Revista Zygman - Consumo
Revista Zygman - Consumo
Revista Zygman - Consumo
INTRODUÇÃO
consumir é induzido por meio de vários vetores como as vitrines das lojas, as mídias e
campanhas publicitárias, que “orientam” as escolhas dos bens que devem ou não ser
consumidos. A todo instante, os indivíduos são convidados ao consumo de novos produtos,
serviços, experiências e comportamentos que carregam em si a promessa de felicidade ao
comprador.
A produção cinematográfica Os Delírios de Consumo de Becky Bloom (2009)
retrata de maneira criativa e divertida essa relação entre o consumo e a felicidade. Com o
título original Confessions of a Shopaholic, o longa-metragem contou com a direção do
cineasta australiano P.J. Hogan e foi distribuído pela Disney/Buena Vista no ano de 2009,
com duração de uma hora e quarenta e seis minutos. A produção foi baseada na série de
livros Delírios de Consumo escrita pela britânica Sophie Kinsella, que também assinou o
roteiro ao lado de Tim Firth, Tracey Jackson e Kayla Alpert. Enquadrando-se no gênero
comédia, o elenco principal da narrativa é formado por Isla Fisher (Becky Bloom), Hugh
Dancy (Luke Brandon) e Krysten Ritter (Suze). O figurino leva a assinatura da estilista
Patrícia Field, responsável pelos figurinos dos conhecidos O Diabo Veste Prada (2006) e
Sex and the City: o filme (2008).
Tendo a cidade de Nova York como espaço, o filme conta a história da jovem
Rebecca Bloomwood, uma compradora compulsiva à beira da falência que sonha em
trabalhar na Alette, sua revista de moda favorita, mas que, ironicamente, consegue ser
contratada pela revista financeira Economias de Sucesso, do mesmo grupo editorial da
revista de moda. A jovem obterá grande sucesso no novo emprego escrevendo sobre
finanças pessoais, ficando conhecida como “a garota da echarpe verde”. Becky Bloom é
apresentada ao público como uma compradora compulsiva. Para justificar suas compras,
afirma que, quando as faz, “sente-se tão confiante e viva... E feliz. E plena! ’’ 3. Com efeito,
essa promessa de felicidade na sociedade contemporânea é analisada por Zygmunt
Bauman em sua obra Vida para Consumo (2008). De acordo com o sociólogo, a sociedade
consumidora é a única a prometer uma felicidade imediata e eterna.
3 Fala transcrita da personagem Rebecca Bloomwood do filme Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
(2009).
CONSUMO SIMBÓLICO
Com uma análise mais distante, o consumo é reputado como uma prática
meramente econômica cujo objetivo principal é satisfazer as necessidades básicas dos
indivíduos, como alimentação, vestuário e moradia. Contudo, uma análise mais meticulosa
denota que o ato de consumir decorre de outros fatores, dentre eles, a expectativa de
valores apresentada pelos produtos, isto é, o universo simbólico proporcionado.
É possível encontrar na literatura uma harmonia de ideias no que tange o consumo
simbólico. Autores que teorizam sobre o tema como Mike Featherstone (1995), Jean
Baudrillard (1995) e Mary Douglas e Baron de Isherwood (2004) indicam que os
indivíduos são motivados à compra de determinados produtos para além de seu enfoque
utilitário. O consumo se dá a partir da perspectiva de sentidos carregados por esses
produtos.
Mike Featherstone (1995) explana de maneira assertiva essa ideia. Segundo o
sociólogo, deve-se compreender a prática do consumo na qualidade de um consumo de
significados, ou seja, por sua condição representativa. “O consumo, portanto, não deve ser
compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades materiais, mas
primordialmente o consumo de signos” (FEATHERSTONE, 1995, p.122). Desse modo, é
possível inferir que a sociedade contemporânea enseja uma práxis consumidora voltada
mais ao valor simbólico que às características materiais e físicas de uma mercadoria.
Consome-se, por certo, encantamento e sentido dos bens.
Cabe ressaltar que o consumo simbólico é mediado por uma carga afetiva com a
intenção de realização pessoal, como de obter status, ou uma aparência melhor, ou até
mesmo o propósito de ser feliz. Nesse sentido, a prática do consumo é primordial para que
isso ocorra. Aqui, leva-se em consideração o fato que consumo, sucesso (enquanto
realização pessoal) e felicidade estão entrelaçados. Mary Douglas e Baron de Isherwood
(2004) apontam que “sucesso se traduz na posse infinita de bens que, agradavelmente,
conspiram para fazer perene nossa felicidade” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004, p.11).
Esse contexto permite justificar a escolha de um bem em detrimento de outro. No
momento em que o indivíduo tem à disposição produtos de mesma qualidade e preço, por
exemplo, sua escolha leva em conta o valor simbólico que cada um desses produtos possa
garantir. Assim, pode-se dizer que a preferência dos indivíduos no momento da compra é
mediada pelos significados que as mercadorias apresentam. No filme, objeto de estudo
desse artigo, é possível perceber esse cenário. Becky se depara com uma echarpe verde em
um manequim, visto pela protagonista não apenas como um acessório de vestuário. Apesar
de estar vivendo uma crise financeira, ela pondera em fazer a compra, pois a echarpe
significa uma materialização de status, confiança e elegância:
Como pode ser observado, a personagem não compra a echarpe pelo material
utilizado na confecção, pelo tamanho, pela utilidade ou pela cor, mas pelo significado
representado pelo objeto. Desse modo, depreende-se que o consumo se relaciona com
outras esferas além daquelas de aspectos materiais e de satisfação das necessidades.
Ademais, é importante assinalar que os bens de consumo apresentam significados
diferentes para cada indivíduo. Podem significar, por um olhar amplo, status social e por
um olhar mais particular, autoconfiança, como no caso de Becky. Dessa forma, o fenômeno
do consumo é um meio classificador de indivíduos e de bens que permite às pessoas
estabelecer noções de semelhanças e diferenças e, ainda, possibilita reflexão acerca dos
motivos que levam os indivíduos à prática do consumo, como ensina Everardo Rocha
(2000). De acordo com o antropólogo, “o consumo é um sistema simbólico que articula
coisas e seres humanos e, como tal, uma forma privilegiada de ler o mundo que nos cerca”
(ROCHA, 2000, p. 19). O sociólogo Don Slater (2002) corrobora essa visão acerca do
4Diálogo transcrito entre a personagem Rebecca Bloomwood e o manequim da loja do filme Os Delírios de
Consumo de Becky Bloom.
socioculturais além dos gostos e preferências dos indivíduos dela pertencentes. O ponto de
vista de Jean Baudrillard (1995) acerca dessa temática é bastante pertinente. O sociólogo
francês apresentou, por meio do conceito de “mercadoria-signo”, que os bens são mais que
sua materialidade, são carregados de significados. O autor pondera que “raros são os
objetos que hoje se oferecem isolados, sem o contexto de objetos que os exprimam.
Transformou-se a utilidade específica, mas ao conjunto de objetos na sua significação
total” (BAUDRILLARD, 1995, p.17). Nesse contexto de mercadoria-signo pode-se refletir
sobre os bens que garantem a felicidade mais que o seu simples valor de uso.
CONSUMO E FELICIDADE
felicidade. Logo, pode-se dizer que a manifestação mais clara da relação entre a prática do
consumo e a felicidade recai nas produções audiovisuais, uma vez que os personagens
vistos como mais realizados, satisfeitos e felizes são aqueles que adquiriram algum bem. A
sociedade do consumo materializou o conceito de felicidade distanciando-se do
pensamento que a caracterizava. Agora, a felicidade ganha uma nova roupagem,
transfigurando-se em algo fixo, palpável e real. Nesse ínterim, essa ressignificação da
felicidade, enquanto mensurável e visível aos olhos, indica que o estado feliz pode ser
encontrado nas prateleiras e ser adquirido à vista ou em suaves prestações. No filme, Becky
opta sempre por parcelar suas pequenas porções de felicidade no cartão de crédito. Logo
no início, a personagem ao demonstrar seu encantamento pelas lojas, observava que as
mulheres adultas poderiam adquirir o que quisessem, sem precisar de dinheiro para isso,
bastando um cartão. O trecho a seguir ilustra perfeitamente a afirmação:
5 Voz over da personagem Rebecca Bloomwood no filme Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
um facilitador de sonhos. No filme aqui analisado, este contexto é descrito na cena em que
Becky comenta sobre a emoção sentida ao realizar uma compra com o cartão de crédito:
A emoção quando você passa o seu cartão e ele é aprovado e tudo agora é
seu. O prazer que você sente quando compra alguma coisa. É só você e as
compras. Você só precisa entregar um cartãozinho. Não é a melhor
sensação do mundo? Não dá vontade de gritar do alto de uma montanha?6
dezesseis mil dólares nos cartões de crédito, motivo que a leva a receber constantemente
ligações de seu gerente do banco.
Suze: Tá, eu cuido disso. Não pode ser tão ruim. É que nem band-aid. Não
pode ser tão ruim.
Suze: Oh, Bex, duzentos dólares em lingerie Marc Jacobs?
Rebecca: Lingerie é um direito básico do ser humano.
Suze: Setenta e oito dólares em lavanda de mel?
Rebecca: Eu estava com pena da vendedora, ela era estrábica. Eu não
sabia para onde ela estava olhando, se ela estava olhando para mim...Me
deu pena!
[...]
Rebbeca: Disseram que eu era uma cliente valiosa e agora ficam me
aterrorizando.
Suze: Bex, olha só, como é que você vai pagar dezesseis mil, duzentos e
sessenta e dois e setenta dólares se você não tem trabalho?7
7 Diálogo transcrito entre as personagens Suze e Rebecca no filme Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
8 Fala transcrita da personagem Rebecca no filme Os Delírios de Consumo de Becky Bloom
felicidade que faz a sociedade do consumo ser cada vez mais desenvolvida e propiciadora
de novos reinícios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zigmunt. Capitalismo Parasitário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron de. O Mundo dos Bens: para uma
antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.