CANCLINI - Culturas Hibridas
CANCLINI - Culturas Hibridas
CANCLINI - Culturas Hibridas
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J~SI
. h 1.,
Copyng .., 1989 by Nestor Garcia Canclini
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4.tt .
Dados lnternacionais de Cataloga,ao na Publica(.ao (CIP)
(Camara BraSileira do Livro, SP, Brasil)
Printed in Brazil 20 J5
mais heterogeneas a outras mais homogeneas, e depois a outras relati- de uma cren~a do seculo XIX,
textos recentes, trata-se do prolongamento
vamente mais heterogeneas, sem que nenhuma seja "pura" ou plena- quando a hibrida~iio era considerada com desconfian~a ao supor que
mente homogenea. . . D d que em 1870 Mendel mos-
prejudicaria o desenvolv1mento socia 1. es e , • • .
A multiplica~iio espetacular de hibrida~oes durante o seculo XX . .d entos geneticos em botam-
trou o enriquec1mento produz1 o por cruzam , . ,
niio facilita precisar de que se trata. Epossivel colocar sob um so termo ca abundam as hibrida~oes ferteis para aproveitar caractenSllCas de ce-
fatos tao variados quanto os casamentos mesti~os, a combina~ao de an- lu;as de plantas diferentes e melhorar seu crescimento, resistenci~, qua-
cestrais africanos, figuras indigenas e santos catolicos na umbanda bra- lidade, assim como O valor economico e nutritivo de alimentos denvados
sileira, as collages publicitarias de monumentos historicos com bebidas e delas (Olby; Callender). A hibrida~ao de cafe, flores, cereais e outros pro-
carros esportivos? Algo freqiiente como a fusiio de melodias etnicas com dutos aumenta a variedade genetica das especies e melhora sua sobrevi-
musica classica e contemporanea ou com o jazz ea salsa pode ocorrer em vencia ante mudan~as de habitat ou climaticas.
fenomenos tao diversos quanto a chicha, mistura de ritmos andinos e De todo modo, nao ha por que ficar cativo da dinamica biologi-
caribenhos; a reinterpreta~iio jazzistica de Mozart, realizada pelo grupo ca da qual toma um conceito. As ciencias sociais importaram muitas no-
afro-cubano Irakere; as reelabora~oes de melodias inglesas e hindus ~oes de outras disciplinas, que nao foram invalidadas por suas condi-
efetuadas pelos Beatles, Peter Gabriele outros musicos. Os artistas que ~oes de uso na ciencia de origem. Conceitos biologicos como o de re-
exacerbam esses cruzamentos e os convertem em eixos conceituais de produ~ao foram reelaborados para falar de reprodu~ao social, econo-
seus trabalhos niio o fazem em condi~oes nem com objetivos semelhan- mica e cultural: o debate efetuado desde Marx ate nossos dias se esta-
tes. Antoni Muntadas, por exemplo, intitulou Hibridos o conj unto de pro- belece em rela~iio com a consistencia teorica e o poder explicativo desse
jetos exibidos em 1988 no Centro de Arte Rainha Sofia, de Madri. Nessa termo, niio por uma dependencia fatal do sentido que the atribuiu ou-
ocasiao, insinuou, mediante fotos, os deslocamentos ocorridos entre o an- tra ciencia. Do mesmo modo, as polemicas sobre o emprego metafori-
tigo uso desse edificio como hospital e o destino artistico que depois the co de conceitos economicos para examinar processos simbolicos, como
foi dado. Em outra ocasiiio, criou um website, o hybridspaces, no qua! ex- o faz Pierre Bourdieu ao referir-se ao capital cultural e aos mercados
plorava montagens em imagens arquitetonicas e midiaticas. Grande par- lingiiisticos, niio tern que centrar-se na migra~ao <lesses termos de uma
te de sua produ~ao resulta do cruzamento multimidia e multicultural: a disciplina para outra, mas, sim, nas opera~oes epistemologicas que si-
imprensa e a publicidade de rua inseridas na televisao, ou os ultimos dez tuem sua fecundidade explicativa e seus limites no interior dos discur-
minutos da programa~ao, da Argentina, do Brasil e dos Estados Unidos sos culturais: permitem ou nao en tender melhor algo que permanecia
vist_os si'.11ultaneamente, seguidos de um plano-seqiiencia que contrasta inexplicado?
a divers1dade da rua nesses paises com a homogeneidade televisiva. A constru~iio lingiiistica (Bakhtin; Bhabha) e a social (Friedman;
.. Qual_ 6 a utilidade de unificar sob um s6 termo experiencias e dis- Hall; Papastergiadis) do conceit_o de hibrida~ao serviu para sair dos dis-
po_s•t•v~s tao ~e~erogeneos? Convem designa-los com a palavra hibrido, cursos biologisticos e essencialistas da identidade, da autenticidade e da
CUJa ongem bwlogica levou alguns autores a advertir sobre o risco de tras- pu_re~a cult~ral. Contribuem, de outro !ado, para identificar e explicar
passar a sociedade ea cultura a esterilidade que costuma ser associada a muluplas ahan~as fecundas: por exemplo, o imaginario pre-colombiano
esse termo? Os que fazem essa crftica recordam o exemplo infecundo da com o novo-hispano dos colonizadores e de pois com O d as m · d ustnas
- · cu I-
mula (Cornejo Polar, 1997). Mesmo quando se encontra tal obje~ao em . turais (Bernand; Gruzinski), a estetica popular com a dos turistas (De
XXII CULTURAS HIBRIDAS
XXIII
INTRODU(AO A EDl(AO DE 2001
cos, mas alguns se "chica,:iizaram"' ao viajar aos Estados Unidos; outros . _ 'fi a~iio globalizada dos pro-
rcmodelam seus habitos no tocante as ofertas comunicacionais de massa; ambivalencias da industriahzai;:ao e da mass1 IC .
ff d . oder que susc1tam .
outros adquiriram alto nivel educacional e enriqueceram seu patrim6nio cessos simb6licos e dos con nos e P . d . I ibrida~iio e que pode
Outra <las obje~oes formuladas ao conce1to e 1 . - -
tradicional com saberes e recursos esteticos de varios paiscs; outros se in- dar sufic1ente peso as con
sugerir facil integrai;:iio e fusiio de culturas, sem - d p .
corporam a cmpresas coreanas ou japonesas c fundem seu capital etnico
tradi~oes e ao que nao se deixa hibridar. A afortunada observa~ao e mna
com os conhecimentos e as disciplinas <lesses sistemas produtivos. Estudar h'bridar nos forma coma
Wehner de que o cosmopolitismo, ao nos I ' • •
processos culturais, por isso, mais do que levar-nos a afirmar identidades . An · Corne10 Polar assma-
"guurrnets multiculturais" corre esse nsco. tomo " .
auto-suficientes, serve para conhecer formas de situar-se em meio a desse tema a "1mpres-
lou em varios autores de que nos ocupamos, acerca ' . "
heterogeneidade e entender coma se produzem as hibrida~oes. , 'd c d " "o tom celebrauvo com
sionante lista de produtos h1bn os ,ecun os e
que falamos <la hibridai;:iio coma harmoniza~iio de mundos "fragmenta-
dos e beligerantes" (Cornejo Polar, 1997). Tambemjohn ~ani_auskas
DA DESCRl(i,O AEXPLICA(i,O considerou que, coma O conceito de reconversiio indica a uuhzai;:ao pro-
dutiva de recursos anteriores em novas contextos, a lista de exemplos
Ao reduzir a hierarquia dos conceitos de identidade e heterogenei- analisados neste Jivro configura uma visiio "otimista" <las hibridai;:oes.
dadc em beneficio da hibrida~ao, tiramos o suporte <las politicas de ho- Efactivel que a polemica contra o purismo e o tradicionalismo fol-
mogeneiza~ao fundamentalista ou de simples reconhecimento (segrega- cl6ricos me tenha levado a preferir os casos pr6speros e inovadores de
do) da "pluralidade de culturas". Cabe perguntar, entao, para onde con- hibridai;:ao. Entretanto, hoje se tornou mais evidente o sentido contradi-
duz a hibrida~ao e se serve para reformular a pesquisa intercultural e o t6rio das misturas interculturais.Justamente ao passar do carater descri-
projeto de politicas culturais transnacionais e transetnicas, talvez globais. tivo da no~iio de hibrida~iio - coma fusao de estruturas discretas - a
Uma dificuldade para cumprir esses prop6sitos e que os estudos elabora-la coma recurso de explica~ao, advertimos em que casos as mis-
sabre hibrida~ao costumam limitar-se a descrever misturas interculturais. turas podem ser produtivas e quando geram conflitos devido aos quais
Mal come~amos a avan~ar, coma parte da reconstru~ao sociocultural do permanece incompativel ou inconciliavel nas praticas reunidas. 0 pr6prio
conceito, para dar-lhe poder explicativo: estudar os processos de Cornejo Polar contribuiu para esse avan~o quando diz que, assim coma
hibrida~ao situando-os em rela~oes estruturais de causalidade. E dar-lhe se "entra e sai da modernidade", tambem se poderiam entender de modo
capacidade hermeneutica: torna-lo util para interpretar as rela~oes de sen- hist6rico as varia~oes e os conflitos da metafora de que nos ocupamos se
tido que se reconstroem nas misturas. falassemos de "entrar e sair da hibridez" (Cornejo Polar, 1997).
Se qucremos ir alem de liberar a analise cultural de seus tropismos Agrade~o a esse au tor a sugestao de aplicar a hibrida~ao essc movi-
fundamentalistas identitarios, deveremos situar a hibrida~ao em outra mento de transito e provisionalidade que coloquei no livro Culturas Hi-
rede de conceitos: por excmplo, contradi~ao, mesti~agem, sincretismo, bridas, desde o subtitulo, coma necessario para en tender as estrategias de
transcultura~ao e criouliza~ao. Alem disso, e necessario ve-la em meio as entrada e saida da modernidade. Sc falamos da hibrida~iio coma um pro-
cesso ao qua! e passive! ter acesso e que sc podc abandonar, do qua! po-
• OziamizaNt: tornar-se chicano. 0 chicanoi: o cidadao dos Estados Unidos pertencente aminoria de
demos ser excluidos ou ao qua! nos podem subordinar, entcnderemos as
origem mexicana ali existente [N. da T.]. posi~oes dos sujeitos a respeito das rela~oes interculturais. Assim se tra-
XXVI CULTURAS HIBRIDAS XXVII
INTRODU~Ao A EDl~Ao DE 2001
nas. Nao obstanle, esse conceilo e insuficienle para nomear e explicar as . . . ue o [ranees teve na America e no
!ico de escravos. Aphca-se as m1sLUras q 1'nd1·co
formas mais modernas de inlerculluralidade. M · · ca) e no oceano
Caribe (Louisiane, Haili, Guadalupe, arlll11 , . G . , C bo Ver-
Duranle muilo Lempo, foram esLUdados mais os aspeclos fisionomi- , . • na Afnca ( ume, a
(Reuniao as ilhas Maunc10), ou O portugues
cos e cromaticos da mesti~agem. Acor da pele e os lra~os fisicos conli- de) no ~aribe (Cura~ao) e na Asia (India, Sri Lanka). Dado que a pre-
1mam a pesar na conslfu~ao ordinaria da subordina~ao para discriminar ' I'd d scritura entre seLOres
senta Lensoes paradigmaticas enLre ora ' a e e e ,
indios, negros ou mulheres. EnlrelanLO, nas ciencias sociais e no pensa- cultos e populares, em um continuum de diversidade, Ulf Hannerz suge-
menlo politico democratico, a mesti~agem situa-se alualmenle na dimen- re estender seu uso ao ambito transnacional para denominar "processos
sao cullural das combina~oes identilarias. Na anlropologia, nos esludos de confluencia cultural" caracterizados "pela desigualdade de poder, pres-
cullurais e nas politicas, a quesliio e abordada como o projelo de formas Ligio e recursos materiais" (Hannerz, 1997). Sua enfase em que os fluxos
de convivencia multicullural moderna, embora eslejam condicionadas crescentes entre cenlfo e periferia devem ser examma · d os,Jun
· l com as
°
pela mesti~agem biol6gica. assimetrias enlfe 0s mercados, os Estados e os niveis educacionais, ajuda
Algo semelhanle ocorre com a passagem das misluras religiosas a a evitar O risco de ver a mesti1:agem como simples homogeneiza~ao e re-
fusoes mais complexas de cren~as. Sem duvida, e apropriado falar de concilia~ao intercultural.
sincretisnw para referir-se a combina~ao de praticas religiosas lradicionais. Estes termos- mesti~agem, sincretismo, criouliza~ao - conlinuam
A inlensifica~ao das migra~oes, assim como a difusao Lransconlinenlal de a ser utilizados em boa parte da bibliografia antropol6gica e etno-hisl6-
cren~as e rituais no seculo passado acentuaram essas hibrida~oes e, as ve- rica para especificar formas particulares de hibrida~ao mais ou menos
zes, aumentaram a tolerancia com rela~ao a elas, a ponto de que em pai- classicas. Mas, como designar as fusoes entre culturas de bairro e
ses como Brasil, Cuba, Haiti e Estados Unidos tornou-se frequente a dupla midiaticas, enlfe eslilos de consumo de gera~oes diferenles, enlfe musi-
ou Lripla perten~a religiosa; por exemplo, ser cat61ico e participar tambem cas Iocais e Lransnacionais, que ocorrem nas fronleiras e nas grandes ci-
de um culto afro-americano ou de uma cerimonia new age. Se considerar- dades (nao somente ali)? A palavra hibrida1:ao aparece mais ductil para
mos o sincretismo, em sentido mais amplo, como a adesao simulliinea a nomear nao s6 as combina~oes de elementos etnicos ou religiosos, mas
varios sislemas de cren~as, nao s6 religiosas, o fenomeno se expande no- tambem a de produtos das tecnologias avan~adas e processos sociais
Loriamente, sobretudo enlfe as multidoes que recorrem, para aliviar cerlas modernos ou p6s-modernos.
enfermidades, a remedios indigenas ou orientais e, para oulfas, a medici- Destaco as Jronleiras enlfe paises e as grandes cidades como contex-
na alopatica, ou a rituais cal6licos ou penlecostais. 0 uso sincretico de tais tos que condicionam os formatos, os estilos e as conlradi~oes especificos
recursos para a saude cosluma ir junlo com fusoes musicais e de formas da hibrida1:ao. As fronteiras rigidas estabelecidas pelos Estados modernos
multiculturais de organiza1:ao social, como ocorre na santena· cubana, no se tornaram porosas. Poucas culturas podem ser agora descritas como
vodu haitiano e no candomble brasileiro (Rowe & Schelling, 1991). unidades estaveis, com limites precisos baseados na ocupa1:ao de um Ler-
A palavra crioulizarao tambem serviu para referir-se as misturas ril6rio delimilado. Mas essa multiplica~ao de oportunidades para
interculLUrais. Em sentido eslfito, designa a lingua ea cullura criadas por hibridar-se nao implica indetermina~ao, nem liberdade irrestrila. A
varia~oes a partir da lingua basica e de outros idiomas no conlexto do Lra- hibrida~ao ocorre em condi~oes hist6ricas e so"ciais especificas, em meio
a sislemas de produ~ao e consumo que as vezes operam como coa~oes,
• Santeria: sistema de cultos que tern coma elemento essencial a adorat3o de divindades surgidas do segundo se estima na vida de muitos migrantes. Oulra das entidades so-
sincretismo entre crentas africanas e religi3o cat61ica [N. da T.].
XXXI
CULTURAS HIBRIDAS INTRODU«;AO A EDl«;AO DE 2001
XXX
, d O nao encerrou a moder-
ciais que auspiciam, mas tambem condicionam a hibridacao sao as cida- percebemos com mais clareza que o pos-mo ern . .
des. As megal6poles multilingues e multiculturais, por exemplo, Londres, nidade, a problematica global tambem nao perm1te d esmteressar-se d ela.
Berlim, Nova York, Los Angeles, Buenos Aires, Sao Paulo, Mexico e Hong
1b r -
Alguns dos te6ricos mais destacados d a g o a 1zacao,
como Anthony
• .
Kong, sao estudadas como centros em que a hibridacao fomenta maio- Giddens e Ulrich Beck, estudam-na como culminacao das tendencias e
res conflitos e maior criatividade cultural (Appadurai; Hannerz). conflitos modernos. Nas palavras de Beck, a globalizacao nos coloca ante
desafio de configurar uma "segunda modernidade", mais reflexiva, que
0
niio imponha sua racionalidade secularizante e, sim , que aceite
AS NO(OES MODERNAS SERVEM PARA FALAR DE GLOBALIZA<;AO? pluralmente tradicoes diversas.
Os processos globalizadores acentuam a interculturalidade moder-
Os termos empregados como antecedentes ou equivalentes de na quando criam mercados mundiais de bens materiais e dinheiro, men-
hibridaciio, ou seja, mesticagem, sincretismo e crioulizacao, sao usados em sagens e migrantes. Os fluxos e as interacoes que ocorrem nesses proces-
sos diminuiram fronteiras e alfandegas, assim como a autonomia das tra-
geral para referir-se a processos tradicionais, ou a sobrevivencia de costu-
dicoes locais; propiciam mais formas de hibridaciio produtiva,
mes e formas de pensamento pre-modernos no comeco da modernidade.
comunicacional e nos estilos de consumo do que no passado. As moda-
Uma das tarefas deste livro e construir a nocao de hibridacao para desig-
lidades classicas de fusiio, derivadas de migracoes, interdimbios comer-
nar as misturas interculturais propriamente modernas, entre outras, aque-
dais e das politicas de integracao educacional impulsionadas por Estados
las geradas pelas integracoes dos Estados nacionais, os populismos politi-
nacionais, acrescentam-se as misturas geradas pelas industrias culturais.
cos e as industrias culturais. Foi necessario, por isso, discutir os vinculos e
Embora este livro niio fale estritamente de globalizaciio, examina proces-
desacordos entre modernidade, modemizacao e modernismo, assim como
sos de internacionalizaciio e transnacionalizaciio, pois se ocupa das indus-
as duvidas de que a America Latina seja ou nao um continente moderno.
trias culturais e das migracoes da America Latina para os Estados U nidos.
Nos anos 80 e principios dos 90, a modernidade era julgada a par-
Ate o artesanato e as musicas tradicionais siio analisadas com referencia
tir do pensamento p6s-moderno. Escrito em meio ahegemonia que essa
aos circuitos de massa transnacionais, em que os produtos populares cos-
tendencia tinha entao, o livro apreciou seu antievolucionismo, sua valo-
tumam ser "expropriados" por empresas·turisticas e de comunicaciio.
ri~~ciio da heterogeneidade multicultural e transist6rica, e aproveitou a
Ao estudar movimentos recentes de globalizacao, advertimos que
cnuca aos metarrelatos para deslegitimar as pretensoes fundamentalistas
estes niio s6 integram e geram mesticagens; tambem segregam, produ-
dos tradicionalismos
. · Mas , ao mesmo tempo, res1su
· · a cons1derar
· '
a pos- zem novas desigualdades e estimulam reacoes diferenciadoras
~odermdade como uma etapa que substituiria a epoca moderna. Prefe-
(Appadurai, 1996; Beck, 1997; Hannerz, 1996). As vezes, aproveita-se a
n concebe-la como um modo d e pro bl emat1zar
. .
as art1culacoes que a globalizaciio empresarial e do consumo para afirmar e expandir particu-
modernidade estabeleceu
_ com tr d' -
as a 1coes que tentou excluir ou supe- laridades etnicas ou regioes culturais, como ocorre com a musica latina
rar. A. descolerao
. . dos patrimonios etnicos e nacionais , ass1m. como a
na atualidade (Ochoa; Yudice) . Alguns atores sociais encontram, nesses
destemtm1altzafiio e a reconversao
- de saberes e costumes foram examinados
processos, recursos para resistir aglobaliza~ao ou modifica-la e repropc: r
como recursos para hibridar-se.
as condicoes de intercambio entre culturas. Mas O exemplo das
Os anos 90 reduziram O atrativo d ° pensamento pos-moderno
, e co- hibrida~oes musicais, entre outros, evidencia as diferen~as e desigualda-
1ocaram, no centro das ciencias sociais a globalizarao A - •
' ... . n1>S1m como h oJe
.
XXXIII
XXXII CULTURAS HIBRIDAS
JNTRODU~AO A EDl~AO DE 2001
des que existem quando elas se realizam nos paises centrais ou nas peri- . . ltural Existem resistencias a
sincretismo religioso ea mesu~agem mtercu · .
ferias: basta evocar a distancia entre as fusoes homogeneizadoras do la- h'b 'd -o porque geram mseguran~a nas
aceitar estas e outras formas d e I n a~a , ,d
tino, dos diferentes modos de fazer musica latina, nas gravadoras de t'ma
1 e tnocentrica. Tambem c e-
culturas c conspiram contra sua auto-es
Miami, e a maior di~er~idade reconhecida pelas produtoras locais da Ar- d · l'lico acostumado a se-
safiador para o pensamento moderno e upo ana I ' .
gentina, do Brasil, da Colombia ou do Mexico. . .. d d I em O nacional do estrange1ro,
parar binariamente o c1v1hza o o se vag ,
Entii.o, cabe acrescentar, a tipologia de hibrida~oes tradicionais o anglo do latino. . . _ . .
(mesti~agem, sincretismo, criouliza~ii.o), as opera~oes de constru~ii.o hibri- Outrossim, os processos que chamaremos de l11b11da~ao restnta obr'.-
da entre atores modernos, em condi~oes avan~adas de globaliza~ii.o. En- gam-nos a ser cuidadosos com as generaliza~oes. A fluidez das comum-
contramos dois exemplos na forma~ii.o multicultural do Latina. a) a neo- ca~oes facilita-nos apropriarmo-nos de elementos de muitas culturas, r:n~s
hispano-americaniza~ii.o daAmerica Latina, e b) a fusii.o interamericana. isto nao implica que as aceitemos indiscriminadamente; como d'.zia
Com neo-hispano-americaniza¢orefiro-me a apropria~ii.o de editoras, linhas Gustavo Lins Ribeiro, referindo-se afascina~ii.o bran ca pelo afro-amenca-
aereas, bancos e telecomunica~oes por parte de empresas espanholas na no, alguns pensam: "incorporo sua musica, masque nao se case com mi-
Argentina, Brasil, Colombia, Chile, Mexico, Peru e Venezuela. No Brasil, nha filha". De todo modo, a intensifica~ii.o da interculturalidade favore-
os espanh6is ocuparam, em 1999, o segundo lugar, detendo 28% dos in- ce intercambios, misturas maiores e mais diversificadas do que em outros
vestimentos estrangeiros; na Argentina, passaram para o primeiro lugar, tempos; por exemplo, gente que e brasileira por nacionalidade, portugue-
ullrapassando os Estados Unidos no mesmo ano. De um )ado, pode-se sa pela lingua, russa ou japonesa pela origem, e cat6lica ou afro-ameri-
cana pela religiao. Essa variabilidade de regimes de perten~a desafia mais
pensar que convem diversificar os intercambios com a Espanha e o restan-
uma vez o pensamento binario a qualquer tentativa de ordenar o mun-
te da Europa para corrigir a tendencia anterior de subordinar-se somen-
do em identidades puras e oposi~oes simples. Enecessario registrar aquilo
te a capitais norte-americanos. Mas, tambem nesses casos, as condi~oes
que, nos entrccruzamentos, permanece diferente. Como explica N . J. C.
assimetricas limitam a participa~ao de artistas e meios de comunica~ao
latino-americanos.
Vasantkumar sobre o sincretismo, "e um processo de mistura do compa-
tivel e fixa~ii.o do incompativel" (citado por Canevacci; 1996: 22).
Sob o nome de fusao interamericana incluo o c01tjunto de processos
de "norte-americaniza~ii.o" dos paises latino-americanos e "latiniza~ii.o"
dos Estados Unidos. Inclino-me a chamar fusoes a essas hibrida~oes,ja
0 QUE MU DOU NA ULT/MA DECADA
que esta palavra, usada preferencialmente em musica, emblematiza o
papel
. . proeminente dos acord os entre 111
· d,ustnas
· fonograficas transna-
A America Latina esta ficando sem projetos nacionais. A perda de
c10na1s, o lugar de Miami co mo "capita
• I d a cultura latino-americana"
controle sobre as economias de cada pais se man ifes ta no desaparccimen-
(Yudice, 1999) e a interarii.o d as Amencas
, . no consumo intercultural. to da moeda pr6pria (Equador, El Salvador), em suas desvaloriza~oes fre-
(Analisei mais extensamente e stas re1a~oes
- rnteramericanas
. e com a Eu- quentes (Brasil, Mexico, Peru, Venezuela) ou na fixa~ii.o maniaca pelo d6lar
ropa em meu livro La Globalizaci6n Imaginada.)
(Argentina). As moedas trazem emblemas nacionais, masja representam
. Falar de. fusoes
. nao nos d eve fiazer d escu1dar
. do que resiste ou se pouco a capacidade das na~oes de administrar de maneira soberana seu
cmde. A teona da hibrida~ao tern qu 1
. . • • e evar em con taos movimentos que presente. Nao sii.o referencias de realidade, embora, n as tentativas de
a reJeitam. Nao provem somente d fi d .
os un amentahsmos que se opoem ao
I XXXIV CULTURAS HfBRIDAS
a
XXXVIII CULTURAS HfBRIDAS XXXIX
INTRODU<;AO A EDl<;AO DE 2001
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