Sarcoidose Azulay
Sarcoidose Azulay
Sarcoidose Azulay
Epidemiologia
É uma doença de distribuição bimodal (picos entre 25 e 35 anos e entre
45 e 65 anos), com maior frequência no sexo feminino. Acomete qualquer
raça, porém, nos EUA, sua frequência é maior em negros que em brancos
(35,5/100.000 em negros e 10,9/100.000 em brancos). No Brasil, a incidência
está estimada em 1/10.000. Trata-se de uma doença rara, e sua maior
prevalência é na Suécia (64 por 100.000 habitantes). Parece haver uma
predisposição genética (sarcoidose familial, com maior frequência em
gêmeos univitelinos). Mais do que determinar a ocorrência da doença, os
marcadores do antígeno leucocitário humano (HLA; do inglês human
leukocyte antigen) podem refletir o órgão acometido e, consequentemente, o
seu prognóstico. Os antígenos de histocompatibilidade HLA-A1, -B8, -Cw7 e
-DR3 estão relacionados com doença aguda e de bom prognóstico, já HLA-
DR14 e 15 estão relacionados com pior evolução. A diversidade de HLA
relacionados à doença é resultado de estudos em diferentes populações, ora
conferindo propensão ou resistência e cronicidade, ora melhor ou pior
prognóstico, assim como diferentes fenótipos da doença. Polimorfismo do
gene que codifica a enzima conversora da angiotensina também já foi
identificado. Em países temperados são reconhecidos surtos na primavera da
doença.
Etiopatogenia
Micobactérias, vírus ou agentes inanimados (pólen, berílio e outros) têm
sido incriminados, assim como etiologia autoimune, mas o consenso geral é
de que sua etiologia continua desconhecida. Vários casos de sarcoidose
familial já foram descritos.
O antígeno desconhecido gera hiperatividade do sistema imune mediado
por células, provocando aumento e ativação de células T (Th1) na área
alterada. O aumento das citocinas Th1, interleucina 2 (IL-2) e interferon
gama (IFN-γ) estimula as células B e leva à hipergamaglobulinemia. As
células T ativadas também produzem fator quimiotático para monócitos,
atraindo-os para o tecido alterado. A compartimentalização dos linfócitos T e
dos monócitos formadores de granuloma nos tecidos periféricos leva à
linfopenia periférica, elucidando a depressão da hipersensibilidade retardada
(anergia) a antígenos como PPD, candidina, vaccínia, lepromina e dificuldade
na sensibilização ao dinitroclorobenzeno (DNCB). Outras doenças
granulomatosas também constituídas por linfócitos T apresentam fenômenos
imunológicos diferentes. É digno de nota que a administração de IFN-γ em
diversas doenças, sobretudo hepatite C, pode induzir o aparecimento de
sarcoidose. Embora possam ser empregados como tratamento, os biológicos
antifator de necrose tumoral (anti-TNF) podem simplesmente desencadear ou
agravar a sarcoidose sistêmica (a maioria com acometimento pulmonar e/ou
linfonodal). Nesta associação, o etanercepte é o mais frequentemente
descrito. O mesmo ocorre com medicamentos atuais, como nivolumabe e
pembrolizumabe (anti-PD-1), empregados no tratamento de neoplasias
cutâneas, em especial, melanoma metastático.
Os pacientes com sarcoidose apresentam positividade ao teste
intradérmico de Kveim (antígeno preparado com linfonodo), também
conhecido como teste de Kveim-Nickerson ou Kveim-Siltzbach (antígeno
preparado com tecido sarcoídico de baço), que é positivo no período de 4 a 6
semanas (lesão papulotuberosa com histologia de granuloma epitelioide
sarcoídico). Esse teste já foi praticamente abandonado por ser realizado com
tecido humano, havendo a possibilidade da transmissão de doenças
infecciosas.
Clínica
Embora a sarcoidose seja uma doença que comprometa muitos órgãos, é
também reconhecida pelo seu silêncio clínico. Em 20 a 35% dos pacientes
com doença sistêmica há lesões de pele, caracterizadas por pápulas e placas
eritematoacastanhadas com predileção pela face (Figuras 29.1 e 29.2), pelo
tronco superior e pelas extremidades, distribuídas simetricamente (Figura
29.3); entretanto, lesões cutâneas podem ocorrer sem doença sistêmica.
Figura 29.1 Sarcoidose. Nódulos eritematosos na face. (Cortesia do Dr. André R. Adriano.)
Figura 29.2 Sarcoidose. Lesões anulares e lesão arciforme na face; esta lembra a sífilis terciária, a
diferir o grande número de lesões. (Cortesia da Dra. Beatriz Reis.)
Formas cutâneas
Forma anular
Caracteriza-se por placas eritematosas que involuem no centro e resultam
em cicatriz atrófica, ocorrendo principalmente na face, na região cervical, nas
nádegas e nos membros inferiores, de modo simétrico (Figuras 29.2 e 29.4).
Figura 29.4 Sarcoidose. Lesões anulares de centro atrófico e pápulas eritematosas. (Cortesia da Dra.
Maria Victória Quaresma.)
Forma papulosa
Pode ser disseminada ou as lesões podem agrupar-se em configuração
anular, apresentando coloração eritematoacastanhada e à diascopia
apresentam aspecto de geleia de maçã (coloração amarelada); geralmente
estão relacionadas com bom prognóstico da doença. Localiza-se mais
frequentemente na face e na superfície extensora dos membros.
Lúpus pérnio
Corresponde a uma das manifestações mais comuns. As lesões são
nódulos ou placas eritematoazuladas ou violáceas, localizando-se na face
(nariz e região malar), nas orelhas, e nos dedos das mãos e pés (áreas mais
afetadas pelo frio). Pode haver dificuldade respiratória dependendo da
localização da lesão na mucosa nasal. Tende a ocorrer associação com o
acometimento da glândula lacrimal, do rim, do trato respiratório
(acometimento pulmonar em 75% dos pacientes) e com cistos ósseos (Figura
29.5).
Forma angiolupoide
É rara, porém característica; as lesões são ricas em telangiectasias e
incidem principalmente na face e no canto interno dos olhos.
Forma subcutânea
É representada por nódulos indolores nas extremidades, menos
frequentemente no tronco, sem envolvimento da epiderme e está associada à
doença sistêmica. Anteriormente, essa forma era conhecida como sarcoidose
de Darier-Roussy, terminologia abandonada.
Pode apresentar alterações ungueais como onicólise, ceratose subungueal
e hipercurvatura. Há relatos de acometimento mucoso, caracterizado por
gengiva, língua, palato duro e glândulas salivares maiores.
Forma sistêmica
As manifestações sistêmicas mais comuns são: adenomegalia torácica
(90%) e periférica (69%), comprometimento do parênquima pulmonar (90%)
sob a forma de alveolite, macro ou micronódulos e infiltrações. O
acometimento pulmonar tem o seguinte estadiamento: estádio 0 − sem
acometimento pulmonar ou nodal; estádio I − linfadenopatia hilar bilateral
sem acometimento pulmonar; estádio II − linfadenopatia hilar bilateral com
comprometimento pulmonar (Figura 29.7); estádio III − infiltração pulmonar
sem linfadenopatia; estádio IV − infiltração pulmonar com fibrose,
insuficiência respiratória, cistos e enfisema.
Uveíte (22%), formações pseudocísticas em ossos das mãos e dos pés
(13%), comprometimento de glândulas salivares, fígado, baço, coração,
sistema nervoso central e periférico, e de medula óssea podem ocorrer. Não
compromete a glândula suprarrenal. Hipercalcemia é identificada em cerca de
10% dos pacientes e parece ser decorrente de um aumento da absorção
intestinal do cálcio e do aumento da síntese de calcitriol pelos histiócitos
sarcoídicos. Pode apresentar aumento na velocidade de hemossedimentação,
linfopenia e leucopenia em 40% dos casos.
Figura 29.7 Sarcoidose. Radiografia de tórax com lesões pulmonares do tipo intersticial; hilos
aumentados de limites policíclicos (adenomegalia, sobretudo à direita). Estádio II.
Histopatologia
É monótona e caracteriza-se por múltiplos granulomas sarcoídicos
agrupados, em geral constituídos exclusivamente por células epitelioides,
sem necrose de caseificação; por vezes, encontra-se necrose fibrinoide no
interior dos granulomas. Os linfócitos são pouco numerosos ou ausentes na
sua periferia (granuloma nu), constituindo o clássico glanuloma sarcoídico.
Ocasionalmente, encontram-se algumas células gigantes do tipo Langhans.
Fibras reticulares circundam o granuloma da sarcoidose e nele penetram, ao
contrário da hanseníase tuberculoide, em que ocorre destruição das mesmas.
Podem ser encontrados os chamados corpúsculos asteroides e de Schaumann
(Figura 29.8).
Figura 29.8 Histopatologia da sarcoidose. Granulomas “nus” caracteristicamente agrupados.
Diagnóstico
É confirmado fundamentalmente pelo exame histopatológico (granuloma
sarcoídico). O teste de Kveim apresenta 80% de positividade nas formas
ativas, porém não é mais usado. A diascopia pode ser usada; sendo possível
observar cor amarelada e aspecto de geleia de maçã – mas não é específica da
sarcoidose.
Outros métodos são úteis, especialmente nas formas viscerais, e
concorrem, também, para determinar a atividade da doença: dosagem do
cálcio (principalmente urinário) e da lisozima. A concentração de KL-6 está
significativamente elevada em pacientes com fibrose pulmonar devido à
sarcoidose e é o biomarcador que tem a maior sensibilidade (78%). enquanto
a enzima quitotriosidase, secretada por macrófagos e neutrófilos ativados, é
marcadora de doença extrapulmonar; é o teste de maior especificidade (85%).
A dosagem de enzima sérica conversora de angiotensina (produzida pelas
células endoteliais pulmonares e macrófagos alveolares ativados) apresenta-
se elevada em até 60% dos pacientes, porém há 10% de falso-positivos,
sendo discutível o seu papel no monitoramento da doença.
Também é preciso investigar os demais sistemas possivelmente afetados
com radiografias de tórax e dos ossos das mãos, eletrocardiograma, função
renal, hepática e tireoidiana, hemograma, cálcio, fósforo, parcial de urina e
exame oftalmológico (Figura 29.8).
Diagnóstico diferencial
Do ponto de vista dermatológico, deve ser feito com doenças que
apresentem granuloma tuberculoide ou sarcoídico, como hanseníase,
tuberculose, sífilis, leishmaniose, rosácea, paracoccidioidomicose, brucelose,
granuloma devido a berílio, silicone e a outros corpos estranhos como tinta de
tatuagem e preenchedores. Micose fungoide granulomatosa, doença de
Hodgkin, queilite granulomatosa, doença de Crohn cutânea e reações
sarcoídicas à presença de um linfoma também devem ser incluídas no
diagnóstico diferencial. Alguns casos diagnosticados inicialmente como
sarcoidose, por intermédio da reação em cadeia da polimerase (PCR), tiveram
o diagnóstico alterado para tuberculose ou hanseníase ou vice-versa.
Tratamento
A opção pelo tratamento deve ser realizada de acordo com a extensão, a
gravidade das manifestações e a possibilidade de progressão da doença com
perda de função do órgão acometido. Para as lesões cutâneas, a possibilidade
de desfiguração é a indicação de tratamento, que melhora também a
qualidade de vida dos pacientes.
A primeira linha de tratamento são os corticosteroides, variando a
posologia e via de uso de acordo com a localização e gravidade da doença.
Os corticosteroides tópicos (propionato de clobetasol e de halobetasol),
oclusivos (propionato de clobetasol – fludroxicortida oclusivo) e
intralesionais (triancinolona) são os de escolha na sarcoidose cutânea restrita
a poucas lesões. A terapia sistêmica com corticosteroides para os casos de
sarcoidose cutânea está reservada para os casos de doença desfigurante,
disseminada ou refratária ao tratamento tópico.
Outras substâncias utilizadas são os antimaláricos (cloroquina e
hidroxicloroquina), isolados ou idealmente associados ao corticosteroide; o
metotrexato, as ciclinas (tetraciclina, minociclina e a doxiciclina) e a
talidomida.
Há relatos isolados de sucesso terapêutico com o uso de ciclofosfamida,
ciclosporina, alopurinol, isotretinoína, pentoxifilina, melatonina e tacrolimo
tópico.
Recentemente, os imunobiológicos também têm sido utilizados com
sucesso, especialmente o infliximabe, que se revela mais eficaz do que as
demais no tratamento do lúpus pérnio.
Em lesões pequenas e/ou ulceradas, refratárias à terapia medicamentosa,
pode-se realizar a excisão cirúrgica.
O Quadro 29.1 resume as principais opções terapêuticas para o tratamento
da sarcoidose.
Adaptado de Haimovic A, Sanchez M, Judson MA et al. (2012). VO = via oral; SC = via subcutânea; IM = via intramuscular; IV = via
intravenosa. *Nível IA: provas incluem evidências de meta-análise de ensaios clínicos randomizados; nível IB: provas incluem
evidência de, pelo menos, um ensaio clínico randomizado; nível IIA: provas incluem evidência de, pelo menos, um estudo controlado
sem randomização; nível IIB: provas incluem evidência de, pelo menos, um outro tipo de estudo experimental; nível III: provas incluem
evidências de estudos descritivos não experimentais, como estudos comparativos, estudos de correlação, e estudos de caso-controle;
nível IV: provas incluem evidências de relatórios das comissões de especialistas ou opiniões ou experiência clínica de autoridades
respeitadas, ou ambos.
Evolução e prognóstico
É importante o acompanhamento multidisciplinar do paciente, pois a
sarcoidose é uma doença sistêmica. Cerca de 80% dos casos podem involuir
espontaneamente. O êxito letal ocorre em cerca de 5% dos pacientes e é
causado por falência cardiorrespiratória, na maioria das vezes.
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