A História Da Expansão Da Inclusão Escolar
A História Da Expansão Da Inclusão Escolar
A História Da Expansão Da Inclusão Escolar
RESUMO: Na transição do século XX para o XXI, com o advento do movimento internacional para a Educação Inclusiva, a
Educação Especial brasileira começou a traçar novos rumos para sua história, e transformações significativas na condução das
políticas educacionais começaram a ocorrer em todo o país. Considerando que a história da Educação Especial brasileira tem sido
descrita predominantemente com base em textos oficiais, o presente estudo teve como objetivo recontar e analisar as histórias
sobre a repercussão da expansão da inclusão escolar e as demandas para o ensino comum em um jornal de grande circulação no
país. O corpus documental foi constituído por 295 textos publicados no jornal O Estado de S. Paulo no período de 1997 a 2004,
que dispuseram ao menos de um descritor previamente estabelecido. Ao se resgatar algumas histórias contadas pelo jornal, pôde-se
identificar o aumento no número de matrículas do público-alvo da Educação Especial no ensino regular, com destaques para a
exposição de experiências bem-sucedidas de inclusão escolar nas escolas privadas, ao passo que, no caso das escolas públicas, foram
retratados problemas e desafios. Assim, a ideologia decorrente do confronto dessas histórias é discutida.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial. História. Inclusão escolar. Jornal.
ABSTRACT: In the transition from the 20th to the 21st century, with the coming of the international movement to Inclusive
Education, the Brazilian Special Education started to draw new directions to its history, and significant transformations in the
conduct of education policies began to occur throughout the country. Considering that the history of Brazilian Special Education
has been described predominantly based on official texts, this study had the objective of retelling and analyzing the stories about
the repercussion of the expansion of school inclusion and the demands for the regular teaching in a newspaper of great circulation
in the country. The documentary corpus consisted of 295 texts published in the newspaper O Estado de S. Paulo from 1997 to
2004, which were disposed of at least one describer, previously established. By bringing back some stories told by the newspaper,
it was possible to identify an increase in the number of enrollments of the target population of Special Education in regular
education, with an emphasis on the exposition of successful experiences of school inclusion in private schools, whereas, in the
case of public schools, problems and challenges were portrayed. Thus, the ideology arising from the confrontation between these
stories is discussed.
KEYWORDS: Special Education. History. School Inclusion. Newspaper.
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de prova e verdade histórica (Meirelles, 2002). Contudo, a noção de documento, como fonte
histórica válida, foi reformulada, originando a chamada revolução documental. Em meados do
século XX, o entendimento sobre o que vem a ser um documento foi ampliado, aceitando-se
textos escritos e, também, “[…] documentos de natureza iconográfica e cinematográfica, ou de
qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos do cotidiano, elementos folclóricos etc.”
(Cellard, 2008, p. 297).
Vale destacar as contribuições ímpares da Escola dos Annales para a revolução docu-
mental e dos modos de se pensar e fazer história. Assim, a disciplina História deixou de ser
entendida como a ciência que investiga e reconstitui o passado, e passou a ser compreendida
como a ciência que estuda o homem em determinado tempo e espaço social, ressaltando a
importância da compreensão dos processos históricos, de questioná-los e analisá-los de forma
crítica e contextualizada. Nas palavras de Le Goff (2003, p. 15), simplesmente a “ciência da
mutação e da explicação dessa mudança”.
A História da Educação Especial brasileira, por outro lado, tem sido um tema pouco
abordado nas pesquisas, principalmente de estudos usando fontes não tradicionais. Em revi-
são atualizada dos artigos disponibilizados no Portal de Periódicos da Capes, identificaram-se
apenas 22 artigos relacionados a esse tema, e, embora se observe ao longo da última década um
aumento significativo da produção científica sobre o assunto – considerando-se uma produção
de quatro artigos de 1993 a 2009 contra 18 textos publicados entre 2010 a 2017 –, em nú-
meros absolutos, o crescimento identificado é ainda tímido. A Revista Brasileira de Educação
Especial (RBEE) foi a que mais publicou sobre o tema, com 13 artigos publicados nos últimos
15 anos. Tal dado mostra uma mudança importante para a área, considerando que, até o ano
de 2002, apenas um artigo sobre história da Educação Especial havia sido publicado na revista,
configurando um dos temas de mais baixa produção veiculado pela RBEE (Manzini, 2003).
Quanto aos artigos publicados nos últimos 25 anos sobre a História da Educação
Especial, percebe-se que há um movimento de renovação das fontes do saber histórico. A
principal fonte foi a própria produção acadêmica (n=8); a segunda, os textos oficiais (n=6),
com destaque para a utilização dos textos legislativos e normativos de âmbito nacional para a
Educação Especial, sobre a política atual sob a perspectiva da Educação Inclusiva. Ainda que
apresentando frequência baixa (n=7), considera-se relevante destacar a utilização dos relatos
orais de pessoas com deficiência (n=5) e de professores (n=2) como fonte do saber histórico.
Com esses estudos, pode-se observar, no campo da Educação Especial, o acompanhamento do
início de uma tendência da diversificação das fontes, bem como a valorização de personagens
até então ignorados pelos estudos históricos.
Especificamente no campo da História da Educação, novas fontes documentais pas-
saram a ser consideradas válidas e valiosas, como, por exemplo, “as tradições orais, as publi-
cações periódicas, as biografias e as autobiografias, os relatos de vida escolar, a iconografia, os
materiais didáticos, os cadernos escolares” (Nóvoa, 1997, p. 19), revelando novas histórias, a
partir de diferentes perspectivas, olhares e fontes. Zanlorenzi (2010, p. 64) aponta a utilização
do jornal, e da mídia impressa em geral, como fonte documental histórica promissora, pois
permite “analisar o contexto educacional e as relações envolvidas nesse processo”.
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Baseando-se em dados publicados pelo Censo Escolar, de 2001 a 2004, nesse perío-
do, cinco matérias noticiaram o aumento significativo no número de matrículas de estudantes
público-alvo da Educação Especial no sistema regular de ensino. No dia 24 de maio de 2002,
a matéria intitulada Aumenta procura de deficientes por ensino público noticiou o aumento no
número de matrículas de alunos público-alvo da Educação Especial, em tom de comemora-
ção. Segundo a matéria, entre os anos de 1998 e 2001, houve um aumento correspondente a
54% no número de matrículas em escolas comuns, totalizando 78.274 matrículas, destacando,
entretanto, a concentração de alunos em turmas do Ensino Fundamental e a prevalência das
condições de deficiência intelectual e auditiva.
Entretanto, há de considerar-se que a concentração de matrículas no Ensino
Fundamental não era característica apenas do alunado da Educação Especial, uma vez que a
faixa de escolarização obrigatória na época era dos 7 aos 14 anos de idade, etapa correspondente
ao Ensino Fundamental. Além disso, destacam-se outros fatores que possivelmente contri-
buíram para isso, tais como a escassez de escolas de Educação Infantil, o gargalo existente na
passagem entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, e os problemas de evasão escolar.
Contudo, a matéria também deixou claro que o maior número de matrículas, ou seja, mais de
245 mil, ainda se concentrava fora do ensino regular, em instituições especializadas.
Ainda no ano de 2002, a expansão nas matrículas nacionais voltou a ser noticiada,
mas, dessa vez, com base nos dados do Censo Escolar de 2002, notificando um aumento de
36%. Tomando como base o número de matrículas do ano anterior (78.274), o número noti-
ciado passou a representar mais de 106.400 matrículas. A matéria publicada em 2 de setembro
de 2003, Cresce inclusão de alunos especiais nas escolas, nas duas edições do jornal, com chamada
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em primeira página, dedicou-se à discussão da expansão das matrículas dos alunos público-alvo
da Educação Especial no ensino comum. Os dados do Censo Escolar de 2003 apresentados
indicaram o aumento de 30,6%, chegando-se a 144.583 matrículas na Educação Básica. No
final do ano de 2004, os dados do censo foram retomados, noticiando novamente o aumento
das matrículas. Segundo a matéria, em 1998, quando o Censo Escolar começou a pesquisar so-
bre os alunos da Educação Especial, somente 13% das matrículas do público-alvo da Educação
Especial estavam no ensino comum, e, no ano de 2004, o número de matrículas subiu 34,4%.
Contudo, cabe destacar a inconsistência dos dados, em termos numéricos, apresen-
tados nas matérias. O estudo de Meletti e Bueno (2011), sobre os indicadores sociais do Censo
Escolar no âmbito da Educação Especial, apontou que, em 2001, o número de 78.274 matrí-
culas foi em classe especial, e não em classes comuns como induzido pela matéria. Segundo os
autores, o número de matrículas no ensino comum foi: 81.344 no ano de 2001, 110.704 em
2002, 145.141 em 2003 e 195.370 em 2004.
Além das inconsistências apresentadas, é preciso considerar que as próprias sinopses
estatísticas do Censo Escolar apresentavam imprecisões no método de coleta de dados em re-
lação à Educação Especial, conforme discutido por Meletti e Bueno (2011), devido a diversos
fatores, tais como: a) as categorias referentes aos grupos que compunham o público-alvo da
Educação Especial variaram na pesquisa do Censo Escolar de um ano para outro, ocasionando
imprecisões nos dados de matrículas; b) apesar da legislação educacional brasileira deixar claro
quais grupos compunham o público-alvo, a classificação ainda era muito arbitrária, principal-
mente em se tratando da condição de deficiência intelectual. Assim, a prevalência de alunos ca-
dastrados com deficiência intelectual no Censo Escolar, e também nos textos do jornal, precisa
ser analisada com cautela, pois não se pode desconsiderar o vínculo estabelecido historicamente
entre fracasso escolar e a deficiência intelectual, na qual a condição do aluno foi, e ainda é,
utilizada como justificativa do não aprender, além da precariedade que envolve o processo de
avaliação e diagnóstico de deficiência intelectual (Veltrone, 2011).
Apesar das limitações apresentadas, ano a ano, o aumento de matrículas de alunos
público-alvo da Educação Especial foi pauta no jornal, e, considerando-se o aumento do acesso
à escola, o primeiro passo para que a inclusão escolar seja efetivada, embora seja necessário ga-
rantir o acesso, é preciso também garantir a permanência e o sucesso escolar desse alunado nas
escolas de ensino regular (Mendes, 2006).
Em decorrência de diretrizes internacionais (UNESCO, 1990, 1994) adotadas e im-
pulsionados pela Legislação Federal (Lei Nº 9.394/1996; Ministério da Educação [MEC],
2001), mudanças em contextos locais foram então sendo percebidas. O acesso do público-alvo
da Educação Especial à escola comum passou a receber atenção social e se tornou um tema
popular. Entre os anos de 1998 e 2004, histórias sobre algumas experiências de inclusão es-
colar foram narradas pelo jornal, apontando essa forma de escolarização como uma tendência
crescente em escolas públicas e privadas. A seguir será descrito o foco dessas matérias quando o
assunto eram escolas privadas ou públicas.
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Cabe destacar que, na matéria em questão, a condição de autismo foi referida como uma condição de deficiência.
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Uma vitória na luta pela igualdade: Aluno com problemas de visão muda rotina, mas
amplia as possibilidades de aprendizado de uma turma tradicional foi o título de uma matéria
publicada no dia 19 de novembro de 2004, em destaque no jornal, com uma página e meia,
incluindo fotos. O texto foi dedicado a relatar a experiência de escolarização de um garoto de
três anos de idade, com baixa visão, em uma escola particular de Educação Infantil, abordando
os fatores que levaram a família a escolher uma escola comum, bem como suas expectativas. A
mãe do aluno, uma administradora de empresas, contou que não havia sido fácil a decisão de
matricular o filho em uma escola comum, mas que, no entanto, o desenvolvimento social e a
convivência junto às crianças sem deficiência foi, em sua opinião, decisivo. Passado o período
de adaptação, família e escola avaliaram de forma positiva o desenvolvimento social do garoto.
Em relação ao ensino, a turma era composta por 15 alunos e contava com uma auxiliar cuja
incumbência era de acompanhar mais de perto o aluno com baixa visão. Entretanto, foi ressal-
tado o engajamento de toda a equipe escolar, inclusive em capacitação docente para o trabalho
pedagógico adequado às condições do aluno, conforme evidenciado na Figura 2.
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O convívio entre alunos com e sem deficiência também obteve destaque, reiterada-
mente em matérias que destacaram a importância dessa interação desde a mais tenra idade, e
o aprendizado sobre o respeito às diferenças e à diversidade, conforme se pode observar nos
trechos selecionados a seguir na Figura 3.
Assim, a convivência entre os alunos foi considerada um benefício, para que as crian-
ças aprendessem a conviver e respeitar a diversidade e a especificidade de cada um, além de des-
mistificar a condição de deficiência, fazendo com que todos compreendessem que as diferenças
existiam, mas que deviam ser vistas de forma natural. No entanto, faz-se necessário refletir se
somente a convivência e a socialização seriam capazes de acabar com preconceitos e estereóti-
pos e se seria apenas esta a função da escola para com essa população, ou seja, a de promover a
socialização e a mudança nas atitudes dos alunos sem deficiência.
Na perspectiva de garantia do direito à educação, caberia destacar que somente o
acesso à escola comum e a convivência dos alunos não é suficiente. Para minimizar preconceitos
e estereótipos, é preciso um trabalho pedagógico consciente e organizado de forma a permitir
que os alunos realmente aprendam a respeitar as diferenças. Entretanto, isso tudo não exime a
escola de dar acesso ao currículo a todos os alunos, à medida que a presença dos alunos público-
-alvo da Educação Especial nas escolas comuns deve ir muito além da convivência e da socia-
lização. Nos textos, a questão da socialização ganhou maior ênfase do que a questão do acesso
ao currículo, induzindo ao entendimento de que esta é a razão de se desenvolver ambientes
escolares inclusivos.
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pedimentos. Assim, tendo em vista os índices das avaliações em larga escala, os indicadores do
censo escolar (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP],
2017) e pesquisas sobre as condições educacionais, de forma geral, pode-se constatar que as
más condições de ensino e a necessidade de reestruturação do sistema educacional não se faz
necessária apenas para os alunos público-alvo da Educação Especial.
A crise educacional é geral, e, por isso, a escola precisa mudar por e para todos.
Entretanto, as dificuldades foram evidenciadas nas matérias de jornal quando envolveram essa po-
pulação específica e as escolas públicas, embora a responsabilidade pelas dificuldades no discurso
jornalístico ainda tenham sido atribuídas à condição dos alunos e não à crise educacional do país.
A reestruturação necessária do ensino e das escolas também foi abordada nas maté-
rias. Ao longo dos textos que abordaram o tema de inclusão escolar, diversas ressalvas foram re-
alizadas, sobretudo em relação à inclusão escolar nas escolas da rede pública de ensino, estadual
e municipal. As más condições do ensino público foram apontadas e colocadas como fatores
que impediam o sucesso da proposta.
A Figura 5 ilustra, em três excertos das matérias, as narrativas recorrentes nos tex-
tos, em que, ao mesmo tempo que se reconhece a importância da inclusão escolar, se fazem
ressalvas.
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Além do título, o início do texto também foi bastante impactante, ao apontar cenas
de preconceitos vivenciadas por alunos com deficiência, em turmas do ensino comum, prin-
cipalmente da parte dos professores. No entanto, o texto esclarecia que a ação dos professores
participantes da pesquisa foi decorrente do despreparo que, sem qualquer tipo de capacitação
ou apoio especializado, recebiam em suas turmas algum aluno com deficiência. O texto in-
formou que os alunos com deficiência eram isolados em determinados espaços da sala de aula
pela professora como uma medida preventiva, como, por exemplo, no caso de um aluno com
deficiência visual que ficava a frente de todos, próximo à professora para não ser agredido pelos
colegas, além de outro caso de aluno com deficiência intelectual, que ficava em um canto ao
fundo da sala de aula para não agredir seus colegas. Sobre esse aspecto residem dois problemas:
1) justificar os problemas de comportamento e indisciplina com base na condição dos alunos
e em estereótipos; e 2) visão preconceituosa da pessoa com deficiência como indefesa ou como
incontrolável.
A segunda cena de preconceito narrada esteva relacionada ao aluno com deficiência
visual, alfabetizado por meio do sistema Braille. Em uma aula, foi observado que a professora
se negou a corrigir o trabalho do aluno escrito por meio do sistema Braille, porque ela não en-
tendia os pontinhos (fala da professora na matéria) e não reconhecia o sistema Braille com uma
forma legítima de escrita.
A capacitação docente foi então apontada como necessária e urgente para que cenas
como essas não se repetissem. Além das dificuldades no ensino do conteúdo escolar para os
alunos com deficiência, em função das especificidades de cada grupo e sujeito do público-alvo
da Educação Especial, foi destacado que, sem a devida orientação, os estereótipos e os precon-
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ceitos dos professores poderiam ser reforçados, comprometendo duas premissas da inclusão
escolar: a permanência e o sucesso escolar.
Em um contexto que destacava com frequência a demanda por formação, a capacita-
ção docente, a realização de diversos cursos de formação foi divulgada pelo jornal OESP, entre
os anos de 1998 e 2004, tanto por instituições particulares quanto pelos Governos, Federal e do
estado de São Paulo. Além disso, notou-se que as instituições particulares de Ensino Superior,
Universidades e Faculdades, veicularam diversas propagandas de cursos de especialização, e
que, entre os cursos ofertados, havia os de especialização na área da Educação Especial, com
foco na Educação Inclusiva, apesar de diferentes nomes serem utilizados por cada instituição
de ensino para determinar esse tipo de formação.
Assim, com diversas críticas ao ensino público e à formação docente deficitária, os
Governos Federal e Estadual de São Paulo também anunciaram suas iniciativas para lidar com
o problema, visando a melhoria nas condições de ensino. Na matéria intitulada Estado promete
melhorar programa, a Secretaria de Estado da Educação admitiu as falhas no ensino e prometeu
mudar o quadro até o ano de 2002, por meio da capacitação de 104 mil professores da rede e
da parceria com o Governo Federal, o qual distribuiria livros didáticos em Braille e promoveria
cursos de capacitação a distância.
Cabe destacar que, no mesmo dia, no caderno principal do jornal, três matérias
foram publicadas sobre a inclusão escolar na rede pública do estado de São Paulo, duas delas
tecendo críticas e denunciando as carências da rede pública, e a outra apresentando algumas
medidas do Governo Estadual e Federal para minimizar os problemas. A Figura 7 apresenta o
layout da página em que os textos foram publicados. O destaque foi dado para as matérias que
abordaram as dificuldades da escola pública e denunciaram as más condições do ensino que
prejudicavam o processo de inclusão escolar. Contudo, a matéria com o pronunciamento do
Governo Estadual e a promessa de mudança apareceu como uma medida redentora para en-
volver o leitor, a favor do Governo Estadual, pois ao mesmo tempo que se fazia uma denúncia
à política, se oferecia ao Governo Estadual a oportunidade de se retratar e de justificar os fatos,
no final da página.
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Outro aspecto que ganhou visibilidade foi a ressalva sobre a quantidade de alunos nas
classes comuns. Nas matérias sobre escolas particulares, foi destacado que o número de alunos
nas salas foi reduzido quando alunos com deficiência foram inseridos, realidade não adotada na
rede pública, criticada pelo alto número de alunos na sala. Tal fator, como alegado, dificultaria
o trabalho do professor em dispensar a atenção necessária aos alunos, sobretudo aos alunos
público-alvo da Educação Especial, que supostamente demandariam mais apoio no processo
de aprendizagem.
Conhecer e reconhecer as dificuldades do sistema educacional faz-se fundamental
para que medidas sejam adotadas a fim de superá-las, assim como é primordial que os meios de
comunicação em massa, como o jornal, esteja atento e denuncie essa realidade, que seja crítico
às condições educacionais e à organização do sistema. Entretanto, é preciso cautela para que
essas questões não sejam utilizadas como justificativas para não se garantir o direto dos alunos
público-alvo da Educação Especial, e, principalmente, para que a condição desse alunado não
seja utilizada como explicação às dificuldades que as escolas apresentam.
4 Considerações finais
Ao final da década de 1990, o debate sobre a inclusão escolar começou a ganhar
espaço, ainda que restrito, no jornal OESP. O aumento no número de matrículas dos alunos
público-alvo da Educação Especial foi notícia ano a ano, trazendo os dados do censo escolar,
que, embora inconsistentes, foram utilizados como prova de resultados da implementação de
políticas educacionais inclusivas, que visavam a garantia de acesso do público-alvo da Educação
Especial à escolarização formal.
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rádio, televisão, internet e vídeo educativo –, surgem como as principais alternativas para essa
mudança de larga escala.
No caso específico do jornal impresso, como veículo de comunicação de massa, ao
mesmo tempo que reproduz as representações coletivas sobre deficiência da sociedade em geral,
também pode ter um papel fundamental como divulgador de mensagens, as quais deveriam
contribuir para a transformação do imaginário social e do estigma. No caso, percebe-se que
ainda predominam mensagens contraditórias que enfatizam a melhor qualidade das escolas pri-
vadas, que valorizam as instituições especializadas filantrópicas e, ao mesmo tempo, colocam os
impedimentos decorrentes das deficiências no cerne das impossibilidades das escolas públicas
se constituírem como espaços cada vez mais inclusivos.
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