Teoria Do Conhecimento Uniasselvi
Teoria Do Conhecimento Uniasselvi
Teoria Do Conhecimento Uniasselvi
2012
Copyright © UNIASSELVI 2012
Elaboração:
Prof. Sandro Luiz Bazzanella
001
206 p. : il
ISBN 978-85-7830-568-0
1. Conhecimento – teoria.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci
Impresso por:
Apresentação
Caro acadêmico:
Bons estudos!
III
UNI
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
UNI
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO............................................................................. 1
VII
UNIDADE 2 – A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO................ 79
VIII
2.5 A “PASSAGEM” DE UM PARADIGMA PARA OUTRO........................................................ 163
2.6 O DESENVOLVIMENTO ATELEOLÓGICO DA CIÊNCIA................................................... 165
3 KARL POPPER: O PRINCÍPIO DA FALSEABILIDADE ........................................................... 166
3.1 ASPECTOS BIBLIOGRÁFICOS................................................................................................... 166
3.2 ASPECTOS CONSTITUTIVOS DE SEU PENSAMENTO........................................................ 167
4 PAUL FEYERABEND: O ANARQUISMO CIENTÍFICO........................................................... 170
4.1 ASPECTOS BIBLIOGRÁFICOS................................................................................................... 170
4.2 ASPECTOS CONSTITUTIVOS DE SEU PENSAMENTO........................................................ 171
LEITURA COMPLEMENTAR 1.......................................................................................................... 173
LEITURA COMPLEMENTAR 2.......................................................................................................... 174
LEITURA COMPLEMENTAR 3.......................................................................................................... 176
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 177
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 178
REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 201
IX
X
UNIDADE 1
O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta unidade você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Neles você encontrará dicas de
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas a serem abordados.
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1
O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
1 INTRODUÇÃO
A Epistemologia (do grego ἐπιστήμη – episteme), ou Teoria do
Conhecimento, diz respeito ao problema do conhecimento. Questiona as
condições de possibilidade e de validade do conhecimento humano (do grego
λόγος – logos, discurso). É, portanto, um ramo da filosofia que versa sobre os
problemas filosóficos afetos em torno da relação entre conhecimento, crença e
verdade. Diz respeito ao valor do conhecimento humano.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
FIGURA 1 – PLATÃO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
UNI
LOGOS:
A razão concebida como 1° substância ou causa do mundo; 2° pessoa divina. 1° A doutrina
do logos como substância ou causa do mundo foi defendida pela primeira vez por Heráclito:
“Os homens são obtusos com relação ao ser do logos, tanto antes quanto depois que
ouviram falar dele; e não parecem conhecê-lo, ainda que tudo aconteça conforme o logos
(Fr. 1, Diels). O Logos é concebido por Heráclito como sendo a própria lei cósmica: “Todas
as leis humanas alimentam-se de uma só lei divina: porque esta domina tudo o que quer, e
basta para tudo e prevalece a tudo” (Fr. 114, Diels). (ABBAGNANO, 2007, p. 728).
DISCURSO:
O discurso (λόγος) apreende imediatamente. (...) O termo λόγος possui um dos campos
semânticos mais amplos da língua grega e é normalmente traduzido como "discur so",
"linguagem", "narração", "proporção", "fundamentação", "razão" etc. Ele deriva-se do verbo
λέγω, que significa em seu sentido usual "dizer", "falar", "contar". (CASANOVA, 2003, p.164).
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
FIGURA 2 – PARMÊNIDES
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Para que a Polis não cometesse mais o equívoco que cometeu, condenando
à morte o mais sábio de seus filhos, Platão orientará seu esforço filosófico na
busca de princípios universais, eternos, unos e imutáveis, entre eles: a ideia de
verdade, de bem, de belo e de justiça. “É assim que Platão vai fundamentar o seu
empreendimento, construindo uma ontologia, uma doutrina do ser, inventando,
por assim dizer, a palavra, dizendo o que é o ser”. (CHÂTELET, 1994, p. 30).
FIGURA 3 – ARISTÓTELES
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Aristóteles, por sua vez, parte da exigência de estudo do ser enquanto ser, de
seu caráter essencial, atribuindo às diversas ciências o estudo da variedade de
princípios essenciais presentes na multiplicidade de entes que se apresentam em
ato e em potência.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
UNI
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Sob tais aspectos, Kant “mostra que o pensamento humano deve renunciar
à ideia que, no fundo, estava na origem do projeto platônico: construir um saber
absoluto. Não existe saber absoluto. Todo saber é relativo à estrutura do homem”.
(CHÂTELET, 1994, p. 99).
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Talvez esta seja uma das condições que nos permitem compreender a
dificuldade, senão a impossibilidade, de estabelecer uma definição de filosofia.
Ou dito de outra forma: qualquer definição de filosofia é apenas mais uma
definição e não encerra em si a definição derradeira da filosofia.
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
UNI
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
- E o que é o homem?
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
LEITURA COMPLEMENTAR 1
“Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas
sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente
da sua utilidade, e amam, acima de todas, a sensação da visão. Com efeito, não só
em vista da ação, mas mesmo sem ter nenhuma intenção de agir, nós preferimos
o ver, em certo sentido, a todas as outras sensações. E o motivo está no fato de que
a visão nos proporciona mais conhecimentos do que todas as outras sensações e
nos torna manifestas numerosas diferenças entre as coisas.
FONTE: ARISTÓTELES. METAFÍSICA. Tradução Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola, 2005,
p. 4. Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp603/pag1011.htm>. Acesso em:
20 mar. 2012.
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TÓPICO 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
LEITURA COMPLEMENTAR 2
4 "o que é, é" e "É impossível para uma mesma coisa ser e não ser" não são
universalmente aceitas.
Mas, o que é pior, este argumento da anuência universal, usado para provar
princípios inatos, parece-me uma demonstração de que tal coisa não existe, porque
não há nada passível de receber de todos os homens um assentimento universal.
Começarei pelo argumento especulativo, recorrendo a um dos mais glorificados
princípios da demonstração, ou seja, "qualquer coisa que é, é" e "é impossível para
a mesma coisa ser e não ser", por julgá-los, dentre todos, os que mais merecem o
título de inatos. Estão, ademais, a tal ponto com a reputação firmada de máximas
universalmente aceitas que, indubitavelmente, seria considerado estranho que
alguém tentasse colocá-las em dúvida. Apesar disso, tomo a liberdade para afirmar
que estas proposições se encontram bem distantes de receber um assentimento
universal, pois não são conhecidas por grande parte da humanidade.
Referência Bibliográfica:LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. Tradução de
Anoar Aiex. São Paulo: Abril Cultural, 1973 (Coleção Os Pensadores), p. 151.
31
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos:
32
AUTOATIVIDADE
33
34
UNIDADE 1
TÓPICO 2
DA DOXA À EPISTEME: O
PROBLEMA DA VERDADE
1 INTRODUÇÃO
O mundo grego está distante de nós do século XXI em no mínimo 25
séculos. A cidade que viu nascer Sócrates, Platão e Aristóteles veio abaixo e hoje
são apenas ruínas, não mais que fragmentos de uma “era de ouro” onde os homens
eram livres e caminhavam pela praça pública. Mas, se estamos tão distante dos
gregos, por que nós, modernos, com nossos inúmeros avanços e descobertas
científicas, insistimos em voltar nossos olhos para o que sobrou dessas ruínas?
Por que essa cidade desfigurada nos causa tanta atração e fascínio?
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
[…]. O homem grego, bastante afastado de nós para que seja possível
estudá-lo como um objeto, e como um objeto diverso, ao qual não
se aplicam exatamente as nossas categorias psicológicas de hoje,
é, entretanto, bastante próximo para que possamos, sem muitos
obstáculos, entrar em comunicação com ele, compreender a linguagem
que fala em suas obras, atingir, além dos textos e documentos, os
conteúdos mentais, as formas de pensamento e de sensibilidade,
os modos de organização do querer e dos atos, em resumo, uma
arquitetura do espírito. (MEYERSON apud VERNANT, 2008, p.16-17).
FIGURA 5 - PARTHENON
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TÓPICO 2 | DA DOXA À EPISTEME: O PROBLEMA DA VERDADE
NOTA
Dois são os temas que retiveram a atenção dos modernos em relação aos
gregos: a passagem do pensamento mítico à razão e a construção progressiva da
pessoa. Essas duas criações gregas, determinantes na construção do Ocidente,
podem nos passar despercebidas, pois nos acostumamos a ver o homem como
ser racional.
E mais do que isso, está implícito neste homem uma unidade psicológica
(a pessoa), porém essas são noções ou categorias novas, criações gregas.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Em tal cenário, um homem nobre, tendo ele sido acometido por um deus,
poderia justificar o seu ato e ser considerado sem culpa. Nesse período o Direito
grego vai criar a noção de “sujeito responsável”, distinguindo crimes cometidos
com e sem intenção, onde o primeiro é considerado “delito” (adíkema ou atýchema),
onde há intenção de cometer o crime, e o segundo “falta” (hamártema), onde o
homem é tomado por forças sinistras que o enlouquecem.
2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
Tratamos então, ainda que de forma breve, do nascimento da pessoa
(unidade subjetiva, fórum íntimo), mas o fizemos apenas por motivo de ilustração,
tentando evidenciar o espírito que perpassa e povoa a cabeça de um grego nos
séculos VI, V e IV a.C., porém o que nos interessa efetivamente é o nascimento
da Razão/Filosofia. A Filosofia nasce com os gregos, mas alguém poderia se
perguntar: qual é a causa deste nascimento? A tradição historiográfica vai dar
algumas respostas. Vamos aqui delimitar esse raio de ação e escolher a resposta
platônica do nascimento da filosofia.
Sócrates estava abismado: por que uma mesma coisa (o que é a justiça,
por exemplo) assumia tantos significados? Ora diferentes, ora contraditórios. No
diálogo “A República”, de Platão, são conferidos alguns significados à justiça:
A linguagem, em sendo neutra, está a mercê de quem dela faz uso, podendo
ser usada pelos sofistas para ludibriar os ignorantes, ou usada pelos sábios para
tirar o homem honesto da sua condição de ignorância e levá-lo ao conhecimento. O
primeiro problema que se coloca a Sócrates é: “desmascarar entre os interlocutores
é crer que o simples fato de dizer equivale necessariamente a dizer o ser e que,
portanto, desde que se soubesse dizer, se conheceria o ser.” (ROUGE, 2005, p. 21).
Aqui, o acadêmico pode estar se perguntado: mas por que este imperativo
em que o filósofo deve realinhar o logos ao ser? Qual o problema nessa ruptura?
Seremos menos felizes agora que o logos rompeu com o ser? Não estaremos, pois,
criando problemas onde originariamente não há nenhum?
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 2 | DA DOXA À EPISTEME: O PROBLEMA DA VERDADE
3 Sócrates, para evidenciar a injustiça que estão por cometer, lança mão de uma
alegoria, na qual ele e Críton (já em fuga) são interpelados pela personificação
das “Leis da República”:
– Sócrates, o que vais fazer? Executar teu plano não significa aniquilar-nos
completamente, sendo que de ti dependem as Leis da República e as de todo o
Estado? Acreditas que um Estado pode subsistir, se as suas sentenças legais não
têm poder e, o que é mais grave, se os indivíduos as desprezam e aniquilam?
– Conta-nos as queixas que tens contra a República e contra nós, por agir de
maneira a tudo fazer para nos aniquilar. Mais do que isso, se tu, Sócrates,
não amasse essa pátria, em momento oportuno poderia ter ido embora para
outra cidade, mas não o fez, submetendo-se assim, por consentimento, às leis
desta cidade. Aquele que permanecer aqui após concordar com essa nossa
maneira de administrar a justiça e com a política seguida pela República, será
obrigado a obedecer a tudo que lhe ordenamos, e, se desobedecer, declaremos
que é culpado de três modos: por desobedecer àquelas leis que lhe permitiram
nascer, por perturbar aqueles que o amamentaram e alimentaram, e por, após
obrigar-se a obedecer-nos, ofende a fé jurada e não se esforça em persuadir-
nos, se lhe parece que existe algo de injusto em nós.
– Esse discurso fere com tamanha violência meus ouvidos que para mim seria
impossível ouvir outro discurso.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
ATENCAO
Você poderá encontrar outra versão deste diálogo. Disponível em: <em http://
www.consciencia.org/platao_criton.shtml>.
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TÓPICO 2 | DA DOXA À EPISTEME: O PROBLEMA DA VERDADE
Para além dessas tentativas, que têm a sua devida importância, nos interessa
nos focar em duas respostas intrigantes. Essas duas tentativas não apenas anunciam
uma arkhé, um princípio originário para o mundo, mas vão colocar em dúvida o
problema do conhecimento humano.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
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TÓPICO 2 | DA DOXA À EPISTEME: O PROBLEMA DA VERDADE
Desta forma, o nosso mundo, o mundo sensível, não passa de uma cópia
imprecisa do mundo das ideias. Para além das considerações teogônicas de
Platão, o que nos interessa localizar na teogonia platônica é o seu pensamento
disjuntivo, onde ele inaugura um dualismo ontológico, dividindo o mundo em
mundo sensível e mundo inteligível.
7 PROCESSO DE REMINISCÊNCIA
O nosso mundo, o mundo sensível, é imperfeito e corruptível, é
perpetrado pela aparência, uma cópia imperfeita do mundo das ideias. Sendo
este mundo imperfeito, todo conhecimento que tem por sua origem o mundo
sensível é imperfeito e corruptível. Há uma relação lógica nesta afirmação,
pois do imperfeito só é possível originar imperfeições. Então, como atingir o
conhecimento verdadeiro, incorruptível? Simples, precisamos recorrer à alma,
porque ela tem origem no mundo das ideias, a qual, tantas vezes já ressaltamos,
é o mundo perfeito, eterno, uno e incorruptível.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
– o sábio;
– o não sábio, que tem consciência da sua não sabedoria; e
– o não sábio, mas que acredita saber alguma coisa; onde ele vai posicionar o
filósofo como o não sábio, mas que tem consciência da sua não sabedoria. Aqui
temos localizada a célebre máxima de Sócrates: “Só sei que nada sei”.
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TÓPICO 2 | DA DOXA À EPISTEME: O PROBLEMA DA VERDADE
● E os não sábios: que, por sua vez, se dividem em outras duas categorias:
9 O PARTO DA RAZÃO
Sabemos que as impressões advindas dos sentidos são falsas e imprecisas,
apenas aparências de uma essência. Sabemos que o conhecimento verdadeiro só é
possível pela via da alma, a via da razão. Sabemos também que este conhecimento
só é possível porque a alma, sendo de origem do mundo das ideias, contemplou
no tempo em que estava lá a sua beleza. Então, cabe agora a pergunta:
O parto da razão não se realiza de forma gratuita, antes disso, exige toda
uma intricada investigação da razão sobre si mesma. O parto da razão se dá
por esse processo onde a razão coloca constantemente em xeque suas verdades,
procurando obstinadamente cada erro, cada falha, cada imprecisão. A este
processo de questionamento Sócrates dará o nome de maiêutica.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Mas tenhamos claro: este diálogo não se dá entre duas pessoas diferentes,
um ignorante e o outro sabedor, que pacientemente se esforça por desvelar a
ignorância alheia. Não há dessimetria no conhecimento de ambos. Ao contrário, os
dois estão na mesma situação de não sabedor, de ignorante, ambos examinam as
teses um do outro, para que, doravante, caminhando de mãos dadas, promovam
o nascer do conhecimento.
Vejamos:
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TÓPICO 2 | DA DOXA À EPISTEME: O PROBLEMA DA VERDADE
Neste momento, ele percebe que nada sabia, salvo impressões falsas.
Tudo o que tanto glorificou como verdade, agora não passam de aparências, de
sombras, de cópias imperfeitas. “Fazer com que passemos do nível mais baixo do
saber à ilusão de saber o que não se sabe, para o segundo, saber que não se sabe,
é a função da refutação”. (ROGUE, 2005, p. 47).
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu que:
• Se Heráclito anunciava que tudo era mudança, Parmênides vai enveredar pelo
caminho oposto, defendendo que para além da aparência há a essência.
• Homem: união do corpo (que tem origem no mundo das formas) com a alma
(que tem origem no mundo das ideias).
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AUTOATIVIDADE
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UNIDADE 1
TÓPICO 3
O PROBLEMA DA VERDADE
1 INTRODUÇÃO
Na tradição filosófica, e ainda mais na tradição vinculada à Teoria do
Conhecimento ou Epistemologia, a verdade se mostra em um conceito fundamental.
Basta vermos, por exemplo, a definição mais comum de conhecimento, que
advém de Platão: crença verdadeira justificada. Nesta medida, por mostrar-se
fundamental (o próprio termo conhecimento “carrega” a verdade), o conceito
assumirá no decorrer da história muitos aspectos, diferentes territórios, vários
horizontes, dos quais privilegiaremos alguns, que entendemos proporcionar ao
leitor uma visão adequada sobre o conceito.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
2 O QUE É A VERDADE?
Para iniciar com nossas investigações, duas negações são necessárias,
ou melhor dizendo, duas formas de abordar a verdade serão deslocadas: [1] a
busca pela verdade e [2] o valor da verdade, pois, em nossa compreensão, estas
questões perpassam a própria Teoria do Conhecimento, bem como suas relações
com as demais áreas da filosofia (ética, política, ontologia, estética etc.).
Esta pista nos é dada por Marcos Gleizer (1994), a qual o físico e filósofo
chama de: problema da verdade, e assume os seguintes contornos:
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
FIGURA 8 – AS DÚVIDAS
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
UNI
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
UNI
Concepção de Falso
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
UNI
[...] dela devíamos dizer que tem usos ou interpretações tais que,
nesses usos ou interpretações, pode formular uma crença em, ou
uma afirmação de, que é verdadeiro ou falso. Poderíamos assim falar
de uma sentença como sendo verdadeira (ou falsa) ‘sob uma certa
interpretação’, significando que a afirmação ou crença que a sentença
formularia, se lhe fosse dada essa interpretação, seria uma crença ou
afirmação de que é verdadeiro (ou falso) (CHISHOLM, 1969, p.140,
grifo nosso).
1 a concepção grega;
2 a concepção latina;
3 a concepção hebraica;
4 a concepção pragmática e;
5 a concepção kantiana.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
5 CONCEPÇÃO GREGA
Vejamos a concepção grega. Se recorrermos à matriz etimológica da
palavra, verdade em grego toma a seguinte expressão: αλήθεια (alétheia), palavra
esta que contém a partícula negativa, inicial a, “colada” à palavra léthe, que
significa esquecimento. Diante de tal verificabilidade etimológica, constatamos
que a verdade, no sentido grego, é aquilo que não é esquecido. Ou ainda:
1 a verdade é uma qualidade das próprias coisas (o que realmente é, ou seja, o ser);
UNI
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
Ideia e coisa, conceito e ser, juízo e fato não são da mesma natureza.
[...], a ideia de cão não late e a de açúcar não é doce. O que os filósofos
afirmam é que a ideia corresponde à coisa conhecida porque é o
conhecimento da estrutura da coisa [ou seja, sua automanifestação],
das relações internas necessárias que constituem a essência da coisa e
das relações e nexos necessários que ela mantém com outras. A ideia
é uma ação realizada no intelecto, uma operação intelectual; o ideado,
uma realidade externa conhecida pelo intelecto. (CHAUÍ, 2010, p. 112).
“Em grego, falso se enuncia: ψευδής (pseudos), ou seja, aquilo que está
velado, encoberto e aparente”. (CHAUÍ, 2010, p. 112). O falso encobre a estrutura
da coisa, sua automanifestação. Se algo se manifesta como verde, será falso dizer
que ele se manifesta marrom, por exemplo.
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
6 CONCEPÇÃO LATINA
Passemos agora para a concepção latina. Buscando a raiz etimológica,
verdade em latim tem por significado veritas, isto é, aquilo que se trata com rigor
e precisão, ou numa colocação melhor articulada: o que se conta com fidelidade, o
que se relata com fidelidade, um relato. Nesta medida, a versão latina da verdade
dá à linguagem o primado do conceito. É a ideia que toma primado, se levarmos
em conta aquela assertiva de verdade: verdade é a correspondência entre ideia
e a coisa.
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
7 CONCEPÇÃO HEBRAICA
Esbocemos a concepção hebraica. Partindo de sua matriz etimológica,
verdade em hebraico se apresenta através do termo emunah, que tem por
significado confiar/confiança. Trata-se de tomar a verdade como confiança (em
Deus ou em outro humano).
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
● A partir da alétheia:
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
8 TEORIA PRAGMÁTICA
Em poucas linhas, poderíamos dizer que, diferente das concepções
anteriores (grega, latina e hebraica), a concepção pragmática de verdade é menos
teórica e mais prática. O que isto quer dizer? Que implicações esta concepção
tem nas relações humanas com o mundo, consigo mesmo e com os outros
seres humanos? Ou ainda, quer dizer que a verdade se liga com a eficácia dos
pensamentos e das ações humanas na totalidade de suas relações. Além de estar
vinculada à experiência das coisas. Esta teoria é conhecida como pragmatismo.
UNI
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Todavia, Kant (1794) não fica satisfeito com esta colocação e divide o
juízo, para um melhor entendimento, em dois tipos: juízos analíticos e juízos
sintéticos.
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
Por sua vez, este tipo de juízo, no entender de Kant, tem a capacidade de
ampliação, isto é, de aumento da capacidade humana de entendimento. “Assim,
por exemplo, se, em vez de dizer que os corpos são extensos, dissermos que
‘alguns corpos são pesados’, o predicado ‘são pesados’ nos diz algo novo sobre o
sujeito”. (CHAUÍ, 2010, p. 117).
A partir destas colocações, Kant (1974) vai produzir sua teoria de verdade.
Kant vai então, em seus esforços e reflexões em torno da Teoria do Conhecimento,
distinguir dois tipos de verdade a partir destas divisões de juízo. No início desta
parte sobre Kant, falamos em razão e falamos em experiência.
Mas isto não satisfaz Kant, como veremos adiante. Ele vai aprofundar suas
reflexões sobre a verdade, de tal forma que podemos concordar ou mesmo discordar
de Kant, mas seguramente suas assertivas sobre as condições de possibilidade
da verdade forneceram na modernidade pressupostos teórico-conceituais
fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento científico e filosófico. Para
observar o que Kant faz, façamos cinco perguntas sobre o que ele teoriza.
1 Do que foi colocado, a verdade não ficaria reduzida aos juízos analíticos? O
que isto parece?
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
Para finalizar, vale mencionar o que seria o erro e o falso para Kant. Para
ele, estas duas categorias se aplicam à suposição, que ele chama de realista. Esta
toma a realidade como um ente em si, levado em conta independente do sujeito do
conhecimento. A esta atitude (de erro e falso), Kant deu o nome de dogmatismo.
(CHAUÍ, 2010, p. 118).
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
UNI
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
LEITURA COMPLEMENTAR 1
Visto, pois, que a verdade não tem necessidade de nenhum critério, mas
que é suficiente ter a essência objetiva das coisas ou ideias, (...) daqui se segue que
o verdadeiro método não é procurar um critério da verdade após a aquisição das
ideias, mas o verdadeiro método é o caminho pelo qual a própria verdade, ou a
essência objetiva das coisas, ou as ideias (todas estas palavras significam a mesma
coisa) são procuradas na devida ordem.
FONTE: SPINOZA, Baruch. O método reflexivo: a ideia verdadeira, índice de si mesma, como ponto
de partida do método. Tratado da reforma da inteligência in: CHAUÍ, Marilena de Souza. Espinosa:
uma filosofia da liberdade/Marilena Chauí. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1995, p. 87. (Coleção Logos).
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UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
LEITURA COMPLEMENTAR 2
FONTE: NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extramoral in: MARTON,
Scarlett. Nietzsche: a transvaloração dos valores/Scarlett Marton. 4. ed. São Paulo: Moderna, 1993,
p. 80-81. (Coleção logos).
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TÓPICO 3 | O PROBLEMA DA VERDADE
LEITURA COMPLEMENTAR 3
A CAUSA DO MAL
Todavia, não tinha uma ideia clara e nítida da causa do mal. Porém, qual
quer que ela fosse, tinha assente para mim que de tal modo a havia de buscar,
que por ela não fosse constrangido a crer, como mutável, um Deus imutável, pois,
doutra maneira, cairia no mal cuja causa procurava.
Por isso, buscava-a com segurança, certo de que não era verdadeira a
doutrina que estes homens pregavam. Fugia deles com a alma, porque, quando
eu indagava a origem do mal, via-os repletos de malícia que os levava a crerem
antes sujeita ao mal a vossa substância do que a deles ser suscetível de o cometer.
Por isso, quando queria ou não queria uma coisa, tinha a certeza abso
luta de que não era outro senão eu quem queria ou não queria, experimentando
cada vez mais que aí estava a causa do meu pecado. Quanto ao que fazia contra a
vontade, notava que isso era antes padecer (o mal) do que praticá-lo. Considerava
isso não como uma falta, mas como uma punição, em que, reconhecendo a vossa
justiça, era logo forçado a confessar que justamente recebia o castigo.
Mas de novo refletia: "Quem me criou? Não foi o meu Deus, que é bom, e é
também a mesma bondade? Donde me veio, então, o querer eu o mal e não querer
o bem? Seria para que houvesse motivo de eu justamente ser castigado? Quem
colocou em mim e quem semeou em mim este viveiro de amarguras, sendo eu
inteira criação do meu Deus tão amoroso? Se foi o demônio quem me criou, donde
é que veio ele? E se, por uma decisão de sua vontade perversa, se transformou de
anjo bom em demônio, qual é a origem daquela vontade má com que se mudou
em diabo, tendo sido criado anjo perfeito por um Criador tão bom?"
73
UNIDADE 1 | O PROBLEMA GNOSIOLÓGICO
INVOCAÇÃO À VERDADE
Ó Verdade, Luz do meu coração, não me falem as minhas trevas. Por elas
me deixei escorregar, e obscureci-me. Mas, mesmo no fundo desse abismo, sim,
desse abismo, amei-Vos. "Errei, mas recordei-me de Vós. Ouvi atrás de mim a
vossa voz" a exortar-me a que voltasse. Porém, dificilmente a podia ouvir, por
causa do tumulto dos turbulentos.
Quando estiver unido a Vós com todo o meu ser, em parte nenhuma
sentirei dor e trabalho. A minha vida será então verdadeiramente viva, porque
estará toda cheia de Vós. Libertais do seu peso aqueles que encheis. Porque não
estou cheio de Vós, sou ainda peso para mim.
As minhas alegrias, que deviam ser choradas, lutam com as tristezas que
me deviam incutir júbilo. Ignoro de que lado está a vitória. As tristezas do meu
mal pelejam com os contentamentos bons, e não sei em que parte está o triunfo.
Entre estes dois extremos, qual será o termo médio onde a vida humana
não seja tentação? Ai das prosperidades do mundo, repito, ai das prospe
ridades do rnundo, por causa do receio da desgraça e da corrupção da alegria!
Ai das adversidades do mundo, uma, duas e três vezes, por causa do desejo da
prosperidade, por ser a desgraça dura e ameaçar não é "a vida humana sobre a
terra uma tentação contínua"?
FONTE: AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina, S.J.
SP: Abril Cultural, 1973, p. 214.
74
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu:
• A partir da alétheia: entende-se que a verdade está nas próprias coisas, entes ou
realidade, tendo dois conceitos importantes:
- a) conhecimento verdadeiro: que é a apreensão intelectual/racional da verdade
(contida nas próprias coisas);
- b) evidência: que nada mais é que a marca do conhecimento verdadeiro (aquilo
que se mostra a si mesmo para os olhos da razão). (CHAUÍ, 2010, p. 113).
75
• A partir de emunah: esta concepção toma a verdade como acordo/pacto de
confiança entre membros de uma mesma comunidade, ou em níveis científicos,
o pacto entre pesquisadores “[...], que definem um conjunto de convenções
universais sobre o conhecimento verdadeiro que devem sempre ser respeitadas
por todos”. (CHAUÍ, 2010, p. 113). “E qual seria a marca da verdade? O critério
para ela? Seria o consenso ou a confiança dos membros da comunidade”.
(CHAUÍ, 2010, p. 113).
• Para Kant, por sua vez, o critério refere-se à forma da verdade, isto é, “[...] do
pensamento em geral, e consiste na conformidade com ‘as leis gerais necessárias
do intelecto’. ‘O que contradiz essas leis’[...] ‘é falso, porque o intelecto, nesse
caso, contradiz suas próprias leis, portanto a si mesmo’”. (ABBAGNANO,
2007, p. 1.185).
76
AUTOATIVIDADE
9 A partir do quadro sinóptico, quais são os tipos de verdade, quais são seus
elementos?
77
78
UNIDADE 2
A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO
DO CONHECIMENTO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta unidade você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em dois tópicos. Neles você encontrará dicas,
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas abordados.
79
80
UNIDADE 2
TÓPICO 1
AS POSSIBILIDADES DO
CONHECIMENTO
1 INTRODUÇÃO
O problema do conhecimento acompanha desde o início a aventura da
humanidade em busca de um fundamento sólido para a vida humana. Ao se
espantar com o mundo, ao perceber diante de si um mundo misterioso, os homens
não hesitaram em lançar-se na investigação deste grande desconhecido. Tão
logo esses animais pensantes se lançaram no desbravamento do mundo, logo se
apresentou a questão das possibilidades do conhecimento. Seriam esses animais
pensantes capazes de conhecer a realidade? Ou estariam eles distorcendo o real e
tomando sombras como verdades autênticas?
- Dogmatismo.
- Ceticismo.
- Subjetivismo.
81
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
- Pragmatismo.
- Criticismo.
Esta divisão, naturalmente, não exclui outras possíveis, mas, tendo que
fazer uma opção, entendemos que esta seria mais apropriada para as pretensões
desta disciplina.
2 DOGMATISMO
Das tentativas de responder às possibilidades de apreensão do real pelo
humano, a primeira resposta vai ser dada pelos dogmáticos. Dogmatismo é uma
variação do termo “dogma”, que tem sua origem na Grécia.
82
TÓPICO 1 | AS POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO
3 CETICISMO
Ceticismo vem do grego σκεπτιχή άγωγή, e significa busca, exame
ou pesquisa. Os céticos são a segunda tentativa de resposta ao problema do
conhecimento humano, onde vão se colocar na busca, no exame e na pesquisa
das possibilidades do conhecimento.
83
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
DICAS
Tal como definiu o cético Sexto Empírico: “A toda razão opõe-se uma
razão de igual valor”, de tal forma que não é possível afirmar A, ou ñA. As duas
premissas estão em condições iguais de validade. Sendo assim, o cético não vai
fazer a opção por A ou ñA, simplesmente vai colocar os dois juízos em suspenso.
Em Pirro de Élis esse distanciamento entre sujeito e objeto é tal, que chega
inclusive a afirmar que não há nenhuma relação possível entre ambos: “Segundo
ele, não ocorre contato entre sujeito e objeto. A apreensão do objeto é vedada à
consciência cognoscente”. (HESSEN, 1999, p. 32).
84
TÓPICO 1 | AS POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO
85
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
peito pueril dos filósofos a dúvida. Onde antes tínhamos verdades e certezas,
agora encontramos incertezas e verdades suspensas. O mundo tornou-se frágil e
a cada passo os pés se afundavam no lodo da dúvida. O mundo já não era mais
uma grande rocha, tornou-se uma duna de areia, frágil, minúscula, que se desfaz
ao ser tocada pela brisa da manhã.
4 SUBJETIVISMO
A primeira resposta ao problema do conhecimento encontramos entre os
dogmáticos, que consideram possível e inconteste a apreensão do objeto pelo sujeito.
86
TÓPICO 1 | AS POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO
Em não havendo um homem que possa afirmar para além das categorias
individuais dos homens uma verdade, nenhum verdade pode ser universalizada.
Toda verdade tem seu princípio e seu termo no indivíduo que a afirma.
5 PRAGMATISMO
Pragmatismo vem do grego e significa ação. Neste sentido, o pragmatismo
não está tão preocupado com a verdade, mas com a dimensão prática desta
suposta verdade. Ou seja, em sendo útil, não importa se é verdadeiro ou falso.
Desta forma, o pragmatismo reposiciona o problema do conhecimento. O que
está em jogo não é mais a concordância entre o pensamento e o ser, mas sim, se
ele é útil ou não.
O intelecto humano foi feito para agir, criado para ajudar o homem a
se orientar no mundo, garantindo assim a sua existência. O conhecimento e as
reflexões teóricas são apenas ornamentos da utilidade prática que ela deve ter.
6 CRITICISMO
Temos agora diante de nós um cenário disposto. De um lado, temos o
dogmatismo com a sua crença na possibilidade do sujeito conhecer o objeto tal
como se apresenta. De outro lado, temos o ceticismo e o relativismo, que contestam
esse conhecimento, superestimando o sujeito e desconsiderando o objeto, e no
caso do ceticismo, perdendo para sempre o objeto. Neste cenário, Kant (2001)
inaugura uma síntese entre essas duas posturas.
Dessa forma, podemos conhecer o mundo, não como ele é em si, mas
apenas o que nós, com nossa estrutura do conhecimento, apreendemos. Kant
(2001) anuncia assim a possibilidade do conhecimento, como queriam os
dogmáticos, mas reconhece seus limites, como queriam os céticos. Eis a síntese de
duas posturas bastante diversas, mas que em Kant encontram harmonia.
88
TÓPICO 1 | AS POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO
LEITURA COMPLEMENTAR
Alexandre Machado
Pensar que isso é possível, segundo o Eleata, é pensar que “o falso é real”,
o que parece uma contradição. O argumento aqui parece ser o seguinte: se uma
coisa y se parece com outra coisa x sem ser x, então y é um falso x (como no caso
do dinheiro falso); por outro lado, se pronuncio um enunciado E que não diz a
verdade, E é falso; entretanto, tanto y quanto E são reais ou existentes; mas se
ambos são falsos, então o falso é real.
A razão pela qual Platão define assim a falsidade parece ser a seguinte:
a realidade não é como o enunciado falso diz que é; portanto, o enunciado falso
diz como a realidade não é; a realidade é o que é; portanto, o enunciado falso diz
como o que é não é (cf. 240d). Se, pois, existem enunciados falsos, se faz sentido
pensar o que um enunciado falso diz, então faz sentido pensar que a realidade,
aquilo que é, não é. E se isso é possível, o inverso também o é: se o que é pode
não ser, então o não ser, o que não é, pode ser (se x é um não ser, então o não ser
⎯ x ⎯ é).
89
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
FONTE: MACHADO, Alexandre N. Enunciado Falso e Não Ser no Sofista de Platão. m Barbarói, 11,
1999, p. 81-109. Disponível em: <http://alexandremachado.50webs.com/pesquisa/publicacoes/
platao.pdf>. Acesso em: 2 maio 2012.
90
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você viu que:
91
AUTOATIVIDADE
92
UNIDADE 2 TÓPICO 2
OS FUNDAMENTOS DO
CONHECIMENTO
1 INTRODUÇÃO
Podemos dizer com certa segurança que toda elaboração do conhecimento
perpassa pela relação entre sujeito e o objeto. A questão fundamental do
conhecimento é saber como ocorre esta relação. “O problema todo é de se saber
se, predominando o sujeito, que tipo de fundamento (essência) teremos para o
conhecimento, e, predominando o objeto, que tipo de fundamento (essência)
prevalecerá”. (HESSEN, 1999, p. 69).
UNI
93
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Estes são os problemas que iremos desenvolver nesta parte, acerca dos
fundamentos do conhecimento ou da essência do conhecimento. Vamos aos conceitos.
2 FUNDAMENTOS REALISTAS
2.1 O OBJETIVISMO
Como o próprio nome já entrega, o papel principal na relação de
conhecimento é dada ao objeto. Ou mais diretamente, o sujeito se
adéqua ao objeto, pois este o determina. Uma palavra sintetiza bem
esta assertiva primeira: o sujeito do conhecimento (cognoscente) copia
as determinações do objeto, congrega aquilo que lhe parece. Disto se
conclui que o objeto aparece como algo pronto e determinado para o
sujeito cognoscente. (HESSEN, 1999, p.70).
94
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
do conhecimento quer dizer algo”. (HESSEN, 1999, p. 70). Seja, por exemplo, de
uma árvore ou para descrever o sorriso. O papel do sujeito e de sua consciência
é de reconstruir, contar a estrutura do objeto, dizer alguma coisa de determinado
organismo, contar suas partes, seus agrupamentos. Construir esquemas.
O primeiro a exercitar esta questão foi Platão e é nele que temos o primeiro
exemplo do fundamento do conhecimento, como formulação, a partir do objeto
(objetivismo). Para Platão, as ideias são realidades objetivamente dadas, elas se
mostram o tempo todo para o sujeito, que através do exercício da razão pode
tomar contato com tais realidades, unindo forma (ideia) e matéria.
95
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
2.2 O SUBJETIVISMO
O subjetivismo tem sua fundação conceitual com Agostinho de Hipona,
filósofo da patrística, que marca a passagem da Antiguidade para a Idade Média.
Mais adiante traremos sua contribuição.
96
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
Em síntese, nosso objetivo, nesta primeira parte, foi demonstrar que dois
tópicos são as fontes para o conhecimento: o sujeito e o objeto; prevalecendo
o primeiro, temos o subjetivismo, como sendo o sujeito o responsável pela
estruturação do real; prevalecendo o segundo, temos o objetivismo, sendo a
estruturação já dada de modo que o sujeito a reescreve em sua consciência.
97
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
3 FUNDAMENTOS METAFÍSICOS
Este segundo tipo de fundamento toma como assertiva para seu
desenvolvimento o aspecto do ser, isto é, o aspecto metafísico ou ontológico.
3.1 O REALISMO
Podemos definir o realismo, do ponto de vista da Teoria do Conhecimento,
como a teoria que toma como existentes entes independentes da consciência.
“Esta teoria vai sofrer várias mutações (variações) no decorrer da história do
pensamento. Todavia, seu mote central se mantém o mesmo: a de produtos
existentes independente da consciência”. (HESSEN, 1999, p. 73).
● Realismo natural: este é o oposto da via nativa, pois já possui alguma coisa de
crítica e reflexão em sua prática de conhecimento.
98
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
● Realismo crítico: esta terceira via possui uma forma mais complexa de trabalhar
o problema do conhecimento.
99
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
100
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
[...] único sentido, tais como cores, sons, odores, sabores, maciez,
dureza, etc., de caráter subjetivo, têm lugar apenas em nossa
consciência, ainda que devamos pressupor a existência de elementos
que correspondam a elas nas coisas. (HESSEN, 1999, p. 75).
101
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Podemos perguntar então o que o físico faz? Primeiro, ele não deixa
estes processos de lado, “[...] mesmo considerando que elas surgem apenas na
consciência, o físico pensa nessas qualidades como sido causadas por processos
reais, objetos”. (HESSEN, 1999, p. 76).
Por exemplo, uma batida no braço ou o gosto de uma comida não possuem
seu efeito imediato, não temos de bate-pronto a consciência destes, o estímulo da
batida passa primeiramente pelos órgãos sensíveis, passando pelos nervos, até
chegar à projeção no córtex cerebral. Além disto, basta nos recordarmos que o
cérebro é uma complexa estrutura e “[...], parecerá pouco provável que o processo
que finalmente ocorre no córtex cerebral guarde ainda qualquer semelhança com
o estímulo físico de que partimos”. (HESSEN, 1999, p. 76).
Um exemplo que podemos dar, para explicar esta noção que parte da
Psicologia:
102
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
(ou seja, a partir da tese das qualidades secundárias sensíveis, de que existem
objetos reais independentes da consciência, da qual formulamos um dado
mental). (HESSEN, 1999, p.78).
103
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Demos poucas pinceladas no realismo volitivo, mas ele toma por prumo
a não tomada com tanta ênfase na razão, a absorção da realidade pelo sujeito
cognoscente. Os objetos existem porque o sujeito do conhecimento pode senti-los.
Em síntese, nosso objetivo foi demonstrar que o realismo (bem como suas
variáveis) toma a ideia de que há uma realidade fora de nossas mentes e que podemos
compreendê-la, ou no mínimo descrevê-la. Neste sentido, admite-se a realidade da
coisa e que o sujeito cognoscente a estabelece, realizando construções mentais.
104
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
3.2 O IDEALISMO
A partir deste tópico, veremos a antítese do realismo: o idealismo. Em
linhas gerais, o idealismo parte da noção de imanência, isto é, de que há algo fora
do sujeito cognoscente. Todavia, postula que este sujeito conhece apenas aquilo
que sua consciência, pensamento e ideias (daí idealismo) formulam. Ou seja, este
sujeito não conhece imediatamente, mas sim, na produção do conhecimento, o faz
conhecendo as ideias. Isto fica ainda melhor articulado pelos seguintes elementos
e que fazem menção ao aspecto subjetivista do idealismo, isto é, da dependência
do sujeito do conhecimento para formulação do conhecer:
UNI
Isto porque, de acordo com o idealismo, o sujeito não teria como sair de
si mesmo, transferir ou ocupar o espaço da coisa que quer conhecer. Resta ao sujeito
cognoscente, nas suas formulações de conhecimento, tratar com as aparências dos objetos.
105
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
106
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
sujeito que percebe, por estímulo, algo fora, e dentro formula uma ideia, um
pensamento, que o sujeito tomará nota, isto é, conhecerá.
Para o idealista lógico, o giz está nem em mim nem fora de mim;
ele não está disponível de antemão, mas deve ser construído. Isso
acontece por meio de meu pensamento. Na medida em que formo o
conceito giz, meu pensamento constrói o objeto giz. Para o idealista
lógico, portanto, o giz não é nem uma coisa real, nem um conteúdo de
consciência, mas um conceito. O ser do giz não é nem um ser real, nem
um ser de consciência, mas um ser lógico-ideal. (HESSEN, 1999, p. 83).
107
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
3.3 O FENOMENALISMO
Esta posição fenomenalista remete inicialmente ao pensamento do filósofo
da cidade de Königsberg, Immanuel Kant (1724-1804), pois é ele o primeiro a
tabular, muito originalmente, a questão fundamental da posição fenomenalista,
qual seja: a tentativa de reconciliar os dois fundamentos para o conhecimento:
realismo e idealismo. Figuras opostas na formulação do fundamento do
conhecimento, pois o primeiro diz ser possível conhecer o real, o segundo, por
sua vez, diz ser possível conhecer apenas o ideal do real, isto é, a ideia que temos.
Todo exercício de Kant, em níveis de fundamento de conhecimento, “é promover
esta reconciliação, que denominará de fenomenalismo”. (HESSEN, 1999, p. 86).
UNI
108
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
UNI
109
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
O que Kant faz, como dissemos, “é absorver esta prática, mas, também,
deslocando para a consciência as qualidades primárias, tais como: extensão,
movimento, repouso, formas, isto é, todas as determinantes que envolvem espaço
e tempo”. (SANTOS, 1958, p. 86).
Nesta medida, para Kant, o “[...] espaço e tempo são apenas formas de nossa
intuição, funções de nossa sensibilidade que inconsciente e involuntariamente
colocam nossas sensações em justaposição e sucessão, ordenando-as espacial e
temporalmente”. (SANTOS, 1958, p. 86-87).
110
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
Para primeira linha, vale dizer que o debate entre realismo e idealismo
não se resolve ou se esgota, um não consegue contradizer o outro. Mas podemos
dizer que as seguintes questões de confronto podem ser aludidas:
111
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Além deste último ponto, podemos dizer que o idealismo fracassa no que
concerne ao reconhecimento da existência do eu, isto é, no movimento subjetivista,
como fundamento de conhecimento.
112
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
113
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
4 FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS
Nesta terceira e última parte iremos abordar o fundamento do
conhecimento a partir das soluções teológicas. Serão duas visões abordadas: a
monista-panteísta e a dualista-deísta. Ambas buscam fundamentar a questão da
relação entre sujeito e objeto, buscando os fundamentos últimos da realidade, o
absoluto, no primeiro caso na imanência e no segundo caso, na transcendência.
114
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
FIGURA 10 – SPINOZA
115
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Este princípio divino é Deus, como causa criadora de todos os entes. E neste
ato de criação, Deus tabulou a harmonia entre ideal e real, ambos concordando
entre si, ou seja, há harmonia entre pensamento e ser. Nesta medida, a solução do
problema do conhecimento está no fato da “divindade ser este ponto de origem
comum para o sujeito e para o objeto, para ordem do pensamento e para ordem
do ser”. (HESSEN, 1999, p. 93).
116
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
Todavia, vale ressaltar que não podemos, a partir do que foi colocado,
colocar este fundamento metafísico teísta como fundamento, mas sim como
encerramento, fechamento da Teoria do Conhecimento. Assim, por exemplo, se
tomarmos, para resolver o problema do conhecimento, a prática do realismo,
não optaríamos pela prática metafísica teísta para dar o encerramento ao
conhecimento, porque o conhecimento estaria justificado pela realidade dos
entes. Se o fundamento metafísico teísta não é fundamento, mas encerramento
do conhecimento, isto pelo seguinte, para encerrarmos esta seção:
117
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
LEITURA COMPLEMENTAR 1
Se, com efeito, o homem existe, a proposição pela qual nós dizemos
que o homem existe é verdadeira; e, reciprocamente, se a proposição
pela qual nós dizemos que o homem existe é verdadeira, o homem
existe. Contudo, a proposição verdadeira não é de modo algum causa
da existência da coisa; ao contrário, é a coisa que parece ser de algum
modo, a causa da verdade da proposição, pois é da existência da coisa
ou da sua não existência que dependem a verdade ou a falsidade da
proposição. (14b16-23)
118
TÓPICO 2 | OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO
LEITURA COMPLEMENTAR 2
O QUE É IDEALISMO?
FONTE: KANT apud SANTOS, Mario Ferreira dos. Teoria do conhecimento. Gnoseologia e
Critériologia/Mario Ferreira dos Santos. 3. ed. São Paulo: Livraria e Editora Logos, 1958.
LEITURA COMPLEMENTAR 3
CRITICISMO
Immanuel Kant
A que se deve o fato de não se ter podido aqui encontrar ainda o caminho
seguro da ciência? É porventura impossível? Pois de onde a natureza inculcou
em nossa razão a aspiração incansável de rastreá-lo como uma de suas ocupações
mais importantes? Mais ainda, quão pouco motivo temos para confiar em nossa
razão quando não só nos abandona num dos aspectos mais importantes da nossa
ânsia de saber, mas ainda nos entretém com simulações e por fim nos ludibria.
Ou ele até agora somente falhou: que indícios podemos usar para, em renovada
tentativa, esperar sermos mais felizes do que outros o foram antes de nós?
119
UNIDADE 2 | A POSSIBILIDADE E O FUNDAMENTO DO CONHECIMENTO
Por isso, tente se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da
Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o
que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento
a priori dos mesmos que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos
serem dados. O mesmo aconteceu com os primeiros pensamentos de Copérnico
que, depois das coisas não quererem andar muito bem com a explicação dos
movimentos celestes admitindo-se que todo o exército de astros girava em torno
do espectador, tentou ver se não seria mais bem-sucedido se deixasse o espectador
mover-se e, em contrapartida, os astros em repouso.
FONTE: KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden e Udo Moosburguer. “Os
Pensadores”. 2. ed. São Paulo: Abril S. A. Cultural, 1979.
120
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico você viu que:
121
AUTOATIVIDADE
7 O que é idealismo?
122
UNIDADE 3
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Ao final desta unidade você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Neles você encontrará dicas,
textos complementares, observações e atividades que lhe darão uma maior
compreensão dos temas a serem abordados.
123
124
UNIDADE 3
TÓPICO 1
O QUE É CIÊNCIA?
1 INTRODUÇÃO
A ciência é um exercício humano belíssimo, que possui uma história
vastíssima e muito rica. Refazer este exercício, no formato de pergunta (O que é
Ciência?), é adentrar na profundidade do pensamento humano, compreendendo
em que medida a ciência contribui, problematiza, articula este pensamento, na
relação com o mundo e com as pessoas.
Pois é fato que a ciência adentra nossos lares pela tecnologia de nossos
celulares e computadores de ponta, pela medicina que administra a saúde e a
doença de nossos corpos, pela mecânica de propulsão de nossos veículos. Mas
estes processos, do qual somos resultado, têm uma ponta, e uma ponta na
pergunta que colocamos: O que é Ciência? Porque é na ciência, ou melhor, nas
ciências, que procuramos conhecer (assim como fazemos com outros modos
de conhecimento, como os mitos, a religião, a filosofia) o mundo e os outros,
produzindo noções (como a ideia de gravidade, relatividade) e artefatos (como as
máquinas mais potentes, como a caldeira de uma indústria).
125
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
● Variável demonstrativa:
126
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
● Variável descritiva:
Esta variável, por sua vez, tem seu surgimento com o século XVI. Ela
tem por seu formulador Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês,
e foi desenvolvida na sequência por outro inglês, Isaac Newton, e
pelos filósofos do movimento iluminista. Do ponto de vista de Bacon,
ciência diz respeito ao conceito de interpretação da natureza. Para ele,
interpretar significa dizer que a ciência vai dar conta da interpretação
de fatos particulares e as suas ordens, através de experimentos.
(ABBAGNANO, 2007, p. 158).
Newton, por sua vez, produz uma noção de ciência partindo da dicotomia
dos métodos analítico e sintético. Esta dicotomia assume os seguintes contornos
conceituais:
127
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
[...] [2] a mecânica como nova ciência da Natureza, isto é, a ideia de que todos os
fenômenos naturais (as coisas não humanas e humanas) são corpos constituídos
por partículas dotadas de grandeza, figura e movimento determinados e que
seu conhecimento é o estabelecimento das leis necessárias do movimento e do
repouso que conservam ou modificam a grandeza e a figura das coisas por nós
percebidas porque conservam ou alteram a grandeza e a figura das partículas.
E a ideia de que estas leis são mecânicas, isto é, leis de causa e efeito cujo
modelo é o movimento local (o contato direto entre partículas) e o movimento
à distância (isto é, a ação e a reação dos corpos pela mediação de outros, ou,
questão controversa que dividirá os sábios, pela ação do vácuo). Fisiologia,
anatomia, medicina, óptica, paixões, ideias, astronomia, física, tudo será
tratado segundo esse novo modelo mecânico. E é a perfeita possibilidade de
tudo conhecer por essa via que permite a intervenção técnica sobre a natureza
física e humana e a construção dos instrumentos, cujo ideal é autônomo e cujo
modelo é o relógio. (CHAUÍ, 1984, p. 110).
Em síntese, esta concepção diz que a ciência se processa quando verifica aquilo
que toma como objeto, observando. Assim, organizando racionalmente, buscando
(e lançando) hipóteses e fazendo experimentações, chegar-se-ia ao conceito.
128
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
Além disto, ela possui mais alguns elementos, como na citação a seguir:
129
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
● São qualitativos, isto é, as coisas são julgadas por nós como grandes ou
pequenas, doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou velhas, belas ou
feias, quentes ou frias, úteis ou inúteis, desejáveis ou indesejáveis, coloridas
ou sem cor, com sabor, odor, próximas ou distantes etc.
130
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
dos astros determina o destino das pessoas; mulher menstruada não deve
tomar banho frio; ingerir sal quando se tem tontura é bom para a pressão;
mulher assanhada quer ser estuprada; menino de rua é delinquente etc..
131
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
132
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
● Método e Sistematicidade:
UNI
133
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
● Mudanças científicas:
UNI
135
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
Até aqui estamos dizendo duas coisas fundamentais ao leitor: uma, que a
vontade de objetividade não se faz, porque não podemos isolar um discurso na
linguagem, e outra, que ela não se reduz a uma carga subjetiva, porque o sujeito
se comunica com os demais, relativizando pela linguagem a absolutidade objetiva.
137
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
UNI
138
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
UNI
A partir da divisão proposta por Boaventura Souza Santos (SANTOS, 1987, p. 24).
Também tomamos sua proposta como eixo.
• Do tipo teórica:
139
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
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TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
• Do tipo social:
UNI
LEITURA COMPLEMENTAR 1
142
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
FONTE: JAPIASSÚ, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 9 e segs.
143
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
LEITURA COMPLEMENTAR 2
144
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
Mas a importância maior desta teoria está em que ela não é um fenômeno
isolado. Faz parte de um movimento convergente, pujante, sobretudo a partir da
última década, que atravessa as várias ciências da natureza e até as ciências sociais,
um movimento de vocação transdisciplinar que Jantsch designa por paradigma
da auto-organização e que tem aflorações, entre outras, na teoria de Prigogine, na
sinergética de Haken, no conceito de hiperciclo e na teoria da origem da vida de
Eigen, no conceito de autopoiesis de Maturana e Varela, na teoria das catástrofes
de Thorn, [...].
145
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
146
TÓPICO 1 | O QUE É CIÊNCIA?
147
RESUMO DO TÓPICO 1
1.1 Podemos ter a seguinte resposta: ciência é o conhecimento que tem a garantia
de sua validade.
1.2 Se admitirmos que esta garantia é absoluta, temos a visão clássica de ciência.
2.2 Ciência do tipo descritiva, que consiste na ciência que opera em níveis
empíricos, experimentando o objeto (por exemplo: para calcular o número de
idosos de uma cidade far-se-á uma pesquisa de campo).
2.3 Ciência do tipo falseável, que consiste em não admitir certezas e abrir espaço
para multiplicidade de proposições e respostas, sendo maleável com relação
a certezas, para não cair em preconceitos (como aposta cega no progresso;
determinismo e outras questões).
3.1 Senso comum X Atitude científica: divergência com o senso comum, que
consiste em opiniões vagas eternizadas no seio social. A ciência e a atitude
que dela imbrica envolvem pesquisa rigorosa, sistemática, questionando
estas opiniões eternizadas.
148
3.3 Mudanças científicas: crítica a certos valores que imperavam/imperam na
ciência, como a ideia de finalidade e progresso. Mudanças balizadas na
terceira variável de definição de ciência.
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AUTOATIVIDADE
150
UNIDADE 3
TÓPICO 2
PENSADORES DA CIÊNCIA
1 INTRODUÇÃO
Assim como a literatura e a filosofia possuem seus clássicos, suas pilastras
fundamentais, com a história da ciência não é diferente. Através da história da
ciência desfilam uma multiplicidade de cientistas, de filósofos da ciência, que
articulam, desenvolvem, interpretam, constituem conceitos, bem como teorias e
questionamentos, tais como: Quais as condições de possibilidade do conhecimento
científico? O discurso da ciência impõe ao senso comum o mito da neutralidade
científica? Ou é a simplicidade do senso comum, deslumbrando com os avanços da
ciência, que a mistifica? O que significa a objetividade da ciência? Quais os critérios
da afirmação da verdade científica? Quais as consequências do conhecimento
científico? O que caracteriza o método científico? Quais suas potencialidades no
desvelamento do mundo? Quais os limites do fazer científico e técnico?
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
152
TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
Por não atender aos padrões definidos do ponto de vista das ciências
das mobilidades urbanas, da ocupação do espaço urbano, das relações humanas
estabelecidas em tal contexto, ou seja, um conjunto de variáveis que não se
enquadram num conceito geral, definido pela razão científica e que atenderia
a certos princípios e ideais estéticos, deveria ser deslocada, reformulada,
restabelecida, em prol de modelos cientificamente estabelecidos, a partir de um
plano geral.
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
UNI
Teoria da Relatividade: que demonstra, por exemplo, que tempo não é algo
absoluto como na teoria newtoniana.
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TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
155
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
NOTA
157
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
● As revoluções científicas.
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TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
E nestas circunstâncias, Kuhn chama atenção para o fato de que vai surgir
um tipo especial de ciência, que o pensador denomina como ciência normal. No
que consiste esta ciência normal? Ela é responsável por formular as leis brutas, os
pressupostos necessários ao seu exercício paradigmático. A ciência normal (como
é todo o conjunto de ciência) parte dos paradigmas acinzentados, clarificando-
os e formando a partir deles os paradigmas necessários para o funcionamento
adequado da ciência em determinado contexto.
159
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
Outro sentido assumido pela ciência normal é que ela possui o caráter
cumulativo. Novos elementos, descobertas, são assumidos para aprimorar o
paradigma da ciência normal. A ciência normal se alimenta das descobertas, dos
avanços em diversas áreas, para constituir o arcabouço explicativo em torno de
seus problemas.
160
TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
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TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
164
TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
Mas nisto tudo há uma noção que fica para a comunidade científica,
qual seja: a de que a partir de um novo paradigma temos o progresso. Em
outras palavras, quando um paradigma se apresenta firme, sólido, consistente,
por certo tempo irrefutável, a comunidade científica o interpreta como avanço,
como progresso com relação ao paradigma anterior, passando a concatenar as
tendências científicas.
Mas, nesta perspectiva vale inquirir: concatena tendência para qual lugar?
Se há um sentido, qual é? Há direção? Progresso em que direção e em relação a
que? Evidentemente que não é nossa pretensão oferecer respostas a todas estas
questões, mas à luz das reflexões de Thomas Kuhn (1998) podemos ensaiar a
seguinte resposta: o processo que vemos na evolução da ciência é um processo
de evolução a partir de estágios primitivos, o que não significa, porém, que tal
processo leve a pesquisa sempre para mais perto da verdade ou em direção a
algo, o que demonstra o caráter múltiplo da ciência e, sobretudo, que esta não
é calcada em uma teleologia, isto é, uma finalidade, uma única finalidade ou,
ainda, uma finalidade determinada.
165
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
O que está em jogo, com estas colocações, é demonstrar que a ciência opera
com um conceito de objetivo diferenciado, não tendo um lugar para chegar ou
progredir, mas que é um processo acumulativo de contradições, de paradigmas,
que se revolvem no seio da sociedade científica e que lhe permite confrontar-
se com os desafios e problemas de seu tempo. Ou seja, não há uma evolução
determinista no seio da ciência, de paradigma em paradigma, mas um processo
de agregação e substituição de saberes.
166
TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
Além das obras publicadas por Popper, vale menção aos seus seminários
e simpósios, muito requisitados em suas atividades como professor na Inglaterra.
167
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
Vejamos:
168
TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
UNI
Duas áreas, por não possuírem este princípio falseador, Popper vai criticar: a
psicanálise e o marxismo, “[...] cujos universos teóricos restringem-se às explicações de seus
idealizadores e não dão condições de refutabilidade empírica”. (ARANHA, 2009, p. 383).
170
TÓPICO 2 | PENSADORES DA CIÊNCIA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
LEITURA COMPLEMENTAR 1
Thomas Kuhn
FONTE: KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Thomas Kuhn. Tradução Beatriz
Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 219-221.
173
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
LEITURA COMPLEMENTAR 2
Karl Popper
Poder-se-ia ainda tentar dirigir contra mim as críticas que dirigi ao critério
de demarcação indutivista: poderia de fato parecer que contra a falsificabilidade
como critério de demarcação seja possível levantar críticas semelhantes às que eu,
de minha parte, levantei contra a verificabilidade.
Uma terceira objeção pode talvez parecer mais séria. Pode-se dizer que,
mesmo admitindo a assimetria, ainda é impossível, por várias razões, que um
sistema teórico qualquer possa ser falsificado de modo conclusivo. Com efeito,
sempre é possível encontrar alguma escapatória para fugir da falsificação; por
exemplo, introduzindo ad hoc uma hipótese auxiliar ou, então, transformando ad
hoc uma definição. É também possível adotar a posição que consiste, simplesmente,
em rejeitar qualquer experiência falsificante, sem que isso leve a contradições.
É verdade que normalmente os cientistas não procedem deste modo, mas tal
procedimento é logicamente possível; e a menos que se possa sustentar é que este
fato torna duvidoso o valor do critério de demarcação que propus.
Devo admitir que esta crítica é justa, mas nem por isso é necessário que eu
retire minha proposta que adota a falsificabilidade como critério de demarcação.
No § 20 e nos seguintes, com efeito, proporei que o método empírico seja caracterizado
como um método que exclui precisamente os modos de fugir da falsificação que,
como justamente insiste meu critério imaginário, são logicamente inadmissíveis.
FONTE: POPPER, Karl. Lógica da descoberta científica. In: REALE, Giovanni. História da filosofia.
v. 7: de Freud à atualidade. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo:
Paulus, 2006, p. 115-116.
175
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
LEITURA COMPLEMENTAR 3
Paul Feyerabend
176
RESUMO DO TÓPICO 2
• Thomas Kuhn: diz que há uma comunidade científica, que tem sua entrada
nos simples manuais de regras gerais que ela produz. No seu ponto de vista,
a ciência opera por paradigmas, isto é, por propostas provisórias de leis.
Quando os cientistas chegam a certa convenção, temos o que Kuhn chama
de Ciência Normal, que possui em seu seio um aparato relativamente fixo
(por exemplo: o médico, em suas atividades, não questiona a validade deste
aparato). Quando este aparato entra em crise, temos as revoluções científicas,
renovando a comunidade científica que não opera tendo em vista um fim, mas
para responder a demandas que lhe aparecem constantemente.
• Karl Popper: Karl Popper: para a ciência, muito mais do que os argumentos
científicos podem provar (verificar), está em jogo saber que eles podem falhar,
isto é, podem ser falseáveis, ou que podemos refutá-los pela experiência. Uma
ciência avança sobre os limites de seus processos; assim, por exemplo, a Teoria
da Relatividade avançou colocando os limites na teoria newtoniana.
177
AUTOATIVIDADE
2 O que é paradigma?
178
UNIDADE 3
TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
O debate a desencadear-se a partir deste momento está na centralidade das
perspectivas do mundo ocidental contemporâneo. Mais precisamente, a questão da
técnica remete diretamente ao debate sobre as implicações em torno da definição
de vida e das perspectivas ontológicas, éticas e políticas que se apresentam neste
contexto. Ou seja, de questionar: quais as consequências de uma visão de vida, de
mundo hegemonicamente amparado pela ciência e pela técnica?
179
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
2 A TÉCNICA
No mundo grego antigo, principalmente através da obra de Aristóteles,
a téchne está intimamente ligada à dimensão da estética. Para ele, a arte ocupa-
se da beleza que reflete um tipo ideal de realidade que na natureza se apresenta
de forma imperfeita. Nesta perspectiva, para Aristóteles o belo é um bem, um
valor universal desejável e alcançável pela via racional, mas também pela via
prática no exercício ético e político da polis. Proporciona aos seres humanos a
agradabilidade na contemplação das formas, do cosmo, da existência e da vida. É
um bem que agrada aos seres humanos e está vinculado ao plano das faculdades
cognitivas que procuram reconhecer na natureza, nos objetos e na própria vida, a
ordem, a simetria e a determinação.
Para Aristóteles “(...) há dois tipos de arte (téchne): artes mecânicas (que se
ocupam da produção de instrumentos de trabalho) e artes imitativas da natureza”.
(MONDIN, 1981, p. 104). As artes imitativas dizem respeito às belas artes (pintura,
escultura, arquitetura) e tinham para Aristóteles uma função pedagógica. Facilitam
e aprimoram o aprendizado em relação ao mundo, à natureza e à condição do ser
humano no cosmo. A outra função presente nas obras de arte, segundo Aristóteles,
é sua função catártica, expressa fundamentalmente nas peças teatrais, na poesia,
na música e na tragédia, pois possibilitavam aos cidadãos gregos a descarga das
tensões acumuladas na vida real, em sua cotidianidade.
UNI
• (1094 a) Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e
toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o
bem é aquilo a que todas as coisas tendem. (ARISTÓTELES, 1973, p. 249).
• “Ter inventado a tragédia é um glorioso mérito; e esse mérito pertence aos gregos.
Há, de fato, algo de fascinante no sucesso que conheceu esse gênero, pois ainda hoje
escrevemos tragédias, passados já 25 séculos. Tragédias são escritas por toda a parte,
no mundo todo. Mais ainda, continuamos, de tempos em tempos, a tomar emprestados
dos gregos seus temas e seus personagens: ainda escrevemos Electras e Antígonas. (...).
A tragédia grega apresentava, por meio da linguagem diretamente acessível da emoção,
uma reflexão sobre o homem. Sem dúvida, é por isso que, em épocas de crise e de
renovação como a nossa, sentimos a necessidade de um retorno àquela forma inicial do
gênero. (...). É essa a razão pela qual, ao escrever sobre a tragédia grega, somos obrigados
a lançar-nos em considerações sobre a filosofia dos autores, ou a falar dos deuses e dos
homens. (...). A tragédia grega sempre dá um testemunho sobre o homem em geral. (...)
essa noção dos limites inerentes à condição humana está sempre presente na tragédia
grega. (...). E o coro menciona, incansável a cada instante, a ação dessas forças sobre-
180
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
humanas. (...) A tragédia define-se muito mais pela natureza das questões que levanta do
que pelo tipo de respostas que oferece. E o trágico consiste em medir a sorte do homem
em geral, em função de desgraças individuais, muitas vezes excepcionais. (...) na tragédia
luta-se, tenta-se fazer o que se deve. E tudo o que se faz, seja o bem ou o mal, acarreta
sérias consequências. Isso, e nada além disso, constitui a tônica da tragédia. (ROMILLY,
1998, p. 7/148/152/153).
181
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
182
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
183
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
NOTA
184
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
construção de seu mundo, tendo como suporte a ciência e a técnica, agora elevadas à
condição de novas transcendências num mundo secularizado.
O Monte Olimpo figura na mitologia grega como a morada dos 12 deuses e cujo mais alto
posto era ocupado por Zeus. No entanto, se na dinâmica política sobre a qual se constituía
a mitologia grega, Zeus negociava constantemente a condição do exercício do poder com
os demais deuses, o âmbito técnico-científico exclui esta possibilidade, conduzindo os seres
humanos à potencialização de uma racionalidade instrumental que se justifica pelo seu
fazer. Ou seja, se algo é tecnicamente factível, que se faça, não necessitando de justificativas
éticas para sua execução e/ou implementação.
185
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
186
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
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TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
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TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
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UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
192
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
193
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
194
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
LEITURA COMPLEMENTAR
A QUESTÃO DA TÉCNICA
Martin Heidegger
195
UNIDADE 3 | A CIÊNCIA E SEUS CAMINHOS
Quem pretende negar que ela seja correta? É evidente que ela se adapta
ao que se tem diante dos olhos quando se fala de técnica. A determinação
instrumental da técnica é mesmo tão sinistramente correta que, ademais, ainda
serve para definir a técnica moderna, da qual outrora se supunha com razão ser
algo totalmente diferente e, por isso, algo de novo diante da técnica manual mais
antiga. Também a central de energia com suas turbinas e geradores é um meio
feito pelo homem para um fim estabelecido pelo homem. Também o avião a jato
e a máquina de alta frequência são meios para fins.
É correto dizer: também a técnica moderna é um meio para fins. Por isso, todo
esforço para conduzir o homem a uma correta relação com a técnica é determinado
pela concepção instrumental da técnica. Tudo se reduz ao lidar de modo adequado
com a técnica enquanto meio. Pretende-se, como se diz, “ter espiritualmente a técnica
nas mãos”. Pretende-se dominá-la. O querer-dominar se torna tão mais iminente
quanto mais a técnica ameaça escapar do domínio dos homens.
A questão da técnica
Mas, supondo que a técnica não seja um mero meio, como se coloca a
vontade de dominá-la? Havíamos dito, contudo, que a determinação instrumental
da técnica estava correta. Com certeza. A certeza afirma sempre alguma coisa que
é adequada ao que está à frente. Mas para ser correta, a afirmação não necessita
de modo algum desocultar em sua essência o que está à frente.
196
TÓPICO 3 | ÉTICA, CIÊNCIA E TÉCNICA
FONTE: HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. Scientiæ Zudia. São Paulo, v. 5, n. 3, p. 375,
2007. Disponível em: <http://www.scientiaestudia.org.br/revista/PDF/05_03_05.pdf>. Acesso em:
2 maio 2012.
197
RESUMO DO TÓPICO 3
198
• O deslocamento do eixo teocêntrico do mundo medieval para a perspectiva
antropocêntrica moderna decretava a morte de Deus como fundamento
transcendente, sobre o qual se fundamentavam as verdades reveladas, que
amparavam o homem no cosmo, que conferiam a ele sentido e finalidade
existencial, que orientavam seus pressupostos éticos e políticos. Assim, compete
ao homem e, somente a ele, desprovido inclusive de sua sombra, como propõe
Nietzsche em sua filosofia do meio dia, posicionar-se no mundo, dar forma
à vida, que lhe permita viver a intensidade das forças vitais, na sempiterna
dinâmica do vir-a-ser.
199
AUTOATIVIDADE
200
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti.
5. ed. SP: Martins Fontes, 2007.
201
CHAUÍ, M. et al. Primeira Filosofia: Lições introdutórias, São Paulo, Ed.
Brasiliense, 1984.
GUERRA, Jorge Acevedo. Meditación acerca de nuestra época: uma era técnica.
(In) SABROVSKY, Eduardo. La Técnica en Heidegger. Antologia de textos.
Santiago del Chile: Ediciones de la Universidad Diego Portales, 2006 - 2007.
202
HEIDEGGER, Martin. Marcas do caminho. Tradução de Enio Paulo Giachini e
Ernildo Stein; revisão da tradução de Marco Antônio Casanova. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2008. (Coleção Textos Filosóficos).
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5. ed. Trad. Emanuela Pinto dos
Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa-PT: Ed. Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001.
______. Crítica da Razão Pura. Tradução Valério Rodhen. São Paulo: Editor
Victor Civita, 1974, (Coleção Os Pensadores).
203
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o
pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 8. ed. RJ: Bertrand Brasil, 2003.
______. Introdução à Filosofia. Miguel Reale. 3. ed., atual. São Paulo: Saraiva, 1994.
RIBEIRO, Renato Janine. O que é a verdade? Filosofia: Ciência & Vida. São
Paulo, n. 39, p. 34-35, mensal, 2010.
204
SANTOS, Boaventura Souza. Um discurso sobre as Ciências. 7. ed. Porto,
Portugal: Edições Afrontamento, 1987.
VERNANT, Jean Pierre. Mito e Pensamento entre os Gregos. 2. ed. SP: Terra e
Paz, 2008.
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ANOTAÇÕES
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