particular de preceitos
extravagantes, segundo determinação de Lourenço da Silva.
Ora, na compilação que obteve força vinculativa, em vez de uma transcrição das leis e dos assentos anteriores,
procedeu-se, com o objetivo de torná-la menos volumosa e de consulta mais cómoda, ao resumo ou excerto
da essência dos diversos preceitos.
A essa síntese reconheceu o Alvará de 14 de fevereiro de 1569 “fé e crédito”, atribuindo-lhe “a mesma
autoridade” das disposições originais.
Antes, porém, cometeu-se a Lourenço da Silva e a outros letrados do Conselho e Desembargo do Rei uma
revisão desse “relatório de substância” das normas extravagantes.
Sistematização
Cada uma das partes compreendia vários títulos, cujos preceitos se designavam leis, ainda que extraídos de
natureza diversa. As leis mais extensas encontravam- se subdivididas em parágrafos.
Esta compilação data de 1569 e é diferente de uma outra compilação que não é oficial, é manuscrita, a que
José Anastácio de Figueiredo chamou de Primeira Compilação, sendo que esta é a Segunda Compilação.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 64 a 76
Outras Coleções
Foi produzido no reinado de Filipe I de Portugal, sendo concluído em 1595, mas só entrou em vigor em 1603,
no tempo de Filipe II de Portugal.
Porém, importa salientar que este esforço não esgotou a existência de leis extravagantes neste período.
Com efeito, ainda no século XVI, encontram-se outras compilações de leis, muitas delas sem valor oficial,
mas que têm como propósito tornar mais fácil o conhecimento da lei que vigorava:
o O Sistema ou Coleção dos Regimentos Régios
o A Coleção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal, Parte II
o A Coleção da Legislação Portuguesa
o A Coleção Cronológica de Leis Extravagantes
o Coleção de greves pontifícios e leis regias
o Coleção de Leis, Alvarás e Decretos Reinado D. José I
o Coleção de Leis, Alvarás e Decretos Reinado D. Maria I
o Coleção de Leis, Alvarás e Decretos e Cartas Régias
Contudo, há alguns diplomas que atingem particular destaque, que foram publicados depois das Ordenações
Manuelinas, e que mereciam ser extravagantes. Alguns exemplos são:
o Regimento da Relação do Porto
o Lei de Reformação da Justiça
Durante todo o século XIX, mas já com precedentes desde os meados do século XVII, a Europa assiste
a um movimento codificador generalizado, traduzido na elaboração de amplos corpos legislativos
unitários, obedecendo a uma orgânica mais ou menos científica e que condensavam, autonomamente,
as normas relativas aos ramos básicos de direito, já então individualizados.
O processo mostra-se complexo nas suas várias determinantes (filosóficas, ideológicas, políticas,
económicas e sociais)
Em termos filosóficos, a codificação partiu da ideia de que se devia consagrar o racionalismo, agora
misturado com os novos ideais da plenitude do ordenamento jurídico e da segurança ou certeza na
aplicação do direito.
Embora o movimento revele denominadores comuns, importa salientar, no campo civilístico, duas
orientações, formal e substancialmente diferenciadas, cujos paradigmas residem, justamente, nos
Códigos Civis Francês (1804) e Alemão (1900).
Havia que estabelecer a nova ordem decorrente do direito natural racionalista, isto é, daquele conjunto
de normas que traduziam valores imutáveis que se tornava possível atingir pela razão.
Importa reter uma diferença importante: em determinados países as codificações surgiram com o
patrocínio do Despotismo Esclarecido, ao passo que noutras foram consequência da difusão das ideias
oriundas da Revolução Francesa, onde o princípio da separação de poderes detinha um enorme relevo.
Este postulado conduzia a que todo o direito se apresentasse como uma exclusiva criação do poder
legislativo, daqui se traça o caminho do positivismo legalista:
• Direito é uma criação do Estado, enquanto poder legislativo, e esse direito positivo transforma-
se num dado indiscutível
• Direito identifica-se com a lei e qualquer problema seria resolvido através do formalismo de
uma dedução lógica do sistema para o caso concreto
• Negava-se assim, ao julgador, qualquer possibilidade mínima associada a uma função criadora,
transformando-se num autómato do silogismo judicial
• Valores da certeza e segurança jurídicas, tidos na altura como valores fundamentais
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 223 a 227
| SOFIA CUNHA
As raízes deste movimento científico e legislativo em Portugal, estão na:
Se estava assim definida em sede geral a aplicação do Direito Romano como fonte subsidiária, em
matérias políticas, económicas mercantis e marítimas, poder-se-ia recorrer imediatamente às leis em
vigor nas nações estrangeiras consideradas iluminadas. è a porta aberta para a recepção dos Códigos
modernos, nomeadamente:
1)Prússia
2)França
3)Áutria
4)Sardenha
Ferreira Borges, o autor do primeiro código moderno português, exprime bem essa tendência quando
no prefácio do seu Dicionário Jurídico-Comercial nos diz que: “Nas matérias de puro direito civil, e
em falta de lei pátria expressa, preferimos as determinação do Código Civil de França”.
o Produção doutrinal dos autores da Escola do Direito Natural Moderno e do Usus Modernus
Pandectarum
A Lei da Boa Razão e a sua interpretação autêntica feita pelos Estatutos da Universidade em 1772,
vem abrir o caminho para a citação frequente dos autores do Usus Modernus Pandectarum, e em geral
das escolas do direito natural quer em obras doutrinais, quer em foro, pois estes serão considerados
como a melhor fonte de esclarecimento para se determinar qual o direito romano conforme à Boa
Razão, ou seja, aos princípios de direito natural ou das gentes aceite como vigente pelas nações
modernas e iluminadas da Europa. Os autores representativos dessas tendências, como Strik, Boehmer,
Muller, passam a ser lugar comum de citação nas obras dos juristas portugueses.
Para além das raízes doutrinárias e legislativas começa a ser frequente a intenção de reformar o direito
português, tanto na sua forma como no seu conteúdo.
Um alvará de 4 de Setembro de 1810 vem dizer que toda a legislação deve ser uniforme em sistema,
coerente em princípio e ajustada ao direito natural, fonte da justiça universal, para que as suas decisões,
assentadas nos ditames da razão e do justo, sejam respeitadas e observadas.
É pois em nome da certeza e segurança das relações jurídicas, dum conhecimento exacto e unívoco do
direito e como manifesta expressão de 1 visão racionalista que se vai preconizar a criação dos códigos
nos quais, por ramos do direito, a matéria jurídica será exposta de forma sistemática e lógica e
subordinada ao desenvolvimento de princípios naturais e imutáveis de equidade, aceites como pontos
de partida
| SOFIA CUNHA
Ideias essenciais do Liberalismo
O século XIX é marcado pelo projeto político do liberalismo que se funda no pensamento de John
Locke, que apesar de ter vivido apenas 4 anos neste século expressou todas as ideias que caracterizam
o pensamento político-jurídico do mesmo. É com ele que simbolicamente consideramos que se inicia
doutrinariamente o liberalismo político. No que respeita a Portugal o Liberalismo instaura-se com a
revolução liberal de 1820.
Sendo que no seu estado natural o Homem tem determinados direitos, quando surge o Estado este tem
que garantir e preservar os direitos que o Homem tem quando não integrado numa sociedade. Assim
o Estado é contruído para salvaguardar estes direitos naturais, liberdade, segurança e propriedade.
o Constituição Escrita
Entendeu-se que a forma mais adequada de proteger estes direitos seriam impondo limites através da
lei. Assim liberdade não significa fazer tudo o que queremos, mas sim o que a lei permite e não proíbe.
Se a lei é o garante e o limite da salvaguardar dos direitos, porque não passá-los a escrito e compilar
numa constituição.
o Soberania popular
O fundamento está no direito dos Homens e não no direito natural ou divino, assim a soberania deixa
de estar no reino e passar a estar no povo. Surge a necessidade de um poder eleitoral, ainda que com
sufrágio censitário ou capacitário, passa-se a soberania para o povo.
o Governo Representativo
A soberania do povo é exercida pelos seus representantes. Os representantes são designados pelo povo
e exercem o seu poder em favor destes.
o Separação de poderes
Não fica por uma divisão de funções entre executivo, legislativo e judicial engloba igualmente um
limite ao poder, procurando que os governadores não excedam a concreta medida dos seus poderes.
| SOFIA CUNHA
DIREITO ADMINISTRATIVO1
Outra das preocupações do séc. XIX foi a do direito administrativo, traduzida em sucessivos códigos,
postulando quase pendularmente diferente atitude do poder central face ao local, oscilando entre o
modelo francês, centralizador e a tradicional autonomia municipal.
1º Modelo municipalista, surgiu em 1836 e foi referendado por Manuel da Silva Pasos, conhecido por Passos Manuel.
2º Modelo centralista, surgiu em 1842 e foi referendado por Costa Cabral.
3º Regressou a modelo municipalista, surgiu em 1878 e foi referendando por Rodrigues Sampaio.
4º Manteve o modelo municipalista, surgiu em 1886 e foi referendado por Luciano de Castro
5º Surgiu em 1896 e foi referendado por João Franco
6º Surgiu em 1936 e baseou-se num projecto de Marcello Caetano, possuindo já várias alterações avulsas.
Decreto nº23
O tratamento minucioso da organização administrativa do reino, apenas teria lugar no período que
antecede a guerra civil. O momento de partida, foi a actividade legisladora de Mouzinho da Silveira
assessorada por Almeida Garrett.
Denotando clara aceitação do modelo francês centralizador, determinou o reformador no seu decreto
a divisão do território em províncias, comarcas e concelhos, junto dos quais funcionariam
representantes do governo central respectivamente designados perfeitos, sub-perfeitos e provedores.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 246 a 252
A orientação era então diversa face ao projecto anterior, embora não esquecesse o papel preponderante
do governo central.
Temperava-se o intervencionismo com a existência também a nível local de órgãos eleitos, a junta
geral administrativa do distrito, a câmara municipal e a junta de paróquia.
Na vigência deste código surgiria a constituição de 1838, mantendo os órgãos existentes e remetendo
para a lei ordinária no que tocava à estrutura distrital e concelhia.
A aplicação deste código estendeu-se também às colónias, e manter-se-ia até à República, embora
alterado em 1869.
O Código de 1842 manteve-se em vigor durante larga parte da terceira vigência da Carta
Constitucional.
Reagindo ao código de 1836, surge sob a direção do governo de Costa Cabral o segundo Código
Administrativo datado de 1842.
Este volta a ter uma tendência centralizadora. Passa a aceitar a divisão do país em distritos e
conselhos, a freguesia deixa de ter a dignidade que tinha anteriormente e o centralismo manifestava-
se no governador civil sendo este o representante do poder central no próprio distrito.
Este último retomava o movimento pendular apenas não seguido pelo de 1886, adoptando postura
centralizadora ao mesmo tempo que retirava ao distrito a qualidade de ente administrativo local.
Já no séc. XX, , mas ainda antes da República, nova tentativa de reforma seria ensaiada através de um
projecto de Luciano de Castro.
Tal não viria a verificar-se contudo, devido à suspensão do diploma logo após a sua publicação.
A transição para a República far-se-ia através da reposição do Código de 1878, em conjunção com o
de João Franco, subsidiariamente utilizado.
Várias as tentativas das cortes para promoverem a codificação do Direito civil, quer
através de comissões, quer através da abertura de concursos públicos.
No sec. XIX, na área do Direito Civil, na sequência das correntes liberais, surgiu um movimento
codificador que desencadeou várias tentativas de criar um novo Código Civil.
Em 1821 foi constituída uma comissão, composta, entre outros, por Ferreira Gordo, Correia de
Lacerda., com vista à elaboração do código civil, não tendo, porém, tal trabalho sido concluído.
O primeiro Código Civil foi elaborado em 1868 por António Luís Seabra, desembargador da
Relação do Porto, e foi publicado pela Carta de Lei de 1 de Julho de 1867, data que marca o fim
das Ordenações Filipinas.
Este Código Civil só foi revogado em 1966 pelo actual Código Civil.
11 de Outubro de 1821
Constituída uma comissão de justiça civil.
26 de Novembro 1821
Oferecido ás cortes um projecto da autoria de Jeremias Bentham.
Surge também, nessa altura um trabalho de titulo “ Que é o Código civil” e da autoria de
Vicente José Cardoso da Costa em que o autor criticando os códigos estrangeiros defende
para Portugal um código novo chegando a publicar em anexo a sistematização e
organização das matérias a incluir, de maneira a incluir várias outras matérias dificilmente
enquadráveis numa sistematização de um só ramo do direito.
29 de Março de 1822
Deputado Bastos apresentou ás cortes um projecto de prémio para quem dentro de um
ano apresentasse o melhor projecto de Código civil.
O código deveria ser dividido em duas partes contendo uma o código civil e outra o
código de Processo civil. Daqui se infere que ainda não estavam completamente
autonomizadas as matérias de direito substantivo e adjectivo.
A Vilafrancada com a consequente dissolução das cortes deitou por terra o concurso.
Para além destas circunstâncias, ainda não estava suficientemente sedimentada nos
jurístas portugueses uma tradição jurídica moderna que permitisse sem rupturas e com
alguma originalidade o aparecimento de um código civil que modificasse todo o corpo
do dto civil.
Os novos métodos de exposição sintética e sistemática das matérias não estavam ainda
suficientemente desenvolvidas e o ensino do direito não permitia ainda os
desenvolvimentos desejados.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 280 a 304
Na legislatura que ainda teve o seu início em 1826 procurou dar-se execução a este artigo
da Carta e quer na Câmara dos Pares quer na Câmara dos Deputados tentou-se promover
a elaboração de um código civil.
Para esse fim foi nomeada uma comissão formada entre outros por José Homem Carreira
Telles. Essa comissão publicou em 30 de Janeiro de 1827 o seu parecer seguido de um
projecto de lei.
A proposta era idêntica à já anteriormente feita. Ao autor do projecto era paga uma
gratificação e devia ser apresentado a qualquer das câmaras legislativas. Neste projecto
mais uma vez se preconizava que o código para além da matéria substantiva, contivesse
também uma segunda parte referente ao processo civil, deveria ser conforme à carta
constitucional e na medida do possível acomodado aos costumes do reino.
Este projecto foi moroso em termos de discussão quer na Câmara dos Pares quer na dos
Deputados. O Conde de Linhares, por exemplo, insistia na necessidade de constar na lei
do concurso a obrigação de cada artigo do código proposto ser fundamentado.
7 de Março de 1828
Discussões continuavam e a legislatura terminou com a reacção dos absolutistas, sem se
ter chegado a qualquer conclusão.
O assunto regressa em termos idênticos através de projecto de lei preparado por uma
comissão parlamentar de legislação e que se propõe mais uma vez arbitrar prémios
pecuniários a quem apresentar novo projecto até 10 de Janeiro de 1837.
25 de Abril de 1835
Rainha D. Maria sanciona esse projecto e transforma-o em lei. Em resposta a essa
iniciativa Correa Telles apresentou ás Cortes um projecto de Código Civil. Estas
resolveram que este projecto fosse remetido à comissão de legislação.
Por essa razão é publicado no Diário do Governo de 9 de Agosto de 1850 o decreto que
finalmente vai dar lugar à elaboração do Código Civil de 1867.
O juíz da Relação do Porto, António Luiz de Seabra, a quem por este Projecto se incumbe
a leitura do novo Código Civil, é geralmente considerado como um dos mais aptos para
se desempenhar satisfatoriamente, e com prontidão, de tão pesado encargo.
31 de Dezembro de 1856
Termina o projecto.
25 de maio de 1864
A comissão considerou concluída a revisão geral.
O projecto foi de seguida apresentado às cortes e nelas discutido.
22 de Junho de 1867
Foi o código aprovado e publicado.
A ideia de codificação do direito está ligada ao constitucionalismo tendo sido frequentes os debates e
as resoluções em Cortes no sentido da promoção de iniciativas tendentes ao aparecimento de projectos
de códigos, a fim de serem discutidos e aprovados pelo Parlamento.
Nestes domínios vigora como direito subsidiário e nos quadros da Lei da Boa Razão de 1769, as leis
estrangeiras , o que provocava uma grande confusão acerca da lei correcta a aplicar.
A criação do código comercial começa a ser debatida nas cortes em fevereiro de 1823, pouco depois
da revolução liberal. É discutido nestas cortes um projeto do fim de 1822.
28 de Março de 1821
Ferreira Borges terá apresentado na sessão “um projecto de direito marítimo” mas que não teve
seguimento
6 de Julho 1821
em que se deliberava acerca da constituição de comissões externas para a elaboração de códigos
decidiu-se que Ferreira Borges continuasse com a redacção do Código de Comércio.
3 de Fevereiro de 1823
A questão do Código Comercial aparece pela primeira vez debatida nas Cortes e é discutido um
projecto datado de 6 de Dezembro de 1822.
Nesse projecto, considerando-se que o comércio é a principal fonte de riqueza das Nações, e devido a
tal não pode ser regulado por uma legislação fragmentária, dispersa e insuficiente. Determinando-se
como objectivo das Nação a criação de um código que fixe os princípios de todas as transacções
mercantis, e faça desaparecer dos usos locais e estrangeiros, refundindo-se no sistema comum.
Os princípios deveriam ser “os adoptados por todas as nações comerciantes, a linguagem pura e clara,
a distribuição das matérias determinada pela sua maior ligação e os usos da praça, de que a experiência
tiver demonstrado a utilidade.
Para este efeito foi aberto um concurso público, estabelecendo-se que os projetos deveriam ser
apresentados às Cortes.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 227 a 246
É num Decreto assinado por Mouzinho da Silveira que novamente a autoridade pública se mostra
preocupada com a criação de um Código Comercial.
Para este efeito cria uma comissão composta por 5 membros a fim de redigir os códigos comercial e
criminal.
O novo ministro dos negócios eclesiásticos e da justiça, Joaquim António de Magalhães propõe ao
regente D. Pedro um Decreto que este promulga, e em que, em virtude dos membros da comissão
anteriormente nomeada terem sido encarregados de diversos trabalhos, cujo projecto seria
incompatível com a tarefa que lhes tinha sido adjudicada, propõem a reformulação total da comissão
anteriormente criada.
A esta nova comissão é também atribuída a tarefa de proceder à divisão judicial do reino. por provisão
do mesmo ministro fica definido que o primeiro trabalho da comissão fosse a divisão judicial do Reino,
devendo encarregar-se exclusivamente deste assunto.
Findo este trabalho deveria esta comissão elaborar um projecto de Decreto para regular o exercício da
liberdade do cidadão na publicação dos seus pensamentos e opiniões por meio da imprensa. Estava
portanto inviabilizado o sucesso das comissões parlamentares ou governamentais na feitura dos
códigos.
A elaboração do primeiro Código Comercial português será produto do trabalho individual de Ferreira
Borges. O seu projecto será aprovado por Decreto de 18 de Setembro de 1833.
Entra então em vigor o primeiro dos códigos modernos portugueses. Constituído por 1860 artigos, está
dividido em 3 partes, 1 relativa ao comércio marítimo, uma ao comércio terrestre e o livro terceiro
trata da organização do foro mercantil e das acções comerciais.
Surgem diversas comissões nas cortes com a intenção de criar o código comercial, contudo estas
não tiveram sucesso devido a serem ultrapassadas pelas circunstâncias e a sua elaboração cabe então
a Ferreira Borges que, em Londres durante exilio político, posteriormente apresentado ao rei que o
aprova com decreto de 1833. A promulgação por D. Pedro foi aconselhada pelo ministro da justiça,
pois era uma necessidade para a nação.
Sistemática do código
Parte I: Comércio Terrestre
Parte II: Comércio marítimo
Parte III: Organização do foro negativo e das ações do comercio
Em matéria de organização do foro, não recorreu a fontes exteriores mas apenas às instituições
portuguesas existentes à prática pessoal forense que teve como advogado.
Quanto à segunda parte do Código que trata do comércio marítimo refere Ferreira Borges ser “esta a
porção de legislação que os séculos nos transmitiram e aprovada por todas as vicissitudes do tempo.
Os usos e costumes do mar formam o manancial de todas as leis do comércio de mar, de tal sorte que,
apesar de não ter comparação alguma o comércio de hoje com o dos tempos passados, a lei do mar
ficou imutável e sobranceira a todas as transformações e omnipresente às concorrências do dia”.
Também num trabalho bastante curioso do juiz dos tribunais de comércio Gaspar Pereira da Silva é
indicado artigo por artigo a fonte que inspirou o autor do Código.
Conclui-se dessas obras terem sido o Código francês, o projecto de Código Comercial italiano e o
Código Comercial Espanhol de 1829 os seus principais inspiradores.
Quanto ao domínio científico é um produto da cultura jurídica do seu tempo que Ferreira Borges
dominava perfeitamente. E sobre comercio e direito comercial tinha os conhecimentos mais profundos.
Toda a nossa legislação antiga lhe era familiar, todas as colecções, compilações que constituíam a
antiga legislação mercantil de todos os povos cultos, as obras de todos os antigos tratadistas,
fundadores do direito comercial.
O Código Comercial de 1833 vem a vigorar até à entrada em vigor do actual Código aprovado por
carta de lei de 28 de Junho de 1888 e para entrar em vigor em todo o continente e ilhas adjacentes
no dia 1 de Janeiro de 1889 e para o ultramar.
O Código Comercial de 1888, que ainda hoje vigora apesar de já muito retalhado pela abundante
legislação extravagante que modificou e revogou partes inteiras desse código, foi da autoria de Veiga
Beirão e encontra-se dividido em 3 livros:
Parte I: Comércio em geral
Parte II: Contratos Especiais
Parte III: Comércio Marítimo
No primeiro quartel do séc. XIX o Direito penal português assentava ainda a sua base legislativa no
livro V das Ordenações Filipinas onde estavam tratadas as matérias relativas aos delitos e às penas.
O sistema penal mantém as mesmas características que já apresentava nas Ordenações Afonsinas e
Manuelinas.
As penas eram aplicadas de forma arbitrária e desigual, conforme a condição social do réu e até
mesmo transmissíveis.
• Pena de morte é largamente utilizada podendo em alguns casos ser precedida de suplícios, bem
como as penas corporais infamantes.
• Prisão tem carácter sobretudo preventivo ainda que em alguns casos assuma natureza
repressiva podendo a sua duração ser arbitrária ou fixa.
• Punem-se factos absurdos e de escassa relevância ético-social.
• Tortura é admitida como meio de prova.
Legisla-se então para suprir alguma falta das Ordenações ou insuficiente rigor das mesmas.
Uma lei de D. João IV de 19 de Dezembro de 1640 proíbe coma pena de morte que alguém passe para
Castela.
Combatem-se práticas e actividades perigosas e inumanas: proíbem-se os desafios, as facas de ponta
aguda, o uso de ferros e prisão rigorosa de escravos.
Que a pena deve ser conforme aos casos e culpas, que se cometam.
Uma lei de 1606, uma carta de lei de 1639 e um Decreto de 14 de Julho de 1668 defende-se que “a
brevidade na imposição da pena e na sua execução é a que mais satisfaz a República ofendida”.
Um regimento de 5 de Setembro de 1671 defende o princípio de que “as penas devem executar-se com
igualdade nos grandes, pequenos, poderosos e humildes.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 252 a 280
Não deixou a legislação pombalina de reflectir por vezes a influência do humanitarismo jurídico que
determinava a execução das penas, o que demonstra uma certa abertura às novas doutrinas.
Já temos conhecimento das tentativas de reforma geral das Ordenações e em especial do Livro
referente ao direito penal, que teve lugar no reinado de D. Maria I e cujo principal autor e
impulsionador foi o grande jurista do iluminismo português Mello Freire.
No séc. XIX o direito penal assentava ainda no Livro V das Ordenações Filipinas, que consagrava
penas cruéis e infamantes, o que levou à necessidade de existir uma reforma penal, influenciada por
teses humanitaristas de Francisco Freire de Melo (sobrinho de Melo Freire), o qual lançou uma obra
em 1822, que impulsionou o movimento reformador da codificação penal.
As Ordenações do Reino possuíam várias lacunas, pois não previam um grande números de
situações ilícitas.
Porém, na época pombalina, foi desenvolvida alguma legislação penal que já dava indícios de
consagrar princípios defendidos pelo Humanitarismo Jurídico.
Este livro surge num contexto de grandes reclamações a propósito da reforma do Direito penal que
vão surgir com grande frequência na imprensa liberal nascida após a revolução liberal.
Criticar-se o estado caótico da legislação e o obscurantismo da lei que não garante a univocidade da
sua interpretação nem certeza na sua aplicação.
A lei penal é considerada bárbara e sem critério, determinando a aplicação de leis cruéis e sem relação
com a gravidade do delito.
As Ordenações são severamente condenadas, não deixando de perspassar como pano de fundo de todo
esse discurso a filosofia utilitarista como base e critério da renovação.
Assente numa ética racionalista esta corrente vai pugnar pela humanização do direito ao rejeitar formas
gravosas de reacção social (penas cruéis), ou a condenação por motivos destituídos de fundamentos
ético-sociais.
O Marquês de Beccaria veio dar feliz expressão a estas ideias humanitaristas de reforma do direito
penal. A obra de Freire de Mello inclui as ideias da época relativamente ao direito penal e à
necessidade da sua reforma.
A desproporção entre delito e penas constitui a primeira preocupação de Freire de Mello, q eu
preconiza dever ser a medida da pena determinada pelo fim que esta se propõe prosseguir.
Assim, as penas cruéis são afastadas.
Quanto às penas infamatórias a sua opinião já não é tão radical, podendo estas funcionar para evitar
alguns delitos.
Mostra-se Freire de Mello muito preocupado com a necessidade de clareza e segurança da lei penal.
A discricionaridade do juiz deverá ser reduzida ao máximo sob pena de se dar azo ao arbítrio e à
injustiça. Citando Jeremias Bentham considera deverem as leis penais serem “ claras, precisas, gerais
sem deixar aos juizes livre arbítrio”.
Considerando que a prisão deve ter apenas uma função preventiva e não de pena, mostra-se Freire de
Mello particularmente avesso à prisão perpétua.
Já é patente em algumas passagens a perspectiva correccionalista do direito penal critério de acordo
com o qual a pena apresenta um intuito de prevenção especial, devendo contribuir para a regeneração
do criminoso.
Esta crença na recuperação e correcção dos criminosos não é contudo suficiente para afastar Freire de
Mello da consideração da necessidade da pena de morte. A primeira questão que ele pôs é a de saber
qual o fundamento da mesma. A este respeito afasta o critério de Beccaria que se baseou na ideia de
contrato social para negar que alguém ao entrar no estado de sociedade tenha oferecido a esta o direito
de lhe tirarem a vida. Freire de Mello apesar do respeito pelo autor italiano não se atreve a negar ao
legislador o direito de impor a pena capital, restringindo-a a dois casos , no assassínio voluntário e na
traição à pátria.
Trazendo para Portugal a escola Humanitarista vem-nos dizer que as leis penais estão desatualizadas e necessitam
de ser atualizadas à luz de alguns princípios:
• A medida da pena deve ser determinada pelo fim que se destina a prosseguir
• Abolição das penas cruéis
• Penas infamantes devem ser abolidas (freire de melo diz que bem aplicadas podem ser compreensíveis)
• Claras e seguras
• Transmissibilidade das penas é ilegítima
• Pena de prisão deve ter efeito preventivo e não de castigo (abolição pena perpétua)
• Pena de morte, há divergência doutrinária: Freire de Melo não é lapidar apenas a restringe a dois casos:
homicídio qualificado e traição à pátria.
No campo político e legislativo registe-se o interesse que as Cortes constituintes vão dar à questão da
elaboração do Código Penal.
1º Surgiu em 1852, e foi da autoria de Duarte Leitão, Sequeira Pinto e Alves Sá., considerados dos melhores
juristas da época.
2º Surgiu em 1886, com base num projecto da autoria de Levy Maria Jordão, tendo vigorado até 1982.
3º urgiu em 1982 e foi da autoria de Eduardo Correia.
4º Surgiu em 1995, baseado num projecto do Prof. Figueiredo Dias e já foi revisto por diversas vezes.
1821
Nomeiam uma comissão, com sede em Coimbra, com o objectivo de elaborar um projecto de “Código
de delitos e penas e da ordem do processo criminal”.
Esta comissão era constituída por 5 jurisconsultos.
Também a Constituição de 1822 vai consignar alguns pontos com relevância para o direito penal:
• Artigo 9º preconiza a igualdade dos cidadãos perante a lei
• Artigo 10º diz que nenhuma lei , muito menos a penal será estabelecida sem absoluta
necessidade
• Artigo 11º toda a pena deve ser proporcional ao delito, abole as penas cruéis e infamantes.
Estes expedientes não foram céleres tendo em 18 de Agosto de 1832, surgido um decreto da autoria
de Mouzinho da Silveira, que declarava incompatível com o regime da Carta Constitucional e com o
espírito das luzes o código da Ordenação do livro V.
Termina nomeando uma comissão de 5 membros encarregada de redigir um projecto de código
criminal.
1833
Projecto de código penal oferecido ao governo pelo jurista José Manuel da Veiga.
A sua vigência será só enquanto as Cortes Gerais não aprovassem um projecto melhor, tinha um
carácter de transitoriedade, era necessário e urgente substituir o anterior. Esta código não chegaria a
entrar em vigor.
10 de Dezembro de 1845
Fracassadas todas estas iniciativas cria-se novamente uma comissão encarregada de redigir os
projectos de código civil e penal, dando contudo prevalência ao segundo.
8 de Agosto de 1850
Encarregado António Luís de Seabra de elaborar o projecto de Código ficando a comissão liberta dessa
tarefa tendo concluído o código penal.
6 de Junho de 1853
Resultou a nomeação de uma comissão com a finalidade de rever o código.
1959
Dos trabalhos dessa comissão surge em dois volumes um projecto da autoria deste penalista.
Tal projecto não vem a impor-se na íntegra mas influencia decisivamente a reforma penal e das prisões.
Marco importante da história penal portuguesa uma vez que é abolida aã pena de morte em Portugal,
para além de se proceder a importantes reformas nos domínios penal e penitenciário.
Seguiu-se o código de 1982 da autoria de Eduardo Correia, tendo em 1995 sido reformulado pelo Prof.
Figueiredo Dias.
No direito português da época que estudamos, a tendência foi manter uma certa
proximidade formal entre os tradicionais ramos processuais, o civil e o penal, fazendo-os
incluir no mesmo código.
Foi assim com a Reforma Judiciária de 1832, com a Nova Reforma Judiciária de 1837 e
com a Novíssima Reforma Judiciária de 1841, que, aliás também incluíam disposições
relativas à organização judiciária, isto é, à organização e competência dos tribunais.
1876
Primeiro Código de Processo Civil já completamente distinto do Penal, logo seguido de
outro ligado ao âmbito comercial, mantido em vigor até 1939.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 304 a 306
Assim, a cultura jurídica avolumou a procura da opinião comum dos doutores. Mas onde isto se verifica
melhor é no Direito Prudencial.
O direito prudencial, trabalhando sobre o direito romano, continua a ter uma grande importância no período
do monismo jurídico, inclusivamente, foi uma fonte subsidiária do direito português, nomeadamente, nas
Ordenações.
Com efeito, o Direito Prudencial teve uma relevância nas ordenações do reino devido:
o Trabalho dos juristas, que eram chamados a analisar e a estudar o direito romano, que também era
subsidiário nas Ordenações
o Obras dos juristas Acúrsio e Bártolo
o Opinião comum dos doutores
O objectivo e resultado do trabalho dos juristas era o desenvolvimento da ciência jurídica, e nesta época, ela
progrediu essencialmente através dos estudos e pareceres formulados pelos prudentes, muitas vezes
concluídos pela formulação de uma opinião comum.
Neste período, o critério preferido de fixação da opinião comum foi o qualitativo (determinava que o peso da
opinião de alguns juristas, ou seja, o seu prestígio, é que devia prevalecer).
Antes do séc. XV e nos sécs. XVII e XVIII, usava-se o critério misto ou de maioria qualificada.
Contrapondo estes dois critérios, existe também o critério quantitativo, onde pesa o maior número de
opiniões iguais.
Apesar de esta temática ser tão debatida, o que é facto é que a opinião dos doutores está presente nas
Ordenações. Porém, tudo isto se passa no nosso país durante o século XVI, enquanto lá fora é o Humanismo
Jurídico a corrente de pensamento que está a deixar marca. Desta forma, percebemos que Portugal está em
contra círculo. Enquanto lá fora se pensa o Humanismo Jurídico, em Portugal é a opinião dos doutores que
surge consagrada.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 109 a 127
A cultura jurídica portuguesa no período que vai das Ordenações ao Liberalismo desenvolveu-se por impulso
de fatores internos e externos.
o Internos: o papel desempenhado pela Universidade.
o Externos: os movimentos ou correntes do pensamento jurídico que foram divulgados na Europa e que
tiveram, com maior ou menor intensidade, influência em Portugal. Entre eles destacam-se o
Humanismo e o Racionalismo.
Universidade
A Universidade, criada em data incerta entre 1288 e 1290 por D. Dinis, com a designação de Estudo Geral,
foi a instituição fundamental para o desenvolvimento da ciência do direito ao longo dos séculos.
Depois de mudanças sucessivas entre Lisboa e Coimbra, fixou-se em Coimbra em 1537 com D. João III.
Este monarca preocupou-se em conferir-lhe condições de prestígio, por isso, seguia atentamente a sua vida e
procurou trazer alguns grandes mestres. Contudo, no campo do Direito, apenas conseguiu a vinda de juristas
de segundo plano, que exerceram muito pouca influência. Apenas o direito canónico foi servido com a vinda
de Martim de Azpilcueta Navarro.
Houve também a preocupação de eliminar do ensino universitário o instituto da opinião comum, permitindo-
se apenas a enumeração de 1 ou 2 posições, interessando assim mais a qualidade do que a quantidade.
A Reforma Joanina da Universidade não atingiu significativamente quer o método, quer o curriculum das matérias
lecionadas. Continuava a seguir-se o método escolástico e em Direito continuava a usar-se o método casuístico. Além
disso, não havia ainda qualquer cadeira dedicada ao ensino do direito pátrio, permanecendo o direito romano. Depois
de D. João III e deste período de maior atividade nos estudos universitários, voltou-se a um período de estagnação.
Tendências Bartolistas
Em Portugal, tanto o ensino como o pretório foram desenvolvidos sob o signo de Bártolo e da opinião
comum, tornando-se estes em critérios rectores de toda a vida do direito. Só alguns juristas atraídos pelas
novidades do humanismo conseguiram superar a hegemonia do bartolismo.
Apesar de Portugal contar com alguns impulsionadores do humanismo jurídico, como Luís Teixeira, a nossa
cultura jurídica não conseguiu suplantar em definitivo o bartolismo.
Os mais representativos autores do séc. XVI (como Manuel da Costa, Aires Pinhel, entre outros) não
conseguem autêntica autonomia metodológica e no séc. XVII apenas 2 juristas (Eduardo caldeira e João
Altamirano) se podem enfileirar na nova escola jurídica.
A mesma coisa se passou no direito canónico, onde apesar da figura de Martim Azpilcueta Navarro, ficam
presos à influência de Bártolo e da opinião comum.
Em relação aos tratadistas de Direito português, distribuíam-se por três grupos, não sendo nenhum deles
favoráveis às divagações eruditas dos humanistas:
o Ou se dedicavam ao comentário e remissões das Ordenações (Manuel Barbosa, Gonçalves da Silva...)
o Ou se consagravam à análise de casos concretos (como casuístas se apontam António da Gama, Pereira
de Castro...)
Mos Italicus
Conhecimento do Direito Prudencial pelas escolas prudenciais. Teve como palco essencial Bolonha, em Itália.
Mos Gallicus
Este movimento surgiu nos fins do séc. XV e desenvolveu-se no séc. XVI, por oposição ao Direito Prudencial,
numa lógica de que o conhecimento só seria verdadeiro se pudesse ser demonstrado. Traduziu-se pela contestação
e crítica da metodologia dos prudentes medievais e, particularmente, dos seus maiores juristas.
O principal centro inicial deste movimento de crítica é França. Porém, cedo se propagou pelo norte da Europa,
principalmente por aqueles países que foram mais influenciados pela Reforma Protestante e por Martinho Lutero.
Este movimento também é designado por Escola Culta, Escola Elegante, Escola Alciateia ou Escola Cujaciana.
O movimento humanista critica toda a metodologia medieval, todo o ensinamento do Direito efetuado pelas
escolas medievais, designadamente, pela Escola dos Comentadores, sendo que Bártolo é o principal alvo de
crítica. Para isso, vai basear-se em critérios de filologia.
Os humanistas jurídicos elencaram uma série de críticas ao trabalho dos prudentes, nomeadamente:
Ao nível da linguagem
No regressar às origens que o Renascimento significa, verificaram que as origens que se devem procurar é o
próprio Direito Romano e concluíram que aquilo que os prudentes apresentavam não era direito romano
autêntico, era um “direito formado de glosas a glosas”. Alegam que os prudentes fizeram uma deturpação dos
textos romanos.
Na opinião destes humanistas, ao estudarmos e aplicarmos o Direito Romano através da opinião dos juristas
medievos, aquilo que estamos verdadeiramente a aplicar não é o Direito Romano, é a opinião do jurista
medievo com base nesse direito.
Além disso, o latim que se escreve e que se fala na Idade Média, não é o mesmo do tempo de Justiniano, nem
é o mesmo da Antiguidade Clássica.
Era preciso fazer uma tábua rasa de todos os ensinamentos dos juristas medievos sobre o Direito Romano e
demolir todas as suas opiniões baseadas nesse direito. Não nos devemos apoiar no dogma da opinião, como
mandam as Ordenações. O jurista deve afastar todas essas opiniões que deturpam os textos romanos e deve
recuperar esses mesmos textos.
Era preciso regressar ao próprio Direito Romano na sua pureza, sujeito à livre interpretação do jurista.
Ao nível do objeto de análise
Acusaram os prudentes de se terem limitado ao estudo do Corpus Iuris Civilis, quando este não continha
certamente o melhor do direito romano. Também ele é uma deturpação, visto que o Digesto é uma recolha em
50 livros de opiniões de juristas clássicos. Portanto, o Direito que vai ser aplicado não é o verdadeiro direito
romano que os romanos de Roma usavam.
Por outro lado, esse estudo era incompleto porque não sabiam grego e o código justinianeu tinha uma
estrutura histórica grega.
Neste mesmo período, lá fora pensa-se humanismo jurídico e defende-se a libertação do Direito das glosas,
dos comentários e de todo o trabalho das escolas medievais. Procura-se a pureza dos textos romanos.
Enquanto que em Portugal, Bártolo é a referência maior que tem expressão na própria lei nacional, nas
Ordenações do Rei.
Contudo, alguns juristas portugueses integraram o humanismo jurídico porque foram estudantes em França e
foram discípulos de alguns destes nomes internacionais do humanismo jurídico. É o caso de Luís Teixeira, de
Henrique Caiado e de Martinho de Figueiredo.
Porque é que o humanismo jurídico em Portugal foi um efémero momento e estes autores não tiverem força?
o Alguns destes humanistas portugueses tiveram nula influência em Portugal, porque não regressaram
ao país
o Outros regressaram, mas dedicaram-se a outras tarefas, sem terem contacto com a vida prática jurídica
o Outros desinteressaram-se completamente do Direito
O que é facto é que no século XVI, o Humanismo Jurídico lá fora é um momento de crítica acérrima ao saber
medieval, e em Portugal a tendência é contrária, Bártolo está consagrado na lei e no ensino do Direito.
No entanto, haverá um momento em que o humanismo acabará por atingir expressão, que é com o século da
razão, o século XVIII.
Seguiram-se outras correntes de pensamento, designadamente, o Usus Modernus Pandectorum no séc. XVII,
e o Racionalismo Jurídico no séc. XVIII, criticando sempre o trabalho dos prudentes.
Após aquele efémero momento que foi o humanismo jurídico em Portugal, o ensino e a cultura caíram numa
progressiva decadência, contra a qual o século XVIII vai reagir.
O século XVIII é um grande século porque, depois da Antiguidade Clássica, depois da influência que o
Cristianismo teve no pensamento na Idade Média e depois do Renascimento do século XVI, não há outro
período da história do espírito europeu que tenha sido mais agitado e mais conturbado de ideias do que este.
Assim, ele é conhecido como o Século das Luzes ou a Época da Ilustração.
Neste século, surgem várias correntes do pensamento importantes. É o caso da Escola Iluminista, da Escola
Racionalista do Direito Natural e do Usus Modernus Pandectorum.
Escola Iluminista
O século XVIII é tão grande, denso e tão rico que é difícil caracterizá-lo em breves traços. O número de
tendências, de forças e de ideias é tremendo e, por isso, em vez de falarmos em Iluminismo, seria mais
adequado falarmos em Iluminismos. Esta expressão é mais adequada porque, naturalmente, o iluminismo
português não terá sido igual ao iluminismo inglês, por exemplo, e assim sucessivamente.
Podemos caracterizar o século XVIII como uma época em que se produz uma enorme valorização da Razão
humana. Contudo, isto não quer dizer que no passado a Razão não tenha tido importância, de facto, quando
falámos em São Tomás de Aquino, por exemplo, percebemos que este era um autor racionalista por entender
que o Direito Natural era a participação da lei eterna na criatura racional que lhe permitia descobrir preceitos
primários e secundários.
Se no passado é possível encontrar a relevância atribuída à Razão, particularmente à Razão do Homem, o que
é facto é que no século XVIII há uma hipertrofia sem precedentes à Razão humana. Essa hipertrofia afirma-
se não só no campo científico-natural, mas também nas ciências humanas, nas ciências morais e nas ciências
do espírito, particularmente, no Direito.
Este período histórico é também um período de extrema valorização do método ensaiado na Escola das
Matemáticas. Isto significa que nenhuma ideia consegue atingir foros de racionalidade se não passar por um
método das ciências naturais. Assim, o método e a experimentação vão receber grande relevância.
Por outro lado, neste período, a cultura vai-se secularizar. É o tempo da fundação dos jornais, do surgimento
dos centros de estudo, dos salões, da proliferação das academias. A cultura e o saber ganham importância e,
por isso, este século foi um século de críticos e de demolidores.
Assim acontecerá também ao nível da aplicação e do ensino do Direito.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 127 a 129
Este direito deveria ser filtrado pelo critério da razão e dele só se aproveitava apenas o que tivesse de atual.
Dever-se-ia distinguir o direito romano caduco, daquele que fosse ainda suscetível de aplicação moderna.
Esta corrente de pensamento pressupõe a ideia de que o Direito Romano deve ser objeto de uma análise crítica
à luz daquilo que, neste tempo histórico, deve ser entendido como moderno, atual e vivo, expurgando do
Direito Romano aquilo que é obsoleto, antigo e historicamente datado. O Direito Romano deve ser lido
criticamente e deve ser utilizado de modo atual e moderno.
O século XVIII avança significativamente, retornando ao Direito Romano e considerando que este direito
deve ser recuperado para ser aplicado naquilo que era novo e essencial aos tempos em presença. Tudo aquilo
que era a história do Direito Romano deveria ser afastado, fechado no seu tempo.
Escola Racionalista
Este movimento surgiu no século XVIII e corresponde à manifestação jurídica do iluminismo, realçando a
importância da razão, mas uma razão humana diferente da que era considerada no séc. XII. A razão que deveria
ser considerada era a reta razão, iluminada pelo conhecimento humano e não pelo divino.
O século XVIII vai definir também uma nova fórmula de Direito Natural.
Defende a existência de um direito natural eterno e imutável, baseado na
razão humana, a que se chamava “recta ratio”, e que era por onde se
deveria moldar o direito positivo.
Antes, o direito natural era um conjunto limitado de preceitos, que se fundava em Deus, e que se impunha
com particular vigor à observância do Homem.
Agora, este direito vai ter o Homem como ponto de partida e como ponto de chegada.
Isto significa que o Homem entra na sociedade para salvaguardar um corpo de direitos de que já disporia num
hipotético estado da natureza.
O Homem teria vivido hipoteticamente num estado livre do Estado e a passagem para o estado de sociedade
e a constituição do ambiente político, designadamente, através de uma ideia de pacto/contrato social, tem
apenas por escopo salvaguardar esses direitos de que o Homem já disporia no estado de natureza.
Esses direitos são, em termos essenciais, a liberdade, a segurança e a propriedade. Os direitos naturais
são aqueles direitos de que o homem já disporia racionalmente no estado de natureza e que, uma vez
constituído o Estado, devem ser salvaguardados. O Direito Natural seculariza-se e centra-se agora no Homem.
As principais manifestações desta razão encontravam-se descritas numa obra de Luís António Verney, “O
Verdadeiro Método de Estudar”, onde o mesmo critica a opinião de Bártolo e a metodologia dos prudentes,
adiantando ainda que os prudentes não tinham aprofundado a história do Direito Romano, escondendo essa
falha grave com a imposição da sua autoridade.
Além disso, o autor critica todo o ensino, incluindo o ensino do Direito em Portugal, considerando que ele
está “ferido de morte”. Porquê?
o Para além de recuperar todas as críticas que o Humanismo fizera, o autor vai dizer também que o
ensino jurídico estava ele próprio obsoleto, porque estava particularmente assente na argumentação
silogística, no amor pedantesco às citações dos juristas medievais, um método que o século XVIII não
considerava adequado.
o Havia um total e absoluto desconhecimento da história, portanto, os textos não eram vistos nos seus
contextos.
o Criticava-se também a excessiva dependência do Direito Romano por parte dos juristas.
O racionalismo jurídico, no fundo, é uma corrente de pensamento profundamente nacionalista, que pretende
afastar o Direito Romano e substitui-lo pelo Direito Nacional.
Outras manifestações racionalistas encontradas no séc. XVIII, foram, nomeadamente, a elaboração da Lei da
Boa Razão, a Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra e os movimentos da codificação.
O que é que a Lei da Boa Razão nos vem dizer quanto às fontes de direito?
• A primeira fonte que se deve aplicar é a Lei do Rei. Esta é a fonte primária essencial.
• Segue-se o Estilo da Corte, que permanece como fonte de direito, mas para ter essa natureza precisa
de ser confirmado pelos assentos da Casa da Suplicação.
Ø Os assentos são fontes de interpretação das leis. Os assentos produzidos pelas relações
subalternas podiam ser objeto de recurso para a Casa da Suplicação. Os assentos produzidos
pela Casa da Suplicação podiam ser objeto de recurso para o monarca.
• O Costume permanece como fonte de direito de forma muito residual e limitada. Para ser considerado
fonte de direito, o costume tinha de ser conforme à boa razão, não podia contrariar a lei e tinha de ter
mais de 100 anos.
• Em casos omissos, isto é, na falta de Direito Pátrio, o Direito Romano funcionava como subsidiário.
Contudo, passa a estar absolutamente submetido ao Usus Modernus Pandectorum, ou seja, o direito
romano tinha de estar trabalhado, moderno, conforme à boa razão e reconhecido pelas nações europeias
cristãs.
• Surge uma nova fonte de direito. No caso de lacunas sobre matérias políticas, económicas, mercantis
ou marítimas era permitido o acesso direto às leis das “Nações Cristãs, Iluminadas e Polidas” da
Europa, sendo o direito romano liminarmente posto de lado.
• O Direito Canónico é relegado para as questões do foro espiritual, sendo aplicado apenas nos tribunais
eclesiásticos. Deixou de ser fonte subsidiária de direito. Ele passa a poder ser aplicado na sua vigência
apenas em 4 situações:
o Se a Lei do Rei remetesse para ele;
o Nos casos em que os seus preceitos fossem aplicáveis pelo uso das nações civilizadas e polidas
da Europa, em correção do próprio Direito Romano;
o Se não fosse possível recorrer a outros ordenamentos;
o Nos casos em que os ministros tenham necessidade de conhecer o Direito Canónico para obviar
aos próprios abusos dos juízes eclesiásticos que consideram aquela questão do foro espiritual;
A glosa de Acúrsio, a opinião de Bártolo e a opinião comum dos doutores são definitivamente revogadas à
luz da boa razão.
O veredicto a que chegou a Junta era previsível: a responsabilidade pelo estado em que se encontra o estudo
em Portugal, particularmente, do estudo do Direito, é clara e é atribuída aos Jesuítas. Por consequência, os
jesuítas são expulsos do país e a Universidade de Évora é encerrada. O estudo do Direito permanece, assim,
restrito a Coimbra, que deverá ser reformado.
Essa comissão apresentou no ano seguinte (1771) um relatório circunstanciado, com o título de Compêndio
Histórico da Universidade de Coimbra, onde criticou de forma implacável a organização do ensino existente
e propôs a aprovação de uns novos estatutos, também denominados de Estatutos Pombalinos, os quais havia
elaborado e que vieram efetivamente a ser aprovados por uma Carta de Lei de 28 de agosto de 1772.
D. José I refere no Título I, Livro II dos Estatutos da Universidade, que a preparação anterior de todos aqueles
que iriam entrar no curso de Direito era determinante para o sucesso desse mesmo curso. Além disso, diz
também que os pais precipitam a entrada dos seus filhos nos estudos jurísticos pela cega ambição dos melhores
lugares. Portanto, o próprio texto dos estatutos reflete a severidade do diagnóstico.
Assim, uma das primeiras ordenações que o Rei vai fazer nos Estatutos é estabelecer a idade mínima para
que se pudesse ingressar nos estudos jurídicos: 16 anos completos.
Além de se fixarem as condições de ingresso, também se atentou no que seria necessário para que os estudantes
candidatos pudessem ser previamente bem instruídos. O capítulo II refere que disciplinas é que devem ser
objeto de um exame preparatório para que se possa ingressar no estudo das faculdades jurídicas,
considerando que o conhecimento das disciplinas filosóficas e das letras era determinante.
Também se alterou o tempo de duração do curso, antes eram 8 anos e agora passaram a ser 5 anos, o mesmo
tempo de duração do curso de teologia.
Depois definiu-se que disciplinas é que deveriam ser lecionadas no curso de Direito. As profundas alterações
consistiram na introdução das disciplinas de História do Direito e do Direito Pátrio no Curso de Leis e na
introdução da disciplina de Direito Natural (que integrava o Direito Público Internacional e o Direito das
Gentes) nos dois cursos, de Leis e de Cânones.
O Direito Pátrio corresponde ao direito legislado. Ora, entre o direito romano e o direito pátrio, aquele que
tem mais autoridade é precisamente o pátrio, e o direito romano é apenas subsidiário. O Direito Romano
continua a ser estudado de uma forma expressiva, mas ele tem que estar sujeito ao crivo do Usus Modernus
Pandectorum.
Introduziu-se também uma mudança do método de ensino, que passou do método da escolástica (Lecture)
para um método analítico, sintético, demonstrativo e compendiário.
Este método consistia em fornecer primeiramente aos estudantes um conspecto geral de cada disciplina,
através de definições e da sistematização das matérias. Depois, seguindo uma linha de progressiva
complexidade, passar-se-ia de umas proposições para outras até se chegar ao esclarecimento científico, sendo
certo que tudo isto deveria ser acompanhado de manuais adequados, sujeitos até a aprovação oficial. Isto
significa que nas disciplinas lecionadas devem existir manuais sintéticos, que expressem de uma forma
simples a matéria que se está a estudar.
Cai-se num ensino que perde a sua função de contradita, de diálogo, de exercício dialético, para que o ensino
se baseie essencialmente no compêndio, no manual, na leitura, na apreensão do que era consagrado nos
manuais, que deviam espelhar o conteúdo das disciplinas a lecionar.
D. José I diz-nos ainda que era necessário cessar e anular os antigos estatutos da Universidade de Coimbra.
ASSENTOS1
Especial interesse no quadro das fontes de direito deste período têm os assentos.
Dispõe a referida lei: “E assim, havemos por bem, que quando os ditos Desembargadores
tiverem alguma dúvida do entendimento de alguma Ordenação (...), vão com a dita dúvida
ao Regedor, o qual na mesa grande com os Desembargadores, que bem determinará e,
segundo a sua determinação, se porá sem sentença. E se na dita mesa prevalecer a dúvida
e que ao Regedor pareça bem que seja do nosso conhecimento, reencaminha para nós
(reis). E os que de outra maneira interpretarem as Ordenações, serão suspensos”.
De acordo com este alvará, porém, o valor dos assentos é restrito ao processo em que a
dúvida se suscita, não sendo aplicada a decisão a outras causas. Contudo, o valor legal
genérico dos assentos fora ampliado conforme o disposto no alvará de 10 de dezembro
de 1518, feito pelas Ordenações Manuelinas.
Com a extinção da Casa do Cível e a criação substitutiva de uma Relação no Porto (1582),
as dúvidas passaram também a ser de competência desta.
E o estabelecimento de Relações Ultramarinas deu origem a que estas se arrogassem, por
igual, a faculdade de produzir assentos.
Em 1582, a Casa do Cível foi extinta e foi criada a Relação do Porto, que também passou a poder
emitir assentos.
A mesma faculdade veio a caber ás Relações Ultramarinas (duas no Brasil e uma no Oriente).
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 76 a 79
No caso dos Assentos da Suplicação ficava sempre aberto o recurso para o monarca.
O papel dos assentos, de acordo com a célebre lei pombalina, era meramente
interpretativa e, por isso, não constituíam via adequada para a resolução dos casos
omissos, que deviam ser levados ao conhecimento do soberano, para este os integrar.
Com a Lei da Boa Razão de 1769, atribuiu-se-lhes valor interpretativo e portanto não
constituíam forma de integração de casos omissos.
Conforme os assentos tivessem por objeto a decisão particular de dúvida em certa causa,
sem dele se originar regra autêntica para outras causas, ou, pelo contrário, os seus efeitos
passassem a ser genéricos, assim se chamavam os assentos de autos ou assentos legais,
sendo apenas estes que possuíam valor de lei.
Apesar da lei ter ocupado o lugar de maior relevo no conjunto das fontes jurídicas, pelo menos a nível central
o costume era ainda de normal utilização, conforme a inclusão nas sucessivas Ordenações ao lado do estilo da
corte.
O costume foi fonte principal de direito nas ordenações, apesar de em termos práticos ter sido sujeito a
requisitos sucessivamente mais exigentes.
Requisitos do costume
No seu estudo doutrinário prestava-se atenção a questões, ambas como forma de dar consistência à sua
alegação vinculativa:
o O tempo decorrido desde um primeiro momento em que a sua existência fosse comprovada
Na inexistência de doutrina certa com sede no C.J.C., de acordo com o Espinosa, admite-se no direito comum
a necessidade de um período de 10 anos de vigência para adquirir aquela natureza, sem no entanto se distinguir
em concreto qual a orientação da conduta face à lei no direito canónico, porém, exigia-se, em regra, ao costume
contra legem um prazo de 40 anos.
Foi em articulação com o estilo que a lei positiva previu o direito consuetudinário como fonte de direito
comum, desde as primeiras Ordenações que a matéria foi regulada em conjunto com o direito subsidiário.
Nas Ordenações Afonsinas refere-se apenas o seu carácter vinculativo ao lado da lei e do estilo.
As Manuelinas também, sem se expressarem com maior clareza, levam o discurso um pouco mais longe,
fazendo referência aos requisitos exigidos pelo direito comum.
A esta regulamentação não fugiram as Filipinas.
Outro ponto merece ser referido. É sabido que as manuelinas referem a comum opinião dos doutores, como
fonte subsidiária. Confrontando-a com o conteúdo do C.J.C., que expressamente proibia as interpretações,
tornou-se necessário à doutrina encontrar justificação concludente.
Seguindo indicações de Baldo, diz-se que a opinião comum vinculava porque tinha a força do costume.
10 de Agosto de 1769
Regulamentariam com minúcia os seus requisitos em novos moldes, introduzindo em nome da razão maior
severidade na matéria.
Efectivamente, depois daquela data só valeria o costume em que concorresse a antiguidade provada de mais
de 100 anos, e conformidade à boa razão e a não oposição à lei, o que o mesmo é dizer à vontade do rei.
Para além da pluralidade e da racionalidade sempre exigidas, no séc. XVIII, o costume passou só era válido
se tivesse pelo menos 100 anos, se fosse conforme à boa razão e não se opusesse à lei.
A Lei da Boa Razão de 1769 veio a proibir o costume “contra legem”.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 82 a 88
Identificado como a voluntas populi, o costume representa a força natural e dinâmica que conforme o
sentimento jurídico das comunidades em que se não exacerbaram ainda os individualismos dominadores.
No período estudado o problema pôs-se de igual modo, logo que o renascimento jurídico facultou ao
monarca a possibilidade de brandir a lei como elemento centralizador.
A explicação foi então tentada através da presunção da vontade régia em querer ver tal fonte aplicada.
Assim aconteceu entre nós, salvaguardando-se a primazia da primeira.
O costume tinha força de lei, considerando-o a manifestação da vontade tácita do monarca. A explicação
resultava da tentativa de conciliar “a posteriori” a realidade vivida – o costume -, com outra fonte que lhe
fazia concorrência.
A pretensão de redução da primeira à lei aparece assim como tentativa de sujeitar algo que aparece espúrio
nos sistemas a caminho da centralização.
A doutrina tem alguma dificuldade em explicar o facto de no período monista, em que a vontade suprema
era a do rei, se tivesse dado algum valor à chamada “voluntas populi”, na qual se traduzia o costume.
Nesta época, a própria estruturação do poder político não dava grande relevo à expressão da vontade
popular. Por isso, e em face da resistência do costume, os teóricos da época vieram dizer que o costume
era a vontade tácita do Rei, pelo que valeria não por ser originário na vontade popular, mas porque era uma
manifestação indirecta da vontade do próprio Rei.
Ainda hoje o costume é fonte de direito, embora, só em casos muito restritos e permitidos pela própria lei,
ele constitua fonte criadora de normas.
A relevância do direito canónico no contexto das fontes jurídicas está intimamente ligado
com o posicionamento da Coroa frente à Igreja e ao Papado.
O fundamento desta ordem arranca da ideia de que a igreja pelo próprio acto fundacional
de Cristo representava uma sociedade distinta da sociedade civil, da civitas, pelo que tinha
a sua disciplina jurídica própria.
A existência simultânea das duas sociedades colocava um problema de articulação entre
as várias realidades. Esta articulação sofreu ao longo dos tempos soluções divergentes.
A posição do direito canónico perante a ordem jurídica civil portuguesa esteve sempre
relacionada com as questões de poder entre a Igreja e o Rei.
Se é certo que a linha hierocrática ou teocrática em que tal facto se integra foi sofrendo
erosão à medida que se caminha da Idade-Média para os tempos modernos, não é menos
certo também, que por parte dos nossos monarcas continuou subsistindo interesse na
manutenção do papado como autoridade internacional, devido à expansão portuguesa.
No período monista, apesar do direito canónico ter sofrido uma grande evolução e de,
em termos teóricos, a supremacia da Igreja não ter sido posta em causa, o facto é que,
na prática, essa supremacia foi contrariada, já que a lei pátria tinha supremacia sobre
as outras.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 91 a 104
Beneplácito Régio
Este sistema foi mantido nos reinados seguintes e passou às Ordenações Filipinas. D. João
V alargou a solução a outras letras apostólicas e no tempo do Marquês de Pombal o
beneplácito foi frontalmente reafirmado.
Este Concílio aberto em 1545 foi encerrado em 1563, havendo legislado em matéria
dogmática, liturgica e disciplinar, dentro de 1 linha ideológica de defesa da ortodoxia face
à reforma.
12 de Setembro
Alvará régio ordena às justiças que prestem ajuda aos prelados na execução das
determinações tridentinas.
24 de Novembro
Provisões regulamentam essa ajuda.
2 de Março de 1568
Primeira é revogada fixando-se casos de competência comum da jurisdição eclesiástica e
civil (mixti fori) e estabelecendo-se a regra de que a ajuda secular à autoridade espiritual
nos casos em que estivesse em jogo a liberdade ou o património só devia ser concedida
“após verificação da regularidade do processo eclesiástico e da legitimidade da sentença”
(Marcello Caetano).
Finalmente, estatuía-se no diploma sub judice que “se nos casos mixti fori a justiça
secular já tivesse sido chamada a proceder, a jurisdição estava preventa (conforme era
tradição do Reino e se achava estabelecido nas Ordenações Manuelinas), ficando os
tribunais eclesiásticos impedidos de intervir ou julgar”.
19 de Março de 1569
Porém, uma nova provisão permitia às autoridades eclesiásticas a execução das suas
sentenças directamente. Isto é, ficavam dispensadas de pedir a ajuda do braço secular,
independentemente até de ser um caso de competência mista.
Para Marcello Caetano, esta Provisão, ao permitir aos prelados a execução, por estes, de
sentenças mesmo na esfera temporal que atingissem leigos, “constituía uma grave
alteração ao direito português, que conferiu a D. Sebastião a primazia, entre todos os
estados católicos, na concessão de prerrogativas soberanas à Igreja”.
Concórdia de 1578
Ordenações Filipinas e a interpretação vieram, contudo, minimizar os efeitos da provisão
de 1569 reintegrando-se na linha de equilíbrio de que a provisão de 1568 foi expoente.
Durante este período, o Direito Canónico manteve o seu caracter de direito subsidiário
em termos idênticos àqueles que lhe eram reconhecidos pelas Ordenações anteriores até
à Lei da Boa Razão (18 de Agosto de 1769).
Esta lei veio, porém, a pretexto de uma aparente contradição de uma disposição do Livro
3 das Ordenações Filipinas, provocar 1 rude golpe no sistema vigente.
O passo seguinte na limitação imposta ao direito canónico veio a ser dado com a Lei da
Boa Razão, em 1769, quando se dispôs que o direito canónico só poderia, a partir daí, ser
utilizado nos tribunais civis em quatro situações possíveis:
• Nos casos em que os seus preceitos fossem utilizados pelas nações civilizadas da
Europa, como forma de correcção às normas do direito romano;
Fora destas situações, o direito canónico não devia aplicar-se nos tribunais civis.
A lei da boa razão, recorrendo às palavras dos professore Albuquerque, veio vibrar o
golpe mortal no sistema vigente.
Esclareceu definitivamente que: “aos meus ministros seculares não toca o conhecimento
de pecados; mas sim, e tão somente dos delitos; e ordenando, como ordeno, que o referido
conflito fundado naquela errada suposição cesse inteiramente; deixando-se os referidos
textos de Direito Canónico para os Ministros, e Consistorios Eclesiásticos o observarem
(...) seguindo somente os meus Tribunais, e Magistrados Seculares nas matérias
temporaes da sua competência as leis Pátrias, e subsidiárias, e os louváveis costumes, e
estilos legitimamente estabelecidos.”.
O conceito de estilo não era unívoco, sendo certo, todavia, que se tratava de um costume
de origem judiciária/tribunal.
O estilo era uma fonte principal de direito no período monista, embora estivesse sujeito a
requisitos de validade.
O estilo (que se formava nos tribunais de última instância ou superiores) devia, como as
demais fontes de direito, obedecer a certos requisitos:
De acordo com a disciplina das ordenações, os estilos valiam como lei e deviam ser
aprovados por assento.
Em 1605 determinou-se que só seriam válidos os estilos aprovados por assento da Mesa
Grande da Casa da Suplicação.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 79 a 82
Por decreto de 31 de março de 1778, a rainha D. Maria I tomou a decisão de nomear uma comissão, na qual
se integravam 10 juristas, que funcionavam como assessores de uma Junta de Ministros, com o objetivo de
todos em conjunto procederem à reforma das Ordenações Filipinas e elaborarem um Novo Código.
Porém, a questão do Novo Código não passou de uma querela doutrinária e nunca chegou a acontecer na
prática. Este tempo histórico é conhecido como “A Viradeira”.
Composição da Comissão
A comissão era presidida pelo Ministro e Secretário de Estado do Negócios do Reino, dela fazendo parte o
Desembargador do Paço, o Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação, o Procurador da Fazenda do
Ultramar e o Procurador da Coroa.
Além destes 5 notáveis da hierarquia judicial eram agregados à comissão 10 jurisconsultos, colaboradores na
especialidade.
A Junta tinha como missão estabelecer a Ratio das Leis em vigor, o que até aí se apresentava difícil visto a
pluralidade de umas como a antiguidade de outras.
Para este efeito estabeleceram-se balizas metodológicas, determinando-se que os Membros da Comissão
seguissem a divisão de matérias contida nas Ordenações , pelo que os jurisconsultos se repartiriam em grupos
de análise a cada 1 dos 5 livros das Ordenações.
Como o trabalho desta comissão não foi produtivo, em 1783, um outro jurista foi incumbido de reformar os
Livros II e V das Ordenações, relativos a matérias de direito público, direito político-administrativo e direito
criminal.
Este jurista era Pascoal José de Melo Freire dos Reis, conhecido pela sua tendência conservadora e
absolutista. Do seu esforço resultaram dois projetos de Código de Direito Público e de Código Criminal.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 130 a 153
A partir de 1789 vai publicar sob a égide da Academia das Ciências as suas Institutiones Iuris Civilis Lusitani
e Institutiones Iuris Criminalis Lusitanis.
Orientou a sua reforma do Livro II em torno de alguns princípios essenciais, que traduzem a sua filiação à
conceção do direito divino dos reis, do despotismo esclarecido. Ele defendia um conceito de monarquia
pura, era absolutista convicto e simpatizante das teses hierocráticas, argumentando que não poderiam existir
leis limitadoras do poder do monarca.
Ele entende que o poder que advém ao rei é derivação imediata de Deus. Os príncipes não devem a sua
autoridade ao povo, não estão dependentes dele, porque não é dele que recebem o seu poder. Assim, as
limitações que existem ao poder do Rei são muito reduzidas e praticamente se restringem às regras da sucessão
régia, consagradas nas atas das Cortes de Lamego. Contudo, isto não quer dizer que ele queira um Rei
desumano, na verdade, ele quer um bom pai.
Depois da apresentação do trabalho de Melo Freire, a Rainha nomeou por decreto de 3 de fevereiro de 1789,
uma Junta de Censura e Revisão dos trabalhos, da qual fazia parte um outro jurista e lente de cânones, de
seu nome António Ribeiro dos Santos, conhecido pela sua tendência liberalista.
As Cortes, na opinião deste jurista, não podiam ser vistas como uma fonte limitativa do poder, até porque
existiam direitos invioláveis.
Com efeito, as diferenças de conceção do poder político de um e de outro, levaram a uma polémica e a um
conflito político-jurídico entre os dois, o que frustrou completamente a aprovação destes projetos, os quais
não passaram de uma tentativa para a elaboração de um novo código.
Disputa Ideológica
Esta polémica reduzia-se a uma luta entre um adepto do despotismo esclarecido, Melo Freire, e um
simpatizante do liberalismo, Ribeiro dos Santos.
Melo Freire defendia um conceito de monarquia pura, era absolutista convicto e simpatizante das teses
hierocráticas, argumentando que não poderiam existir leis limitadoras do poder do monarca.
Ribeiro dos Santos era considerado um pró-liberal, simpatizante das teses anti- hierocráticas e defendia um
conceito de monarquia consensualista, em que o poder do monarca estava limitado pela existência das
chamadas leis fundamentais, que resultavam expressa e tacitamente duma convenção entre o Rei e o Povo. As
Cortes, na opinião deste jurista, não podiam ser vistas como uma fonte limitativa do poder, até porque existiam
direitos invioláveis.
Embora defendendo modelos políticos diferentes, ambos consideravam o direito como monopólio do Estado,
fosse ele produzido exclusivamente pelo Rei (Melo Freire) ou dividido entre o Rei e as Cortes (Ribeiro Santos).
O mesmo tipo de razão iluminando dois processos apenas instrumentalmente contraditórios. Porque o real
inimigo de ambos é a sociedade pluralista gerada na Idade Média onde o poder dos reis nasceu ou cresceu
através do consenso das ordens.
Fontes de direito
Para ambos, a ordem jurídica assentava numa visão monista, em que a lei era praticamente a fonte exclusiva
do direito.
É importante referir também que Ribeiro dos Santos entende que não basta uma mera revisão quanto ao
edifício das fontes de direito, mas sim uma codificação do Direito.
Direito Romano, ambos concordavam em retirar-lhe a posição de direito subsidiário. Porém:
• Ribeiro dos Santos vai ainda mais longe, criticando bastante o próprio ensino do Direito, afirmando
que é um exagero existirem oito cadeiras de Direito Romano e apenas uma de Direito Pátrio. Ele
entende inclusivamente que o ensino do Direito deveria ser reformado no sentido de limitar mais ainda
a presença do Direito Romano.
Na resposta à primeira Censura de Ribeiro dos Santos, Melo Freire confessa explicitamente os princípios que
o nortearam:
• A autoridade do Rei não provém do Povo, nem dele recebe o poder que exerceram e continuam a
exercer;
• Em Portugal não há qualquer lei que limite o poder do rei, e que entregue parte do poder ao povo ou a
qualquer outra ordem social, logo, por consequência, o poder reside só na pessoa do Rei;
• A sucessão do Reino deve ser decidida pelas actas das Cortes de Lamego e não pelos “princípios de
Direito Público universal, e das Gentes”;
• O Reino de Portugal pertence ao Rei para nele exercer o livre império e administração, visto não ter
sido doado ou provindo da translação dos povos, mas adquirido por direito de sangue ou por conquista.
Não quer isto dizer que o reino seja propriedade do rei, e que este possa usar e abusar dele, mas só que
o Rei temo direito de livre administração de todos os bens e pessoas do estado, e autoridade para dispôr
de tudo segundo a exigência da causa pública.
Melo Freire dizia ainda que não quer “um rei tirano e despótico”. “Eu quero um rei humano, que conheça que
ele foi feito para a república, e não a república para ele; que ame os seus vassalos; que lhes administre justiça
sem acepção de pessoas; que os contenhas nas suas respectivas obrigações; que os premeie e castigue depois
de os ouvir, que lhes faça guardar os seus privilégios que não forem prejudiciais aos povos; que respeite o
sagrado direito de propriedade; que não abuse do seu poder e que não prive o homem e o cidadão da sua
liberdade natural e civil, senão no caso de assim o pedir a causa pública e o bem universal da sociedade”.
Quanto a outras “cedências” de Melo Freire, Cabral Moncada refere que aquele no Projecto afirmou que aos
vassalos, como membros do corpo político do Estado, de que o rei teria a direcção e o governo, estão
igualmente inerentes e competem certos e determinados direitos, fazendo uns e outros o objecto do direito
público.
Ribeiro dos Santos faz questão em especificar o que entende por leis fundamentais resultantes da “convenção
expressa ou tácita entre o Povo e o Príncipe, que devem ser as primeiras, que mais se declarem, e se ponham
em maior luz”.
Para o autor estas eram, além das actas das Cortes de Lamego, as que garantiam os direitos invioláveis, os
foros e privilégios do corpo da nação e dos diferentes estados do reino.
“O bem do Estado pede, que depois de se haverem posto neste Código os sagrados direitos de majestade do
Príncipe, não esqueçam os direitos invioláveis da nação”, porque haveria de “considerar os vassalos como
corpo da nação”.
“Os direitos que competem aos vassalos podem ser de 2 géneros: direitos públicos, devidos a todos os vassalos
em razão das leis fundamentais, ou naturais ou positivas; os direitos particulares, que podem resultar a cada
um deles em razão dos seus serviços feitos à Coroa para obterem mercês e recompensas. Os primeiros
pertencem ao direito público universal, ou ao direito público constitucional da Nação...”
Diz claramente “que os povos, constituindo os reis, lhes não transferiram absolutamente todo o poder e
autoridade que tinham, mas só lhes deram o poder de administração, fazendo-os primeiros magistrados e
mandatários da nação; e a ela inteiramente sujeitos e responsáveis no seu governo”.
Criticando a Melo Freire o facto de estabelecer ao príncipe o direito de privativamente fazer leis, Ribeiro dos
Santos, invocando os antigos privilégios das Cortes que considera como não prescritos, considera a questão
do seguinte modo: ”Este antigo conselho legal das Cortes não era uma instituição arbitrária e dependente da
vontade dos nossos príncipes, mas um estabelecimento constitucional, fundado nos nossos antigos usos e
costumes... que exigiam a concorrência da Nação, ou dos seus representantes, no exercício do poder
legislativo”.
Era a defesa de uma monarquia consensualista e representativa, conformada por uma constituição histórica e
limitada pelos foros tradicionais e por um direito superior aos povos e aos reis.
Em 1497, D. Manuel I, manda recolher à Corte todos os forais e a demais documentação onde
estivessem consignados direitos sobre as terras a nível local, para que pudessem ser reformados.
O rei vai encomendar este trabalho aos juristas Rui Boto, João Façanha, Fernão de Pina, Rui da Grã,
Diogo Pinheiro e João Pires.
1
Rui e Martim de Albuquerque, História do Direito Português, II Volume, Tomo II, 1983, página 88 a 91
Estes forais, se comparados com os forais antigos, não têm a mesma originalidade, perdem grande
parte do seu conteúdo, deixaram de ser fonte essencial de direito para muitos ramos do Direito, que
permanecem agora regulados por lei, nas Ordenações.
Contudo, as populações continuam a olhar para os forais como as suas cartas de liberdade, as suas
cartas de privilégio, os seus estatutos locais. No fundo, eles expressam os seus direitos face ao rei e à
lei geral.
Devido a tal, algumas localidades, ainda hoje, continuam a celebrar os seus forais.
Apesar de limitados a matérias de interesse local, os forais vigoraram ainda até ao séc. XIX e só foram
extintos no âmbito de uma reforma administrativa, pelo chamado Decreto 23 de Mouzinho da Silveira.