Dissertação - Lais Carolina Machado e Silva - 2017
Dissertação - Lais Carolina Machado e Silva - 2017
Dissertação - Lais Carolina Machado e Silva - 2017
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA
GOIÂNIA
2017
LAIS CAROLINA MACHADO E SILVA
GOIÂNIA
2017
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.
CDU 81
AGRADECIMENTOS
O agradecimento, planejado desde o primeiro dia de aula no Mestrado, parece agora não
querer sair. Ideias que se transformam em linhas, mas que logo se apagam. Palavras que me
vem à cabeça, mas que os dedos são incapazes de digitar. O principal nós já temos: as lágrimas!
Logo eu, que não sou de chorar (pouco). Mas é preciso, então, força Lais! Meu primeiro
agradecimento é a Deus, pela vida que me foi concedida, pela força que sempre me enviou e
por nunca, nunca mesmo, me deixar desistir!
Ao meu pai, Marcos Luis da Silva, minha mãe Luzia Rodrigues Machado e Silva e ao
meu irmão Luis Henrique Machado e Silva. Transcrevo seus nomes completos para que todos
saibam o nome daqueles que são a minha força, a minha luz e o meu amor. Tudo que sou devo
a eles que nunca me deixaram desistir. À minha família como um todo, por compreenderem
minha ausência em inúmeros almoços e encontros. A minha cunhada Daiane Miranda, por ouvir
meu eterno desabafo!
Ao meu amor, Carlos Augusto, não somente por me acompanhar durante esses anos,
mas por se mostrar a própria paciência encarnada nesta Terra. Obrigada por todo o incentivo e
amor dedicado a mim! Agradeço a sua família que sempre me trata de uma forma especial,
minha sogra, meu sogro e minha cunhada. Amo vocês!
Aos meus amigos que também compreenderam a minha ausência e me encorajaram. Em
especial a Lajla Katherine que me acompanha desde a primeira fase do vestibular para o curso
de Letras e, agora, se faz presente também no Mestrado. Vejam como são as coisas! Aos amigos
que fiz no Mestrado: Anderson Nowogrodzki e Maíris. A todos os meus alunos que sempre
torceram pelo meu sucesso. E, também, a todos os professores que me fizeram ser o que sou
hoje. Desde a primeira série ao Mestrado! Ao grupo Bolsistas CAPES, pelas alegrias e
conhecimento compartilhados!
À minha orientadora Elza Kioko, pelo incentivo, disposição em me ajudar desde a
graduação, por não desistir de mim e por todas as correções que, com toda certeza, me ajudaram
a crescer um pouco mais. Ao grupo Nelim pelas discussões e incentivos, em especial a Zilda
Dourado, Samuel Sousa e Heloanny pela disposição em ajudar!
A Universidade Federal de Goiás, por ter me recebido de braços abertos em 2009. À
Faculdade de Letras que se tornou a minha segunda casa. A CAPES pelo auxílio financeiro que,
com toda certeza, me ajudou a trilhar esse caminho! À banca examinadora pela disposição em
contribuir com esta pesquisa. Por fim, agradeço a Luís Inácio Lula da Silva e a Dilma Rousseff
pelas políticas sociais implantadas e mantidas, sem as quais eu não teria conseguido ingressar
no ensino superior público. Muito Obrigada!
O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
Guimarães Rosa
RESUMO
O objeto de estudo desta dissertação é o discurso político de Marina silva. O discurso político,
carregado de valores sociais e ideológicos, se tornou objeto de investigação de pesquisas na
academia, nas mais variadas áreas: linguística, antropologia, história, comunicação, etc. No
entanto, após investigação verificamos que o discurso político nunca foi estudado da
perspectiva da Análise do Discurso Ecológica. Assim, surgiu o tema desta dissertação: o estudo
do discurso político de Marina Silva sob a perspectiva da Análise do Discurso Ecológica,
doravante, ADE. Marina Silva se destacou na campanha de 2014 por, na maioria das entrevistas,
falar sobre a promoção de uma “Nova Política”, em oposição à “Velha Política” por ela
criticada, o que nos despertou o interesse em compreender qual o sentido de política nos
discursos da ex-candidata. Também nesta campanha Marina foi considerada como incoerente
por algumas alterações que fez em suas propostas, o que despertou mais uma inquietação em
compreender os desdobramentos que a levaram a alterar algumas questões como, por exemplo,
as causas LGBT. Desse modo, temos como objetivo geral analisar a entrevista de Marina no
sentido de entender qual o fazer político da ex-candidata, com base na perspectiva da ADE.
Definimos como objetivos específicos: descrever os efeitos de sentido produzidos no discurso
de Marina Silva;verificando se há concordâncias e discordâncias entre os enunciados da
candidata nas entrevistas e em seu plano de governo, em relação aos temas educação, economia,
meio ambiente e questões ligadas ao Direito das minorias, bem como compreender as interações
que levaram às possíveis mudanças entre esses discursos e, por fim, analisar, as propostas de
Marina, buscando entender como se propõem a construir novas posturas políticas. Para tanto,
selecionamos como corpus de análise uma entrevista realizada com Marina silva durante a
campanha presidencial de 2014. Como aporte teórico, utilizamos a Análise do Discurso
Ecológica, a qual surgiu no seio da Ecolinguística. Desse modo, apresentamos, em um primeiro
momento, a Ecolinguística com suas bases, bem como as categorias de análise e algumas de
suas concepções, para contextualizarmos e prepararmos o terreno para a apresentação da
Análise do Discurso Ecológica. Ainda como suporte teórico, apresentamos uma discussão
acerca de diferentes perspectivas para se pensar a política, já que, da forma como se constitui
nos dias atuais, ela é extremamente voltada para valores capitalista. Para tanto, trazemos à
discussão a Ecologia Profunda, a Ecopolítica e a ecoética. Fazemos uso da metodologia da ADE
(ecometodologia), que é a focalização, ou seja, o recorte de dado campo de interações, mas sem
desprezar o todo (GARNER, 2004), caracterizando-se, principalmente, por ser uma disciplina
multimetodológica (COUTO; ALBUQUERQUE, 2015). Foi possível observar que da
perspectiva da Análise do Discurso Ecológica o fazer político de Marina é positivo para a
sociedade no sentido de que trabalha com a diversidade que permeia tanto o campo da política
quanto a comunidade como um todo, o que permite que as demandas da sociedade sejam melhor
abarcadas e que prevê a defesa do meio ambiente.
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 147
“Diga-me o que lhe incomoda no outro e lhe direi o que precisa mudar em você” (Autor
desconhecido). Foi a partir dessa frase que esta dissertação começou a ser pensada, ainda em
2014. Ano de eleição presidencial, o país estava em “crise” e as pessoas do meu convívio
ficavam, em sua maioria, ansiosas pelo “Horário eleitoral gratuito”. Isso mesmo, ansiosas para
desligar a televisão. “Mas que absurdo! Como pretendem eleger alguém sem ao menos conhecer
suas propostas?” – diziam alguns. Eu concordava com os “alguns”, mas agia como os
“ansiosos”. Contraditório? Claro, o que nos leva também à escolha do tema desta pesquisa.
Uma inquietação pessoal me levou, então, a acompanhar o cenário da política em 2014
e a observar como se portavam os candidatos à presidência. Quais eram suas propostas? Como
agiam diante de temas prioritários para a população? E em relação aos temas polêmicos? À
medida que o cenário das eleições foi se delineando, meu interesse aumentou, e minhas dúvidas
também. Aécio Neves, Dilma Rousseff e Marina Silva foram os nomes mais conhecidos dessa
acirrada disputa. Enquanto Aécio e Dilma representavam a velha, e ainda ativa, polarização da
política brasileira (entre o Partido da Social Democracia Brasileira –PSDB – e o Partido dos
Trabalhadores – PT), Marina surgiu como um nome para a “Nova Política” (termos dela). O
campo político, a meu ver, é permeado por mais dúvidas do que certezas, e, portanto, apresenta-
se mais uma dúvida: o que seria essa “nova política”? Como ela seria possível? E, ainda, o que
é o fazer político?
Marina Silva, diferentemente dos demais candidatos, já despontava no meu interesse
por declarar-se como a mudança necessária para a política brasileira. Seguindo o método
dedutivo, formulado pelos gregos antigos, pensaríamos: “Vivemos um momento ruim na
política, com altos índices de corrupção, e Marina afirma que promoverá a ‘Nova Política’. Ora,
se é nova, é diferente do que vivemos. Logo, Marina Silva é a solução, por isso a escolheremos!
Certo?”. Certo, do ponto de vista do método dedutivo! Mas nem só de dedução viverá o homem
(ou a mulher) e foi assim que percebemos outros aspectos que influenciariam na aceitação de
Marina por parte do eleitorado brasileiro, o fato de ser mulher, negra, de origem humilde,
sobrevivente a várias doenças e defensora do meio ambiente (este último, particularmente,
sempre me chamou a atenção). Percebi que muitas pessoas (entre aquelas que fazem parte de
minha rotina) escolhiam Marina por sua história de vida, que, apesar de sofrida, também
representa a luta. Isso se deve ao fato de ela ter enfrentado muitos problemas, que vão desde a
sua saúde à luta política, iniciada desde cedo. Por todos esses fatores, Marina sempre despertou
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a compaixão e até a admiração de parte de alguns brasileiros. Enfim, todos esses aspectos
também poderiam afastar os eleitores de Marina, mas isso é assunto para outra pesquisa.
Assim, diante de tantos questionamentos, incertezas e da vontade de compreender essa
esfera tão presente na vida humana, a política, surgiu o objeto de pesquisa para esta dissertação:
o discurso político de Marina Silva. A escolha desse objeto se deve, também, ao fato de que, ao
longo da campanha, Marina foi considerada como incoerente por algumas alterações que fez
em suas propostas, o que despertou mais uma inquietação em compreender os desdobramentos
que a levaram a alterar algumas questões como, por exemplo, ligadas às causas LGBT. Se uma
pesquisa só é possível a partir de questionamentos, já temos aqui o essencial.
Ao definirmos o objeto de nossa pesquisa – “o discurso político de Marina Silva” –
entendemos que precisamos tecer algumas considerações acerca do que vem a ser o discurso,
para situarmos nosso leitor ou reforçarmos o que ele já sabe. Afinal, o texto que dialoga com
Chico, tem de dialogar também com Francisco. A palavra discurso, em nosso cotidiano, tem
várias acepções sendo associada, geralmente, às declarações dos políticos, seja em época de
campanha eleitoral ou mesmo durante o exercício de seus mandatos. Já em alguns dicionários
de língua portuguesa, as acepções dessa palavra distanciam-se daquela relacionada aos
pronunciamentos políticos. No dicionário Aurélio (2009), por exemplo, a palavra discurso
significa peça oratória proferida em público; exposição metódica sobre certo assunto. Isto é,
continua no campo semântico da exposição em público, no entanto, não está associada à fala
específica do político.
Já o dicionário Houaiss (2009) traz algumas definições para a palavra discurso, as quais
corroboram com a definição do Aurélio. Dentre as várias acepções que o dicionário apresenta,
destacamos quatro. O discurso é, portanto: 1. Mensagem oral, solene e prolongada, que um
orador profere perante uma assistência. 2. Peça de oratória para ser proferida em público, ou
escrita como se fosse para esse fim; sermão; oração. 3. Série de enunciados significativos que
expressam a maneira de pensar e de agir e/ou as circunstâncias identificadas com certo assunto,
meio ou grupo. 4. Raciocínio que se realiza pela sequência que vai de uma formulação
conceitual a outra, segundo um encadeamento lógico e ordenado. Isto é, tanto as definições do
Aurélio quanto do Houaiss consideram o discurso como uma exposição oral direcionada a um
público, a qual deve ainda ser bem elaborada.
Nos estudos da ciência da linguagem, por sua vez, da qual a Análise do Discurso faz
parte, a acepção teórica da palavra discurso ganhará outros contornos não mais vinculados a
uma exposição em público ou a fala de algum político. Mas estará ligada a tudo que se
materializa linguísticamente em qualquer campo da existência humana, na política inclusive,
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mas não só. Trazemos, então, Charaudeau (2006) e Orlandi (2005) para dissertarmos sobre a
acepção teórica de discurso. Assim, passemos à acepção de Charaudeau, que pondera sobre o
discurso em geral, mas demarca também o campo do discurso político. A consideração de
Charaudeau acerca do discurso político instigou ainda mais a curiosidade em relação ao “fazer
político”. Afinal, esse “fazer” diz respeito a quê? É possível confiar no que diz o político?
Questionamentos que se justificam, pois partimos da inversão de uma máxima da justiça
brasileira, segundo a qual “todo mundo é culpado até que se prove o contrário”! Enfim,
Charaudeau explica!
Charaudeau (2006, p. 252) afirma que “o discurso político (bem como todo tipo de
discurso) não tem sentido fora da ação, e que a ação busca, para o sujeito político (mas também
para todo o sujeito), o exercício de um poder”. Isso implica dizer que discurso e ação são faces
de uma mesma moeda e, portanto, são interdependentes. Ambos são componentes da troca
social, pois emanam do sujeito e este só se define, enquanto tal, em sua relação com o outro,
seguindo, então, um princípio de austeridade, em que, sem a presença do outro, não há a
consciência de si. Charaudeau (2006, p. 261) explica, ainda, que o discurso político é o lugar
em que “instala-se um jogo de máscaras entre palavra, pensamento e ação que nos conduz à
questão da mentira na política”. O discurso político deve, ademais, ser tomado pelo que diz e
pelo que não diz, já que o homem político não pode dizer tudo, a todo instante, pois suas
palavras não devem entravar a sua ação. Por esse motivo, o discurso político é permeado por
estratégias. Desse modo, a encenação no discurso político é constituinte do fazer político.
Já para Orlandi (2005), nas palavras de Pêcheux, o discurso são os “efeitos de sentido
entre interlocutores”. Orlandi (2007) salienta que o discurso tem em si a ideia de curso, de
percurso, de correr por, de movimento. O discurso é palavra em movimento, prática de
linguagem: com o estudo do discurso, observa-se o homem falando. O discurso é,
consequentemente, um objeto sócio-histórico, pois ele reflete as práticas sociais e históricas das
sociedades nas quais ele surge e é, também, atravessado e constituído por questões sociais e
ideológicas, as quais vão depender do contexto em que emergem o que é certo ou o errado,
justo ou injusto. O discurso é, também, o lugar em que se pode observar a relação entre língua
e ideologia, compreendendo como a língua produz sentidos por/para sujeitos, conforme afirma
Orlandi (2005, p. 17): “a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade
específica do discurso é a língua, trabalha a relação língua-discurso-ideologia”.
De acordo com Orlandi (2005), a língua deve ser vista no mundo, ela é a condição de
possibilidade para o discurso, ela tem sua ordem própria, não mais abstrata como na linguística.
A língua significa no mundo, “com os homens falando, considerando a produção de sentidos
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enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma
determinada forma de sociedade” (ORLANDI, 2005, p. 16). Já a ideologia, de acordo com
Orlandi (2005, p. 46), “é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo
é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer”. A ideologia é, ainda, um
efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história para que haja sentido.
Enfim, após passarmos pelas acepções da palavra discurso para alguns dicionários e,
também, por acepções teóricas, salientamos que o discurso político, carregado de valores
sociais e ideológicos, se tornou objeto de investigação de pesquisas na academia, nas mais
variadas áreas: linguística, antropologia, história, comunicação, etc. Assim, por termos definido
como nosso objeto o discurso político de Marina Silva, fomos pesquisar se já havia estudos
acerca desse objeto e quais eram as perspectivas, para não corrermos o risco de “reinventarmos
a roda”.
Em pesquisa realizada no site da Biblioteca Nacional de Teses e Dissertações,
percebemos que o discurso político de Marina Silva já foi objeto de estudo de outros
pesquisadores em artigos, dissertações e teses. A dissertação de Mestrado intitulada “Análise
das mensagens postadas por Marina Silva e pelo Partido Verde no Twitter nas eleições de
2010”, está disponível em http://bdtd.ibict.br/vufind. A pesquisadora, Karol Natasha Lourenço
Castanheira (2012), utiliza como base metodológica a etnografia virtual ou netnografia (ramo
da etnografia que analisa o comportamento dos indivíduos e grupos sociais na Internet), que
oferecem o escopo teórico-prático para as análises das mensagens.
Já a dissertação “Hipertextualidade e relações dialógicas no gênero digital microblog
político dos candidatos à Presidência do Brasil nas Eleições 2010”, do pesquisador Artur Daniel
R. M. (2012), está disponível em http://www.teses.usp.br/. Como corpus, foi selecionado todo
o material postado no Twitter pelos três principais candidatos à presidência da República:
Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva. Como base teórico-metodológica, foram
empregadas as contribuições do círculo de Bakhtin.
A tese “Imaginários do discurso político e a construção da identidade: um estudo sobre
narrativas de vida na entrevista política”, do pesquisador Jader Gontijo Maia (2015), está
disponível no site http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace. O corpus é constituído por
entrevistas realizadas com Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva
e Marina Silva, no período entre 1988 e 2006. Os pressupostos teóricos passam pelos conceitos
adotados pela Teoria Semiolinguística, de Charaudeau, bem como a noção de Ethos, em
Amossy e Maingueneau.
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Objetivo geral: analisar a entrevista de Marina no sentido de entender qual o fazer político
da ex-candidata, com base na perspectiva da ADE.
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Objetivos específicos:
- descrever os efeitos de sentido produzidos no discurso de Marina Silva;
- verificar se há concordâncias e discordâncias entre os enunciados da candidata nas
entrevistas e em seu plano de governo, em relação aos temas educação, economia, meio
ambiente e questões ligadas ao Direito das minorias, bem como compreender as
interações que levaram às possíveis mudanças entre esses discursos;
- analisar, por fim, as propostas de Marina, buscando entender como se propõem a
construir novas posturas políticas.
significa dizer que o ecossistema é o conjunto de interações que ocorrem entre seus
componentes.
Assim como na ecologia biológica o conceito central é o ecossistema biológico, na
Ecolinguística, o conceito central é o ecossistema Linguístico, definido por Couto (2016) como
um sistema que possui uma população ou povo (P), que convivem em determinado lugar, que
é seu meio ambiente ou território (T), e interagem (I) entre si por meio da língua (L). Uma
diferença entre o ecossistema linguístico e o biológico é que no ecossistema linguístico as
interações recebem o nome de língua (L), de modo que o ecossistema linguístico é a totalidade
PTL, em que Língua é igual à Interação (L=I).
As interações (I) que se dão no ecossistema linguístico recebem o nome de língua (L),
pois, para a Ecolinguística, de acordo com Couto (2016), língua é a própria interação. A língua,
portanto, são as interações verbais que se dão entre os membros da população ou povo e entre
eles e o mundo ou território, exatamente como na ecologia biológica. Por esse motivo, a
Ecolinguística estuda os fenômenos linguísticos a partir de uma perspectiva ecológica, pois
compreende que as interações que ocorrem no ecossistema biológico se dão da mesma forma
no ecossistema linguístico.
As interações na ecolinguística são estudadas pela Ecologia da Interação Comunicativa,
que é, de acordo com Couto (2016), o núcleo da linguagem. Ela é o próprio processo de
produção do discurso e esse processo possui componentes básicos e regras (interacionais e
sistêmicas). É por meio desses componentes que a interação se realiza no ecossistema. A
ecologia da interação comunicativa consta de cenário, falante e ouvinte, regras interacionais,
sistêmicas e circunstantes.
A ecolinguística faz uso das categorias de análise da Ecologia e, dessa maneira, como
fala em ecossistema linguístico, fala também em ecossistema natural, mental e social, os quais
compõem o ecossistema linguístico. Abordam-se também categorias como adaptação,
evolução, diversidade, holismo, entre outros, apresentados a seguir.
O ecossistema natural, de acordo com Couto (2016), é constituído pelo entorno físico
da linguagem, que inclui não só o território, mas também os outros elementos da natureza,
como, por exemplo, o ar, as águas, os corpos celestes e, também, o corpo físico do povo
(P).Desse modo, tudo o que pertence à língua como fenômeno natural é estudado aqui. Sapir
(1969, p. 38) já havia explicitado a relação entre língua e meio ambiente, quando afirmou que
o léxico da língua é o que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social dos falantes. Nas
palavras dele, “o léxico completo de uma língua pode se considerar, na verdade, como o
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o sofrimento mental acontece quando uma pessoa expõe a outra a situações que lhe causam
algum tipo de incômodo.
Por fim, o sofrimento social diz respeito aos casos de difamação, desmoralização em
público, entre outros. Esses tipos de sofrimento não se restringem apenas aos seres humanos,
mas também aos demais animais, por exemplo, no caso da caça e pesca lúdica, que se dá apenas
para satisfazer a vontade do ser humano, e não com vistas à alimentação, ou seja, expõe os
animais ao sofrimento apenas por prazer. Desse modo, a política para a ADE deve ser
prescritiva no sentido de buscar amenizar todos os tipos de sofrimento quando for possível,
defendendo o direito à vida.
Ainda como suporte teórico, apresentamos uma discussão acerca de diferentes
perspectivas para se pensar a política, já que, da forma como se constitui nos dias atuais, ela é
extremamente voltada para valores capitalista, de modo que outras perspectivas para essa esfera
tão importante da vida humana abririam nossos horizontes para repensarmos as práticas atuais.
Para tanto, trazemos à discussão a Ecologia Profunda, proposta por Arne Naess (1973), o qual
estabeleceu uma divisão entre os movimentos da “ecologia rasa” e da “ecologia profunda”. Essa
distinção se deve ao fato de que, no movimento da “ecologia rasa”, buscava-se preservar o meio
ambiente apenas por atribuir-lhe um valor instrumental, ou seja, o meio ambiente seria o
responsável por garantir o bem-estar humano e, por isso, deveria ser protegido.
No movimento da “ecologia profunda”, por outro lado, há um reconhecimento do valor
intrínseco de todos os seres vivos, incluindo-se aí o ser humano e, logo, não há uma separação
entre homem e meio ambiente, ambos estão, antes de tudo, interconectados e são
interdependentes. Essa distinção é importante ainda hoje para o pensamento ambientalista, visto
haver uma crescente apropriação capitalista do discurso ambiental, que se alastrou em nossa
sociedade. Consequentemente, a defesa do meio ambiente só vai até onde não chegam os
interesses econômicos. Muitas empresas tomam para si o discurso ambiental e se
autoproclamam sustentáveis, quando, na verdade, o processo de fabricação de seus produtos
degrada o meio ambiente.
Abordamos, também, o taoísmo e alguns de seus princípios. O taoísmo é uma corrente
filosófica oriental que auxiliou os princípios da ecologia profunda. Dessa forma, tecer
considerações acerca dessa visão de mundo pode nos auxiliar a compreender que os princípios
de harmonia e de diversidade não são apenas palavras bonitas, mas são, antes de tudo, posturas,
crenças de uma pessoa que, cientificamente, procurou intervir nos problemas do mundo a partir
da Ecologia.
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A Ecopolítica, que, conforme Ruiz (1991), é uma teoria político-social que busca
mobilizar mudanças na sociedade em prol de uma conscientização ecológica, diz respeito a um
processo no qual o ser humano busca mudanças em relação a sua postura frente ao meio
ambiente. Por fim, a Ecoética liga-se à questão da ética ambiental, conceito filosófico
desenvolvido na década de 1960 e que acredita na conservação da vida humana ligada
essencialmente à conservação de todos os seres vivos.
Considerando o caráter prescritivo da ADE e por entendermos que a política atual deve
ser repensada, salientamos a importância em mobilizarmos tais teorias para pensarmos uma
concepção de política para a ADE, considerando que tanto a ecologia profunda quanto a
ecopolítica sugerem que as políticas atuais sejam repensadas. Essa concepção buscará ir além,
no sentido de propor práticas políticas segundo as quais seja responsabilidade do ser humano
manter as condições necessárias para que todos os ecossistemas sigam o seu curso de vida
naturalmente.
A metodologia utilizada nesta pesquisa é de cunho documental e bibliográfico,
apoiando-se na análise de documentos, segundo os postulados de Denzin e Lincoln (2006, p.
16), para os quais essa conduta é “em si mesma um campo de investigação que atravessa
disciplinas, campos e temas”, que se vale de uma ampla variedade de atividades interpretativas
interligadas, sem, entretanto, privilegiar uma prática metodológica em relação à outra. Entende-
se por documento “uma impressão deixada em um objeto físico por um humano”, como
“fotografias, filmes, vídeos e outras fontes não escritas” (DUFFY, 2008, p. 109). Ademais,
fazemos uso da metodologia da ADE (ecometodologia), que é a focalização, ou seja, o recorte
de dado campo de interações, mas sem desprezar o todo (GARNER, 2004), caracterizando-se,
principalmente, por ser uma disciplina multimetodológica (COUTO; ALBUQUERQUE,
2015). Isso quer dizer que o pesquisador deve delimitar qual ecossistema pesquisa, ou seja,
dentre a enorme teia de relações, ele escolhe qual estudará. Isto é, ao analisarmos nosso corpus,
devemos fazer um recorte de determinado campo de interação e analisar. Além disso, por seguir
a visão ecológica de mundo (VEM), ela pode empregar o método que for necessário no
momento de analisar o texto.
Esta dissertação foi dividida em quatro capítulos mais as considerações finais. O título
de cada capítulo vem acompanhado de uma frase que se refere às fases do plantio, bem como
ocorre na constituição de uma pesquisa, que vai desde a escolha do objeto à aplicação das teorias
e a obtenção dos resultados, os quais são os frutos propriamente ditos. Assim como do plantio
à colheita é preciso o exercício da paciência, na pesquisa ocorre da mesma maneira.
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pretendem construir novas posturas políticas. Aliado a esses objetivos, buscamos apresentar,
no decorrer da análise, nossas reflexões acerca de uma concepção de política para a ADE.
Por fim, nas Considerações Finais- A colheita dos frutos, trazemos nossos resultados e
buscamos pensar em uma concepção de política para a ADE que tenha como inspiração os
princípios da Ecopolítica. Não desconsideramos o avanço que representa para a sociedade a
construção de uma teoria como a Ecopolítica, no entanto, bem como salienta um de seus
precursores (Le Prestre), ela ainda não dá conta de todos os problemas enfrentados pelo meio
ambiente e pela comunidade, como a utilização desenfreada dos recursos naturais.
Assim, a concepção sobre uma política para a ADE deve ser holística, no sentido de
prezar pelo bem-estar da comunidade como um todo, e não apenas dos seres humanos. Deve,
ainda, possibilitar um ambiente de equidade e bem-viver para a população, que promova a
harmonização da comunidade em geral e que proponha práticas que auxiliem na defesa do
ecossistema como um todo. Essa política, da perspectiva da ADE, deve garantir, ao indivíduo,
meios para que ele busque sua autorrealização, ou seja, alcance os seus objetivos e desejos,
ainda que não consiga alcançar tudo o que almeja, o indivíduo deve pelo menos ter condições
para buscar essa autorrealização. A autorrealização do indivíduo, defendida pela ADE é
também a autorrealização da comunidade, já que ela constitui-se das interações que se dá entre
todos os seus membros.
Foi possível perceber, assim, que da perspectiva da Análise do Discurso Ecológica o
fazer político de Marina é positivo para a sociedade no sentido de que trabalha com a
diversidade que permeia tanto o campo da política quanto a comunidade como um todo, o que
permite que as demandas da sociedade sejam melhor abarcadas e que prevê a defesa do meio
ambiente. Assim, como a ecopolítica se propôs a ser uma teoria político-social, a qual busca
mobilizar mudanças na sociedade em prol de uma conscientização ecológica, na qual o ser
humano busque mudanças em relação a sua postura frente ao meio ambiente. Ao preservarmos
e valorizarmos a diversidade, consequentemente, valorizamos as diferenças que permeiam
nossa sociedade e, valorizar as diferenças, implica em garantirmos a autorrealização do seres.
Desse modo, afirmamos que Marina se constitui enquanto um sujeito ecológico, pois está a
procura da autorrealização própria e dos demais seres, reclamando para si e defendendo para
eles o direito à vida e buscando amenizar a dor e o sofrimento.
Por fim, destacamos que o propósito desta pesquisa é oferecer também um instrumental
de análise, apesar de introdutório, para que estudantes e profissionais interessados na Análise
do Discurso Ecológica possam ler analiticamente o discurso político que se apresenta nas
22
discussões do dia a dia, no campo tradicional da política e na mídia sob o viés da Análise do
Discurso Ecológica.
23
Portanto, a ecologia profunda concorda com essa visão de mundo orgânico, no qual tudo
está em integração e em constante evolução, bem como na hipótese de Gaia. Por isso a ação do
homem compromete a existência da vida na Terra, ainda que ela consiga se adaptar às mudanças
provocadas por suas ações no meio ambiente. Dessa forma, se o ser humano quiser sobreviver
neste planeta, precisa reconhecer que tem a responsabilidade de diminuir os impactos de suas
ações em nome da vida como um todo.
Assim, como uma plataforma de trabalho para o movimento da ecologia profunda,
Naess propôs oito princípios de como aqueles que se preocupam com o meio ambiente devem
agir. Com base nos estudos empíricos, incluindo pesquisas e questionários, o intelectual
descobriu que tais fundamentos têm amplo apoio no movimento de Ecologia internacional,
tendo sido traduzidos por Couto (2012) da seguinte forma:
1- O bem-estar e o florescimento da vida humana e não humana sobre a Terra têm valor
em si próprios (sinônimos: valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são
independentes da utilidade do mundo não humano para propósitos humanos.
Este primeiro princípio diz respeito ao reconhecimento do valor de cada ser vivo
pertencente ao ecossistema (que inclui os seres vivos e o ambiente no qual vivem), com suas
características próprias e as inter-relações entre ambos, de modo que todos possuem o mesmo
valor. Seguindo este quesito, os recursos naturais não estão a serviço da vida humana e não
devem ser enxergados como um instrumento responsável por garantir o bem-estar humano. Isto
é, a preservação do meio ambiente deve partir de uma postura ecológica que reconheça o valor
da vida humana e não humana em si mesma.
3- Os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e diversidade, exceto para
satisfazer necessidades humanas vitais.
O terceiro princípio trata da relação de respeito que deve haver entre homem e meio
ambiente. O uso desenfreado dos recursos nos levou à extinção de várias espécies e instaurou
problemas ambientais que assolam o mundo constantemente como, por exemplo, a intensa
produção de alimentos e o crescimento de uma agricultura focada na alta produção e no grande
consumo de energia, de agrotóxicos e fertilizantes. Como resultado dessa expansão da prática
28
O quarto princípio é alvo de polêmica, pois pode dar a falsa impressão de que se quer
eliminar parte da população. Nele, o florescimento da vida humana e das culturas é compatível
com a diminuição da população humana. De acordo com Couto (2012), isso significa uma
diminuição no ritmo de proliferação e não uma eliminação de parte desses indivíduos. Esse
controle está diretamente relacionado ao problema da fome em diversos países, em decorrência
do crescimento demográfico rápido, pois o número de pessoas que habitam a Terra já
ultrapassou a capacidade que o planeta tem de alimentá-las.
O quinto princípio está relacionado à interferência humana no meio ambiente dos outros
seres vivos, algo desmedido que tem nos levado à extinção de várias espécies, não só animais,
mas também vegetais. A água doce de que todos dependem também está diminuindo e, neste
caso, a interferência humana acontece de duas maneiras, seja pelo uso excessivo e desenfreado,
provocando o desperdício, seja por poluir o pouco que ainda nos resta de água própria para o
consumo.
A esse respeito, Couto (2012) explica que a criação intensiva de espécies domesticadas
exige a devastação de grandes áreas florestais para pastagem, o que implica a destruição de
ecossistemas inteiros. Outro problema que enfrentamos é a apropriação capitalista do discurso
ambiental, que se alastrou em nossa sociedade. Entretanto, a defesa do meio ambiente só vai
até onde os interesses econômicos não sejam prejudicados, o que levou, também, à distinção
entre o movimento da “ecologia rasa” e da “ecologia profunda”.
Muitas empresas tomam para si o discurso ambiental e se autoproclamam sustentáveis,
quando, na verdade, no processo de fabricação de seus produtos, degradam o meio ambiente.
Como exemplo podemos citar a empresa petrolífera de renome mundial, Shell, que, de acordo
com Tony Juniper, líder da ONG inglesa Friends of the Earth, gasta uma enorme quantia
tentando convencer as pessoas de que se importa com o meio ambiente, contudo, sua produção
de petróleo e de gás só aumenta, o que acarreta graves problemas ao meio ambiente.
Couto (2012) assevera que, ao invés de um alto padrão de vida, deveríamos dar
preferência à qualidade de vida. Quando falamos em um padrão alto, estamos nos referindo a
um estilo de vida que pressupõe um elevado modelo de referência em termos de bens e serviços
como, por exemplo, ter sempre o carro do ano, celulares de última geração, roupas de grifes
caríssimas, normalmente, associados a um status social. Já a qualidade de vida não
necessariamente tem relação com o poder aquisitivo elevado, engloba aspectos físicos, mentais,
psicológicos e emocionais, como estar satisfeito consigo mesmo, ter uma saúde mental
equilibrada, conseguir lidar com os problemas. Além disso, essa última está ligada a uma vida
mais simples, já que se reconhece a necessidade de casa, carro, celular, para se ter qualidade de
vida, mas sem dedicar sua vida a adquirir sempre as versões mais atualizadas e luxuosas desses
produtos.
Diante de tais considerações, buscamos, assim como está proposto no sexto princípio,
nos mobilizar para pensar em uma concepção de política para a Análise do Discurso Ecológica,
a qual seria um plano político de posturas e práticas que busquem a valorização da vida de todos
os seres, bem como a harmonia.
na Terra. Assim, se o ser humano quiser sobreviver, precisa reconhecer que tem a
responsabilidade de diminuir os impactos de suas ações, em nome da vida como um todo.
Naess (1973) reitera, ainda, que a diversidade aumenta as potencialidades de
sobrevivência, bem como as possibilidades de novos modos de vida. Sendo assim, a “luta pela
vida” e a “sobrevivência do mais apto” devem ser repensadas no sentido de capacidade de
coexistir e cooperar em relações complexas. Para tanto, há um princípio ecológico em oposição
ao “ou você ou eu”, que é o “viva e deixe viver”. O primeiro tende a reduzir a multiplicidade
de tipos de formas de vida e, também, a provocar a destruição nas comunidades da mesma
espécie; enquanto o segundo, decorrente de atitudes ecologicamente inspiradas, favorece a
diversidade dos modos de vida humanos, das culturas, das economias.
Sobre o combate à poluição e ao esgotamento dos recursos, este filósofo nos diz que os
ecologistas encontraram muitos apoiadores da causa. No entanto, em muitos casos, a atenção
se concentra na poluição e no esgotamento dos recursos, e se implantam, por exemplo, projetos
que reduzem a poluição, mas que não tratam as causas como o descarte de lixo em locais
impróprios, a falta de rede de esgoto em algumas cidades, que vai acarretar na poluição dos
rios, entre outros. Portanto, é preciso ter uma visão global do problema, ou seja, compreendê-
lo em si e também as causas que levaram a sua aparição.
Naess (1973) vai falar também acerca de uma ética de responsabilidade, segundo a qual
os ecologistas não devem servir ao movimento ecológico raso, mas sim ao profundo, que
permite uma visão holística de todo o processo. A visão holística para Ecologia concerne ao
pensamento sistêmico, para o qual o universo é explicado como um grande sistema, uma rede
dinâmica de eventos que são inter-relacionados, o que foi proposto pela hipótese de Gaia, na
década de 1960. Desse modo, a percepção de uma determinada realidade só faz sentido se
observamos também o seu contexto. Assim, o observador também é parte integrante da
realidade observada, já que nada está isolado e tudo faz parte de uma rede de relações.
Nos dizeres de Couto (2012), a expressão “ecologia rasa” pode nos dar a impressão, e
tem dado, de que Naess veria seus seguidores com um ar de superioridade, uma vez que ele
segue a orientação oposta, a da “ecologia profunda”. No entanto, para desfazer mal-entendidos,
em vez de “ecologia rasa”, às vezes, se tem falado em “ecologia reformista”, ou simplesmente
não se menciona o termo. No que concerne aos praticantes da ecologia profunda, não se tem
usado a expressão “ecologistas profundos”, pois a palavra “profundo” ressalta o fato de que
essa linha de pensamento traz questões fundamentais, de profundidade, e não por considerarem
seus seguidores mais “profundos” ou mais “importantes”. De acordo com Capra (1996, p. 17),
33
Segundo Drengson (2010), na ecosofia de Naess, uma vida rica e gratificante não requer
material, riqueza ou poder sobre os outros ou a natureza. A filosofia, para este intelectual,
prospera no diálogo. Quando atacado por suas visões, assim como Gandhi, procurou entender
o ponto de vista do atacante, esclarecendo seus próprios pensamentos para aprofundá-los e
compreendê-los melhor. Aprendeu, por meio da comunicação, que não devemos ser rígidos em
relação às nossas ideias e crenças. Desse modo, os seguidores dessa ecofilosofia não são juízes
do que é certo ou errado, portanto, se for para usar esse termo, pode-se considerar como
“errado” tudo que vai contra a vida e/ou traz sofrimento.
De fato, o caráter prescritivo é uma razão da coletividade, pois, ao defendermos a vida,
garantimos que a natureza siga o seu curso natural, sem as intervenções do ser humano em
nome do lucro ou do progresso. Sendo assim, quando nos propomos a assumir uma postura
prescritiva em defesa da vida, garantimos o direito de todo e qualquer ser vivo de seguir o seu
ciclo natural.
Deste modo, reiteramos a forma como a filosofia oriental taoísta auxiliou nos princípios
da ecologia profunda, por isso, tecemos considerações acerca dessa visão de mundo, no sentido
de nos auxiliar a compreender que os princípios de harmonia, de diversidade, apresentados na
ecologia profunda, não são apenas termos isolados, mas são posturas, crenças de uma pessoa
que cientificamente procurou intervir nos problemas do mundo a partir da Ecologia.
1.2Taoísmo
Segundo Couto (2012), há algumas fontes principais para se estudar o taoísmo: “I ching”
(O livro das mutações), “Tao te ching”, “Chuang Tzu”, “Lie Tzu” e “Huai Nan Tzu”. O livro
conhecido como “I ching” é uma fonte de consultas capaz de fornecer respostas a questões que
inquietam as pessoas, quase como se fosse um oráculo. Conforme a filosofia chinesa, tudo no
mundo tem um lado Yin (lado escuro) e um lado Yang (lado claro), ou seja, todos nós possuímos
o bem e o mal. A filosofia implícita nesta obra parte de uma visão do todo da natureza então
conhecida. Portanto, estabelece uma relação harmoniosa entre os componentes desse todo. Para
o autor (2012), a imagem dos humanos como uma espécie de conexão entre terra e céu é bem
a base do “I ching”. Para tanto, se quisermos viver bem, devemos obedecer às leis da natureza,
tentando nos adaptar às situações, assim como faz a água, que nunca tenta vencer um obstáculo.
Se há uma pedra, ela a contorna, o que está em consonância com o terceiro princípio da
plataforma da ecologia profunda, segundo o qual o ser humano não tem o direito de interferir
na natureza, a não ser para suprir suas necessidades vitais, fundamentais para a subsistência,
como alimentação, medicamentos, vestimentas.
Dessa maneira, como afirma Couto (2012), a mudança é tão importante que se faz
presente até mesmo no nome do “I ching”, pois I significa justamente mudança. Contudo, essa
modificação não se dá como a evolução linear típica da cosmovisão ocidental, mas de maneira
cíclica. Assim como o ciclo da natureza, a vida no planeta Terra se desenvolve através de um
processo de reciclagem constante, dessa forma, os elementos são continuamente recriados, pois
a morte e a decomposição são partes de um ciclo que possibilita novas estruturações.
Isso está bem representado no símbolo do yin-yang, que surgiu no contexto do “I ching”,
e mostra que tudo no mundo tem duas faces, uma yin (preto) e uma yang (branco). Tal fato
destoa do pensamento ocidental porque essas expressões não são antagônicas, e sim, antes de
tudo, complementares uma à outra. Um passa à outra num contínuo evoluir-se, mas não
35
abruptamente. Além do mais, cada parte possui em si um pouco da outra, representada por um
pequeno círculo com as características do outro componente.
Para Lao Tzu (2004), “[...] todas as coisas, por mais diversas que sejam, retornam à sua
raiz” e “retornar à raiz significa serenidade”. Isso implica dizer que a evolução se dá
ciclicamente e para adaptar-se às novas circunstâncias, estabelecendo uma relação com os
ciclos da natureza, dos seres vivos, pois a vida na Terra se desenvolve através de uma
reciclagem contínua. Desse modo, os elementos são recriados sucessivamente, assim, a morte
também faz parte desse ciclo, pois possibilita novas estruturações.
Para Couto (2012), a ideia de se adaptar ao mundo, para viver em harmonia com suas
leis inexoráveis, está muito bem expressa no conceito de wu wei (não ação), o qual significa
agir sem impulsividade, seguindo o fluxo da natureza. Portanto, trata-se de não agir contra os
princípios da natureza, estar em harmonia com eles, seguir seu fluxo. Desse modo, o melhor é
seguir a intuição, não a racionalidade, e viver o aqui e o agora.
Chuang Tzu é autor da segunda obra clássica do taoísmo. Ele foi discípulo de Hui Shi
e, assim como seu mestre, aceitava a ideia de que distinções como grande/pequeno e grosso/fino
poderiam ser aplicadas ao mesmo objeto. Por isso, aceitava também que as diferenças não estão
no mundo em si, mas nas palavras que designam os componentes deles. Chuang afirmava que
o mundo não precisava de governo, defendendo uma ordem espontânea. Como intuicionista
que era, então, o modelo a ser imitado deveria ser a natureza, pois nela todas as formas de vida
estão sempre mudando, a fim de se adaptarem aos novos contextos. Ele defendia uma vida em
harmonia com a natureza, sendo a harmonia um dos conceitos centrais na filosofia taoísta
(COUTO, 2012).
Segundo Couto (2012), Lie Tzu é o terceiro sábio do taoísmo, cujo verdadeiro nome
seria Lie Yukou. Sua filosofia se mostra profundamente mística, incluindo uma cosmogonia, a
origem das “mil coisas”. Tzu recomenda o abandono das convenções sociais em prol de uma
ordem natural. Para ele, o universo opera segundo leis predeterminadas, mas cíclicas. Logo, o
“[...] curso da evolução termina onde começara, sem um começo, termina onde começara, no
tao” (LIE TZU, 1912). Como nada está isolado, as mudanças se dão para que haja adaptação,
pois tudo faz parte do todo do universo e é essa ideia que configura a visão holística do mundo,
a qual busca enxergar o todo não como uma simples junção de todas as partes. O todo tem suas
partes relacionadas de modo harmonioso e, nesse sentido, o homem que entra em harmonia
com o tao passa a viver em uníssono com as coisas externas a ele. Assim, reconhece, como
postula a ecologia profunda, que toda a vida humana e não humana possui valor em si mesma,
devendo conviver em harmonia, ou seja, respeitando o espaço do outro.
Para Couto (2012), o discurso de Lie Tzu é altamente alegórico, no sentido de que há
muitas fábulas. Ele revela uma influência do budismo e também do confucionismo, já que este
37
não está totalmente alheio ao taoísmo, a diferença se dá por essa doutrina mística defender a
harmonia tanto da natureza quanto dos seres humanos, ao passo que o confucionismo enfatiza
a harmonia social, tomando a natureza como modelo. A harmonia e a diversidade são dois dos
princípios mais importantes do taoísmo e influenciaram não somente na criação da ecologia
profunda, mas também da Análise do Discurso Ecológica.
A harmonia diz respeito ao fato de que, mesmo estando tudo no mundo inter-
relacionado, essa inter-relação deve acontecer de modo harmonioso, deve-se respeitar as leis da
natureza, procurando sempre o equilíbrio entre todos os componentes do ecossistema. “Sem a
harmonia das partes é impossível termos a harmonia do todo” (COUTO, 2012, p. 39). Já a
diversidade corresponde ao grau de variação da vida e diz respeito ao número e às variedades
de espécies existentes em um ecossistema. A ecologia profunda também sai em defesa do
respeito à maximização da diversidade, a qual está relacionada à autorrealização de todos os
seres, bem como ao convívio harmônico.
1.3 Ecopolítica
assinados, ainda assim enfrentamos problemas como o desmatamento, a poluição das águas,
entre outros.
Mas é fato que a degradação dos ecossistemas naturais e o aparecimento de problemas
em escala global colocaram tais questões em pauta. O intelectual parte da Ecologia quando fala
em ecossistema, assim, o compreende como um sistema composto pelos seres vivos e o
ambiente onde eles vivem e todas as relações desses com o meio externo, bem como as relações
que estabelecem entre si. Assim, Le Prestre (2000) afirma que a emergência de questões
ambientais no cenário político se deu em decorrência do surgimento de problemas ambientais.
Dessa forma, compreendemos que, talvez, a emergência dessa preocupação com o esgotamento
dos recursos naturais não esteja orientada por uma visão de mundo ecológica, ao menos não
nesse início, em que uma possível escassez dos recursos naturais úteis e vitais à sobrevivência
humana seria uma realidade não muito distante.
Nesse sentido, pensando nesse cenário, haveria uma mobilização por parte da sociedade
em prol da defesa do meio ambiente, buscando garantir a sobrevivência apenas da espécie
humana, enxergando esse panorama pelo viés da visão instrumental da natureza, enquanto que
uma visão ecológica acerca dos problemas ambientais pontuaria a defesa da vida em todas as
suas manifestações, da vida humana e não humana. Portanto, haveria uma preservação de todos
os seres do ecossistema porque houve uma compreensão de que todos possuem valor em si
mesmo e estão em interação no ecossistema.
Le Prestre (2000) pontua que o meio ambiente é mais do que a natureza, é também uma
apreensão do mundo, um produto cultural e um campo de ação econômica, política e social.
Desse modo, o âmbito da ação política sobre o meio ambiente é extremamente variado, inclui
a proteção da atmosfera (mutações climáticas, rarefação da camada de ozônio, poluições
transfronteiriças), a proteção das águas doces, dos oceanos e das zonas litorâneas, a luta contra
o desmatamento e a desertificação, a conservação da diversidade biológica, que corresponde ao
grau de variação da vida, isto é, ao número e às variedades de espécies existentes em um
ecossistema. O autor traz essa definição ao pontuar que, mais do que mobilizar, é preciso fazer
entender como se dá a dinâmica política dos problemas do meio ambiente.
Essa perspectiva apresentada está em consonância com o primeiro princípio da
plataforma do movimento da ecologia profunda, pois propõe a defesa do meio ambiente como
um todo, desde a proteção da atmosfera à garantia de qualidade de vida de todas as populações,
reconhecendo, dessa maneira, o valor de cada ser vivo pertencente ao ecossistema, como propõe
essa visão, independentemente de sua utilidade para os seres humanos. Essa postura frente ao
meio ambiente, em compreendê-lo para além da natureza, inserindo aí todas as outras formas
41
de vida, inclusive a humana, pode ser entendida a partir do holismo, que é um dos princípios
defendidos pelo taoísmo, e este, por sua vez, faz parte da filosofia chinesa.
Tal princípio refere-se à totalidade, a uma visão abrangente do ecossistema,
compreendendo que todos os elementos do cosmo estão interligados. Nesse sentido, todas as
nossas ações, de alguma maneira, se refletirão no todo. Desse modo, as ideias defendidas pela
ecopolítica parecem ter suas bases fundamentadas na visão de mundo oriental, a qual defende
a valorização do equilíbrio, da harmonia entre todos os seres da comunidade. Foge-se, nesse
sentido, da perspectiva ocidental acerca da política, que se mostrou, ao longo dos anos, mais
centrada em uma visão antropocêntrica do mundo, supervalorizando o homem em detrimento
dos outros componentes do meio ambiente.
De acordo com Capra (1996), a visão holística de mundo o concebe como um todo
integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. A percepção ecológica profunda
reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que, enquanto
indivíduos e sociedade, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em
última análise, somos dependentes desses processos). Diante dessa perspectiva, ele afirma o
seguinte:
Sobre a ecopolítica internacional, Le Prestre (2000) explica que ela visa dar à
humanidade essa capacidade de continuar a viver coletivamente. Se, em muitos casos, a ciência
nos ajuda a determinar o universo das opções possíveis, é a política que determinará as escolhas.
Assim, com vistas ao equilíbrio dos ecossistemas e, por conseguinte, das populações, que
dependem deles, a política não pode ser circunscrita à arte do possível, ou seja, fazer somente
o que já é previsto, ela deve ser criativa, no sentido de também aspirar a tornar possível o que
é necessário. Nesse sentido, os problemas do meio ambiente são, e continuam sendo, antes de
tudo, problemas políticos, pois é a partir da esfera política que poderão ser solucionados.Sendo
assim, a sua defesa deve ser pauta dentre os assuntos discutidos e pensados pelos que estão à
frente do exercício político.Portanto, entende-se que a defesa dos ecossistemas em sua
42
integralidade deve passar a figurar nas propostas políticas, bem como a saúde, a educação e a
economia.
Para Le Prestre (2000), a ecopolítica é um meio de dar à humanidade a capacidade de
continuar a viver coletivamente. Essa proposta de proporcionar à humanidade o viver
coletivamente já estava presente na filosofia grega, com Aristóteles (1985), o qual afirmou que
o homem é por natureza um animal social e cívico. Nessa perspectiva, sua forma de vida deveria
estar associada à vida em sociedade. Aristóteles (1985) defendia também que a felicidade da
cidade (Estado) era também a do indivíduo e que um dos fins da política deveria ser justamente
esse: o de garantir a felicidade e o bem-estar dos indivíduos. Dessa maneira, esse viver
coletivamente defendido pela ecopolítica poderia ser ampliado para a comunidade como um
todo, preservando as inter-relações de todos os seres vivos que a compõem. Aliás, o bem-estar,
que significa estado de conforto, tranquilidade, é um dos princípios presentes na Plataforma do
Movimento da Ecologia Profunda, de Naess (1984) e George Sesions (1984), segundo os quais
o bem-estar e o florescimento da vida humana e da não humana sobre a terra têm valor em si
próprios. Esses valores são independentes da utilidade do mundo não humano para propósitos
humanos.
Do mesmo modo, pensando em uma concepção de política para a ADE, inspirada na
ecopolítica, podemos entendê-la como um conjunto de práticas políticas que visam garantir o
bem-estar de toda a comunidade, e não somente dos seres humanos, mas também do
ecossistema e de todos os seus componentes. A comunidade, para a ADE, é o conjunto de
pessoas que convivem em determinado local (meio ambiente), no entanto, não há o respeito às
diferenças. Destarte, é proposta da ADE que todos estejam em interação e que, mesmo não
partilhando as mesmas convicções, interajam entre si de modo harmonioso, respeitando a
liberdade individual de cada um. Desse modo, por estar em constante interação, todas as ações
realizadas nessa comunidade afetarão, de alguma maneira, todos os seus membros. Assim,
pensando na esfera política, é nela que se encontram as pessoas que possuem o poder de decisão,
de propor ações para mudar a realidade, por isso uma ação tomada na esfera política atinge a
toda a população. O que complementa a afirmação de Le Prestre (2000, p. 19) de que “[...] os
problemas do meio ambiente são e continuam sendo, antes de tudo, problemas políticos”.
Ainda de acordo com Le Prestre (2000), o meio ambiente irrompeu bruscamente nos
cenários nacionais em decorrência da onda de publicidade crescente dos problemas ecológicos.
Não se tratava mais de proteger uma espécie, uma paisagem ou um recurso natural, mas, para
além disso, de resguardar também a humanidade de suas próprias atividades, as quais vinham
devastando o meio ambiente. A mudança do termo “natureza” para “meio ambiente” já implica
43
uma evolução e ampliação da perspectiva, visto que o meio ambiente é também a proteção ou
o melhoramento do quadro da vida.
Essa ampliação no quadro de proteção ao meio ambiente como um todo mostra que a
perspectiva em relação à vida no planeta também se expandiu. No entanto, Le Prestre (2000)
traz uma reflexão importante. Segundo o citado autor, em vez da substituição sucessiva de um
paradigma por outro, as atividades internacionais em favor do meio ambiente demonstram a
justaposição progressiva de enfoques diferentes, os quais marcaram sua história, desde o fim
do século passado (gestão durável de um recurso econômico, conservação, proteção de
ecossistemas ou meios de vida), e a integração de diversas dimensões (biológica, econômica,
social), o que denota um avanço nos princípios jurídicos reconhecidos nas negociações
internacionais. No entanto, isso não nos deve levar a concluir que os acordos criaram uma nova
prioridade absoluta em favor da proteção das espécies ameaçadas e de outras formas de proteção
ambiental, o que mostra que ainda enfrentamos um problema.
Algumas convenções (como a de Cnumad) e declarações (como a das Florestas-1992)
colocam o bem-estar humano e seus interesses no centro de toda obrigação imposta e reafirmam
a autonomia das políticas nacionais ou que ainda não foram implantadas, como é o caso da
Convenção de Argel, de 1968. Desse modo, persiste o desafio de integrar as considerações
ambientalistas no processo de decisão política.
De tal modo, Le Prestre (2000, p. 37) afirma que a “Ecopolítica implica, atualmente, um
conjunto complexo de jogos políticos, de negociações e de interações internacionais
multiformes”. Isto é, cada contexto político enfrenta problemas característicos, assim é o
problema encarado pelo meio ambiente, que determinará quais ações deverão ser tomadas pelas
políticas. E é nesse aspecto da ecopolítica internacional que recai o fato de se pensar leis e
acordos para preservar o meio de um modo geral, desconsiderando que cada país é regido por
suas leis próprias e, assim, encontram formas de descumprir acordos.
Considerando, então, que tanto a ecologia profunda quanto a ecopolítica entendem a
necessidade de se repensar as práticas políticas nos dias atuais, ressaltamos a relevância de
mobilizarmos essas teorias para formularmos uma concepção de política para ADE, também
pautada na defesa da vida como um todo, e que promova ações que auxiliem quem tem o poder
de mudança (os políticos) a resolver os problemas do meio ambiente. A ecoética, por ser uma
filosofia que privilegia o ecocentrismo, sistema de valores centrado na natureza, é aqui
mobilizada, pois acreditamos no valor de cada ser pertencente ao ecossistema, no qual o ser
humano está incluído em condições de igualdade, nem acima ou fora do meio ambiente,
privilegiando todos os seres que compõem o ecossistema.
44
1.4Ecoética
A concepção de política para a ADE deve abarcar a vida no todo, dessa forma, garante
a vida em seu sentido mais amplo, possibilitando ao indivíduo a busca por seus objetivos, no
intuito de alcançar sua autorrealização, assim como defendia a ecologia profunda de Arne
Naess. Uma das normas fundamentais da ecosofia de Naess (1973) é a autorrealização, só que
para todos os seres, não apenas para os humanos. Garantindo a defesa da vida em todas as suas
manifestações, defende-se também a diversidade e a Ecologia a partir de uma visão total,
abrangente, holística, que leva em conta toda a diversidade existente no mundo. Para Couto
(2012, p. 57), “[...] a autorrealização está intimamente associada a uma maximização da
diversidade, o que significa que, ao fim e ao cabo, autorrealização anda de mãos dadas com a
diversidade”.
Em suma, a política para a ADE pode ser compreendida como um conjunto de práticas
políticas guiadas por uma perspectiva ecológica, a qual propicie ações que promovam o bem-
estar de toda a comunidade (em seu sentido mais amplo) e que garanta o convívio harmonioso.
Sendo assim, as ações propostas pela política da ADE devem garantir condições para que a
população tenha acesso à saúde, à educação, à moradia, fundamentais para a qualidade de vida.
Tais ações devem ser bem elaboradas no sentido de não dar margem para futuras e possíveis
alterações, assim como foi pontuado como problema pela ecopolítica.
É importante destacar também que a política para a ADE apresenta, na medida do
possível, propostas para amenizar o sofrimento infligido a qualquer ser vivo quando possível.
De acordo com Couto et al. (2015), esse sofrimento pode ser natural, mental e social, cujas
características de cada um podem ser assim compreendidas:
O sofrimento natural é aquele que está visível e que não se pode negar, o caso
de um espancamento, por exemplo, que pode levar ao maior tipo de sofrimento que se
pode imaginar, a morte.
O sofrimento mental é causado pelos vários tipos de assédio que existem, seja
moral, sexual, agressões verbais, etc. Esse pode se dar tanto no âmbito do trabalho quanto
no familiar ou em qualquer outra relação interpessoal, posto que o sofrimento mental se
dá quando uma pessoa expõe a outra situações que lhe causam algum tipo de incômodo.
O sofrimento social diz respeito aos casos de difamação, desmoralização em
público, entre outros. Esse tipo de sofrimento não se restringe a apenas os seres humanos,
mas também aos demais animais, por exemplo, no caso da caça e pesca lúdica, que se dá
apenas para satisfazer a vontade do ser humano e não com vistas à alimentação, expondo
os animais ao sofrimento apenas por prazer.
50
2.1.1 Ecologia
De acordo com Odum (2001), a ecologia é o estudo das relações dos organismos e de
um grupo de organismos com o seu ambiente, ou, ainda, a ciência das inter-relações que ligam
os organismos vivos ao seu ambiente. Uma vez que a Ecologia se ocupa especialmente de
grupos de organismos e de processos funcionais na terra, no mar e na água doce, está mais em
harmonia com a moderna acepção defini-la como o estudo da estrutura e do funcionamento da
natureza, considerando que a humanidade é uma parte dela.
Na Ecologia, o conceito central é o ecossistema. Ele pode ser definido como um sistema
composto pelos seres vivos (meio biótico) e pelo ambiente onde eles vivem (meio abiótico, no
qual se encontram os componentes não vivos do ecossistema, como os minerais, a pedra, os
minérios, a água, etc.) e todas as relações desses com o meio externo (interação organismo-
52
mundo), bem como as relações que estabelecem entre si (interação organismo-organismo). Isso
significa dizer que o ecossistema é o conjunto de interações que ocorre entre seus componentes.
O conjunto formado pelos seres vivos que convivem em determinado território constitui
uma comunidade biológica, ou biocenose. Já os fatores abióticos, o lugar em que ficam os seres
vivos de uma mesma espécie, é o habitat, no qual cada ser vivo exerce determinado papel em
seus respectivos meios. Esse papel (ou função) é chamado de nicho ecológico. Já a população
é caracterizada por um conjunto de indivíduos da mesma espécie, que convivem em
determinado espaço territorial.
Odum (2001) afirma ainda que o conceito de ecossistema é e deverá ser amplo, sendo a
sua principal função no pensamento ecológico dar realce às relações obrigatórias, à
interdependência e às relações causais, isto é, à junção de componentes para formar unidades
funcionais. O ecossistema é um recorte do pesquisador, dentre a enorme teia de relações dos
diferentes seres vivos com os biomas; ele escolhe quais relações estudará. Nesse sentido, como
exemplo de ecossistema, podemos considerar uma poça de água, com sua população de
microrganismos interagindo entre si ou, até mesmo, o Rio Araguaia, que pode ser considerado
também como um ecossistema.
No entanto, como afirma Couto (2016), para um ecólogo interessa, em um ecossistema,
não apenas a população de organismos diretamente, já que estes são objetos da Biologia, nem
seu habitat, mas sim as inter-relações que se estabelecem no interior do ecossistema, tanto as
que ocorrem entre organismos e mundo quanto as entre os indivíduos que compõem a
população. Por isso, pode-se dizer que o conceito central do ecossistema é a interação. Os
organismos têm de viver de acordo com as condições de seu meio ambiente e, desse modo,
estão sempre num processo de adaptação a ele porque têm de manter o próprio corpo em
equilíbrio ou homeostase, que é também um tipo de harmonia. Em outras palavras, o
ecossistema biológico consta de uma população (P) de organismos vivos (animais ou vegetais),
seu habitat ou território (T) e as interações (I), tanto a interação organismo-mundo quanto as
53
A figura 2 deve ser lida da seguinte maneira: “uma população (P) de organismos vivos,
e suas inter-relações, ou interações (I), com seu habitat ou território (T)”. (COUTO, 2016, p.
212)
De acordo com Couto (2016), um dos primeiros autores a relacionar língua e meio
ambiente de modo explícito foi Sapir (1988-1939). Ele pronunciou uma conferência sob o título
“Language and environment”, no dia 28 de dezembro de 1911, na Associação Antropológica
Americana. Em 1969, Joaquim Mattoso Câmara Jr. traduziu o texto e o incluiu na coletânea
Sapir (1969), sob o título de “Língua e ambiente”. Nesse texto, Sapir apresenta um estudo sobre
a relação entre língua e meio ambiente (MA) e em que medida o MA está representado na
língua. De acordo com esse autor, o léxico da língua reflete, mais nitidamente, o ambiente físico
e social dos falantes. Explica, ainda, que o léxico completo de uma língua pode ser considerado
como o complexo inventário de todas as ideias, os interesses e as ocupações que açambarcam
a atenção da comunidade.
Segundo Couto (2016), a primeira aparição da palavra “ecolinguística” foi em
Marcellesi (1975). No ano seguinte, ela ocorreu de novo em Gobard (1976). Este acrescenta
que Palmer a propusera em 1973, o que teria sido o primeiro registro escrito do nome dessa
disciplina, embora não comprovado. No entanto, como afirma Adam Makkai, o próprio Haugen
lhe sugerira o termo em 1972, durante um congresso em Chicago, mas apenas oralmente.
Porém, já em 1970, Haugen usava as expressões ecology of Language e Language ecology na
palestra “The ecology of Language”, proferida na Conference Toward the Description of the
Languages of the World.
Para Haugen (1970), a ecologia da linguagem pode ser definida como o estudo das
interações entre qualquer língua e seu meio ambiente. A definição de meio ambiente poderia
54
nos levar a pensar, primeiramente, no mundo referencial, para o qual a língua proveria um
índice. No entanto, esse não é o meio ambiente da língua, mas de seu léxico e gramática. Haugen
(1970) assegura que o verdadeiro meio ambiente da língua é a sociedade, que a usa como um
de seus códigos. A língua existe somente nas mentes de seus usuários e só funciona
relacionando-os uns aos outros e à natureza, isto é, seu meio ambiente social e natural. Portanto,
parte de sua ecologia é psicológica, assim como sua interação com outras línguas nas mentes
de falantes bilíngues e multilíngues. Haugen desenvolveu também uma ecologia do contato de
línguas. Outra parte dessa ecologia é sociológica, ou seja, estuda suas interações com a
sociedade na qual funciona como um meio de comunicação. A ecologia da linguagem é
determinada, primordialmente, pelo povo que a aprende, usa e transmite a outros.
De acordo com Haugen (1970), nos escritos do século XIX era comum falar-se em “vida
das línguas”, porque o modelo biológico apareceu para uma geração que tinha descoberto a
evolução recentemente. As línguas nasciam e morriam, como os organismos vivos. Elas tinham
seus ciclos de vida, cresciam e mudavam. Haugen (1970) ressalta que o modelo biológico não
se mostrou muito popular entre os linguistas, pois se tratava apenas de uma metáfora, que
suscitou certas analogias entre línguas e organismo, mas que não podia ser levada muito longe.
Esse autor (1970, p. 59) afirma que “qualquer conclusão obtida a partir desse modelo era
patentemente falsa: línguas não respiram, não têm vida própria além da vida dos que as usam,
não têm nenhuma das qualidades visíveis desses organismos”. Outras metáforas substituíram
as metáforas biológicas, geralmente como resposta ao aspecto fortemente impositivo de nossa
civilização industrial.
Para Haugen (1970), mesmo que rejeitemos a metáfora biológica, a instrumental ou a
metafórica, deve-se reconhecer o valor heurístico dessas ficções, pois as línguas têm vida,
objetivo e forma, cada uma delas pode ser estudada e analisada, contanto que expurguemos
seus conteúdos metafórico e místico e as enxerguemos como aspectos do comportamento
humano. A ecologia da língua, para ele, cobre um grande leque de interesses no interior dos
quais os linguistas podem cooperar de modo significativo com todo tipo de cientista social para
uma compreensão da interação das línguas e de seus usuários. A Ecologia não é somente o
nome de uma ciência descritiva e as aplicações que se têm feito dela se tornaram a bandeira de
um movimento para a higienização ambiental. Esse termo poderia incluir, em sua aplicação à
língua, algum interesse na preocupação geral entre os leigos com o cultivo e a preservação da
língua.
De acordo com Fill (1987apud COUTO, 2016), um dos objetivos da Ecolinguística é
dedicar-se ao estudo das relações entre língua e mundo. Trata-se de pesquisar as relações entre
55
língua e convivência humana, o papel da língua nas relações entre indivíduos, mas também
entre agrupamentos de diversos tipos, entre homens e mulheres, adultos e jovens, estados e
religiões. Fill (1987) estava propondo que o objeto da Ecolinguística deveria ser o que pouco
depois passou a ser chamado de Ecolinguística Crítica, que seria um tipo de análise do discurso
feita por ecologistas, claramente influenciada pela Análise do Discurso Crítica, de Norman
Fairclough.
Segundo Fill (1987 apud COUTO, 2016), a ecologia da língua estuda – a partir da
perspectiva inter-relacional – fenômenos que já foram examinados com nomes como
Psicolinguística, Etnolinguística, Antropologia Linguística, Sociolinguística e Sociologia da
Linguagem. De acordo com esse autor, os linguistas têm se preocupado com esse estudo em
trabalhos sobre mudança linguística e variabilidade, contato linguístico, bilinguismo e
padronização. Ele afirma que desde muito cedo o termo ecolinguística já havia sido usado para
determinar modos pelos quais determinadas línguas se relacionam com a natureza e com o
“meio ambiente” dos humanos.
Nos últimos anos, o estudo dos contatos e das inter-relações entre línguas tem sido
bastante dominado por uma ameaça à qual muitas línguas estão expostas. Ainda que por muito
tempo as ideologias de “um país- uma língua” tenham prevalecido no mundo, desde então os
governos começaram a se dar conta de que a diversidade linguística pode ser mais um bem do
que uma obrigação e que, com o desaparecimento das línguas, pode haver um perigo real de as
culturas e visões de mundo serem irremediavelmente perdidas (FILL, 1987 apud COUTO,
2016).
Conforme Couto (2016), o início da década de noventa do século passado pode ser tido
como o do surgimento da Ecolinguística como disciplina acadêmica, pois surgiu uma
introdução à Ecolinguística na Alemanha e outra na Inglaterra, no mesmo ano, sem que um
autor soubesse da existência do outro, a primeira com Fill (1993) e a segunda com Makkai
(1993). Depois da publicação desses dois livros, a definição inicial de Haugen (1972a) se impôs
de modo definitivo, já que, apesar de tê-lo sugerido anteriormente, o termo “ecolinguística”
ainda não estava em curso. Para ele (1972, p.58), a ecologia da língua (Language ecology) pode
ser definida como “o estudo das interações entre qualquer língua dada e seu meio ambiente”.
Em 2007, Couto havia reformulado essa definição para “estudo das relações entre língua e meio
ambiente” (p. 39). No entanto, em 2016, Couto reformula esse conceito para “o estudo das
interações entre, língua, povo e meio ambiente”, por considerar que a definição de Haugen é
melhor, no sentido de que deixa claro que as relações entre “língua e seu meio ambiente são
56
2.1.3 Ecolinguística
A Ecolinguística, de acordo com Couto (2016), é o estudo das interações entre língua,
povo e meio ambiente. Ela permite que os estudos dos fenômenos linguísticos sejam realizados
a partir de uma perspectiva ecológica. Desse modo, ela faz uso das categorias de análise da
Ecologia, pois faz parte da Ecologia Geral. Portanto, fala-se em ecossistema (natural, mental,
social), adaptação, evolução, meio ambiente, diversidade, holismo, visão de longo prazo, ao
qual está intimamente associada a ideia de sustentabilidade, bem como das relações ecológicas
harmônicas e desarmônicas.
Segundo Couto (2016), o ecolinguista não faz uso de conceitos da ecologia biológica
apenas como metáforas para os estudos linguísticos. Ele é, antes de tudo, um ecólogo que faz
Ecologia Linguística (outra denominação para Ecolinguística), e não linguística ecológica. Na
Ecologia Biológica, o conceito central é o de ecossistema, já na Ecolinguística, é o ecossistema
linguístico. Do primeiro emergem os conceitos ecológico-biológicos e, do segundo, os
ecológico-linguísticos.
O ecossistema linguístico, para Couto (2016), consta de uma população ou povo (P) que
só o é por seus membros conviverem em um lugar, que é seu meio ambiente ou território (T).
57
Por conviverem nesse território, interagem (I) entre si e com o ambiente. Uma diferença entre
o ecossistema linguístico e o biológico é que no ecossistema linguístico as interações recebem
o nome de língua (L), de modo que o ecossistema linguístico é a totalidade PTL (L=I),
representado pela figura a seguir:
Couto (2016) afirma que o Ecossistema Linguístico contém, em seu interior, outros três
ecossistemas: o natural, o social e o mental. O ecossistema natural é constituído pelo entorno
físico da linguagem, que inclui não só o território, mas também os outros elementos da natureza,
como, por exemplo, o ar, as águas, os corpos celestes e, também, o corpo físico do povo (P). A
diferença entre este e os demais ecossistemas linguísticos é que ele abrange todas as formas
físicas e nele P e T são encarados como entidades físicas, naturais, e L, por sua vez, são as
relações concretas que se dão entre eles. Desse modo, tudo o que pertence à língua como
fenômeno natural é estudado aqui.
De acordo com Couto (2016), o ecossistema mental por sua vez, é constituído pela
infraestrutura cerebral e pelas conexões neurais, que entram em ação na aquisição, no
armazenamento e no processamento da linguagem. Ao estudarmos a língua em cada indivíduo
da população, nota-se que ela foi formada, está armazenada e é processada no cérebro de cada
um. Couto (2016, p. 226) afirma que “as inter-relações da língua no interior desses cérebros se
dão nas conexões entre os neurônios, mais especificamente, nas sinapses entre dendritos e
axônios. Essas interações são o cérebro em funcionamento, e isto, por sua vez, é a mente”. Já
existem pesquisadores trabalhando o ecossistema mental da perspectiva do imaginário para
Durand.
Por sua vez, o ecossistema social, como afirma Couto (2016), é constituído pelo próprio
P, organizado socialmente, com seus membros convivendo em determinado T e, por isso,
utilizando a mesma língua. A língua, encarada como fenômeno social, se encontra no seio da
população como um conjunto de indivíduos como seres comunitários e sociais, a coletividade,
não considerados isoladamente, como ocorre no ecossistema mental da língua. A totalidade
desses indivíduos organizados é o suporte da língua como fenômeno social, o seu locus, a
58
sociedade. A sociedade é o lugar onde se dão as interações dos seres sociais da coletividade, a
totalidade de tudo que constitui a comunidade, em tudo que tem valor social.
As interações que existem no ecossistema são discutidas pela ecologia da interação
comunicativa. Segundo Couto (2016), a língua nasce nos atos de interação comunicativa (AIC)
em suas respectivas ecologias da interação comunicativa. Uma língua está viva não apenas
quando há pessoas que conhecem suas regras, mas enquanto for usada em AICs concretos por
pelo menos duas pessoas, que constituem a comunidade de fala mínima, a qual corresponde
mais propriamente ao ecossistema linguístico, o qual deve constar de um grupo de pessoas (P),
convivendo em determinado lugar (T) e interagindo verbalmente pelo modo local de interagir
(L). Nesse sentido, se há apenas uma pessoa que a conheça, a língua já está morta, posto que
não há ninguém com quem ela possa entrar em atos de interação comunicativa.
A ecologia da interação comunicativa (EIC), na qual os AICs ocorrem, consta de
cenário, falante e ouvinte, regras interacionais e regras sistêmicas e circunstantes. Além dos
componentes linguísticos, há também os paralinguísticos e os extralinguísticos (proxêmicos,
cinésicos, etc.). Couto (2016) afirma que a interação comunicativa propriamente dita constitui
o diálogo, que é um fluxo interlocucional e consiste numa alternância entre falante e ouvinte.
No entanto, às vezes pode ser competitivo, como em uma disputa verbal. Nesse sentido, é
impossível prever a direção que o diálogo tomará, sequer seu término pode ser previsto.
O essencial, em qualquer ecologia da interação comunicativa, são as regras
interacionais, no sentido de regra-regularidade. São regras cooperativas e não competitivas,
regras consensuais, posto que introduzidas por coordenação da vontade geral (consensuais),
não por subordinação da vontade de uma minoria à maioria (normativas). Essas regras já
vinham sendo estudadas pela análise da conversação, pelo interacionismo, pela teoria dos atos
de fala e pelos postulados conversacionais de Grice, entre outros. As regras interacionais, ou
hábitos interacionais, são assim chamadas por se tratar de hábitos criados pela prática
comunitária ao longo do tempo, e não de algo imposto de fora para dentro. Nesse sentido, tudo
que faz parte da cultura de uma comunidade, não só a língua, pode entrar na interação
comunicativa. Desse modo, por serem culturalmente estabelecidas, podem variar de uma
comunidade linguística para outra (COUTO et al., 2015, p. 113).
Para Couto (2016), as regras sistêmicas (gramática) também são parte das regras
interacionais e existem para a eficácia da interação comunicativa. A Linguística Ecossistêmica
as vê como auxiliares no processo da interação comunicativa e, logo, a ordem dos constituintes
da frase existe para informar quem fez o quê, a quem. Assim, a língua como sistema (gramática)
é apenas mais um dos componentes da interação comunicativa. Antes das regras sistêmicas é
59
para que haja uma cultura (C) é necessário que pré-exista um povo (P) convivendo
em determinado lugar, que é seu território (T). O C (cultura), seria tudo que P fez, faz
e fará. No ‘fez’ está o acervo guardado na memória e que garante a identidade do
grupo. No ‘faz’ estão os padrões de ação, no como lavram a terra, plantam, colhem,
enfim, os modos tradicionais de agir, inclusive de comunicar. No ‘fará’ estão os
planejamentos e investimentos para o futuro, como a educação dos jovens.
Se pensarmos na perspectiva da linguagem, que não é um ser, mas sim relações, seu meio
ambiente seria onde se manifestam essas relações, que podem ser sociais, mentais, naturais e
também culturais. Essas categorias são válidas na Linguística na medida em que entendemos
que uma análise realizada a partir de uma perspectiva ecológica deve considerar não somente a
vertente geográfica, histórica, mas também a biológica e a cultural.
60
de interação. Quando se aprende uma língua, é preciso colocá-la em prática, levando em conta
os modos de comunicação a que essa língua pertence. Não basta o conhecimento do léxico, é
preciso ir além, aprender sobre a cultura e a história da língua, bem como o convívio em
comunidade.
Evoluir significa transformar, progredir, portanto, é também adaptar-se. Essas duas
características do ecossistema biológico se relacionam de forma direta, pois o nascimento ou
até mesmo a morte de um organismo é evolução. A evolução acontece de diversas formas,
sendo uma delas a sucessão ecológica, em que espécies pioneiras podem dar lugar a todo um
ecossistema novo. Por exemplo, uma área que sofra a ação humana constante de desmatamento
perderá, além de sua fauna, também a sua flora, contudo, organismos que não sejam tão
exigentes, e que consigam viver sob condições adversas, conseguirão se adaptar, estabelecendo,
assim, um novo ecossistema. As interações são infinitas, logo, quando uma espécie é extinta,
por exemplo, todo o ecossistema se reorganiza para que as demais espécies possam conviver
naquele meio ambiente. Isso também ocorre na língua, que está em constante mudança:
nenhuma língua é estática. Um exemplo típico é o da formação das línguas crioulas, que nascem
em uma comunidade culturalmente diversificada. Quando há várias línguas e falantes em
contato, um novo léxico surge para dar conta da comunicação nessa sociedade, formando-se,
então, um pidgin, um sistema linguístico rudimentar. A partir do momento em que esse pidgin
se estabelece como primeira língua de uma criança, ele se torna uma língua crioula, que nasceu
de um processo de evolução. Uma língua que não muda morreria em poucas gerações, já que
não se adaptaria, deixando de servir como meio de comunicação em um novo contexto
(COUTO, 2016).
A visão de longo prazo da Ecologia diz respeito à atitude que tomamos em relação ao
meio ambiente. Muitas vezes, atitudes que em um primeiro momento se mostram benéficas
para os humanos (gerar mais empregos, por exemplo) podem ser, em longo prazo, catastróficas,
como o desmatamento da Amazônia para formar pastos e para plantar grãos. Outros exemplos
são a retirada excessiva de petróleo ao longo do tempo, que pode trazer prejuízos irreversíveis
ao meio ambiente, bem como a obra de transposição do Rio São Francisco, que, em um primeiro
momento, é benéfica para as famílias que necessitam de água, mas que, em um período de
tempo longo, pode culminar na extinção de espécies ou em outros prejuízos. A natureza não
tem pressa, por conseguinte, não faz sentido falar em “proteção da natureza”, “defesa de tal
ecossistema”, já que, de qualquer maneira, ela seguirá seu curso normal com ou sem a nossa
presença (COUTO, 2016).
65
Segundo Couto (2016), a visão de longo prazo está intimamente ligada à ideia de que
os gestores do meio ambiente e os humanos em geral precisam ter em mente que é a
sustentabilidade, emergida no contexto da Conferência de Estocolmo sobre o meio ambiente,
aquela que recomenda que o desenvolvimento para satisfazer as necessidades das gerações
presentes não pode jamais comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer suas
próprias necessidades.
Há algumas áreas de investigação na Ecolinguística mencionadas por Couto (2016)
como a Ecolinguística Dialética, praticada em Odense, Dinamarca, e a Ecolinguística Crítica,
que apresenta grandes afinidades com a Análise do Discurso Ecocrítica e com a Linguística
Ambiental. Temos, ainda, a ecologia das línguas, área privilegiada desde o nascimento da
Ecolinguística em Haugen (1972); a ecologia da evolução linguística, estudada por Mufwene;
a etnoecologia linguística, incluída no grupo Brasília-Goiânia, por sugestão do que se faz em
torno da ONG Terralíngua. No contexto da Linguística Aplicada, há a ecologia da aquisição de
língua. Por fim, emergindo da Linguística Ecossistêmica, tem-se a Linguística Ecossistêmica
Crítica (LEC) ou Análise do Discurso Ecológica (ADE).
De acordo com Couto et al. (2015), a Análise do Discurso Ecológica é uma vertente da
Linguística Ecossistêmica, ramo da Ecolinguística praticado no Brasil. Portanto, ela tem como
pressuposto o ecossistema integral da língua, formado pelo povo (P), pelo território (T) e pela
língua (L). Esses três componentes se inter-relacionam.
A ADE permite a análise ecológica de todo e qualquer discurso, não somente os
ecológicos, antiecológicos ou pseudoecológicos. Por ser uma disciplina da ecologia que faz
estudos de fenômenos da linguagem, ela parte de uma visão ecológica de mundo (VEM),
ecossistêmica, ou seja, diz respeito ao pensamento em rede, de que tudo está interligado. A
ADE prioriza o lado positivo de toda e qualquer questão não no sentido de ignorar o negativo,
mas no sentido de enxergá-lo por outro viés, e é justamente por não ignorá-lo que ela assume
um caráter prescritivo, visto que seu praticante deve intervir prescrevendo atitudes realizáveis
que promovam a defesa da vida e que busquem amenizar o sofrimento quando é evitável, já
que a dor faz parte da vida e nos auxilia a autopreservarmos (COUTO et al., 2015).
O modo pelo qual a ADE encara o mundo é o da defesa da vida, buscando amenizar o
sofrimento evitável, que pode ser natural, mental e social, entendendo que a morte faz parte do
ciclo da vida. No entanto, devemos preservar a vida sempre que possível. Para Couto et al.
66
(2016), o sofrimento natural é aquele causado por uma ação concreta, visível e que não se pode
negar, como um espancamento, por exemplo, que pode levar ao maior tipo de sofrimento que
se pode imaginar, a morte.
O sofrimento mental é causado pelos vários tipos de assédio que existem, seja moral,
sexual, agressões verbais, etc. Esse sofrimento pode se dar tanto no âmbito do trabalho quanto
no familiar ou em qualquer outra relação interpessoal, posto que ocorre quando uma pessoa
expõe a outra a situações que lhe causam algum tipo de incômodo.
Por fim, o sofrimento social diz respeito aos casos de difamação, desmoralização em
público, entre outros.
Esses tipos de sofrimento não se restringem apenas aos seres humanos, mas também aos
demais animais, como, por exemplo, no caso da caça e da pesca lúdica, que se dá apenas para
satisfazer a vontade do ser humano, e não com vistas à alimentação, ou seja, expõe os animais
ao sofrimento apenas por prazer.
Como afirma Nowogrodzki da Silva (no prelo), não se pode tomar o ser vivo como um
agente individual egocêntrico, pois se corre o risco de confundir autopreservação com
individualismo. A autopreservação é um dos princípios defendidos pela Ecologia Profunda de
Arne Naess, pois o direito de todas as espécies à autorrealização inclui o direito à
autorrealização dos humanos, demanda em que se estabelece uma relação harmônica com o
outro e com o ecossistema em sua integralidade. Mantemos uma relação de interação com o
ecossistema, posto que, assim como o ser constitui o ecossistema, este também constitui o ser.
Nesse sentido, a interação se dá por uma via de mão dupla. Desse modo, “o cuidar de si mesmo”
(FOUCAULT, 2010) estende-se também a um cuidado com o ecossistema e com o espaço de
manutenção da vida.
A política deve ser o exercício de um poder que visa garantir os direitos civis da
sociedade, dentre os quais se destaca o direito fundamental que é o direito à vida. A vida é um
ciclo que se dinamiza em energia-interação-comunidade. A ADE estende a sua defesa da vida
para a defesa do ciclo, então, uma política voltada para a garantia dos direitos da população
deve ser aquela que, assim como a ADE, defenda o ciclo da vida em todos os seus estágios.
Assim, pensamos na proposta de uma política ecológica, que possibilite um ambiente de
equidade e bem-estar da população, bem como abarque a vida no todo.
Segundo Couto et al. (2015), a Análise do Discurso Ecológica possui algumas fontes
principais de inspiração, dentre as quais se destaca a visão ecológica do mundo, a qual provém,
em grande parte, da Ecologia Profunda, de Arne Naess (1912-2009). Essa visão nos permite
encarar o mundo a partir de um ponto de vista ecológico, buscando o equilíbrio do ecossistema.
67
Para esses autores, um ecologista convicto preocupa-se, inclusive, com a linguagem que utiliza,
priorizando aquela que não induza à depredação da natureza nem ofenda nenhum segmento da
sociedade, como a comunidade LGBT, os negros e as demais minorias. A visão ecológica de
mundo, por ser uma visão ecossistêmica, deve levar o estudioso a ver seu objeto de estudo como
parte de um todo maior.
O taoísmo também serviu como fonte de inspiração. Para ele, somos seres
tridimensionais, compostos de corpo, mente e espírito. Ele possui, como conceito central,
harmonia, do qual decorrem outros, como tolerância, humildade e prudência. A filosofia de
Gandhi, que se aproxima dos ensinamentos do taoísmo, também inspirou a ADE. Gandhi
defendeu seus ideais de forma pacífica, o que incomodou seus inimigos. Adotou a ideia da não
violência, da não ofensa e assumiu posturas assimiladas por uma visão ecológica de mundo que
incluíam direitos iguais para as mulheres, pluralismo étnico e religioso e a luta contra a divisão
em castas. Todas essas posturas, de acordo com Couto et al. (2015), vão ao encontro de uma
sociedade mais igualitária, que valoriza o bem-estar de todos os seres.
Segundo Couto (2016), a Análise do Discurso Positiva (ADP), proposta por James R.
Martin, pensada no seio da Análise do Discurso Crítica (ADC), também se mostrou uma fonte
de inspiração para a ADE, pois ela sugere que se assuma uma postura positiva frente ao mundo,
fazendo dele um lugar melhor, ao passo que a ADC, por ter sido influenciada pela teoria social,
teria como objetivo destacar os problemas existentes no mundo, como, por exemplo,
desigualdades de gênero, discriminação, racismo, hegemonias políticas, direitos das minorias,
etc. Esse lado negativo existe de fato, mas não é preciso que somente ele seja abordado. Embora
a ADP enfatize a harmonia em detrimento do conflito, assim como propõe a ADE, ela ainda
deixa implícitas as ideologias políticas e as relações de poder, já que nasceu no contexto da
ADC.
Para Couto et al. (2015), a Ecologia Social, proposta por Murray Bookchin (2009),
também inspirou a ADE. Conforme Bookchin (2009 apud COUTO et al., 2015), grande parte
dos problemas ambientais e ecológicos é de base social, ou seja, criados pela sociedade. Desse
modo, por vivermos todos em constante interação, devemos entender que a preservação do meio
ambiente deve se dar em prol do bem-estar de todo e qualquer ser vivente, no sentido de que
todos nós que aqui estamos temos a mesma importância, seja do mundo vegetal ou animal. No
entanto, essa consciência não surge do nada, ela precisa ser construída a partir da mudança de
comportamento de cada um ao longo do tempo.
Couto et al. (2015) apresentam argumentos que justificam o porquê de se fazer uma
Análise do Discurso Ecológica que vá além da já existente Ecolinguística Crítica (EC).
68
Primeiramente, a ADE parte do ecossistema, o locus dos seres vivos, ao passo que a EC usa o
conceito de ecossistema e de seus componentes, mas apenas como metáforas, ou seja, a análise
é feita, na maioria das vezes, pinçando conceitos ecológicos e os transportando para seu
domínio, enquanto um analista da ADE entende que as interações no ecossistema linguístico
ocorrem da mesma maneira que no ecossistema biológico, pois a Biologia é a ciência da vida.
Isto é, a ADE segue a direção da Ecologia Linguística, e não da Linguística Ecológica. A EC,
por ser de caráter político, privilegia, ainda, a ideologia política e as relações de poder, portanto,
ideologia proveniente do marxismo, que prioriza os conflitos. Em segundo lugar, é possível
notar que, muitas vezes, a EC se confunde com a Análise do Discurso em geral, o que fica
perceptível em diversos ensaios realizados por pessoas que nunca ouviram falar em Linguística,
mas analisam discursos (anti) ambientalistas, o que nos leva ao terceiro argumento, visto que,
para a ADE e para a VEM, essas questões devem ser incluídas no contexto mais amplo e
abrangente da vida (COUTO, 2015).
De acordo com Couto (2016), a Análise do Discurso Ecológica difere das demais
correntes de Análise do Discurso, uma vez que, ao analisar seu objeto, coloca em primeiro plano
a questão da vida e, quando se fala em ideologia, na verdade, põe-se em primeiro plano a
ideologia da vida, ao passo que as outras correntes de análise do discurso enfatizam o objeto do
ponto de vista ideológico-político-marxista. Falar em ideologia da vida já é assumir um
posicionamento ideológico, haja vista que a ADE não nega a existência das ideologias políticas,
tampouco das relações de poder. No entanto, já que é preciso falar em ideologia, que essa seja
da vida em todas as suas manifestações. Nesse sentido, a ADE privilegia a defesa da vida em
todas as suas manifestações, seja ela vegetal ou animal, e considera também a existência das
relações de poder, as quais não se podem negar, mas não serão usadas como ponto de partida
(COUTO, 2016).
A ADE privilegia alguns tópicos em sua análise como, por exemplo, o
antropocentrismo, que diz respeito à supervalorização do ser humano em detrimento dos outros
69
seres vivos, ou seja, coloca-se o homem como o centro do universo. Esse tipo de atitude, comum
nos dias atuais, tem nos levado à destruição do nosso meio ambiente em prol de propósitos que
somente beneficiam os seres humanos. Podemos enxergar essa visão antropocêntrica também
quando o homem pensa na preservação do meio ambiente como maneira de garantir a própria
sobrevivência, ou seja, não se preserva porque, de fato,se entende a importância do meio
ambiente, mas porque sua destruição pode ser prejudicial à manutenção da própria vida. A
ADE, de acordo com Couto (2016), aborda também a questão das línguas minoritárias, que se
estende aos dialetos populares e rurais. Há países em que a língua dominante divide seu espaço
com outras. Esse problema vai além, pois afeta também os dialetos populares e rurais, que são
alvos de preconceito linguístico. É necessário que se legitime a existência de variedades
linguísticas minoritárias, no sentido de garantir a identidade de seus falantes, promovendo o
respeito à diversidade.
Sobre o culto ao desenvolvimentismo, Couto et al. (2016, p. 452) nos dizem que isso é
um problema, pois implica a interferência do homem no meio ambiente. Ademais, o
desenvolvimento significa ir de um estado menor a outro maior, sugerindo que o grande é
melhor. Nessa perspectiva, o culto ao desenvolvimento vai contra uma das filosofias que
inspirou a ADE, o taoísmo, que, por exemplo, considera a importância de um ser em relação ao
outro, um complementando o outro, no sentido de que um se define como grande porque existe
o pequeno.
O etnocentrismo consiste em considerar o que existe em nossa cultura melhor do que o
que há na dos outros. Julgamos uma cultura diferente a partir do ponto de vista do que temos.
Para a Ecolinguística em geral, o que inclui a Linguística Ecossistêmica e a ADE, a minha
cultura não pode servir como parâmetro de comparação para as outras culturas. Quando
pensamos no caso das mulheres em alguns países muçulmanos radicais, sabemos o quanto elas
são expostas ao sofrimento físico, mental e também social. Não podemos ignorar essa questão,
mesmo que agindo de maneira indireta. Por exemplo, Naess ressalta que, nos próprios países
em que isso ocorre, há uma minoria que discorda desse tratamento dado à mulher. Para ele, é
essa pequena minoria que deve receber nosso apoio (COUTO, 2016).
O androcentrismo (e o machismo) também é uma manifestação da linguagem
preconceituosa, já que diminui e traz sofrimentos à mulher. Vivemos em uma sociedade
machista, em que a violência contra a mulher é escancarada e pouco punida. Desse modo, a luta
das feministas se encaixa aqui, pois está no conceito mais amplo da igualdade de direitos e
deveres dos seres humanos, independentemente do sexo. No entanto, a ADE aborda a questão
não pelo lado do conflito (homem versus mulher), mas pelo da conciliação.
70
Para a ADE, é preciso falar em uma ideologia da vida, já que somente a ideologia
política apresenta características que vão contra uma visão ecológica e taoísta de mundo.
Segundo Couto et al. (2015), a ideologia ecológica parte da visão ecológica de mundo e procura
sempre estar em sintonia com a Ecolinguagem. De acordo com esses autores, a visão ideológica
(marxista) transforma as ideias das classes dominantes em ideias universais, como se elas
fossem as únicas ideias válidas, tomando a parte pelo todo. Essa visão ideológica busca também
vender os interesses da classe dominante como se fossem de interesse da classe dominada,
impondo a vontade de alguns para toda a sociedade. Ou seja, privilegia-se apenas uma pequena
parcela da população, impondo aos demais uma “verdade universal”, o que vai contra o holismo
pregado pela ADE, que consiste em valorizar o todo, e não somente um pequeno grupo.Tudo
isso é verdade e a ADE recomenda intervir para modificar a situação, a procura de uma atitude
semelhante à de Gandhi.
Conforme Couto (2016), há pelos menos cinco características da ideologia marxista que
vão contra a visão ecológica de mundo. A primeira é o antropocentrismo, discutida
anteriormente. A segunda é a ênfase no conflito entre “classe dominante” e “classe dominada”,
uma das marcas da ideologia marxista. Para Couto (2016), esse é um dos fatores que tem nos
levado a inúmeros conflitos, guerras e demais atrocidades. Esse conflito é gerado sempre que
algum partidário de determinada ideologia quer impô-la aos demais, como se sua visão acerca
das coisas e do mundo fosse a única correta.
A terceira característica listada por Couto et al. (2016) é a ditadura do proletariado, ou
seja, em todos os regimes marxistas o proletariado sempre foi deixado de lado, privilegiando-
se a ditadura, frequentemente hereditária. A quarta característica com a qual a ADE discorda é
a da teleologia, visto que, para o marxismo, a cultura e a natureza evoluem para uma finalidade
mais complexa e “perfeita” na natureza. A quinta diz respeito à defesa do monoculturalismo e
do monolinguismo, o que é contra a ideia ecológica da diversidade. Para a ADE, a diversidade
deve ser valorizada e é importante para o equilíbrio do meio, inclusive para a diversidade
existente na língua, que permite a existência da língua.
Segundo Couto (2016), essa ideologia enfatiza sempre a competição, a disputa, e está
ligada à visão de mundo ocidental, o que se reflete também nos conceitos polares como
bom/mau, alto/baixo, grande/pequeno, antagônicos na visão ocidental, ou seja, ou é um ou
outro, não há um meio termo possível; já na filosofia oriental, eles são complementares, visto
que a existência de um não é possível sem o outro.
Desse modo, percebemos que uma análise ecológica deve se preocupar com uma
ideologia da vida, a qual pregará a defesa de toda a vida existente no planeta, evitando os
71
conflitos e a supervalorização dos seres humanos em detrimento dos demais seres vivos. Por
fim, vale ressaltar que a ADE assume, ainda, um caráter intervencionista e prescritivo em prol
da vida; em decorrência disso, ela é holística, isto é, nada do que é manifestação linguística
pode lhe escapar (COUTO, 2016).
Assim, após expormos a teoria da ADE, passamos ao capítulo 3, no qual apresentamos
a constituição de nosso corpus de pesquisa – uma entrevista-, bem como desenvolvemos uma
discussão acerca dos gêneros discursivos, com foco no gênero entrevista. Refletimos ainda
sobre a perspectiva da ecolinguística acerca dos gêneros discursivos.
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Este capítulo foi pensado com o intuito de prepararmos o terreno para a análise
desenvolvida no capítulo seguinte. Assim, falamos sobre o nosso corpus, aquele que nos
fornece as respostas para os questionamentos que nos acompanham desde o início desta
pesquisa ou, possivelmente, nos faz problematizar ainda mais. Mas o que é o pesquisador, senão
aquele que quanto mais busca certezas, mais se encontra imerso em um mar de dúvidas?
Passemos, então, ao nosso corpus de pesquisa, o qual se trata de uma entrevista jornalística,
realizada com Marina Silva, em 2014, promovida e veiculada pela TV Estadão, na internet. Por
se tratar de um estudo com o gênero entrevista, entendemos que é importante discorrer, em
primeiro lugar, sobre gêneros, em uma perspectiva ampla, e, depois, sobre o gênero entrevista
em particular. Assim, para a discussão acerca de gêneros, selecionamos teóricos como Mikhail
Bakhtin (2003) e Luis Antônio Marchuschi (2002); já para o gênero entrevista, nos baseamos
nos postulados de Diana Luz Barros (1991), segundo a qual a entrevista pode ser considerada
um discurso de interação assimétrica e simétrica. Em seguida, trazemos a perspectiva da
Ecolinguística acerca dos gêneros do discurso, com base em Elza K. do Couto e Samuel S. Silva
(2015), autores que corroboram com uma visão do gênero como permeado e constituído por
diversas interações. Por fim, falamos acerca de nosso corpus de maneira pormenorizada e sobre
o meio no qual foi divulgado.
Bakhtin (2003), em suas reflexões, afirmou que todos os campos da atividade humana
estão ligados ao uso da linguagem, assim, ele dedicou-se aos estudos nesse campo, de onde
emerge sua concepção acerca dos gêneros do discurso. Antes de falarmos diretamente sobre os
gêneros e suas características é necessário, em um primeiro momento, discorrermos sobre a
noção de enunciado para Bakhtin, já que ambos estão associados diretamente. A noção de
enunciado na obra de Bakhtin está relacionada ao conceito de gêneros do discurso, pois o gênero
é uma forma típica de enunciado, ou seja, só é possível pela realização dos enunciados. Por
isso, passamos, primeiro, por sua contextualização e definição.
Ao iniciar sua discussão acerca do enunciado, Bakhtin (2003, p. 261) pondera que “o
emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos,
proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana”. Isto é, se a língua
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é elaborada de fato em forma de enunciados, proferidos pelos integrantes dos diversos campos
da atividade humana, então podemos considerar que ela é vista como uma atividade social. Ao
trazer a língua para a discussão, somos levados a pensar também sobre sua noção.
Entretanto, o que é língua para Bakhtin? Não podemos passar adiante sem antes
refletirmos a esse respeito. Bakhtin (1997, p. 119) explica, então, que a “língua vive e evolui
historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas
da língua, nem no psiquismo individual dos falantes”. Diante dessa afirmação, compreendemos
que a língua, para Bakhtin, é de fato uma atividade social, pois é na comunicação verbal (na
interação entre locutor e interlocutor) que vive e evolui historicamente. Por evoluir, não pode
ser considerada como algo estático, mas sim como algo que está em movimento e se
transformando historicamente.
Retomando, então, o que foi dito sobre enunciado e língua, ponderamos que esta se
efetua em forma de enunciado, vive e evolui na comunicação verbal, logo, é no enunciado que
a enxergamos em sua realização concreta. Assim, chegamos ao que afirma Bakhtin (2003, p.
274) sobre o enunciado: “a indefinição terminológica e a confusão em um ponto metodológico
central no pensamento linguístico são o resultado do desconhecimento da real unidade da
comunicação discursiva- o enunciado”. Ou seja, a comunicação discursiva, a qual pode ser
compreendida como a interação verbal entre locutores e interlocutores, somente é possível por
meio dos enunciados realizados.
Bakhtin (2003, p. 261-262) afirma que “os enunciados refletem as condições específicas
e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua,
mas, acima de tudo, por sua construção composicional”. Dessa forma, entendemos que os
enunciados, por serem produzidos por aqueles que compõem a comunicação verbal, em
determinado campo da atividade humana, refletirão em si as condições externas, próprias do
campo em que foram produzidos, pelo conteúdo temático, o estilo e a construção
composicional. Passemos, então, à definição desses três elementos.
O conteúdo temático seria o conjunto de valores ideológicos que permeiam determinado
gênero. Consequentemente, é importante ressaltar o que vem a ser ideologia para Bakhtin, já
que o conteúdo temático de todo e qualquer enunciado estará relacionado a esse conjunto. Para
Bakhtin (1997), a ideologia é determinada pelas relações sociais, portanto, está presente no
cotidiano e relacionada, ainda, aos aspectos históricos e culturais, além de determinar o que é
considerado certo ou errado nas sociedades. Desse modo, a ideologia é o conjunto de regras e
valores determinados sócio-historicamente e que regulam a vida em sociedade.
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De acordo com Bakhtin (2003), o estilo está ligado às escolhas não só lexicais, mas
também fraseológicas e gramaticais da língua, selecionadas por quem enuncia; por sua vez, a
construção composicional está ligada aos elementos específicos de cada gênero. Assim, esses
três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) estão ligados e
constituem o todo do enunciado, sendo igualmente determinados pela especificidade de
determinado campo da comunicação. Isso nos leva à definição de gêneros segundo Bakhtin
(2003, p. 262), para quem “cada enunciado particular é individual, mas cada campo de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais
denominamos gêneros do discurso” (grifos no original).
Quando Bakhtin assegura que os gêneros do discurso estão ligados diretamente à esfera
da comunicação da qual fazem parte, essa esfera pode ser compreendida como cada campo de
atividade humana. Dessa forma, temos a esfera social do cotidiano, literária, científica,
jornalística, escolar, publicitária, jurídica, política, entre outras. Cada uma dessas esferas da
vida social refletirá aspectos temporais, históricos e sociais. Se pensarmos, por exemplo, no
gênero “debate político”, este é constituído por temáticas que se relacionam com a política,
como a corrupção, os direitos dos cidadãos, as propostas de governo, dentre outros, enquanto o
estilo será demarcado por cada um dos enunciadores presentes no debate que, no geral, buscam
formular, da melhor maneira possível, suas respostas, seja pela escolha lexical, talvez
preferindo aquelas palavras mais simples e que serão de fácil compreensão para quem o assiste,
pelos recursos fraseológicos, utilizando alguma expressão comum no dia a dia, a fim de
convencer quem o escuta/assiste.
Por fim, temos a construção composicional do gênero, que diz respeito à estruturação
geral interna do enunciado. No gênero “debate político”, aqui estudado, temos a presença de
candidatos a algum cargo político, o mediador (geralmente um jornalista) e a plateia. Há uma
organização por parte do mediador, que explica as regras, bem como controla os turnos de fala,
concedendo as réplicas e as tréplicas. É um gênero composto por perguntas e respostas,
portanto, há muita argumentação por parte dos candidatos que, na maioria das vezes, são
confrontados por seus adversários e precisam responder efetivamente, a fim de demonstrar
segurança no que dizem. Por isso, em muitos casos apresentam dados estatísticos como
resposta. Compreendemos, então, que cada campo da atividade humana produzirá os seus
gêneros discursivos, que podem ser definidos por sua composição temática, estilo e construção
composicional.
A definição dos gêneros como “tipos relativamente estáveis de enunciados”
(BAKHTIN, 2003, p. 262) nos permite dizer que eles são dinâmicos, ou seja, modificam-se,
75
estão em movimento, são, ao mesmo tempo, estáveis e instáveis, pois, ainda que possuam
características predominantes, podem ser moldados pelos interlocutores em uma situação de
uso em determinada esfera discursiva. Por exemplo, ao pensarmos no gênero propaganda
política eleitoral, sabemos que este é um gênero pelo qual o candidato político apresenta suas
propostas políticas e faz suas promessas, com o intuito de angariar votos para si. No entanto, à
medida que as eleições vão se delineando, as propagandas políticas vão ganhando outros
elementos como, por exemplo, quando se percebe que o candidato da oposição vem crescendo
nas intenções de voto e as propagandas políticas de determinado candidato não mais apresentam
suas propostas, mas visam denegrir a imagem do outro que está à frente, apresentando
informações e acusações sobre o outro.
Percebemos, desse modo, que os gêneros estão presentes em nosso dia a dia. De acordo
com Bakhtin (2003), nós nos comunicamos por meio deles e, assim como as esferas da vida
humana são diversificadas, o número de gêneros discursivos existentes também o será.
Compreendemos, como consequência, que eles permeiam o nosso cotidiano e é por meio deles
que nos relacionamos com o outro, seja ao atendermos a um telefonema, em uma mensagem de
whatsapp ou, ainda, naquela lista de produtos que fazemos antes de ir ao supermercado, caso
sejamos traídos (e sempre somos) por nossa memória. Em época de campanha eleitoral, outros
gêneros começam a circular em nosso cotidiano, como, por exemplo, os “santinhos” dos
candidatos e a propaganda eleitoral, em que cada candidato se apresenta, fala de suas propostas
e pede o voto do eleitor. Esses gêneros constituem a esfera social da política.
Bakhtin (2003) classificou os gêneros discursivos em primários (simples) e secundários
(complexos), no entanto, não se trata de uma diferença funcional, pois não há relação com a
função de cada um: a diferença se dá em relação às esferas discursivas nas quais circulam. Os
gêneros discursivos secundários surgem em um convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado, artístico, científico, sociopolítico. Já os
gêneros primários são formados em situações de comunicação do cotidiano. O diálogo, por
exemplo, é um gênero presente no dia a dia, em todas as nossas relações, desde as familiares
até entre pessoas desconhecidas que aguardam algum atendimento, seja em filas de banco, seja
de supermercado ou até mesmo nos pontos de ônibus.
O diálogo que ocorre em nossas vidas é considerado um gênero primário, pois se
desenvolve em nosso dia a dia, mas frequentemente é incorporado por gêneros secundários
como, por exemplo, na esfera discursiva da política. Ao gravarem suas propagandas eleitorais,
muitos candidatos aparecem em um diálogo com seus eleitores, os quais lhes perguntam sobre
suas propostas e eles as explica. Há, também, as perguntas dos candidatos aos eleitores sobre
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Bakhtin (2003, p. 283) afirma que “os gêneros do discurso organizam o nosso discurso
quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a
moldar o nosso discurso em formas de gênero e quando ouvimos o discurso alheio, já
adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras”. Assim, ao interagirmos com o outro,
somente o fazemos por meio dos gêneros, já que estes fazem parte de nosso cotidiano. Pensando
nos gêneros do discurso que permeiam a esfera social da política, podemos citar, como
exemplo, alguns casos em que os candidatos políticos a algum cargo visitam a casa dos
eleitores. Ao iniciarem o diálogo, o interlocutor já pode prever qual rumo a conversa tomará,
sabendo que se trata de um candidato a um cargo público na política e percebendo que a
conversa será marcada pela argumentação, pela apresentação das propostas e, por fim, pelo
pedido de voto. Isso é muito comum com os candidatos a vereadores, já que estes, geralmente,
estão mais próximos da população.
Marchuschi também se dedica aos estudos dos gêneros, os quais ele denomina de
“gêneros textuais”, mas parte dos postulados de Bakhtin. Assim, Marchuschi (2002), bem como
Bakhtin, compreende que os gêneros fazem parte da nossa vida diária e apresentam
característica definidas por seus conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição.
Esse autor afirma que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum
gênero, bem como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto. Desse
modo, parte-se da ideia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual.
De acordo com Rojo (2005, p. 185), “a primeira – teoria dos gêneros do discurso – centrava-se,
sobretudo, no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos
sócio-históricos e a segunda – teoria dos gêneros de textos – na descrição da materialidade
textual”. Por isso, enquanto na obra de Bakhtin há um maior enfoque na questão discursiva-
interacionista do gênero, nos estudos das situações de produção dos enunciados e em seus
77
construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais). Assim, enquanto os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros
são inúmeros. Da mesma forma que Bakhtin (2003) fala das esferas sociais, Marchuschi (2002)
disserta sobre o “domínio discursivo”.
Para Marchuschi (2002), a expressão “domínio discursivo” designa uma esfera ou
instância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos e nem
discursos, mas propiciam o surgimento de discursos específicos. Desse modo, temos como
domínios o discurso jurídico, o discurso jornalístico, o discurso religioso e o discurso político.
Essas atividades constituem práticas discursivas, já que podemos observar, em seu interior, um
conjunto de gêneros textuais. Pensando no domínio discursivo político, temos: debate, abaixo-
assinado, assembleia, manifesto, panfleto, mesa redonda, carta de solicitação, projetos de leis.
O corpus desta pesquisa, a “entrevista jornalística”, pertence ao campo discursivo jornalístico,
mas transita também no campo discursivo político, já que se dá com uma candidata à
presidência e, portanto, traz, para sua composição, aspectos socioideológicos desse campo.
pelo povo (P), pelo território (T) e pela língua (L), no qual esses três componentes se
interrelacionam, já que o ecossistema é composto pelas interações que se dão em seu interior.
A ADE se assume enquanto uma nova perspectiva para os estudos do discurso, a qual foca o
próprio processo de produção do discurso, ou seja, a interação em si. Somos levados, então, a
questionar o que é o discurso para a ADE. Para Couto (2016), ele é o produto da interação,
aquilo que está acabado, pronto. No entanto, a ADE focaliza o próprio processo de interação,
que se dá na interação comunicativa. Passemos ao estudo da EIC.
A Ecologia da Interação Comunicativa (EIC), segundo Couto (2016), é o núcleo da
linguagem. Ela é o próprio processo de produção do discurso e esse processo possui
componentes básicos e regras (interacionais e sistêmicas). É por meio desses componentes que
a interação se realiza no ecossistema. A Análise do Discurso Ecológica, teoria escolhida para
dar suporte a esta pesquisa, parte do processo geral de produção do discurso. Por isso, iniciamos
a análise por meio da EIC, que é justamente esse processo.
A ecologia da interação comunicativa consta de cenário, falante e ouvinte, regras
interacionais, sistêmicas e circunstantes. Para Couto et al. (2015), o falante é um indivíduo
qualquer (p¹) da população (P), enquanto o ouvinte é outro indivíduo qualquer (p²) de P. O
início da interlocução se dá quando p¹, como falante (F), faz uma solicitação a p², que, nesse
momento, é ouvinte (O), e, em geral, dá uma satisfação ou atendimento a essa solicitação.
Geralmente, a solicitação mais comum é a pergunta, expressa por uma oração interrogativa.
Essa interlocução, na qual há uma alternância entre falante e ouvinte, constitui o gênero diálogo,
presente em nosso dia a dia. É nesse processo de interlocução entre falante e ouvinte que os
gêneros do discurso são produzidos e se moldam, já que eles são permeados por interações.
Dessa maneira, todas as influências que recebem do meio ao qual estão expostos vão moldando
os gêneros pelos quais nos comunicamos.
Segundo Couto (2016), a língua nasce nos atos de interação comunicativa (AIC), em
suas respectivas ecologias da interação comunicativas. Assim, a interação comunicativa
propriamente dita constitui o diálogo, que é um fluxo interlocucional e consiste numa
alternância entre falante e ouvinte. Contudo, às vezes esse fluxo pode ser competitivo, como
em uma disputa verbal, em que não se respeitam os turnos de fala do outro. O diálogo, dessa
maneira, necessita de um falante (F¹) e de um ouvinte (O¹), que entram em interação por meio
da solicitação. Desse modo, durante o diálogo há as trocas de turno, na qual o falante F¹ faz
uma solicitação (que pode ser uma pergunta), ao passo que o ouvinte O¹ compreende e atende
(responde) ao falante F¹, assumindo o papel de F². No entanto, para que essa interação
comunicativa seja de fato eficaz, é fundamental que os interlocutores entrem em comunhão, ou
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seja, estejam predispostos a se comunicarem com o outro. Assim, Couto et al. (2015, p. 113)
explica que “a comunhão é, portanto, uma predisposição para a comunicação, mesmo que
ninguém diga nada”.
O cenário, de acordo com Couto (2013), varia em cada caso. Ele compreende o lugar
(que seria parte do Território-T) e tudo ao redor. Esse lugar é também chamado de meio
ambiente natural, o qual pode ter componentes artificiais, como o ambiente construído, uma
cidade. No entanto, nessa parte física pode entrar também os componentes do meio ambiente
mental e social. Ou seja, tudo aquilo de que falante (F) e ouvinte (O) podem lançar mão
eficazmente durante a interação é parte do cenário. Todos esses aspectos influenciam a
constituição dos gêneros do discurso.
Ao buscar um exemplo, no campo discursivo da política, para dialogar em um âmbito
maior com nossa pesquisa, podemos pensar nas propostas políticas de governo, as quais
passaram a integrar, em seus temas, a questão ambiental. A causa em defesa do meio ambiente
começou a se fazer presente nas sociedades modernas e, logo, virou pauta também das propostas
políticas. Isso configura uma influência do meio ambiente natural e também social. Explicamos.
A escassez de água, o alto índice de desmatamentos e os desastres naturais causados pela
interferência do homem no meio ambiente fizeram com que as causas ambientais se tornassem
mais visíveis para a sociedade, configurando, ainda, um princípio de consciência ecológica em
alguns membros desta. Logo, o meio ambiente natural e suas mudanças influenciaram na
configuração de uma nova temática no gênero propaganda eleitoral. Ainda mais, para atender
à demanda do eleitorado que se preocupa com as causas ambientais, o tema meio ambiente
passou a fazer parte dos programas políticos, em decorrência da influência do meio ambiente
social.
As regras interacionais já vinham sendo estudadas pela análise da conversação, pelo
interacionismo, pela teoria dos atos de fala e pelos postulados conversacionais de Grice, entre
outros. No entanto, de acordo com Couto (2013), a maioria dos modelos interacionistas tem
uma visão instrumental da língua, enxergando-a apenas como um instrumento que as pessoas
usam para a comunicação. Contudo, para a ecolinguística a língua não tem por função a
expressão do pensamento ou a comunicação, ela é a própria interação, que se dá entre dois
membros do ecossistema linguístico. As regras interacionais, ou hábitos interacionais, são
assim denominadas por se tratarem de hábitos criados pela prática comunitária ao longo do
tempo, e não de algo imposto de fora para dentro. Nesse sentido, tudo que faz parte da cultura
de uma comunidade, não só a língua, pode entrar na interação comunicativa. Ademais, por
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serem culturalmente estabelecidas, podem variar de uma comunidade linguística para outra
(COUTO et al., 2015, p. 113).
Couto (2016) apresenta as quinze regras interacionais das quais as regras sistêmicas são
parte, pois também existem para a eficácia da interação comunicativa. São elas as regras
interacionais:
A palavra “entrevista” vem do Francês entrevue, que significa “ato de ver um ao outro,
breve visita”, do Latim Inter (entre) + Veder (ver). De acordo com o dicionário Houaiss (2009,
p. 775), essa palavra possui algumas acepções, dentre elas “coleta de declarações tomadas por
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jornalista (s) para divulgação através dos meios de comunicação”. Assim, a realização de uma
entrevista pressupõe a presença de duas ou mais pessoas, com a finalidade de falar acerca de
determinado tema ou para prestar esclarecimentos.
Barros (1991), em Entrevista: texto e conversação, concebe esse gênero tanto texto
quanto conversação. São duas as perspectivas escolhidas, a primeira em relação à organização
discursiva e textual da entrevista, no quadro da Teoria Semiótica, e a segunda em relação à
estruturação conversacional, do ponto de vista da Análise da Conversação.
De acordo com Barros (1991), na perspectiva da entrevista como conversação ela
separa-se dos demais textos conversacionais por três aspectos principais, a saber: o número de
actantes envolvidos em sua organização narrativa; o caráter assimétrico da interação (o
diálogo), o planejamento conversacional e o tempo de elaboração. Já na perspectiva da
entrevista enquanto texto, ela possui uma organização narrativa. Enquanto na conversação
“autêntica” a comunicação tem o caráter mais “intimista” de um diálogo entre “eu e você, aqui
e agora”, na entrevista rompe-se o dialogismo estreito e alarga-se a circulação do dizer na
sociedade. Assim, três diálogos se estabelecem entre entrevistador e entrevistado, entrevistado
e público (leitor, ouvinte, telespectador, analista etc.) e, também, entre entrevistador e
“público”.
No diálogo entre o entrevistador e o entrevistado há sempre a possibilidade da inversão
e reciprocidade da relação eu-tu. Por isso, Barros (1991) afirma que o “tu” pode, em qualquer
momento, tomar a palavra e mudar a direção da comunicação. Já as relações entre o
entrevistador ou o entrevistado e o público não são passíveis de inversão, de modo que o
destinatário-público ocorre como um ator construído, sobretudo tematicamente, a que faltam
traços de especificação figurativa.
Para Barros (1991), nesse processo há um jogo duplo de comunicação, que cria, entre
entrevistador e entrevistado, uma relação interacional particular e determina muitos
procedimentos linguísticos que os interlocutores utilizam na entrevista. Ao realizar a entrevista,
o entrevistador é o sujeito que busca, por meio da fala do entrevistado, descobrir-lhe suas
opiniões acerca de determinado tema ou, ainda, esclarecer algum fato para levar ao público.
Cabe, então, ao entrevistado, fazer com que tanto o público quanto o entrevistador saibam o
que deseja. No entanto, na entrevista, ambos buscam informar e convencer o público e é daí
que decorre o caráter particular dessa interação, pois ambos precisam ser cúmplices no ato da
comunicação, isto é, o entrevistado precisa responder a quem lhe pergunta e o entrevistador
deve conseguir que ele responda, embora eles busquem conquistar o receptor e, nesse caso, se
tornem oponentes.
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Barros (1991) afirma que as entrevistas inclinam-se ora para o pólo do contrato, ora para
o pólo da polêmica. Os interlocutores partilham o objetivo comum de causar boa impressão no
público e o diálogo perde os traços de agressividade. Portanto, cede-se a vez, respeita-se a fala
do outro. Já o caso inverso, o polêmico, ocorre quando muitas entrevistas na televisão chegam,
às vezes, à desqualificação do entrevistador ou do entrevistado. Assim, o clima contratual ou
polêmico das entrevistas é um efeito de procedimentos diversos com que se procura alcançar
um mesmo objetivo: o de persuadir o público e com ele estabelecer uma relação interacional
unilateral. Entretanto, Barros (1991, p. 3) afirma que “entre entrevistador e entrevistado, seja,
entrevistas polêmicas ou contratuais, os laços interacionais são frouxos, pois, cúmplices ou
oponentes, estão ambos preocupados apenas em interagir com o destinatário público”.
Ainda de acordo com Barros (1991), a entrevista é um discurso de interação assimétrica,
pois os papéis de interlocutores, entrevistador e entrevistado são diferenciados. O entrevistador
escolhe o tópico e a direção da conversação: quando e como parar, a distribuição dos turnos, e
assim por diante. Em geral, é ele quem opta pelo caráter contratual ou polêmico da entrevista,
porém, o entrevistado tem a possibilidade de conservar o turno por mais tempo, pois é a ele que
se quer ouvir. Assim, garante-se certo equilíbrio na conversação: a um cabe a seleção do tópico
e a direção da conversação, ao passo que ao outro se garante a manutenção da vez.
Marchuschi (1986) classifica os diálogos em assimétricos e simétricos. A entrevista
caracteriza-se como um diálogo assimétrico, no qual um dos participantes tem o direito de
iniciar, orientar, dirigir e concluir a interação e exercer pressão sobre os outros. É o caso,
também, dos inquéritos e da interação em sala de aula. Já os diálogos simétricos são aqueles
em que vários participantes têm, supostamente, o mesmo direito à autoescolha da palavra, do
tema a tratar e de decidir sobre seu tempo. As conversações diárias e naturais são o protótipo
dessa modalidade. Em relação à afirmação de simetria de papéis e direitos, Marchuschi (1986)
afirma que isso é pouco verdadeiro, já que a diferença de condições socioeconômicas e culturais
ou de poder entre os indivíduos deixa-os em diferentes condições de participação no diálogo.
A própria construção e negociação de identidades na interação, bem com a apropriação da
palavra, ficam afetadas por essas condições.
Barros (1991) salienta que é preciso lembrar que o conceito de assimetria interacional
liga-se não só às funções dos interlocutores na conversação, mas, principalmente, a seus papéis
sociais e a suas características pessoais. A importância social do entrevistado leva à inversão
do equilíbrio da entrevista e, assim, ele seleciona os tópicos e decide quando ceder a vez. Da
mesma forma, há entrevistadores de destaque social ou demasiadamente marcantes que
dominam a entrevista e não deixam ao entrevistado nem mesmo os turnos que lhe são devidos.
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De acordo com Barros (1991), a entrevista escrita, mesmo quando conserva sua forma
dialogada, perde grande parte das características da língua falada: cortam-se as repetições,
suprimem-se as hesitações, apagam-se as reformulações, refaz-se o texto, alteram-se as relações
interacionais. Já nas entrevistas cuja edição conserva o traço da oralidade não há prejuízo de
características particulares da fala, mas podem sempre ocorrer fortes mudanças no sentido do
texto. Os recortes que os diferentes partidos políticos faziam de entrevistas e debates, no período
das eleições, ilustram bem a questão. Há, ainda, os casos das entrevistas ao vivo, que
compensam a falta de uma boa edição final com mais planejamento conversacional.
Desse modo, a partir das considerações de Barros acerca do gênero entrevista, buscamos
analisar nosso corpus por meio da Ecologia da Interação Comunicativa, compreendendo que a
entrevista é também interação e verificando se a entrevista tende para o clima contratual ou
polêmico. Para tanto, devemos observar quais regras interacionais se fazem presentes durante
essa interação.
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A partir das considerações acerca dos gêneros e da entrevista em si, realizada ao longo
deste capítulo, salientamos, mais uma vez, que a Ecolinguística compreende os gêneros do
discurso como uma forma/estrutura que possibilita e organiza as interações na sua integralidade
(totalidade), tendo sob sua alçada os aspectos linguísticos e extralinguísticos. Ou seja, os
gêneros podem ser compreendidos como uma estrutura que organiza as interações que se dão
no meio e que podem ocorrer tanto entre os membros da população entre si quanto entre a
população e os meios ambientes aos quais está exposta. Daí é necessário ressaltar que, apesar
de ser entendido como estrutura, ele não é fixo, justamente por ser permeado por interações.
Assim, ele é estrutura, pois possui características fixas, mas é também dinâmico, porque está
sempre em movimento, acompanhando, portanto, as mudanças históricas, sociais e, inclusive,
biológicas.
Para exemplificar, podemos discorrer acerca do gênero propaganda política eleitoral, no
qual os políticos apresentam suas propostas e fazem suas promessas a fim de conquistar o voto
do eleitorado. Esse gênero sempre foi permeado por temas como economia, saúde, educação,
entre outros, pois eram os que mais interessavam à população. No entanto, em decorrência de
mudanças no meio ambiente, como a escassez de água, o alto índice de desmatamento e um
consequente princípio de consciência ecológica, o tema meio ambiente passou a fazer parte das
temáticas dos gêneros que permeiam o campo discursivo político. Essa mudança ocorre em
decorrência da interação do homem com o meio ambiente natural, que percebeu precisar,
também, de políticas em relação a essa área, ainda que ficassem apenas no plano das ideias.
A Ecologia da Interação Comunicativa (EIC), na qual ocorrem os Atos de Interação
Comunicativa (AICs), foi escolhida para analisar essa entrevista, pois ela é a maneira pela qual
a Análise do Discurso Ecológica descreve a estrutura linguística do Discurso. A ADE é uma
nova perspectiva para os estudos do discurso, que foca o próprio processo de produção do
discurso, ou seja, a interação em si. O discurso, de acordo com Couto (2016), é o produto da
interação, aquilo que está acabado, no entanto, a ADE focaliza o próprio processo de interação,
que se dá na interação comunicativa. Aplicamos, assim, cada elemento da Ecologia da Interação
Comunicativa à entrevista e faremos também considerações sobre o que postulou Barros
(1991). Ademais, neste tópico fazemos algumas considerações sobre o cenário, os AICs
presentes em nosso corpus, de maneira a ilustrar como a Ecologia da Interação Comunicativa
nos permite a análise.
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Nosso corpus, nesta pesquisa, é constituído por uma entrevista realizada e veiculada
pela TV Estadão, de São Paulo, na série “Entrevistas do Estadão”, que teve duração de uma
hora. A “TV Estadão” é um canal de vídeos com notícias variadas de política, economia, cultura,
esportes, mercado, educação e outros segmentos. É fruto da fusão dos sites da Agência Estado, o
Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, no ano 2000. Assim, os três AICs possuem como cenário
o estúdio da TV Estadão, em que foi realizada a entrevista. Estão presentes ali Marina Silva, os
jornalistas responsáveis pelas perguntas e o público. Conforme afirma Couto (2013), o cenário
compreende o lugar e tudo ao seu redor. Desse modo, a entrevista ocorre no meio ambiente
natural (Estúdio da TV Estadão), que se estende, ainda, ao local em que o público online está
presente e pode ser, portanto, a casa, o trabalho, a faculdade, etc. No entanto, há ainda o meio
ambiente social no qual a entrevista ocorre, incluindo-se aí o público, tanto o presente quanto
o online.
A entrevista com os candidatos à presidência é comum em ano eleitoral nos principais
canais da TV aberta, mas, com o avanço das tecnologias e, também, com o maior acesso da
população a esses meios digitais, o gênero entrevista passou a ser veiculado também por sites
na internet. Dessa maneira, há um aumento no número de suportes pelos quais a entrevista é
divulgada, não somente em jornais escritos, falados, mas também pela internet. Nosso corpus
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foi divulgado na íntegra no site de vídeos Youtube e está disponível também no site da TV
Estadão. Compreendemos que o cenário no qual se dão as interações comunicativas também
exerce influência sobre o entrevistado, sua postura, seus gestos, o tom de voz. Para a análise
desses aspectos, contamos com os estudos acerca dos elementos paralinguísticos e
extralinguísticos. Essa ampliação nos meios de divulgação expande também as interações que
se dão, pois o meio ambiente social de quem está acompanhando pela internet e fazendo
perguntas também estará em interação. Assim, o cenário no qual ocorre a entrevista varia em
cada caso, conforme afirma Couto (2013), pois ele compreende o lugar e tudo ao seu redor.
No próximo capítulo, Análise do Objeto- Da irrigação à colheita, ampliamos a análise
com base na aplicação da Ecologia da Interação Comunicativa, examinando como as marcas
linguísticas caracterizam a entrevista enquanto contratual ou polêmica, nos termos de Barros
(1991), e, ainda, observando quais regras interacionais se manifestam nessa interação. Também
se busca entender, ademais, o direcionamento dado à entrevista, por meio das perguntas dos
jornalistas e também do público em geral. Objetivamos, além disso, compreender qual o fazer
político da ex-candidata Marina Silva com base na perspectiva da ADE, bem como se propõe
a construir novas posturas políticas, bem como verificar se há concordâncias ou discordâncias
entre os enunciados da candidata nas entrevistas e em seu plano de governo, em relação aos
temas trabalho, saúde, educação, meio ambiente e questões ligadas ao direito das minorias.
Aliado a esses objetivos, buscamos apresentar, no decorrer da análise, nossas reflexões acerca
de uma concepção de política para a ADE.
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Selecionamos como corpus de análise, nesta dissertação, uma entrevista com a ex-
presidenciável Marina Silva e, também, algumas seções do seu plano de governo. Ambos foram
publicados durante a campanha presidencial, no ano de 2014, na qual Marina Silva lançou-se
candidata pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). A entrevista foi concedida à TV Estadão, de
São Paulo, na série “Entrevistas do Estadão”, cuja duração era de uma hora. A “TV Estadão” é
um canal de vídeos com notícias variadas de política, economia, cultura, esportes, mercado,
educação e outros segmentos. É fruto da fusão dos sites da Agência Estado, o Jornal Estado de
São Paulo e Jornal da Tarde, no ano 2000.
A entrevista com Marina faz parte de uma série de entrevistas realizadas com os
candidatos à Presidência da República em 2014. Nela, as perguntas não são feitas apenas pelos
jornalistas, mas também pelo público do auditório e pelo público online, que mandam suas
perguntas por meio da rede social Twitter.
Nesta análise, buscamos compreender qual o fazer político da ex-candidata Marina Silva
e como ele pode ser estudado na perspectiva da ADE. Analisamos, também, as propostas, no
intuito de entendermos como Marina se propõe a construir novas posturas políticas.
Verificamos, ainda, se há concordâncias e discordâncias entre os enunciados da candidata nas
entrevistas e em seu plano de governo em relação aos temas trabalho, saúde, educação, meio
ambiente e direito das minorias. Aliado a esses objetivos, apresentamos, ademais, reflexões
acerca de uma concepção de política para a ADE.
Recorte 1:
Apresentação: Muito boa tarde. Sejam todos bem-vindos à TV Estadão e ao Auditório do Estadão
aqui na Zona Norte de São Paulo. Estamos começando mais uma da série “Entrevistas do Estadão”
com os candidatos à Presidência da República. Já participaram no estúdio da TV Estadão, os
candidatos Eduardo Jorge, do PV, Pastor Everaldo, do PSC, e Luciana Genro, do PSOL. Aqui no
auditório do Grupo Estado também já participou o candidato do PSDB, Aécio Neves, e hoje é a vez
de Marina Silva, candidata à Presidência da República pelo PSB. Participam também desta entrevista
comigo o Diretor da Sucursal de Brasília do Jornal O Estado de São Paulo, Marcelo de Moraes, à
minha direita, à esquerda da candidata Conrado Corsalette, editor de política do Jornal O Estado de
São Paulo, e Irani Teresa, chefe da Agência Estado em Brasília, jornalista especializada em Economia.
Você também participa conosco, você pode enviar a sua pergunta pelas redes sociais, mande a pergunta
do Twitter usando a #entrevistasestadão e as pessoas presentes aqui no auditório também podem
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mandar as suas perguntas por escrito. A nossa produção vai fazer a mediação e tentar, à medida do
possível, atender a todos. Sejam todos muito bem-vindos. Teremos uma hora de conversa com a
candidata Marina Silva. A candidata já foi vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos,
ministra do meio ambiente e em 2010 foi candidata à Presidência da República pelo PV, ficou em
terceiro lugar, com pouco mais de 19% dos votos. Candidata, seja muito bem-vinda ao auditório aqui
do Estadão.
Recorte 2:
Marina Silva: Obrigada. Acho que é uma satisfação poder participar do debate. Eu tenho insistido
que é uma oportunidade da gente de fato discutir as questões, e desde 2010 que eu faço um apelo para
que seja um debate, não um embate (risos). (grifos nossos).
91
No Recorte 2, temos a primeira fala de Marina Silva, em que há uma preferência, por
parte da candidata, pelo uso do lexema debate ao invés de embate para se referir a sua
participação na entrevista. Essa preferência pode ser confirmada pela presença do vocábulo
apelo, usado para aludir à sua vontade de modificar o formato como se dá a entrevista. O
vocábulo apelo denota um chamamento, uma convocação, e seu uso confere ao pedido de
Marina um caráter de urgência, já que esse lexema possui uma conotação muito mais forte do
que, por exemplo, se usasse pedido. Se Marina afirmasse, em sua fala, que faz um pedido, isso
não nos permitiria tal compreensão, não nos soaria como algo de muita importância, ao passo
que apelo nos propicia entender que é importante e urgente que haja essa mudança proposta por
ela.
O uso do lexema insistido, também no Recorte 2, nos leva a compreender que o apelo
feito é importante, já que reflete um posicionamento de persistência. O seu uso junto ao verbo
ter forma uma locução verbal – tenho insistido – que mostra que o apelo de Marina não é algo
recente, mas já de algum tempo, pois nos passa a ideia de uma ação continuada. Assim, o uso
dessa locução acarreta em dizermos que, para Marina, a preferência pelo debate em detrimento
do embate é algo anterior à eleição de 2014, o que pode ser confirmado ainda no Recorte 2, em
“desde 2010 que eu faço um apelo”. Desse modo, questionamos o porquê de ter sido nesse ano
o início do apelo!
Isso teria levado Marina Silva a insistir pelo debate em si? Em 2010, Marina tinha se
lançado à corrida presidencial pela primeira vez. Nessa ocasião, ela saiu candidata pelo Partido
Verde (PV), alcançando o terceiro lugar nas eleições, com quase vinte por cento dos votos.
Desde essa campanha que Marina vem falando na promoção do debate ao invés do embate.
Tanto na campanha de 2010 quanto na de 2014, Marina sofreu críticas e foi alvo de vários
ataques, principalmente do PT, críticas denominadas por ela de “marketing selvagem”.
Compreendemos, assim, que esse apelo em favor do debate é, também, resultado das
campanhas em que Marina concorreu à presidência do país, nas quais ela esteve exposta às
várias críticas dos demais candidatos. Esse apelo em defender os posicionamentos sem a
necessidade de instaurar o conflito e defender seu ponto de vista de um modo harmonioso está
presente nos princípios da Ecologia Profunda propostos por Arne Naess, o qual, por seguir os
ensinamentos de Gandhi, era adepto do agir de modo pacífico.
Em relação aos lexemas debate e embate, podemos afirmar que, enquanto o primeiro
denota uma postura de diálogo, o segundo traz em si uma postura de oposição, resistência. O
gênero entrevista, por sua vez, pode apresentar características tanto de um quanto do outro, a
92
seria aquela que preza pelo diálogo entre os diferentes. Essa afirmação pode ser confirmada,
justamente, pela preferência, por parte dela, do uso do vocábulo debate, e não embate, já que a
acepção de debate pressupõe um diálogo entre opiniões contrárias.
Dessa forma, Marina busca reforçar a sua imagem ligada ao diálogo respeitoso, ao tom
mais calmo para argumentar, o que pode, de certa forma, conquistar o público. No entanto,
Barros (1991) ressalta que, em geral, é o entrevistador quem opta pelo caráter contratual ou
polêmico da entrevista. Por isso, em cada questionamento pode ser que se assuma um caráter
contratual ou polêmico, a depender do entrevistador, mas, como o turno de fala deste é maior,
garante-se, assim, um equilíbrio entre o entrevistador, que seleciona os tópicos e direciona a
entrevista, e o entrevistado, que, por sua vez, pode usar seu turno de fala a seu favor.
Recorte 3:
Jornalista: Bom, candidata, vamos começar uma primeira pergunta: a gente acompanhou desde sexta-
feira, quando foi lançado o programa de governo da sua candidatura, a senhora inclusive está com uma
cópia aqui, foi toda a, aconteceu toda essa questão em relação à, às propostas do programa de governo
para a comunidade LGBT. A senhora já explicou que houve um erro de editoração, que foram incluídas
as propostas que estavam sendo discutidas, e não as que foram consensuais. Isso despertou uma série
de reações, o escritor Milton Hatoum chegou a dizer que a errata foi uma falha moral, ele desistiu de
apoiar a sua candidatura, houve baixas no núcleo da sua campanha... a pergunta que a gente faz,
candidata, a senhora explicou que houve esse erro, faltou uma leitura da senhora própria ter lido o
programa de governo? A senhora não teve acesso ao programa de governo antes de anunciá-lo
publicamente?
Marina buscou atender, em seu plano de governo, as pautas do grupo LGBT, como, por
exemplo, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o combate à homofobia. No entanto, o
texto em relação à união civil estável para pessoas do mesmo sexo foi alterado dias depois da
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publicação, conforme Recorte 4. Outros pontos foram alterados também, como o texto em
relação à energia nuclear e, ainda, em relação ao combate à homofobia.
No primeiro texto publicado, Recorte 4, há um apoio às propostas em defesa do
casamento civil igualitário, ao passo que na segunda versão uma das mudanças foi justamente
a retirada do lexema igualitário. Isso nos leva a questionar o significado desse conceito e o que
ele implica nesse contexto. O lexema igualitário diz respeito à igualdade civil, política e moral
e, ademais, indica algo que tem por objetivo a igualdade de condições entre todos os membros
da sociedade. Isto é, ele implica a garantia de direitos de uma forma abrangente, não só no que
diz respeito à esfera civil, mas também política e moral.
Nessa perspectiva, a proposta em defesa de um casamento civil igualitário implica em
dizermos que Marina é a favor da garantia de direitos não somente em relação aos direitos civis,
mas também morais. Entretanto, a segunda versão garante apenas os direitos oriundos da união
civil, ou seja, houve uma redução no sentido de que não há mais a garantia de direitos de uma
forma abrangente, não se consideram mais os direitos políticos e morais. Ao falarmos sobre a
garantia de direitos morais, isso quer dizer que deve haver respeito nas relações interpessoais
que ocorrem na comunidade e, então, deveria ser garantido que todas as pessoas fossem
respeitadas do mesmo modo. Por outro lado, garantir os direitos oriundos da união civil somente
se refere aos aspectos legais, ao âmbito jurídico.
Após a publicação de seu plano de governo, Marina foi criticada por lideranças
religiosas do país, inclusive por alguns que possuem cargos políticos, como é o caso do
deputado Marcos Feliciano. A candidata, depois de muitos anos frequentando a Igreja Católica,
tornou-se evangélica e passa a frequentar a Igreja Protestante. Isso se deu logo após passar por
uma fase difícil devido a uma doença causada pelo excesso de mercúrio em seu organismo, em
decorrência de sua vida de trabalho, que se iniciou logo cedo. Logo, a questão religiosa, por ser
um aspecto que marca fortemente a vida pessoal de Marina, acaba se refletindo, também, em
sua campanha eleitoral, justamente por permear a comunidade da qual ela faz parte.
A igreja pode ser considerada como uma comunidade, já que possui membros (fiéis),
que convivem em determinado local (a igreja física) e se comunicam por meio da mesma língua.
Nessa comunidade, eles partilham as mesmas crenças e os mesmos costumes. Assim, por ser
parte dela, Marina, enquanto ministra do Meio Ambiente, citou uma passagem bíblica para
embasar sua postura contra os alimentos transgênicos no país. Nesse contexto, ela afirmou:
“com relação aos transgênicos, o livro Levíticos 22,9 expressa claramente que não se deve
profanar a semente da vinha e que cada uma deve ser pura segundo a sua espécie”.
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governo, mas Marina não mais se compromete integralmente com o que é inaceitável por sua
igreja.
Recorte 5:
Jornalista: Bom, candidata, vamos começar uma primeira pergunta: a gente acompanhou desde sexta-
feira, quando foi lançado o programa de governo da sua candidatura, a senhora inclusive está com uma
cópia aqui, foi toda a, aconteceu toda essa questão em relação à, às propostas do programa de governo
para a comunidade LGBT. A senhora já explicou que houve um erro de editoração, que foram
incluídas as propostas que estavam sendo discutidas, e não as que foram consensuais. Isso despertou
uma série de reações, o escritor Milton Hatoum chegou a dizer que a errata foi uma falha moral, ele
desistiu de apoiar a sua candidatura, houve baixas no núcleo da sua campanha... a pergunta que a gente
faz, candidata, a senhora explicou que houve esse erro, faltou uma leitura da senhora própria ter lido
o programa de governo? A senhor não teve acesso ao programa de governo antes de anunciá-lo
publicamente?
Marina Silva: Uma coisa importante pra se levar em conta é o fato de que o nosso programa de
governo foi feito com a participação de mais de seis mil pessoas, numa plataforma aberta na internet.
Fizemos vários seminários temáticos e vários seminários regionais. Uma equipe, coordenada pelo
Maurício e pela Neca, se encarregaram de todo o processo de sistematização dessas ricas contribuições
que foram apresentadas, e a própria coordenação admitiu que houve uma falha no processo e que duas
questões foram colocadas no programa inadequadamente. Uma delas na parte de Ciência e Tecnologia,
aonde tinha uma frase dizendo que aumentaria a energia nuclear na nossa matriz energética e a outra
foi a contribuição que foi enviada pelo movimento LGBT para o programa, que foi editado na mesma
forma, ipsis litteris, como foi encaminhada a contribuição. Eh... eu e o Eduardo revisamos o programa,
página a página, e o que foi para editoração, fruto do consenso, do debate, da mediação das diferentes
propostas para todos os setores, nesses dois aspectos não refletiu aquilo que nós havíamos consensado
(sic), de sorte que toda a equipe de coordenação do programa é que se encarregou de fazer a separata.
O programa foi lido, foi revisado, e como eles mesmos disseram, houve um erro de processo. O próprio
movimento LGBT encaminhou uma carta, e que vocês têm conhecimento, dizendo exatamente a
mesma coisa que a equipe falou e que eu estou dizendo agora.
governo desenvolvido e divulgado por eles e, por isso, houve a necessidade de se publicarem
erratas.
Esse questionamento pode desqualificar a imagem de Marina, afinal, esse é um dos
cargos mais importantes do país e, para assumi-lo, espera-se que o candidato tenha
responsabilidade e disponibilidade para ao menos ler suas próprias propostas ou planejá-las. Ao
formular essa pergunta, o jornalista foge a uma das regras interacionais a qual o diálogo está
submetido, já que o questionamento não apresenta um tom harmonioso, cooperativo, muito
menos solidário, no sentido de que instaura um conflito a ser resolvido por ela. Nesse caso, o
diálogo ganha contornos de agressividade, e não mais de cooperação.
Ao responder à solicitação do jornalista, Marina afirmou (Recorte 5) que a mudança se
deu porque “a contribuição que foi enviada pelo movimento LGBT para o programa, foi
editado na mesma forma, ipsis literis (sic!), como foi encaminhada a contribuição”. Assim,
apesar de considerar as pautas importantes, como a própria ex-candidata afirmou, houve um
debate para se decidir quais deveriam entrar no plano de governo, de modo que o erro se deu
em razão de o documento ter sido publicado na íntegra, não correspondendo ao que foi acordado
em inúmeros debates. Ela utiliza contribuição para aludir às propostas enviadas pelo
movimento LGBT, escolha lexical que parece amenizar a carga imposta pelo lexema erro,
utilizado pelo jornalista para falar sobre as alterações. Dessa maneira, Marina busca, por meio
da qualificação das propostas LGBT, atenuar a má impressão que se deu em decorrência das
alterações em seu plano.
Ao afirmar, no Recorte 5, que “houve um erro de processo”, Marina, nesse caso, afasta
de si a responsabilidade pelo erro de publicação, em uma tentativa de retomar a confiança do
público, já que o erro se deu no âmbito da publicação, e não da elaboração do plano em si. Há,
durante a entrevista, uma tentativa em se adquirir a confiança do público, tanto da parte do
entrevistador quanto da entrevistada, de modo que as temáticas selecionadas por ele sempre
buscam questioná-la em relação a um ponto polêmico, no sentido de conseguir dela a verdade.
Essa é a função do entrevistador – desvendar e trazer a público as opiniões do entrevistado –,
enquanto Marina busca esclarecer todos esses pontos de forma convincente, para conquistar o
público. Desse modo, ao responder sobre suas alterações no plano de governo, ela busca
expressar-se como acha que o ouvinte a entenderá, configurando uma das regras interacionais,
a adaptação mútua. Isso ocorre durante toda a entrevista, já que a candidata precisa provar o
tempo todo o que diz em relação às alterações.
Durante a entrevista, Marina se encontra sentada em um semicírculo junto aos demais
jornalistas, de modo que, ao falar, ela pode direcionar seu olhar tanto para eles quanto para o
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público, o que corresponde à regra interacional que diz respeito à distância entre falante e
ouvinte. Essa distância varia de cultura para cultura. A disposição dos jornalistas e de Marina
tem caráter proxêmico, pois mantém-se uma distância social entre ambos e entre eles e o público
a distância pública. Esses elementos fazem parte da comunicação não verbal.
Ao discorrer sobre o fluxo interlocucional, Couto (2016) afirma que é impossível prever
a direção que o diálogo tomará, visto que ele está submetido a regras socialmente sancionadas,
sem excluir a possibilidade de negociação de significados durante o próprio diálogo. Assim,
durante a interação, Marina adapta o que diz e negocia os significados no intuito de atender às
demandas do público. É nesse processo de interação que o discurso vai se construindo.
Ao responder à solicitação do jornalista, ela está em interação tanto com os jornalistas
e os públicos, como com a comunidade da qual faz parte – a igreja –, mas também a comunidade
política constituída por seu partido e pela disputa eleitoral. Ou seja, o cenário no qual Marina
se encontra é permeado por todas essas comunidades. Assim, há aspectos exteriores, como os
cenários religioso e político, que intervêm na formação de seus discursos, os quais se dão em
decorrência de suas interações não só com os eleitores, mas também com os outros membros
de sua comunidade, da comunidade LGBT, entre outros.
Recorte 6:
Jornalista: Boa tarde, candidata. Agora, o que fazer e como garantir que falhas assim não venham a
ocorrem em um eventual governo seu. Eh... o anúncio de uma medida que possa vir, que a senhora
venha a voltar atrás, ou formalmente, ou atribuindo a um erro, no Palácio do Planalto?
Marina Silva: Olhe, tem muitas questões que as pessoas às vezes fazem uma certa mitificação. Eh,
a comparação talvez não seja a mesma para o nível de responsabilidade, mas vocês são jornalistas,
editores de jornais, todos os dias vocês rigorosamente avaliam e reavaliam o trabalho de vocês, e de
vez em quando aparece alguma coisa que tá sendo corrigido. Isso é um pequeno exemplo. E nesse
caso, com certeza não é a primeira vez que um programa de governo apresenta um erro de processo.
E não exatamente do mérito e das questões como elas foram trabalhadas e consensadas (sic). Eh...
lembra que, em 2010, a Presidente Dilma rubricou folha por folha e depois recolheu o programa
inteiro, porque havia ali a questão do imposto sobre as grandes fortunas, havia ali também incentivos
ocupações de terra, e me parece que alguma coisa referente ao aborto e ela disse que não sabia que o
que ela tinha assinado folha por folha era um outro documento, que não necessariamente o dela. Eu
acho que, em relação a algum erro que se possa cometer, o mais importante é que se tenha a disposição
para corrigir o erro. Eu não tenho compromisso com as coisas erradas, eu tenho compromisso com as
coisas certas. E é em nome das coisas certas que a nossa equipe de coordenação fez a reparação,
nada que possa comprometer o nosso compromisso com a defesa dos direitos que o movimento LGBT
apresenta como uma demanda legítima e justa do combate a qualquer forma de discriminação e de
assegurar os seus direitos como cidadãos, que os têm perante as leis brasileiras, sem qualquer forma
de discriminação.
No Recorte 6, o jornalista questiona Marina sobre como os eleitores podem ter certeza
de que ela não voltará atrás em suas propostas. No entanto, nesse momento, o jornalista
denomina como falha a publicação da primeira versão do plano de governo, e não mais erro,
99
como no recorte anterior. Essa escolha lexical reflete que houve uma falta de perfeição, um
defeito, o que soa muito mais forte do que o uso do lexema erro. Nesse contexto, usar falha se
apresenta como algo muito mais abrangente do que o erro, e isso pode ser confirmado pela fala
do jornalista, o qual questiona a possibilidade de haver uma falha durante um possível governo
da ex-candidata e esta ser atribuída a um “erro de processo”. Isso implica em compreendermos
que esse jogo de palavras feito por ele pode fazer com que os eleitores duvidem da capacidade
dela frente ao governo do país, já que pode continuar a cometer falhas.
Esse questionamento mais uma vez direciona a entrevista para o polo da polêmica, já
que, a partir dessa pergunta, o público (que poderia vir a ser os eleitores de Marina) pode perder
a confiança na seriedade da campanha da ex-candidata. É preciso questionar, nesse caso, alguns
pontos. A entrevista com candidatos a cargos públicos é realizada para que os possíveis eleitores
tenham conhecimento das propostas e de como se pretende realizá-las, enfim, para conhecer o
que pretende determinado candidato. Ao optar por questões polêmicas que marcaram a
campanha de Marina, o entrevistador confere à entrevista características de um embate, no qual
ela precisa se defender o tempo todo. Contudo, tampouco podemos desconsiderar que, frente
às questões ligadas diretamente à sociedade, como é o caso das alterações sobre a causa LGBT,
a população também espera esclarecimentos.
Ao atender à solicitação do jornalista em relação aos erros cometidos (Recorte 6),
Marina responde sobre a disposição em corrigi-los, afirmando não ter compromisso com o
errado. Ela diz que “o movimento LGBT apresenta como uma demanda legítima o combate a
qualquer forma de discriminação e de assegurar os seus direitos como cidadãos”. Ao se
posicionar a favor da luta pelos direitos iguais de toda a população, a candidata assumiria uma
postura de defesa do que é diferente, que implica diversidade, um dos princípios mais
importantes da visão ecológica de mundo, no caso, o respeito às diferenças em todos os níveis
e setores do mundo e da vida.
Sem embargo, mesmo com essa afirmação da candidata, o fato de afirmar que não tem
“compromisso com as coisas erradas” soa estranho, principalmente porque as alterações, no
que diz respeito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, fizeram com que alguns direitos
não fossem mais garantidos, uma vez que há diferenças em termos de direitos entre o casamento
civil igualitário e a união civil. Assim, essa fala da ex-candidata nos leva a concluir que é errado
garantir os mesmo direitos concedidos a casais heterossexuais e a casais homoafetivos.
Na política, é comum vermos os políticos buscando agradar seus eleitores em época de
campanha e, para isso, eles tentam atender às diversas vontades dos eleitores, o que pode
denotar uma não firmeza de seus discursos. No entanto, com a ex-candidata Marina ficou mais
100
nítida essa volubilidade, talvez pela sucessão de eventos que fez com que seus eleitores a
enxergassem como uma fundamentalista religiosa. Isso se deve ao fato de que, em menos de 24
horas após a divulgação do plano de governo, ela sofreu a seguinte crítica: “o programa de
governo do partido de Marina é pior que o PT e o PSDB, no que tange aos direitos dos gays”
(Tweet do pastor Silas Malafaia). Em outra publicação, o pastor postou “aguardo até segunda
uma posição de Marina. Se isso não acontecer, na terça será a mais dura fala que já dei até hj
(sic!) sobre um presidenciável” (Tweet do pastor Silas Malafaia). Horas após essas críticas, o
programa de Marina foi alterado, o que gerou toda a polêmica apresentada até agora.
Levando em consideração a vertente histórica de Marina, que nos mostra a importância
da religião em sua vida, compreendemos que seu discurso está submetido às regras desse grupo
e, dessa maneira, ele se produz em relação ao campo político, mas também em relação ao campo
da religião da qual ela faz parte. Assim, isso fica perceptível em relação às causas LGBT, pois
Marina se vê, enquanto candidata à presidência, obrigada a garantir os direitos de quem quer
que seja, mas, como evangélica, se vê obrigada, também, a seguir as regras de sua igreja e por
isso suas propostas devem ser, primeiramente, sancionadas por essa instituição. É importante
ressaltar que, nesta pesquisa, não buscamos criticar ou fazer apologia à Marina Silva, e sim
apresentar uma análise objetiva acerca dos dados contidos no corpus.
Marina, ao falar sobre a luta assumida pelo movimento LGBT, qualifica-a como
legítima e justa, mesmo depois de ter aprovado as alterações em seu plano de governo, logo,
qual o sentido de atribuir tais adjetivos a essa luta? Compreendemos que Marina busca reforçar
seu apoio ao movimento LGBT pela utilização desses dois adjetivos, no que diz respeito à
garantia dos direitos civis, mesmo que em seu plano de governo não se apoie o casamento
igualitário, o qual garantiria direitos mais abrangentes, e não somente civis. Mesmo assim,
Marina entende que é importante ressaltar seu apoio, ainda que restrito, às conquistas referentes
à união civil.
Ao utilizar esses dois adjetivos, Marina nos passa a ideia de que para ela essa causa é
de fato justa no que diz respeito ao aspecto civil, de garantia de direitos dos cidadãos, mesmo
não entrando no quesito religião, até mesmo por entender que o Estado deve ser laico. Essa
garantia de direitos é importante para a sociedade civil como um todo, já que assegura a
igualdade entre aqueles que são diferentes. É importante refletirmos sobre esses aspectos, nesta
pesquisa, já que almejamos também compreender a prática política de acordo com os princípios
da ADE, principalmente no que diz respeito à diversidade. Se buscamos construir uma
concepção de política que abarque a comunidade como um todo, essas são questões que não
podem passar despercebidas. Assim, a concepção de política para a ADE deve propor ações
101
que garantam os direitos não somente civis, mas também morais a qualquer pessoa que seja,
independente de raça, religião ou gênero. Isto é, essa concepção prioriza a diversidade em todas
as instâncias da sociedade.
Ao proporcionar ao indivíduo a busca pela garantia de seus direitos, permite-se que ele
se sinta igual aos demais seres humanos em seus direitos, amenizando um dos grandes
problemas enfrentados nos dias atuais: a discriminação ao que é diferente. Essa discriminação
acarreta em sofrimento para o ser humano, principalmente em sofrimento social, no qual o ser
humano se sente inferiorizado em relação aos demais.
A autorrealização do ser é um dos princípios fundamentais para se buscar a harmonia
entre todos os seres do ecossistema. Desse modo, a concepção de política da perspectiva da
ADE deve ser um exercício que garanta aos indivíduos a busca por sua autorrealização, deve
ser um exercício que atenda às demandas da sociedade, garantindo o acesso aos direitos dos
cidadãos. Dessa maneira, essa política deve ser aquela que permita ao indivíduo uma vida em
igualdade com os demais seres da comunidade, mesmo que eles não possuam as mesmas
convicções. A comunidade, para a ADE, é o conjunto de pessoas que convivem em determinado
local (meio ambiente), então, sua proposta é a de que, mesmo não partilhando as mesmas
convicções, essas pessoas devem interagir entre si de modo harmonioso, respeitando a liberdade
individual de cada um. Desse modo, por estar em constante interação, todas as ações realizadas
nessa comunidade afetarão, de alguma maneira, todos os seus membros.
A política para a ADE deve propor práticas e posturas que levem a alcançar esse modelo
de comunidade, começando pela defesa do movimento LGBT, que é um dos passos para que
esse objetivo seja alcançado, já que um dos graves problemas atuais é a homofobia.
Recorte 7:
Jornalista: Candidata...
Jornalista: A falha então, candidata, foi dos coordenadores, é isso? E a saída do coordenador do seu
programa, que fazia essa, essa responsável pelo, por essa parte, né, o Luciano Freitas, eh, foi, foi
aceita pela senhora sem, sem questionamento?
Marina Silva: Luciano... (Marina parece perdida...)
Alguém: Luciano é um dirigente do PSB que, que atua nessa área.
Marina Silva: Ah sim... É, porque eu não conheço a militância do PSB como eu conheço a militância
da Rede, mas o que o Maurício, que é do PSB, está dizendo é que já havia uma decisão de que, enfim,
estava sendo substituído por um outro coordenador. Eh... o movimento LGBT apresenta as suas
propostas legitimamente e acredito que as apresenta para todas as candidaturas, e eu até gostaria que
vocês fizessem um cotejamento entre as propostas da nossa aliança, Unidos pelo Brasil, e o que está
no programa da Presidente Dilma, o que está no programa da Luciana Genro, o que está no programa
do Aécio Neves. Nós até fizemos, ou alguém fez uma tabelinha que eu vi, que vale a pena vocês
darem uma olhada em como os direitos da comunidade LGBT está assegurado no verde, no azul e no
vermelho, que representa todos os programas. Para cada um dos temas tem um ‘x’ e vocês vão
102
verificar que aonde as questões levantadas pelo movimento está melhor contemplado, do ponto de
visita dos seus direitos, é exatamente no nosso programa.
Recorte 9:
Jornalista: A Presidente avançou ontem numa promessa de descriminalização da homofobia, algo
que constava na versão inicial do seu programa e depois foi tirada. Como é que fica a senhora em
relação a esse projeto que tá em tramitação no Congresso?
Marina Silva: A nossa decisão de não colocar o projeto tal como havia sido encaminhado pelo
movimento é em função de que o projeto que está em tramitação, quando você diz apenas o número
do projeto, você tem que tomar um certo cuidado, porque o projeto ele passa por várias fases. O
projeto que originariamente foi para o debate, o projeto que está sendo relatado, o projeto que está
tramitando em alguma comissão, então você tem que se comprometer com o princípio, e o princípio
do combate à discriminação é à criminalização de qualquer forma de preconceito, seja para as
pessoas negras, seja para pessoas índias, seja para pessoas que tenham, eh, qualquer que seja a
orientação sexual, nós temos que estar de acordo com o princípio. A complexidade desse projeto é
que você tem o que é preconceito e o que é discriminação, que não pode ser aceito de forma alguma.
Mas você tem que ter um cuidado em relação ao que é convicção e o que é opinião, porque senão
você incorre no risco de não separar adequadamente as questões. Por isso que nós concordamos com
o princípio, mas a forma legal a ser construída no processo de tramitação, e obviamente que nenhum
dirigente político, nenhuma pessoa comprometida com a defesa dos direitos humanos ou, eh, enfim,
um governante, ele possa concordar com qualquer forma de preconceito, de discriminação, a quem
quer que seja.
A homofobia tem levado à morte muitas pessoas e isso configura o sofrimento natural.
Além disso, ela também gera sofrimento social e, em decorrência deste, o sofrimento mental.
O sofrimento social surge, nesse caso, porque muitos homossexuais sofrem humilhações
públicas, são inferiorizados pelo gênero com o qual se identificaram, e, por isso, muitos, por
sofrerem com tais práticas, se afastam do convívio em sociedade e, até mesmo da família,
isolando-se do mundo, o que pode acarretar problemas psicológicos. Assim, pensando em nossa
pesquisa como um todo, compreendemos que, por partirmos, na nossa análise, da perspectiva
da ADE, a qual é uma teoria que busca fazer prescrições, entendemos que não podemos nos
estagnar diante dos resultados que encontramos e devemos, ademais, propor ações que
amenizem o sofrimento quando este for evitável. Portanto, essa proposta de criminalização da
homofobia seria um meio de amenizar o sofrimento pelo qual muitas pessoas passam e a política
para a ADE seria a favor desta lei.
Recorte 11:
Jornalista: Candidata, o seu governo distribuiria kits nas escolas de combate à homofobia?
Marina Silva: O processo de educação para que a gente acabe com qualquer forma de discriminação,
a escola tem um papel importante, tanto em relação aos negros, tanto quanto em relação às pessoas
que têm uma orientação sexual, eh, enfim, como é o caso da comunidade LGBT, como é o caso da
população indígena, qualquer que seja a pessoa, a escola tem uma função importante em trabalhar
com o respeito à diversidade. Nós vivemos aí uma realidade em que o respeito ao outro, o princípio
106
da alteridade deve ser exercitado, e isso começa na fase em que a criança está formando a sua
subjetividade. Essa subjetividade é importante do ponto de vista dos agentes parentais, que formam
essa subjetividade respeitosa, acolhedora da diferença, mas também na escola, porque é nesse
momento em que a criança começa a conviver com a diferença, inclusive a ideia e o feito da educação
inclusiva é exatamente para que a gente possa tirar as pessoas, cada uma do seu universo particular,
e fazer com que elas possam ter uma relação em que haja uma complementariedade entre as diferentes
formas de ser e de estar no mundo.
Houve, por parte dos jornalistas, uma preferência em relação às alterações sofridas no
plano de governo, o que nos motivou a estabelecer como um de nossos objetivos a investigação
acerca de alguns temas no plano de governo de Marina Silva, no sentido de investigar se havia
concordância entre o proposto no plano e a fala dela durante as entrevistas. Assim, no Recorte
11, a ex-candidata é questionada sobre a possibilidade de distribuir kits de combate à homofobia
nas escolas, se isso seria viável no caso de sua eleição, já que, de início, ela havia proposto o
desenvolvimento de material que incentivasse o respeito à diferença. É importante ressaltar que,
em seu plano de governo, o material não recebe o nome “kit de combate à homofobia”. Portanto,
percebemos que há, por parte do entrevistador, uma insistência em conseguir de Marina suas
opiniões acerca desse tema.
Atribuir à escola essa função de respeito ao que é diferente é um ponto importante, pois
a diversidade deve sim ser respeitada e, também, valorizada. No entanto, ao se referir às pessoas
que têm uma orientação sexual diferente, a candidata hesita e usa a expressão “eh, enfim”,
constante em sua fala durante as perguntas com a temática LGBT, justamente pelo
posicionamento do entrevistador em transformar a entrevista em um embate, no qual Marina
precisa sempre estar se defendendo.
Essa hesitação pode demonstrar um momento de organização do turno de fala, em que
ela busca formular o que tem a dizer e, ainda, uma dificuldade em falar acerca do tema, bem
como uma resistência em dissertar de maneira mais clara sobre essas questões que envolvem a
comunidade LGBT, o que pode ser fruto, inclusive, do cenário da Igreja Evangélica à qual ela
pertence. A interação, na perspectiva ecossistêmica, pressupõe muito mais do que apenas a
linguagem verbal, produzida no momento da interação, e o acervo da língua utilizada, mas
incluem todas as regras de conduta culturais e as regras da Igreja Evangélica não apreciam as
normas do movimento LGBT.
Pensando sobre uma educação pela diversidade, como observamos no Recorte 11,
buscamos compreender a importância da diversidade não só nos ecossistemas biológicos, mas
também em nossa sociedade. Um dos princípios da ADE é o respeito à diversidade, responsável
por tornar nosso ecossistema mais forte, pois quanto mais variedades de espécies houver em
107
seu interior, mais sólido ele será. De acordo com Couto (2016), a diversidade biológica
corresponde ao grau de variação da vida, isto é, diz respeito ao número e às variedades de
espécies existentes em um ecossistema. A importância da diversidade se estende também à
cultura, incluindo-se aí a diversidade linguística, já que quanto mais línguas, maior a riqueza
cultural de um país. A diversidade cultural diz respeito aos vários aspectos das diferentes
culturas, linguagem, tradições, religião, costumes, entre outras características.
Couto (2012) afirma que, para a ecologia profunda, o princípio da diversidade se estende
ao domínio do social, no sentido de que as diferenças existentes na sociedade devem ser
respeitadas, garantindo-se a autorrealização de todos os seres. Assim, no meio ambiente social,
a diversidade pode ser enxergada como as diferenças presentes na sociedade, diferenças étnicas,
culturais, religiosas, entre outras.
Compreendemos que uma educação que valorize a diversidade parte de uma visão
ecossistêmica, uma vez que entende ser o todo constituído pelas inter-relações de todas as
partes. Dessa maneira, determinada ação tomada se refletirá no todo. Portanto, uma proposta
de educação pensada dessa forma atenderia ao princípio ecológico de harmonia e equilíbrio,
pois conhecer o diferente e aprender a valorizar é um dos meios para se evitar o conflito sempre
que possível, sendo este um dos preceitos da ADE. Quando Marina afirma, ainda no Recorte
11, que “qualquer que seja a pessoa, a escola tem uma função importante em trabalhar com o
respeito à diversidade”, ela mostra uma postura que prima pelo respeito, ,mas não apresenta
uma proposta que de fato o garanta.
Recorte 12:
Jornalista: Candidata, boa-tarde. Eh... a senhora sempre deixou claro que queria fundar o seu próprio
partido, a Rede. Eu queria saber se a senhora, agora do PSB, se a senhora for eleita, se a senhora vai
manter o projeto de criar a Rede ou se a senhora pretende ficar no PSB?
Marina Silva: Quando eu estava fazendo a Rede Sustentabilidade, infelizmente foi um projeto
interditado, naquela oportunidade eu fui acolhida pelo Eduardo Campos e pelo PSB, e a sugestão de
fazer uma filiação administrativa temporária foi do próprio Eduardo Campos, eh, rememorando que
na época da ditadura os partidos que não eram legalizados faziam, usavam desse expediente,
principalmente dentro do antigo MDB, e ele disse: “A senhora pode fazer o mesmo em relação ao
nosso partido”. E nesse momento, em que o PSDB (sic) perdeu a sua mais importante liderança, que
era o polo estabilizador do partido, eu tenho uma solidariedade profunda com o PSB para que eles
possam encontrar o seu novo caminho, o seu novo polo estabilizador. Eduardo era uma liderança
forte, obviamente que o que ele fazia, praticamente sozinho, terá que fazer, que ser feito agora, por
várias lideranças, tem várias lideranças se colocando agora nesse campo e, se eleita Presidente da
República, eu serei a presidente da República das forças políticas que me elegeram e, principalmente,
da sociedade brasileira. Por isso eu estou dizendo que terei apenas um mandato, um mandato para
poder fazer as reformas, as mudanças que o Brasil precisa na política econômica, na educação, na
saúde, na segurança pública, na infraestrutura. Meu compromisso é que o Brasil possa fazer jus às
108
grandes vantagens comparativas que ele tem, que não estão sendo tratadas adequadamente. É só a
gente verificar, Marcelo, o que está acontecendo no nosso país, nós a duras penas conseguimos a
nossa estabilidade econômica. Agora nós estamos numa situação de juros altos, crescimento
baixo e risco de inflação. Então meu compromisso é de estar junto com o PSB, com a Rede, com os
demais partidos, a sociedade brasileira, os homens e mulheres de bem de todos os partidos que
queiram fazer com que o Brasil preserve as conquistas, corrija os erros e encare os novos desafios.
Na época dessa campanha, o partido criado por Marina ainda não havia conseguido seu
registro e, por esse motivo, a ex-candidata filiou-se ao PSB, pois assim teria a oportunidade de
participar das eleições de 2014. Desse modo, o questionamento se dá no sentido de compreender
como ficaria a situação de Marina, caso eleita à presidência, em relação ao partido: se
continuaria com o PSB ou se retornaria ao objetivo de criar o Rede Sustentabilidade. Nesse
sentido, a ex-candidata diz que o seu compromisso é estar não só com o PSB, mas também com
pessoas de bem dos demais partidos, conforme Recorte 12. Esse foi um dos tópicos mais usados
por ela durante a eleição de 2014, tendo sempre afirmado que trabalharia com as melhores
pessoas de todos os partidos. Em termos de política, pensar em um trabalho que possibilite de
fato essa união entre todos os partidos poderia ser encarado como algo utópico se considerarmos
a polarização existente em nossa política, já que há muitos anos presenciamos o PT e o PSDB
à frente dela.
Essa é uma ideia de como se dará o governo, já que não há uma proposta de fato, mas a
ideia é positiva no sentido de que permitiria um equilíbrio em nossa política, no que diz respeito
às ideologias partidárias e, além disso, permitiria também a união entre o diferente. Essa união
pressupõe a não existência de conflito e, nesse aspecto, entendemos que o modo como Marina
pensa o exercício político busca dialogar, entrar em harmonia com os diferentes
posicionamentos. De acordo com Sampaio (2008), o fazer político está ligado a como se dará
o mandato do candidato, quais compromissos assumirá, quais atitudes tomará, como exercerá
o seu papel de político durante seu mandato. Essa vontade de Marina em buscar o que há de
melhor em cada partido poderia acabar com polarização existente na política, permitindo a
contribuição de vários posicionamentos filiados a outras ideologias que não as do PT e PSDB.
No entanto, ela não especifica quem são esses melhores e como se daria essa escolha. Por isso
questionamos o que é o melhor para Marina. Melhor em relação a quê?
Recorte 13:
Jornalista: Candidata, a senhora já foi do PT, a senhora já foi do PV para ser candidata à
Presidência da República, a senhora está no PSB e a senhora está dizendo que vai continuar com o
projeto da Rede. Como convencer o eleitor de que não se trata aí de um projeto pessoal? E mais, como
a senhora pretende fazer ao criar a Rede no Congresso Nacional? A senhora pretende estimular a
infidelidade partidária no Congresso?
109
Marina Silva: Em primeiro lugar – ah, o pessoal disse pra mim não falar em primeiro lugar, não vou
falar em primeiro lugar (risos).
Jornalista: Depois você explica porque isso, por gentileza.
Marina Silva: Não, é que é um cacoete de professor, né?
Marina Silva: Você vai fazer, em primeiro lugar, enfim... mas, eh..., você elencou, eu acho que as
pessoas tem uma certa dificuldade de entender o que tá acontecendo com a política no Brasil e no
mundo. Eu fiquei 30 anos dentro do Partido dos Trabalhadores. Não é um tempo pequeno. E a minha
saída do PT foi em função do PT não ter tido a percepção de atualizar as suas bandeiras, de transitar
para além da questão social, da defesa da democracia, enfim, as bandeiras históricas do PT para uma
nova visão de desenvolvimento para assumir a questão da sustentabilidade como sendo o eixo
estratégico da grande utopia desse século, que tá sendo perseguida no mundo inteiro por todos os
países.O PT, e a maioria dos partidos tradicionais da esquerda brasileira, tem dificuldade em ter essa
compreensão. Eu fui para o PV não pra ser a sua candidata, eu fui para o PV para que fizéssemos uma
atualização do programa, colocando a sustentabilidade, não apenas o programa do verde como era
dos verdes tradicionais da Europa, e pra fazer uma reforma no Partido, que seria justamente
democratizar o partido, tornar o partido mais aberto, um partido em rede. Nós conseguimos atualizar
o programa, o programa de 2010 foi essa atualização, o convite para a candidatura foi aceito, mas não
era o essencial pra me filiar, e depois que terminamos com 20 milhões de votos o PV não aceitou
fazer a sua democratização. É um partido que tem certa de 30 anos e não tem um diretório eleito,
todos são nomeados. Seria incoerente falar de democracia em um partido que não elege seus próprios
dirigentes. Por isso que eu saí e fui para o Movimento Rede Sustentabilidade. E um projeto puramente
de poder, ou eleitoral, teria sido se eu tivesse ido para um partido, como todos esperavam, para ser a
candidata. Eu fui apoiar o Eduardo Campos. Agora, ninguém pode me acusar de que uma fatalidade
tirou o nosso candidato, eu era a sua vice, e que o partido entendeu que eu deveria dar continuidade
ao seu legado. Isso é uma fatalidade. A sociedade brasileira entende tanto isso que tem uma
solidariedade muito grande com o meu esforço de honrar o legado que o Eduardo suscitou. E a
solidariedade é tamanha que está me ajudando, porque é algo tão maior do que eu que não pode ser
carregado apenas por uma pessoa. Por isso que eu sinto que há um movimento na sociedade brasileira,
porque Eduardo dizia que iríamos renovar a política, dizíamos que a renovação viria pelas mãos da
sociedade e a sociedade assumiu isso como um desafio de não desistir do Brasil..
Ao longo da entrevista, Marina Silva é questionada sobre sua filiação a outros partidos,
Recorte 13, mas, antes de responder, ela descontrai um pouco o ambiente ao brincar sobre sua
fala: segundo a ex-candidata, não se pode dizer “em primeiro lugar”, numa tentativa de mudar
o clima da entrevista, passando do embate para o debate, e, logo, procurando tirar o “peso” da
entrevista.
Passando ao questionamento, para compreendê-lo é preciso retomar a vertente histórica
de sua vida para termos uma visão geral acerca de sua vida política. Ela esteve, durante 30 anos,
no PT, depois filiou-se ao PV, pelo qual lançou-se candidata à presidência em 2010. Entre os
anos de 2010 e 2013, iniciou o processo de criação do partido Rede Sustentabilidade, porém,
não conseguiu a quantidade de assinaturas necessárias para sua regularização e,
consequentemente, o partido não lançaria candidatos à presidência em 2014. Assim, filiou-se
ao PSB para concorrer como vice de Eduardo Campos, que faleceu em decorrência de um
acidente, o que acarretou na escolha de Marina para substituí-lo nas eleições.
110
A ex-candidata expõe os motivos pelos quais saiu do PT. Num primeiro momento, ela
se mostra insegura, já que hesita várias vezes durante a resposta, como mostra o uso das
expressões enfim..., mas, eh..., bem como as pausas durante as suas respostas. Para Marina, era
preciso expandir, mas sem desconsiderar sua luta social, ir além, lutar também pelo
desenvolvimento sustentável e, por isso, foi para o Partido Verde. Assim, percebe-se que a
defesa do meio ambiente é ainda forte nela, a ponto de motivar sua saída do PT, partido que
ajudou a criar e ao qual foi filiada por 30 anos. Marina sempre lutou em defesa do meio
ambiente, compreendendo-o como o conjunto de recursos naturais, com sua fauna e flora.
Sobre a infidelidade partidária, de fato, não há regras estipuladas, na política, que digam
respeito à permanência de um político em determinado partido, exceto nos casos em que o
candidato tenha sido eleito por ele e, assim, a justiça eleitoral entende que o cargo é do partido.
Fora disso, não há lei que obrigue o candidato a permanecer onde não queira. No entanto, no
meio político soa estranho que um candidato mude várias vezes, de modo que o fato de o próprio
jornalista questionar se isso não seria um estímulo à infidelidade partidária nos permite
compreender que há uma ideia acerca da fidelidade partidária, ainda que apenas no plano de
ideias dos políticos. Uma só existe em relação à outra. Desse modo, entendemos que a pausa
na resposta, a hesitação e a organização do turno de fala demonstram que Marina não se sente
à vontade para expressar-se em relação a mais um tema polêmico.
Quando a ex-candidata diz “e a minha saída do PT foi em função do PT não ter tido a
percepção de atualizar as suas bandeiras, de transitar para além da questão social [...] para uma
nova visão de desenvolvimento para assumir a questão da sustentabilidade”, demonstra
entender que, para além de pensar em questões sociais, há de se pensar também em um
desenvolvimento que seja sustentável, logo, assume uma postura holística. O holismo, de
acordo com Couto (2016), diz respeito à forma como percebemos nossa realidade, trata-se do
pensamento sistêmico, segundo o qual o universo é explicado como um grande sistema, uma
rede dinâmica de eventos inter-relacionados. Desse modo, a percepção de determinada
realidade só faz sentido se observamos também o seu contexto e a sustentabilidade nos permite
olhar para o aqui e agora e também para o que está distante, no futuro.
A sustentabilidade, para Leonardo Boff (2012), é toda ação destinada a manter as
condições energéticas, informacionais e físico-químicas que sustentam todos os seres,
especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando a sua continuidade
e o entender as necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que o capital natural
seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução.
111
O conceito de sustentabilidade está relacionado à visão de longo prazo que, para Couto
(2016), está intimamente ligada à ideia que os gestores do meio ambiente e os humanos em
geral precisam ter em mente, que é a sustentabilidade, emergida no contexto da Conferência de
Estocolmo sobre o meio ambiente. Essa conferência recomenda que o desenvolvimento, para
satisfazer as necessidades das gerações presentes, não pode jamais comprometer a capacidade
das gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades. Assim, uma proposta de
desenvolvimento sustentável reflete sobre o presente e o futuro, sobre o que temos, como
devemos usar e de que maneira garantir que as próximas gerações também tenham acesso a
isso.
É claro que a ideia de desenvolvimento, mesmo que sustentável, continua significando
a interferência do homem no meio ambiente, mas, como bem afirma um dos princípios da
plataforma da ecologia profunda de Arne Naess, que diz respeito à relação do homem com o
meio ambiente, “Os humanos não têm nenhum direito de reduzir essa riqueza e diversidade,
exceto para satisfazer necessidades humanas vitais”, ou seja, para suprir necessidades como
alimentação, medicação, etc., precisamos recorrer ao meio ambiente. Isso nos difere dos demais
animais, pois eles somente consomem o que é necessário, ao passo que o ser humano exagera.
Dessa forma, é importante que se adquira essa consciência de apenas usufruir o que é necessário
e de modo a não interferir na capacidade das próximas gerações existirem.
Ao pensarmos sobre o modo como o ser humano vem se relacionando com o meio
ambiente, enxergando-o sempre como propriedade, entendemos que isso é um reflexo do
sistema político vigente em quase todo o mundo, o capitalismo, definido como um sistema
político-econômico, cujo foco está na economia e, portanto, qualquer ação tomada terá como
fim o lucro. Tal fato reflete na relação do homem com o meio ambiente, visto que, por sempre
buscar o lucro, o homem retira do meio ambiente muito mais do que é preciso para sua
sobrevivência, em busca de garantir a produção de bens de consumo e atender ao mercado.
A economia é uma ciência que analisa a produção, a distribuição e o consumo de bens
e serviços, ao passo que a política é uma ciência pela qual se governa, organiza, administra uma
nação, um estado. Assim, segundo Couto et al. (2015), a economia e a política são inevitáveis,
porém, a visão econômica e a visão política de mundo não incluem a ecologia, ao passo que a
visão ecológica de mundo inclui tanto a economia quanto a política.
É importante, portanto, que haja uma reflexão acerca da política atual e que busquemos
uma maneira de mudarmos o paradigma que orienta nossa vida em sociedade, pensando em
uma mudança do paradigma político-econômico para o ecológico-político-econômico, o que
talvez seria um passo para tentarmos mudar o modo como o homem se relaciona com o meio
112
ambiente. Dessa maneira, entende-se que, a partir do momento em que olhamos para nossa
sociedade partindo de uma perspectiva ecológica, estaremos conferindo o mesmo grau de
importância para a economia, a saúde, a educação, etc. Essa reflexão já vem sendo proposta por
Marina se pensarmos em sua luta em defesa do meio ambiente, que acompanha a sua vida. A
ex-candidata, inclusive, ao longo de sua campanha, em outras entrevistas, chegou a falar sobre
a sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e política. O problema é sua
ambiguidade, sua falta de firmeza sobre temas polêmicos, como os que vão contra o credo de
sua igreja.
4.1.6 Da economia
Recorte 14:
Jornalista: A senhora tem uma série de promessas na questão macroeconômica, mas seu programa
de governo dá uma autonomia ao Banco Central, além daquela que já há hoje, eh, promete retirar,
enfraquecer o papel dos bancos públicos, né, na feitura da política econômica, e outras coisas assim.
Ou seja, não é abrir mão de governar, de fazer uma política econômica propor questões assim?
Marina Silva: Eu acho que abrir mão de fazer política econômica é criar um ambiente de insegurança
do tamanho que nós temos hoje, a ponto de termos um dos investimentos mais baixos da história do
nosso país. Todos os países que entraram em crise em 2008 já começaram a se recuperar, e o Brasil,
que dizia que era apenas uma marola, agora tá sendo tragado, com risco de ser tragado por uma
tsunami, exatamente porque não fez o dever de casa, não é? A autonomia do Banco Central, a
autonomia de fato, é uma conquista da sociedade brasileira. Infelizmente, houve uma depreciação tão
grande da credibilidade do governo – é só verificar dois trimestres consecutivos de baixo crescimento,
mostrando que já estamos chegando a uma retração. Nós tivemos agora uma pesquisa que foi feita
pela CNT Fox que diz que o Brasil, pela 14ª vez, reduz a sua expectativa de crescimento... Isso sim é
criar um problema para a política econômica. Agora, pra você criar instrumentos para passar
credibilidade, para que o governo tenha de fato como meta controlar a inflação para que o país cresça,
para que se possa ter os recursos necessários pra fazer os investimentos e realizar aquilo que nós nos
propomos, porque nós queremos que o país cresça e se desenvolva é porque a gente gosta de ter bens
e serviços que melhorem a vida das pessoas. Não tem sentido um país como o nosso perder 56 mil
vidas por assassinato, a maioria delas pessoas pobres e negras, jovens das nossas periferias. É pra isso
que precisamos ter um país economicamente próspero, para que seja também socialmente justo.
periferias. É pra isso que precisamos ter um país economicamente próspero, para que seja
também socialmente justo”. No entanto, mesmo em épocas em que a economia já esteve mais
estável, muitas pessoas continuaram sem acesso à educação básica, à saúde de qualidade e à
infraestrutura. Nesse sentido, para além de buscar uma economia próspera, é preciso mudar a
perspectiva pela qual ela é pensada, pois uma economia pensada apenas no sentido de obter
mais recursos e aumentar a produtividade será incapaz de atingir aquela parcela da sociedade
que não tem acesso ao mínimo que lhe é de direito.
Marina fala também sobre o desenvolvimento e o crescimento do país, afirmando que é
preciso criar condições para que a economia volte a crescer: “porque nós queremos que o país
cresça e se desenvolva é porque a gente gosta de ter bens e serviços que melhorem a vida das
pessoas”. Isso implica em dizermos que a política proposta por ela tem como objetivo o
crescimento econômico e o desenvolvimento. Quando fala sobre desenvolvimento, este deve
ser sustentável. O lexema desenvolvimento implica em progresso, evolução e, para a ADE,
mesmo que ele seja sustentável continua significando a interferência do homem no meio
ambiente. Porém, entende-se que a economia é também importante e não se pode simplesmente
eliminá-la de nossa comunidade. Por isso, se devemos ter um desenvolvimento, que este seja ao
menos sustentável.
Sobre a posse de bens e serviços, mencionadas por Marina, notamos que todos nós
precisamos ter qualidade de vida. Isso, inclusive, confere ao ser humano uma melhor relação
consigo mesmo, já que ele se vê capaz de conquistar o que anseia, alcançando sua
autorrealização. Todavia, o problema é quando o consumo se torna excessivo e desenfreado,
tornando-se uma busca infindável por bens cada dia mais modernos. Assim, para a ADE, o
indivíduo deve buscar tais bens, sempre priorizando o respeito ao meio ambiente.
Desse modo, ao pensarmos em uma concepção de política para a ADE, esta deveria
abordar a economia, assim como qualquer outro setor da sociedade, da perspectiva ecológica,
que abarca todas as áreas da sociedade, de modo que o meio ambiente não seria deixado de lado
ou sua preservação apenas fosse pensada com fins lucrativos, como é costume nos dias atuais,
em que houve uma apropriação do discurso ambiental pelo capitalismo. O capitalismo como a
ecologia rasa, busca a defesa do meio ambiente, mas essa defesa se dá em nome da manutenção
dos recursos naturais, garantindo a sua utilização por mais tempo. A ecologia rasa, de acordo
com Arne Naess é um movimento que busca a preservação do meio ambiente apenas por
atribuir-lhe um valor instrumental, ou seja, os recursos naturais nele presentes seriam os
responsáveis por garantir o bem-estar humano, isto é, a função da natureza seria,
exclusivamente, promover recursos para a existência humana.
114
Recorte 15:
Jornalista: A equipe econômica, os economistas Eduardo Gianetti, André de Lara Resende, eles, eh,
funcionam como porta-vozes da sua campanha, junto aos investidores, aos empresários... Eles vão ter
papel no seu governo?
Marina Silva: Eles são colaboradores, pessoas que estão comprometidas em que tenhamos o melhor
programa na área econômica para todos os brasileiros. Quando os empresários ficam felizes de
imaginar que podemos recuperar a credibilidade do Brasil para que ele volte a crescer, isso não é bom
apenas para o setor empresarial, isso é bom para os brasileiros, para manter o emprego, para que se
tenha crescimento, para que se aumente a arrecadação, para que se tenha o espaço fiscal necessário
para fazer e manter as políticas sociais.
A questão econômica se mantém com destaque nesta entrevista. Dessa maneira, a ex-
candidata é questionada sobre a equipe econômica dela, se manteria os economistas porta-vozes
de sua campanha. Marina afirma que são pessoas comprometidas em realizar o melhor
programa nessa área, o que beneficiaria aos empresários e, consequentemente, a todas as outras
camadas da população, no sentido de que, aumentando a arrecadação, se aumenta o espaço
fiscal necessário para manter as políticas sociais. Ela elenca uma série de benefícios decorrentes
de um aumento na credibilidade do Brasil em relação à economia. Para a candidata, uma
economia bem pensada refletirá na sociedade, e não só para os empresários. É importante
salientar que Marina tergiversou, pois não respondeu a pergunta diretamente.
Recorte 16:
Jornalista: Candidata, falando em resposta ao cidadão, eu vou fazer a primeira pergunta do Twitter,
eu vou fazer duas já. O Marcos Melo estava fazendo uma pergunta um pouquinho mais extensa do
que o Marcelo, que não ficou tão clara. Ele queria saber as suas três primeiras decisões específicas
para retomar o crescimento do país, e eu vou emendar com uma outra pergunta, de uma outra
internauta, que é... peraí um pouquinho, deixa eu abrir aqui... ela perguntava, ela tava querendo
saber já de nomes de ministérios, especificamente sobre Meio Ambiente e Economia, quem que vão
ser as duas pessoas responsáveis por essa área. Ela é a Maísa.
Marina Silva: Em relação ao que fazer para o país voltar a crescer, tem uma decisão que não é minha,
ela é, em primeiro lugar, do cidadão: o cidadão que quiser que o país continue com os juros altos e
inflação alta, baixo crescimento, é aquele que vai ficar onde está. O cidadão que quer o movimento
temerário de manter a polarização, que não faz o país avançar, que não busca o diálogo, vai andar um
passo atrás. Agora, o cidadão que quiser recuperar a confiança, a credibilidade, a certeza de que
terá um governo que vai trabalhar com o princípio da recuperação da nossa estabilidade econômica,
mantendo o nosso compromisso com a meta da inflação, mantendo o nosso compromisso de que
teremos autonomia sim do Banco Central, que foi excessivamente desgastada pelos movimentos
erráticos do atual governo, a ponto de necessitar de um sinal forte, que é a institucionalização, o
cidadão que quer ver o país adquirir confiança para voltar a crescer vai nos ajudar mudando essa
realidade política. E o compromisso já é esse que eu lhe falei: recuperar os instrumentos de política
macroeconômica. Nós estamos inclusive nos comprometendo a criar o Conselho de Responsabilidade
Fiscal, para que todas as nossas propostas e compromissos em fazer a educação em tempo integral,
melhorar a qualidade dos serviços públicos, com segurança, com passe livre, mobilidade, possa ser
feito dentro de um espaço fiscal que não comprometa a nossa determinação de que não haverá
irresponsabilidade em relação ao gasto público. A eficiência do gasto público é uma determinação do
nosso governo...
115
Entretanto, qual seria essa realidade política a que Marina se refere? No início de sua
resposta, ela afirma que “o cidadão que quiser que o país continue com os juros altos e inflação
alta, baixo crescimento, é aquele que vai ficar onde está. O cidadão que quer o movimento
temerário de manter a polarização, que não faz o país avançar, que não busca o diálogo, vai
andar um passo atrás”. A primeira afirmação refere-se à ex-candidata Dilma, já que esta, filiada
ao PT, representava a continuação do governo de Lula, configurando o voto daquele que “vai
ficar onde está”. Já a segunda afirmação refere-se a Aécio Neves, filiado ao PSDB, o qual
representaria a manutenção da polarização existente na política, configurando o voto daquele
que quer “manter a polarização, o que não permite o avanço do país”. Nesses termos, Marina
Silva seria considerada, então, como uma terceira via para a resolução dos problemas, já que,
pela comparação que tece em relação à política de Dilma e à de Aécio, ela seria a opção que
prima, que busca pelo diálogo, o que pode ser confirmado quando diz que “o cidadão que quer
o movimento temerário [...] que não busca o diálogo é aquele que vai andar um passo atrás”,
ou seja, há um movimento que não preza pelo diálogo. Entendemos que ela somente faz
referência a esses dois ex-candidatos, pois, junto a ela, formavam os três nomes com mais
intenções de votos na eleição de 2014.
Recorte 17:
Jornalista: E a resposta da Maísa, que perguntou de nomes de Ministérios? A senhora tem como
responder quem vai ser Ministro do Meio Ambiente e Ministro da Fazenda?
Marina Silva: Olha, eu acho muito temerário esse negócio de você andar de salto alto, nomeando
ministros antes de ser eleito. Primeiro você tem que ser nomeado pelo povo Presidente da República.
Depois você nomeia os ministros. Agora, se você sente uma certa insegurança no que você está
fazendo, no que você está dizendo, às vezes precisa fazer esse tipo de movimento, que é pra dizer:
“Olha, eu sei que vocês têm uma certa preocupação comigo, mas o Ministro vai ser fulano, ele é que
tá me garantindo”. Primeiro você tem que ser garantido pelo cidadão, e obviamente que você tem que
ter uma equipe, e que nessa equipe você possa dar segurança pra sociedade que o que foi escolhido
não será uma aventura para o país. Nós fizemos, em relação à economia, por exemplo, um seminário
com economistas respeitadíssimos do mercado, da academia, do serviço público, enfim, dos
diferentes setores. Lamentavelmente, talvez por erro nosso ou por alguma abordagem inadequada dos
meios de comunicação, a manchete que saiu no outro dia foi: “Eduardo Campos se reúne com
militantes do PSB para discutir economia”. Não eram militantes do PSB, eram economistas
renomados, que tem a fotografia e o nome dessas pessoas. Entre essas pessoas temos credibilidade e
respeito para garantir aos brasileiros que a nossa política econômica não será uma aventura. Em
relação ao Ministério do Meio Ambiente, eu serei Presidente da República, pode ficar tranquila, não
serei eu.
(risos) (aplausos)
No Recorte 17, há três trechos que merecem ser pensados: dois dizem respeito à questão
econômica e o outro se refere ao modo de Marina fazer política. Ao ser questionada sobre os
possíveis nomes dos ministérios, caso eleita, ela não cita nomes, mas reflete sobre como deve
117
ocorrer a nomeação. Assim, o primeiro trecho que destacamos se refere ao modo como as
questões relativas à sociedade foram discutidas e pensadas por sua campanha. A ex-candidata
diz que “Nós fizemos, em relação à economia, por exemplo, um seminário com economistas
respeitadíssimos do mercado, da academia, do serviço público, enfim, dos diferentes setores”.
Essa afirmação reflete um trabalho em conjunto, considerando, mais uma vez, os diferentes
setores da sociedade, como a academia, os movimentos sociais, os jornalistas, os próprios civis,
entre outros, o que configura uma valorização da diversidade.
Esse trabalho com a diversidade propicia ao ecossistema um fortalecimento, já que conta
com a participação de diferentes membros, com diferentes ideias, o que é positivo para a
sociedade no sentido de que esta pode se sentir mais bem representada. A política, por muitos
anos, apesar de ser um exercício que deveria abranger a comunidade como um todo, está
direcionada a poucos setores da sociedade, o que faz com que a grande maioria da população
não se sinta representada e, até mesmo, esteja alheia a seus direitos. Então, a concepção de
política, para a ADE, deve valorizar o trabalho com a diversidade, a fim de garantir a
autorrealização de todos os membros da comunidade.
Os dois outros trechos que destacamos, presentes no Recorte 17, dizem respeito ao modo
como a economia vem sendo praticada. Assim, Marina afirma que “primeiro você tem que ser
garantido pelo cidadão, e obviamente que você tem que ter uma equipe, e que nessa equipe
você possa dar segurança pra sociedade que o que foi escolhido não será uma aventura para o
país” e “entre essas pessoas temos credibilidade e respeito para garantir aos brasileiros que a
nossa política econômica não será uma aventura”, trechos em que destacamos o vocábulo
aventura, por ela utilizado para referir-se ao modo como a economia está sendo tratada. Ao
utilizar esse vocábulo, compreendemos que ele somente foi possível porque alguém,
anteriormente, se aventurou na economia do país. Aventurar significa arriscar, se expor ao
perigo, assim, um presidente que se “aventurou” em relação à economia de um país perde
credibilidade frente aos eleitores. Essa referência só pode ser compreendida por quem faz parte
desse cenário no qual ela fala, isto é, quem acompanha os rumos que a política toma no dia a
dia entenderia que essa referência diz respeito à Dilma Rousseff, presidente na ocasião e
candidata à reeleição. Isso implica em dizermos que Marina busca, por meio da comparação,
valorizar a sua proposta em relação à economia.
Essa valorização proposta em torno da economia pode ser confirmada ao afirmar que
esta foi bem pensada. Logo, ela diz: “Não eram militantes do PSB, eram economistas
renomados, que tem a fotografia e o nome dessas pessoas”. Nessa fala de Marina
compreendemos que a economia deve ser pensada por pessoas gabaritadas para isso, o que pode
118
ser confirmado pelo uso do vocábulo renomado, que denota alguém que tem fama, conhecido,
que tem boa reputação. Assim, nesse caso, percebemos uma incoerência por parte da ex-
candidata, já que, para ela, nessa questão não se deve contar mais com as contribuições de
militantes ou outras pessoas, como ela alegou ao longo da entrevista que seria seu governo, mas
de pessoas renomadas para determinada área, com formação profissional. Então, se perde a
visão holística que Marina conferia a seu governo.
Recorte 18
Jornalista: Esses mesmos economistas, eh, dizem publicamente que há muitas semelhanças entre o
seu programa e o programa do PSDB. Você pode explicar qual a diferença entre as suas propostas
econômicas e as do Aécio?
Marina Silva: Nós temos uma determinação desde 2010, e que eu e o Eduardo Campos, eh, também
assim, estávamos fazendo e agora eu e Beto Albuquerque, que é de não ter uma visão de “fulanização”
das conquistas dos brasileiros. Acho que o Brasil precisa avançar para uma institucionalização cidadã
das conquistas dos brasileiros. A estabilidade econômica que foi feita no governo do Presidente
Fernando Henrique, começou no governo do Presidente Itamar, ela deve ser referenciada nesse
governo, mas não pode mais ser considerada como sendo do Aécio, do Fernando Henrique. Agora é
a nossa política econômica. E nós temos a largueza, a grandeza, a altura e a profundidade do que que
significa tratar de forma cidadã as conquistas do povo brasileiro.
Jornalista: Agora...
Marina Silva: Da mesma forma nós iremos nos comportar em relação às políticas sociais. Se a
Presidente Dilma quiser dizer que em relação ao Bolsa Família nós temos muita semelhança e de que
vamos aprofundar, aperfeiçoar o Bolsa Família e partir para aquilo que eu chamo de programas sociais
de terceira geração, ela também poderá dizê-lo. Nós precisamos parar com essa mania de que as
conquistas da sociedade brasileira “fulanizadas”, quem assume o governo pensa que vai inventar a
roda, e fica dizendo que se está fazendo aquilo pela primeira vez nesse país. Se eu ganhar não vou
dizer que os ganhos econômicos, que se Deus quiser haveremos de ter, e a nossa capacidade técnica
é algo que acontece pela primeira vez, porque começou lá atrás, quando se teve a coragem de apostar
em um plano que deu certo e que agora está sendo destruído por políticas erráticas. Da mesma forma
em relação às conquistas sociais que tivemos no governo do presidente Lula.
No Recorte 18, a nova política de Marina Silva é mais uma vez questionada, já que o
jornalista afirma que “esses mesmos economistas, eh, dizem publicamente que há muitas
semelhanças entre o seu programa e o programa do PSDB”. Logo, seria uma nova política, mas
fundada em velhas práticas. Mais uma vez, a entrevista caminha para o embate, inclusive com
uma sobreposição da fala do jornalista por ela, o que já implica na quebra de uma das regras
interacionais, a de troca de turnos de fala, que deve se dar de forma harmoniosa.
Marina precisa se defender mais uma vez. Para isso, ela afirma que “nós temos uma
determinação desde 2010, e que eu e o Eduardo Campos, eh, também assim, estávamos fazendo
e agora eu e Beto Albuquerque, que é de não ter uma visão de ‘fulanização’ das conquistas dos
brasileiros”. Assim, ela não nega que seu programa em relação à economia seja igual ao de
Aécio, mas há várias pausas em sua resposta, demonstrando uma reelaboração da fala. Ao se
119
Recorte 19:
Jornalista: A senhora falou, no primeiro debate, se não me engano, que tanto o Fernando Henrique
quanto o Lula tinham visão estratégica e que isso é que era importante para o país. Eduardo Gianetti,
que é seu aliado, disse que os dois seriam bons aliados de um governo Marina Silva. A senhora
pretende procurá-los? Eles são o que a senhora chama de pessoas de bem nos dois partidos que
tradicionalmente ocupam a polarização da política?
Marina Silva: A quebra da polarização pressupõe uma nova qualidade no processo de alinhamento
político. A ideia que nós defendemos, por isso que eu e Eduardo não quisemos ficar nesse lugar da
oposição pela oposição, que só vê defeitos, mesmo quando os acertos são evidentes, e nem da situação
cega, que só vê virtudes, mesmo quando os erros são inaceitáveis. Nós assumimos o lugar de quem
quer ter posição, e a nossa posição é a seguinte: o PST (?) e o PSDB foram para um distanciamento
tão predatório, em que essa polarização está prejudicando o futuro do nosso país. O PT, pra governar
sozinho, acabou ficando refém do PMDB. O PSDB, pra governar sozinho, ficou refém do PFL. Eu te
digo, conversar com Fernando Henrique, conversar com Lula, com certeza é melhor do que ter que
conversar com Antônio Carlos Magalhães, ou com José Sarney, Collor, eh, Maluf, enfim, Renan
Calheiros (palmas). Então eu, pode ter certeza, estamos dando um passo à frente: queremos governar
sim, com os melhores de todos os partidos, dialogando com os partidos, e não temos nenhum
problema em conversar com essas lideranças. A velha república tem que ser aposentada, como dizia
Eduardo Campos, e a nova república tem que ser chamada à responsabilidade.
O modo de fazer política proposto por Marina, ou seja, convidar pessoas boas de todos
os partidos, é um dos temas também recorrentes na entrevista. Nesse sentido, o jornalista
questiona a ex-candidata acerca dos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Esse questionamento do jornalista (Recorte 19) instaura um conflito e poderia revelar, ainda,
uma incoerência. Se Marina propõe uma nova política, isso pressupõe que velhas práticas sejam
extintas, principalmente as relativas à polarização. Como então contar, em seu governo, com
dois representantes da velha política?
Esse questionamento do jornalista é permitido não só porque Lula e FHC são ex-
presidentes da república, mas também porque representam a velha polarização da nossa política.
O cenário no qual nos inserimos é permeado por discursos acerca dessa polarização entre PT e
PSDB, que demonstra, de fato, uma velha política que ainda vigora no país, marcada, também,
pelo fisiologismo (tipo de relação de poder político em que ações políticas e decisões são
tomadas em troca de favores em detrimento do bem-estar comum). Em uma nova política,
então, como propõe Marina, o fisiologismo não deveria existir, já que é uma característica
marcante da velha política e, inclusive, permite tanta corrupção. No entanto, essa nova política
seria de fato possível, pensando, principalmente, no atual momento político que vivemos?
Como derrotar as velhas estruturas chamando alguns de seus representantes para o governo?
Essas são questões importantes a se pensar não só em relação aos discursos de Marina, mas
121
também para nós, que buscamos pensar uma concepção de política que preze pelo bem-estar
comum.
O questionamento do jornalista coloca Marina em posição de defesa, já que mais uma
vez ela precisa se explicar. Assim, a entrevista tende para o polo da polêmica, como bem
afirmou Barros (1991), sendo o entrevistador quem determina se ela será contratual ou
polêmica. Esse questionamento pode colocar em risco a confiança entre o público e a ex-
candidata, já que o tom de voz com que o jornalista faz o questionamento nos permite entender
que, para ele, o que ela propõe em termos de nova política não condiz com o diálogo com
representantes da velha polarização.
Marina consegue recuperar a confiança do público ao afirmar que “conversar com
Fernando Henrique, conversar com Lula, com certeza é melhor do que ter que conversar com
Antônio Carlos Magalhães, ou com José Sarney, Collor, eh, Maluf, enfim, Renan Calheiros
(palmas)”, ou seja, ela expõe nomes de políticos ligados à corrupção e que ainda fazem parte
da política. Logo, ela obtém como resposta do público as palmas, que também significam, nessa
interação comunicativa, um apoio ao discurso de Marina, por afirmar não dialogar com tais
políticos. Essa reação do público somente foi possível por eles integrarem um cenário no qual
há casos de corrupção noticiados quase diariamente e há discursos ligando os nomes citados
por Marina a eles. Então, esse cenário abarca o todo político com o qual nos deparamos
cotidianamente.
Recorte 20:
Jornalista: Deixa eu aproveitar a temática ambiental, candidata, pra fazer a pergunta aqui do Antônio
Aguiar pelo twitter, ele usou a #entrevistasestadão, então ele fez duas perguntas, eu já vou fazer as
duas de uma vez: a senhora se posicionou contra o Código Florestal na época de tramitação no
Congresso. Ele pergunta: se a senhora for eleita, a senhora vai tentar mexer no Código Florestal, vai
tentar propor algum tipo de alteração ao Congresso? E ele também pergunta sobre projetos de
Hidrelétricas no Rio Tapajós e em outros rios da Amazônia. A senhora tem falado que é importante
manter a matriz de energia através de usinas hidrelétricas. Como que a senhora vai fazer com outros
projetos? E também a questão de Belomonte, acho que também é uma questão que surge com alguma
frequência aqui nos tweets.
Marina Silva: A questão da matriz energética brasileira ela é um desafio que precisa ser resolvido.
O Brasil, para crescer, precisa de energia. Uma das maiores fontes para a produção de energia é a
hidroeletricidade, 63% desse potencial está na Amazônia e nós não temos nenhuma prevenção,
preconceito ideológico de qualquer natureza em relação a hidroelétricas. O que nós procuramos, e
isso é o que deve ser feito, é buscar a viabilidade econômica, a social e ambiental para os projetos.
Qualquer projeto que seja, eh, licenciado, resolvendo essas questões, não tenho nenhum problema em
relação a ele. Eu não tenho como falar, a priori, desse ou daquele projeto, até porque, no meu governo,
uma coisa vai ser diferente: o Presidente da República não é aquele que faz tudo e que ainda faz o
resto. O Presidente da República tem que ter equipe, botar a equipe pra trabalhar, fazer com que a
122
equipe funcione, manejar adequadamente as diferentes competências. Nós queremos que a matriz
energética continue limpa, continue segura, vamos combinar a hidroeletricidade, energia de biomassa,
solar, eólica... Hoje se perde o equivalente a quatro Belomonte pelo não aproveitamento do bagaço
da cana de açúcar e da palha de açúcar, aliás, não é, esse é um capítulo à parte, porque também tem a
ver com o que foi destruído no atual governo.
O Recorte 20 apresenta o tema meio ambiente com foco na matriz energética no país. O
jornalista lê a pergunta enviada por um internauta, que questiona se haverá mudança no código
florestal e acerca de projetos de Hidrelétricas. A candidata não responde a primeira pergunta,
no entanto, é preciso situar esse questionamento. Em 2012, foi implantado o código florestal
brasileiro, mesmo com as investidas dela contra a sua implantação. Segundo Marina, o novo
código florestal tinha virado, na verdade, um código agrário, pois estariam transferindo a
ineficiência do setor agrário para as florestas.
Sobre a matriz energética no país, ela diz não ser contra as várias formas de geração de
que o nosso país dispõe. A proposta de investir em energia eólica está sempre presente na
campanha da ex-candidata, aproveitando as condições naturais, mas ela afirma que isso não
quer dizer que não tenha noção da importância das hidrelétricas na geração de energia em nosso
território.
No Recorte 20, Marina apresenta uma perspectiva holística de um projeto, entendendo
que ele deva abarcar aspectos econômicos, sociais e ambientais. Assim, essa perspectiva pode
ser considerada também como ecológica, já que essa proposta viabiliza a abrangência do todo
em detrimento das partes. Essa afirmação da ex-candidata demonstra sua postura ambiental,
sustentável. Uma postura ecológica deve permitir que as decisões tomadas considerem que
fazemos parte de um todo, composto por todas as inter-relações entre os seres, e na política não
pode ser diferente. Contudo, é importante salientar que a usina hidrelétrica tem um impacto
ambiental muito grande, haja vista que pode alterar o curso de rios, devastar a flora e a fauna,
já que alaga áreas que contêm uma grande diversidade de plantas, animais, microorganismos,
etc.
Marina considera que o fazer político de um presidente deve se dar pela integração de
todos, o que podemos confirmar com sua afirmação de que o presidente “deve ter equipe, botar
a equipe pra trabalhar, fazer com que a equipe funcione”. O lexema equipe denota um grupo de
pessoas que, juntos, se dedicam à realização de uma ação. Logo, compreendemos que o
exercício do cargo de um presidente não deve ocorrer de maneira isolada, mas sim pelo trabalho
de várias pessoas unidas.
123
Recorte 21:
Jornalista: Candidata, eu vou aproveitar pra fazer duas perguntas que vieram do público, mais ou
menos parecidas. O Edmar Pinto Costa pergunta que saída a senhora propõe para os conflitos entre
indígenas e produtores agrícolas, no caso das demarcações de terras. O Caio Carvalho também quer
saber a sua posição sobre reforma agrária, e eu aproveito pra colocar nessas perguntas um trecho do
programa de governo da senhora que eu queria que a senhora explicasse. O programa diz: “É preciso
atualizar os indicadores de produtividade e acelerar o diagnóstico da função social da propriedade
rural nos aspectos produtivo, ambiental e trabalhista, permitindo a rápida desapropriação nos casos
previstos em lei ou premiando aqueles que fazem o uso correto da terra por meio da criação de um
selo da função social”. Isso significa elevar os critérios pra se considerar uma propriedade agrária
produtiva e beneficiar quem é realmente produtivo?
Marina Silva: A função social da terra está estabelecida na Constituição Federal. Não acredito que
tenha nenhum produtor, nenhuma pessoa que, eh, enfim, esteja propondo mudar esses critérios. E o
que nós estamos nos dispondo, para resolver os conflitos que hoje acontecem em relação às
comunidades indígenas, às comunidades quilombolas, principalmente, é de que o governo também
se disponha ao diálogo. Existem dois tipos de conflito: aqueles que você tem uma terra indígena e
que é determinada pelos estudos antropológicos, em que não houve ali uma posse mansa e pacífica
por parte dos ocupantes dessa terra, e os casos em que você tem uma terra indígena e uma ocupação
mansa e pacífica por agricultores que foram assentados pelo próprio estado. Essas pessoas não podem
ser prejudicadas por um erro cometido pelo Estado e o Estado tem de encontrar formas de indenizar
essas pessoas no caso de qualquer desapropriação. Nós estamos dizendo, em relação a esses conflitos,
que a disposição para o diálogo, e não a guerra que muitas vezes é estimulada entre agricultores e
as comunidades indígenas, até porque um país com 8 milhões de quilômetros quadrados, com uma
população de apenas 700 mil índios, é preciso que tenha um lugar também para essas populações.
Eu tenho conversado com os agricultores, tanto os grandes, pequenos e médios, e sinto uma
disposição enorme para o diálogo, o que eles querem é segurança jurídica. Segurança jurídica passa
também pela credibilidade do governante, uma pessoa que é capaz de entender o problema dos
indígenas, de entender o problema dos agricultores, consegue mediar muito mais os conflitos do que
aqueles que têm uma atitude de omissão ou que não dispõem sequer a colocar os diferentes entes para
o exercício do diálogo. Cada vez mais os agricultores querem resolver o problema da responsabilidade
social, da responsabilidade ambiental, e eu sinto que isso é uma tendência. Eu acho até injusto quando
muita gente começa a dizer que o agronegócio é sempre em oposição ao meio ambiente, que o
agronegócio é sempre em oposição aos indígenas e aos quilombolas. Isso é uma fração pequena
daqueles que ainda não atualizaram o seu discurso e as suas práticas às exigências do século XXI.
Uma boa parte tem uma disposição enorme, porque precisa dos incentivos do governo, precisa do
apoio do governo, do Código Florestal
Marina Silva, inclusive, não pode ser considerada radicalmente ecológica, tanto que ela não vê
tantos malefícios no agronegócio, o que pode ser confirmado quando diz que “acho até injusto
quando muita gente começa a dizer que o agronegócio é sempre em oposição ao meio ambiente,
que o agronegócio é sempre em oposição aos indígenas e aos quilombolas”. Compreendemos,
então, que uma vitória de Marina, nas eleições não deveria significar uma preocupação para o
agronegócio, já que ela entende a sua importância.
A ecologia profunda, que inspirou a construção da ADE, busca resolver os problemas
pelo diálogo, no entanto, compreendemos que talvez a resolução desse conflito apenas por esse
meio seja algo utópico ultimamente, considerando a forma como a sociedade se orienta nos dias
atuais. Porém, essa proposta de mediação do conflito é viável, desde que se busquem medidas
para que esse conflito seja ao menos amenizado, visto que, como há uma supervalorização da
economia em nosso país, incorremos no risco de relegarmos as questões indígenas a um
segundo plano, o que não pode acontecer, já que é preciso olhar para a sociedade como um
todo, considerando o valor de cada ser que compõe o nosso ecossistema.
Recorte 22:
Jornalista: Candidata, eu queria saber como é que a senhora vai fazer pra administrar a questão do
licenciamento ambiental. Hoje é colocado como uma das dificuldades para desenvolvimento da
infraestrutura, o problema desse licenciamento. Como é que a senhora pretende cuidar dessa questão?
Marina: De uma forma muito simples: fazendo com que os licenciamentos tenham agilidade, sem
perda de qualidade. Quando nós chegamos no Ministério do Meio Ambiente existiam 40
hidroelétricas paralisadas. Quando eu saí do Ministério apenas 8 ainda não tinha sido resolvidas.
Durante a nossa gestão, nós melhoramos significativamente a capacidade de licenciamento no
Ministério do Meio Ambiente, que antes contava com uma estrutura precária dentro do Ibama. A
maioria dos funcionários eram contratos temporários. Quando as pessoas iam adquirindo experiência
já acabava o contrato, tinha que trazer outros provisórios. Nós fizemos um concurso público e saímos
de uma quantidade muito pequena de servidores, em torno mais ou menos de 8 funcionários de
carreira, que eram do próprio Ministério, e pelo menos 70, que eram contratos temporários, para ficar
apenas 8 temporários e cerca de 140 funcionários de carreira. Criamos a coordenação, a diretoria de
licenciamento, mais três coordenadorias, foi isso que nos possibilitou fazer as licenças mais
complexas que já foram dadas. Nós, não esqueça, fomos aqueles que concedemos a licença do Rio
São Francisco para a transposição, que mesmo com a licença não está sendo feita a transposição
por falta de licença; a licença da BR-364, que não foi concluída, não foi por falta de licença; a licença
de Santo Antônio em geral, que foi dada durante a minha gestão, com 42 condicionantes, que não
foram cumpridas depois que eu saí e criou alguns problemas; e inúmeras licenças que foram dadas
pela gestão, pela minha gestão durante o trabalho que fizemos, em que o Basileu inclusive foi o
Presidente do IBAMA.
Proporcionando um trabalho rápido, porém, com qualidade? Assim, quando questionada sobre
como resolveria esse conflito, lista suas conquistas enquanto Ministra. Mais uma vez, sua
resposta está ligada ao fazer, ao criar e, por isso, ao ser questionada responde quase sempre por
meio de dados, de estatísticas acerca de seus trabalhos anteriores.
Ou seja, a ex-candidata busca legitimar o que diz a partir de seus feitos, principalmente
em decorrência de seu engajamento em defesa do meio ambiente, pois há muita desconfiança,
no meio político, em torno do relacionamento entre Marina e os representantes do agronegócio.
Por isso, ela afirma “nós, não esqueça, fomos aqueles que concedemos a licença do Rio São
Francisco para a transposição, que mesmo com a licença não está sendo feita a transposição por
falta de licença; a licença da BR-364, que não foi concluída, não foi por falta de licença”.
Recorte 23:
Jornalista: Térmicas não, candidata?
Marina Silva: As térmicas elas hoje têm um papel complementar na nossa matriz energética e
funcionam quando os reservatórios estão baixos. Pra você ter uma ideia, se a gente já tivesse
investindo em energia de biomassa, o megawatt hora da energia de biomassa e R$ 200,00, o megawatt
hora de diesel é de R$ 1.000,00 a R$ 1.700,00. Veja que economia estaríamos fazendo do ponto de
vista ambiental e também do dinheiro público.
Jornalista: Só que a gente tá agora numa situação limite, né? As térmicas são vistas como uma
solução mais segura.
Marina Silva: Sim, mas ninguém, ninguém está propondo que elas sejam desativadas enquanto não
se tem um substituto para elas...
Jornalista: Mas construção de novas não?
Marina Silva: Vamos fazer os investimentos necessários para que se tenha o equilíbrio quando os
reservatórios estiverem baixos, mas com certeza não é uma prioridade uma única fonte de geração.
Um país como o nosso tem que ter uma matriz energética diversificada. Todos os países gostariam
de ter o que nós temos. Não sei por que uma aposta em uma única fonte de geração de energia. Isso
não é inteligente, isso não é pensamento estratégico. Pelo contrário, vai acontecer o que está
acontecendo agora, o que eu acabei de lhe dizer, a falta de investimento no passado faz com que hoje
tenhamos de ficar obrigados a pagar R$ 1.000,00, R$ 1.700,00 quando poderíamos estar pagando R$
200,00 pelo megawatt hora.
relação à matriz energética será pautada pelo essencial à população, sem exageros e,
consequentemente, com o mínimo de prejuízo ao meio ambiente. Assim, uma proposta de
política, para a ADE, são práticas que visem à proteção do meio ambiente, bem como da
comunidade como um todo.
A proposta de Marina se mostra ainda ecológica quando ela propõe que seja pensado o
equilíbrio entre as fontes de energia utilizadas no país e também por considerar o trabalho com
a diversidade, já que não haverá uma “prioridade em uma única fonte de geração de energia”.
Desse modo, há uma garantia de que os recursos naturais não serão explorados de maneira
desmedida, mas, antes de tudo, haverá um equilíbrio.
Ao pensarmos no campo político, sabemos que as decisões não podem ser tomadas de
um dia para o outro, já que demandam discussões, análises de cada proposta, porém, Marina
afirma que equilibrar a geração de energia no país é um aspecto que deve começar a ser pensado,
pois ações que visem à garantia da proteção do meio ambiente precisam ser iniciadas, levando
em consideração a forma como o meio ambiente vem sendo tratado. Essa postura ecológica é
confirmada, ademais, pela proposição de uma matriz energética diversificada, garantindo que
tenhamos meios variados de produzir energia e amenizando os desgastes que o meio ambiente
sofre. Essa postura pode ser confirmada quando Marina afirma que o foco em um único modo
de produção de energia não é algo “inteligente, não é pensamento estratégico”. Nessa
perspectiva, compreendemos que ela propõe uma ação estratégica, uma vez que esse lexema
deriva de estratégia e está ligado à noção de plano, de métodos usados para alcançar um objetivo
ou resultado específico. Dessa forma, entendemos que o fazer político de Marina é guiado,
primeiramente, por planos e métodos.
4.1.9 Do Agronegócio
Recorte 24:
Marina Silva: Isso é uma fração pequena daqueles que ainda não atualizaram o seu discurso e as
suas práticas às exigências do século XXI. Uma boa parte tem uma disposição enorme, porque precisa
dos incentivos do governo, precisa do apoio do governo, do Código Florestal...
Jornalista: A maioria do agronegócio?
Marina Silva: Nós, a maioria quer funcionar da forma correta. Só uma minoria que é renitente a
essas atualizações, uma pequena parte já está fazendo o dever de casa e está em uma grande
quantidade de pessoas que se dispõem a fazê-lo também. Em relação ao Código Florestal, o que nós
vamos fazer é implementar o Código Florestal. Não foi a lei que eu queria, mas foi a lei que foi
aprovada e ela será implementada. Nós vamos dar apoio para fazer recuperação da reserva legal, para
fazer recuperação das áreas de preservação permanente, criar emprego, criar renda, inclusive com
esse tipo de atividade dos serviços ambientais, criar formas inovadoras de produção na propriedade,
como já tem meios disponibilizados pela Embrapa, como é o caso da agricultura pecuária e tantas
outras modalidades.
128
No recorte 24, o tema é o agronegócio e os desafios entre aqueles que ainda não
atualizaram suas práticas às exigências do século XXI. Nele, é possível perceber que Marina
não é totalmente contra a prática do agronegócio por dois motivos: primeiro, porque ela sai em
sua defesa, alegando que há uma maioria que quer funcionar e, assim, afirma “que uma boa
parte tem uma disposição enorme”. Nesse momento, entendemos que ela não se opõe ao
agronegócio, como sempre afirmaram seus adversários na época da eleição. Em segundo, ao
ser questionada se era a maioria do agronegócio que queria funcionar, Marina responde “nós, a
maioria quer funcionar da forma correta”. Ao utilizar o pronome pessoal nós, ela se inclui na
causa junto aos representantes do agronegócio, o que nos permite inferir que, diferentemente
do que foi dito no cenário da política, a ex-candidata não relegaria a um segundo plano a questão
do agronegócio, pois, antes de tudo, considera sua importância e, também, a relevância daqueles
que estão se adequando às novas exigências impostas pelo desafio do século XXI.
Essa exigência sobre a qual Marina fala, nesse contexto, diz respeito à prática do
agronegócio de maneira sustentável. O agronegócio corresponde à junção de diversas
atividades produtivas diretamente ligadas à produção e subprodução de produtos derivados da
agricultura e pecuária. O agronegócio sustentável estaria ligado a uma produção responsável e
eficiente, que viabilize a produção também nas gerações futuras. Segundo ela, há uma boa parte
do agronegócio que tem disposição para o seu desenvolvimento sustentável e, inclusive,
“precisa dos incentivos do governo, precisa do apoio do governo, do Código Florestal”.
O agronegócio, apesar de sustentável, continua significando a interferência do homem
no meio ambiente e mais, ao afirmar que a maioria dos representantes do agronegócio precisa
dos incentivos do governo, entendemos que essas são posturas que nascem de uma perspectiva
antropocêntrica, visto que se preserva para se obter mais incentivos. No entanto, esses
incentivos auxiliam ou devem auxiliar os produtores a tornarem suas práticas agrícolas
sustentáveis e com o mínimo de prejuízo ao meio ambiente.
Recorte 25:
Jornalista: Candidata, eu queria aproveitar esse tema: a senhora pretende aumentar a quantidade de
reservas indígenas e de parques no Brasil se a senhora for eleita?
Marina Silva: As reservas indígenas elas não são criadas aleatoriamente. Como dizia o Eduardo
Campos, estudos que são feitos a partir de terras originariamente pertencentes às comunidades que
reivindicam esses territórios e vai chegar um momento em que esse déficit com as populações
indígenas vai ser suprido, você não arbitra que vai criar uma terra indígena porque você quer criar
uma terra indígena. Então essa é uma questão que se resolverá no tempo. Em relação às unidades de
conservação é a mesma coisa. Nós trabalhamos muito, quando eu era Ministra do Meio Ambiente,
pra fazermos o ordenamento territorial e fundiário, o Capobianco, juntamente com o Ministro Miguel
Rosseto, nós trabalhávamos da seguinte forma: é preciso que o Brasil dê segurança jurídica fazendo
129
o ordenamento territorial e fundiário. Quais são as áreas que são para preservação da biodiversidade?
Quais são as áreas que devem ser demarcadas para os índios? Quais são as áreas que serão
consolidadas para a agricultura? Quais são as áreas que serão utilizadas para o manejo florestal por
concessão de florestas, como fizemos na BR-364? Então o ordenamento territorial e fundiário nos
dirá como fazer da melhor forma possível para que as diferentes atividades produtivas sejam
combinadas tanto pelo pequeno quanto pelos grandes agricultores, que são importantes, não é? O
agronegócio é importante pra nossa balança comercial sim. Hoje é responsável pelo equilíbrio da
nossa economia, a agricultura familiar também, mas há que se ter um lugar para o extrativismo,
para as populações indígenas, para as populações ribeirinhas.
No Recorte 25, nota-se, mais uma vez, que Marina não se mostra contrária à prática do
agronegócio, até compreende a importância econômica dele para o país, o que pode ser
confirmado por sua afirmação de que ele é “importante para a balança comercial sim”.
O questionamento do jornalista se dá em torno das reservas indígenas, ao como seria
criá-las. Há o uso de um lexema importante, que pode nos ajudar a compreender como Marina
aborda a questão da criação de reservas indígenas. Ela usa o lexema aleatoriamente para dizer
que não é desse modo que se fazem as reservas. Esse lexema diz respeito a algo que acontece
casualmente, sem algum planejamento, assim, compreendemos que, para ela, isso deve ser feito
de maneira responsável, com base em estudos e pesquisa, o que pode ser confirmado por sua
afirmação de que não se arbitra a criação de reservas apenas porque se quer criar. Entendemos,
dessa maneira, que a solução para um possível conflito entre demarcações de terras indígenas
e o agronegócio passaria, primeiramente, pelo estudo de cada caso e pelo diálogo, o que nos
levaria ao equilíbrio entre atender as demandas dos indígenas e, também, dos representantes do
agronegócio.
Para confirmar essa responsabilidade que se deve ter em torno da criação de reservas
ela, mais uma vez, fala de suas conquistas à frente do Ministério do Meio Ambiente e diz que
será a partir do ordenamento territorial que as reservas serão pensadas. O ordenamento do
território é a gestão da interação entre homem e meio ambiente, consistindo no planejamento
das ocupações, no potencial do aproveitamento das infraestruturas existentes e no assegurar da
preservação dos recursos. Assim, compreendemos que essas questões e as suas soluções devem
sim ser fruto de pesquisa e estudo, pensados de forma responsável e de acordo com as leis de
proteção ambiental, pois, como há uma supervalorização da economia em nosso país,
incorremos no risco de relegarmos as questões indígenas a um segundo plano, e isso irá contra
a postura de equilíbrio. As soluções pensadas a partir de uma postura ecológica garantiriam de
fato um equilíbrio, já que considerariam a sociedade como um todo, bem como o valor de cada
ser que compõe o nosso ecossistema.
130
Recorte 26:
Jornalista: Continuando em energia, candidata, qual é exatamente a sua política pra exploração do
pré-sal?
Candidata: O pré-sal é uma riqueza que precisa ser explorada com as melhores tecnologias. É uma
riqueza que vai ser utilizada inclusive pros investimentos em educação. Nós temos os 10% para a
educação, e esses 10% já serão utilizados no nosso governo para a escola de tempo integral e a
educação integral, antecipando a meta de ter escola de tempo integral em todo o país nos próximos 4
anos. Esses recursos serão utilizados, o pré-sal é fundamental. Agora, o que é fundamental também é
investir em novas fontes de geração de energia, para que não se fique dependendo única e
exclusivamente de uma fonte fóssil de geração de energia. O mundo inteiro está fazendo isso. Por que
que o Brasil não o faria? Nós precisamos fazer os investimentos combinando onde a bola está e aonde
ela vai estar. Nós não podemos acordar amanhã com o mundo inteiro com uma economia de baixo
carbono, precificando carbono, elevando o preço de nossos produtos para poderem ser exportados, e
nós com uma matriz energética que não se atualiza às necessidades desse novo tempo.
fazendo o que é necessário no presente, mas visando o futuro. Nessa perspectiva, é preciso
investir em energia limpa, aquelas menos prejudiciais ao meio ambiente, o que se torna também
uma maneira de se pensar a proteção do meio ambiente, bem como de todos os seres que dele
fazem parte.
Nesse sentido, essa seria uma proposta ecológica, pois orientada por uma visão de longo
prazo. Ao pensarmos em mudar o modo como estamos agindo hoje em relação à geração de
energia, estamos pensando também nas próximas gerações, pois elas também têm o direito de
encontrar um meio ambiente no qual se possa garantir a sua sobrevivência. Pensar em longo
prazo é entender que tudo o que fazemos hoje terá consequências no futuro e, nesse sentido, a
exploração contínua do pré-sal pode trazer prejuízos tanto para nós quanto para as futuras
gerações, e não só para nós, humanos, mas para a comunidade como um todo, incluindo-se aí
o meio ambiente natural.
Recorte 27:
Jornalista: Candidata, mas pra investir onde a bola vai estar, é preciso reduzir o investimento onde
a bola está. Agora, quer dizer, a senhora pretende reduzir o investimento no pré-sal, com consequência
nesses 10% pra educação?
Marina Silva: Muito pelo contrário! É o uso das riquezas do pré-sal que terão de ser investidas
inteligentemente. Quando se investe em educação, por exemplo, você está criando a infraestrutura
humana para dar conta desse novo desafio, o desafio do século XXI. Muito pelo contrário, é fazer o
que a Noruega está fazendo, é fazer o que muitos países estão fazendo inteligentemente para usar
esses recursos pra que o país possa ir além de aonde está.
Ainda sobre o investimento em educação por meio dos recursos obtidos pela exploração
do pré-sal na educação, Marina afirma ser essa uma forma de se investir inteligentemente. Essa
escolha lexical da ex-candidata nos permite compreender que, se há uma forma de investir
inteligentemente, isso se deve ao fato de esse recurso, em algum outro momento, não ter sido
investido desse modo. Porém, o que seria o investimento inteligente? Ao analisarmos a sua
resposta, compreendemos que isso está ligado ao investimento em pessoas, o qual se daria pela
educação. Isso pode ser confirmado quando a ex-candidata diz que, “quando se investe em
educação [...] você está criando infraestrutura humana para dar conta desse novo desafio”.
Quando ela diz infraestrutura humana nada mais é do que pessoas capacitadas, instruídas
acerca dos problemas que a sociedade passa e capazes de pensar em soluções para esses
problemas, o que somente é possível pela educação.
Ao fazer tal afirmação, entendemos que Marina pensa em uma sustentabilidade também
na educação, que gerará bons frutos para toda a sociedade. Como seria isso? A sustentabilidade
está ligada à ideia de criar ações no presente que supram nossas necessidades, garantindo e
132
Recorte 28:
Jornalista: Candidata, a senhora, no seu programa de governo, faz uma série de propostas, falando
em reforma política, que dependem do Congresso: fim da reeleição, estabelecer o mandato de cinco
anos, a unificação das eleições, todas as eleições no mesmo momento. E a senhora tá sendo, está
sendo apoiada por uma aliança que atualmente tem algumas dezenas de deputados, estamos falando
de trinta e poucos deputados. Qual vai ser o seu argumento pra convencer o que a senhora chama de
“políticos do bem” e aí a gente tá falando de haja políticos do bem, porque estamos falando aí de 2/3
do Congresso pra aprovar uma emenda constitucional, como que a senhora vai fazer pra convencê-
los a aprovar essa proposta, e não parecer que a senhora está fazendo uma promessa pro eleitor que
dificilmente será cumprida?
Marina: Você tem uma visão bem pessimista do Congresso!
Jornalista: É, realista. A gente tá vivendo uma crise de representação, não é isso, candidata? (risos)
(palmas)
Marina: Eu tenho dito que pessoas boas, honestas e competentes existem em todos os lugares, em
todos os partidos, dentro das empresas, das universidades, dos movimentos sociais, das redações dos
jornais, em todos os lugares, pessoas boas, honestas e competentes nós temos em todos os lugares.
Existem aqueles que estão presos às velhas estruturas e que não acreditam nisso, porque estão
acostumados a que, para conseguir a maioria no Congresso é preciso fazer sempre na base do
pragmatismo: eu lhe dou um pedaço do estado e você me apoia sazonalmente, esporadicamente, nesse
ou naquele projeto. Eu fui Ministra do Meio Ambiente, o Marcelo é testemunha disso, porque
trabalhou comigo, e nós aprovamos as leis mais difíceis do Ministério do Meio Ambiente. A Lei de
Gestão de Florestas Públicas, trezentos anos de exploração florestal, não tinha uma lei pra
regulamentar o uso das florestas; a criação do Serviço Florestal Brasileiro; concessão de florestas
públicas, que era um mito, ninguém nem podia tocar nesse assunto, o projeto tramitando há trinta
133
anos no Congresso Nacional, eu, junto com o Capobianco, com o Tasso, com gente do movimento
social, ambientalista, da academia, pessoas de todos os partidos...
pensarmos na escolha desses representantes, entendemos que não há mais essa visão holística,
já que há uma segregação, uma separação, pois, ao dizer que há pessoas honestas em todos os
partidos, pressupomos que há também pessoas desonestas, as quais não comporão a equipe de
governo.
Logo, esse exercício político não mais é visto como aquele em que o governo do país
está nas mãos apenas daquele que foi eleito e de sua base aliada, mas deve contar com
representantes de todos os partidos, inclusive do PT e do PSDB, os quais, há mais de 20 anos,
se mantêm na polarização política em nosso país.
Em sua resposta, Marina exemplifica como o trabalho pode ser feito a partir da
contribuição não só dos representantes políticos, mas também de diversos segmentos da
sociedade. Desse modo, ela exemplifica o caso da concessão de florestas públicas enquanto
Ministra do Meio Ambiente. Essa disposição para o exercício de uma política dialogada com
todos os partidos e/ou com diversos segmentos da sociedade nos remete ao aspecto de
abertura/porosidade do ecossistema, já que deixa de ser um exercício isolado e passa a receber
a influência do que vem de fora, ao passo que também envia suas próprias influências. Assim,
o exercício político receberia influência dos diversos segmentos da sociedade, como Marina
exemplifica com suas conquistas na pasta do meio ambiente, em que recebeu a influência do
“movimento social, ambientalista, da academia, pessoas de todos os partidos”, uma influência
que vem de fora, mas também envia suas próprias influências, como a criação de leis para
“regulamentação do uso das florestas”, elaboradas por Marina e alguns de seus gestores.
Essa ideia de abertura/porosidade nos permite aceitar a ideia do outro, ainda que não
concordemos com ela. Esse aspecto é fundamental na política, já que ela se constitui por
diferentes partidos políticos, cada qual com sua ideologia partidária. Esse aspecto pode ser
confirmado ainda porque essa abertura não se limita apenas aos partidos políticos, mas também
à participação da comunidade como um todo, o que fortalece mais o ecossistema político, já
que ele passa a ser formado por uma diversidade de opiniões e representantes. Para um
ecossistema, quanto mais diversidade houver, mais forte ele será.
A realização dessa política dialogada permite, ademais, o desenvolvimento de diversos
aspectos do ecossistema como, por exemplo, o holismo, discutido anteriormente e, também, a
diversidade. Esta é abarcada por haver uma valorização do trabalho com as diferenças que
compõem não só o cenário político, mas a comunidade como um todo, seja na instância
acadêmica, civil, jornalística, ambientalista, o que permite um fortalecimento do ecossistema,
que se torna mais forte em decorrência da diversidade que abriga.
135
Recorte 29:
Jornalista: Mas isso foi feito com um governo que tinha a maioria, que era o governo do Presidente
Lula, não?
Marina: Olha, quando eu fui falar com o governo, pedir o apoio para que eles me ajudassem a aprovar
o projeto, sabe o que que eu ouvi do Ministro das Relações Institucionais? Foi o seguinte: “Marina,
você é senadora, você conhece o Congresso, vá você conversar com os seus pares”. Eu digo: “Pôxa,
ele tá me deixando entregue à própria sorte”. O que que eu fiz: eu fui mesmo conversar com os líderes
dos partidos, conversei com todos eles, conversei pessoalmente com o Presidente Fernando Henrique
Cardoso, e pode ter certeza, aprovamos não só esses projetos a que me referi, mas também a lei da
Mata Atlântica, a limitação administrativa provisória, e tantas outras leis que apoiamos sem nunca ter
sinalizado pra ninguém, nada que não fosse estritamente republicano, que era o convencimento pelo
mérito das propostas que apresentamos. Eu acredito, valorizo o Congresso e a capacidade do diálogo.
Agora, para isso não é você terceirizar para alguém, é preciso ter disposição para conversar, pra
convencer, e eu brinco da seguinte forma: eu não sou otimista, nem pessimista assim como você foi
com o Congresso, eu sou persistente, não é? É na persistência, na justeza das propostas que nós
haveremos de conseguir a maioria para, junto com os partidos, tirando do banco de reserva aqueles
que estão no banco de reserva, não é, fazermos com o Brasil tenha uma governabilidade diferente,
que é a governabilidade programática, em que as pessoas vão apoiar a partir do programa, do projeto,
discutindo no mérito, e não por um alinhamento a priori com o governo, como muita gente espera
que seja. O Congresso tem que ser respeitado, tem que discutir, tem que mostrar no mérito que a
proposta é boa.
reforça sua imagem e postura de abarcar aqueles que pensam diferente de si, em busca da
aprovação de medidas por ela propostas.
É nesse sentido que ela diz “valorizo o congresso e a capacidade do diálogo”. Ao afirmar
que o valoriza, entendemos que isso implica no Congresso como um todo, já que não houve
uma especificação de quais integrantes seriam valorizados, de modo que, ao fazer isso, valoriza-
se todo e qualquer político que dele faça parte. Desse modo, Marina procura reafirmar sua
postura de aceitação daqueles que pensam diferente de si e o que é mais, demonstra sua postura
de abertura para o diálogo, para a conversa, o que pode ser confirmado por sua afirmação de
que valoriza a capacidade do diálogo.
No entanto, essa conversa que Marina afirma ter tido é caracterizada por ela como
estritamente republicano. O lexema republicano diz respeito àquele que é partidário da
República, a qual possui valores que incluem a igualdade, a justiça (como uma meta), a
liberdade, a fraternidade, a cidadania, entre outros direitos que devem ser garantidos aos
cidadãos. Assim, ao fazer tal afirmação compreendemos que ela busca reforçar sua honestidade,
já que o ser republicano está ligado a práticas que visam o bem da comunidade em geral. Por
isso, essa conversa somente se deu a fim de resolver questões de interesse da sociedade por
meio do convencimento. O lexema convencimento também é importante para nossa reflexão, já
que implica em vencermos juntos. Isto é, quando Marina busca convencer, ela argumenta por
meio de fatos concretos e baseados na razão, a fim de conseguir que sua ideia vença, mas que
não vença sozinha, já que “convencer” está ligado à ideia de vencer junto ao outro.
Esse convencimento do qual Marina fala se daria por meio do mérito das propostas, ou
seja, por seu merecimento. Essa afirmação nos permite compreender que, se há propostas
aceitas por seu mérito, há também aquelas que não possuem méritos e ainda assim são aceitas.
Essa afirmação pode ser confirmada ainda no Recorte 20, quando ela diz que todas as propostas
que apoiaram foram “sem nunca ter sinalizado pra ninguém”. Isso nos propicia entender que há
casos em que propostas são aceitas em decorrência de trocas, seja de favores ou de dinheiro.
Essa compreensão também se deve é o fato de ela pertencer ao cenário da política atual, no qual
estamos expostos, diariamente, por meio dos jornais, a notícias referentes a casos de corrupção,
em que o voto a favor ou contra algum projeto ou proposta vale muito dinheiro. Todos esses
casos permeiam o cenário do qual Marina é parte integrante.
Outra fala de Marina que corrobora com isso é quando ela diz que é “na justeza das
propostas que nós haveremos de conseguir a maioria”, o lexema justeza diz respeito à
característica daquilo que está repleto de justiça, em conformidade com a razão. Assim, mais
uma vez, se é possível uma proposta repleta de justiça também é possível uma que não seja.
137
Logo, entendemos que, para Marina, as suas propostas são justas e honestas, por isso o
convencimento se dará pelos méritos e, como ela própria afirma, não por um “alinhamento a
priori com o governo”. Esse alinhamento diz respeito a um apoio ao governo, independente de
qual seja a proposta.
Outra característica que permeia o fazer político de Marina é a persistência, sobre a qual
ela já falou em outros momentos da entrevista. Nesse contexto, ela afirma que “eu sou
persistente, não é? É na persistência, na justeza das propostas que nós haveremos de conseguir
a maioria para, junto com os partidos”. Essa afirmação se dá em torno de um questionamento
acerca da aprovação de propostas no Congresso Nacional. Este, na maioria das vezes, é
permeado por interações desarmônicas entre os políticos que o constituem justamente por serem
eles representantes de ideologias partidárias diferentes, o que gera conflitos em relação a
diversos projetos que precisam ser aprovados. É nesse sentido que a escolha lexical de Marina
acerca desse questionamento se justifica, pois, ao optar pelos lexemas convencimento, diálogo,
conversar, justeza das propostas, compreendemos que Marina está ciente do que enfrentará à
frente da presidência caso venha a ser eleita: um Congresso que precisa ser convencido pelo
tipo de interações que o permeiam. Outra forma que Marina apresenta para resolver essas
questões frente a um congresso desunido é o trabalho em equipe junto aos demais partidos que
constituem o congresso, já que ela afirma que haverá de conseguir a maioria “junto com os
partidos”, isto é, por meio do trabalho em conjunto.
A falta de diálogo no Congresso foi um dos problemas enfrentados e contornados por
Marina, por meio da conversa, enquanto Ministra, já que ela mesma afirma que “aprovamos
não só esses projetos a que me referi, mas também a lei da Mata Atlântica, a limitação
administrativa provisória, e tantas outras leis que apoiamos sem nunca ter sinalizado pra
ninguém, nada que não fosse estritamente republicano, que era o convencimento pelo mérito
das propostas que apresentamos”. Todas essas aprovações a que ela se refere dizem respeito a
projetos que se arrastavam há anos no Congresso Nacional. Assim, o uso do lexema
convencimento também reforça a postura insistente que ela própria afirma ter. Foi por meio do
convencimento que muitas propostas foram aprovadas e é por meio deste que ela pretende
governar com a maioria.
138
4.1.12 Do governo
Recorte 30:
Jornalista: Candidata, hoje, no programa de TV, a Presidente Dilma Rousseff comparou a senhora
ao Collor e comparou a senhora ao Jânio Quadros. Eu queria um comentário da senhora a respeito
disso e queria emendar uma pergunta mais conceitual: que governar com os melhores, como a senhora
diz, pegando uma pessoa aqui, outra ali no Congresso, abrindo mão de maiorias institucionais via
partidos, não é antidemocrático?
Marina Silva: As pessoas de bem de todos os partidos elas são eleitas pelos partidos, são eleitas pelos
partidos. Eu não vejo porque ser antidemocrático governar pelos melhores eleitos pelos partidos e
porque democrático governar com aqueles que a sociedade o tempo todo está dizendo que não os
representa. Isso não tem nada a ver com ser antidemocrático. A combinação entre democracia
representa uma tentativa e os espaços de participação da sociedade não tem nada a ver com ser
antidemocrático. Eu acho que antidemocrático é imaginar que vai governar apenas para os partidos,
como está sendo feito hoje, não é? Eu acho engraçado que todo mundo reclama que já temos 39
ministérios, que temos uma governabilidade canhestra, e quando se diz que se vai escolher os
melhores dos partidos você é acusado de ser antidemocrático. Eu não vejo porque ser antidemocrático
achar que vai governar com o apoio de Pedro Simon, um homem que foi a resistência democrática
desse país. Eu não vejo porque ser antidemocrático dizer que daremos preferência a pessoas do quilate
de, eh, Cristóvão Buarque. Não vejo porque ser antidemocrático dizer que não vai prescindir do apoio
de pessoas como o Suplicy, que é do PT, ou até mesmo, mesmo tendo uma posição diferente do ponto
de vista político, se for eleito o Serra, eu imagino que ele não se furtará a dar sustentação para
propostas corretas e legítimas de um governo que se dispõe ao diálogo. Eu não vejo que isso seja
antidemocrático.
Jornalista: Candidata, desculpa a comparação feita pela Presidente.
No Recorte 30, mais uma vez, o jornalista questiona o governo com os melhores, se isso
não seria antidemocrático. Para compreender a resposta de Marina é preciso fazer parte do
cenário do qual ela fala, é preciso conhecer os discursos que circulam no meio político em
relação a uma forma de governo que não governa para o povo. Assim, ela diz que “eu acho que
antidemocrático é imaginar que vai governar apenas para os partidos, como está sendo feito
hoje, não é?”. Essa afirmação da ex-candidata nos leva a compreender que o governo que se
faz nos dias atuais é aquele que busca agradar os partidos políticos, e não a sociedade de um
modo geral, principalmente, porque no Congresso é preciso do apoio da maioria para conseguir
aprovar os projetos que almejam. Essa ideia de política como se configura nos dias de hoje, em
que o governo busca agradar apenas os partidos políticos, esquecendo-se da comunidade como
um todo, afasta-se de uma das primeiras ideias acerca do que vem a ser política, ainda na Grécia
Antiga, quando Aristóteles afirmou que o fim da política deveria ser a garantia da felicidade de
toda a cidade, ou seja, de toda a comunidade, incluindo-se aí os civis, o que não se vê na política
praticada nos dias atuais.
Esse trabalho com os melhores se daria no sentido de contar com aqueles que se
destacam em determinadas áreas, nos próprios partidos, o que pode ser confirmado quando
Marina diz que não vai prescindir do apoio de pessoas com uma posição diferente do ponto de
139
vista político. Isto é, ela não deixará de contar, em seu governo, com a ajuda daqueles que ela
considera como melhores, citando, inclusive, Suplicy, do PT, e José Serra, do PSDB.
Marina, ao longo de sua campanha, elogiou as políticas econômicas propostas pelo
PSDB e também as políticas sociais implantadas pelo PT, o que nos leva a compreender que as
escolhas que pretende fazer em seu governo serão em prol de beneficiar a sociedade como um
todo, abarcando cada setor da sociedade com a mesma atenção, seja saúde, economia, educação
etc. Entendemos, assim, que, independente, do ponto de vista político, se há uma possibilidade
de contribuir para o bem da comunidade, de um modo geral, ela trabalhará com pessoas ligadas
a outras ideologias partidárias.
Isso mais uma vez configura o trabalho com a diversidade, com o que é diferente. Como
afirma Couto (2016), considerar a diversidade não significa concordar, mas respeitar o que é
diferente. Isso é possível notar nessa proposta de Marina Silva.
Recorte 31:
Jornalista: Candidata, pra gente encerrar: e essa comparação da sua candidatura com o Jânio Quadros
e Fernando Collor, dois presidentes que não terminaram o mandato?
Marina Silva: Eu
Jornalista: É uma opção.
Marina Silva: Não, é uma... é uma... eu diria que pode ser uma escolha. A sociedade brasileira me
conhece, conhece os valores que eu defendo, a luta que eu tenho há mais de trinta anos. Eu comecei
como vereadora, comecei como deputada, senadora por 16 anos, ministra do Meio Ambiente. Imagine
se eu dissesse que uma pessoa que nunca foi eleita nem vereadora ser eleita Presidente do Brasil, aí
sim poderia parecer Collor de Mello
afirmar que a sociedade brasileira conhece seus valores, aí estão inclusos seus valores
religiosos, enquanto ser humano e, principalmente, seus valores ambientais, o que pode ser
confirmado quando ela diz que conhecem sua luta há mais de trinta anos. Essa luta é a que ela
empreende em defesa do meio ambiente. O lexema luta reflete que nem sempre esta foi uma
defesa fácil, já que à época em que se elegeu em seu estado, o Acre, havia lugares em que ela
sequer poderia pisar em decorrência de seus enfrentamentos com os grandes desmatadores da
região.
141
Ao iniciarmos esta pesquisa, começamos com a seguinte afirmação: “Diga-me o que lhe
incomoda no outro e lhe direi o que precisa mudar em você” (Autor desconhecido). É preciso,
então, que antes de passarmos às considerações finais eu ao menos revele o que tanto me
incomodou. Passemos, assim, à hora da verdade! O ano de 2014, no que me diz respeito, pode
ser considerado o ano do “seja a mudança que você quer ver no mundo”. E eu explico! A política
nunca foi um dos meus temas preferidos para ler sobre ou, até mesmo, para ir atrás de algum
candidato cobrar o cumprimento de alguma promessa. Mas os desmandos e casos de corrupção
no meio político me incomodavam, e muito. O que fazer então?
Filiar-me a algum partido e tornar-me candidata a algum cargo seria demais. Estaria, no
máximo, engajada em alguns “textões” em redes sociais. Isso inclusive gera fadiga, já que
somos expostos a muitos comentários sem sentido! Enfim, essa é a vida, a gente morre e não
vê de tudo! O que mais eu poderia fazer? Pesquisar! E a partir daí me tornar uma cidadã mais
crítica e atenta ao que se passa no meio político. O desenvolvimento dessa criticidade me
parecia fundamental, no sentido de que eu enxergava os candidatos políticos pelo olhar do
outro. Não era nunca minha opinião, mas sim daqueles que me rodeavam. De modo que eu
repetia: Marina Silva é contraditória! Marina Silva não tem opinião própria! Pobre Marina
Silva! Pobre Lais!
Enquanto professora, formadora de opinião, isso se tornou um problema grave. A
educação deve ir além do aprendizado de fórmulas e regras gramaticais, deve formar um
cidadão crítico, capaz de opinar sobre aquilo que deseja e eu não estava contribuindo para isso.
Desse modo, para possibilitar a meus alunos uma professora mais crítica e despertar neles o
interesse em buscar a construção de uma opinião própria é que esta pesquisa também foi
pensada. E, se não podemos salvar o mundo, que ao menos ela nos ajude a refletir sobre o meio
político de forma crítica e a pensar em uma política que de fato abarque o todo da comunidade.
Desse modo, nosso objetivo geral foi analisar a entrevista de Marina no sentido de
entender qual o fazer político da ex-candidata, com base na perspectiva da ADE. Estabelecemos
como objetivos específicos: descrever os efeitos de sentido produzidos no discurso de Marina
Silva; verificar se há concordâncias e discordâncias entre os enunciados da candidata nas
entrevistas e em seu plano de governo em relação aos temas educação, economia, meio
ambiente e questões ligadas ao Direito das minorias, bem como compreender as interações que
levaram às possíveis mudanças entre esses discursos; analisar as propostas de Marina, buscando
142
entender como se propõem a construir novas posturas políticas. E, aliado a esses objetivos,
buscamos pensar em uma concepção política para a ADE.
Definidos os objetivos, fomos em busca do aporte teórico que nos auxiliaria a alcançá-
los. Em um primeiro momento, apresentamos diferentes perspectivas para se pensar a política.
Assim, trouxemos uma discussão acerca da ecopolítica, da ecologia profunda e da ecoética, o
que nos possibilitou compreender que a política pode ser pensada e/ou praticada por meio de
uma perspectiva ecológica. Essa discussão contribuiu também para a construção de uma
concepção política para a ADE. Posteriormente, abordamos a Ecolinguística com suas bases,
bem como as categorias de análise e algumas de suas concepções, para contextualizarmos e
prepararmos o terreno para a apresentação da Análise do Discurso Ecológica, por meio da qual
conseguimos atingir o objetivo geral, compreendendo o fazer político de Marina sob a
perspectiva da ADE e, ainda, entendendo como se constitui a nova política defendida por essa
candidata.
Apresentamos, ademais, uma reflexão acerca dos gêneros discursivos da perspectiva da
ecolinguística, com foco no gênero entrevista, por ser este o gênero do corpus trabalhado nesta
pesquisa. Essa reflexão foi válida no sentido de que nos permitiu compreender como se dão as
interações que permeiam e constituem a entrevista. Por fim, na análise, agrupamos as perguntas
e respostas por temáticas e trouxemos alguns excertos do plano de governo para atingirmos
nosso objetivo de verificar as concordâncias e discordâncias entre os enunciados da candidata
na entrevista e em seu plano de governo.
É importante ressaltar que o discurso político aqui analisado foi o da Marina Partidária,
aquela que se filiou ao PSB para concorrer às eleições, não a Marina Ideológica. Salientamos
também que, neste trabalho, não tivemos a intenção de fazer qualquer crítica ou apologia a
Marina Silva, antes de tudo, quisemos desenvolver uma análise do discurso dos dados contidos
no corpus. Construímos, também, ao longo da pesquisa, um caminho no qual poderíamos
compreender diferentes perspectivas acerca da política.
Para além dessa investigação teórica acerca da política, buscamos também compreender
em que medida o exercício político poderia ser olhado de uma perspectiva ecológica,
entendendo que esse olhar deve ser uma prática diária, pois, por sermos seres humanos, a lente
pela qual olhamos o mundo sempre terá traços do antropocentrismo, e é isso que devemos
amenizar.
Em relação a nosso corpus, a entrevista, foi possível concluir que, durante a interação
entrevistador (jornalista), entrevistada (Marina Silva) e o público, prevaleceu o polo da
polêmica, pois foi este o direcionamento escolhido pelo jornalista para conduzir a entrevista.
143
Isso pode ser confirmado já que, ao longo da entrevista, é possível perceber que o jornalista
opta por abordar as alterações que ocorreram no plano de governo de Marina Silva e que
geraram inúmeras polêmicas durante toda a eleição de 2014. Os primeiros questionamentos são
voltados às alterações na proposta da união civil entre pessoas do mesmo sexo, em relação à
criminalização da homofobia, ou seja, o jornalista conduz a entrevista para o polo da polêmica
por priorizar questões que surtiram um efeito negativo na sociedade.
Dessa maneira, durante toda essa entrevista, prevaleceu o tom inquisidor do jornalista e
Marina precisou defender suas propostas, de modo que essa defesa foi feita, em sua maioria,
pela apresentação de conquistas obtidas enquanto esteve à frente de cargos políticos. Assim, há
uma ocorrência muito grande em sua fala do uso de verbos como fizemos, criamos, fazemos, o
que nos leva a compreender que a resposta de Marina parece estar circunscrita ao fazer, à
criação. Isso faz com que consideremos que, para a candidata, é difícil responder as perguntas
diretamente, já que precisa apresentar fatos, dados a respeito de suas conquistas ao longo de sua
vida política.
No decorrer da análise, pudemos concluir que o fazer político de Marina é voltado para
o diálogo, para a resolução dos conflitos por meio da conversa, o que a princípio pode parecer
algo difícil a ser alcançado, levando em consideração a política atual. No entanto, ela comprova
com fatos os problemas por ela resolvidos durante sua gestão à frente do Ministério do Meio
Ambiente, todos resolvidos inteligentemente, como ela mesma afirma, por meio do diálogo. A
candidata afirma que “o que que eu fiz: eu fui mesmo conversar com os líderes dos partidos,
conversei com todos eles, conversei pessoalmente com o Presidente Fernando Henrique
Cardoso”. Assim, podemos dizer que seu fazer político é aquele que permite e que busca o
trabalho a partir do diálogo e do trabalho com diversas perspectivas, o que mais uma vez pode
ser confirmado pelo uso do vocábulo todos. O exercício político por meio do diálogo pode ser
notado também pela repetição do verbo conversar, já que ele implica o diálogo propriamente
dito. Ao afirmar que conversou com líderes, com todos e inclusive com o presidente, ela reforça
sua imagem e postura de abarcar aqueles que pensam diferente de si, em busca da aprovação
de medidas por ela proposta.
Isso implica em dizermos também que o fazer político de Marina é baseado em uma
política dialogada com o diferente que, nesse caso, diz respeito aos políticos filiados a outras
ideologias partidárias. E é esse diálogo com o diferente que permite que Marina possua, em seu
plano de governo, um modelo de política econômica parecido com o de Aécio Neves, como
afirmado pelo próprio jornalista e confirmado por Marina. Ao se referir à conquista da
estabilidade econômica alcançada no governo de Fernando Henrique Cardoso, do mesmo
144
partido de Aécio, Marina qualifica essas conquistas, mas ressalta que não se deve ter uma visão
de “fulanização” das conquistas dos brasileiros. É por isso também que ela afirma continuar
com as políticas sociais implantadas pelo PT. Compreendemos, desse modo, que antes de ser
vista como algo contraditório, a proposta de Marina em continuar com o que já deu certo deve
ser entendida como equilibrada, que reconhece a importância do que já foi feito, mesmo que
tenha sido realizado por partidos com outras ideologias partidárias.
Essa política dialogada pode ser considerada como uma evolução das práticas políticas,
pois um novo modo de se fazer política deve ser aquele que reconheça as conquistas propiciadas
pelos governantes anteriores, valorizando e adaptando as propostas às novas demandas da
sociedade, o que configura uma evolução, já que ao adaptá-las às demandas atuais da sociedade
evolui-se no sentindo de que se busca acompanhar, também, as mudanças pelas quais a
sociedade passa. Por nos acompanhar no dia a dia entendemos que, assim como o mundo, o
fazer político deve também evoluir, de modo que essa evolução seja positiva no sentido de
atender as demandas da comunidade, enxergando as necessidades não só humanas, mas do
ecossistema em geral. Couto (2016) diz que evoluir é também adaptar-se e, dessa maneira, ao
propor um governo no qual se abarque a diversidade existente na política, há uma evolução
nesse campo, em busca de fugir da polarização política em que apenas dois partidos decidem o
futuro de toda uma nação. Ademais, busca adotar as melhores propostas de cada partido para a
comunidade.
No que diz respeito às concordâncias e discordâncias entre os enunciados da candidata
nas entrevistas e em seu plano de governo, pudemos confirmar que as alterações sofridas foram
bastante pontuais e consideráveis, pois, enquanto em um primeiro momento garantia-se um
direito de forma mais abrangente, depois da alteração reduziu-se esse direito ou este até mesmo
deixou de fazer parte do plano. Isso pode ser confirmado já que, no primeiro texto publicado
em seu plano de governo, no eixo 6, que diz respeito à Cidadania e Identidades- Para Assegurar
Direitos e Combater a Discriminação, há um apoio às propostas em defesa do casamento civil
igualitário, ao passo que na segunda versão uma das mudanças foi justamente a retirada do
lexema igualitário. Isso nos leva a questionar o significado desse conceito e o que ele implica
neste contexto. O lexema igualitário diz respeito à igualdade civil, política e moral, a algo que
tem por objetivo a igualdade de condições entre todos os membros da sociedade. Isto é, implica
a garantia de direitos de forma abrangente, não só no que diz respeito à esfera civil, mas também
política e moral.
Nessa perspectiva, a proposta em defesa de um casamento civil igualitário implica em
dizermos que Marina é a favor da garantia de direitos não somente no que diz respeito aos
145
direitos civis, mas também morais. Por sua vez, na segunda versão garante-se apenas os direitos
oriundos da união civil, ou seja, houve uma redução, no sentido de que não há mais a garantia
de direitos de forma abrangente, não se consideram mais os direitos políticos e morais. Ao
falarmos sobre a garantia de direitos morais, isso quer dizer que deve haver respeito nas relações
interpessoais, as quais ocorrem na comunidade. Desse modo, deveria ser garantido que todas
as pessoas fossem respeitadas do mesmo modo, ao passo que garantir os direitos oriundos da
união civil somente diz respeito aos aspectos legais, no âmbito jurídico. Por esse motivo os
membros do movimento LGBT questionaram as políticas de Marina em relação a essa
comunidade.
No que tange à construção de novas posturas políticas, compreendemos que a nova
política de Marina é construída pelo trabalho com a diversidade, tanto a existente na política
quanto na comunidade como um todo. Isso pode ser confirmado quando ela exemplifica o caso
da concessão de florestas públicas enquanto Ministra do Meio Ambiente, em que recebeu a
influência do movimento social, ambientalista, da academia, de pessoas de todos os partidos.
Ao valorizar a diversidade, valoriza-se também a vida como um todo. Consequentemente, essa
nova política preza também pela ideologia da vida, defendida pela ADE, a qual se trata de uma
perspectiva que se propõe a defender o equilíbrio de um ecossistema. Essa nova política surge,
então, como uma proposta de equilíbrio do ecossistema político.
Essa disposição para o exercício de uma política diversificada nos remete ao aspecto de
abertura/porosidade do ecossistema, já que deixa de ser um exercício isolado e passa a receber
a influência do que vem de fora, também enviando suas próprias influências. As influências que
vem de fora são tanto aquelas enviadas por membros de outros partidos políticos, quanto as
enviadas pela própria comunidade, seja por jornalistas, ambientalistas, pessoas da academia,
entre outros, como a própria Marina afirma. Essa ideia de abertura/porosidade nos permite a
aceitar a ideia do outro, ainda que não concordemos com ela. Esse aspecto é fundamental na
política, já que ela é constituída por diferentes partidos políticos, cada qual com sua ideologia
partidária.
Salientamos, assim, que da perspectiva da Análise do Discurso Ecológica, o fazer
político de Marina é positivo para a sociedade no sentido de trabalhar com a diversidade que
permeia tanto o campo da política quanto a comunidade como um todo, o que permite que as
demandas da sociedade sejam mais bem abarcadas e prevê a defesa do meio ambiente. Assim,
a ecopolítica se propôs a ser uma teoria político-social, a qual busca mobilizar mudanças na
sociedade em prol de uma conscientização ecológica, na qual o ser humano busque mudanças
em relação a sua postura frente ao meio ambiente. Ao preservarmos e valorizarmos a
146
REFERÊNCIAS
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SAUSSURE, F. Curso de Linguística geral. 16ª ed. São Paulo: Cultrix, 1989.
ANEXOS
151
Entrevista Estadão
para o programa, que foi editado na mesma forma, ipsis literis, como foi
encaminhada a contribuição. Eh... eu e o Eduardo revisamos o programa,
página a página, e o que foi para editoração, fruto do consenso, do debate, da
mediação das diferentes propostas para todos os setores, nesses dois aspectos
não refletiu aquilo que nós havíamos consensado (sic), de sorte que toda a
equipe de coordenação do programa é que se encarregou de fazer a separata.
O programa foi lido, foi revisado, e como eles mesmos disseram, houve um
erro de processo. O próprio movimento LGBT encaminhou uma carta, e que
vocês têm conhecimento, dizendo exatamente a mesma coisa que a equipe
falou e que eu estou dizendo agora.
Conrado Boa tarde, candidata. Agora, o que fazer e como garantir que falhas assim não
Corsalette: venham a ocorrem em um eventual governo seu. Eh... o anúncio de uma
medida que possa vir, que a senhora venha a voltar atrás, ou formalmente, ou
atribuindo a um erro, no Palácio do Planalto?
Marina Silva: Olhe, tem muitas questões que as pessoas às vezes fazem uma certa
mitificação. Eh, a comparação talvez não seja a mesma para o nível de
responsabilidade, mas vocês são jornalistas, editores de jornais, todos os dias
vocês rigorosamente avaliam e reavaliam o trabalho de vocês, e de vez em
quando aparece alguma coisa que tá sendo corrigido. Isso é um pequeno
exemplo. E nesse caso, com certeza não é a primeira vez que um programa de
governo apresenta um erro de processo. E não exatamente do mérito e das
questões como elas foram trabalhadas e consensadas (sic). Eh... lembra que,
em 2010, a Presidente Dilma rubricou folha por folha e depois recolheu o
programa inteiro, porque havia ali a questão do imposto sobre as grandes
fortunas, havia ali também incentivos ocupações de terra, e me parece que
alguma coisa referente ao aborto e ela disse que não sabia que o que ela tinha
assinado folha por folha era um outro documento, que não necessariamente o
dela. Eu acho que, em relação a algum erro que se possa cometer, o mais
importante é que se tenha a disposição para corrigir o erro. Eu não tenho
compromisso com as coisas erradas, eu tenho compromisso com as coisas
certas. E é em nome das coisas certas que a nossa equipe de coordenação fez a
reparação, nada que possa comprometer o nosso compromisso com a defesa
dos direitos que o movimento LGBT apresenta como uma demanda legítima e
justa do combate a qualquer forma de discriminação e de assegurar os seus
direitos como cidadãos, que os têm perante as leis brasileiras, sem qualquer
forma de discriminação.
Conrado Candidata...
Corsalette:
Irany Tereza: A falha então, candidata, foi dos coordenadores, é isso? E a saída do
coordenador do seu programa, que fazia essa, essa responsável pelo, por essa
parte, né, o Luciano Freitas, eh, foi, foi aceita pela senhora sem, sem
questionamento?
Marina Silva: Luciano... (Marina parece perdida...)
Alguém: Luciano é um dirigente do PSB que, que atua nessa área.
Marina Silva: Ah sim... É, porque eu não conheço a militância do PSB como eu conheço a
militância da Rede, mas o que o Maurício, que é do PSB, está dizendo é que
já havia uma decisão de que, enfim, estava sendo substituído por um outro
coordenador. Eh... o movimento LGBT apresenta as suas propostas
legitimamente e acredito que as apresenta para todas as candidaturas, e eu até
gostaria que vocês fizessem um cotejamento entre as propostas da nossa
153
tudo que está no seu programa de governo é proposta da senhora? Não tem
mais nada a ser corrigido? Já foi feita uma nova revisão pra que a senhora não
tenha que novamente explicar um outro erro no programa de governo?
Marina Silva: Quando eu lancei o programa nós fizemos questão de dizer que o nosso
programa era um programa vivo, que ele estava em movimento. Eu acho que
só as pessoas que têm... eh..., enfim, um pensamento excessivamente
cartesiano, é que podem imaginar que, eh, um processo complexo como esse
não tem mais complementariedade a ser feito. Nós estamos numa fase inicial,
em que fizemos um programa, depois, se ganharmos, se Deus quiser e o povo
brasileiro, nós teremos uma, um período de transição, nesse período de
transição novos ajustes terão de ser feitos, e quando chegarmos no governo,
aí, de posse da realidade, mais questões irão aparecer. De sorte que eu digo
pra você que o nosso programa é um programa em movimento. Agora, pior do
que ter um programa para colocá-lo em movimento no debate com os
diferentes setores da sociedade, educadores, médicos, agricultores,
empresários, juventude, movimento LGBT, quem quer que seja, são aqueles
que não apresentaram nenhum programa. E eu fico muito feliz porque nós
apresentamos o nosso programa e de repente todo mundo está debatendo o
nosso programa. Que bom que a Dilma, o Aécio e os demais, que ainda não
apresentaram o seu programa, pelo menos estão lendo o nosso e espero que
isso sirva de inspiração para que também apresentem o seu programa antes do
final da campanha, porque o risco de não fazê-lo é que eles não dão a
oportunidade a vocês de, tendo acesso ao programa, não às versões que vão
aparecendo ou sendo vazadas, não é, mas ao teor do programa que é
oficialmente lançado, poderem fazer esse cotejamento que legitimamente a
sociedade brasileira está fazendo e a imprensa está fazendo.
Marcelo de Candidata, boa-tarde. Eh... a senhora sempre deixou claro que queria fundar o
Moraes: seu próprio partido, a Rede. Eu queria saber se a senhora, agora do PSB, se a
senhora for eleita, se a senhora vai manter o projeto de criar a Rede ou se a
senhora pretende ficar no PSB?
Marina Silva: Quando eu estava fazendo a Rede Sustentabilidade, infelizmente foi um
projeto interditado, naquela oportunidade eu fui acolhida pelo Eduardo
Campos e pelo PSB, e a sugestão de fazer uma filiação administrativa
temporária foi do próprio Eduardo Campos, eh, rememorando que na época
da ditadura os partidos que não eram legalizados faziam, usavam desse
expediente, principalmente dentro do antigo MDB, e ele disse: “A senhora
pode fazer o mesmo em relação ao nosso partido”. E nesse momento, em que
o PSDB (sic) perdeu a sua mais importante liderança, que era o polo
estabilizador do partido, eu tenho uma solidariedade profunda com o PSB
para que eles possam encontrar o seu novo caminho, o seu novo polo
estabilizador. Eduardo era uma liderança forte, obviamente que o que ele
fazia, praticamente sozinho, terá que fazer, que ser feito agora, por várias
lideranças, tem várias lideranças se colocando agora nesse campo e, se eleita
Presidente da República, eu serei a presidente da República das forças
políticas que me elegeram e, principalmente, da sociedade brasileira. Por isso
eu estou dizendo que terei apenas um mandato, um mandato para poder fazer
as reformas, as mudanças que o Brasil precisa na política econômica, na
educação, na saúde, na segurança pública, na infraestrutura. Meu
compromisso é que o Brasil possa fazer jus às grandes vantagens
comparativas que ele tem, que não estão sendo tratadas adequadamente. É só
155
a gente verificar, Marcelo, o que está acontecendo no nosso país, nós a duras
penas conseguimos a nossa estabilidade econômica. Agora nós estamos numa
situação de juros altos, crescimento baixo e risco de inflação. Então meu
compromisso é de estar junto com o PSB, com a Rede, com os demais
partidos, a sociedade brasileira, os homens e mulheres de bem de todos os
partidos que queiram fazer com que o Brasil preserve as conquistas, corrija os
erros e encare os novos desafios.
Apresentador: Candidata, a senhora, no seu programa de governo, faz uma série de
propostas, falando em reforma política, que dependem do Congresso: fim da
reeleição, estabelecer o mandato de cinco anos, a unificação das eleições,
todas as eleições no mesmo momento. E a senhora tá sendo, está sendo
apoiada por uma aliança que atualmente tem algumas dezenas de deputados,
estamos falando de trinta e poucos deputados. Qual vai ser o seu argumento
pra convencer o que a senhora chama de “políticos do bem” e aí a gente tá
falando de haja políticos do bem, porque estamos falando aí de 2/3 do
Congresso pra aprovar uma emenda constitucional, como que a senhora vai
fazer pra convencê-los a aprovar essa proposta, e não parecer que a senhora
está fazendo uma promessa pro eleitor que dificilmente será cumprida?
Marina Silva: Você tem uma visão bem pessimista do Congresso!
Apresentador: É, realista. A gente tá vivendo uma crise de representação, não é isso,
candidata? (risos)
(palmas)
Apresentador: A senhora, a senhora confia tanto assim no Congresso?
Marina Silva: Eu tenho dito que pessoas boas, honestas e competentes existem em todos os
lugares, em todos os partidos, dentro das empresas, das universidades, dos
movimentos sociais, das redações dos jornais, em todos os lugares, pessoas
boas, honestas e competentes nós temos em todos os lugares. Existem aqueles
que estão presos às velhas estruturas e que não acreditam nisso, porque estão
acostumados a que, para conseguir a maioria no Congresso é preciso fazer
sempre na base do pragmatismo: eu lhe dou um pedaço do estado e você me
apoia sazonalmente, esporadicamente, nesse ou naquele projeto. Eu fui
Ministra do Meio Ambiente, o Marcelo é testemunha disso, porque trabalhou
comigo, e nós aprovamos as leis mais difíceis do Ministério do Meio
Ambiente. A Lei de Gestão de Florestas Públicas, trezentos anos de
exploração florestal, não tinha uma lei pra regulamentar o uso das florestas; a
criação do Serviço Florestal Brasileiro; concessão de florestas públicas, que
era um mito, ninguém nem podia tocar nesse assunto, o projeto tramitando há
trinta anos no Congresso Nacional, eu, junto com o Capobianco, com o Tasso,
com gente do movimento social, ambientalista, da academia, pessoas de todos
os partidos...
Apresentador: Mas isso foi feito com um governo que tinha a maioria, que era o governo do
Presidente Lula, não?
Marina Silva: Olha, quando eu fui falar com o governo, pedir o apoio para que eles me
ajudassem a aprovar o projeto, sabe o que que eu ouvi do Ministro das
Relações Institucionais? Foi o seguinte: “Marina, você é senadora, você
conhece o Congresso, vá você conversar com os seus pares”. Eu digo: “Pôxa,
ele tá me deixando entregue à própria sorte”. O que que eu fiz: eu fui mesmo
conversar com os líderes dos partidos, conversei com todos eles, conversei
pessoalmente com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, e pode ter
certeza, aprovamos não só esses projetos a que me referi, mas também a lei da
156
não será uma aventura para o país. Nós fizemos, em relação à economia, por
exemplo, um seminário com economistas respeitadíssimos do mercado, da
academia, do serviço público, enfim, dos diferentes setores. Lamentavelmente
,talvez por erro nosso ou por alguma abordagem inadequada dos meios de
comunicação, a manchete que saiu no outro dia foi: “Eduardo Campos se
reúne com militantes do PSB para discutir economia”. Não eram militantes do
PSB, eram economistas renomados, que tem a fotografia e o nome dessas
pessoas. Entre essas pessoas temos credibilidade e respeito para garantir aos
brasileiros que a nossa política econômica não será uma aventura. Em relação
ao Ministério do Meio Ambiente, eu serei Presidente da República, pode ficar
tranquila, não serei eu.
(risos e aplausos)
Apresentador: É, candidata... Conrado.
Conrado A senhora tem uma série de promessas na questão macroeconômica, mas seu
Corsalette: programa de governo dá uma autonomia ao Banco Central, além daquela que
já há hoje, eh, promete retirar, enfraquecer o papel dos bancos públicos, né, na
feitura da política econômica, e outras coisas assim. Ou seja, não é abrir mão
de governar, de fazer uma política econômica propor questões assim?
Marina Silva: Eu acho que abrir mão de fazer política econômica é criar um ambiente de
insegurança do tamanho que nós temos hoje, a ponto de termos um dos
investimentos mais baixos da história do nosso país. Todos os países que
entrarão em crise em 2008 já começaram a se recuperar, e o Brasil, que dizia
que era apenas uma marola, agora tá sendo tragado, com risco de ser tragado
por uma tsunami, exatamente porque não fez o dever de casa, não é? A
autonomia do Banco Central, a autonomia de fato, é uma conquista da
sociedade brasileira. Infelizmente, houve uma depreciação tão grande da
credibilidade do governo – é só verificar dois trimestres consecutivos de baixo
crescimento, mostrando que já estamos chegando a uma retração. Nós tivemos
agora uma pesquisa que foi feita pela CNT Fox que diz que o Brasil, pela 14ª
vez, reduz a sua expectativa de crescimento... Isso sim é criar um problema
para a política econômica. Agora, pra você criar instrumentos para passar
credibilidade, para que o governo tenha de fato como meta controlar a
inflação para que o país cresça, para que se possa ter os recursos necessários
pra fazer os investimentos e realizar aquilo que nós nos propomos, porque nós
queremos que o país cresça e se desenvolva é porque a gente gosta de ter bens
e serviços que melhorem a vida das pessoas. Não tem sentido um país como o
nosso ter 18% de analfabetos funcionais. Não tem sentido um país como o
nosso perder 56 mil vidas por assassinato, a maioria delas pessoas pobres e
negras, jovens das nossas periferias. É pra isso que precisamos ter um país
economicamente próspero, para que seja também socialmente justo.
Irany Teresa: Candidata, e quando a senhora fala da autonomia do Banco Central? Como se
dará isso no seu governo? E outra coisa, a redução do papel dos bancos
públicos que a senhora defende: não há um risco de elevação de juros?
Marina Silva: Não é, eh, a diminuição, é o não uso político dos bancos públicos, como vem
sendo feito hoje. O BNDES é um banco importante para o desenvolvimento
econômico e social do nosso país, mas nós sabemos que cerca de 500 bilhões
foram destinados para empresas que sem critério, sem transparência, tiveram
acesso a esses recursos, a juros subsidiado, e que isso não passou pelo
orçamento, não passou por nenhuma discussão que a sociedade tenha
brasileira, que a sociedade brasileira tenha tido acesso. O que nós queremos é
160
licenciamento, mais três coordenadorias, foi isso que nos possibilitou fazer as
licenças mais complexas que já foram dadas. Nós, não esqueça, fomos aqueles
que concedemos a licença do Rio São Francisco para a transposição, que
mesmo com a licença não está sendo feita a transposição por falta de licença;
a licença da BR-364, que não foi concluída, não foi por falta de licença; a
licença de Santo Antônio em geral, que foi dada durante a minha gestão, com
42 condicionantes, que não foram cumpridas depois que eu saí e criou alguns
problemas; e inúmeras licenças que foram dadas pela gestão, pela minha
gestão durante o trabalho que fizemos, em que o Basileu inclusive foi o
Presidente do Ibama.
Apresentador: Deixa eu aproveitar a temática ambiental, candidata, pra fazer a pergunta aqui
do Antônio Aguiar pelo twitter, ele usou a #entrevistasestadão, então ele fez
duas perguntas, eu já vou fazer as duas de uma vez: a senhora se posicionou
contra o Código Florestal na época de tramitação no Congresso. Ele pergunta:
se a senhora for eleita, a senhora vai tentar mexer no Código Florestal, vai
tentar propor algum tipo de alteração ao Congresso? E ele também pergunta
sobre projetos de Hidrelétricas no Rio Tapajós e em outros rios da Amazônia.
A senhora tem falado que é importante manter a matriz de energia através de
usinas hidrelétricas. Como que a senhora vai fazer com outros projetos? E
também a questão de Belomonte, acho que também é uma questão que surge
com alguma frequência aqui nos tweets.
Marina Silva: A questão da matriz energética brasileira ela é um desafio que precisa ser
resolvido. O Brasil, para crescer, precisa de energia. Uma das maiores fontes
para a produção de energia é a hidroeletricidade, 63% desse potencial está na
Amazônia e nós não temos nenhuma prevenção, preconceito ideológico de
qualquer natureza em relação a hidroelétricas. O que nós procuramos, e isso é
o que deve ser feito, é buscar a viabilidade econômica, a social e ambiental
para os projetos. Qualquer projeto que seja, eh, licenciado, resolvendo essas
questões, não tenho nenhum problema em relação a ele. Eu não tenho como
falar, a priori, desse ou daquele projeto, até porque, no meu governo, uma
coisa vai ser diferente: o Presidente da República não é aquele que faz tudo e
que ainda faz o resto. O Presidente da República tem que ter equipe, botar a
equipe pra trabalhar, fazer com que a equipe funcione, manejar
adequadamente as diferentes competências. Nós queremos que a matriz
energética continue limpa, continue segura, vamos combinar a
hidroeletricidade, energia de biomassa, solar, eólica... Hoje se perde o
equivalente a quatro Belomontes pelo não aproveitamento do bagaço da cana
de açúcar e da palha de açúcar, aliás, não é, esse é um capítulo à parte, porque
também tem a ver com o que foi destruído no atual governo.
Irany Teresa: Térmicas não, candidata?
Marina Silva: As térmicas elas hoje têm um papel complementar na nossa matriz energética
e funcionam quando os reservatórios estão baixos. Pra você ter uma ideia, se a
gente já tivesse investindo em energia de biomassa, o megawatt hora da
energia de biomassa e R$ 200,00, o megawatt hora de diesel é de R$ 1.000,00
a R$ 1.700,00. Veja que economia estaríamos fazendo do ponto de vista
ambiental e também do dinheiro público.
Irany Teresa: Só que a gente tá agora numa situação limite, né? As térmicas são vistas como
uma solução mais segura.
Marina Silva: Sim, mas ninguém, ninguém está propondo que elas sejam desativadas
enquanto não se tem um substituto para elas...
163
Presidente Dilma, que está com a responsabilidade de fazer isso, o faça, e não
transfira em prejuízo dos interesses da Nação, não é, pensando nas próximas
eleições. Quem está no governo tem que assumir as responsabilidades que
tem.
Apresentador: Quer dizer, ela deveria fazer esse aumento então entre a eleição e o fim do
ano? É isso? Ainda no mandato dela?
Marina Silva: Ela tem que fazer a correção dos erros que cometeu, administrando os preços
pra controlar a inflação de forma artificial. É isso que precisa ser resolvido.
Irany Teresa: E se for transferido pro próximo governo, numa eventual gestão sua, a
defasagem no preço da gasolina tá em média, há algum tempo, em torno de
20%. Como vai ser esse reajuste?
Marina Silva: Por isso que temos que dizer que essa conta já está sendo transferida para a
sociedade brasileira. E no debate deve ser explorado com a Presidente Dilma.
A Presidente Dilma foi eleita dizendo que ia fazer o país crescer, que ia
controlar a inflação, que ia diminuir juros. Ela tá entregando o governo pior
do que encontrou, os juros altos, com crescimento baixo e com inflação
também alta. Ela é quem tem que explicar pra sociedade brasileira como, ela
que diz tanto que tem que dizer o que vai fazer, como fazer, que hora fazer,
não é? Ela é quem tem que dizer porque ela disse que ia baixar juros, ia fazer
o Brasil crescer, ia controlar a inflação, e agora temos essa situação de
desmanche.
Apresentador: Candidata, eu vou aproveitar pra fazer duas perguntas que vieram do público,
mais ou menos parecidas. O Edmar Pinto Costa pergunta que saída a senhora
propõe para os conflitos entre indígenas e produtores agrícolas, no caso das
demarcações de terras. O Caio Carvalho também quer saber a sua posição
sobre reforma agrária, e eu aproveito pra colocar nessas perguntas um trecho
do programa de governo da senhora que eu queria que a senhora explicasse. O
programa diz: “É preciso atualizar os indicadores de produtividade e acelerar
o diagnóstico da função social da propriedade rural nos aspectos produtivo,
ambiental e trabalhista, permitindo a rápida desapropriação nos casos
previstos em lei ou premiando aqueles que fazem o uso correto da terra por
meio da criação de um selo da função social”. Isso significa elevar os critérios
pra se considerar uma propriedade agrária produtiva e beneficiar quem é
realmente produtivo?
Marina Silva: A função social da terra está estabelecida na Constituição Federal. Não
acredito que tenha nenhum produtor, nenhuma pessoa que, eh, enfim, esteja
propondo mudar esses critérios. E o que nós estamos nos dispondo, para
resolver os conflitos que hoje acontecem em relação às comunidades
indígenas, às comunidades quilombolas, principalmente, é de que o governo
também se disponha ao diálogo. Existem dois tipos de conflito: aqueles que
você tem uma terra indígena e que é determinada pelos estudos
antropológicos, em que não houve ali uma posse mansa e pacífica por parte
dos ocupantes dessa terra, e os casos em que você tem uma terra indígena e
uma ocupação mansa e pacífica por agricultores que foram assentados pelo
próprio estado. Essas pessoas não podem ser prejudicadas por um erro
cometido pelo Estado e o Estado tem de encontrar formas de indenizar essas
pessoas no caso de qualquer desapropriação. Nós estamos dizendo, em relação
a esses conflitos, que a disposição para o diálogo, e não a guerra que muitas
vezes é estimulada entre agricultores e as comunidades indígenas, até porque
um país com 8 milhões de quilômetros quadrados, com uma população de
165
apenas 700 mil índios, é preciso que tenha um lugar também para essas
populações. Eu tenho conversado com os agricultores, tanto os grandes,
pequenos e médios, e sinto uma disposição enorme para o diálogo, o que eles
querem é segurança jurídica. Segurança jurídica passa também pela
credibilidade do governante, uma pessoa que é capaz de entender o problema
dos indígenas, de entender o problema dos agricultores, consegue mediar
muito mais os conflitos do que aqueles que têm uma atitude de omissão ou
que não dispõem sequer a colocar os diferentes entes para o exercício do
diálogo. Cada vez mais os agricultores querem resolver o problema da
responsabilidade social, da responsabilidade ambiental, e eu sinto que isso é
uma tendência. Eu acho até injusto quando muita gente começa a dizer que o
agronegócio é sempre em oposição ao meio ambiente, que o agronegócio é
sempre em oposição aos indígenas e aos quilombolas. Isso é uma fração
pequena daqueles que ainda não atualizaram o seu discurso e as suas práticas
às exigências do século XXI. Uma boa parte tem uma disposição enorme,
porque precisa dos incentivos do governo, precisa do apoio do governo, do
Código Florestal...
Apresentador: A maioria do agronegócio?
Marina Silva: Nós, a maioria quer funcionar da forma correta. Só uma minoria que é
renitente a essas atualizações, uma pequena parte já está fazendo o dever de
casa e está em uma grande quantidade de pessoas que se dispõem a fazê-lo
também. Em relação ao Código Florestal, o que nós vamos fazer é
implementar o Código Florestal. Não foi a lei que eu queria, mas foi a lei que
foi aprovada e ela será implementada. Nós vamos dar apoio para fazer
recuperação da reserva legal, para fazer recuperação das áreas de preservação
permanente, criar emprego, criar renda, inclusive com esse tipo de atividade
dos serviços ambientais, criar formas inovadoras de produção na propriedade,
como já tem meios disponibilizados pela Embrapa, como é o caso da
agricultura pecuária e tantas outras modalidades.
Apresentador: Candidata, a gente tá chegando ao fim do tempo, uma pergunta pro Marcelo,
outra pro Conrado e a gente encerra aqui a nossa entrevista.
Marcelo: Candidata, eu queria aproveitar esse tema: a senhora pretende aumentar a
quantidade de reservas indígenas e de parques no Brasil se a senhora for
eleita?
Marina Silva: As reservas indígenas elas não são criadas aleatoriamente. Como dizia o
Eduardo Campos, estudos que são feitos a partir de terras originariamente
pertencentes às comunidades que reivindicam esses territórios e vai chegar um
momento em que esse déficit com as populações indígenas vai ser suprido,
você não arbitra que vai criar uma terra indígena porque você quer criar uma
terra indígena. Então essa é uma questão que se resolverá no tempo. Em
relação às unidades de conservação é a mesma coisa. Nós trabalhamos muito,
quando eu era Ministra do Meio Ambiente, pra fazermos o ordenamento
territorial e fundiário, o Capobianco, juntamente com o Ministro Miguel
Rosseto, nós trabalhávamos da seguinte forma: é preciso que o Brasil dê
segurança jurídica fazendo o ordenamento territorial e fundiário. Quais são as
áreas que são para preservação da biodiversidade? Quais são as áreas que
devem ser demarcadas para os índios? Quais são as áreas que serão
consolidadas para a agricultura? Quais são as áreas que serão utilizadas para o
manejo florestal por concessão de florestas, como fizemos na BR-364? Então
o ordenamento territorial e fundiário nos dirá como fazer da melhor forma
166
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I. Eixo 01
o Reforma Política
o Manifestações de Junho
o Mercosul
II. Eixo 02
o Banco Central
o Reforma Tributária
o Distribuição de Riqueza
o Reforma Agrária
o Agronegócio
III. Eixo 03
o Educação Integral
o Valorização de Professores
o Cultura
o Economia Criativa
o Ciência, Tecnologia e Inovação
o Internet e Democracia
IV. Eixo 04
o Bolsa Família
o Evolução do Bolsa Família
o Saúde e Saúde +10
o Evolução do Mais Médicos
o Combate às Drogas
o Previdência Social
V. Eixo 05
o Minha Casa, Minha Vida
o Saneamento e PAC
o Transporte Público
o Segurança Pública
o Pacto Pela Vida
o Política Criminal
VI. Eixo 06
o Direitos Humanos
o Juventude
o Mulheres
o LGBT e Homofobia
o Deficientes e Acessibilidade
o Indígenas
o População Negra
o Idosos
o Movimentos Sociais
168
PROGRAMA
DE GOVERNO
e setores. Em cada uma delas e em seu conjunto, revela-se a trilha que nossa coligação
percorre para chegar às melhores soluções, afinadas com os sonhos do povo brasileiro.
Nenhuma mudança acontecerá, contudo, sem uma ressignificação da política e uma
nova sintonia da população com as virtudes democráticas. A crise de representação na qual o
sistema político imergiu é um grave fator limitante do desenvolvimento com justiça e
sustentabilidade, pois fragiliza e deturpa os canais de participação no processo de tomada de
decisão, fazendo com que o interesse público se perca em meio a uma enxurrada de interesses
particularistas que se imiscuem na esfera do Estado. Nosso programa, em seu Eixo 1, propõe
uma concepção de Estado pautada pela participação, gestão competente e governabilidade
fundada na transparência. Partimos da necessidade de devolver à sociedade a confiança na
democracia e, para tanto, o primeiro desafio é superar a crise de representação por meio de
um novo modo de fazer política. Para isso, propomos uma reforma na maneira de conduzir a
administração pública, conectando-a com as necessidades de um Estado que se destine a
servir a sociedade, e não dela se servir.
O Eixo 2 trata da economia para o desenvolvimento sustentável, cuja pujança
potencial é desperdiçada pela ausência de políticas à altura da disponibilidade de recursos
naturais e da existência de uma sociedade criativa e empreendedora. Planejamento, visão
estratégica e condução rigorosa da política econômica podem criar o ambiente necessário a
um novo ciclo de desenvolvimento, em novas bases e com novos horizontes. Com esse
objetivo, nosso programa apresenta uma série de propostas de reformas microeconômicas
capazes de trazer produtividade a todos os setores da sociedade brasileira.
No Eixo 3, concebemos educação, cultura, ciência e tecnologia e inovação como um
único corpo estratégico, indissociável da cidadania plena e fundamento do desenvolvimento
sustentável. A ênfase na educação pública de qualidade vai permear todas as políticas
públicas do futuro governo.
O Eixo 4 trata de um compromisso sem o qual nenhum programa de governo faria
sentido, por mais bem sucedido que pudesse ser nos indicadores econômicos: o bem estar da
população. As políticas sociais são o motor de uma visão de justiça e redução das
desigualdades, pela garantia de acesso universal e digno a bens e serviços públicos relevantes,
direito inalienável de cada cidadão. O compromisso com o fortalecimento do SUS, inclusive
assumindo bandeiras da sociedade como o Saúde+10, está materializado em propostas que
vão enfrentar o desafio de proporcionar ao povo brasileiro uma saúde de qualidade.
No Eixo 5 estão as propostas voltadas para um setor crítico e sensível da vida em
nosso país: o meio urbano, onde estão 85% dos brasileiros. Aí está o painel mais doloroso de
171
REFORMA POLÍTICA
Os debates sobre a necessária mudança de visão de Estado, não raro, levam a um
receituário reduzido do famoso “choque de gestão”, pautado por um único eixo, o da
“eficiência gerencial”. É insuficiente. Nossas escolhas são políticas e envolvem participação
social em todas as fases dos processos públicos.
Com a Constituição Federal de 1988, refundamos o Estado brasileiro. Resgatamos os
valores da cidadania e da dignidade humana, solapados pelo autoritarismo de governantes
ilegítimos. Anos depois, conseguimos encontrar os rumos da estabilidade econômica e da
inclusão social de parte da população mais carente. Houve também algum ganho em aspectos
pontuais da participação social em processos de escolha de prioridades e de decisão política.
Estamos, entretanto, bem longe dos níveis desejáveis de solidariedade, emancipação social,
convivência pacífica e desenvolvimento justo e ambientalmente sustentável.
Democracia de alta intensidade envolve da escolha de prioridades à tomada de
decisões e à transformação delas em ação pública. Eleições são apenas o ponto de partida do
processo. Trata-se de fazer avançar no Brasil a experiência democrática.
A mudança passa por elevar progressivamente a responsabilidade dos atores da
política — mandatários, legisladores e cidadãos. Uma aliança que busca a democracia de alta
intensidade deve reconhecer que o Estado não pode ser o garantidor único desses valores.
Sem ampla participação da sociedade, dificilmente sairemos dos sérios impasses em
que estamos, entre outras coisas, porque, na direção oposta, o atual governo trabalha para
substituir o cidadão, com seu consentimento a cada quatro anos, na tomada de decisões e na
gestão das políticas.
173
Os agentes dessa lógica são o presidente eleito e os líderes partidários. Estes, em troca
de mais recursos públicos, concedem àquele apoio político. Essa situação impede que o chefe
de Estado realize o programa para o qual foi eleito e se desdobra em escândalos como o
mensalão e os relativos à emenda da reeleição.
O primeiro passo de uma reforma implica exigir comportamento republicano de todos
os agentes políticos e dos demais ocupantes de cargos públicos. O presidente da República
não pode ser mero distribuidor de recursos públicos. Deve ser um representante da vontade
popular.
O primeiro passo de uma reforma implica exigir comportamento republicano dos
agentes políticos e dos ocupantes de cargos públicos.
As instituições públicas não podem se afastar dos princípios constitucionais de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Para além da busca de melhor qualidade individual e ética do governante, é preciso
desfazer uma série de nós antidemocráticos. Um deles é a falta de isonomia, transparência e
controle na competição entre os partidos políticos, notadamente em razão dos modos de
financiamento de campanhas. A crise política atual é, em boa parte, uma crise dos
instrumentos de mediação entre eleitos e eleitores, principalmente os partidos.
As eleições têm-se tornado um desafio cada vez mais custoso. As campanhas são
baseadas no apelo publicitário à imagem e às emoções, sintoma claro de atraso. Coalizões de
ocasião resultam em adição de segundos de exposição televisiva. O marketing transforma a
cena política em espetáculo.
O show eleitoral de grandes partidos é um empreendimento milionário. Isso se reflete
na composição atual do Parlamento: segundo registros do Tribunal Superior Eleitoral, em
2010, das 513 campanhas mais caras, para uma vaga na Câmara dos Deputados, 390
garantiram sucesso nas eleições. Com isso, a representação não se dá de forma equilibrada,
excluindo grupos inteiros de cidadãos, como indígenas, negros, quilombolas e mulheres.
Doar fundos a um partido constitui livre exercício de um direito político, mas é preciso
atentar para o princípio da equidade entre os cidadãos, dada a grande diferença entre a
capacidade contributiva de cada um.
No Brasil, há uma liberdade quase ilimitada no financiamento privado dos partidos, o
que resulta em competição com base em condições absolutamente desiguais. Evidentemente,
grandes partidos têm maior capacidade de arrecadação. Mas nada se compara ao poder de
atração do partido que controla a máquina pública. Nunca, na nossa história, um partido
ocupante do poder recebeu tanto em doações privadas num ano sem eleições como em 2013.
176
Regras são modificadas sem ampla discussão com a sociedade e com os investidores.
Subsídios são distribuídos sem um critério claro. Barreiras comerciais são adotadas
aleatoriamente, em função da capacidade de pressão política de grupos envolvidos. Nesse
ambiente, em que se premiam os mais bem conectados ao poder − não necessariamente os
mais eficientes −, são as empresas pouco produtivas que prosperam, aumentando as distorções
e diminuindo o potencial de crescimento do país.
A fragilidade institucional do Brasil é um dos maiores empecilhos ao crescimento.
A coligação Unidos pelo Brasil considera que reduzir o atraso institucional deve ser
um objetivo para viabilizar o progresso político, econômico, social e ambiental de longo
prazo.
Gestão do setor público: as mudanças na forma de atuação do governo e das estatais; o
apoio a municípios por uma administração com foco em resultados; por um sistema de metas,
indicadores e bonificação por desempenho.
Duas fontes importantes de ineficiência institucional no Brasil advêm da falta de
política de estruturação e capacitação dos municípios.
É fundamental aprofundar a transparência em todas as esferas e áreas da
administração.
Em muitos, os processos para a realização de programas, projetos e ações nem sempre
são bem definidos, com dificuldades de articulação de trabalho em equipe. Nas
administrações federal e estaduais, é recorrente o foco em processos, e não nos resultados,
com a consequente perda de clareza sobre os objetivos a alcançar.
Diante desse diagnóstico, propomos:
1) criar mecanismos de apoio aos municípios para elevar a eficiência na gestão;
2) instituir sistema de metas, indicadores e bonificação por desempenho no setor
público sempre que possível.
A educação e a saúde introduziram alguns indicadores e metas que são acompanhados
pelos respectivos ministérios, mas não se inverteu a lógica da gestão com foco nos processos,
que deveria evoluir para a gestão com foco nos resultados. Muito mais tem de ser feito nessas
áreas.
Assim, o processo deve ser estendido ao longo dos quatro anos de gestão da coligação
Unidos pelo Brasil, dando eficiência ao governo. Para que o foco em resultados funcione bem,
propomos a criação de um sistema de monitoramento e avaliação, articulando todos os órgãos
com funções específicas na área a fim de que se avaliem permanentemente os serviços
públicos a partir de seus resultados.
179
menos recursos. Viabilizará também a redução dos gastos públicos, o que poderá se refletir
em diminuição de arrecadação, principalmente dos tributos que distorcem preços relativos e
engessam a economia, como os de efeito cumulativo, que são parte dos impostos indiretos.
As instituições e o ambiente de negócios: as dificuldades de manter uma empresa no
país; a urgência de combater a corrupção, gerir com foco em resultados e desburocratizar para
atrair investimentos.
A melhoria do ambiente institucional é fundamental para elevar a taxa de crescimento
da economia e o bem-estar da população no Brasil. A baixa qualidade das instituições no país
é um dos grandes obstáculos para crescermos mais. Dados de pesquisas recentes indicam os
principais entraves aos negócios no Brasil: oferta de infraestrutura inadequada, carga
tributária excessiva e burocrática, ineficiência da burocracia governamental e corrupção.
Mudar a prioridade da gestão pública − do controle de processos para maior foco em
resultados − deverá contribuir para melhorar esse cenário. Em suma, todos os itens que
comprometem o ambiente institucional no Brasil serão objeto de intervenções importantes em
nosso governo.
Um novo ambiente de relacionamento entre Estado e sociedade. Relações
transparentes e desburocratizadas. Diálogo democrático com instituições, fornecedores e
organizações da sociedade civil.
Um governo aberto e eficaz precisa desenvolver canais de relacionamento
transparentes, eficientes e democráticos com todos os atores com os quais interage. Os
agentes públicos que realizam as tarefas da administração, os profissionais e empresas
fornecedoras de bens e serviços, as ONGs, as organizações da sociedade civil (OSCs), as
instituições de pesquisa e as universidades, todos precisam contar com um ambiente de
interação com o Estado no qual vigorem regras claras, estáveis, transparentes e eficientes.
É preciso definir normas e padrões de comportamento que assegurem a boa e correta
interação entre Estado e sociedade. Há que desenvolver canais para que os cidadãos e seus
representantes possam interagir com a administração pública. Devemos abrir espaços para que
as organizações da sociedade civil participem tanto da formulação quanto da execução das
políticas públicas. Para isso, a coligação Unidos pelo Brasil vai desenvolver um amplo
programa de reformas profundas e estabelecer um novo marco de relacionamento entre o
Estado e os agentes com os quais ele deve interagir.
Romper com a lógica de “pacotes prontos” para o funcionalismo. Garantir liderança
justa e respeitosa. Valorizar os talentos e as ilhas de excelência. A reforma administrativa que
queremos.
181
públicos federais depende, em grande medida, de sua percepção de que sua importância e seu
talento criativo e gerencial serão contemplados nas mudanças. A burocracia pública não pode
mais ser tratada como destinatária de pacotes prontos.
Melhorar o funcionamento das instituições implica inovar a cultura gerencial
estabelecendo metas que sejam monitoradas e submetidas a controle dos resultados. A
definição das políticas públicas e de seus programas, projetos e ações deve estar pautada por
uma cultura de métrica. Quem são os beneficiários e quais os custos das iniciativas devem ser
critérios informadores do processo decisório.
Na gestão de pessoal, é essencial desenvolver os mecanismos de diálogo com os
servidores públicos por meio de mesas permanentes de negociação coletiva a fim de que as
normas e condições de trabalho sejam definidas democraticamente e para que se promovam
mais trocas de informações sobre os desafios e os objetivos da administração pública e os
anseios da sociedade brasileira.
Em suma, a coligação Unidos pelo Brasil tem o objetivo de reformar a estrutura
organizacional da administração pública, a gestão financeira e orçamentária, a gestão de
recursos humanos, a gestão de compras e contratos, com uso intensivo de tecnologias de
informação e comunicação na prestação de serviços públicos e fomento à colaboração entre
sociedade e entes governamentais.
Sobretudo, almejamos modificar a cultura do serviço público, resgatando sua missão
de aprimorar a prestação de serviços à comunidade.
Política Externa
A política externa deve estar a serviço do desenvolvimento, abrindo espaços para a
projeção internacional de nossos produtos e serviços e favorecendo a inclusão de nossas
empresas nas cadeias globais de produção. A participação do país nas instâncias de decisão
internacionais legitima-se pela defesa inequívoca da paz, da democracia, dos direitos humanos
e do desenvolvimento sustentável.
É hora de revalidar a política externa como política de Estado realmente destinada à
promoção dos interesses e dos valores nacionais. Por lidar com aspirações permanentes do
país e implicar compromissos de Estado, a política externa não pode ser refém de facções ou
agrupamentos políticos. Deve refletir, sempre que possível, convergências sociais e
multipartidárias. Surpreende o recurso nos últimos anos a “diplomacias paralelas”.
A política externa é aquela definida pelo presidente da República e executada pelos
agentes do Estado, sob amparo do texto constitucional. Seu marco ideológico são os valores
enunciados no Artigo 4º da Constituição.
Constituição Federal de 1988
Art. 4º − A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios:
I. independência nacional;
II. prevalência dos direitos humanos;
III. autodeterminação dos povos;
IV. não-intervenção;
V. igualdade entre os Estados;
VI. defesa da paz;
VII. solução pacífica dos conflitos;
VIII. repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX. cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X. concessão de asilo político.
189
nas relações econômicas internacionais, o que pode nos custar a perda das oportunidades
históricas que hoje se abrem ao país.
Não se justifica a reticência em negociar novas frentes para o comércio de nossos bens
e serviços. A valorização das tratativas na Organização Mundial do Comércio (OMC) é
plenamente compatível com a negociação de acordos regionais e bilaterais. Se a adoção de
regras universais é crucial para a simetria no comércio entre os povos, é inadiável a
necessidade de garantir condições favoráveis de acesso a mercados regionais em um cenário
volátil como o atual, onde os principais atores estão empenhados na acomodação recíproca de
seus interesses.
Basta lembrar os entendimentos em curso entre os Estados Unidos e a União Europeia
para a criação da Parceria Transatlântica em Comércio e Investimento, que definirá diretrizes
em barreiras não-tarifárias e regras de comércio incontornáveis para quem pretenda exportar
bens e serviços para dois dos três principais polos da economia internacional.
Igualmente sugestivos são os passos adotados para tornar viável uma zona de livre
comércio entre a Ásia e as Américas, com o envolvimento de alguns países latino-americanos,
como Chile, Peru, Colômbia e México, os quais, por sua vez, criam e impulsionam a Aliança
para o Pacífico, com propósitos ambiciosos em serviços, circulação de capitais e promoção de
investimentos.
Renovação do Mercosul: o Brasil no combate à estagnação do bloco. A necessidade de
propor mudanças, investir em negociações com outros países e fechar acordos com
cronogramas diferenciados.
O Mercosul não tem cumprido bem o desígnio original de constituir uma modalidade
de “regionalismo aberto”. A expansão significativa do comércio intrarregional não foi
acompanhada de empenho negociador do bloco em aumentar suas transações com outras
regiões.
Salvo um par de acordos de livre comércio com mercados inexpressivos, a tônica foi o
imobilismo. As tratativas iniciadas há mais de uma década com vistas a uma associação com a
União Europeia (UE) permanecem inconclusas. Salvo um par de acordos de livre comércio
com mercados inexpressivos, a tônica do Mercosul é o imobilismo.Não se chegou nem sequer
a testar a real disposição do bloco europeu em reduzir seu protecionismo agrícola, por causa
da relutância da Argentina em convergir com os demais membros quanto aos produtos a
liberar e ao período de desgravação.Por pressão da opinião pública e pela aproximação das
eleições de outubro, o governo brasileiro somente há pouco começou a cobrar com a ênfase
devida uma atitude negociadora mais construtiva das autoridades argentinas.
191
multilaterais com outros polos importantes da economia global.A Iniciativa para a Integração
da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) já prevê tudo isso, mas precisa ir além. O
processo precisa ser não apenas econômico mas também socioambiental e cultural,
contemplando os projetos de desenvolvimento dos países da América do Sul.
A região continua sendo destino privilegiado de nossas exportações, inclusive as de
maior valor agregado. Muito ajudaria, portanto, articular a associação do Mercosul com a
Aliança do Pacífico, até para a captação recíproca de investimentos e a incorporação de
empresas brasileiras nas cadeias internacionais de valor. Quanto mais integrada a região,
maiores os atrativos que reunirá para a celebração de acordos bilaterais e multilaterais com
outros polos importantes da economia global.
Como parte do salutar processo de internacionalização das empresas brasileiras − que
deve ser estimulado pelo Estado de acordo com padrões sustentáveis e desvinculado de
qualquer política clientelista.
Cabe zelar para que a participação de grupos brasileiros na construção da
infraestrutura regional em energia, transportes e comunicações ocorra em ambiente de
estabilidade de regras e respeito a contratos. A adesão dos governos sul-americanos ao
objetivo da integração física do continente deve ser traduzida em políticas de receptividade e
apoio à cooperação empresarial, estimulando a internacionalização da economia brasileira.
Democracia e direitos humanos na América do Sul: respeitar o princípio da não-
intervenção nos assuntos internos; reforçar os princípios democráticos no continente.
A América do Sul viveu um processo quase simultâneo de redemocratização a partir
dos anos 80. Portanto, não é por acaso que a região acumulou um acervo admirável de
compromissos com a democracia como condição para protagonizar as iniciativas regionais de
integração.Nossa política externa deve buscar cada vez maior integração com os países
vizinhos. Podem ser enumerados como exemplos desses esforços o Protocolo de Ushuaia
sobre o Compromisso Democrático no Mercosul, firmado em julho de 1998; a Carta
Democrática Interamericana, datada de setembro de 2001; e o Protocolo Adicional ao Tratado
Constitutivo da Unasul, assinado em novembro de 2010.
A política externa da coligação Unidos pelo Brasil deve buscar cada vez maior
integração com os países da América do Sul e, ao mesmo tempo, promover os princípios
democráticos em consonância com essa tradição.
Relações com as grandes economias: reacender o dinamismo nas trocas com os
Estados Unidos e com a União Europeia. Fundar novos padrões de comércio com a China.
193
à questão das taxas de câmbio das moedas dos dois países, cujos termos atualmente têm
acarretado dificuldades no lado brasileiro.
Também convém empenhar-se para que os investimentos chineses atendam às nossas
expectativas de estabelecimento de parcerias, utilização de insumos locais, criação da
capacidade de pesquisa e desenvolvimento e contratação de mão de obra e de executivos
brasileiros.
Cooperação Sul-Sul e os Brics: os resultados práticos do ativismo do Brasil no
estreitamento de relações; a abertura e a consolidação de mercados para nossos bens e
serviços.
Não há como minimizar o ativismo do Brasil na cooperação Sul-Sul ao longo dos
últimos anos, que serviu para atenuar o impacto da crise sobre o comércio exterior, além de
gerar dividendos políticos concretos. Iniciativas como o Ibas (Índia, Brasil e África do Sul)
são úteis para a articulação de posições comuns com importantes potências regionais em
fóruns multilaterais, para benefício de nosso “poder brando”.
Para que o diálogo seja construtivo, devemos reconhecer as diferenças de agenda
econômica, política, cultural e ambiental dos países.Já a participação do Brasil em fóruns
informais como os Brics − bloco formado também por Rússia, Índia, China e África do Sul −,
cumpre necessidade de articulação internacional na direção de um mundo mais multipolar. A
identificação de interesses comuns do Brasil com os outros países do Brics contribui para
maior equilíbrio na geopolítica atual, fortalecendo países emergentes ainda sub-representados
nas instâncias internacionais criadas logo após a 2ª Guerra Mundial.
Não podemos, todavia, desconsiderar as diferenças nas agendas econômica, política,
cultural e ambiental dos Brics, assim como na pauta de direitos humanos e liberdades civis de
cada um dos países do bloco. A fim de que o diálogo no grupo seja construtivo e realista, é
preciso reconhecer essas diferenças.
A cooperação com a África também merece um acompanhamento cuidadoso. A
cooperação com a África merece acompanhamento cuidadoso.Não bastasse o reconhecimento
que se presta ao legado histórico, étnico e cultural que nos foi transmitido em séculos de
história, a aproximação com o continente africano permite a identificação de um vasto leque
de oportunidades para as empresas brasileiras, sobretudo em países de maior vitalidade
econômica.
Devem-se promover iniciativas de cooperação nas áreas de educação, ciência,
tecnologia e inovação. Atenção especial deve ser concedida ainda aos membros da
195
Além disso, devemos avançar cada vez mais na área de ciência e tecnologia voltada
para a defesa de nossa soberania, inclusive buscando preservar os dados digitais do país e de
seus cidadãos como instrumento de defesa nacional.
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Desenvolvimento sustentável: pôr abaixo a leitura estática do princípio das
“responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Por mais proatividade nas negociações do
clima.
Se existe um campo em que temos inestimável potencial para assumir um papel de
vanguarda nos fóruns multilaterais, mas não o fazemos em razão de desacertos domésticos, é
o desenvolvimento sustentável.
O Brasil tem inestimável potencial para assumir papel de vanguarda na defesa da
redução das emissões de carbono sem pôr em risco as expectativas de crescimento.Embora no
atual governo nossa matriz energética tenha se tornado menos renovável, esta ainda é uma
vantagem relativa diante de outros países. Nosso futuro energético pode contar com
disponibilidade crescente de tecnologias limpas. Por esses fatores, o Brasil está credenciado a
liderar o combate à mudança do clima a reduzir a patamares mínimos suas emissões de
carbono sem colocar em risco as expectativas de crescimento econômico.
Sabe-se que, ao contrário do que ocorre com Estados Unidos, China, Rússia, Japão e
Índia, a parcela maior da responsabilidade que nos cabe pelas alterações climáticas advém de
queimadas e desmatamentos, e não do uso de combustíveis fósseis. Porém, enquanto os EUA
e a China anunciavam ousados planos de corte de emissões, com aumento da eficiência
energética e forte incentivo às fontes alternativas, e o Banco Europeu de Investimentos
suspendia o financiamento a usinas movidas a carvão, o Brasil aprovava o Código Florestal,
autorizava o plantio de cana na Amazônia e decidia expandir as termelétricas. Não pareceu
fortuita a coincidência entre essas e outras sinalizações de descaso ambiental e a dramática
elevação do ritmo de desmatamento em 2013.
O fato é que não restou à nossa diplomacia outra opção nas tratativas multilaterais que
não fosse continuar a escudar-se em uma leitura estática do princípio das “responsabilidades
comuns, porém diferenciadas”, acomodando-se em parcerias com os grandes poluidores.
Se a política externa estiver legitimada por uma prática doméstica de efetivo
compromisso com o desenvolvimento sustentável, é amplo o espaço para iniciativas
inovadoras que resultem benéficas, inclusive para a integração regional. Merece ser debatida,
por exemplo, a proposta de criação, no âmbito do Pacto Amazônico, de um mecanismo
técnico-científico-diplomático nos moldes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC).
198
Uma política externa legitimada por uma prática doméstica de compromisso com o
desenvolvimento sustentável abre espaço para iniciativas inovadoras de integração
regional.Ele teria o objetivo de fazer avançar, como subsídio para eventuais políticas dos
membros do Tratado de Cooperação Amazônica, o conhecimento científico sobre alterações
climáticas na região, tanto no que diz respeito à influência do que ocorre na área para o
processo global de aquecimento, como no tocante ao impacto de fenômenos externos na
região. Estaríamos criando condições para a obtenção de um conhecimento indispensável e
urgente para uma gestão sustentável da região e revitalizando um tratado que, desde seu
preâmbulo, atribui igual hierarquia às exigências do desenvolvimento e da preservação
ecológica.
Diplomacia pública: por uma atuação que contribua para afirmar os interesses e a
imagem do Brasil no restante do mundo.
Já se tornou um lugar comum falar da importância crescente da diplomacia pública
como complemento necessário da clássica diplomacia intergovernamental. Variáveis como a
globalização, a emergência de atores não-estatais e a transnacionalização de temas como
direitos humanos, desenvolvimento sustentável
e migrações exigem cada vez mais que os agentes diplomáticos disponham de meios e
condições para a afirmação dos interesses e da imagem do país junto a empresários,
jornalistas, acadêmicos, artistas e a opinião pública em geral.
Diplomacia cultural: inspirar-se em iniciativas e modelos bem sucedidos de outros
países e disseminar internacionalmente nossas artes.
A vertente cultural da diplomacia pública também merece atenção particular. Não se
desconhece que muito já foi feito para a difusão externa da cultura brasileira, mas,
usualmente, as ações se restringem a megaeventos ou a iniciativas de nossos embaixadores.
Falta uma política cultural externa definida em ausculta à sociedade civil, atenta à
diversidade regional e amparada pela comunidade empresarial com base nas leis de incentivo.
Um caminho possível pode ser a criação de uma instância que se inspire, onde cabível, na
experiência dos institutos culturais de países europeus.
Assistência aos brasileiros no exterior: reforçar recursos humanos e materiais para dar
apoio a quem está fora do país.
Cabe ainda mencionar aqui a política de assistência aos brasileiros no exterior.
Embora se tenha observado nos últimos tempos a tendência de retorno dos emigrados, ainda é
expressivo o contingente de nacionais que residem fora do país e têm a legítima expectativa
199
de receber apoio do Estado para proteção e exercício de direitos, além de ser amparado em
situações de emergência.
Medidas importantes já foram adotadas para favorecer a organização das comunidades
e a capacidade de interlocução com as autoridades brasileiras. É essencial que se persista
nesse esforço, o que supõe reforçar recursos humanos e materiais de nossa rede consular e
atuar cada vez mais concertadamente, sob a coordenação do Itamaraty, nas áreas responsáveis
por serviços de interesse dos expatriados.
Interação do Itamaraty com o Estado e a sociedade civil: revalorizar o Ministério das
Relações Exteriores.
A coligação Unidos pelo Brasil entende que o Ministério das Relações Exteriores
poderia ter sido mais valorizado nos últimos anos. Poderia ter sido fortalecido em diálogo
com outros órgãos do Estado brasileiro e instâncias da sociedade civil, mas a instituição foi
esvaziada com a partidarização ou ideologização da política externa.
Para colocar outras vozes no debate sobre os rumos de nossa ação externa, não é
necessário criar um conselho com atribuições paralelas.
Propomos aumentar a porosidade do Itamaraty aos influxos externos, seja do Estado,
seja da sociedade, o que começa a ser feito pela gestão atual da Casa de Rio Branco.
Transferir a orientação estratégica de nossa política externa a um novo fórum seria
depor contra uma instituição e quadros de reconhecida capacitação e que têm prestado uma
inestimável contribuição à construção de reputação e à projeção internacional do Brasil.
sustentabilidade ambiental e capacitando os cidadãos brasileiros para uma vida mais livre e
digna de viver.
A cada um desses desafios devem corresponder políticas econômicas específicas. Os
dois primeiros demandam a mesma política pública, relacionada à necessidade de promover
grande transformação em nosso sistema educacional. Trata-se de propiciar a todos os
brasileiros o acesso a educação de qualidade, a formação técnica e científica sólida desde os
primeiros estágios da escola, a capacitação para pesquisa e inovação como valor central para
nossas crianças e jovens.
A formação de capital humano é o nosso maior desafio. Nossos alunos ainda obtêm
péssimos resultados nos testes internacionais de aprendizado. Uma política social visando à
igualdade de oportunidades e à conquista da cidadania plena para todos os brasileiros deve
concentrar o foco nas crianças e jovens das famílias de baixa renda.
Para estabelecer uma ponte entre o Brasil do presente e o do futuro, é imprescindível
uma educação de qualidade, formadora de cidadãos comprometidos com uma vida social
solidária, motivados e preparados para os desafios de uma sociedade que demanda cada vez
mais informação e conhecimento.
No governo da coligação Unidos pelo Brasil, a educação pública de qualidade para
todos vai ser o grande eixo em torno do qual as demais políticas vão se articular. Com isso,
enfrentaremos a falta de capital humano e de justiça social, que fazem do país um dos mais
desiguais e menos produtivos do mundo. O tema é profundamente analisado no Eixo 3 −
Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação.
Outras políticas sociais para elevar a igualdade de oportunidades e de acesso aos
serviços públicos − como saúde, segurança, habitação, saneamento e transporte − serão
preocupação de nosso futuro governo e estão detalhados nos demais eixos deste programa.
Para acelerar o crescimento econômico sustentável, contudo, teremos de restaurar a
estabilidade econômica; promover as reformas institucionais necessárias para melhorar o
ambiente de negócios,Para acelerar o crescimento sustentável, teremos de restaurar a
estabilidade econômica. incluindo-se aí a necessidade de elevar a eficiência da máquina
pública; e, por fim, melhorar os instrumentos para que a sociedade possa gerar
desenvolvimento que preserve os recursos naturais.
Para atingir tantos objetivos, nosso desafio é, cada vez mais, estabelecer regras claras,
ágeis, e confiáveis para a tomada de decisões econômicas. Atenção especial deve ser dada
àquelas que envolvem compromissos e aportes de capital de longo prazo, particularmente no
que se refere a investimentos em inovação e em infraestrutura. A situação das finanças
203
modesta, mas é muito significativa diante dos intervalos de tolerância estipulados pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN) em nosso regime de metas para a inflação.
Vale notar que esse intervalo, de dois pontos percentuais a mais ou a menos em torno
da meta de 4,5%, já é excepcionalmente largo para padrões internacionais. Considerando um
intervalo de um ponto percentual, como é mais comum entre países usuários do regime de
metas (mesmo no mundo em desenvolvimento e, mais especificamente, na América Latina),
teríamos ficado fora dele em todos os anos a partir de 2008, com exceção apenas do atípico
2009.
Os economistas do governo têm creditado a elevação recente da inflação a choques
externos, basicamente a preços de mercadorias primárias e à política monetária norte-
americana. Entretanto, a observação de dados de inflação para outros países, como Chile,
México e Colômbia, nos leva à conclusão de que não houve fatores internacionais que
justificassem tal quadro.
O impacto parece estar mais relacionado à inadequação da gestão das políticas
macroeconômicas. Economistas não ligados ao governo, por sua vez, apontam como
geradores do descontrole inflacionário os seguintes pontos: elevação do déficit público; perda
da credibilidade do setor público em estatísticas relevantes para mostrar preocupação com a
inflação; perda de credibilidade das sinalizações de expectativas, pois o teto da meta hoje
funciona como a meta efetiva; falta de compromisso do Banco Central, outro componente da
perda de credibilidade; e falta de autonomia operacional do BC.
Para reduzir e manter baixa a inflação
Recuperar o tripé macroeconômico básico, que implica:
I. trabalhar com metas de inflação críveis e respeitadas,
sem recorrer a controle de preços que possam gerar resultados
artificiais, e criar um cronograma de convergência da inflação para o
centro da meta atual;
II. gerar o superávit fiscal necessário para assegurar o
controle da inflação − a médio prazo, os superávits devem ser não só
suficientes como também incorporados na estrutura de operação do
setor público, de tal maneira que possam ser gerados sem
contingenciamentos
III. manter a taxa de câmbio livre, sem intervenção do Banco
Central, salvo as ocasionalmente necessárias para eliminar excessos
pontuais de volatilidade, com vistas a sinalizar para o mercado que
políticas fiscais e monetárias serão os instrumentos de controle de
inflação de curto prazo.
Assegurar a independência do Banco Central o mais rapidamente
possível, de forma institucional, para que ele possa praticar a política monetária
necessária ao controle da inflação. Como em todos os países que adotam o regime
de metas, haverá regras definidas, acordadas em lei, estabelecendo mandato fixo
para o presidente, normas para sua nomeação e a de diretores, regras de destituição
205
O Brasil hoje possui alto volume de contencioso tributário. Isso responde pela maior
parte dos elevados custos jurídicos das empresas, quando comparados a outras economias. O
valor médio chega perto de 2% da receita corrente líquida. O estoque do contenciosos na
esfera administrativa federal atinge 11% do PIB do país, várias vezes a média de 0,2% do PIB
para uma amostra de países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
As disputas entre as empresas e os fiscos federal, estaduais e municipais nas esferas
administrativa e judicial consomem um volume muito grande de recursos e de energia não
apenas das organizações mas também dos governos, além de criar uma situação de
insegurança prejudicial ao investimento. Nesse contexto, a adoção de medidas voltadas a
reduzir o grau de litigiosidade sobre matéria tributária teria efeito muito positivo sobre o
crescimento. Listamos a seguir algumas medidas básicas para mudar essa situação.
E, no conjunto de propostas de reforma institucional, duas áreas específicas merecem
comentários especiais: a reforma tributária e as mudanças nas regras trabalhistas.
Para reduzir contenciosos
Propor um Código de Defesa do Cidadão, estabelecendo os princípios
de agilidade, transparência e qualidade nos processos de interesses do cidadão, das
empresas e de organizações da sociedade civil em trâmite no governo federal e
incentivando estados e municípios a adotar o modelo.
Criar mecanismos que obriguem os fiscos a divulgar sua interpretação
da legislação tributária (e das mudanças na legislação) no menor prazo e da forma
mais transparente possível, evitando assim disputas decorrentes de divergências de
entendimento das regras.
Tratar de forma diferenciada as situações em que as disputas entre
contribuintes e fisco decorram de divergências justificáveis de interpretação (que
não devem ser objeto de multa) das situações em que se caracterizem fraudes.
Criar estrutura que viabilize a transação e a conciliação administrativa e
judicial entre fisco e contribuintes.
Reforma tributária: compromisso com a não-elevação da carga e com a justiça;
redução dos impostos sobre faturamento de empresas; desoneração de investimentos; desarme
da guerra fiscal.
O sistema tributário brasileiro foi formado, retalhado e reformado ao longo do tempo
sem preocupação com sua consistência. Interesses específicos e necessidades de ajustes de
curto prazo muitas vezes contribuíram para moldá-lo. Reduzir o número de tributos e tornar
mais simples os cálculos e os procedimentos para recolhimento são princípios
essenciais.Além disso, não sofreu ajustes gerados por mudanças econômicas e sociais, como
comércio eletrônico, terceirizações em larga escala e elevação do papel do comércio
internacional no PIB. Diante disso, precisa de uma reforma profunda, que já vem sendo
discutida no Legislativo há anos.
209
tributária original bem como na receita pública total. Obviamente isso não deve impedir que
haja colaboração entre as esferas de governo na arrecadação dos impostos, como ocorre, por
exemplo entre Receita Federal, Sistema S e Previdência Social. A eficiência arrecadatória é
essencial, dado o seu importante papel na justiça tributária.
Por fim, a reforma tributária deve conter rigoroso fator de indução a investimentos em
atividades de baixa emissão de carbono e de uso sustentável dos recursos naturais.Desonerar
investimentos (principalmente em desenvolvimento tecnológico) e aplicações de poupança
também será prioridade.Apesar de a Constituição determinar o tratamento tributário
diferenciadoem função dos impactos ambientais de processos e produtos (Art. 170, VI), o
governo federal não tem promovido incentivos a atividades reconhecidamente sustentáveis e
geradoras de emprego e renda.Pior, as desonerações e os incentivos foram direcionados a
atividades altamente impactantes.
A reforma tributária também deverá contribuir para viabilizar a transição gradativa
para uma economia mais sustentável do ponto de vista socioambiental.
Mudanças nas regras trabalhistas: modernizar as relações entre empresas e
empregados para ampliar a proteção aos trabalhadores e às novas categorias; manter os
direitos conquistados; criar um ambiente de maior segurança jurídica.
O Brasil conta com uma legislação trabalhista construída ao longo de mais de 70 anos
de história. Ela assegurou vários avanços. Essas conquistas históricas serão preservadas.
Ainda persistem amplos setores expostos a relações de trabalho precárias ou na informalidade,
que precisam ser objeto de programas específicos de proteção. Assegurar o bem-estar e a
melhoria de vida dos trabalhadores é uma bandeira importante do socialismo democrático que
inspira as propostas da coligação Unidos pelo Brasil. Daí o compromisso com a preservação
dos direitos conquistados em anos de luta.
Em tópicos específicos, em consequência das grandes mudanças ocorridas nas
relações de trabalho no país e no mundo, é necessário atualizar a legislação. As novas
tecnologias mudaram a natureza do trabalho. A relação contemporânea entre empregado e
empregador não mais se restringe ao modelo do contrato com prazo indeterminado e jornada
integral.
Faz-se necessário promover alguns ajustes, obviamente assegurando que os direitos
sejam não só preservados como ampliados. Para isso, um passo importante será fomentar
legislação favorável à autonomia e à liberdade sindical, que possa trazer mais segurança
jurídica às relações entre empregado e empregador, ao mesmo tempo em que fortaleça o papel
211
dos sindicatos nas negociações, facilitando sua organização nos locais de trabalho (o tema
será mais profundamente abordado no Eixo 6 – Cidadania e Identidades).
Além disso, medida com o propósito de aumentar o emprego mediante redução dos
encargos sobre a folha salarial é a expansão dos setores com direito a beneficiar-se das
mudanças do regime de contribuição para a Previdência Social, passando do regime de
contribuição de 22% sobre a folha de pagamento para o regime de 2% sobre o faturamento.
Distribuição de riqueza e renda: combater a concentração com programas e políticas em todas
as áreas do governo; enfrentar o fato de que a desigualdade atrasa o desenvolvimento e o
crescimento da economia.
Apesar de reduzida desde 2002, a concentração de renda ainda é um dos mais sérios
problemas no Brasil. As pessoas mais pobres nascem em ambientes que lhes proporcionam
poucas oportunidades de ingresso em creches e escolas. Quando conseguem acesso a elas, a
qualidade do ensino é bem inferior à disponível para os filhos das pessoas mais ricas. O
quadro se perpetua ao longo de toda a formação e, quando os jovens chegam ao mercado de
trabalho, as diferenças na capacidade produtiva surgem de forma marcante. Mesmo com as
quedas recentes nas diferenças de rendimento entre pessoas com formação distinta, a
disparidade de oportunidades ainda é demasiada, fazendo com que o Brasil se mantenha como
uma das nações mais desiguais do mundo.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad-IBGE) até 2012
revelam que o coeficiente de Gini vinha caindo desde o início da primeira década deste
século, mas estabilizou-se nos anos de 2011 e 2012, os últimos para os quais há dados
disponíveis. O coeficiente de Gini é a medida de distribuição de renda mais utilizada pelos
economistas. Quando é maior (mais próximo de 1), a renda no país é mais concentrada e,
quando é menor (mais próximo de 0), menos concentrada.
O objetivo do governo da coligação Unidos pelo Brasil é baixar o coeficiente de Gini
para 0,50 até 2018. Depois de todas as quedas verificadas entre 2002 e 2010, tornou-se mais
difícil reduzir o indicador nos próximos anos, embora os maus resultados da economia
durante a atual gestão federal tenham paralisado o processo de queda verificado na década
passada.
212
A coligação Unidos pelo Brasil considera a construção de uma sociedade mais justa
como tarefa essencial ao país. Por isso, é natural que incorpore em seus compromissos
econômicos alguns objetivos claros de melhoria na distribuição de renda que deverão pautar
todas as suas ações ao longo do governo.
Políticas sociais normalmente melhoram a distribuição de renda. A expansão de
programas como o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada elevam os ganhos
dos mais pobres e, consequentemente, ajudam a repartir melhor a riqueza. A maior parte dos
programas de inclusão social, quando gera resultados sensíveis, tende a O objetivo do governo
da coligação Unidos pelo Brasil é baixar o coeficiente de Gini para0,50até 2018.resultar em
um pouco mais de equidade. Os programas de habitação popular, de melhorias na educação e
mesmo de saúde pública também têm impacto relevante. Ou seja, os objetivos da distribuição
de renda, ao longo de nosso governo, deverão estar presentes em diversas políticas sociais
(leia mais sobre o tema no Eixo 4 − Políticas Sociais, Saúde e Qualidade de Vida).
Nosso governo vai ter a diminuição do coeficiente de Gini como um de seus principais
objetivos. O Brasil continua sendo muito desigual na comparação com outros países. Isso é
incompatível com nossa concepção de desenvolvimento social sustentável e afeta o potencial
de desenvolvimento do país.
Para atingir os objetivos de melhoria na distribuição de riqueza e renda, a coligação
Unidos pelo Brasil vai priorizar a qualidade do ensino público como estratégia de longo prazo
213
em 2009, quando recuou um pouco), mesmo com a queda do número de assentamentos depois
de 2007. A partir de 2010, no entanto, há uma diminuição significativa dos valores destinados
a essa finalidade, da casa dos R$ 5,5 bilhões para a dos R$ 4 bilhões.
O fato é que a política de redistribuição de terras não contribuiu para mudar a estrutura
fundiária do país, que permanece praticamente inalterada nas décadas recentes, apesar do
assentamento de 1 milhão de famílias. O último Censo Agropecuário (2006) constatou um
coeficiente de Gini da propriedade da terra de 0,0854, muito próximo do índice de 1995/1996,
que era 0,0856, e também do 0,0857 apurado em 1985.
A coligação Unidos pelo Brasil entende que a reforma agrária exige que se expanda o
foco de atuação do governo para esferas além da questão da justiça social, da solução de
conflitos territoriais agrários e da reversão do êxodo rural.
Em alguns casos, a terra cadastrada a mais chega a dez vezes o tamanho da superfície.
Somado, o sobrecadastramento de terras no país chega a 58 milhões de hectares, área do
tamanho de Minas Gerais. Depois da reforma do Código Florestal, iniciou-se um esforço de
unificação destes cadastros. É fundamental realizá-la.
Por fim, apesar de sua história respeitável, o Incra carece dos requisitos para fazer uma
reforma agrária como a que propomos. Esse problema também será enfrentado em nosso
governo.
recentemente, contudo, surgiram sinais de esgotamento desse mecanismo. Na fase inicial, até
a crise financeira de 2008, a expansão do crédito foi, em grande medida, resultado de
reformas institucionais que reduziram o risco de emprestar. O crédito consignado, a nova lei
de recuperação das empresas e a alienação fiduciária de imóveis, além da figura do
patrimônio de afetação, possibilitaram uma explosão do crédito pessoal, corporativo e
imobiliário. A partir de 2008, os bancos governamentais expandiram agressivamente sua
atuação, inicialmente com o intuito de compensar a retração do crédito privado no período da
crise financeira internacional.
O acesso a crédito viabiliza a aquisição de bens e serviços de grande impacto no bem-
estar geral da população, como moradia e educação, permitindo seu consumo em maior
escala.Depois da rápida recuperação da economia brasileira, porém, a ampliação generalizada
do crédito continuou à custa de redução da participação do setor privado. A expansão do
crédito corporativo concedido por bancos públicos teve caráter concentrador: alocou
empréstimos subsidiados prioritariamente para grandes empresas, e para isso fez uso
crescente de recursos fiscais. Por sua vez, a expansão dos empréstimos que as instituições
concederam a pessoas físicasatendeu à base da pirâmide social, mas acabou por causar grande
comprometimento de renda das famílias mais pobres. Esses fatores apontam para a exaustão
desse modelo.
O crescimento prolongado do crédito no Brasil é fundamental para o desenvolvimento
sustentável. É preciso reformular seu modelo, para torná-lo dinâmico e robusto, e corrigir suas
distorções. Além disso, um novo sistema deve democratizar o acesso ao crédito corporativo e
reduzir as taxas de juros, especialmente as cobradas dos mais pobres.Os subsídios ao crédito
agropecuário e aos programas de habitação popular deverão continuar, mas com maior
participação dos bancos privados.Tudo isso requer medidas para reduzir o custo das operações
e para lidar com o problema de endividamento das famílias de baixa renda.
Resumidamente, alguns problemas do mercado de crédito atual devem ser resolvidos
em nosso governo. São eles:
regulação inadequada, taxa básica de juros quase sempre elevada e baixo nível de informação
sobre potenciais tomadores de crédito.Diante desses problemas, devemos caminhar
gradualmente para um sistema no qual o crédito público para empresas seja complementar, e
não inibidor do sistema de crédito privado, focando em negócios com as seguintes
características:
1) empresas pequenas e nascentes;
2) projetos inovadores ou com alto impacto social;
3) projetos de maturação muito longa que exijam alto volume de recursos, como obras
de infraestrutura.
Os subsídios ao crédito agropecuário e aos programas de habitação popular deverão
continuar, mas com maior participação dos bancos privados, evitando subsídios não
computados e ineficiências na alocação. A transição deve ser gradual, para que não se
provoque redução de investimentos, quando o objetivo é ampliá-los. Nessa perspectiva,
pretendemos desenhar um sistema de incentivos para investimentos em debêntures,
propiciando mais fontes de crédito acessíveis ao setor privado (por exemplo, alterando a
regulação de fundos de pensão), e para empréstimos de longo prazo dos bancos privados para
empresas.
Quanto ao custo do crédito, é possível reduzi-lo, especialmente para as camadas mais
pobres da população, atuando ao mesmo tempo sobre as várias causas do alto spread.
Propomos a redução de impostos, em particular a eliminação do IOF sobre empréstimos, e do
nível de reservas compulsórias. Além disso, reformularemos o mercado de crédito de tal
forma que, gradualmente, se eliminem os direcionamentos obrigatórios, e regulamentaremos a
garantia guarda-chuva (na qual um mesmo bem garante todas as operações de crédito de um
cliente, o que gera impacto importante nos juros do cartão de crédito e do cheque especial) e o
cadastro positivo.
A estabilidade macroeconômica e o fortalecimento de instituições que assegurem a
validade de contratos também contribuirão para reduzir o componente informacional do
spread e a taxa básica da economia.
Além disso, nosso governo vai consagrar atenção especial a melhorar o ambiente
específico do mercado de capitais como forma complementar de financiamento das empresas.
No atual governo, em cujo último ano não se registrou um único processo de abertura de
capital (IPO), o mercado brasileiro perdeu dinamismo. A consequência é que o setor
produtivo nacional não pode se beneficiar devidamente de mais essa importante fonte de
financiamento de suas atividades.
220
geração por meio de placas fotovoltaicas, instaladas de forma pulverizada. A energia gerada e
não absorvida pela unidade de geração fotovoltaica poderá ser vendida aos distribuidores
diretamente pela rede elétrica.
Boa parte dos entraves à adoção desse modelo é a maneira como o ICMS é calculado.
Embora seja assunto da alçada estadual, o governo federal negociará com governadores
mudanças de taxação da energia produzida por placas fotovoltaicas em um programa
específico. Além disso, o custo elevado dos equipamentos pode ser atenuado por incentivos
fiscais ou subsídios devidamente explicitados no orçamento do setor público, de modo que a
adesão se torne atrativa. É fundamental ainda alinhar os interesses dos diferentes agentes da
cadeia (geradoras, distribuidoras e consumidores), para favorecer a expansão da energia solar.
Outra proposta é o aproveitamento da energia contida no lixo, atacando tanto o
problema de sua destinação, quanto criando mais uma fonte de geração de energia
termoelétrica e de biogás, sempre coordenadas com as melhores práticas de reciclagem – a
prioridade deve ser a reutilização, em detrimento da queima do material de descarte – e com
análises ambientais adequadas. Vamos adotar políticas específicas de apoio tecnológico às
prefeituras e de financiamentos do BNDES para que se possam realizar os investimentos
necessários, dentro das premissas já mencionadas.
O consumidor precisa ser informado das condições de geração de eletricidade por
meio de um sinalizador de preço, para que se reduzam os impactos dos problemas oriundos
das oscilações da natureza. O modelo atual é bastante perverso, uma vez que o reajuste de
tarifas ocorre no ano seguinte. Da forma como é hoje, o consumidor mantém seu consumo
energético, independentemente das condições climáticas.
São necessários incentivos e metas para a melhoria da eficiência energética em todas
as etapas (geração, transmissão, distribuição e consumo final), principalmente os intensivos.
A definição de metas de redução do consumo deve tornar-se critério de remuneração das
distribuidoras de energia, que no atual modelo, de forma contraditória à crescente necessidade
de racionalização do uso e conservação, têm retornos maiores quanto maior for o consumo.
É preciso buscar sempre a fronteira tecnológica do setor, articulando universidades,
agências de fomento a ciência e tecnologia e centros de pesquisa públicos e privados para
investir em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos de geração de energia a partir de
fontes renováveis.
Temos uma matriz energética limpa, com42%de fontes renováveis. Mas em em 2010,
esse percentual era de45%Mesmo considerando os maiores esforços para a redução do
consumo absoluto de combustíveis fósseis, o petróleo e seus derivados continuarão a ser fonte
228
importante na matriz energética brasileira, dado que não há tecnologia para sua substituição
no curto prazo.
Haverá, no entanto, significativo investimento para desenvolver tecnologias limpas,
que possam melhorar permanentemente nossa matriz energética.
Ciência, tecnologia e inovação: valorizar pesquisas que visem a elevar a
competitividade brasileira; facilitar o acesso de empresas e pesquisadores a recursos;
desburocratizar programas; focar menos nos processos e mais em resultados.
As atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) são fundamentais para o
desenvolvimento do país, pois, entre outras coisas, têm relação com o crescimento da
produtividade. A destinação de recursos e a alocação de pessoas qualificadas para essa
atividade têm estreita relação com o crescimento sustentável e são estratégicas para elevar o
bem-estar de toda a população. No Eixo 3 – Educação, Cultura e Inovação, apresentamos
propostas para que o Brasil possa acelerar a produção de conhecimento de ponta capaz de
melhorar a produtividade e a competitividade da economia brasileira.
Vale lembrar apenas os princípios que nortearão nossa política para o setor. Em
primeiro lugar, a ideia é valorizar as pesquisas que possam contribuir para aumentar a
competitividade brasileira. Em segundo, facilitar o acesso de empresas e de pesquisadores a
recursos. Por fim, a meta é desburocratizar programas, cujo foco será menos os processos e
mais os resultados.
Indústria e comércio exterior: a guinada para a competitividade, a produtividade e a
inovação; por um novo modelo, que reinsira o país no ambiente global de forma competitiva.
Como impulsionadora de transformações, a política industrial brasileira não vem
obtendo êxito no já relativamente longo período em que foi “reintroduzida” no país, ou seja,
desde 2004, quando do anúncio da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(Pitce). Mesmo posteriormente, em 2008, quando veio a Política de Desenvolvimento
Produtivo (PDP) e, em 2011, quando foi lançado o Plano Brasil Maior (PBM), as iniciativas
tiveram relevância apenas parcial ou setorial no incentivo aos investimentos em Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação (PD&I) e na desoneração (ainda incompleta) de investimentos e
de exportações, mas não como instrumentos capazes de impelir o setor como um todo.
A produtividade do trabalho na indústria acusa variação média negativa de1,7%entre
2003 e 2009.
Nesse período, a China obteve índice de4,5%e os EUA de3,8%Ao contrário, depois
de uma fase de aparente “relançamento industrial”, entre 2005 e 2008, a indústria brasileira
regrediu nos últimos cinco anos: sua produção hoje é inferior à do período imediatamente
anterior à crise de setembro de 2008; sua participação no PIB retrocedeu para níveis muito
229
baixos; e, no âmbito mundial, posições foram perdidas para outros emergentes na produção e
na exportação de manufaturados.
A competitividade cadente ao longo do período se deveu tanto a fatores exteriores à
dinâmica industrial quanto aos propriamente relativos à indústria. Os elevados custos
sistêmicos (como tributação elevada e complexa, infraestrutura inadequada e alto custo de
capital de terceiros) e a moeda por muito tempo excessivamente valorizada respondem pelos
problemas do primeiro tipo. No segundo grupo, a baixa capacidade inovadora e o retrocesso
da produtividade do setor contrastaram com o aumento do custo do trabalho e de outros
custos de produção.
Um estudo do Instituto Euvaldo Loidi (Iedi) mostrou que a produtividade do trabalho
na indústria, depois de ter crescido 3,2% ao ano entre 1995 e 2002, acusa variação média
negativa de 1,7% no período de 2003 a 2009. Nesse segundo período, a China obteve índice
de 4,5%, e os EUA, de 3,8%.
O que se espera de uma política aplicada a um país como o Brasil é que contribua
decisivamente para transformar a indústria em setor competitivo e de alta produtividade. E
para isso a política industrial brasileira, decididamente, ainda não colaborou. Ela tem pontos
positivos, porém localizados e parciais. Na atualidade, a orientação excessivamente defensiva
e protecionista é o que mais a caracteriza.
É certo que a crise mundial levou ao estreitamento dos mercados consumidores de
produtos industriais ao redor do mundo, o que intensificou a concorrência pelos poucos
mercados ainda dinâmicos, como é o caso do brasileiro. Daí a competição acirrada que se
estabeleceu no mercado interno entre o produto de fabricação doméstica e o importado, este
contando com larga vantagem em função da marcha adversa da nossa competitividade.
A crise industrial brasileira se instalou em 2011, depois que a economia se recuperou
do abalo de 2008, e prolonga-se até o presente. Chegamos a 2013 com uma participação da
indústria no PIB semelhante à de 1955. Naquele ano, a indústria de transformação respondia
por 21,16% do PIB; a indústria extrativa mineral, 0,52%; e a indústria da construção, 4,15%;
perfazendo um total para o conjunto da indústria de 25,82%. No ano passado, a indústria da
transformação representava 13,13% do PIB; a extrativa mineral, 4,11%; e a da construção,
5,4%; perfazendo um total para o conjunto da indústria de 22,63%, como se extrai de dados
coligidos pelo IBGE no Sistema de Contas Nacionais − Referência 2000.
A estagnação da indústria brasileira traduz-se em maus resultados para a produção e
para o emprego e em queda das exportações, além das já mencionadas perdas de fatias de
mercado interno para o produto importado.
230
internacionais mostram essa relação. O quadro abaixo traz dados para PIB per capita e para
participação dos serviços, incluindo comércio, de uma amostra de 137 países para os quais
havia dados do Banco Mundial disponíveis nessas duas variáveis em 2012. Os dados de PIB
per capita são corrigidos pela paridade do poder de compra. Eles indicam claramente que há
uma correlação positiva entre essas duas variáveis. Quando o PIB per capita aumenta, o
mesmo acontece com a participação dos serviços no PIB.
O mesmo quadro se repete no comércio, que sofre com problemas sérios quando
realiza transações que envolvem mais de um estado. Os procedimentos de controle de
recolhimento tributário, particularmente do ICMS, são diferentes. Consequentemente, é
necessário pessoal mais qualificado para evitar erros, e o tempo despendido com as operações
reduz a produtividade da mão de obra. Assim, as atividades adicionam mais custos aos bens
comercializados, e prejudica-se o conjunto da sociedade.
Outra restrição ao desenvolvimento do comércio e dos serviços no Brasil advém do
fato de que várias políticas governamentais os excluem ou colocam-nos em segundo plano no
acesso aos benefícios que promovem. Empréstimos do BNDES, do Banco do Nordeste do
Brasil e do Banco da Amazônia têm maiores limitações quando são direcionados a empresas
de comércio e serviços, o que atrasa o desenvolvimento tecnológico desses setores e, como
consequência, baixa sua produtividade.
Há duas explicações para essa relação. A principal é que, quando o PIB per capita
aumenta, as pessoas tendem a elevar sua demanda por turismo, lazer e mesmo
telecomunicações e serviços bancários. Outra possível explicação é que a terceirização de
atividades leva a maior especialização produtiva, a maior divisão do trabalho e,
234
O setor de serviços é mais penalizado por esse tipo de problema, ficando mais exposto
à consequente alocação ineficiente de recursos com perda de produtividade.
O comércio, particularmente, sofre de um problema operacional sério no país, quando
realiza transações que envolvem mais de um estado.
Os procedimentos de controle de recolhimento tributário, particularmente do ICMS,
são diferentes. Consequentemente, é necessária mão de obra mais qualificada para evitar erros
de procedimentos. Além disso, o tempo gasto eles é elevado, o que reduz a produtividade.
Assim, as atividades de comércio ficam menores e adicionam mais custos aos bens
comercializados, o que prejudica o bem-estar da população brasileira.
Diante desses problemas, ao lado de propostas mais gerais que vão melhorar o
ambiente de negócios no Brasil, a coligação Unidos pelo Brasil se dispõe a adotar algumas
medidas específicas para esses setores.
Cadeia produtiva do turismo: o potencial de geração de emprego e renda do
patrimônio cultural e natural do país; a qualificação da mão de obra local como condição para
o desenvolvimento sustentável da atividade.
O turismo desempenha hoje um importante papel na geração de empregos: de acordo
com o relatório de 2013 do Fórum Econômico Mundial, 1 em cada 11 empregos no mundo
era no setor de viagens e turismo. O mesmo relatório mostrou ainda que o Brasil não tira
muito proveito dessa potencialidade. Chegou ao 51º lugar no Ranking de Competitividade em
Viagem e Turismo, que avaliou 140 países, posição muito abaixo da que ocupava em 2009.
Apesar das vantagens comparativas em recursos humanos, culturais e naturais −
figuramos em primeiro lugar no quesito de quantidade de espécies conhecidas, por exemplo
−, nosso país ficou entre os 20 piores em indicadores que envolvem a extensão e o efeito da
taxação sobre a qualidade da infraestrutura portuária, do transporte aéreo e do rodoviário.
Também contribuem para a má avaliação do país as políticas e regulamentações, a pouca
prioridade dada ao turismo pelo governo e o baixo grau de transparência nos processos de
elaboração das políticas públicas para o setor.
Por causa de todo o seu potencial gerador de emprego e renda, a cadeia produtiva do
turismo demanda redirecionamento estratégico, de forma que se possa articulá-la com os
programas e projetos das áreas de educação e cultura, visando a explorar com eficácia as
potencialidades econômicas de nossa história, de nossas manifestações culturais, de nossa
geografia e da hospitalidade do nosso povo.
É preciso resolver com urgência os gargalos de infraestrutura para o turismo, embora o
desenvolvimento contínuo dessa cadeia não se restrinja à atração de grandes investimentos.
Complementa-o o foco no desenvolvimento sustentável, estimulando a reorganização dos
236
processos econômicos e preparando e qualificando a mão de obra para fazer dos agentes
locais os atores privilegiados e responsáveis pelo desenvolvimento local, territorial e regional
da atividade turística.
A responsabilidade social do setor também abrange o cuidado com algumas práticas
negativas. Com o fomento ao turismo no Brasil, será cada vez mais importante fortalecer a
política de combate ao turismo sexual, especialmente a exploração de crianças e adolescentes.
A realização das Olimpíadas 2016 no Brasil também vai requerer grandes esforços de
organização e investimentos. O povo brasileiro demanda transparência nos gastos públicos,
assim como exige debate aberto sobre os legados econômico, cultural e social desse e de
outros grandes eventos.
Não se pode falar em turismo sem considerar ainda o grande potencial de exploração
do ecoturismo nos 69 parques nacionais do Brasil. Embora o país seja um dos líderes em
unidades de conservação do mundo, é o que menos arrecada com atividades de visitação e
turismo (US$ 7,6 milhões). O baixíssimo desempenho brasileiro é claramente verificado
quando nos comparamos com países como os Estados Unidos, que arrecadaram em 2006 US$
200 milhões; o Canadá, com US$ 90 milhões; ou a África do Sul, com US$ 79,7 milhões.
reformas institucionais. A redução das amarras atuais para expansão e manutenção das
estradas por meio de concessões é exemplo de contribuições para a melhoria do ambiente de
negócios para o setor.
Devemos destacar ainda a importância de melhorar serviços nos portos, também a
partir das concessões, e determinar metas, com definição de prazos e indicadores de
desempenho, para os diversos órgãos que se encarregam da fiscalização dos despachos de
mercadorias. Isso reduzirá tremendamente o custo Brasil. Por fim, é necessário estabelecer
uma politica de estoques reguladores que ajude a equalizar flutuações grandes de preços e
fortalecer o sistema de armazenagem no país.
As simplificações de procedimentos no setor público certamente contribuirão para
reduzir custos e imprevisibilidades do setor. As melhorias na legislação trabalhista vão trazer
benefícios para contratados e contratantes. Estes vão lidar com custos mais previsíveis.
Aqueles terão todos os direitos preservados, o que vai contribuir para elevar a produtividade.
O impacto de tais mudanças certamente será positivo para um setor que já sofre tanto com o
clima e as pragas.
Mesmo sendo beneficiada por todas as mudanças mencionadas acima e em seções
anteriores, a agropecuária possui uma agenda própria, que será considerada pelo novo
governo, reconhecendo-se a importância desse setor para o país.
Dialogando com o setor, a Coligação Unidos pelo Brasil vai endereçar uma agenda
que envolve vários aspectos.
A agropecuária brasileira teve importantes ganhos de produtividade nas últimas
décadas. A produção cresce mais rápido do que a área cultivada/pastoreada, mas há
importantes desafios a enfrentar para torná-la adequada do ponto de vista socioambiental. Isso
porque, apesar de o desmatamento para conversão de áreas florestais para uso agropecuário na
Amazônia ter caído de forma expressiva na última década, a expansão ainda avança sobre
áreas de florestas e outras formações de vegetação natural em todos os biomas brasileiros,
especialmente no Cerrado.
A competitividade internacional da agropecuária brasileira pode ser potencializada se
o país avançar nas questões socioambientais. A racionalização do uso de insumos, a promoção
de técnicas de melhoria e conservação do solo, o controle biológico e a diversificação da
produção são algumas das medidas que podem ser adotadas. Quanto ao desmatamento, já
existem mais de 300 milhões de hectares de áreas desmatadas no Brasil – e menos de 250
milhões de hectares em produção (70 milhões em agricultura, 7 milhões em florestas
plantadas e cerca de 170 milhões em pecuária).
241
A agropecuária brasileira não precisa mais avançar sobre novas áreas de floresta para
duplicar ou até triplicar sua produção. Basta ampliar de forma decisiva o manejo das
pastagens e recuperar as áreas degradadas. Esses serão fatores essenciais de ganhos futuros de
competitividade de nossa agricultura, que facilitarão o acesso a mercados internacionais
demandadores de mais rigor no controle do impacto ambiental da atividade.
Outra política importante − que integrará o plano de desburocratização e simplificação
das políticas públicas − será a unificação dos diferentes cadastros de terras espalhados por
diversos órgãos do governo – como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), o Serviço Florestal Brasileiro e o Ministério do Meio Ambiente – em um Cadastro
Federal Integrado de Terras Públicas e Privadas.
Na área dos programas de extensão rural, que são destinados à formação continuada
no campo, vamos promover maior integração entre a pesquisa e a extensão rural e criaremos
mecanismos de integração com as universidades públicas, empregando mais alunos e
utilizando recursos tecnológicos para criar um grande banco de dados de soluções de
problemas técnicos. É comum ainda ver produtores de determinadas regiões do Brasil lidando
com problemas que já foram solucionados em outros cantos do país, sem que haja troca de
experiências. A difusão de informações é muito informal e não conta com canais eficientes,
integrados e transversais a toda a sociedade. A consolidação das soluções e seus resultados em
um banco de dados gratuito e acessível a todos os produtores rurais − com acompanhamento
da eficácia das medidas adotadas − permitirá ainda que técnicos agrícolas recrutados para
participar do projeto avaliem avanços.
A promoção da agropecuária de baixo carbono será prioridade. A estratégia será
equilibrar os custos de forma que a produção de baixo carbono não seja tão mais cara. Uma
primeira política nesse sentido será garantir os aportes necessários para o atendimento dos
objetivos do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que deverão ser financiados pelo
poder público ou por meio de linhas de crédito. Os recursos serão destinados a estimular o
manejo e a recuperação de pastagens, especialmente na Amazônia Legal.
O limite de crédito por tomador no âmbito do Plano ABC será ampliado dos atuais R$
2 milhões por ano para R$ 5 milhões por ano. Promoveremos a meta de desmatamento zero,
detendo o avanço da agropecuária nas áreas de florestas e direcionando-a para as já
desmatadas. Alavancar e multiplicar a recuperação de áreas degradadas em todos os biomas é
outra alternativa. Para concretizar esse propósito, é fundamental garantir a completa
implementação do cadastro ambiental rural em todo território nacional e elaborar e executar
planos de recuperação ambiental das propriedades rurais.
242
grandes ecossistemas marinhos. Além disso, detêm dois hotspots de biodiversidade mundiais
– áreas de enorme relevância biológica que estão sob ameaça: a Mata Atlântica, o Cerrado e a
Caatinga. Somam-se a isso seis reservas da biosfera globalmente admitidas pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Trata-se de uma diversidade biológica farta em três níveis − genético, de espécies e de
ecossistemas − , produto da grande variação climática e geomorfológica de um país de
dimensões continentais, com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados terrestres.
Estima-se que o valor anual dos serviços ecológicos proporcionados por 16 tipos de
ecossistemas do nosso planeta esteja, de forma conservadora, entre US$ 16 trilhões e US$ 54
trilhões. A média é de US$ 33 trilhões. Considerando-se que o Brasil detém entre 10% e 20%
da diversidade biológica planetária, 5.190 km3/ano de deflúvio de suas redes hidrográficas –
12,7% dos deflúvios dos rios do mundo – e vasta extensão territorial, além dos 3,5 milhões de
quilômetros quadrados de águas costeiras e marítimas sob sua jurisdição, não é exagero
afirmar que o valor estimado da diversidade biológica brasileira, e dos serviços dos
ecossistemas nacionais, se situa mesmo na casa dos trilhões de dólares anuais.
Apesar desse enorme potencial, que eleva o Brasil à condição de “potência ambiental“,
os processos de degradação evoluem em ritmo extremamente acelerado no país. Segundo os
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável publicados pelo IBGE em 2012, o país já
eliminou 88% da Mata Atlântica, 54% da Caatinga, 49% do Cerrado, 54% do Pampa, 20% da
Amazônia e 15% do Pantanal.
Como membro pleno da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas,
assinada no Rio de Janeiro durante a Eco 92 e ratificada pelo Congresso Nacional em 1994 –
quando adquiriu força de lei em território nacional –, o Brasil assumiu importantes
compromissos de conservação e de uso sustentável da biodiversidade.
Em 2010, durante a 10a Convenção das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica ocorrida no Japão, foram aprovadas, com forte protagonismo da delegação
brasileira, as chamadas “20 metas de Aichi”, que devem ser implementadas até o ano de
2020:
1) conscientizar a sociedade sobre o valor da biodiversidade;
2) integrar os valores da biodiversidade no desenvolvimento;
3) eliminar incentivos lesivos e implementar incentivos positivos;
4) promover a produção e o consumo sustentáveis;
5) reduzir a perda dos habitats nativos;
6) promover a pesca sustentável;
245
O Brasil possui a segunda maior área florestal do planeta, atrás apenas da Rússia. São
516 milhões de hectares se considerarmos as florestas nativas (509 milhões de hectares) e as
florestas plantadas (7,2 milhões de hectares), que representam 12% das áreas de floresta do
planeta, 60% do território nacional e uma média de 2,7 hectares por habitante. Apesar disso, o
país detém apenas 4% do mercado mundial de produtos florestais.
Talvez em nenhum outro setor da economia o Brasil esteja tão distante de seu pleno
potencial competitivo com sustentabilidade. A taxa de crescimento das florestas plantadas no
Brasil é a maior do mundo. Além disso, temos o maior potencial de produção em florestas
naturais, mesmo quando excluímos o percentual de florestas exclusivamente dedicadas à
proteção integral.
As florestas representam um enorme ativo de poupança e produção. O investimento
nelas gera estoques vivos, com volume sempre crescente, e de baixo risco (basicamente
incêndio e raramente pragas). Além disso, os preços sofrem baixa flutuação e historicamente
apresentam comportamento crescente no mercado global. A atividade requer investimento
inicial relativamente alto. Em contrapartida, os custos de manutenção e renovação são baixos.
Por fim, as florestas são um recurso renovável, de alto poder de remoção e estocagem de
carbono e com grande potencial de garantir o uso sustentável do solo.
A economia florestal brasileira está baseada em quatro grandes eixos:
1) produção de fibras – somos líderes globais em produção de celulose de fibra curta
e produtores competitivos de chapas de fibras como MDF e HDF. Toda a produção de fibras
no Brasil vem de florestas plantadas;
2) produção de madeira – ocupamos a quinta posição no ranking de produtores de
toras para serraria do mundo e o segundo maior em toras de madeira tropical, atrás apenas
da Indonésia. Metade da produção de toras para serraria vem de florestas naturais, e a outra
metade, de floretas plantadas;
3) produção de carvão, lenha e energéticos – o Brasil é o único país no mundo com
parcela importante de produção de ferro gusa a partir de carvão vegetal, além de ser grande
produtor de lenha para energético industrial e uso residencial (para cozinhar);
4) produtos não madeireiros – frutos e castanhas, como açaí e castanha-do-pará, e
exudatos, caso do látex e da resina de pinus, que são nossos principais produtos não
madeireiros.
Apesar do potencial gigantesco desses produtos como fibras naturais, óleos, resinas,
ceras e ativos para fármacos, não lideramos nenhum mercado nesse setor. A exploração e o
248
aumentou de 5 milhões para 7,2 milhões de hectares. Isso ainda é pouco porque o setor de
florestas plantadas é o que melhor atende à regularidade ambiental das propriedades rurais.
O Brasil tem explorado pouco o potencial de geração de energia a partir de biomassa
florestal. Ainda que gerar energia própria seja uma atividade comum na indústria de base
florestal, o desenvolvimento de biocombustíveis e de energia elétrica a partir de biomassa
florestal engatinha no país e precisa ser estimulado. As termelétricas com biomassa florestal
podem substituir as movidas a combustíveis fósseis com ampla vantagem em flexibilidade e
segurança e menor emissão de CO2.
As florestas têm um papel fundamental na transição para uma economia de baixo
carbono. Além do grande potencial de substituição de fontes de energia fóssil tanto no setor
elétrico como no setor siderúrgico, contribuem para a captura e para o armazenamento de
CO2 e para a adaptação às mudanças climáticas por meio da proteção de encosta e de
regulação hídrica. É preciso retomar os Distritos Florestais Sustentáveis, territórios
delimitados para a implementação de políticas publicas – fundiária, industrial, de
infraestrutura, de gestão de áreas públicas, de assistência técnica e de educação, entre outras –
que estimulem o desenvolvimento local baseado em atividades sustentáveis de base florestal.
Um dos objetivos centrais da coligação Unidos pelo Brasil é tornar o país um líder
global na economia florestal em bases sustentáveis.
Ampliação da rede nacional de unidades de conservação: melhorar a distribuição e
assegurar a proteção; cumprir a meta acordada na Convenção sobre Diversidade Biológica.
O Brasil possui um dos maiores sistemas de Unidades de Conservação (UC) do
mundo, totalizando cerca de 147 milhões de hectares. A distribuição dessas UCs, no entanto,
não contempla de forma adequada a diversidade ambiental nacional, já que a Amazônia
concentra 73,5% delas. Quando analisamos o percentual dos biomas sob proteção,
verificamos que, com exceção da Amazônia, todos estão muito abaixo dos 10% considerados
minimamente necessários para assegurar a preservação da biodiversidade – meta assumida
formalmente pelo Brasil na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
Segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação do Ministério do Meio
Ambiente, somando-se as áreas de Unidades de Conservação existentes no país – e excluídas
as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que constituem zonas de ordenamento de uso de
terras privadas –, temos atualmente os seguintes percentuais de biomas sob proteção: Caatinga
(1,39%), Cerrado (3,08%), Mata Atlântica (2,18%), Pampa (0,35%), Pantanal (4,63%), e
Marinho/Costeiro (0,24%).
250
economia de baixo carbono são mais evidentes. Temos potencial de gerar energia de
biomassa, fonte solar, eólica e hidrelétrica. Detemos grandes áreas agricultáveis ainda
improdutivas, enorme biodiversidade e a segunda maior reserva hídrica do mundo. A
disponibilidade de água doce de qualidade, que é condição essencial para o desenvolvimento
das atividades econômicas e para assegurar o bem-estar de qualquer sociedade, é abundante.
A única questão é a distribuição dessa água no território nacional, que não é equitativa, sendo
ainda escassa nas regiões mais populosas.
Tivemos avanços nos últimos 20 anos, como a redução expressiva do desmatamento
na Amazônia, historicamente nossa principal fonte de emissões de GEE; a aprovação da
Política Nacional de Mudanças Climáticas, com metas de redução de emissões; a criação do
Fundo Amazônia; e a implementação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de
Desastres Naturais (Cemadem). Porém, os avanços estagnaram nos últimos três anos e, de
fato, já há indícios de regressão nessas conquistas.
As emissões brasileiras de GEE, que apresentaram reduções anuais expressivas entre
2005 e 2010 (caíram 35% nesse período), têm se mantido praticamente estáveis nos últimos
três anos, mas tendem a voltar a subir. O desmatamento na Amazônia e em outros biomas e o
expressivo aumento das emissões no setor de energia são os principais vilões. Enquanto o
mundo caminha para aumentar a participação de energias renováveis na matriz energética, o
Brasil caminha no sentido contrário, inclusive nas metas do Plano Nacional de Mudanças
Climáticas. Entre 2009 e 2013, a produção de energias renováveis caiu de 45% para 42%.
O Brasil está longe de ser uma economia de baixo carbono. As emissões brasileiras
alcançam hoje a média anual de sete toneladas de CO2 por habitante, o equivalente à média
global, apesar da forte redução de emissões na última década.
As projeções atuais indicam que, para limitar o crescimento da temperatura global em
dois graus Celsius, o limite aceitável pela humanidade, é necessário que as emissões per
capita caiam de três a cinco toneladas de CO2 por ano até 2030 e, depois, de uma a duas
toneladas de CO2 por ano até 2050. Isso significa que temos de preparar o país para reduzir as
suas emissões atuais em 70% até 2050.
A liderança do Brasil no debate internacional sobre a transição para uma economia de
baixo carbono também deve ser recuperada.
Precisamos sair da posição de país com direito de poluir, do ponto de vista da justiça
global, e assumir a postura de país capaz de se desenvolver com pouca emissão de CO2.
Dessa forma, podemos verdadeiramente demonstrar participação relevante num tema de
impacto para toda a humanidade.
252
Para ampliar o abastecimento nas regiões onde há poucos recursos hídricos, vamos
estimular a adoção e geração de tecnologias alternativas como dessalinização e outras que
tornem a água própria para o consumo humano, animal e da lavoura.
Educação
Defendemos uma educação de qualidade e democrática, que contribua para a
construção de novos sujeitos sociais, capazes de transformar a sociedade rumo a um mundo
mais sustentável.
Da qualidade da educação e de sua articulação com a cultura depende, em grande
medida, o dinamismo de um país. Do ponto de vista econômico, um estudo de 2002 do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstrou que um ano extra na
escolaridade média da população aumenta a taxa de crescimento anual da renda per capita em
35%.
Para que sejam abertos caminhos menos poluidores e mais produtivos para o
desenvolvimento do país, é fundamental o desenvolvimento de tecnologias, algo
intrinsecamente Estudo do IPEA mostra que um ano extra na escolaridade média aumenta a
renda per capita anual em 35%.dependente da formação escolar. Do ponto de vista social, a
circulação de informações e a apropriação de conhecimentos garantem as ferramentas
mínimas para exigir direitos e cumprir deveres. Do ponto de vista político, o conhecimento,
aliado à participação em instâncias decisórias, é o que propicia transformações legítimas e
benéficas para o país.
Sucessivos candidatos defendem a prioridade à educação em discursos de campanha,
mas, uma vez no governo, suas ações na área são insuficientes. Mais do que nunca, esse
quadro contrasta com um consenso criado ao longo de anos na sociedade sobre a necessidade
de alcançarmos uma educação de qualidade para todos.
É uma demanda de movimentos e organizações da sociedade civil, assim como da
juventude, que ganhou as ruas em junho de 2013, e do empresariado, que clama por mão de
obra qualificada.
254
Entendemos que o processo educativo deva formar crianças, jovens e adultos, tanto
para o exercício da cidadania plena como para o mercado de trabalho, a partir de uma agenda
estratégica, voltada para uma sociedade em transição para o desenvolvimento sustentável.
Nossa concepção é sistêmica, e nela a educação dialoga com outras áreas,
primordialmente com cultura e inovação, com as quais forma a tríade impulsionadora do país
que queremos construir. Também leva em conta meio ambiente, saúde, economia,
empreendedorismo, assistência social e esporte. Tal visão impõe mobilização ampla, em torno
de uma agenda comum, dos governos e movimentos sociais e culturais às universidades,
organizações da sociedade civil e empresas. Essa transversalidade exige que o diálogo se
apoie em pesquisas e inovações que possam subsidiar as mudanças necessárias.
Educação integral para crianças e jovens: o enorme desafio de dar resposta a
demandas do século 21. Não basta mais tempo de escola, é preciso uma nova escola, com
alunos conectados.
Nosso governo vai priorizar a educação integral na Educação Básica, tornando-a uma
política de Estado. Educação integral requer vontade política e desejo de ensinar, atendendo
ao direito de crianças e adolescentes a uma escola digna, justa e significativa em suas vidas.
É, portanto, um dever do Estado que deve ser traduzido em uma política pública consistente,
factível e propulsora de parâmetros que garantam equidade e qualidade de ensino.
A educação integral deve respeitar a realidade de cada local, repensar as atividades
oferecidas, traçar o perfil do profissional de educação eficaz nesse regime escolar e
reestruturar o currículo para orientar os conhecimentos, saberes e habilidades a trabalhar em
sala de aula a fim de que crianças e jovens possam aprender de maneira contextualizada. A
educação ambiental, que supõe uma visão sistêmica da educação e da escola com seu entorno,
torna-se um eixo fundamental da educação integral. Além disso, os alunos em regime escolar
integral devem ter atividades esportivas, agrícolas, tecnológicas, além das disciplinas
convencionais. Trabalhar com mais profundidade e continuidade atividades artísticas e
práticas culturais tradicionais também é essencial.
Desde 2007, quando o MEC criou o Programa Mais Educação, aumentando o tempo
escolar e reorganizando os espaços e o currículo das redes estaduais e municipais do país, o
número de matriculados nesse regime escolar vem crescendo. A adesão atesta que há, de fato,
uma demanda importante para a educação integral na realidade educacional brasileira.
As redes públicas de educação vêm tentando desenvolver modelos para enfrentar esses
desafios, e as experiências mostram que dois têm sido mais frequentes. O primeiro é aquele A
educação ambiental, que supõe uma visão sistêmica da escola com seu entorno, torna-se um
255
eixo da educação integral.em que a escola assume para si a tarefa, amplia o tempo de
permanência dos estudantes e arca com as implicações diretas na organização do espaço, do
currículo e da equipe escolar na própria instituição. O segundo é o modelo no qual se investe
em parcerias (com instituições da comunidade local, clubes, estabelecimentos comerciais,
empresas, centros culturais, centros de saúde, igrejas, creches, universidades, fundações e
institutos de pesquisa) a fim de ampliar não somente espaços, mas também responsabilidades
e diversidade de aprendizados.
Isso tudo, e ainda outros arranjos locais, visam a ampliar o acesso e a permanência na
escola integral e a melhorar a qualidade da educação pública. Para que a educação integral se
expanda de forma consistente e progressiva, é preciso, porém, ampliar o número de vagas nos
diversos segmentos. Em muitos casos, isso só é possível com investimento na infraestrutura
das escolas e com a construção de novas unidades, já que muitas, especialmente na zona rural,
não têm condições físicas suficientes e adequadas.
Currículo
Buscar resultados adequados de aprendizagem para todos os alunos nas
disciplinas em língua portuguesa, matemática, ciências e estudos sociais.
Incentivar novas metodologias que invistam na aprendizagem por meio
da interação, exploração, experimentação, produção e uso de novas tecnologias,
especialmente para o Ensino Médio, revelando novos nichos de trabalho e
especialização.
Garantir que valores como diálogo, justiça social, respeito à
diversidade, democracia, participação e trabalho colaborativo, assim como as questões
socioambientais e os esportes, estejam presentes nos currículos e na forma de
organização da escola.
Promover projetos que envolvam solução de problemas, pensamento
científico, criatividade, expressão e comunicação.
Considerar transversais a todo currículo as novas tecnologias da
informação e comunicação, bem como a educação ambiental.
Incentivar nas escolas a formação de conjuntos musicais, grupos de
teatro e dança, oficinas de circo, capoeira, rodas de contação de histórias e outras
práticas culturais populares, bem como atividades de mediação de leitura.
Estimular a adoção por estados e municípios de programas para que os
alunos da escola pública possam desenvolver estágios em outros países e consolidar o
aprendizado em línguas estrangeiras. O assunto será abordado mais detalhadamente
no Eixo 6 − Cidadania e Identidades.
O programa incentiva arranjos locais e diferentes oportunidades educativas. A
operacionalização se dá por meio de injeção de recursos financeiros na escola e articula-se a
outros projetos governamentais, procurando atender prioritariamente escolas de baixo Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e alunos de alta vulnerabilidade social.
Sabemos, no entanto, que esse será um grande desafio, uma vez que a maior parte das
escolas brasileiras funciona em dois ou três turnos. Como alocar todo o contingente de alunos,
fazendo novas atividades, num mesmo espaço por um período mais extenso? Que conteúdos e
atividades oferecer? Quais mudanças físicas é preciso fazer? A oferta deve ser universalizada
ou deve-se trabalhar com certas camadas mais vulneráveis? Qual o profissional mais
capacitado para trabalhar nessas novas atividades? Essas são apenas algumas das questões que
preocupam gestores municipais e escolares no momento de optar por essa modalidade de
ensino.
A construção de novas escolas deve pautar-se por critérios sustentáveis no uso de
materiais e equipamentos e prover saneamento básico, abastecimento de energia, conforto
térmico e acústico e áreas verdes.
Uma nova escola precisa garantir aprendizagens contextualizadas com as exigências
do mundo contemporâneo, tendo como eixos a sustentabilidade, a participação democrática, a
articulação com a cultura, as tecnologias de informação e comunicação e a mobilidade pelos
diferentes espaços como forma de apropriação dos espaços públicos. A escola do século 21
257
pressupõe também uma gestão sustentável do uso da água, da energia e da relação com o meio
ambiente. Os alunos dessa nova escola também devem estar conectados com o mundo e
devem dispor das plataformas e da infraestrutura necessárias para isso.
Combate ao analfabetismo. Atendimento às crianças de 0 a 3 anos. Estudantes em ano
escolar compatível com a idade. Alto desempenho dos alunos. Nossos compromissos com o
país.
A equidade na educação pressupõe, antes de tudo, enfrentar o analfabetismo da
população brasileira de 15 anos ou mais, uma vez que restam no Brasil 12,9 milhões de
pessoas não alfabetizadas. A informação é do Relatório de Monitoramento Global de
Educação para Todos, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(Unesco), divulgado em 2014, que também situa o Brasil entre os dez países que concentram
a maior parte dos analfabetos adultos do mundo. Superar o déficit de vagas em creches exigirá
desburocratizar o repasse de recursos e integrar programasNossa taxa atual, de 8,7%, está
longe da meta firmada pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 6,7% até 2015.
Há que mencionar também os desequilíbrios regionais. De acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012, o Nordeste concentra 7,2 milhões de
analfabetos. A taxa de analfabetismo mais alta do país está em Alagoas, com 19,66%. O
Maranhão aparece em seguida, com índice de 18,76% da população analfabeta.
Completam esse quadro preocupante os analfabetos funcionais, isto é, pessoas que,
apesar de saber ler e escrever, não conseguem interpretar textos, nem realizar operações
matemáticas. Segundo o IBGE, em 2012 18,3% dos brasileiros com 15 anos ou mais eram
analfabetos funcionais.
Em relação à Educação Básica (Infantil, Fundamental e Média), em 2012 o total de
matrículas no Brasil era de 50,5 milhões, sendo 83,5% em escolas públicas, informa o Censo
Escolar da Educação Básica de 2012. Apesar do trabalho para universalizar essa modalidade
de ensino, um contingente de 3,6 milhões de crianças e jovens entre 4 e 17 anos ainda está
fora da escola, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad
2011).
Políticas nessa direção devem ter planejamento contínuo nas secretarias de educação
para reverter números ainda elevados. As taxas de reprovação no segundo ciclo do Ensino
Fundamental estão em torno de 12%.
Em relação aos indicadores de aprendizagem, o Brasil ainda não resolveu questões
básicas, como mostram os dados da prova ABC, aplicada em 2011.
258
Cerca de 70% dos jovens “nem-nem” estão entre os 40% mais pobres do país. A
média de escolaridade do chefe da família em que vivem estes jovens é de apenas 6,5 anos, e
a renda familiar per capita é de R$ 418,55, segundo o mesmo estudo. O número de jovens da
“geração nem-nem” cresceu 8% de 2000 para 2010. O desafio é criar políticas públicas para a
reinserção, na escola e no mercado de trabalho, desses brasileiros.
O desinteresse crescente dos jovens e os altos índices de evasão precisam ser
combatidos com estratégias inovadoras. Em Pernambuco, o programa Ganhe o Mundo
dinamizou e internacionalizou o Ensino Médio das escolas públicas oferecendo cursos extras
e intensivos de línguas estrangeiras – inglês e espanhol – e, numa segunda fase, premiando
com bolsas alguns alunos desses cursos para permanecerem seis meses no exterior.
O Ensino Superior como caminho das oportunidades para a universidade. Por que é
preciso ampliar o acesso e a necessidade de fazer faculdades onde há jovens que concluem o
Ensino Médio.
Garantir o acesso ao Ensino Superior é outra questão crucial. Dados de 2014 do
Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea) mostram que o acesso à universidade,
na faixa etária entre 18 a 24 anos, mais que dobrou no período 2000-2010. No Norte e
Nordeste, esse o foi ainda mais intenso, como se observa no gráfico abaixo. Entretanto, a
porcentagem relativa ainda é insuficiente.
O acesso ao Ensino Superior está diretamente ligado aos indicadores de conclusão do
Ensino Médio e varia muito entre as regiões. Conforme pode ser observado no gráfico a
seguir, as regiões Centro-Oeste e Sul apresentam os maiores índices de aproveitamento entre
jovens legalmente habilitados que conseguiram ingressar na Educação Superior.
Cabe destacar que a desigualdade inter-regional chega a 54%. Ou seja, considerando-
se apenas a variável regional, os jovens do Nordeste com Ensino Médio completo estão em
grande desvantagem em relação aos jovens residentes no Centro-Oeste e no Sul.
O mesmo estudo do Ipea, publicado em 2014, indica que, nas cidades do interior, o
número de jovens concluintes do Ensino Médio é bem maior que as vagas disponíveis nas
instituições publicas e privadas de Ensino Superior. Os indicadores disponíveis quantificam o
hiato entre a oferta e a demanda.
263
extensão. Some-se a isso o fato de que têm ênfase demasiadamente teórica, não focando as
necessidades práticas da sala de aula.
Nesse cenário, o MEC e os sistemas de ensino dispendem grande volume de recursos
para suprir, com formação continuada, deficiências de formação básica dos docentes. O
redirecionamento dos cursos de pedagogia, portanto, é uma maneira de liberar os
investimentos federais e de outros níveis de governo para atualizações, práticas pedagógicas
inovadoras, apropriação de novas tecnologias etc.
Quanto à remuneração, ao mesmo tempo em que se considera a instituição do piso
salarial um ganho histórico significativo, à revelia desse processo assistimos à No passado, o
professor passava por 8 anos de formação. Hoje, os cursos de pedagogia duram 2 anos e
meio.alegação de governantes de que não podem atender à indicação constitucional por causa
de déficits orçamentários. Há mesmo quem sustente a inconstitucionalidade do piso salarial.
Tais fragilidades são reforçadas pelos numerosos professores que têm sido contratados a título
precário.
Planos de carreira também devem ser objeto de novas políticas que busquem equilibrar
os avanços na carreira, evitando que o professor abandone a sala de aula e assuma função de
supervisor ou diretor só por causa da maior remuneração.
Uma pesquisa realizada em 2010 em 40 países pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e pela Unesco revela que a situação dos professores brasileiros só não é pior
do que a dos peruanos e indonésios. Naquele ano, um professor brasileiro em início de
carreira, segundo a pesquisa, recebia, em média, menos de US$ 5 mil por ano. Isso porque o
valor foi calculado incluindo os professores da rede privada de ensino, que ganham mais do
que os professores de escolas públicas. Na Alemanha, um professor com a mesma experiência
ganhava, em média, US$ 30 mil por ano. Em Portugal, US$ 50 mil, o equivalente ao salário
da Suíça. Na Coréia, os professores primários recebiam seis vezes o que ganhava um
professor brasileiro para o mesmo nível e ensino.
Aspectos relativos à jornada (dupla ou tripla para muitos professores); à inexistência
de condições para um ensino de qualidade (carência de laboratórios, bibliotecas, acesso à
internet e outros equipamentos e materiais); ao número de alunos por professor, à pequena
carga horária destinada ao planejamento das atividades educativas, ao estudo e à correção de
trabalhos; e aspectos relativos à insegurança dentro das escolas são outros pontos
fundamentais a considerar quando se pensa como valorizar a docência no Brasil.
Plano de Valorização do Professor
Carreira
267
próximas de US$ 8 mil e de US$ 9 mil. Espera-se, que com a implementação dos 10% do PIB
até 2024 e do custo aluno-qualidade, essa situação possa ser revertida.
A par das limitações orçamentárias, prevalecem no país critérios apenas eletivos ou
políticos na escolha dos gestores da educação. Convivem por aqui realidades opostas
que 8,7%dos brasileiros de 15 anos ou mais de idade são analfabetos;18,3%são analfabetos
funcionais.comprometem a gestão de todo o sistema. O Conselho do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb) e o Conselho de Alimentação Escolar, por exemplo, se fazem presentes na quase
totalidade dos municípios brasileiros, mas apenas 52% deles possuem secretarias exclusivas
de educação.
O aprimoramento da gestão da educação nas diferentes instâncias de governo requer,
portanto, que se implemente uma governança democrática, pautada por monitoramento e
avaliação de resultados. Impõe, além disso, que se apliquem incentivos para adotar critérios
de mérito na designação de dirigentes das escolas públicas, combinando as exigências de
qualificação com as de legitimação perante a comunidade escolar. A baixa institucionalidade
reinante nos municípios exige ainda políticas orientadas por critérios técnicos e capazes de
gerar resultados.
Cultura
Não há como transformar a sociedade sem fortalecer a cultura. E não há como pensar a
cultura sem interface com a educação. Os dois processos devem ocorrer em conexão, para que
a cultura não se reduza a entretenimento, e a educação, a mera formação para o trabalho.
A cultura permeia todas as esferas da sociedade, até mesmo as relações cotidianas. A
forma de enfrentar adversidades é cultura, assim como a capacidade de superar coletivamente
grandes problemas. Ela é o fio que une o direito à saúde, ao transporte, à moradia, à escola, ao
trabalho e à cidadania.
No Brasil, há grande descompasso entre as políticas educacionais e as culturais, o que
fragiliza os valores, os conhecimentos e saberes, a transmissão dos repertórios de uma geração
a outra, a fruição artística, a criatividade, a formação e o contato com práticas culturais que
fornecem a matéria-prima para construir um mundo eficiente, justo e sustentável. O
descompasso também enfraquece a capacidade que o país tem de inventar-se a si mesmo e de
inovar.
A cultura pode ser entendida em duas dimensões. A primeira se refere ao modo de
vida de um povo, suas tradições, crenças, práticas, símbolos e identidades transmitidos e
recriados de geração em geração. Trata-se da cultura em sua dimensão antropológica, difusa,
espontânea e transversal.
272
Estado não deve fortalecer uma lógica multiculturalista, em que segmentos socioculturais
simplesmente coabitam, mas, antes, trabalhar em uma lógica intercultural, pautada pelas
trocas, adaptações e hibridismos, que levam ao surgimento de novos caminhos.
As identidades culturais devem ser tratadas no plural e como forças dinâmicas.
Primeiro, porque o mesmo indivíduo pode se reconhecer em várias identidades
simultaneamente. Segundo, porque a identidade cultural não é estática ou definitiva:
transforma-se com o tempo, perde alguns aspectos e incorpora outros.
Nesse sentido, é fundamental valorizar os detentores de conhecimentos tradicionais,
transmitidos oralmente, que têm muito a contribuir para o desenvolvimento sustentável do
Brasil. Os mestres da cultura popular, com todos os seus saberes e fazeres, sejam eles mestres
de capoeira, pajés, construtores de taiko, do tambor japonês, sejam parteiras ou outros sábios
de diversas tradições, podem e devem ser incorporados nas políticas culturais de forma mais
ampla.
Em 2005, o Brasil assinou a Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade
das Expressões Culturais da Unesco. Levar esse compromisso a sério significa promover
ações que deem voz à diversidade no Brasil, oferecer condições para que grupos
socioculturais distintos possam participar do processo e para que suas obras e práticas sejam
respeitadas e floresçam.
Não ao desmonte dos Pontos de Cultura. Vamos preservar acertos e conquistas da
sociedade, banir a indiferença da última gestão, radicalizar o conceito de trabalho em rede, ir
adiante.
O programa Cultura Viva foi um bom legado das políticas recentes no tocante à
diversidade cultural. Lançado em 2004, identifica e apoia os Pontos de Cultura espalhados
pelo país. Cada Ponto de Cultura, selecionado por edital, recebe recursos e outros apoios
durante determinado período. Observam-se integrações importantes entre eles, unindo pessoas
e grupos sociais. Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea),
mais de 8 milhões de pessoas estão envolvidas nessa rede.
Em torno dos Pontos de Cultura são desenvolvidas ações variadas, desde a promoção
de conhecimentos tradicionais, arte e literatura até o fortalecimento de meios de comunicação
independentes e comunitários. São muitas as possibilidades de combinação, e foi assim que o
programa conquistou reconhecimento nacional e internacional.
O que Melhorar
Intensificar editais do programa Cultura Viva junto a estados e
municípios para alcançar 4 mil Pontos de Cultura.
Aumentar o valor repassado a cada Ponto de Cultura (em 2014, o valor
foi de R$ 60 mil).
275
experimentações e a projetos de longo prazo. Essa foi a área em que houve menos avanço nas
gestões do PT à frente do Ministério da Cultura.
Para nos restringirmos a dois exemplos, no campo teatral, as companhias não são
estimuladas a aumentar bilheterias, ficando condenadas ao universo de editais e à gratuidade
das temporadas, sem poder formar fundos próprios. Na música, continuam predominando os
lobbies para captar recursos, e muito pouco se faz para favorecer a gravação e a distribuição
de outras criações. O trabalho de todos os que compõem o mosaico artístico brasileiro é alvo
de ações específicas em nosso programa.
A ausência de espaços e mediadores. As saídas tradicionais e o potencial da cultura
digital para construir e aproveitar a inteligência coletiva. Nossa palavra de ordem é atrair e
formar públicos.
A mesma pesquisa Públicos de Cultura (Sesc, 2013) revela dados sobre a relação dos
brasileiros com as artes: 89% nunca foram a uma ópera ou concerto de música; 75% nunca
assistiram a espetáculos de dança ou balé; 71% nunca visitaram exposições de artes visuais.
Dentre as principais razões alegadas estão a falta de opções em suas cidades, a falta de
costume e o desinteresse. Igualmente baixa é a proporção de pessoas que praticam alguma
forma de arte.
Por sua vez, o Panorama Setorial da Cultura Brasileira, divulgado em 2012, informa
que apenas 19% dos produtores culturais têm clareza sobre suas atribuições, o que coincide
com a opinião dos agentes responsáveis pelos investimentos quanto à falta de
profissionalização dos artistas e gestores culturais. Depreende-se disso a importância de
investir em formação.
A formação cultural deve englobar o aperfeiçoamento permanente dos agentes
culturais diretos (atores, músicos, produtores culturais, artistas plásticos, cineclubistas etc.) e a
iniciação cultural e artística de amplo alcance, que começa na complementação educacional
de crianças e adolescentes e se desdobra na formação de adultos, por meio de cursos e
oficinas descentralizados.
Universalizar a Arte
Adotar novos formatos de arte-educação. Criar espaços para a
aprendizagem infantil de artes em cidades com população a partir de 20 mil
habitantes. Inserir conteúdos artísticos nas escolas e nos livros didáticos. Conceber
a escola pública como espaço de ensino e difusão de arte e cultura, com atividade
curricular livre correspondente a 8% do calendário.
Oferecer mais possibilidades de formação e aprimoramento a criadores
e gestores. Ampliar o número de cursos superiores e especializações voltados às
artes, aos estudos culturais, à gestão cultural, à economia criativa, à cultura digital e
ao design. Reformular e multiplicar os programas de residência artística.
281
cultural, o que equivale a 18,3%. O percentual de cidades que possuem Conselhos Municipais
de Cultura é um pouco menor: 17,47%.
Duas leis carecem de atualização. A primeira é a de direitos autorais, de 1998, que não
atende às condições da produção contemporânea, pautada no compartilhamento e na
digitalização. Embora anunciada repetidas vezes, a reforma do direito autoral brasileiro
atravessou gestões sem ser levada a cabo. Apenas17,47%das cidades brasileiras possuem
Conselhos Municipais de Cultura.Apenas uma primeira mudança obteve êxito: a aprovação da
Lei da Gestão Coletiva (8.666), no final de 2013, redesenhando as formas de arrecadar e de
distribuir os direitos autorais, o que devolveu aos artistas algum controle sobre os direitos
autorais.
É preciso também avançar mais na proteção contratual dos verdadeiros criadores, que
acabam tendo seus direitos suprimidos por intermediários em algumas modalidades, como e-
books, considerados pela legislação como software regulado por licenciamento. Nesse
cenário, urge acelerar a aprovação de mudanças na legislação de direitos autorais, já bastante
discutidas pela sociedade.
Desimpedir Caminhos
Aprimorar a gestão e os recursos humanos do Ministério da Cultura.
Implementar planos de carreira e recomposição salarial. Ofertar programas de
formação e atualização aos servidores. Realizar concursos públicos para o
suprimento das vagas.
Agilizar a aprovação da nova Lei Federal de Incentivo Fiscal.
Atualizar as regras de direitos do autor e de seus sucessores.
Reduzir a burocracia. Propor normas simplificadas para convênios e
mudar o foco da prestação de contas, que passará a priorizar os resultados artísticos-
culturais.
Aprimorar o Sistema de Indicadores Culturais. Reestruturar o setor
responsável por Economia da Cultura, permitindo o planejamento de estudos e
pesquisas de maneira complementar e articulada, bem como a construção de
indicadores comuns, a serem disponibilizados em uma plataforma digital de fácil
acesso.
Estabelecer, de forma participativa, um Índice de Custos da Cultura,
para balizar todas essas mudanças e também auxiliar na avaliação de iniciativas
culturais submetidas à aprovação dos órgãos públicos.
Outro ponto controvertido é a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet),
apenas parcialmente reformada após constatar-se que não atendia ao propósito de
democratizar produtos culturais. Mesmo assim, as críticas persistem. Grandes empresas,
concentradas regionalmente, escolhem os projetos, associam suas marcas a eles, mas não
investem de fato, já que deixam de pagar impostos ao governo.
Está parada no Congresso uma proposta de modificação mais radical, que prevê, entre outras
284
alterações, o uso de obras incentivadas para fins educativos, sem pagamento de direitos
autorais, Apenas985municípios têm legislação própria para o patrimônio cultural, o que
equivale a18,3%do total.e a análise de relevância cultural. Falta, porém, discutir aspectos
muito relevantes, tais como critérios de avaliação dos projetos, participação de pessoas físicas
no sistema e projetos de financiamento coletivo. Alterar a Lei Rouanet é tarefa delicada. As
principais instituições culturais brasileiras dependem de leis de incentivo fiscal para
consolidar suas agendas. Daí a necessidade de discussões robustas, ao mesmo tempo em que é
preciso preparar o MinC para atender à demanda de projetos.
No que concerne ao financiamento, temos de considerar ainda que o universo da
cultura é heterogêneo, composto por alguns setores lucrativos e outros necessariamente
deficitários; alguns agentes aptos a competir no mercado e outros sem chances de inserção
comercial. Há que combinar diferentes mecanismos de financiamento, evitando que as leis de
incentivo fiscal sejam a maior fonte de recursos do setor.
Esportes
O esporte é um direito por ser importante instrumento para o desenvolvimento humano
e social, capaz de causar impacto profundo tanto na vida pessoal, melhorando a saúde e o
desempenho escolar, como na vida comunitária, reduzindo a violência e promovendo a
inclusão.
Em 1979, o esporte foi considerado um direito humano pela Organização das Nações
Unidas (ONU). Alguns anos depois, em 1988, a Constituição Brasileira declarou dever do
Estado fomentar as práticas desportivas no país como direito de cada um de nós.
Os benefícios do esporte para a saúde já são comprovados. O sedentarismo e a
obesidade são problemas contundentes de saúde pública, uma epidemia mundial. Mais da
metade da população brasileira está acima do peso, e 17% são obesos. Hoje, o Brasil gasta
mais de R$ 12 bilhões por ano no tratamento dessa doença e suas consequências. Os poucos e
frágeis dados sobre atividade física nas capitais brasileiras indicam que somente 33% dos
cidadãos fazem atividade física suficiente, e 15% são totalmente inativos. E na escola o
número de horas de atividade física e esporte para crianças e jovens também não é animador.
Prevê-se que esta será a primeira geração no mundo que viverá menos que seus pais. Por isso,
pensar em políticas públicas de fomento ao esporte e à atividade física passou a ser primordial
para os governos.
Infelizmente, impera no Brasil uma visão limitada e acessória da atividade esportiva,
com ênfase no esporte de alto rendimento, concebido como entretenimento, em prejuízo da
prática esportiva como direito, notadamente na dimensão educacional. No caso do alto
285
1960. Desde então, nosso sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) − composto por
universidades, centros de pesquisa, institutos tecnológicos e agências de fomento federais e
estaduais − cresceu e sofisticou-se. Porém, isso ocorreu de maneira desordenada, sem
continuidade e sem articulação das políticas públicas, com irregularidade e insuficiência de
recursos, resultando em grandes disparidades regionais e pouca inserção no sistema produtivo.
A comunidade científica nacional e internacional reconhece o período de 2003 a 2010
teve o maior avanço na gestão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Duas iniciativas se mostraram essenciais para alavancar CT&I no país: a definição de uma
política nacional para a área, em 2004, e a implementação do Plano de Ação de CT&I (Pacti),
em 2007.
As duas resultaram de amplos debates, O Brasil ocupa64ªposição numa lista de 142
países no Índice Global de Inovação.tanto no âmbito do próprio governo como deste com
entidades representativas, com a participação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
(CCT). Esse movimento acabou por gerar aumento dos recursos financeiros federais para o
setor, com destaque para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT), formado pelos fundos setoriais de C&T, que deixaram de ser contingenciados,
alavancando recursos de governos estaduais.
Somados os recursos públicos e os das empresas, os investimentos em pesquisa e
desenvolvimento alcançaram, em 2010, cerca de 1,2% do Produto Interno Bruto, um recorde
histórico, embora ainda bem inferior à media de 3% que prevalece nos países industrializados.
As ações do MCTI sob a gestão do PSB também resultaram em grande avanço no marco legal
de CT&I. Leis aprovadas pelo Congresso Nacional e por Assembleias Legislativas, decretos
presidenciais e portarias de ministérios, juntamente com a forte articulação entre o governo
federal e os governos estaduais, contribuíram para a consolidação do Sistema Nacional de
CT&I.
Dentre os avanços no cenário de CT&I no período 2003-2010, cabe destacar os mais
importantes, correspondentes às quatro prioridades do Pacti.
O primeiro avanço foi ampliar e melhorar os programas de pós-graduação e de
financiamento da pesquisa básica, aplicada em todas as áreas do conhecimento em todos os
níveis da Hoje,6 milhõesde estudantes em todo o planeta frequentam cursos à
distância.estrutura do Sistema Nacional de CT&I, desde projetos de pesquisadores individuais
e de grupos de pesquisa até programas de redes de pesquisa e de grandes instituições, como os
Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). Esses esforços produziram aumento
significativo da infraestrutura e do pessoal dos institutos de pesquisa do MCTI e conferiram à
289
sociais e a leitura de textos informativos e livros inteiros nas telas portáteis. Após o início da
leitura de textos nos aparelhos móveis, mais de 62% dos entrevistados demonstraram maior
interesse pela leitura.
eventos de moda, design, cinema, teatro, música e artes visuais amparada por um
excelente plano de mobilidade.
A juventude é uma das grandes molas propulsoras de inovações sociais. Não apenas
porque representa a renovação de gerações, mas porque formula novas demandas, oferece
novas visões, é movida pelo desejo de autonomia e de participação.
Entretanto, quer no caso das inovações tecnológicas, Inovações demandam
planejamento, articulação, suporte e acompanhamento.quer no das inovações sociais – que,
aliás, podem se sobrepor –, não podemos confiar na inspiração de alguns indivíduos, no acaso
ou na sorte. Inovações demandam planejamento, articulação, suporte e acompanhamento.
Exigem políticas públicas adequadas. A flexibilidade e a abertura do Estado para interagir
com jovens empreendedores e com novos modelos de negócios definem sua capacidade de
fomentar a inovação.
As oportunidades e os desafios para o Brasil em CT&I. As áreas mais promissoras e
estratégicas para o país. A contribuição para o desenvolvimento sustentável.
A história mostra que ciência, tecnologia e inovação evoluem de maneira diferenciada
no tempo e no espaço das nações e, consequentemente, as oportunidades para o seu
desenvolvimento mudam em função dos momentos históricos e das condições dos países.
Por isso, é possível identificar áreas da ciência, da tecnologia e de inovações mais
promissoras em determinado momento e em determinado país. Por essa razão, tais áreas
podem ser consideradas estratégicas.
O cenário atual é francamente favorável ao Brasil, que dispõe de enorme
biodiversidade ainda pouco explorada e, já detentor de uma das matrizes energéticas mais
limpas do mundo, tem enormes oportunidades para ampliar a participação de fontes
alternativas, podendo avançar muito na direção do desenvolvimento sustentável.
As propostas a seguir visam a fazer com que CT&I É possível contribuir de forma
mais decisiva para compatibilizar o uso racional dos recursos naturais e a preservação do
meio ambiente.contribuam de forma mais decisiva para compatibilizar o uso racional dos
recursos naturais e a preservação do meio ambiente nas áreas de agropecuária.
Terão papel importante também para o desenvolvimento da tecnologia da informação
e comunicações, da saúde, de fontes renováveis de energia e dos biomas brasileiros.
Contemplam ainda iniciativas de CT&I para o desenvolvimento social.
produção que conservem o solo, usem de forma eficiente a água, sejam compatíveis
com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade e permitam o aumento da
produção sem expansão significativa da área ocupada. O enobrecimento da produção
de origem agrícola pressupõe também permitir a redução do peso da exploração dos
recursos naturais e da importância dos custos da mão de obra na competitividade dos
produtos. Será necessário ainda incorporar determinadas oportunidades para elevar a
produtividade e a sustentabilidade, como é o caso das pequenas propriedades e da
agricultura familiar.
Consolidar a liderança mundial do país na área de biocombustíveis,
adotando para isso – em estreita articulação com o setor produtivo nacional – um
vigoroso programa de pesquisa, desenvolvimento, inovação e difusão de tecnologias
voltado à produção e ao uso de bioenergias.
Avançar na abordagem sistêmica da área de saúde, articulando a
política de CT&I com a de saúde propriamente dita e com a política industrial.
Destacam-se nessa agenda a necessidade de agilizar a implementação das parcerias
com as empresas nacionais; utilizar o poder de compra do Estado para maximizar seus
resultados a médio e longo prazos; aperfeiçoar e compatibilizar os regimes normativos
da área (especialmente a vigilância sanitária, o acesso à biodiversidade e o
intercâmbio de material biológico) e fortalecer a capacidade de realizar testes clínicos
no Brasil.
Aperfeiçoar e aumentar a escala dos atuais programas de promoção de
energias fotovoltaica e eólica, utilização do hidrogênio em células combustíveis,
fundamentais para que o país se torne um ator relevante nesses setores, que serão
vitais para a sociedade do futuro.
Retomar de forma acelerada os programas mobilizadores iniciados em
2009 na área de tecnologia espacial, e fortalecer e expandir o Programa Espacial
Brasileiro, englobando o monitoramento ambiental por satélite e o Programa de
Veículos Lançadores de Satélites.
Utilizar o poder de compra do Estado para fortalecer diferentes setores
e promover a inovação. No caso da saúde, por exemplo, maximizar resultados a médio
e a longo prazos, e não simplesmente minimizar custos imediatos; e no caso das TICs
estimular a inovação e a competitividade das empresas nacionais do setor.
Aplicar os conhecimentos atuais para repovoar as matas do semiárido e
do cerrado com espécies nativas, além de aprofundar estudos que permitam valorizar
os recursos da flora, da fauna e dos microorganismos desses biomas.
Intensificar as práticas sustentáveis na agricultura no cerrado, a
exemplo do plantio direto, da integração lavoura-pecuária-floresta, da fixação
biológica de nitrogênio, do desenvolvimento de cultivares tolerantes aos estresses
hídricos e a temperaturas mais elevadas, do uso eficiente dos recursos hídricos e da
recomposição dos recursos florestais para firmar o país como potência agrícola
tropical.
Preservar o restou da Mata Atlântica e convidar os grandes centros
urbanos dependentes do bioma e responsáveis por preservá-la a participar de sua
valorização. A implementação do Instituto Nacional da Mata Atlântica, cuja criação
ocorreu em 2010, precisa ser concretizada, assim como a do Instituto Nacional do
Pantanal.
Criar programas específicos de desenvolvimento de sistemas produtivos
e práticas sustentáveis para a região dos pampas.
299
Políticas Sociais
O Brasil conseguiu retirar da extrema pobreza uma parcela da população por meio de
programas de transferência de renda direta às famílias. As desigualdades sociais e regionais
permanecem, porém. É tempo de adotar programas sociais de terceira geração, que incluam
qualidade de vida e bem-estar, essenciais à construção de uma sociedade fraterna.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira tentativa robusta de construir um
Sistema de Proteção Social no Brasil. Nos anos 90, alguns programas sociais visaram aos
300
com um programa de compras estatais, a atividade de pequenos empreendedores. Não foi bem
sucedido e abandonou a ideia.
Criou então o Bolsa Família, exigindo contrapartidas dos beneficiados, como
manutenção dos filhos na educação fundamental, vacinação em dia das crianças e
acompanhamento pré-natal a gestantes.
Em abril de 2014, o Bolsa Família beneficiou 14,1 milhões de famílias, que receberam
o valor médio mensal de R$ 149,46. O valor total transferido alcançou R$ 2,1 bilhões no mês.
Do conjunto da população, 30% se inscreveram para receber o benefício, e dentre as pessoas
inscritas, 34% se enquadram na faixa de extrema pobreza, com renda per capita até R$ 70 por
mês. Outros levantamentos indicam que, por causa do programa, o abandono escolar caiu, e a
taxa de aprovação cresceu.
Como conquista paralela à inclusão das famílias, a constituição de um cadastro básico
unificado (CadÚnico), realizada ao longo dos últimos anos, permitirá que se avance na
direção de programas mais customizados, de acordo com o diferente perfil das famílias.
O Bolsa Família deparou, porém, com um impasse. Nota-se, ao longo dos anos, a
permanência das famílias beneficiadas no programa, em razão da persistência das fragilidades
socioeconômicas que caracterizam suas condições de vida. Foi-se revelando, portanto, a
complexidade da situação de pobreza e a impossibilidade do seu enfrentamento com um único
instrumento.
Em 2011, o governo Dilma lançou o Brasil Sem Miséria, que deveria desenvolver
ações para a inclusão produtiva nas zonas urbana e rural. Os resultados apontam o aumento do
número de inscrições, por exemplo, em capacitação, via Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), mas não mostram quantas pessoas foram capacitadas.
Relatórios que avaliam outros programas também são incompletos e não permitem a
avaliação de resultados.
302
O Bolsa Família e seus limites estruturais. O equívoco de eleger a renda como motor
único de combate à pobreza. A falta de acesso a serviços públicos. A hora de ampliar e
integrar os programas sociais.
É inegável a redução da pobreza absoluta no país e, em muito menor escala, da
desigualdade medida a partir dos rendimentos do trabalho. Esse cenário decorreu não
exclusivamente de programas sociais. Contaram, e muito, a aceleração do crescimento
econômico entre 2004 e 2008, a dinâmica do mercado de trabalho e as transferências sociais
(Programa Bolsa Família, Previdência Social atrelada ao salário mínimo e Benefício de
Prestação Continuada).
Tais avanços, entretanto, não podem ofuscar os imensos desafios que o Brasil tem
diante de si no que diz respeito à efetiva superação da pobreza e à redução mais substantiva
dos níveis de desigualdade, que seguem elevados na comparação com os padrões
internacionais. É preciso enfrentar o fato de que a redução da pobreza no período recente se
deu mais pelo aumento da renda do que por meio da garantia de acesso aos bens e serviços
públicos.
Não podemos nos contentar com esses avanços como se fossem a linha de chegada.
Nosso horizonte é o proveito igualitário de direitos, o que implica tratar os gastos para
assistência como investimentos, não como custos – um vício que ecoa fortemente na mídia
tradicional, habituada a apresentar programas de transferência de renda como despesa, sem
contrapor com clareza o montante quase cinco vezes maior do pagamento de juros e serviços
da dívida pública, por exemplo.
É necessário ampliar a concepção da pobreza para além da renda, bem como
reformular os instrumentos para a sua superação, levando em conta a diversidade de situações
concretas da população excluída do acesso à cidadania plena.
A adoção da linha de pobreza, tal como foi estabelecida pelo Banco Mundial – US$ 2
de ganho por dia, para qualificar o indivíduo pobre; e US$ 1 por dia, para definir o miserável
– é útil para fazer comparações internacionais. Mostra-se, porém, insuficiente para, sozinha,
guiar políticas públicas. Grupos de estudiosos e pessoas engajadas no combate à pobreza
estão mais adiantados nos diagnósticos, mas suas conclusões ainda não ocupam espaço
significativo no debate sobre assistência social. Para eles, é tempo de ir além e introduzir o
questionamento sobre quanto, de fato, custa satisfazer as necessidades básicas dos brasileiros,
ou seja, para além da renda, observar o acesso à saúde, à educação, ao lazer etc. Na garantia e
na preservação e recuperação de direitos se traduz o que chamamos de horizonte de
igualdade.
303
ideológico, sobre a suposta emergência de “nova classe média” no Brasil. Isso porque a
abordagem baseada em aumento de padrões de consumo ignora que não houve transformação
nas características que definem uma classe social: posição no processo produtivo, tipo de
emprego, nível de qualificação, acesso a bens sociais e formas de socialização.
É tempo de emergir uma terceira geração de programas sociais, para além da simples
estratégia de sobrevivência, que garanta assistência imediata, mas também uma cesta de
oportunidades para o desenvolvimento das famílias, levando em conta suas fragilidades e
potencialidades. Trata-se, agora, de buscar a igualdade de oportunidades e o acesso a serviços
públicos de qualidade.
Integração e Transversalidade
Transformar o Programa Bolsa Família em política pública de Estado,
assegurando sua continuidade mesmo com as alternâncias de governo.
Incluir no Bolsa Família todas as famílias cujo perfil preencha os
critérios do programa, estimadas hoje em 10 milhões.
Fortalecer a transferência de renda.
Proteger, preservar e recuperar direitos, garantindo o acesso
universalizado e permanente aos serviços públicos.
Assegurar maior eficácia, eficiência e efetividade às políticas e
programas sociais disponíveis nos vários níveis de governo, consolidando-os,
integrando-os e orientando-os para o atendimento das famílias mais pobres do país.
Promover a integração orçamentária e a transversalidade das políticas
sociais orientadas para previdência, assistência, saúde, educação, cultura e trabalho,
por meio de ações matriciais e territoriais, com ênfase na emancipação social,
econômica e cultural dos beneficiários.
Garantir a transparência (prestação de contas), a participação
democrática e o controle social das políticas, situando o interesse público como eixo
central das ações.
Fazer emergir uma terceira geração de programas sociais que, além da
mera sobrevivência, assegurem igualdade de oportunidades, acesso a serviços
públicos de qualidade e plena emancipação das famílias.
link para a página
A busca por dados regionais e locais. O controle dos programas. O cumprimento de
metas. É na base que construiremos e capacitaremos uma rede de agentes de desenvolvimento
familiar.
Concluída a etapa de integração das diferentes bases de dados em um Cadastro Único
para Programas Sociais, será necessário desenvolver mecanismos para conhecer as
necessidades da população e as possibilidades de atuação, de acordo com as especificidades
regionais e locais. Isso exige uma atuação muito forte na busca por informações e no
treinamento dos responsáveis pela tarefa.
O Papel dos Agentes de Desenvolvimento da Família
Levantar as reais necessidades da população atendida pelos programas
sociais para identificar os serviços a oferecer.
305
Estudo realizado por Ricardo Brito Soares, Flávio Ataliba Barreto e Marcelo Teixeira
Azevedo analisou resultados do programa de microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil
lançado em 1998 para atender principalmente clientes de baixo nível de escolaridade e de
renda.
O Papel do Estado Mobilizador
Estimular ações que reforcem a coesão social.
Incentivar parcerias público-privadas para estruturar e executar
programas sociais integrados.
Envolver a sociedade na luta contra a pobreza também pela via do
empreendedorismo, por meio de projetos de educação, capacitação e orientação
empresarial.
Apoiar programas e projetos que estimulem mais pessoas a criar
microempreendimentos.
Potencializar talentos aptos a desenvolver produtos e serviços em linha
com as necessidades da economia contemporânea.
Os autores concluíram que a oferta de crédito contribui efetivamente para que pessoas
e comunidades saiam da pobreza e caminhem com as próprias pernas. Nesse sentido, o
estímulo à microempresa, grande geradora de empregos e de dinamismo locais, tem de ser
considerado uma iniciativa importante.
Ir além do conceito de Estado unicamente provedor e partir para o de Estado
mobilizador é uma das chaves para obter sucesso nas políticas sociais.
Saúde +10
Implementar gradualmente, ao longo de quatro anos, a proposta do
projeto de lei de iniciativa popular de vincular 10% da Receita Corrente Bruta da
União ao financiamento das ações de saúde.
Rejeitar qualquer Desvinculação de Receitas da União para assegurar a
manutenção das fontes orçamentárias da Seguridade Social.
A Constituição atribui aos municípios a prestação dos serviços, com o apoio técnico e
financeiro dos estados e da União. Porém, a desigualdade entre os municípios brasileiros é
profunda, o que dificulta o acesso equânime da população à saúde. E, ainda que as prefeituras
tenham aumentado os recursos destinados à área, isso não ocorreu com as verbas da União –
tomando-se o percentual do PIB –, o que resultou em sério impasse no financiamento do
atendimento médico e hospitalar.
Levantamentos indicam, por exemplo, que os gastos federais com ações e serviços
públicos de saúde diminuíram em relação à Receita Corrente Bruta (RCB) da União. Em
1995, representavam 9,6% dessa receita e, em 2011, eram de apenas 7% na mesma base. O
montante de recursos perdidos durante os anos 2000 bate nos R$ 180 bilhões.
Já o gasto privado é, em parte, financiado pelo dinheiro público. Apesar do SUS, mais
de 48 milhões de brasileiros, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), são usuários de planos de saúde e Apesar de seus problemas, o SUS contribuiu para
elevar o IDH do Brasil de0,493(muito baixo) para0,727(alto) em duas décadas.recebem
desconto no imposto de renda pelo que pagam a seguradoras e operadoras de saúde. O
310
governo federal, por meio das renúncias fiscais, beneficia pessoas físicas e jurídicas, além de
entidades sem fins lucrativos, como hospitais de excelência.
Não basta, portanto, um choque de gestão na saúde. É preciso aportar mais recursos na
área. Os investimentos virão do crescimento econômico, dos ganhos de eficiência e de uma
decisão política de dar prioridade à saúde no Orçamento Geral da União.
Combater as desigualdades no acesso aos serviços. Reorganizar o atendimento básico.
Oferecer mais leitos. Enfrentar a grande tarefa de fazer do SUS um modelo de universalização
da saúde.
Entendemos que passa da hora de enfrentar o subfinanciamento crônico do SUS, mas
não apenas isso. A gestão de custos precisa ser mais eficiente em todo o sistema. A
universalização deve se dar efetivamente a partir da instituição do Programa de Saúde da
Família como porta de entrada do sistema e da reorganização dos programas de acesso a
medicamentos. É necessário ainda ter planejamento para formar médicos e profissionais de
saúde em todo o país. Além disso, devem-se equacionar o atendimento especializado e os
procedimentos de alta complexidade.
Há um desequilíbrio no financiamento dos níveis de Atenção Básica, Média e Alta
Complexidade. Os indicadores revelam que houve diminuição das despesas com a Atenção
Básica, a porta de entrada para o SUS. A distribuição da oferta também demonstra um
profundo desequilíbrio regional.
Nesse cenário, a coligação Unidos pelo Brasil propõe um ambicioso programa de
ampliação da rede hospitalar e da oferta de leitos, de maternidades e de policlínicas.
A condução rigorosa e correta da política macroeconômica − bem como a Programa
de Saúde da Família chega a mais de100 milhõesde pessoas.elevação do padrão de gestão do
SUS − vai permitir o atingimento das metas orçamentárias do Saúde +10 e gerar o espaço
fiscal necessário à realização de um programa indispensável para ampliar os padrões de saúde
da população.
311
A perspectiva de ampliar o acesso à Atenção Básica deve ser articulada a esforços para
melhorar o encaminhamento às especialidades, às urgências e aos procedimentos de média e
alta complexidade, também em todo o país.
É um fato conhecido: o Brasil vem perdendo leitos hospitalares. O número por mil
habitantes recuou para 2,26 em 2009 (último dado disponível no IBGE). Trata-se de padrão
inferior ao definido pelo próprio Ministério da Saúde, que recomenda entre 2,5 a 3 leitos por
mil habitantes.
regiões de saúde sejam cobertas por ao menos uma unidade policlínica, o país precisa
construir 356 em diferentes regiões.
Corresponsabilizar as três esferas de gestão do SUS (municipal, estadual e federal) por essa
tarefa é fundamental, além de fortalecer ações que organizem e modernizem a prescrição, a
dispensação e o consumo de remédios.
A reforma do sistema previdenciário. O debate sobre as regras da previdência,
incluindo o fator previdenciário, deve garantir justiça, equilibrio e sustentabilidade do
sistema.
O sistema previdenciário brasileiro carece de reformas que assegurem sustentabilidade
atuarial e equidade entre contribuintes e beneficiários. Algumas dessas injustiças e
inadequações referem-se às regras de aposentadoria do regime geral.
A coligação Unidos pelo Brasil compromete-se a inaugurar um debate sereno e
profundo para sanear esses problemas e legar às atuais e futuras gerações um regime
previdenciário mais justo e equilibrado. Entre os problemas a enfrentar imediatamente, estão
as regras de aposentadorias submetidas ao fator previdenciário.
A Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, criou o fator previdenciário como forma
alternativa à imposição de idade mínima para a aposentadoria no Regime Geral de
Previdência Social. Foi regulamentado o período básico de cálculo do benefício e criada uma
fórmula a ser aplicada a essa média no caso das aposentadorias por tempo de contribuição,
considerando três fatores:
1) o tempo de contribuição;
2) a idade na data da aposentadoria;
3) a expectativa de sobrevida calculada pelo IBGE.
Pela fórmula do fator previdenciário, os trabalhadores que iniciaram o período
contributivo com menor idade têm sido penalizados com a redução do valor do benefício,
mesmo contando com 35 anos de contribuição. Por isso, o fator tem sido questionado, tanto
em sua constitucionalidade quanto pela injustiça que acarreta.
Para mitigar essa possibilidade, têm sido propostas fórmulas alternativas que
neutralizariam os seus efeitos. Exemplo dessas alternativas é a chamada fórmula 85/95, por
meio qual seria estabelecido um requisito mínimo para a aposentadoria combinando-se dois
fatores: idade e tempo de contribuição.
A coligação Unidos pelo Brasil propõe a busca de alternativa ao fator previdenciário
que concilie os princípios de justiça – beneficiando quem mais cedo começou a trabalhar,
computando tempo suficiente para o custeio do seu benefício, e evitando, ao mesmo tempo, a
imprevisibilidade derivada do fator previdenciário, que sofre alteração a cada ano, à medida
que se eleva a expectativa de vida da população. Uma formula numérica que elimine o fator
320
negativo, ou seja, a redução do benefício, a partir de certo patamar, parece ser defensável e
suficiente para mitigar os efeitos perversos do fator.
Em 2003, o Ministério das Cidades (MC) foi criado com o propósito de executar
planejamento urbano integrado. Mas a verdade é que esse trabalho não foi realizado − e a
atuação do MC tem sido pontual e desarticulada nos temas básicos da habitação, do
saneamento e da mobilidade. Não responde também aos grandes dilemas das nossas
metrópoles. Para se ter uma ideia, apenas R$ 6,7 bilhões dos recursos detinados ao MC estão
endereçados à área de urbanismo e saneamento, e outros R$ 14,9 bilhões, para habitação de
interesse
social.
Tal situação faz da maioria dos moradores urbanos habitantes de domicílios insalubres
e sem conforto e cria bairros desprovidos de infraestrutura. Segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população urbana no Brasil saltou de 19 milhões, em 1950,
para 161 milhões, em 2010. Nesses 60 anos, porém, nossas cidades continuaram praticamente
322
sem nenhum planejamento. A maior parte das habitações foi erguida de forma precária.
Projetos arquitetônicos ou urbanos praticamente inexistiram.
Nosso desafio, portanto, é recuperar e manter de forma criteriosa o que já foi
construído e criar o que for necessário nas cidades para que todos tenham condições
adequadas de vida e de mobilidade. Trata-se de tarefa que não será realizada apenas em uma
administração. Por isso, um planejamento com clara definição das prioridades e metas para o
curto, o médio e o longo prazos deve ser concebido imediatamente e com tal envergadura, que
continue a ser seguido independentemente de quem ocupe o governo.
Repensar as cidades também tem consequências em outro aspecto fundamental para a
qualidade de vida: a segurança pública. Acreditamos que um novo urbanismo pode contribuir
verdadeiramente também para reduzir a violência. A criação de cidades sustentáveis e
seguras, tão desejadas, demanda mudar estruturalmente o entendimento e a forma das
políticas urbanas.
Os novos modelos de desenvolvimento devem ser inclusivos e ter foco na
sustentabilidade, abandonando a lógica voltada unicamente à expansão dos negócios, à
especulação imobiliária e à distribuição espacial das pessoas pela renda. Devem refletir um
novo pacto, que dê prioridade à qualidade de vida.
Política Habitacional
O pacto pela vida começa com uma consistente política habitacional, que combata os
guetos de pobreza com moradias sustentáveis, em bairros com infraestrutura.
Apesar de alguns avanços, principalmente com o Programa Minha Casa Minha Vida
(MCMV), ainda persiste um significativo déficit habitacional no Brasil, concentrado na
população urbana de baixa renda. Os especialistas calculam que faltem mais de 5 milhões de
moradias no país para essas pessoas.
A habitação brasileira passou por quase duas décadas de baixa produção a partir da
crise do Banco Nacional da Habitação (BNH), ocorrida nos anos 80. Com o fechamento da
instituição, em 1986, fragmentaram-se as competências da política habitacional e esvaziaram-
se os fundos de financiamento, fruto tanto da má gestão quanto da própria crise econômica.
O modelo implementado pelos militares em 1964, que se consolidaria no Sistema
Financeiro da Habitação (SFH), chegou ao ápice em 1980, com mais de 600 mil empréstimos,
mas, nos anos seguintes, necessitava de contexto macroeconômico favorável e de reformas
para retomar a produção. Sem isso, o sistema entrou em crise, e o número de financiamentos
se manteve bem abaixo desse pico, demonstrando incapacidade crônica para retomar a
atividade.
323
preciso, no entanto, ter em mente que uma boa política habitacional não se esgota na
construção de
moradias.
Elas precisam estar em bairros com infraestrutura, ou corre-se o risco de criar
territórios segregados, de péssima qualidade urbanística e marcados por problemas sociais
como tráfico de drogas e violência doméstica, entre outros males conhecidos dos guetos de
pobreza.
Por isso, a Coligação Unidos pelo Brasil propõe manter, ampliar e aprimorar o
programa MCMV. Vamos construir 4 milhões de moradias até 2018, mantendo o subsídio
para as faixas de baixa renda. Para isso, reforçaremos as condições de financiamento às
famílias e abriremos um processo de diálogo que avalie a possibilidade de incluir outras
instituições financeiras, além das já participantes, no programa.
Os financiamentos terão parte dos subsídios condicionada a prazos e condições
oferecidas aos beneficiários − quanto melhores as condições, maiores os subsídios. Também
vamos condicionar os subsídios e os financiamentos à qualidade dos projetos, a fim de que os
conjuntos habitacionais sejam desenvolvidos em locais mais adequados e envolvam a
implementação de serviços de educação, saúde, segurança, esportes, cultura e transportes. Os
projetos habitacionais deverão receber estímulos para ser instalados perto dos polos de
distribuição da economia local.
Por fim, para melhorar as condições de acesso pleno à casa própria, corrigiremos uma
distorção inibidora da regularização da propriedade imobiliária urbana que tem efeitos
negativos no mercado e provoca insegurança jurídica. Trata-se dos terrenos de marinha, cuja
propriedade pertence à União, segundo dispõem o artigo 20, VII, da Constituição, os
Decretos-Leis 5.666/43 e 9.760/46 e a Lei 9.636/98 (alterada pela Lei 9.821/99).
A legislação que regula os tributos incidentes sobre essas áreas é anacrônica e deve ser
revogada. A exigência de pagamento de laudêmio nas transferências dos terrenos definidos
325
como “de marinha” impõe ônus adicional à aquisição de imóveis pela população, o que
dificulta o acesso à casa própria. O governo da coligação Unidos pelo Brasil vai propor uma
Emenda Constitucional para revogar esse instituto e seus tributos.
sem rede de esgoto. Em vastas regiões do país, como o semi-árido nordestino, o acesso à água
é intermitente e de baixa qualidade, com elevados índices de salinização da pouca disponível.
Inúmeras doenças e mortes por diarreia, entre outros males decorrentes da falta de
saneamento, afetam nossa população.
Segundo o SOS Mata Atlântica, dentre os 96 principais rios e mananciais brasileiros,
apenas 11% têm a água classificada como boa.
O despejo de esgoto e resíduos industriais diretamente neles faz com que 40% sejam
classificados como ruins ou péssimos em qualidade da água, e outros 49% estejam
enquadrados apenas como regulares.
As mudanças climáticas, por sua vez, têm provocado 44,8%do total de cidades do país
não contam com rede de coleta de esgoto. Apenas18%dos municípios brasileiros têm coleta
seletiva de resíduos.regimes pluviométricos intensos e intermitentes. Os cientistas são
unânimes em afirmar que essa situação deve permanecer nas próximas décadas, o que só piora
ainda mais as condições de abastecimento e de drenagem das grandes cidades. Elas deverão
adaptar-se a essas mudanças e, por preservarem seus mananciais, receber pagamento por
serviços ambientais.
O cenário impõe aos governantes grandes desafios para assegurar a sustentabilidade
das grandes cidades e preservar o meio ambiente. Somente uma virada urgente, com a
implementação de projetos estratégicos voltados ao saneamento e ao tratamento de resíduos e
à promoção de mudanças de hábitos urbanos podem resgatar o país desse quadro.
Conjugar esforços públicos e privados para acabar com o atraso. Estabelecer prazos
firmes para conclusão de obras. Capacitar técnicos para fazer a gestão dos planos com rigor.
O saneamento é um direito constitucional e tem como marco legal a Lei Federal
11.445/2007, chamada Lei do Saneamento. Ela fixou as diretrizes nacionais para a Política
Federal de Saneamento Básico, obrigando os municípios a elaborar seus planos em
cooperação com associações representativas e com a população, conforme previsto no
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Além disso, condicionou o acesso aos recursos federais
para esse fim à existência de tais planos (Artigo 50).
O referido marco legal é ambicioso e escancara um problema brasileiro histórico que,
a despeito das iniciativas, nunca foi solucionado ou gerido de forma satisfatória. Obras de
saneamento raramente são classificadas como prioritárias, e a baixa compreensão da
população sobre sua importância faz com que a pressão social e o custo político em torno do
tema sejam relativamente
327
baixos.
É importante ressaltar, no entanto, que 58% das obras de saneamento estão atrasadas;
e mais da metade das obras de esgoto incluídas nos PACs 1 e 2, fora do cronograma – 23%
paralisadas, 22% atrasadas e 13% não iniciadas ainda.
Além da falta de planejamento, da inconstância nos investimentos e dos atrasos, as
obras em andamento muitas vezes são mal executadas e fruto de projetos mal feitos. Os custos
nesse setor são elevados, e os procedimentos contratuais deveriam garantir a qualidade,
inclusive com cláusula para manutenção futura, o que não ocorre atualmente.
Apesar de a legislação brasileira prever que todos os municípios tenham seus próprios
planos municipais de saneamento, a maioria não conta com técnicos capacitados para fazer
essa gestão nem tem recursos financeiros para tanto.
A conjugação de esforços privados e públicos poderia acelerar a universalização do
esgotamento sanitário. Atualmente, no entanto, diversas companhias estaduais de saneamento
básico têm dificuldade de manter-se. Segundo relatório de 2010 do Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (Snis), de 26 empresas públicas, 14 apresentam déficits
financeiros, que, somados, totalizam um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão.
A participação do setor privado para alcançar metas do governo federal nas áreas de
saneamento, abastecimento de água e destinação de resíduos sólidos precisa, portanto, ser
enfrentada com urgência. O ingresso de empresas particulares nesse campo já ocorre em
alguns municípios. A flexibilização das normas, com controle social, deve ser considerada em
nome de inúmeros benefícios a toda a sociedade brasileira.
329
Vale
destacar ainda o Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas (Prodes), criado em 2001
e administrado pela Agência Nacional de Águas (ANA).
Por meio do Prodes, incentiva-se o tratamento de esgotos, para reduzir os níveis de
poluição nas bacias hidrográficas do país. Também conhecido como “programa de compra de
esgoto tratado”, é uma iniciativa inovadora, pois não financia obras ou equipamentos, e sim
paga pelos resultados alcançados, ou seja, pelo esgoto efetivamente tratado.
Pela Saúde das Nossas Cidades
Implementar uma política de universalização dos serviços de
saneamento.
Fazer parcerias público-privadas (PPPs) para acelerar a realização dos
serviços.
Fortalecer a Política Federal de Saneamento Básico por meio de
replanejamento e melhoria de serviços, infra-estrutura e instalações operacionais de
abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário, de limpeza urbana, de
manejo de resíduos sólidos e de drenagem de águas pluviais urbanas.
Ampliar os investimentos em saneamento, mantê-los em ritmo
constante e progressivo e distribuí-los melhor no território nacional, visando a
superar o déficit de acesso à rede de coleta e tratamento de esgotos. • Estimular a
adoção do Programa Despoluição de Bacias Hidrográficas (Prodes).
Melhorar a gestão incentivando o tratamento de esgotos no local de
origem dos empreendimentos (antes do lançamento em redes urbanas e recursos
hídricos).
Estimular a filtragem de esgoto e tratamento de canais a partir da
fitodepuração – enquanto o problema não for enfrentado de forma mais estruturada.
330
Mobilidade Urbana
O problema da falta de mobilidade é reconhecido como tema-chave para os grandes
centros, a exigir soluções imediatas, mas também um desenho alternativo para o futuro,
baseado em planejamento urbano.
As grandes cidades entraram em colapso do ponto de vista da mobilidade. Por essa
razão, a bandeira dos transportes foi uma das mais levantadas em protestos e manifestações
recentes. Usuários do sistema coletivo sofrem com a superlotação, com a falta de alternativas
e − juntamente com detentores de veículos individuais − com o trânsito e a perda diária de
tempo, saúde e produtividade.
A qualidade do transporte público urbano é baixa, e o nível de tarifa bastante elevado,
tendo impacto direto sobre a renda e a mobilidade dos mais pobres e também dos jovens e
estudantes. É um desafio para os governantes melhorar os meios de transporte e reduzir o
preço das passagens.
333
Assim, discutem-se formas para diminuir o estresse do sistema, quase todas pontuais,
ainda que algumas sejam necessárias para aliviar a população de tamanho mal-estar. Sabe-se,
porém, que a situação é muito complexa e que as saídas supõem iniciativas como construir
novos corredores de transporte ou viadutos, regularizar as calçadas e estimular o uso de
bicicletas e outros meios alternativos.
A crise dos transportes está ligada ao modelo de desenvolvimento não planejado das
cidades, que estão divididas. De um lado, os centros e O longo tempo de deslocamento nas
grandes cidades resultam em perda de saúde e produtividade.seus entornos, com grande
presença do Estado. E, de outro, as periferias distantes e apartadas dessa dinâmica urbana, mal
providas de serviços públicos e de dinamismo econômico. Esse crescimento desordenado gera
movimentos pendulares diários de pessoas, que se deslocam para trabalhar e voltar para casa.
334
vida. O quadro
geral dos acidentes de trânsito urbano no Brasil é alarmante. De acordo como SNMU, nada
menos que 77 mil motociclistas acidentam-se por ano. Há 43 mil óbitos anuais decorrentes de
problemas no trânsito, o que põe o país na quarta colocação em número de mortes provocadas
por veículos, atrás apenas da China, da Índia e da Nigéria. A cada dez leitos de UTI em São
Paulo, seis são ocupados por vítimas do trânsito; quatro deles, por motociclistas. As
campanhas de educação para o trânsito devem ser intensificadas.
O SNMU foi criado em 2013 com o objetivo central de formar uma rede nacional de
coleta periódica de dados, já que a falta de informações agregadas em um sistema único é um
dos obstáculos à construção de sistemas eficientes de mobilidade. O desafio é garantir a
efetiva implementação dessa proposta, sua atualização e capilaridade na recepção de
informações e em sua disseminação de forma articulada para estados e municípios.
337
Para enfrentar tantos desafios, propõem-se estratégias e objetivos para curto, médio e
longo prazos. Toma-se como ponto de partida a integração e a articulação da cidade
territorialmente, facilitando o acesso aos equipamentos existentes, inclusive os destinados a
cultura, esporte e lazer.
Mesmo não sendo responsável diretamente pelo setor, a União tem de assumir o papel
de fomentar o desenvolvimento de sistemas de mobilidade mais sustentáveis e qualificados. A
coligação Unidos pelo Brasil não cogita políticas restritivas de aquisição de veículos privados
pela população, principalmente agora que as famílias de baixa renda estão tendo acesso a esse
bem durável. Mas, ao mesmo tempo, considera necessárias políticas claras de estímulo ao uso
do transporte público e do transporte não motorizado por meio de oferta de vantagens para
que os proprietários de veículos privados substituam viagens individuais por coletivas ou
optem por meios não motorizados.
O governo federal pode formar um pacto federativo com municípios e estados a fim de
melhorar a gestão dos sistemas de mobilidade, prover investimentos na infraestrutura de
transporte público e não motorizado, financiar a operação do transporte para reduzir o preço
das passagens e conceder benefícios a grupos específicos, como estudantes de baixa renda.
O financiamento e a capacitação dos municípios para o desenvolvimento dos planos
diretores de mobilidade urbana é outra preocupação da coligação Unidos pelo Brasil. A
lei Em 2014, chegou-se à marca de 45milhões de automóveis no país, um para cada quatro
habitantes.estabeleceu prazo até o ano que vem para a apresentação dos projetos, mas muitos
municípios ainda não os estão desenvolvendo. O governo federal deve oferecer às prefeituras
as condições para que cumpram o cronograma. É fundamental ainda capacitar os agentes
públicos nos processos de contratação, licitação e acesso aos programas federais.
Qualquer benefício que a União oferecer, porém, deve prever contrapartidas em
termos de melhoria da gestão ou redução dos custos dos serviços e, consequentemente, do
barateamento das tarifas. O passe livre para estudantes, por exemplo, é um passo para se
chegar a políticas mais abrangentes, como o atendimento à demanda por tarifa zero.Na busca
de soluções para mobilidade, devemos ainda dialogar com a indústria automobilística, pois ela
fabrica os veículos de transporte coletivo e deve adaptar seus investimentos às exigências de
nossos tempos.
É preciso encarar as cidades como ambiente de vivência social e planejá-las de forma
mais circular e menos radial. A mobilidade urbana, por sua vez, deve ser pensada com
diferentes soluções, enfrentando a lógica dominante do transporte individual.
338
Regiões Metropolitanas
Apoiar a elaboração, na implementação e no financiamento de planos de mobilidade,
aumentando a transparência e a participação da sociedade.
As regiões metropolitanas brasileiras enfrentam todos os percalços inerentes aos
grandes conglomerados urbanos dos países em crescimento: explosão demográfica
desacompanhada da necessária oferta de serviços, insuficiência de equipamentos públicos e
de moradias adequadas e processo de urbanização sem planejamento. Tudo isso obriga o
poder público a resolver de forma quase sempre emergencial os problemas dramáticos já
existentes. A questão da complexa governança dessas metrópoles e a escassez de mecanismos
de cooperação interfederativos tornam-se, assim, o principal desafio da administração dos
grandes espaços urbanos.
A legislação atual delega aos estados o papel de criar novas regiões metropolitanas.
Oficialmente, são 60. Segundo o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia − Observatório
das Metrópoles, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 15 delas foram identificadas
como metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília,
Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza, Campinas, Manaus, Vitória, Goiânia, Belém e
Florianópolis.
Desses, apenas nove (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife,
Fortaleza, Salvador, Recife e Belém) concentravam, em 2011, segundo dados do IBGE, mais
de 58 milhões de habitantes e respondiam por cerca de 30% do PIB brasileiro.
É preciso aperfeiçoar a definição jurídico-institucional das regiões metropolitanas
como instâncias administrativas dotadas de autonomia e de recursos financeiros para o
enfrentamento dos desafios do transporte coletivo e da mobilidade nas grandes manchas
urbanas.
A questão da região metropolitana indica a dificuldade de articulação
interinstitucional. Por outro lado, a complexidade da articulação dos diferentes modais de
transporte coletivo remete às dificuldades de gestão dos estados e municípios diante do
desafio da explosão demográfica urbana. É clara a escassez de sistemas que combinem de
forma eficiente os diversos modais. O modelo centrado no transporte individual motorizado
foi desconstruindo aos poucos a estrutura de transporte coletivo e direcionando a imensa
parcela dos recursos para a malha viária. Deteriorou, assim, os sistemas coletivos e sua
gestão.
Segurança Pública
O país precisa de metas de estabilização social. Garantir a segurança a todos é um dos
mais complexos desafios nesse campo, porque passa necessariamente pelo debate sobre as
causas da violência, entre elas, a desigualdade.
O Brasil ocupa o 85° lugar no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) das Nações Unidas, de acordo com o relatório de 2012. Essa situação Cerca
de5%de todas as mortes no território nacional em 2012 foram causadas por homicídios.afeta
o bem-estar e a crença dos brasileiros no papel do Estado, em vários campos. No caso da
segurança pública, são claras as implicações, entre as quais a visão de que os problemas não
devem ser tratados como uma questão de polícia apenas.
O planejamento urbano é uma forma de prover segurança. Mais demorada, porém
mais eficiente. As cidades brasileiras cresceram sem planejamento e de forma pouco
democrática, criando um cenário indutor de violência, já que marcado pela exclusão e
agravado pelas carências educacionais.
O modelo segregador existente no país aponta para a necessidade de forte intervenção
nas periferias, a fim de reduzir a exposição das pessoas à violência e ao crime.
As vítimas de homicídios são, em sua maioria, de acordo com dados do Ministério da
Justiça, homens (92%) e negros (71,4%), o que mostra que a população negra e de menor
renda é o principal alvo. Negros e pardos somados, em 2012, representavam 60,75% do total
de detentos no país.
341
Para a coligação Unidos pelo Brasil, segurança pública e direitos humanos estão
entrelaçados. O direito à vida, o direito à integridade física e o direito à segurança caminham
juntos. Prover segurança à população implica, assim, atuar preventivamente contra tudo que
possa gerar violência. A coligação entende ainda que segurança é um debate a travar em nível
nacional, extrapolando os limites estaduais em que normalmente se vê confinado.
As estratégias de prevenção devem ser articuladas com estratégias de coerção
qualificada. Pensar em segurança pública requer desenvolver mecanismos de coerção. A
repressão qualificada, com foco em informação, tecnologia, inteligência e gestão, é
prerrogativa do Estado na proteção aos cidadãos.
342
De acordo com o relatório do Institute for Economics and Peace (IEP), em 2012 o
Brasil gastou US$ 175,7 milhões para conter a violência, cerca de US$ 895 per capita.
Economias com elevados índices de violência como a nossa destinaram muito menos recursos
à área nesse período, como foi o caso da Colômbia, México e África do Sul.
343
efeitos positivos. Foi assim que o estado do Rio de Janeiro conseguiu reduzir em 29% o
índice de crimes violentos letais intencionais entre 2008 e 2012.
Foi assim também que Pernambuco, com o programa “Pacto pela Vida”, baixou em
33,4%% a taxa de homicídios desde 2007, em meio a um cenário em que os demais estados
nordestinos registraram aumento no mesmo indicador. A integração da ação das polícias; o
investimento em formação dos efetivos das forças Civil e Militar; a melhoria do padrão
salarial, inclusive com a remuneração variável pelo atingimento de metas; a gestão com foco
em resultados; a articulação de todos os órgãos do Executivo, do Legislativo, do Ministério
Público e do Judiciário; e o envolvimento da sociedade civil organizada são os fatores
apontados pelos analistas como explicativos do grande sucesso da iniciativa pernambucana.
A precarização das polícias é um dos fatores que explicam o baixo sucesso do combate
ao crime no Brasil atual. Para evitar as mortes decorrentes do tráfico de drogas e armas, que
exige intensa atuação da Polícia Federal, por exemplo, devemos investir nessa força.
Mas o contrário disso se observa nos indicadores que trazem o número de
profissionais da PF ativos entre os anos de 2005 e 2013 e que mostram o ingresso na PF por
meio de concurso público no mesmo período.
A falta de estrutura institucional para combater a violência pode ser sentida também
nos municípios. Para exemplificar, em 2012, dos 5.565 municípios do Brasil, apenas 17,8%
tinham Guarda Municipal. A isso se soma a constatação de que apenas 230 das 5.565 cidades
346
estruturadas.
A prevenção deve ter como foco os grupos como idosos, crianças, mulheres. Ela
envolve processos que vão desde mediação de conflitos nas comunidades a oferecimento de
oportunidades para os mais vulneráveis.
Investir na Paz
Criar uma inspetoria nacional para monitorar violações aos direitos
humanos no Brasil e assegurar o cumprimento das garantias constitucionais em todo
o país.
Avaliar os trabalhos da Secretaria de Direitos Humanos e devolver o
foco de sua atuação para esse campo. Formar um banco de dados que possa ser
acessado pela população.
Criar e implementar políticas públicas voltadas aos extratos mais
vulneráveis da população nos quais se observa um aumento dos índices de
violência.
Fazer uma revisão nas ações de algumas secretarias e ministérios que
cuidam da população mais vulnerável e estabelecer protocolos conjuntos, buscando
melhorar sua efetividade.
Estimular e monitorar o cumprimento das disposições da Convenção
sobre os Direitos da Criança, atualizando continuamente dados sobre a infância no
país e oferecendo-os, via internet, a escolas, empresas e cidadãos, juntamente com
um canal para denúncias; reforçar ações de erradicação do trabalho infantil;
combater a pedofilia, a exploração sexual e a pornografia infanto-juvenil pela
internet; e estimular adoção de crianças e adolescentes abandonados.
Apoiar estados e muncicípios na criação de estruturas de atendimento
específico para idosos que são vítimas de violência.
Criar uma política nacional de educação sobre drogas nas escolas que
amplie o conhecimento dos jovens e oriente-os sobre como se proteger e a suas
famílias do assédio de pessoas ligadas ao tráfico.
Integrar políticas públicas de educação e segurança, gerando programas
de conscientização da população para a erradicação da violência.
Implementar programas de integração social que estimulem o
conhecimento da diversidade sociocultural brasileira, combatendo a discriminação
racial, de gênero, de orientação sexual, religiosa, social e intergeracional.
O caminho tem de ser a geração de oportunidades no plano da empregabilidade, do
reconhecimento sociocultural, da inserção e reinserção social. Também propomos reativar os
Conselhos de Segurança, para que sejam os indutores da educação para a cidadania.
O esforço deve permitir que a sociedade assuma seu papel de fiscalizadora do sistema,
de tal maneira que se garanta qualidade de vida para o cidadão, sua família e a comunidade
em que está inserido.
CIDADANIA E IDENTIDADES6
O conjunto de direitos e deveres dos brasileiros está expresso na Constituição, mas,
infelizmente, a cidadania formulada no papel difere da experimentada pelos cidadãos, uma
vez que a participação na vida pública é menos acessível a determinados grupos e indivíduos.
Por esse motivo, são fundamentais políticas, programas e leis destinados a reparar injustiças
353
históricas e a aproximar cada vez mais a cidadania cotidiana da definida como ideal pela
sociedade em sua lei maior.
dos direitos fundamentais, sejam eles civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Não
relativizaremos princípios e valores que norteiam a defesa dos direitos humanos em função de
interesses econômicos ou ideológicos.
Contemplamos ainda os direitos humanos que se relacionam à titularidade coletiva, ou
seja, ao direito ao meio ambiente equilibrado, à qualidade de vida saudável, ao
desenvolvimento sustentável, à paz e harmonia entre os povos e sua autodeterminação, os
chamados “direitos humanos de terceira geração”.
Por fim, atentaremos à proteção dos direitos humanos de quarta geração, vinculados
fundamentalmente à preservação do patrimônio genético da humanidade: há o risco, em grau
ainda não determinável, de que esses direitos sejam violados, por causa do desenvolvimento
tecnológico e das pesquisas relacionadas ao genoma humano.
Na estrutura do Estado brasileiro, algumas entidades são responsáveis pela
preservação dos direitos humanos. O Ministério da Justiça, a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos (SEDH), a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial − bem como o Conselho Nacional de Direitos
Humanos (CNDH), o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), os
planos e programas nacionais de direitos humanos e os planos e programas nacionais de
direitos temáticos − constituem iniciativas do governo para assegurar o respeito aos direitos
dos cidadãos brasileiros.
Mas reconhecer o papel de atores não-governamentais na promoção dos direitos
humanos é fundamental para assegurar o pleno exercício da cidadania no Brasil. Assim,
queremos fomentar a relação de ONGs com o poder público, porque acreditamos que elas
podem balizar demandas e perceber potenciais infrações aos direitos humanos.
Na luta por maior acesso à cidadania, o respeito e o fortalecimento das identidades de
grupos com modos de ser, interesses e experiências comuns se revelam grandes aliados. A
consciência de determinado modo de ser, bem como a articulação com outros cidadãos que o
compartilham, potencializa a luta por direitos.
Juventudes
Precisamos enfrentar a combinação de fatores que relegam os jovens à margem do
processo democrático brasileiro: a desigualdade no acesso à educação, ao mercado de
trabalho, ao empreendedorismo, às oportunidades de lazer, à cultura e à ciência.
A juventude deve ser entendida não apenas como a faixa etária que marca a transição
para a vida adulta, mas também como um processo de constituição de sujeitos singulares e
agrupamentos que têm impacto sobre da trajetória futura dos indivíduos. A juventude
representa pouco mais de um quarto dos brasileiros, de acordo com a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012. Muitos preferem até usar o termo “juventudes”, no
plural, sinalizando a heterogeneidade que marca essa parcela da população.
Os mundos da cultura e da comunicação são arenas privilegiadas para a representação
simbólica e a afirmação de seus valores e identidades. Os diferentes grupos buscam expressar
estilos e legitimar projetos de vida por meio do corpo, em tatuagens, piercings e brincos, em
bailes funk, nos grafites A sociabilidade nos lugares em que se vive, se circula e se tem
amigos assume importância central para as juventudes.espalhados pelos muros urbanos, entre
tantas outras formas de expressão. A sociabilidade nos lugares em que se vive, se circula e se
tem amigos assume importância central para as juventudes. Os encontros virtuais nas redes
sociais potencializam os encontros presenciais e geram novas formas de apropriação de
espaços.
Paralelamente, milhões de jovens brasileiros enfrentam dificuldades pelas péssimas
condições do transporte rodoviário nas cidades, pelo alto preço das passagens, pela
infraestrutura insuficiente para ciclovias e outros modais alternativos, além da escassez de
equipamentos de ensino, lazer, esporte e trabalho, que os obriga a fazer penosos
deslocamentos. Como resultado, o Brasil tem uma juventude urbana sem acesso a locais
próprios para se desenvolver.
Não é difícil compreender que as manifestações de junho de 2013 tenham sido
motivadas originariamente pelo aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo. A
hegemonia do transporte rodoviário nas cidades brasileiras e a péssima mobilidade urbana
obrigam União, estados e municípios e o setor privado a repactuar responsabilidades e
357
Canadá e Estados Unidos com resultados efetivos, no Brasil, a estratégia foi implantada pela
Coordenadoria Estadual da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
priorizando ações pedagógicas voltadas a reinserir o jovem na sociedade. Ampliar o debate
sobre a justiça restaurativa e estender sua abrangência regional será uma de nossas pautas no
tocante à juventude.
A juventude é particularmente vulnerável do ponto de vista social. Segundo dados da
Organização Internacional do Trabalho (OMT), referentes ao ano de 2011, a taxa de
desemprego juvenil é duas vezes e meia maior que a taxa entre adultos. Para compreender
melhor o cenário, foi desenvolvido o Índice de Vulnerabilidade Juvenil, que abrange os
percentuais de jovens desempregados, jovens inativos, jovens trabalhando na informalidade e
jovens que não estudam. Em 2014, o percentual de jovens entre 15 e 24 anos em estado de
vulnerabilidade no Brasil é de 44%.
O contexto de violência em que se insere o jovem brasileiro merece particular atenção:
entre 1997 e 2007, houve aumento de 23,8% de homicídios contra jovens no país,
crescimento superior àqueles cometidos contra a população total (17,8%). Durante o período,
os homicídios ocorridos na faixa etária entre 15 e 24 anos corresponderam a 37,5% do total;
caso se considere a população entre 15 e 29 anos, o percentual aumenta para 54,8%. A
maioria dos jovens em conflito com a lei é vítima de um contexto social adverso, em que
muitos direitos e oportunidades lhes foram negados, comprovando a fragilidade dos serviços
sociais que protegem essa faixa etária.
Uma juventude sem condições adequadas de educação, com poucas oportunidades de
trabalho e de lazer e excluída de vários espaços sociais produzirá adultos em condição de
subcidadania, subemprego e, acima de tudo, levará a uma existência marcada pela falta de
perspectivas positivas.
Os jovens que possuem essas características acabam por distanciar-se dos processos
democráticos e da experiência de cidadania. Por tudo isso, pensar em políticas para a
juventude implica considerar as várias situações socioeconômicas e culturais que configuram
os diferentes segmentos jovens. E diz respeito não apenas às juventudes, mas a toda a
sociedade brasileira, que se beneficiará de um pacto entre as gerações e dos efeitos positivos
que acarretará no desenvolvimento sustentável do país.
A partir da segunda metade dos anos 1990, as três instâncias da federação começaram
a desenvolver iniciativas com foco na juventude. Em 2003, criou-se a Comissão Especial de
Políticas Públicas de Juventude, que, em 2004, realizou Conferências Estaduais de Juventude,
culminando, por sua vez, na Conferência Nacional de Juventude, promovida pela Câmara dos
359
Deputados. Daí saíram subsídios para a Emenda Constitucional 65, que insere a juventude
como público prioritário na Constituição e prevê a elaboração do Plano Nacional da
Juventude e do Estatuto da Juventude.
Organizações de jovens participaram da formulação dessas políticas públicas. E em
2005 foram criados a Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude
(Conjuve), formado por 20 membros indicados pelo poder público e 40 representantes da
sociedade civil. As conferências Nacionais e o Pacto pela Juventude foram ações articuladas
pelo Conjuve. Entre 2003 e 2008, realizaram-se as Conferências Infanto-Juvenis pelo Meio
Ambiente, resultado de uma agenda integrada do MMA e do MEC, que tinham por objetivo o
fortalecer o protagonismo e a cidadania ambiental de crianças e jovens nas escolas de todo o
país.
Toda essa mobilização é crucial e deve continuar. Mas o que existe hoje não é
suficiente. Os programas se destinam a buscar a integração e a participação dos jovens nas
diferentes instâncias da sociedade, mas reproduzem o abismo existente entre as ações
disciplinadoras propostas e as práticas juvenis, pautadas pela liberdade e pela criatividade.
Por tudo que foi exposto, a educação – formal e não-formal – constitui lugar
privilegiado para fomentar a habilidade dos jovens de engajar-se com os outros em esforços
contínuos de cooperação, e para propiciar o desenvolvimento potencial de cada um, na busca
de autoria, realização e reconhecimento.
Instituições educacionais e culturais abertas às comunidades do entorno, pautadas por
ideais e práticas de participação, cuidado com o ambiente, diálogo, respeito e cultura de paz
devem ser, necessariamente, instituições democráticas, onde os jovens tenham voz. Afinal,
processos participativos e troca de pontos de vista levam a tomadas de decisão conscientes e
refletidas, nas quais se constroem os próprios valores e limites.
Acreditamos que só a articulação entre educação e cultura, amparada por É necessário
escutar os jovens, acolher suas linguagens, movimentos e singularidades.uma rede de
proteção social mais efetiva, será capaz de dar fim às dicotomias enfrentadas nas diferentes
realidades vivenciadas pelos jovens e possibilitar construir novas subjetividades e transformar
as realidades juvenis.
Para isso, tanto do ponto de vista material como simbólico, vamos trabalhar para
definir políticas específicas para proteger, dar oportunidades e escutar os jovens, suas
linguagens, movimentos e singularidades, tendo o território como local estratégico,
fortalecendo a relação entre juventude, cultura e cidadania.
360
Mulheres
Mais do que garantir acesso a direitos humanos básicos, é preciso favorecer a
autonomia e a liberdade das brasileiras. Integrar programas sociais e assistenciais destinados a
elas. Combater a violência de que são vítimas. E multiplicar as oportunidades para que
empreendam e inovem.
As mulheres representam hoje 51% da população brasileira e 43,7% da população
economicamente ativa do país, mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
361
(PNAD 2011). Não se trata de uma minoria numérica, mas de uma maioria em clara
desvantagem.
Segundo a pesquisa, as mulheres brasileiras ganham 72,9% menos do que ganham os
homens. A diferença salarial não se deve necessariamente à falta de qualificação. As mulheres
brasileiras ganham72,9% a menos do que os homens. Pelo contrário, 59,7% dos brasileiros
que concluem o ensino superior são mulheres, e a média de anos de estudo das mulheres é um
ano maior que a dos homens.
Ainda assim, no Brasil, como em todo o planeta, as mulheres continuam
predominando entre os pobres. Além da remuneração inferior, são várias as causas que dão à
pobreza esse contorno feminino: mentalidade sexista, ausência de responsabilidade paterna
para com os filhos, falta de creches, onde as mães possam deixar os filhos para poder estudar
e trabalhar, e ineficiência de outras políticas públicas que melhorariam a condição feminina.
Em 1993, 17% das pessoas em extrema pobreza residiam em domicílios chefiados por
mulheres. Em 2008, passaram a ser 33%. Entre 1993 e 2008, enquanto a diminuição das
pessoas em extrema pobreza foi de 51%, nos domicílios chefiados por mulheres, foi muito
menor: 5,4% no mesmo período. Além disso, reduziu-se a taxa de fecundidade entre as
brasileiras nas famílias mais abastadas, ao passo que nas famílias mais pobres aumentou.
De tudo isso infere-se que o Estado brasileiro, por não ter sido capaz de agir com
equidade, não garantiu às mulheres chefes de família que vivem em extrema pobreza
condições para superar tal situação. O mesmo Estado não promoveu políticas públicas para
enfrentar as questões de gênero e estabelecer novo status da mulher na sociedade brasileira.
LGBT
Não podemos mais permitir que os direitos humanos e a dignidade das minorias
sexuais continuem sendo violados em nome do preconceito. O direito de vivenciar a
sexualidade e o direito às oportunidades devem ser garantidos a todos, indistintamente.
Ainda que tenhamos dificuldade para admitir, vivemos em uma sociedade que tem
muita dificuldade de lidar com as diferenças de visão de mundo, de forma de viver e de
escolhas feitas em cada área da vida.
Para Assegurar Direitos e Combater a Discriminação
Garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo
sexo.
Aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei da Identidade de
Gênero Brasileira – conhecida como a Lei João W. Nery – que regulamenta o
direito ao reconhecimento da identidade de gênero das “pessoas trans”, com base no
modo como se sentem e veem, dispensar a morosa autorização judicial, os laudos
médicos e psicológicos, as cirurgias e as hormonioterapias.
Como nos processos de adoção interessa o bem-estar da criança que
será adotada, dar tratamento igual aos casais adotantes, com todas as exigências e
cuidados iguais para ambas as modalidades de união, homo ou heterossexual.
Normatizar e especificar o conceito de homofobia no âmbito da
administração pública e criar mecanismos para aferir os crimes de natureza
homofóbica.
Incluir o combate ao bullying, à homofobia e ao preconceito no Plano
Nacional de Educação.
Garantir e ampliar a oferta de tratamentos e serviços de saúde para que
atendam as necessidades especiais da população LGBT no SUS.
Assegurar que os cursos e oportunidades de educação e capacitação
formal considerem os anseios de formação da população LGBT para garantir
ingresso no mercado de trabalho.
Considerar as proposições do Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e Direitos Humanos LGBT na elaboração de políticas públicas
específicas para populações LGBT.
365
gestão pública das terras indígenas. Construir planos de melhoria em parceria com as
comunidades. Equacionar os serviços de saúde. Os passos no caminho da mudança.
A questão da saúde dos índios é outro tema que deve ser tratado como prioridade. O
Ministério da Saúde, responsável por gerir o subsistema do SUS que atende essa população,
opera por meio de convênios, especialmente com prefeituras municipais, mas não dispõe da
estrutura necessária para acompanhar e avaliar adequadamente os resultados e o uso do
dinheiro. Há indícios de corrupção em várias regiões, de piora nos indicadores de saúde em
outras, além de baixo grau de sinergia com as demais políticas voltadas aos índios. A situação
é agravada pela rigidez do sistema único do funcionalismo público, que não permite oferecer
remuneração diferenciada e atraente aos profissionais de saúde dispostos a viver e a trabalhar
em regiões remotas.
A política de educação dos índios, por sua vez, não dispõe de subsistema federalizado.
É pautada pelo sistema nacional de educação com a participação de estados e municípios. Nos
últimos anos, as taxas de escolarização e de formação profissional dos índios têm avançado,
impulsionadas em algumas regiões pelos sistemas de cotas. Porém, a qualidade da formação
dos índios é afetada pela precariedade do ensino público. Além disso, não tem havido igual
avanço no oferecimento do ensino básico nas diversas línguas indígenas nem mesmo a
oportunidade de formação escolar em outros níveis.
É fundamental que, além de potencializar a educação indígena nas aldeias e
comunidades, preservando seus próprios interesses e referenciais, o sistema público de ensino
no Brasil passe a valorizar os povos indígenas não só como formadores de nossa matriz
cultural, mas também como sujeitos contemporâneos cuja dignidade e integridade merecem
garantia. A iniciativa contribuiria para eliminar o preconceito que ainda vigora no senso
comum.
Dignidade e Integridade
Realizar investimento em escala na Política Nacional de Gestão
Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI), a fim valorizar a importância dos povos
e terras indígenas para o futuro do Brasil.
Regulamentar o processo de consulta prévia e informada aos povos
indígenas – prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) – sobre obras públicas e projetos de desenvolvimento regional que afetem as
suas terras.
Completar a demarcação das terras indígenas, com indenização aos
atuais proprietários, quando cabível, como alternativa para reduzir conflitos.
Fortalecer técnica e politicamente a Funai, a fim de que possa mediar os
atuais conflitos e cumprir sua parte na gestão das terras demarcadas.
372
escala. No passado, o isolamento era garantia de sobrevivência para muitos grupos. Hoje, sua
vulnerabilidade está relacionada à falta de acesso aos serviços públicos e é retratada no
quadro ao lado.Os aumento da proteção legal aos quilombos começa na Constituição de 1988,
cujos artigos 215 e 216 estabelecem salvaguardar e valorizar a cultura das comunidades
quilombolas.
População Negra
Um problema enfrentado pela população negra é o racismo “à brasileira”, que tende a
ser mascarado e negado. Culturalmente, o preconceito vem à tona pela linguagem. Mas o
tamanho da discriminação revela-se mesmo nas estatísticas.
Um grande problema enfrentado pela população negra é que o racismo “à brasileira”
tende a ser mascarado e negado. Ninguém admite ser racista. Porém, o preconceito vem à tona
em expressões cotidianas, como “cabelo ruim”, “denegrir” ou “negro de alma branca”. E a
discriminação fica explícita nas estatísticas. Enquanto66,6%dos estudantes brancos de 18 a
24 anos frequentavam o ensino superior, apenas37,4%dos estudantes negros ou pardos
estavam no mesmo nível.Apesar de o número de estudantes negros no ensino superior ter
aumentado em dez anos, a desigualdade entre brancos e negros ou pardos na universidade
permanece grande. Segundo análise do IBGE, feita com base na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad, 2012), enquanto 66,6% do total de estudantes brancos de 18 a
376
24 anos frequentavam o ensino superior, apenas 37,4% dos estudantes negros ou pardos
estavam no mesmo nível.
No âmbito da política, levantamento feito pela União de Negros pela Igualdade
(Unegro), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que o
número de deputados que se autodeclaram negros saltou de 25 (5%), no começo de 2007, para
43 (8,5%) na atual legislatura, índice que continua muito desproporcional. O Senado conta
com apenas dois negros com mandato.
Outra evidência da discriminação estrutural reside na diferença de rendimentos entre
negros e brancos. O estudo Os Negros no Trabalho, divulgado pelo Dieese em 2012, mostra
que Salvador, região metropolitana com a maior população negra do país, apresenta a maior
diferença: os negros recebem 40,14% menos do que os brancos. No país, em média, a
diferença para menos é de 36,11%.
As mulheres, de acordo com o mesmo estudo,são duplamente vítimas de
discriminação, por gênero e por raça. O salário médio da trabalhadora negra corresponde à
metade do salário médio da trabalhadora branca. Com o aumento dos anos de estudo, a
diferença salarial aumenta. Na indústria de transformação, a desigualdade de rendimento entre
negros e brancos é de 18,4% entre os que possuem Ensino Fundamental incompleto, e de
40,1% entre os que possuem Ensino Superior completo. No comércio, a diferença é de 19,7%
para os que não completaram o Ensino Fundamental, e de 39,1% para aqueles que possuem
com diploma universitário. Negros e negras têm maior instabilidade no emprego e buscam
trabalho por mais tempo, além de ocupar postos mais precários.
Em relação à segurança, em 2013 o Ipea divulgou que entre 2002 e 2010 o número de
brancos vítimas de homicídio caiu, mas a morte de negros por assassinato cresceu 132%. Em
2010, foram assassinados no Brasil 36 negros ou pardos para cada 100 mil habitantes da
mesma cor. Já a proporção de homicídios de brancos foi de 15,5 por 100 mil. O cenário é
ainda pior entre os jovens de 15 a 24 anos. Entre os jovens brancos, o número de homicídios
passou de 6.592 para 4.582 entre 2002 e 2008, uma queda de 30%. Enquanto isso, os
assassinatos entre os jovens negros passaram de 11.308 para 12.749, um aumento de 13%.
O debate sobre racismo ganhou espaço a partir do governo Lula, mas diminuiu no
governo Dilma. O mesmo pode-se dizer sobre as políticas de ação afirmativa. O Estatuto da
Igualdade Racial, instituído no governo Lula, foi negligenciado pela sucessora. A Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) foi criada na gestão de Lula, mas o
orçamento se tornou incipiente no atual governo. Houve reconhecimento e titulação de Terras
Quilombolas na gestões de Lula, mas na de Dilma, os avanços foram tímidos.
377
Houve também, no governo Dilma, a cooptação dos líderes dos movimentos negros
organizados. Realizaram-se encontros com lideranças, sem a presença de setores organizados
dos movimentos. Essa postura da secretaria se deu em comum acordo com a Presidência da
República e resultou no afastamento das entidades que deveriam representar o anseio da
população negra menos favorecida.
Falta investir na atualização e formação de professores, condição necessária para pôr
erm prática a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história afro-brasileira e da
africana e as respectivas culturas. Falta, por fim, combater atitudes desrespeitosas para com os
cultos religiosos afrobrasileiros, cada vez mais numerosas e agressivas.
Enfrentar a Exclusão do Negro
Propor lei que torne crime inafiançável não só a prática da
discriminação, mas também a injúria, que afeta a autoestima e a dignidade do
cidadão negro.
Promover a formação continuada de profissionais que atuam na
Segurança Pública, levando em consideração as especificidades da população negra
e o racismo nas abordagens.
Fiscalizar a aplicação da lei que instituiu o ensino de história africana e
afro-brasileira nas escolas. Oferecer capacitação aos professores, a fim de que se
apropriem de conteúdos para cumprir a lei.
Estimular no país o conhecimento do calendário e das tradições
afrobrasileiras, a partir da ação conjunta de ministérios e entidades desse segmento.
Reafirmar a importância das cotas para a população negra brasileira,
como medida temporária, emergencial e reparatória da dívida histórica, com data
prevista para terminar.
Ampliar a participação de negros nas polícias, nas Forças Armadas, no
Poder Judiciário e nas universidades. Aumentar o protagonismo do jovem negro na
Secretaria Nacional da Juventude.
Repensar e reestruturar a Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, não apenas ampliando a dotação orçamentária, mas garantindo
que a realize plenamente.
Criar um Observatório para produzir estatísticas e estudos referentes à
população negra que possam balizar políticas públicas mais efetivas nesse
segmento.
Prever as ações afirmativas no planejamento orçamentário, garantindo
recursos financeiros para políticas públicas destinadas a população negra.
Idosos
O envelhecimento da população brasileira demanda novas formas de organizar e
sensibilizar o governo e a sociedade para construir políticas que promovam qualidade de vida
para os idosos.
Está aumentando no Brasil a população idosa. Segundo dados do IBGE, em 2030 o
número de pessoas com 60 anos ou mais será maior do que o de jovens de 14 anos e, em
2055, a participação dos cidadãos dessa faixa etária na economia será maior do que a de
crianças e jovens até 29 anos.
378
periféricos nas metrópoles, entre outros segmentos dos extratos socioeconômicos menos
favorecidos.
Sua luta por direitos e garantias, quando levada a sério pelo governo, pode ser
transformada em políticas públicas mais efetivas do que aquelas pensadas de cima para baixo.
“Movimento social”, por sua vez, abrange um espectro socioeconômico mais amplo,
não se restringindo a uma camada socioeconômica específica ou a um grupo isolado.
Empreende ações coletivas e reivindica transformações voltadas à realização de objetivos
compartilhados por diversos extratos da população, sob orientação mais ou menos consciente
de princípios valorativos comuns e sob direção mais ou menos definida. Um exemplo é o
movimento estudantil, no qual estudantes das mais variadas classes, etnias e regiões lutam por
demandas transversais.
A sociedade como protagonista. O florescimento de movimentos por cidadania para
todos. As novas faces da participação democrática. O equívoco de criminalizar manifestações
legítimas.
O desenvolvimento da democracia brasileira após o período ditatorial criou um terreno
fértil para novas formas de participar das decisões públicas. Floresceram associações
comunitárias, redes solidárias, organizações do terceiro setor voltadas aos direitos humanos,
entre outras. Desta forma, a sociedade civil consolidou-se como grande protagonista nas lutas
por cidadania, conseguiu se fazer ouvir por organizações políticas e governos.
Os movimentos populares e os movimentos sociais precisam ser ouvidos,
considerados em todas as suas particularidades e entendidos como uma das formas mais
legítimas de manifestação civil perante o Estado. Tal mobilização permite ampliar a
democracia e a cidadania para indivíduos e grupos que não conseguem se fazer representar. É
fruto da oposição às desigualdades sociais e econômicas, decorre da conscientização de
parcelas da população quanto a seus direitos e quanto ao dever que o Estado tem de garanti-
los.
Exemplo emblemático de um movimento social, no início do século 20, foi o que
culminou com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932. O documento foi
apresentado à população e ao governo por expoentes da educação e da cultura do país, como
Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Almeida Júnior e Pascoal Leme.
Nele apresenta-se a baixa qualidade da educação como o problema mais sério do país,
afirmação que continua atual. O manifesto propôs nova política educacional que,
infelizmente, a ditadura impediu de converter-se em política pública. Foi, porém, retomada
após o período autoritário. O movimento, originado na sociedade civil, pode ser considerado o
primeiro que propugnou por uma educação de qualidade no país. Seus desdobramentos se dão
380
até hoje, em lutas como a de mães por creches, por melhoria na educação pública, por
universidades de qualidade etc.
Outro exemplo da potência política e social dos novos movimentos sociais é a luta
pelos direitos da criança e do adolescente, cujo ápice foi a promulgação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. Hoje, o ECA é elemento agregador e irradiador de
um vasto conjunto de políticas públicas, nas três esferas de governo, Os movimentos
populares e os movimentos sociais precisam ser ouvidos e considerados em todas as suas
particularidades.além de um sem-número de projetos sociais e organizações que atuam pelos
direitos da criança e do adolescente, seja no acompanhamento, fiscalização e controle das
políticas, seja na formulação de novos processos e parâmetros para a ação do Estado:
contempla desde medidas socioeducativas até a convivência familiar e comunitária; do
urbanismo voltado para a infância à luta contra a publicidade dirigida às crianças; da proteção
da primeira infância aos direitos sexuais de crianças e adolescentes. Trata-se de um novo
movimento social, pujante e muito abrangente, gestado e conduzido por cidadãos de todos os
estratos sociais, das ruas e bairros aos gestores públicos Grandes cidades têm sido berço de
muitas manifestações com características inovadoras.em âmbito federal.
Está presente em todas as cidades do país. As grandes cidades têm sido berço de outro
conjunto de novos movimentos sociais com características inovadoras quer nas formas de
organização, quer nos métodos de ação política. Tais movimentos exibem uma instigante
diversidade de pautas que expressam o dinamismo da sociedade brasileira: luta pela
preservação do patrimônio arquitetônico, luta contra a verticalização dos bairros, movimentos
pela preservação e ampliação das áreas verdes, práticas de produção Dentre os movimentos
populares com maior força e peso político, podemos destacar, atualmente, o MST e o
MTST.orgânica e horticultura urbana, feiras de troca, redes de economia solidária e moedas
sociais, fóruns de desenvolvimento local, georreferenciamento de iniciativas cidadãs (mapas),
movimento de cidades sustentáveis, ocupação de espaços pelos movimentos culturais e de
juventude, as acampadas, cicloativismo, defesa dos direitos dos animais, etc.
Caso emblemático de novo movimento urbano é o Movimento Passe Livre (MPL).
Autônomo, apartidário, horizontal e independente, luta por um transporte efetivamente
público, gratuito para o conjunto da população e não gerido pela iniciativa privada. O
movimento foi batizado na Plenária Nacional pelo Passe Livre, em janeiro de 2005, em Porto
Alegre. Suas diretrizes abrangem mobilidade urbana e reconfiguração do sistema de
transporte público.
381
(Lei Federal 9605/98), que no Artigo 32 já criminaliza a exploração dos animais vedando
abusos, maus tratos, ferimento ou mutilação de animais silvestres, domésticos ou
domesticados, nativos ou exóticos. E, de acordo com a Constituição de 1988, no Artigo 225
são vedadas práticas que submetam os animais à crueldade.
O surgimento de movimentos populares e sociais ocorre sempre que alguma parcela da
sociedade se organiza e luta por uma causa específica. Conhecer tais iniciativas e lhes dar voz
deve ser o ponto de partida para uma política pautada pela cidadania e pela diversidade.
Movimento Sindical
Uma reforma sindical para democratizar as relações de trabalho não pode limitar-se a
introduzir a livre negociação. O ponto de partida tem que ser outro.
O modelo de relações do trabalho do Brasil, construído na era Vargas, tem sido
gradualmente alterado sem maiores rupturas. Durante o período militar, uma forte base
industrial privada e um setor estatal monopolizado (telecomunicações, energia, petróleo)
permitiam relações trabalhistas nas quais o emprego permanente e a concentração de
trabalhadores eram significativos.
383
O Estado, mormente na atual estrutura de produção, não pode ser excluído. Cabe-lhe o
papel fundamental de estabelecer normas capazes de alavancar – ou tornar viável – a ação dos
sindicatos.
Uma reforma sindical que pretenda democratizar as relações de trabalho não pode
limitar-se a introduzir a livre negociação. A chamada “legislação promocional”, de apoio ou
de sustento, deve ser considerada o ponto de partida para a autonomia negocial, o fundamento
sem o qual o edifício já nascerá cambaleante.
Todavia, alguns pensam diferente; pretendem uma reforma sindical cuja finalidade
única é facilitar a desregulamentação das relações de trabalho, que objetive favorecer
tendências já muitoAo Estado cabe o papel de estabelecer normas capazes de alavancar – ou
tornar viável – a ação dos sindicatos. fortes nas novas relações de produção e de trabalho.
Neste caso, o apelo à liberdade sindical e à redução das barreiras burocráticas de um Estado
intervencionista pode encobrir o objetivo imediato de simplesmente aplainar o caminho para a
completa liberação de um mercado cuja mercadoria – o trabalho humano – em virtude de sua
própria essência exige a supervisão do Estado.
Tal perspectiva decorre da correta constatação de que o mercado de trabalho brasileiro
tem graves problemas funcionais. A elevada rotatividade da mão-de-obra e a negociação de
direitos individuais na Justiça tornam muito precárias as relações de trabalho. Por isso, o
empregador não é levado a investir e qualificar um trabalhador que logo deixará a empresa. A
produtividade, num quadro assim perverso, perde poderoso incentivo.
Por isso, parece inadequada a reforma trabalhista que vise só à desregulamentação
pura e simples do mercado de trabalho sem estabelecer condições para que Uma reforma
sindical para democratizar as relações de trabalho não pode limitar-se a introduzir a livre
negociação. O ponto de partida tem que ser outro.a negociação coletiva, entendida agora
como fonte de normas e condições de trabalho, seja maior. Perder-se-ia a oportunidade de dar
mais incentivo à qualificação do trabalhador, a sua produtividade, e à democratização das
relações de trabalho. O que precisamos é construir, por meio do diálogo tripartite, as
condições para que o marco do direito do trabalho traga mais segurança jurídica a todas as
partes
O Foro Nacional do Trabalho (FNT), organizado no governo Lula, tentou atualizar o
modelo sindical mediante consulta aos trabalhadores, empresários e governos. Na ocasião,
obtiveram-se alguns consensos que podem atender à atual conjuntura. O país vai precisar
retomar o FNT a fim de atualizar um modelo de sindicato que deixou de ser funcional às
novas necessidades do desenvolvimento.
385
Outra mudança
é a tendência à fragmentação, decorrente do modelo legislativo atual, com os incentivos da
contribuição sindical obrigatória, e do monopólio da representação. As novas formas de
produção descentralizada reforçam a tendência e diminuem a força da ação sindical, chegando
a particularizar as demandas. A divisão sindical pode decorrer igualmente da criação de novos
municípios. Da subdivisão administrativa, surgem pequenos sindicatos. O resultado é a
reduzida capacidade de organização, representação e intervenção.
Outra dificuldade por que hoje passa o movimento sindical é certa confusão de
interesses, decorrente da proximidade entre cúpulas sindicais e o governo federal, e de certo
distanciamento dos trabalhadores que representam.
As conquistas recentes do movimento sindical. As reivindicações que precisam ser
objeto de diálogo entre governo, trabalhadores e empresários. A pauta do mundo do trabalho
que dialoga com outros pontos do programa de governo.
Recentemente o movimento sindical brasileiro obteve algumas conquistas, como a
valorização do salário mínimo, o aumento real nas negociações coletivas, o reconhecimento
das centrais sindicais, alguma elevação na taxa de sindicalização e a extensão dos direitos às
domésticas.
Os avanços são sensíveis, mas não devem obscurecer as debilidades do sindicalismo
nacional: frágil organização, baixa capacidade de mobilização e certa burocracia. As
mobilizações gerais ainda são tímidas. A pluralidade de ideias e concepções políticas no seio
de cada sindicato é natural e saudável, mas às vezes tem dificultado a unidade de ação
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Notas
Sobre Direitos Humanos
Os conceitos, diretrizes e propostas da seção Em defesa dos dos Direitos Humanos, na
página 205 deste Programa de Governo, têm como referências:
1) os acúmulos das reflexões que remontam à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas
em 10 de dezembro de 1948, e seus inúmeros desdobramentos acolhidos e desenvolvidos no
Brasil pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, tanto no âmbito da academia como
nos diversos fóruns dos movimentos sociais;
2) os programas nacionais de direitos humanos em suas versões de 1996, de 2002 e de
2010, cujas propostas representam a contribuição de toda a militância dos movimentos de
direitos humanos e, portanto, constituem um patrimônio comum ao povo brasileiro.
A utilização de tais documentos neste programa decorre da atualidade das conclusões
sobre a realidade dos direitos humanos no Brasil.
Sobre Ciência & Tecnologia:
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