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RDTA 47 IBDT | INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Revista Direito Tributário Atual


Current Issues of Tax Law Review
ISSN: 1415-8124 /e-ISSN: 2595-6280

TRÊS OBSERVAÇÕES SOBRE A


LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
THREE OBSERVATIONS ON TAX LEGALITY

Eduardo Kowarick Halperin

Graduado em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Tributário pelo IET/PUCRS. Mestre em
Direito Tributário pela USP. Advogado. E-mail: eduardo.halperin@humbertoavila.com.br

DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-22

RESUMO

O presente artigo irá analisar criticamente a Teoria da Legalidade Tributária que permeia a obra “Legalidade

Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”,

apresentando três críticas: a primeira, que a regra da legalidade tributária não impede a redução de alíquotas

pelo Poder Executivo; a segunda, que o princípio da legalidade tributária não permite o emprego de conceitos

indeterminados e de cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributária; e, a terceira, que a doutrina da

“tipicidade fechada” de Alberto Xavier é pertinente e atual.

PALAVRAS-CHAVE: LEGALIDADE, REGRA, PRINCÍPIO, TIPICIDADE FECHADA

ABSTRACT

This article will critically analyze the Theory of Tax Legality that permeates the work “Legalidade Tributária e

o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”, presenting three

criticisms: the first, that the rule of tax legality does not prevent the reduction of rates by the Executive Branch;

the second, that the principle of tax legality does not al-low the use of indeterminate concepts and general

clauses in the abstract tax-able events; and, the third, that Alberto Xavier’s “closed tax legality” doctrine is

pertinent and up-to-date.

KEYWORDS: LEGALITY, RULE, PRINCIPLE, CLOSED TAX LEGALITY

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HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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ISSN: 1415-8124 /e-ISSN: 2595-6280

INTRODUÇÃO
“That is what this suit is about. Power. The allocation of power among Congress,
the President, and the courts in such fashion as to preserve the equilibrium the
Constitution sought to establish. […] Frequently an issue of this sort will come
before the Court clad, so to speak, in sheep’s clothing: the potential of the asserted
principle to effect important change in the equilibrium of power is not immediately
evident, and must be discerned by a careful and perceptive analysis. But this wolf
comes as a Wolf.”
(Justice Antonin Scalia, em sua dissidência no caso Morrison v. Olson, 487 U.S. 654)

Recentemente, o Professor Luís Eduardo Schoueri, juntamente com Diogo Ferreira e Victor
Luz, lançou o livro “Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a
ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”1. Nos casos referidos pelo título, o Supremo Tribunal
Federal entendeu que a lei poderia delegar ao Poder Executivo a competência para a
redução e para o reestabelecimento de alíquotas de PIS e COFINS, não havendo nisso
qualquer violação à legalidade tributária. A tese central da obra é que essas decisões do
Supremo Tribunal Federal violaram a dimensão de regra da legalidade tributária.

Não se discorda da tese central dos autores. A regra da legalidade prescreve de forma
objetiva um comportamento que deve ser seguido pelo Poder Público (“se aumentar
tributo, deve ser por meio de lei formal”), o qual é manifestamente desrespeitado pela União
Federal nas hipóteses em que um tributo é majorado por meio de Decreto. O objetivo do
presente artigo é examinar criticamente a Teoria da Legalidade Tributária que permeia a
obra, mais precisamente três fundamentos que foram sustentados pelos autores ao longo
dela: (i) a regra da legalidade seria uma via de mão dupla, proibindo tanto o aumento quanto
a redução de tributos por meio de Decreto; (ii) o princípio da legalidade tributária permitiria
o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais em hipóteses de incidência
tributária, assim como autorizaria que o Poder Executivo “complementasse” e
“esclarecesse” as referidas hipóteses; e (iii) a noção de tipicidade “fechada” ou “estrita” seria
improcedente.

Essa análise crítica é importante por duas razões. Em primeiro lugar, porque o tema da
legalidade tributária vem ganhando enorme atenção de parcela da doutrina, que tem
introduzido ideias tais como a “deslegalização” e a “legalidade líquida”, todas elas propondo
um enfraquecimento da legalidade enquanto limitação ao poder de tributar2. Tais ideias,

1 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021.

2 Nesse sentido: ROCHA, Sergio André. A deslegalização no direito tributário contemporâneo: segurança jurídica, legalidade, conceitos
indeterminados, tipicidade e liberdade de conformação da Administração Pública. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; ROCHA, Sergio André.
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HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
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por sua vez, vêm recebendo aceitação da jurisprudência. A presente discussão diz respeito
a muito mais do que a fixação de alíquotas de PIS e de COFINS. Qualquer controvérsia
envolvendo a legalidade tributária diz respeito, no fundo, a uma discussão sobre
democracia e alocação de poder – o bordão “no taxation without representation” é uma
antiga prova disso.

Em segundo lugar, essa análise crítica é importante porque como toda obra do Professor
Schoueri – que neste caso contou com a coautoria de Diogo Ferreira e de Victor Luz – o livro
“Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal” está destinado a influenciar
enormemente a doutrina e a moldar o conceito de legalidade tributária na jurisprudência,
notadamente no próprio Supremo Tribunal Federal. Isso não ocorre por acaso. O Professor
Schoueri é um dos maiores tributaristas do país, sendo uma grande fonte de exemplo e de
inspiração para gerações de alunos, dentre os quais, com muito orgulho, eu me incluo.

Feitas essas considerações iniciais, passa-se a examinar criticamente três dos fundamentos
que sustentam a Teoria da Legalidade Tributária apresentada pelos autores.

1. LEGALIDADE: UMA VIA DE MÃO ÚNICA


O presente tópico irá examinar a tese dos autores de que a legalidade seria uma “via de mão
dupla”, isto é, que seria necessária lei em sentido formal tanto para o aumento quanto para
a redução de tributos. Esse exame será feito da seguinte forma: primeiro, serão retomadas,
ainda que sucintamente, as circunstâncias do caso analisado pelo Supremo Tribunal
Federal no RE n. 1.043.313, mais simples do que aquelas do caso da ADI n. 5.227 (embora as
conclusões jurídicas sejam as mesmas). Segundo, serão analisados os argumentos
empregados pelos autores para fundamentar a tese da legalidade como uma “via de mão
dupla”. Por fim, em terceiro lugar, serão apresentados argumentos que pretendem infirmar
tal tese.

O § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865, de 2004, permitiu ao Poder Executivo “reduzir e


reestabelecer” as alíquotas de PIS e de COFINS não cumulativos sobre as receitas
financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas:

“Art. 27 § 2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os


percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas
da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas
financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não
cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.”

Com base nesse dispositivo legal, o Poder Executivo, por meio dos Decretos n. 5.164/2004 e
n. 5.442/2005, reduziu a zero as alíquotas de PIS e de COFINS sobre receitas financeiras

Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

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(excluídas as receitas decorrentes do recebimento de juros sobre o capital próprio). Em 2015,


contudo, o Poder Executivo, por meio do Decreto n. 8.426, reestabeleceu parcialmente as
referidas alíquotas, atribuindo uma alíquota de 0,65% ao PIS e de 4% ao COFINS incidentes
sobre as receitas financeiras. Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por meio
do RE n. 1.043.313, que o Decreto n. 8.426/2015 não violou a legalidade tributária.

Comentando as circunstâncias do caso, Schoueri, Ferreira e Luz entendem que (a) os


Decretos que reduziram as alíquotas de PIS e de COFINS seriam inconstitucionais, por
violarem a regra da legalidade tributária; e (b) o dispositivo legal que instituiu a
possibilidade de redução e reestabelecimento das alíquotas de PIS e de COFINS por meio
de Decreto também seria inconstitucional, visto que igualmente violaria a legalidade
tributária. Isto é, a legalidade tributária seria violada não só pelo aumento, mas também
pela autorização legal para a redução das alíquotas por meio de Decreto e pela sua efetiva
redução:

“Neste livro, sustentamos que também a redução de alíquotas de tributos deve ser
feita por lei que a estabeleça, por força do conteúdo da Legalidade Tributária. É
dizer: em tese, a redução realizada no passado também estaria em desacordo com a
Legalidade Tributária. No entanto, o não questionamento, por parte dos
contribuintes, da inconstitucionalidade cometida pelo Executivo dez anos antes
não justifica uma segunda inconstitucionalidade.”3
“Objetivamente, portanto, entendemos que o § 2º do artigo 27 da Lei n. 10.865/2004 é
inconstitucional. Esse vício, importa ressaltar, atinge tanto a delegação atribuída ao
Poder Executivo para reduzir como para reestabelecer as alíquotas dessas
contribuições. A rigor, portanto, a redução da alíquota sobre receitas financeiras
para zero, pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, também poderia ter sua
inconstitucionalidade declarada pelo STF. Por certo, o Tribunal assim não se
manifestou porque questionamentos acerca da redução das alíquotas por ato
infralegal não são objeto do RE n. 1.043.313, de forma que eventual manifestação a
esse respeito poderia representar julgamento extra petita.”4

A obrigatoriedade de lei em sentido formal para a redução de tributos, segundo os autores,


seria suportada por dois argumentos: em primeiro lugar, o § 6º do art. 150 da Constituição
Federal determinaria que benefícios fiscais apenas podem ser concedidos mediante “lei
específica”. Em segundo lugar, o art. 97 do Código Tributário Nacional, cumprindo o seu
papel constitucional de “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar” (art. 146,

3 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 9-10.

4 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 102.

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II, da CF), teria complementado a Constituição Federal determinando que somente a lei
poderia tratar da redução de tributos. É o que dizem os autores:

“De fato, como antecipamos, a regra da Legalidade Tributária é uma via de mão
dupla: não se pode majorar nem reduzir tributos sem lei que o estabeleça. A
importância é tamanha, que o constituinte não se furtou a regulamentar a matéria
de forma direta na Constituição, estabelecendo, no artigo 150 § 6º, reserva de ‘lei
específica’ para o estabelecimento de benefícios fiscais em geral. Cumprindo o papel
de lei complementar, ainda, o artigo 97, incisos I, II e VI, do CTN, expressamente
impõe que somente a lei poderá tratar da extinção ou da redução de tributos e,
ainda, das causas de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários.”5

Quanto a esse argumento dos autores relacionado ao art. 97 do Código Tributário Nacional,
importante ressaltar que, ao fim e ao cabo, de acordo com os fundamentos apresentados,
seria ele quem dotaria de significado o art. 150, I, da Constituição Federal. Assim, o que a
regra constitucional da legalidade tributária prescreveria é que somente a lei pode
estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção (art. 97, I); a majoração de tributos,
ou sua redução, [...] (art. 97, II); a definição do fato gerador da obrigação tributária principal
[...] (art. 97, III); a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo [...] (art. 97, IV); a
cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para
outras infrações nela definidas (art. 97, V); e as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção
de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades (art. 97, VI):

“Em matéria de Legalidade Tributária, já mencionamos a importância do artigo 97


do CTN ao ‘complementar’ a Legalidade Tributária prevista no artigo 150, inciso I,
da Constituição.”6
“Mas o que significa, de forma mais aprofundada, ‘exigir ou aumentar tributo’? A
resposta não se extrai facilmente do texto constitucional. [...]”7
“Os incisos do artigo 97, portanto, respondem à pergunta posta no início do
subtópico anterior (o que significa exigir ou aumentar tributo?).”8
“Em resumo: o conteúdo da regra da Legalidade Tributária é extraído do
ordenamento a partir da combinação dos artigos 146, incisos II e III, e do artigo 150,
inciso I, ambos da Constituição, bem como dos artigos 9º, inciso I, e do artigo 97,
ambos do CTN: somente lei em sentido formal (isto é, votada pelo Congresso

5 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 132.

6 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 27.

7 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 29.

8 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 31.

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Nacional) pode estabelecer o antecedente e o consequente normativo de um tributo,


não sendo admitida qualquer tipo de delegação para ato infralegal, uma vez que
somente a lei – ela mesma – pode estabelecer tais elementos.”9

A tese dos autores a respeito da redução de tributos por meio de atos infralegais, portanto,
pode ser resumida da seguinte forma: a legalidade tributária veda a redução de alíquotas
por meio de Decretos e a delegação legal para tanto, seja porque a Constituição Federal
exige lei específica para a concessão de benefícios fiscais (art. 150, § 6º), seja porque o art. 97
do Código Tributário Nacional complementou a norma constitucional da legalidade com a
exigência expressa de lei em sentido formal para a redução de tributos e para a fixação de
alíquotas.

Não há, contudo, qualquer violação à legalidade tributária decorrente da autorização de


redução de alíquotas por meio de Decreto, tal como foi feito na Lei n. 10.865/2004, e
tampouco na sua efetiva redução, levada a cabo pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005.
Isso se dá por três razões: em primeiro lugar, a legalidade constitucional, tanto em sua
dimensão de regra quanto em sua dimensão de princípio, é um limite ao poder de tributar
(art. 150, I) e um direito individual (art. 5º, II), não sendo uma garantia estatal. Em segundo
lugar (e em decorrência da afirmação anterior), o art. 97 do Código Tributário Nacional
jamais poderia complementar a legalidade de forma a adicionar a tal norma constitucional
uma garantia estatal. E, em terceiro lugar, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150
da Constituição Federal não impede que lei autorize a redução de alíquotas por meio de
Decretos.

Em primeiro lugar, a legalidade é norma que tem como objetivo proteger o indivíduo frente
ao Estado. Mais do que um escudo, que isola completamente o indivíduo, a legalidade é uma
peneira: protege o indivíduo das impurezas estatais, mas permite que cheguem até ele
eventuais vantagens concedidas pelo Estado. Essa constatação é suportada por três
argumentos: um argumento linguístico, um argumento teleológico e um argumento
sistemático.

O argumento linguístico decorre da constatação de que o constituinte empregou


determinadas expressões, tais como “garantias asseguradas ao contribuinte” (art. 150,
caput), “exigir ou aumentar tributo” (art. 150, I) e “garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País” (art. 5º, II), que só fazem sentido num contexto de proteção
do indivíduo frente ao Estado. Sem a introdução de elementos normativos adicionais, não
há como se ler “garantias asseguradas ao contribuinte” como “garantias asseguradas ao
contribuinte e ao Estado”, assim como não há como se ler “aos brasileiros e aos estrangeiros”
como “aos brasileiros, aos estrangeiros e ao Estado”. Nesse sentido, o constituinte até

9 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 32.

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poderia ter empregado linguagem diversa na redação do texto constitucional,


determinando, por exemplo, que “somente lei pode dispor sobre matéria tributária”, mas
não o fez10.

O argumento teleológico decorre da constatação de que a finalidade de se exigir uma lei em


sentido formal para determinada matéria é, de um lado, garantir que essa matéria seja
objeto de participação democrática (princípio democrático) e, de outro lado, assegurar que
as normas reconstruídas a partir do texto legal sejam gerais, promovendo a confiabilidade,
a cognoscibilidade e a calculabilidade do ordenamento jurídico (princípio da segurança
jurídica)11. Por um lado, essas finalidades são compatíveis com uma regra que pretende
proteger o contribuinte frente ao Estado, exigindo lei formal para a instituição ou para o
aumento de tributos. Por outro lado, nenhuma dessas finalidades é compatível com uma
regra que exija lei em sentido formal para a redução de tributos. Seria no mínimo estranho
um contribuinte que reclamasse da falta de participação democrática na decisão que gerou
a redução da sua carga tributária (“no tax reduction without representation”) ou que
protestasse contra a redução “surpreendente” das alíquotas dos seus tributos.

Essa finalidade de proteção do indivíduo é ainda mais evidente na legalidade tributária. A


tributação envolve a restrição de liberdades asseguradas pela Constituição, de forma que
há uma necessidade ainda maior de se permitir aos cidadãos que possam calcular as
consequências dessas restrições e de se garantir que tais restrições só ocorrerão mediante
a sua concordância, manifestada por meio do parlamento12. Em suma: a finalidade da
legalidade, especialmente da legalidade tributária, não é estabelecer uma regra geral a
respeito da necessidade de se editar leis formais para quaisquer matérias tributárias, mas
sim proteger o cidadão de restrições aos seus direitos fundamentais.

O argumento sistemático, mais precisamente topográfico, decorre da constatação de que o


enunciado a partir do qual se reconstrói a norma geral da legalidade está elencado no Título
II da Constituição Federal (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), dispondo que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”
(art. 5º, II). Já o enunciado a partir do qual se reconstrói a norma da legalidade tributária,
por sua vez, foi incluído na Seção II do Título VI (“Das Limitações do Poder de Tributar”) –
caso desejasse que a legalidade fosse uma “via de mão dupla”, o constituinte poderia ter
inserido o referido enunciado na Seção anterior, que dispõe acerca dos “Princípios Gerais”
do Sistema Tributário Nacional. É dizer: a localização topográfica do enunciado a partir do
qual se reconstrói a norma não deve ser encarada como uma simples contingência do

10 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 204.

11 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 253.

12 LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros,
2018, p. 69.

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processo constituinte ou legiferante, mas sim como um importante indicativo acerca de


qual interpretação é mais coerente com o ordenamento jurídico.

A legalidade tributária, portanto, é uma norma que protege o contribuinte frente ao Estado.
Essa conclusão decorre da linguagem empregada pelo constituinte (argumento linguístico),
das finalidades de se exigir lei em sentido formal (argumento teleológico) e dos capítulos
nos quais foram inseridos os enunciados a partir dos quais se reconstroem as normas da
legalidade (argumento sistemático).

Em segundo lugar, o art. 97 do Código Tributário Nacional não deve ser interpretado como
o introdutor no ordenamento jurídico de uma regra de legalidade que impede o Poder
Executivo de reduzir tributos. Essa conclusão é suportada por três argumentos: dois
argumentos linguísticos e um argumento sistemático.

O primeiro argumento linguístico decorre da simples leitura do inciso I do art. 150 da


Constituição Federal: é vedado “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Schoueri, Ferreira e Luz afirmam que um significado mais aprofundado desse enunciado
normativo “não se extrai facilmente do texto constitucional”13. Será? A interpretação desse
dispositivo em algumas situações pode até não ser fácil, mas no caso da redução de tributos
não parece ser difícil. São dois os comportamentos proibidos: exigir e aumentar. Aumentar
significa precisamente o contrário de reduzir. Quanto ao exigir, poderia até se argumentar
que um tributo com uma nova alíquota seria uma nova exigência, mas se assim fosse, não
faria sentido a alusão adicional ao aumento de tributo, pois ele também seria uma nova
exigência. Ainda, poderia se considerar exigir como um sinônimo de cobrar, de forma que
seria necessária lei determinando todos os aspectos da incidência (inclusive a alíquota) para
que a cobrança fosse constitucional. Mas, novamente, nessa hipótese, ficaria sem sentido a
alusão ao aumento do tributo, visto que um aumento de tributo por meio de Decreto já
estaria vedado pelo verbo exigir. Para que o verbo exigir tenha sentido próprio, sem
qualquer redundância com o verbo aumentar, o comportamento “exigir tributo sem lei que
o estabeleça”, vedado pela Constituição Federal, deve ser compreendido como aquele no
qual o ente federado institui um tributo (ou algum dos seus elementos) por meio de ato
infralegal.

O segundo argumento linguístico decorre da leitura do inciso II do art. 146 da Constituição


Federal: “cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de
tributar”. “Regular” não é “adicionar” e tampouco “introduzir”. Nesse sentido, se o
constituinte quisesse que Lei Complementar pudesse alterar as limitações constitucionais
ao poder de tributar, teria empregado verbo semelhante ao do inciso III do mesmo art. 146:
“cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária [...]”

13 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 29.

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(destaque nosso). Ainda, importante perceber que a regulação que cabe à Lei
Complementar é relacionada às limitações constitucionais ao poder de tributar – conforme
já dito, limitar o poder de tributar não é o mesmo que limitar o poder de reduzir tributos;
em verdade, é a sua antítese.

O argumento sistemático é relacionado com o segundo argumento semântico e decorre da


hierarquia das normas envolvidas. Se a norma constitucional diz que é vedado exigir ou
instituir, é porque não vedou reduzir os tributos. Na verdade, pode-se inferir a partir dessa
omissão justamente o contrário: há uma norma constitucional implícita que autoriza a
redução tributária por meio de ato infralegal. O Estado pode, se assim entender, nunca mais
reduzir tributos por meio de Decreto. O que não pode fazer é ignorar que ele pode fazê-lo
se assim entender, e que esse poder decorre da própria Constituição Federal, sendo vedado
a qualquer ato infraconstitucional, inclusive Lei Complementar, limitá-lo.

A suposta regra que proíbe a redução de tributos por meio de Decreto, portanto, não
decorre da interpretação do art. 97 do Código Tributário Nacional. Em verdade, nos trechos
em que tal enunciado coincide com a norma constitucional, ele é expletivo. Nos trechos em
que ele inova, tal como no inciso II, que exige lei para a redução de tributos, ou no inciso IV,
que exige lei para fixar uma nova alíquota (inclusive mais baixa), ele é inconstitucional. Se
tal dispositivo desaparecesse amanhã, o sistema normativo continuaria o mesmo. Essa
conclusão decorre da linguagem empregada pelo constituinte (argumentos linguísticos) e
da hierarquia existente entre as normas envolvidas (argumento sistemático).

Em terceiro lugar, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal,


muito embora exija “lei específica” para a concessão de benefícios fiscais, não impede a
delegação da lei para que haja a redução de alíquotas por meio de Decretos. Saliente-se,
inicialmente, que referida norma sequer é capaz de suportar integralmente a tese dos
autores (“redução de tributos deve ser feita por meio de lei”), uma vez que ela se dirige a um
tipo específico de redução de tributos (benefícios fiscais), que não esgotam a totalidade de
hipóteses possíveis de diminuição da carga tributária. Mas, mesmo nos casos de benefícios
fiscais, como foi o caso da autorização para a atribuição de alíquota zero do PIS e da
COFINS às receitas financeiras, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da
Constituição Federal permite a delegação normativa para que haja a redução tributária por
meio de Decreto. Essa conclusão decorre de argumentos linguísticos e sistemáticos.

O argumento linguístico decorre da constatação de que o § 6º do art. 150 da Constituição


Federal, ao determinar que o benefício fiscal “só poderá ser concedido mediante lei
específica”, não está criando uma regra da legalidade específica para os benefícios fiscais,
uma vez que, para tanto, bastaria fazer alusão à “lei”, não sendo necessária a referência à
“lei específica”. A exigência de “lei específica”, na verdade, quer evitar a instituição de
benefícios fiscais por meio de leis “ônibus”, nas quais vários temas diferentes são incluídos

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HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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ISSN: 1415-8124 /e-ISSN: 2595-6280

e, assim, o debate parlamentar a respeito da pertinência da concessão do benefício fiscal e


dos seus impactos orçamentários pode restar prejudicado.

A partir daí, pode-se argumentar, de forma sistemática, que a referida norma se relaciona
com (i) a legalidade orçamentária (instituída pelo art. 165, § 6º, da Constituição Federal) e
com (ii) o princípio democrático14. De um lado, a legalidade orçamentária tem como
objetivo resguardar o equilíbrio entre receitas e despesas no orçamento público,
determinando que o projeto de lei orçamentária “será acompanhado de demonstrativo
regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias,
remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”. De outro
lado, o princípio democrático estabelece que eventuais renúncias de receita devem ser
aprovadas pelos representantes do povo15. É que a regra da legalidade deve ser
interpretada em conexão com o princípio democrático que visa materializar, de forma que
a representatividade popular no processo de elaboração normativa deve ser considerada 16.

O importante disso tudo é que não há inconstitucionalidade na lei que autoriza a redução
de alíquota por meio de Decreto e tampouco no próprio Decreto que a reduz: havendo
previsão orçamentária acerca da renúncia fiscal decorrente da concessão do benefício e
ocorrendo discussão pelo parlamento a respeito da possibilidade de concessão do benefício
fiscal por meio da delegação normativa, a norma reconstruída pelo § 6º do art. 150 da
Constituição Federal resta observada17. O § 6º do art. 150 da Constituição Federal, vale
lembrar, foi inserido no capítulo constitucional das limitações ao poder de tributar, não
podendo ser utilizado como argumento para se restringir essa limitação, isto é, para
impedir que tributos sejam reduzidos, ainda mais quando as razões que justificaram a
edição dessa regra (participação democrática na concessão de benefícios fiscais e equilíbrio
orçamentário) foram plenamente atendidas. Por certo, há que se verificar se esse é o caso
da Lei n. 10.865/2004, mas o importante, aqui, é refutar a existência de uma regra geral da
legalidade que impeça a delegação normativa para que o Poder Executivo reduza tributos
ou conceda benefícios fiscais.

A norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da Constituição Federal, portanto, não


exige a edição de lei formal para que haja a redução de tributos. De um lado, referida norma
incide apenas sobre os benefícios fiscais, e não sobre todas as reduções de tributos; de outro
lado, argumentos sistemáticos suportam a conclusão de que a norma exige, tão somente,

14 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 207.

15 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 208.

16 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 286.

17 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 210.

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que a concessão do benefício fiscal seja acompanhada de previsão orçamentária da


renúncia de receita e de debates parlamentares, não havendo inconstitucionalidade na
delegação da concessão do benefício fiscal para Decreto, desde que cumpridos os requisitos
mencionados.

Por fim, há que se esclarecer que, muito embora seja constitucional a redução de tributo
por meio de Decreto quando há delegação da lei para tanto, o mesmo não ocorre quando o
Decreto reduz o tributo sem autorização legal. Mas essa inconstitucionalidade não decorre
de uma eventual violação à regra ou ao princípio da legalidade tributária – como já dito,
essas normas, que têm como finalidade a limitação do poder de tributar, não devem ser
invocadas para impedir a redução de tributos. A redução tributária por meio de Decreto
sem a autorização legal viola o princípio da separação de poderes, norma estruturante do
sistema jurídico e do próprio Estado de Direito18. Com efeito, a Constituição Federal é clara
em atribuir ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre o sistema tributário
(art. 48, I19), cabendo ao Poder Executivo tão somente editar Decretos para a fiel execução
das leis (art. 84, IV20). Assim, se o Poder Executivo reduzir um tributo sem autorização legal,
o ato que promoveu tal redução será inválido – mas não necessariamente ineficaz, uma vez
que o princípio da proteção da confiança poderá atuar em determinado caso concreto para
proteger o contribuinte que agiu com base no referido ato normativo.

As considerações anteriores permitem concluir que a redução de tributos pode ser feita por
meio da delegação de lei a atos infralegais, uma vez que a legalidade serve à proteção do
contribuinte, e não para assegurar o poder de tributar do Estado. De um lado, o art. 97 do
Código Tributário Nacional, no trecho em que exige lei formal para a redução de tributos,
é inconstitucional; de outro lado, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da
Constituição Federal é observada quando a delegação normativa pra que haja redução
tributária por meio de Decreto é precedida de previsão orçamentária e de debates
legislativos.

2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E O DEVER DE


DETERMINABILIDADE DAS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA
O presente tópico irá examinar a tese dos autores de que o princípio da legalidade, diante
da indeterminação que é inerente à linguagem, admitiria o emprego de conceitos
indeterminados e de cláusulas gerais pelo legislador na instituição das hipóteses de
incidência tributárias. Após a apresentação dos fundamentos dos autores que dão suporte

18 CF, “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

19 “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52,
dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
I – sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;”

20 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”

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à referida tese, serão elaborados argumentos que pretendem infirmá-los, sustentando que
o princípio da legalidade não permite o emprego de conceitos indeterminados e de
cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributárias.

Os autores sustentam que a chamada “flexibilização” da legalidade tributária nada mais


seria do que uma dimensão de princípio da legalidade tributária. Isso porque, diante da
equivocidade da linguagem, não seria possível ao legislador ser exaustivo na elaboração das
hipóteses de incidência tributária, razão pela qual o Poder Executivo deveria contribuir com
o esclarecimento das referidas hipóteses. Segundo os autores, não existiria uma verdadeira
“flexibilização”, mas sim o reconhecimento de que os princípios, enquanto “mandamentos
de otimização”, exigiriam uma descrição completa da hipótese de incidência “na medida do
possível”:

“A nosso ver, longe de revelar flexibilização ou afastamento da Legalidade


Tributária, esses exemplos permitem compreender o verdadeiro conteúdo
principiológico inserido nessa norma e ressignificar o papel do Poder Executivo na
regulamentação da lei tributária. A Legalidade Tributária, enquanto princípio,
demanda que o legislador, na maior medida possível, descreva de forma completa e
clara os aspectos da regra matriz de incidência tributária. No entanto, como
mandamento de otimização, é certo que o legislador tributário não conseguirá ser
exaustivo, não poderá resolver todas as lacunas e incertezas. Como é próprio da
linguagem, os termos empregados nos enunciados normativos serão dotados de
algum grau de indeterminação. Diante dessas limitações, é admissível que decretos
e atos da Administração Pública não se limitem à mera reprodução de dispositivos
legais, mas sim contribuam para tornar as previsões legais mais claras e passíveis de
aplicação efetiva.”21
“Justamente nesse contexto é que a Legalidade Tributária, em sua dimensão de
princípio, possui tanta importância: o legislador deve, na maior medida possível, ser
claro e determinante quanto aos conceitos que empregar. Ainda assim,
considerando que princípios não têm o condão de alcançar aplicação absoluta,
haverá algum grau de indeterminação nos conceitos utilizados.”22
“A Legalidade, enquanto princípio, exige que se busque o maior grau de
determinação possível; é nesse sentido que acerta a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal quando afasta aquela ideia de ‘tipicidade cerrada’, como se fosse
regra a proibir o emprego de cláusulas gerais e conceitos indeterminados.”23

21 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 25-26.

22 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 38.

23 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 39.

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“Por exemplo, a impressão de que o STF vem admitindo, de modo reiterado,


‘flexibilizações’ à Legalidade Tributária não parece refletir adequadamente o
contexto e as conclusões alcançadas pela Corte em diversos julgados recentes.
Ainda que essa distinção exata não tenha sido apresentada nesses julgamentos,
parece-nos que os precedentes citados nos votos do Ministro Relator versam da
Legalidade Tributária em sua dimensão de princípio, espécie normativa que não se
aplica de forma absoluta, mas na maior medida possível. Em razão disso, é possível
reconhecer – em linha com diversas manifestações do STF – que limites impostos
pela realidade prática impeçam que o legislador tributário seja exaustivo em suas
previsões. Diante disso, seria plenamente admissível – inclusive, desejável enquanto
mecanismo de maior eficiência – que o regulamento cumpra papel de
complementar e esclarecer as previsões legais necessárias para concretizar a
obrigação tributária. Talvez o caso mais emblemático a esse respeito seja
justamente o julgamento do RE n. 343.446 (contribuição para custeio do SAT),
mencionado em diversas oportunidades durante a análise do RE n. 1.043.313 e da ADI
n. 5.277. Apesar de ser indicado como exemplo de ‘flexibilização’ da Legalidade
Tributária, entendemos que esse caso demarca apenas o verdadeiro conteúdo dessa
norma, reconhecendo que a lei deve estabelecer todos os elementos da obrigação
tributária (dimensão de regra da Legalidade) e do modo mais determinado possível
(dimensão de princípio da Legalidade), sem prejuízo de o regulamento esclarecê-los
e dar-lhes efetividade, caso as circunstâncias assim demandem.”24

A análise crítica da tese dos autores será feita da seguinte forma: primeiro, será analisada a
definição do princípio da legalidade tributária apresentada pelos autores. Segundo, serão
formuladas críticas a essa definição, assim como ao conteúdo normativo atribuído pelos
autores ao referido princípio. Por fim, será apresentada uma síntese conclusiva das críticas
elaboradas à tese dos autores a respeito do princípio da legalidade tributária.

Os autores descrevem os princípios como “mandamentos de otimização”, os quais “devem


ser perseguidos na maior medida possível, considerando as possibilidades jurídicas e
fáticas”25. Conforme referido pelos autores, trata-se da clássica definição de princípio
elaborada por Robert Alexy:

“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em

24 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 93.

25 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 23.

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graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O
âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
colidentes.”26

Com base nessa definição de princípio, os autores definem o princípio da legalidade


tributária como uma norma que “demanda que o legislador, na maior medida possível,
descreva de forma completa e clara os aspectos da regra matriz de incidência tributária”.
Diante da equivocidade inerente à linguagem, prosseguem os autores, o legislador não
conseguirá ser exaustivo, de forma que seria permitido o emprego de cláusulas gerais e
conceitos indeterminados, assim como seria admissível a Administração Pública editar
atos infralegais que “contribuam para tornar as previsões legais mais claras e passíveis de
aplicação efetiva”, ou ainda que a Administração Pública esclareça e dê efetividade ao
cumprimento da norma. Essa tese a respeito do princípio da legalidade tributária apresenta
três problemas.

Em primeiro lugar, os autores definem o princípio da legalidade tributária com base em um


dos comportamentos que o promove (“descrever de forma completa e clara os aspectos da
hipótese de incidência”), ao invés de defini-lo com base no estado de coisas que ele visa
promover (por exemplo, calculabilidade). É dizer: tomando por base a definição de princípio
de Alexy segundo a qual “princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível”27, a definição do princípio da legalidade dos autores focou no
“realizado na maior medida possível”, mas esqueceu-se do “algo”. Ainda que Alexy e Ávila
divirjam quanto à definição de princípio, pode-se afirmar que esse “algo” da definição
daquele corresponde ao “estado de coisas” da definição deste, o qual demanda
determinados comportamentos que tenham como efeito a sua promoção28. Descrever de
forma completa e clara os aspectos da hipótese de incidência, sem dúvida, é um dos
comportamentos que o princípio da legalidade tributária exige, mas não é o único, assim
como “ter quatro patas” é uma das características de um cachorro, mas não é a única.

Os estados de coisas promovidos pelo princípio da legalidade tributária podem ser tanto
deduzidos de princípios que lhe são axiologicamente superiores quanto induzidos a partir
de outras normas. Do princípio democrático, pode-se deduzir o ideal de representatividade
na edição de leis. A partir da exigência de representação parlamentar anterior à instituição
ou ao aumento de tributos, pode-se induzir um ideal de calculabilidade e de
mensurabilidade29. A eficácia negativa da regra da legalidade, por sua vez, cria ideais de

26 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

27 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

28 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 104.

29 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 287.

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liberdade e de livre iniciativa. Nesse sentido, Humberto Ávila define o princípio da


legalidade tributária por meio do dever de promoção de sete estados ideais: formalidade,
previsibilidade, calculabilidade, mensurabilidade, representatividade, livre iniciativa e
liberdade30.

A partir do dever de “descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de


incidência” até pode-se induzir a promoção de estados ideais de calculabilidade e de
mensurabilidade, mas outros estados ideais promovidos pelo princípio da legalidade
tributária, tais como os de representatividade, livre iniciativa e liberdade, não são
diretamente induzidos a partir dessa conduta. A ausência de menção a esses estados ideais
na definição do princípio da legalidade tributária, por sua vez, faz com que, por exemplo,
não se tenha base normativa para sustentar que eventual lei exigindo uma motivação
extratributária para a realização de um planejamento tributário violaria o referido
princípio, por não promover os estados ideais de liberdade e de livre iniciativa.

Enfim, o problema todo é tentar definir o todo (princípio) por meio da descrição de uma
parte (uma das condutas que o promove), sem que haja qualquer descrição dos estados de
coisas que devem ser imediatamente promovidos. Esses estados de coisas, por sua vez,
devem ser promovidos pela adoção de inúmeras condutas. Isso significa que apenas aludir
ao comportamento de “descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de
incidência” é insuficiente para descrever o conteúdo normativo do princípio da legalidade
tributária, o qual demanda a identificação dos estados de coisas a serem promovidos, para
que, a partir daí, sejam inferidos os comportamentos necessários para a sua promoção.

Em segundo lugar, a definição de princípio de Robert Alexy, adotada pelos autores,


determina que os estados de coisas devam ser promovidos “na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Os autores não apresentam
qualquer restrição jurídica ao princípio da legalidade tributária, tais como eventuais
princípios colidentes, mas sim uma restrição fática: a equivocidade da linguagem. Com
efeito, sabe-se que o Direito apresenta uma dupla indeterminação: de um lado, os textos
são equívocos, permitindo a reconstrução de mais de uma norma, de outro lado, as normas
são vagas, não havendo clareza quanto aos fatos que recaem no seu âmbito de aplicação31.
Em suma, segundo os autores, o princípio da legalidade tributária, diante da restrição fática
imposta pela equivocidade da linguagem, a qual impediria o legislador de ser exaustivo e
de eliminar incertezas, admitiria o emprego de cláusulas gerais e de conceitos
indeterminados nas hipóteses de incidência tributária. O princípio da legalidade tributária,

30 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 287.

31 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, p. 39.

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no entanto, não permite o emprego de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados nas


hipóteses de incidência tributária.

Inicialmente, é necessário esclarecer que uma coisa são os conceitos indeterminados, outra
coisa é a indeterminação dos conceitos. De um lado, conceitos indeterminados são termos
tais como “boa-fé” e “função social”, os quais possuem um sentido altamente indeterminado
antes do processo interpretativo32. De outro lado, a indeterminação dos conceitos, ou
melhor, a equivocidade da linguagem, é característica inerente a quaisquer termos, sejam
eles determinados ou não. Nesse sentido, pode-se identificar a existência de ao menos
quatro problemas interpretativos decorrentes da indeterminação da linguagem (ou “casos
de vagueza em sentido amplo”): o gradualismo, a vagueza combinatória, a insaciabilidade e
a textura aberta33.

O gradualismo diz respeito à existência de zonas de penumbra existentes quando as


propriedades que caracterizam o referente são cumpridas gradualmente. Tomemos como
exemplo a expressão “grandes fortunas”, constante na regra de competência tributária
constante do art. 153, VII, da Constituição Federal. Contribuintes com um patrimônio de
vinte mil reais ou de vinte bilhões de reais situam-se numa zona de clara aplicação (ou não)
da regra, mas o que dizer do contribuinte com um patrimônio de vinte milhões de reais?
Há, no caso desse último, uma zona de penumbra acerca da incidência da regra.

A vagueza combinatória ocorre quando parte das propriedades relevantes está presente no
objeto referido, mas outra não está. Exemplo disso é a discussão envolvendo a incidência
da imunidade tributária dos “templos de qualquer culto” em relação aos templos
maçônicos. A maçonaria apresenta algumas propriedades que a caracterizam como um
culto, mas apresenta outras tantas que desautorizam tal caracterização.
Independentemente da melhor solução para o caso, o importante aqui é perceber que a
existência de “problemas de enquadramento” é inerente à linguagem e às normas.

A insaciabilidade ocorre quando é impossível enumerar de forma exaustiva as


propriedades suficientes para o uso de determinado termo. Aqui entram os já referidos
conceitos indeterminados (tais como “boa-fé” e “função social”) e as cláusulas gerais ou
abertas (tais como “solidariedade” e “dignidade”). A insaciabilidade de determinados termos,
como se vê, está na raiz de inúmeros debates entre juristas, os quais procuram reconstruir
argumentativamente os sentidos normativos mais adequados para essas expressões.

Por fim, a textura aberta ocorre quando a evolução das circunstâncias fáticas faz com que
surjam novas características que gerem dúvidas a respeito da aplicabilidade de

32 ÁVILA, Humberto. Eficácia do novo Código Civil na legislação tributária. In: GRUPPENMACHER, Betina (org.). Direito tributário e o
Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 78. LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta,
2007, p. 187. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, p. 57.

33 LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007, p. 186.

540
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determinado termo a essa nova realidade34. Um bom exemplo do problema decorrente da


textura aberta da linguagem é o termo “serviço”. A evolução tecnológica e econômica da
sociedade fez com que passássemos a considerar como serviços, no plano da linguagem
natural, atividades distintas das clássicas obrigações de fazer, tais como o licenciamento de
software e a disponibilização de conteúdo por streaming. Se a linguagem constitucional,
em particular aquela presente nas regras de competência tributária, deve acompanhar a
evolução da linguagem natural, trata-se de outro debate. O importante aqui é perceber que
a mudança de circunstâncias fáticas pode gerar incertezas quanto ao âmbito de aplicação
de determinadas expressões.

Isso tudo demonstra que apesar do gênero “indeterminação da linguagem” ser inerente à
linguagem e gerar inúmeros problemas interpretativos, as diferentes espécies de
indeterminação não são inerentes a todo tipo de linguagem e acabam gerando tipos de
problemas específicos. De um lado, a insaciabilidade e o gradualismo são características de
determinados termos, cujo emprego em hipóteses de incidência tributárias é proibido por
força da eficácia bloqueadora do princípio da legalidade tributária. É que expressões como
“boa-fé”, “grande” ou “razoável” são altamente indeterminadas, promovendo justamente o
contrário daquilo que o princípio da legalidade, dentre outras coisas, visa promover: um
estado de previsibilidade e de calculabilidade. De outro lado, a vagueza combinatória e a
textura aberta são inerentes a qualquer enunciado normativo por meio do qual se pretenda
criar regra geral e abstrata, duas características essenciais para as hipóteses de incidência
tributária.

Disso tudo se conclui que, por mais que a equivocidade da linguagem impeça a univocidade
de sentido do texto, ela não impede a sua determinabilidade. Nesse sentido, o fato de que a
linguagem sempre vai apresentar algum grau de indeterminação não significa que não
existam expressões mais determináveis do que outras. Afinal de contas, mesmo com toda
a indeterminação da linguagem, conseguimos fazer planos, marcar compromissos, dar
direções e estabelecer diálogos precisos, tudo isso mediante o emprego de expressões
suficientemente determinadas para tais finalidades. Isso significa que, embora não se
possa exigir total determinação do texto, o que seria impossível, pode-se e deve-se exigir
que ele seja cognoscível, isto é, que haja a elevada capacidade de se compreender os seus
sentidos possíveis35.

Ora, se é verdade que o princípio da legalidade tributária promove um estado ideal de


calculabilidade das possibilidades normativas, então o emprego de conceitos
indeterminados e de cláusulas gerais em hipóteses de incidência tributária, ao contrário do
que foi sustentado pelos autores, é vedado pelo referido princípio. Os “problemas” da

34 LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007, p. 187.

35 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 141.

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p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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linguagem que são inerentes às regras gerais e abstratas e, portanto, às hipóteses de


incidência tributária, são aqueles que dizem respeito à vagueza combinatória e à textura
aberta – estes sim representam um limite fático para a atuação do princípio da legalidade
tributária.

Em terceiro lugar, os autores sustentam que, diante da equivocidade dos textos


normativos, inclusive daqueles que veiculam hipóteses de incidência, seria admissível que
atos do Poder Executivo “complementassem”, “esclarecessem” e “dessem efetividade” às
referidas hipóteses. Isso significa que se determinado enunciado possui três sentidos
normativos possíveis, N1, N2 e N3, então o Poder Executivo poderia “complementar” tal
enunciado “esclarecendo” que o sentido correto é N1, “dando efetividade” à norma. Essa tese
contém duas incoerências internas e é infirmada por, ao menos, outras duas razões.

A primeira incoerência interna consiste na afirmação de que a hipótese de incidência deve


ser determinada ao máximo, isto é, no limite da determinabilidade da linguagem, e que,
após atingir esse máximo, ela deveria ser “complementada” pelo Poder Executivo. Ora, se a
hipótese já foi determinada no grau máximo permitido pela linguagem, não haveria como
o Poder Executivo, por meio de um ato também vertido em linguagem, determiná-la ainda
mais. É que os limites da determinação linguística já teriam sido atingidos.

A segunda incoerência interna consiste na constatação de que, se a função do ato do Poder


Executivo é “complementar”, “esclarecer” e “dar efetividade” ao texto normativo editado
pelo Poder Legislativo, o qual padeceria de uma indeterminação decorrente dos problemas
inerentes à linguagem, então por que os atos do Poder Executivo não padeceriam dos
mesmos problemas? Ora, tais atos são igualmente compostos por linguagem.
Precisaríamos, assim, de infinitos atos do Poder Executivo, cada um deles complementado
e esclarecendo o anterior, o qual sempre padeceria dos problemas inerentes à linguagem.

Essas duas constatações, longe de sustentarem que seria possível determinar a hipótese de
incidência no grau máximo permitido pela linguagem, apenas pretendem demonstrar que
a equivocidade da linguagem não é o real limite à efetividade do Princípio da legalidade
tributária e tampouco o ponto de partida da atuação do Poder Executivo. Repita-se: a
inegável existência de equivocidade da linguagem não possui qualquer relação com a
função que a Constituição Federal atribuiu ao Poder Executivo em matéria tributária.

Além dessas duas incoerências internas, as quais, por si só, demonstram que não se deve
relacionar a equivocidade da linguagem à esfera de atuação do Poder Executivo, há um
problema constitucional decorrente da tese apresentada pelos autores. Conforme já dito
na introdução, a discussão sobre a legalidade é, fundamentalmente, uma discussão sobre
alocação de poder.

De um lado, hipóteses de incidência contendo conceitos indeterminados e cláusulas gerais,


as quais deveriam ser “complementadas” por meio de atos infralegais, atribuem maior
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poder ao Executivo. De outro lado, a exigência de hipóteses de incidência tributária


determináveis atribui maior poder ao Legislativo. A Constituição Federal fez uma clara
opção: atribuiu o poder de regular o sistema tributário ao Poder Legislativo.

Por um lado, o art. 48, inciso I, da Constituição Federal estabeleceu que caberia ao
Congresso Nacional dispor sobre matérias envolvendo o sistema tributário. Por outro lado,
o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, dispôs que caberia ao Presidente da República
expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. Essa opção constitucional é
claramente incompatível com um sistema no qual o Poder Executivo deve “complementar”
e “esclarecer” as hipóteses criadas pelo Poder Legislativo. Hipóteses de incidência contendo
conceitos indeterminados e cláusulas gerais não permitem uma “fiel execução”, sendo
inconstitucionais. Da mesma forma, Decretos que “complementam” e “esclarecem” a lei,
extrapolam da função de executá-la “fielmente”, razão pela qual também são
inconstitucionais.

Aqui entra em cena um princípio estruturante do Estado de Direito, o princípio da


separação de poderes, cláusula pétrea da nossa Constituição36. Cabe ao Poder Legislativo
decidir quem, por que, quando e em que medida terá seus direitos fundamentais de
propriedade e de liberdade restringidos por meio da tributação. Pode ser que essa não
tenha sido a melhor escolha, mas a questão de quem deve decidir é distinta da questão de
qual é a melhor decisão37.

A limitação constitucional da atuação do Poder Executivo em matéria tributária torna o


nosso sistema tributário lento, muitas vezes anacrônico, incapaz de acompanhar
rapidamente o desenvolvimento tecnológico – e é justamente essa a intenção.
Constituições existem precisamente para evitar mudanças, protegendo certos direitos de
forma que as futuras gerações não consigam modificá-los facilmente38. A Constituição
Federal de 1988, em matéria tributária, optou por privilegiar a segurança jurídica e o
princípio democrático, em detrimento de um sistema tributário ágil e flexível.

Além de um problema constitucional, a tese dos autores a respeito da atuação do Poder


Executivo apresenta um problema metodológico, mais precisamente a respeito do conceito
de interpretação jurídica. Esse problema decorre de uma confusão entre, de um lado, a
inexistência de univocidade de sentido do enunciado, e, de outro lado, a existência de um
sentido que seja o mais adequado.

36 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
III – a separação dos Poderes;”
37 LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007, p. 144.

38 SCALIA, Antonin. A matter of interpretation: Federal Courts and the Law. New Jersey: Princeton University Press, 1997, p. 40.

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Na interpretação de um poema, não há qualquer problema em se elencar os diversos


sentidos que podem ser atribuídos a um texto, e parar por aí. Na interpretação de um
enunciado jurídico, contudo, espera-se mais. Muito embora elencar os sentidos normativos
possíveis de um texto seja parte da interpretação jurídica, deve-se apontar, por meio do
emprego de argumentos jurídicos, qual é a melhor resposta, ainda que essa não seja a única
resposta correta. Por isso, pode-se afirmar que a interpretação jurídica envolve uma decisão
a respeito de qual é a melhor resposta possível, isto é, qual resposta possui a maior
aceitabilidade jurídico-racional do ponto de vista da comunidade jurídica39.

Se isso tudo for verdade, então pouco importa que o Poder Executivo tenha “esclarecido”
determinado enunciado por meio da fixação do sentido normativo N1. Se o sentido N2
encontra maior aceitabilidade racional (e isso deve ser demonstrado por meio de uma
justificação adequada por parte do Poder Judiciário), então N1 é um sentido inválido, assim
como o é o ato do Poder Executivo que o fixou. As hipóteses de incidência, muito embora
possuam mais de um sentido possível (os quais não devem ser muitos, sob pena de
inconstitucionalidade), possuem um único sentido que é o mais adequado, e não cabe ao
Poder Executivo decidir qual é esse sentido.

As considerações anteriores permitem concluir que, em primeiro lugar, a equivocidade da


linguagem empregada nos enunciados relativos às hipóteses de incidência não é o ponto
de partida para a atuação do Poder Executivo. Em segundo lugar, é função do Poder
Legislativo, e não do Poder Executivo, definir de forma clara as hipóteses de incidência. Por
fim, em terceiro lugar, por mais que os enunciados jurídicos apresentem mais de um
sentido possível, apenas um desses sentidos é o mais adequado, de forma que se o Poder
Executivo optar por qualquer outro sentido essa escolha será inválida.

A diferença da tese sustentada pelos autores quanto ao conteúdo do princípio da legalidade


tributária e o que se defende no presente artigo talvez fique mais clara por meio da análise
de um exemplo, envolvendo a contribuição ao SAT (Seguro de Acidente de Trabalho).
Referida contribuição foi instituída pela Lei n. 8.212/1991 e previa que a alíquota seria
atribuída a partir do grau de risco de acidente de trabalho da atividade preponderante do
contribuinte (leve, médio ou grave), o qual deveria ser aferido por meio de Decreto. O
Supremo Tribunal Federal, por meio da análise do Recurso Extraordinário n. 343.446,
entendeu que tal disposição não violaria o princípio da legalidade tributária:

“O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de


‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco leve, médio ou grave’, não implica ofensa
ao princípio da igualdade tributária, C.F., art. 150, I. [...] Em certos casos, entretanto, a
aplicação da lei, no caso concreto, exige a aferição de dados e elementos. Nesses
casos, a lei, fixando parâmetros e padrões, comete ao regulamento essa aferição. Não

39 AARNIO, Aulis. Essays on the doctrinal study of law. Springer: Dordrecht, 2011, p. 173.

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há falar, em casos assim, em delegação pura, que é ofensiva ao princípio da


legalidade genérica (C.F., art. 5º, II) e da legalidade tributária (C.F., art. 150, I).”40

Para Schoueri, Ferreira e Luz, a decisão do Supremo Tribunal Federal foi correta, tendo
reconstruído adequadamente o conteúdo do princípio da legalidade tributária. É que,
segundo eles, a dimensão de princípio da legalidade tributária autorizaria o emprego de
conceitos indeterminados e a posterior “complementação” desse conceito pelo Poder
Executivo:

“Ainda que o julgamento do RE n. 343.446 não tenha se valido desses termos, parece-
nos que foi a concepção da Legalidade Tributária enquanto princípio que
tangenciou o entendimento descrito acima. Como mandamento de otimização,
espera-se que o legislador descreva, na maior medida possível, os elementos que
compõem a hipótese de incidência tributária. A descrição nunca será absoluta, isto
é, exauriente. Alguns desses elementos dependerão, em maior ou menor grau, da
complementação de ‘dados e elementos’ que o Poder Executivo poderá prover. Até
aqui, ao menos, as conclusões do RE n. 343.446 parecem plenamente alinhadas ao
conteúdo da Legalidade Tributária defendida no subtópico anterior. O que o
Tribunal fez foi, apenas, confirmar essa dimensão principiológica e, no caso
concreto, entendeu suficientemente atendido o princípio, uma vez que o conceito,
posto indeterminado, já se encontrava no texto legal. É dizer – completamos nós – o
Tribunal entendeu que o legislador foi o mais preciso possível, dadas as
circunstâncias, conferindo suficiente certeza e permitindo que o Executivo
regulamentasse o que já estava na lei.”41

De acordo com o conteúdo normativo que se atribui ao princípio da legalidade tributária


no presente artigo, contudo, o Supremo Tribunal Federal errou. Nesse sentido, importante
observar que a premissa adotada pelo Ministro Carlos Velloso e pelos autores, segundo a
qual Lei n. 8.212/1991 teria sido o mais precisa possível, mas que para se aferir os “dados e
elementos” necessários à sua aplicação seria inevitável a atuação do Poder Executivo,
decorre do fato de que o Poder Legislativo escolheu empregar expressões que dependem
da aferição de “dados e elementos” para serem determináveis. Essa escolha do Poder
Legislativo, no entanto, é inconstitucional.

Não se trata, ao contrário do que afirmam os autores, de uma exigência de uma descrição
exauriente, mas sim de uma descrição determinável. Se essa exigência é ruim, se ela
“engessa” a tributação, se ela atrapalha a política fiscal do país, nada disso importa. O que
importa é que essa exigência decorre da Constituição Federal, mais precisamente do

40 RE n. 343.446, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 20.03.2003.

41 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 41-42.

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princípio da legalidade tributária. A hipótese de incidência da contribuição ao SAT viola


esse princípio na medida em que não promove os ideais de determinabilidade, de
mensurabilidade e de representatividade. De um lado, a hipótese contém termos que
padecem de insaciabilidade (atividade preponderante é aquela com o maior número de
empregados ou a que é responsável pelo maior faturamento?) e de gradualismo (qual o
limite entre leve, médio e grave?), de outro lado, a hipótese atribui ao Poder Executivo a
função de determinar os sentidos normativos da referida hipótese e de, em última
instância, estabelecer a alíquota do tributo.

De todo o exposto ao longo deste tópico, pode-se concluir, em primeiro lugar, que o
conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária é mais amplo do que o simples
dever de determinabilidade da hipótese de incidência tributária. Esse princípio obriga a
adoção de condutas que visam promover diversos estados ideais, dentre eles o de
calculabilidade, o de livre iniciativa e o de representação. Em segundo lugar, o princípio da
legalidade tributária, por meio da sua eficácia bloqueadora, torna inválidas hipóteses de
incidência que contenham conceitos indeterminados, cláusulas gerais ou expressões que
gerem elevadas zonas de penumbra. Em terceiro lugar, o princípio da legalidade tributária,
também por meio de sua eficácia bloqueadora, torna inválidos atos do Poder Executivo
tendentes a “complementar”, “esclarecer” ou “dar efetividade” às hipóteses de incidência
tributária, exceto quando esses atos normativos tenham fixado o sentido normativo que,
além de possível, seja o mais aceitável racionalmente.

Importante, por fim, reiterar o princípio da legalidade tributária, por ser princípio, não
deixa de ser normativo. Eles se diferenciam de simples “valores” justamente porque
possuem caráter deontológico, e não axiológico42. É dizer: o princípio da legalidade institui
o dever de que sejam adotados comportamentos necessários à realização dos estados de
coisas que ele promove43.

3. TIPICIDADE FECHADA: UMA IDEIA ATUAL


O presente tópico irá examinar a afirmação dos autores de que a ideia de “tipicidade
fechada”, defendida, sobretudo, na obra de Alberto Xavier, seria uma “pretensão
inalcançável” que deveria ser superada. Esse exame será feito em três partes. Em primeiro
lugar, irá se analisar as afirmações feitas pelo voto do Ministro Relator Dias Toffoli no
Recurso Extraordinário n. 1.043.313/RS sobre a ideia da “tipicidade fechada”, assim como as
afirmações dos autores a esse respeito. Em segundo lugar, será analisada a obra “O
Princípio da Legalidade e da Tipicidade da Tributação”44, por meio da qual Alberto Xavier,
considerado pelo próprio Ministro Dias Toffoli como o “líder” da corrente que defende a

42 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 153.

43 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 162.

44 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978.

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“tipicidade fechada”, fundamenta sua tese. Por fim, em terceiro lugar, será sustentado que
a doutrina da “tipicidade fechada” está mais atual do que nunca.

O Ministro Dias Toffoli sustenta que a doutrina da “tipicidade fechada”, liderada por
Alberto Xavier e adotada pela jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal, teria
sido superada em decisões mais recentes. Com isso, passou a se permitir que “a lei
dialogasse com o regulamento” para tratar dos elementos da hipótese de incidência
tributária:

“Acerca da legalidade tributária, é certo que, tradicionalmente, o Tribunal vinha


pautando seu entendimento no sentido de que ela seria estrita ou fechada.
Entendia-se, em síntese, que o legislador deveria dispor, em toda extensão e
profundidade, sobre todos os elementos da regra matriz de incidência tributária.
Nesse sentido, não se permitia que a lei dialogasse com o regulamento para tratar
desses aspectos tributários. [...] Essa orientação, aliás, sempre foi defendida pela
doutrina mais clássica, como a capitaneada por Alberto Xavier. No exame do RE nº
343.446/SC, o Supremo Tribunal Federal sinalizou uma ruptura desse dogma,
apontando, nas palavras de Marco Aurélio Greco, que a ‘exigência constitucional [...]
é de uma legalidade suficiente e não de uma legalidade estrita’.” (p. 3-4 do voto)
“Na ADI nº 4.697/DF, esteve em questão a mesma matéria sob o enfoque da Lei nº
12.514/04, que possibilita aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas
fixar, conforme os tetos e parâmetros nela prescritos, as contribuições anuais
devidas por pessoas físicas ou jurídicas. Em relação ao princípio da legalidade
tributária, o Relator, o Ministro Edson Fachin, asseverou que não podia concordar
com a aplicação do princípio da tipicidade cerrada, tal como defendida por Alberto
Xavier, ‘sob pena de inviabilização da tributação no país ou, pelo menos [de se]
assumir um modelo de legalismo datado na evolução histórico-filosófica das ideias
tributárias brasilianas’.” (p. 5 do voto)

As considerações do Ministro Dias Toffoli a respeito da chamada “doutrina da tipicidade


fechada” foram expressamente referendadas por Schoueri, Ferreira e Luz. Para os autores,
a pretensão da referida doutrina quanto à determinação das hipóteses de incidência seria
inalcançável:

“Nesse sentido, as ponderações do Ministro Dias Toffoli acerca da superação da


doutrina que encarava a Legalidade Tributária como ‘cerrada’ são absolutamente
pertinentes. É o reconhecimento de que esperar do legislador tributário
determinações absolutas e suficientes à sua aplicação em qualquer cenário é uma
pretensão inalcançável.”45

45 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 26.

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“Verificamos que os primeiros tópicos dos votos do Ministro Dias Toffoli buscam
estabelecer premissas a respeito da ‘moldura’ da Legalidade Tributária no
Ordenamento Jurídico Brasileiro e sobre o entendimento atual adotado a seu
respeito pelo STF. Ainda que estejamos de acordo com várias dessas premissas,
como a superação de concepções ‘estritas’ ou ‘cerradas’ acerca da Legalidade
Tributária, outras demandam olhar mais cuidadoso.”46

Diante das colocações da decisão do STF e da obra de Schoueri, Ferreira e Luz a respeito da
improcedência da ideia de legalidade “fechada”, a qual teria uma pretensão inalcançável,
cumpre analisar a obra de Alberto Xavier a esse respeito, uma vez que tal autor teria
“capitaneado” a referida doutrina, conforme afirmado pelo Ministro Dias Toffoli. De fato, é
inegável que a sua obra “Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação”, de 1978,
exerceu e ainda exerce uma enorme influência na doutrina e na jurisprudência.

Antes de mais nada, é preciso diferenciar três formas distintas de se compreender a teoria
de Alberto Xavier a respeito da tipicidade “fechada”. Em primeiro lugar, há, supostamente,
uma teoria da interpretação pressuposta por essa doutrina. Em segundo lugar, há a
doutrina a respeito do conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária. E, em
terceiro lugar, há a doutrina a respeito do conteúdo normativo do postulado da legalidade
tributária.

Em primeiro lugar, pode-se dizer que, em diversas passagens, Alberto Xavier parece
pressupor uma teoria cognitivista da interpretação. A teoria cognitivista da interpretação
entende que interpretar corresponde a descobrir o significado normativo do enunciado,
isto é, interpretar envolve atos de conhecimento47. A adoção de uma teoria cognitivista da
interpretação fica clara nos trechos em que Alberto Xavier entende ser possível que
determinados enunciados normativos tenham sentido normativo unívoco, o qual seria
obtido por mera dedução, tal como no exemplo abaixo:

“a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de


tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por
ela diretamente fornecidos. A decisão do caso concreto obtém-se, assim, por mera
dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na
norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal.”48

Quanto à adoção de uma teoria cognitivista da interpretação por Alberto Xavier, concorda-
se com Schoueri, Ferreira e Luz: exigir do legislador que elabore hipóteses de incidência

46 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 93.

47 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, p. 409.

48 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 38.

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tributária com sentidos unívocos envolve uma pretensão inalcançável. Mas, a bem da
verdade, o próprio Alberto Xavier reconhece, mais adiante, que a linguagem sempre terá
um certo nível de indeterminação:

“Antes de mais, cumpre fazer uma observação fundamental: é que, a bem dizer, não
existem conceitos absoluta e rigorosamente determinados; e que, deparando com
aquilo que já se tem designado por uma ‘indeterminação imanente’ de todos os
conceitos, se é forçado a reconhecer que a problemática da indeterminação não é
tanto de natureza como de grau.”49

Esse reconhecimento de Alberto Xavier quanto à “indeterminação imanente” da linguagem,


de um lado, é contraditório com as suas afirmações anteriores a respeito da “dedução” e da
“subsunção” do sentido normativo a partir do enunciado, de outro lado, joga nova luz a
respeito da doutrina do autor sobre a chamada “tipicidade fechada”. Afinal, se Alberto
Xavier realmente entendesse que fosse possível ao legislador incluir expressões com
sentido unívoco nas hipóteses de incidência, então bastaria a ele sustentar a existência de
um princípio da legalidade tributária que vedasse o emprego de expressões não unívocas.
Um postulado da legalidade tributária, dirigido ao intérprete, seria completamente
desnecessário, uma vez que as hipóteses de incidência que não violassem o princípio da
legalidade tributária teriam apenas um sentido normativo possível. Disso tudo decorre que
a simples defesa da existência de um postulado da legalidade tributária por Alberto Xavier,
conforme será demonstrado mais adiante, desautoriza a conclusão de que o autor era
adepto de uma teoria cognitivista da interpretação, e de que essa teoria teria relação com a
doutrina da tipicidade fechada.

Em segundo lugar, Alberto Xavier sustenta uma doutrina a respeito do conteúdo


normativo do princípio da legalidade tributária. Segundo essa doutrina, o Princípio da
Legalidade Tributária poderia ser deduzido a partir do Estado de Direito e da Segurança
Jurídica, e promoveria, dentre outras coisas, um ideal de calculabilidade. Nesse sentido, o
princípio da legalidade tributária exigiria do legislador que as hipóteses tributárias
oferecessem, na medida do possível, um elevado grau de determinação conceitual, vedando
o emprego de cláusulas gerais, próprias de Estados totalitários:

“O método da cláusula geral – tão caro aos Estados totalitários – não pode deixar de
brigar com a própria essência do Estado de Direito e, em especial, com os valores da
segurança jurídica que este encarna.”50

49 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 97.

50 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 85.

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“As normas tributárias, como normas de decisão material


(Sachentscheidungsnormen) visam pois a delimitar, na medida do possível, a livre
valoração e decisão do administrador e do juiz.”51
“O princípio da determinação converte, pois, o tipo tributário num tipo
rigorosamente fechado: e tipo fechado não só no sentido que lhe atribui Oliveira
Ascenção, de tipo que exclui outros elementos juridicamente relevantes que lhe
sejam exteriores, [...], mas também no sentido que lhe atribuem Larenz e Roxin, de
tipo que oferece elevado grau de determinação conceitual, ou de fixação do
conteúdo.”52
“Recorde-se uma vez mais ser a segurança jurídica o fundamento do princípio da
determinação; lembre-se mais uma vez que a segurança jurídica se traduz na
suscetibilidade de previsão objetiva, por banda dos particulares, das suas situações
jurídicas, de tal modo que estes sejam protegidos na sua confiança quanto aos
direitos e deveres futuros; e, presentes estas ideias, concluir-se-á naturalmente que
a indeterminação conceitual relevante para o Direito Tributário é precisamente
aquela que afeta a referida segurança jurídica, a mencionada suscetibilidade de
previsão objetiva.”53

A doutrina de Alberto Xavier a respeito do princípio da legalidade tributária, portanto, não


afirma que tal princípio exige univocidade de sentido por parte das hipóteses de incidência.
O princípio da legalidade tributária, segundo o autor, exige que as hipóteses de incidência
contidas na lei sejam suficientemente determináveis a ponto de os contribuintes poderem
planejar suas vidas com segurança, de forma a preservar os direitos fundamentais à
liberdade e à propriedade.

Em terceiro lugar, pode-se depreender a partir da obra de Alberto Xavier a existência de


uma doutrina a respeito do postulado da legalidade tributária. De acordo com o autor, esse
postulado determinaria que a interpretação das hipóteses tributárias fosse feita mediante:
(i) a prevalência de argumentos linguísticos, (ii) a vedação da analogia e (iii) a adoção de uma
postura formalista:

“A regra constitucional de reserva absoluta representa, pois, um duplo ditame: ao


legislador e ao órgão de aplicação do direito. Ao primeiro, enquanto o obriga – sob
pena de inconstitucionalidade – a formular os comandos legislativos em matéria
tributária em termos de rigorosa reserva absoluta. Ao segundo, por excluir o
subjetivismo na aplicação da lei, a criação judicial ou administrativa do Direito

51 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 93.

52 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 94.

53 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 97.

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HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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ISSN: 1415-8124 /e-ISSN: 2595-6280

Tributário, o que envolve, de um lado, a proibição da analogia e, de outro lado, a


proibição da discricionariedade.”54
“a tipologia se distingue da classificação, ao deixar de fora do seu âmbito realidades
que, se bem que aspectos do conceito geral, foram precisamente excluídas pela
atividade seletiva do legislador. Por outras palavras: os tipos tributários são todos
eles emanação do conceito geral de tributo, baseado na ideia de capacidade
contributiva, mas não esgotam esse conceito.”55
“A tipicidade do Direito Tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma
tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos fatos e
produção dos efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos
e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo
legal.”56

A doutrina do postulado da legalidade tributária de Alberto Xavier é particularmente


pertinente para os dias atuais na medida em que ressalta que, se de um lado a existência de
capacidade contributiva é requisito para que determinado fato seja selecionado como
tributável, de outro lado, existe toda uma gama de fatos que denotam capacidade
contributiva, mas que não foram selecionados pelo legislador, de forma que os tipos
tributários não esgotam o conceito de capacidade contributiva. Em outras palavras: a
interpretação eminentemente textual e formalista das hipóteses de incidência tributária,
tal como exige o postulado da legalidade tributária, impede que considerações a respeito
de elementos que não são reconstruídos a partir do texto da hipótese de incidência, tais
como a capacidade contributiva, sejam utilizadas para se determinar o âmbito de
incidência da regra tributária.

As breves considerações anteriores permitem concluir que a “teoria da tipicidade fechada”


de Alberto Xavier não é “inalcançável” e tampouco é “datada”. De um lado, ela não é
“inalcançável” porque admite que os conceitos empregados nas hipóteses de incidência
apresentam algum grau de indeterminação; de outro lado, ela não é “datada” porque,
mesmo que se diga que o autor, em alguns trechos, adotou uma ultrapassada teoria
cognitivista da interpretação, subsistem as suas doutrinas a respeito do princípio da
legalidade tributária e do postulado da legalidade tributária, ainda pertinentes para os dias
atuais. A verdade é que podemos dizer que a legalidade tributária é “suficiente”, que ela é
“fechada”, que ela é “cerrada”, que ela é “líquida”, que ela é “sólida”, que ela é “azul”, que ela é
“vermelha” etc. O nome pouco importa. O que interessa é: qual o conteúdo normativo da
legalidade tributária? Segundo Alberto Xavier, há, de um lado, um princípio da legalidade
tributária, que, dentre outras coisas, proíbe o emprego de conceitos indeterminados e de

54 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 38-39.

55 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 84.

56 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 92.

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HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributária; há, de outro lado, um postulado da
legalidade tributária, que determina a prevalência de argumentos linguísticos, a vedação
da analogia e o formalismo na interpretação de hipóteses de incidência. Essas duas teses
de Alberto Xavier, além de fortemente persuasivas e reconduzíveis ao ordenamento
jurídico brasileiro, são, infelizmente, mais atuais e necessárias do que nunca.

CONCLUSÃO
Na tradição judaica, a ceia de Pessach é marcada por um costume chamado “Má nishtaná”,
por meio do qual o integrante mais jovem da família dirige uma série de questionamentos
ao membro mais antigo, que vão desde perguntas gerais (“Por que esta noite é diferente de
todas as outras noites?”) até perguntas específicas (“Por que nas outras noites não
mergulhamos os vegetais nem mesmo uma só vez, mas nessa noite mergulhamos duas
vezes?”). Ao responder essas perguntas, o membro mais antigo conta ao mais jovem e a toda
família a história da fuga do povo judeu da escravidão no Egito, que é justamente o fato
celebrado na ceia de Pessach, explicando, afinal, por que se trata de uma noite diferente de
todas as outras noites: naquela noite se comemora a liberdade. No Pessach, o
questionamento pelo membro mais jovem do que está ali estabelecido é visto não só como
uma forma de manter a tradição e passá-la adiante, mas também como uma maneira de
demonstrar respeito pelo membro mais antigo da família, a quem são dirigidas as
perguntas e de quem são esperadas as respostas. É com o espírito de Pessach que os
questionamentos formulados no presente artigo devem ser encarados: como uma forma
de manter a tradição do debate científico, de demonstrar respeito pelos autores e de
celebrar a liberdade acadêmica.

Feitas essas considerações, conclui-se que, em primeiro lugar a regra da legalidade


tributária não é uma “via de mão dupla”, mas sim uma “via de mão única”, na medida em
que não impede que o Poder Legislativo delegue ao Poder Executivo o poder de reduzir
tributos. Em segundo lugar, o conteúdo do princípio da legalidade tributária é mais amplo
do que o defendido pelos autores e veda o emprego em hipóteses de incidência tributárias
de termos que contenham termos apresentando insaciabilidade (tais como conceitos
indeterminados ou cláusulas gerais) ou gradualismo (diversas zonas de penumbra), assim
como veda que o Poder Executivo “complemente”, “esclareça” ou “dê efetividade” às
hipóteses de incidência tributárias. Por fim, em terceiro lugar, a “doutrina da tipicidade
fechada” de Alberto Xavier, por meio da qual ele delimita o conteúdo normativo do
princípio da legalidade tributária e do postulado da legalidade tributária, é extremamente
coerente com o ordenamento jurídico brasileiro e pertinente para os dias atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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