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Graduado em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Tributário pelo IET/PUCRS. Mestre em
Direito Tributário pela USP. Advogado. E-mail: eduardo.halperin@humbertoavila.com.br
DOI: http://dx.doi.org/10.46801/2595-6280-rdta-47-22
RESUMO
O presente artigo irá analisar criticamente a Teoria da Legalidade Tributária que permeia a obra “Legalidade
Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”,
apresentando três críticas: a primeira, que a regra da legalidade tributária não impede a redução de alíquotas
pelo Poder Executivo; a segunda, que o princípio da legalidade tributária não permite o emprego de conceitos
indeterminados e de cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributária; e, a terceira, que a doutrina da
ABSTRACT
This article will critically analyze the Theory of Tax Legality that permeates the work “Legalidade Tributária e
o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”, presenting three
criticisms: the first, that the rule of tax legality does not prevent the reduction of rates by the Executive Branch;
the second, that the principle of tax legality does not al-low the use of indeterminate concepts and general
clauses in the abstract tax-able events; and, the third, that Alberto Xavier’s “closed tax legality” doctrine is
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HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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INTRODUÇÃO
“That is what this suit is about. Power. The allocation of power among Congress,
the President, and the courts in such fashion as to preserve the equilibrium the
Constitution sought to establish. […] Frequently an issue of this sort will come
before the Court clad, so to speak, in sheep’s clothing: the potential of the asserted
principle to effect important change in the equilibrium of power is not immediately
evident, and must be discerned by a careful and perceptive analysis. But this wolf
comes as a Wolf.”
(Justice Antonin Scalia, em sua dissidência no caso Morrison v. Olson, 487 U.S. 654)
Recentemente, o Professor Luís Eduardo Schoueri, juntamente com Diogo Ferreira e Victor
Luz, lançou o livro “Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a
ótica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.227”1. Nos casos referidos pelo título, o Supremo Tribunal
Federal entendeu que a lei poderia delegar ao Poder Executivo a competência para a
redução e para o reestabelecimento de alíquotas de PIS e COFINS, não havendo nisso
qualquer violação à legalidade tributária. A tese central da obra é que essas decisões do
Supremo Tribunal Federal violaram a dimensão de regra da legalidade tributária.
Não se discorda da tese central dos autores. A regra da legalidade prescreve de forma
objetiva um comportamento que deve ser seguido pelo Poder Público (“se aumentar
tributo, deve ser por meio de lei formal”), o qual é manifestamente desrespeitado pela União
Federal nas hipóteses em que um tributo é majorado por meio de Decreto. O objetivo do
presente artigo é examinar criticamente a Teoria da Legalidade Tributária que permeia a
obra, mais precisamente três fundamentos que foram sustentados pelos autores ao longo
dela: (i) a regra da legalidade seria uma via de mão dupla, proibindo tanto o aumento quanto
a redução de tributos por meio de Decreto; (ii) o princípio da legalidade tributária permitiria
o emprego de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais em hipóteses de incidência
tributária, assim como autorizaria que o Poder Executivo “complementasse” e
“esclarecesse” as referidas hipóteses; e (iii) a noção de tipicidade “fechada” ou “estrita” seria
improcedente.
Essa análise crítica é importante por duas razões. Em primeiro lugar, porque o tema da
legalidade tributária vem ganhando enorme atenção de parcela da doutrina, que tem
introduzido ideias tais como a “deslegalização” e a “legalidade líquida”, todas elas propondo
um enfraquecimento da legalidade enquanto limitação ao poder de tributar2. Tais ideias,
1 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021.
2 Nesse sentido: ROCHA, Sergio André. A deslegalização no direito tributário contemporâneo: segurança jurídica, legalidade, conceitos
indeterminados, tipicidade e liberdade de conformação da Administração Pública. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; ROCHA, Sergio André.
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por sua vez, vêm recebendo aceitação da jurisprudência. A presente discussão diz respeito
a muito mais do que a fixação de alíquotas de PIS e de COFINS. Qualquer controvérsia
envolvendo a legalidade tributária diz respeito, no fundo, a uma discussão sobre
democracia e alocação de poder – o bordão “no taxation without representation” é uma
antiga prova disso.
Em segundo lugar, essa análise crítica é importante porque como toda obra do Professor
Schoueri – que neste caso contou com a coautoria de Diogo Ferreira e de Victor Luz – o livro
“Legalidade Tributária e o Supremo Tribunal Federal” está destinado a influenciar
enormemente a doutrina e a moldar o conceito de legalidade tributária na jurisprudência,
notadamente no próprio Supremo Tribunal Federal. Isso não ocorre por acaso. O Professor
Schoueri é um dos maiores tributaristas do país, sendo uma grande fonte de exemplo e de
inspiração para gerações de alunos, dentre os quais, com muito orgulho, eu me incluo.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a examinar criticamente três dos fundamentos
que sustentam a Teoria da Legalidade Tributária apresentada pelos autores.
Com base nesse dispositivo legal, o Poder Executivo, por meio dos Decretos n. 5.164/2004 e
n. 5.442/2005, reduziu a zero as alíquotas de PIS e de COFINS sobre receitas financeiras
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“Neste livro, sustentamos que também a redução de alíquotas de tributos deve ser
feita por lei que a estabeleça, por força do conteúdo da Legalidade Tributária. É
dizer: em tese, a redução realizada no passado também estaria em desacordo com a
Legalidade Tributária. No entanto, o não questionamento, por parte dos
contribuintes, da inconstitucionalidade cometida pelo Executivo dez anos antes
não justifica uma segunda inconstitucionalidade.”3
“Objetivamente, portanto, entendemos que o § 2º do artigo 27 da Lei n. 10.865/2004 é
inconstitucional. Esse vício, importa ressaltar, atinge tanto a delegação atribuída ao
Poder Executivo para reduzir como para reestabelecer as alíquotas dessas
contribuições. A rigor, portanto, a redução da alíquota sobre receitas financeiras
para zero, pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, também poderia ter sua
inconstitucionalidade declarada pelo STF. Por certo, o Tribunal assim não se
manifestou porque questionamentos acerca da redução das alíquotas por ato
infralegal não são objeto do RE n. 1.043.313, de forma que eventual manifestação a
esse respeito poderia representar julgamento extra petita.”4
3 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 9-10.
4 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 102.
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II, da CF), teria complementado a Constituição Federal determinando que somente a lei
poderia tratar da redução de tributos. É o que dizem os autores:
“De fato, como antecipamos, a regra da Legalidade Tributária é uma via de mão
dupla: não se pode majorar nem reduzir tributos sem lei que o estabeleça. A
importância é tamanha, que o constituinte não se furtou a regulamentar a matéria
de forma direta na Constituição, estabelecendo, no artigo 150 § 6º, reserva de ‘lei
específica’ para o estabelecimento de benefícios fiscais em geral. Cumprindo o papel
de lei complementar, ainda, o artigo 97, incisos I, II e VI, do CTN, expressamente
impõe que somente a lei poderá tratar da extinção ou da redução de tributos e,
ainda, das causas de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários.”5
Quanto a esse argumento dos autores relacionado ao art. 97 do Código Tributário Nacional,
importante ressaltar que, ao fim e ao cabo, de acordo com os fundamentos apresentados,
seria ele quem dotaria de significado o art. 150, I, da Constituição Federal. Assim, o que a
regra constitucional da legalidade tributária prescreveria é que somente a lei pode
estabelecer a instituição de tributos, ou a sua extinção (art. 97, I); a majoração de tributos,
ou sua redução, [...] (art. 97, II); a definição do fato gerador da obrigação tributária principal
[...] (art. 97, III); a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo [...] (art. 97, IV); a
cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para
outras infrações nela definidas (art. 97, V); e as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção
de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades (art. 97, VI):
5 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 132.
6 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 27.
7 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 29.
8 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 31.
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A tese dos autores a respeito da redução de tributos por meio de atos infralegais, portanto,
pode ser resumida da seguinte forma: a legalidade tributária veda a redução de alíquotas
por meio de Decretos e a delegação legal para tanto, seja porque a Constituição Federal
exige lei específica para a concessão de benefícios fiscais (art. 150, § 6º), seja porque o art. 97
do Código Tributário Nacional complementou a norma constitucional da legalidade com a
exigência expressa de lei em sentido formal para a redução de tributos e para a fixação de
alíquotas.
Em primeiro lugar, a legalidade é norma que tem como objetivo proteger o indivíduo frente
ao Estado. Mais do que um escudo, que isola completamente o indivíduo, a legalidade é uma
peneira: protege o indivíduo das impurezas estatais, mas permite que cheguem até ele
eventuais vantagens concedidas pelo Estado. Essa constatação é suportada por três
argumentos: um argumento linguístico, um argumento teleológico e um argumento
sistemático.
9 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 32.
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10 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 204.
11 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 253.
12 LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros,
2018, p. 69.
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A legalidade tributária, portanto, é uma norma que protege o contribuinte frente ao Estado.
Essa conclusão decorre da linguagem empregada pelo constituinte (argumento linguístico),
das finalidades de se exigir lei em sentido formal (argumento teleológico) e dos capítulos
nos quais foram inseridos os enunciados a partir dos quais se reconstroem as normas da
legalidade (argumento sistemático).
Em segundo lugar, o art. 97 do Código Tributário Nacional não deve ser interpretado como
o introdutor no ordenamento jurídico de uma regra de legalidade que impede o Poder
Executivo de reduzir tributos. Essa conclusão é suportada por três argumentos: dois
argumentos linguísticos e um argumento sistemático.
13 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 29.
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(destaque nosso). Ainda, importante perceber que a regulação que cabe à Lei
Complementar é relacionada às limitações constitucionais ao poder de tributar – conforme
já dito, limitar o poder de tributar não é o mesmo que limitar o poder de reduzir tributos;
em verdade, é a sua antítese.
A suposta regra que proíbe a redução de tributos por meio de Decreto, portanto, não
decorre da interpretação do art. 97 do Código Tributário Nacional. Em verdade, nos trechos
em que tal enunciado coincide com a norma constitucional, ele é expletivo. Nos trechos em
que ele inova, tal como no inciso II, que exige lei para a redução de tributos, ou no inciso IV,
que exige lei para fixar uma nova alíquota (inclusive mais baixa), ele é inconstitucional. Se
tal dispositivo desaparecesse amanhã, o sistema normativo continuaria o mesmo. Essa
conclusão decorre da linguagem empregada pelo constituinte (argumentos linguísticos) e
da hierarquia existente entre as normas envolvidas (argumento sistemático).
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A partir daí, pode-se argumentar, de forma sistemática, que a referida norma se relaciona
com (i) a legalidade orçamentária (instituída pelo art. 165, § 6º, da Constituição Federal) e
com (ii) o princípio democrático14. De um lado, a legalidade orçamentária tem como
objetivo resguardar o equilíbrio entre receitas e despesas no orçamento público,
determinando que o projeto de lei orçamentária “será acompanhado de demonstrativo
regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias,
remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”. De outro
lado, o princípio democrático estabelece que eventuais renúncias de receita devem ser
aprovadas pelos representantes do povo15. É que a regra da legalidade deve ser
interpretada em conexão com o princípio democrático que visa materializar, de forma que
a representatividade popular no processo de elaboração normativa deve ser considerada 16.
O importante disso tudo é que não há inconstitucionalidade na lei que autoriza a redução
de alíquota por meio de Decreto e tampouco no próprio Decreto que a reduz: havendo
previsão orçamentária acerca da renúncia fiscal decorrente da concessão do benefício e
ocorrendo discussão pelo parlamento a respeito da possibilidade de concessão do benefício
fiscal por meio da delegação normativa, a norma reconstruída pelo § 6º do art. 150 da
Constituição Federal resta observada17. O § 6º do art. 150 da Constituição Federal, vale
lembrar, foi inserido no capítulo constitucional das limitações ao poder de tributar, não
podendo ser utilizado como argumento para se restringir essa limitação, isto é, para
impedir que tributos sejam reduzidos, ainda mais quando as razões que justificaram a
edição dessa regra (participação democrática na concessão de benefícios fiscais e equilíbrio
orçamentário) foram plenamente atendidas. Por certo, há que se verificar se esse é o caso
da Lei n. 10.865/2004, mas o importante, aqui, é refutar a existência de uma regra geral da
legalidade que impeça a delegação normativa para que o Poder Executivo reduza tributos
ou conceda benefícios fiscais.
14 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 207.
15 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 208.
16 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 286.
17 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária: funções e limites dos decretos, instruções
normativas e outros atos regulamentares. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 210.
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Por fim, há que se esclarecer que, muito embora seja constitucional a redução de tributo
por meio de Decreto quando há delegação da lei para tanto, o mesmo não ocorre quando o
Decreto reduz o tributo sem autorização legal. Mas essa inconstitucionalidade não decorre
de uma eventual violação à regra ou ao princípio da legalidade tributária – como já dito,
essas normas, que têm como finalidade a limitação do poder de tributar, não devem ser
invocadas para impedir a redução de tributos. A redução tributária por meio de Decreto
sem a autorização legal viola o princípio da separação de poderes, norma estruturante do
sistema jurídico e do próprio Estado de Direito18. Com efeito, a Constituição Federal é clara
em atribuir ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre o sistema tributário
(art. 48, I19), cabendo ao Poder Executivo tão somente editar Decretos para a fiel execução
das leis (art. 84, IV20). Assim, se o Poder Executivo reduzir um tributo sem autorização legal,
o ato que promoveu tal redução será inválido – mas não necessariamente ineficaz, uma vez
que o princípio da proteção da confiança poderá atuar em determinado caso concreto para
proteger o contribuinte que agiu com base no referido ato normativo.
As considerações anteriores permitem concluir que a redução de tributos pode ser feita por
meio da delegação de lei a atos infralegais, uma vez que a legalidade serve à proteção do
contribuinte, e não para assegurar o poder de tributar do Estado. De um lado, o art. 97 do
Código Tributário Nacional, no trecho em que exige lei formal para a redução de tributos,
é inconstitucional; de outro lado, a norma reconstruída a partir do § 6º do art. 150 da
Constituição Federal é observada quando a delegação normativa pra que haja redução
tributária por meio de Decreto é precedida de previsão orçamentária e de debates
legislativos.
18 CF, “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
19 “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52,
dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
I – sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;”
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à referida tese, serão elaborados argumentos que pretendem infirmá-los, sustentando que
o princípio da legalidade não permite o emprego de conceitos indeterminados e de
cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributárias.
21 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 25-26.
22 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 38.
23 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 39.
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A análise crítica da tese dos autores será feita da seguinte forma: primeiro, será analisada a
definição do princípio da legalidade tributária apresentada pelos autores. Segundo, serão
formuladas críticas a essa definição, assim como ao conteúdo normativo atribuído pelos
autores ao referido princípio. Por fim, será apresentada uma síntese conclusiva das críticas
elaboradas à tese dos autores a respeito do princípio da legalidade tributária.
“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em
24 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 93.
25 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 23.
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graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende
somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O
âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
colidentes.”26
Os estados de coisas promovidos pelo princípio da legalidade tributária podem ser tanto
deduzidos de princípios que lhe são axiologicamente superiores quanto induzidos a partir
de outras normas. Do princípio democrático, pode-se deduzir o ideal de representatividade
na edição de leis. A partir da exigência de representação parlamentar anterior à instituição
ou ao aumento de tributos, pode-se induzir um ideal de calculabilidade e de
mensurabilidade29. A eficácia negativa da regra da legalidade, por sua vez, cria ideais de
26 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.
27 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.
28 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 104.
29 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 287.
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Enfim, o problema todo é tentar definir o todo (princípio) por meio da descrição de uma
parte (uma das condutas que o promove), sem que haja qualquer descrição dos estados de
coisas que devem ser imediatamente promovidos. Esses estados de coisas, por sua vez,
devem ser promovidos pela adoção de inúmeras condutas. Isso significa que apenas aludir
ao comportamento de “descrever de forma completa e clara os aspectos da hipótese de
incidência” é insuficiente para descrever o conteúdo normativo do princípio da legalidade
tributária, o qual demanda a identificação dos estados de coisas a serem promovidos, para
que, a partir daí, sejam inferidos os comportamentos necessários para a sua promoção.
30 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária multidimensional. In: FERRAZ, Roberto (coord.). Princípios e limites da tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 287.
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Inicialmente, é necessário esclarecer que uma coisa são os conceitos indeterminados, outra
coisa é a indeterminação dos conceitos. De um lado, conceitos indeterminados são termos
tais como “boa-fé” e “função social”, os quais possuem um sentido altamente indeterminado
antes do processo interpretativo32. De outro lado, a indeterminação dos conceitos, ou
melhor, a equivocidade da linguagem, é característica inerente a quaisquer termos, sejam
eles determinados ou não. Nesse sentido, pode-se identificar a existência de ao menos
quatro problemas interpretativos decorrentes da indeterminação da linguagem (ou “casos
de vagueza em sentido amplo”): o gradualismo, a vagueza combinatória, a insaciabilidade e
a textura aberta33.
A vagueza combinatória ocorre quando parte das propriedades relevantes está presente no
objeto referido, mas outra não está. Exemplo disso é a discussão envolvendo a incidência
da imunidade tributária dos “templos de qualquer culto” em relação aos templos
maçônicos. A maçonaria apresenta algumas propriedades que a caracterizam como um
culto, mas apresenta outras tantas que desautorizam tal caracterização.
Independentemente da melhor solução para o caso, o importante aqui é perceber que a
existência de “problemas de enquadramento” é inerente à linguagem e às normas.
Por fim, a textura aberta ocorre quando a evolução das circunstâncias fáticas faz com que
surjam novas características que gerem dúvidas a respeito da aplicabilidade de
32 ÁVILA, Humberto. Eficácia do novo Código Civil na legislação tributária. In: GRUPPENMACHER, Betina (org.). Direito tributário e o
Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 78. LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta,
2007, p. 187. GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011, p. 57.
33 LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007, p. 186.
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Isso tudo demonstra que apesar do gênero “indeterminação da linguagem” ser inerente à
linguagem e gerar inúmeros problemas interpretativos, as diferentes espécies de
indeterminação não são inerentes a todo tipo de linguagem e acabam gerando tipos de
problemas específicos. De um lado, a insaciabilidade e o gradualismo são características de
determinados termos, cujo emprego em hipóteses de incidência tributárias é proibido por
força da eficácia bloqueadora do princípio da legalidade tributária. É que expressões como
“boa-fé”, “grande” ou “razoável” são altamente indeterminadas, promovendo justamente o
contrário daquilo que o princípio da legalidade, dentre outras coisas, visa promover: um
estado de previsibilidade e de calculabilidade. De outro lado, a vagueza combinatória e a
textura aberta são inerentes a qualquer enunciado normativo por meio do qual se pretenda
criar regra geral e abstrata, duas características essenciais para as hipóteses de incidência
tributária.
Disso tudo se conclui que, por mais que a equivocidade da linguagem impeça a univocidade
de sentido do texto, ela não impede a sua determinabilidade. Nesse sentido, o fato de que a
linguagem sempre vai apresentar algum grau de indeterminação não significa que não
existam expressões mais determináveis do que outras. Afinal de contas, mesmo com toda
a indeterminação da linguagem, conseguimos fazer planos, marcar compromissos, dar
direções e estabelecer diálogos precisos, tudo isso mediante o emprego de expressões
suficientemente determinadas para tais finalidades. Isso significa que, embora não se
possa exigir total determinação do texto, o que seria impossível, pode-se e deve-se exigir
que ele seja cognoscível, isto é, que haja a elevada capacidade de se compreender os seus
sentidos possíveis35.
34 LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007, p. 187.
35 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 141.
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Essas duas constatações, longe de sustentarem que seria possível determinar a hipótese de
incidência no grau máximo permitido pela linguagem, apenas pretendem demonstrar que
a equivocidade da linguagem não é o real limite à efetividade do Princípio da legalidade
tributária e tampouco o ponto de partida da atuação do Poder Executivo. Repita-se: a
inegável existência de equivocidade da linguagem não possui qualquer relação com a
função que a Constituição Federal atribuiu ao Poder Executivo em matéria tributária.
Além dessas duas incoerências internas, as quais, por si só, demonstram que não se deve
relacionar a equivocidade da linguagem à esfera de atuação do Poder Executivo, há um
problema constitucional decorrente da tese apresentada pelos autores. Conforme já dito
na introdução, a discussão sobre a legalidade é, fundamentalmente, uma discussão sobre
alocação de poder.
Por um lado, o art. 48, inciso I, da Constituição Federal estabeleceu que caberia ao
Congresso Nacional dispor sobre matérias envolvendo o sistema tributário. Por outro lado,
o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, dispôs que caberia ao Presidente da República
expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. Essa opção constitucional é
claramente incompatível com um sistema no qual o Poder Executivo deve “complementar”
e “esclarecer” as hipóteses criadas pelo Poder Legislativo. Hipóteses de incidência contendo
conceitos indeterminados e cláusulas gerais não permitem uma “fiel execução”, sendo
inconstitucionais. Da mesma forma, Decretos que “complementam” e “esclarecem” a lei,
extrapolam da função de executá-la “fielmente”, razão pela qual também são
inconstitucionais.
36 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
III – a separação dos Poderes;”
37 LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007, p. 144.
38 SCALIA, Antonin. A matter of interpretation: Federal Courts and the Law. New Jersey: Princeton University Press, 1997, p. 40.
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Se isso tudo for verdade, então pouco importa que o Poder Executivo tenha “esclarecido”
determinado enunciado por meio da fixação do sentido normativo N1. Se o sentido N2
encontra maior aceitabilidade racional (e isso deve ser demonstrado por meio de uma
justificação adequada por parte do Poder Judiciário), então N1 é um sentido inválido, assim
como o é o ato do Poder Executivo que o fixou. As hipóteses de incidência, muito embora
possuam mais de um sentido possível (os quais não devem ser muitos, sob pena de
inconstitucionalidade), possuem um único sentido que é o mais adequado, e não cabe ao
Poder Executivo decidir qual é esse sentido.
39 AARNIO, Aulis. Essays on the doctrinal study of law. Springer: Dordrecht, 2011, p. 173.
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Para Schoueri, Ferreira e Luz, a decisão do Supremo Tribunal Federal foi correta, tendo
reconstruído adequadamente o conteúdo do princípio da legalidade tributária. É que,
segundo eles, a dimensão de princípio da legalidade tributária autorizaria o emprego de
conceitos indeterminados e a posterior “complementação” desse conceito pelo Poder
Executivo:
“Ainda que o julgamento do RE n. 343.446 não tenha se valido desses termos, parece-
nos que foi a concepção da Legalidade Tributária enquanto princípio que
tangenciou o entendimento descrito acima. Como mandamento de otimização,
espera-se que o legislador descreva, na maior medida possível, os elementos que
compõem a hipótese de incidência tributária. A descrição nunca será absoluta, isto
é, exauriente. Alguns desses elementos dependerão, em maior ou menor grau, da
complementação de ‘dados e elementos’ que o Poder Executivo poderá prover. Até
aqui, ao menos, as conclusões do RE n. 343.446 parecem plenamente alinhadas ao
conteúdo da Legalidade Tributária defendida no subtópico anterior. O que o
Tribunal fez foi, apenas, confirmar essa dimensão principiológica e, no caso
concreto, entendeu suficientemente atendido o princípio, uma vez que o conceito,
posto indeterminado, já se encontrava no texto legal. É dizer – completamos nós – o
Tribunal entendeu que o legislador foi o mais preciso possível, dadas as
circunstâncias, conferindo suficiente certeza e permitindo que o Executivo
regulamentasse o que já estava na lei.”41
Não se trata, ao contrário do que afirmam os autores, de uma exigência de uma descrição
exauriente, mas sim de uma descrição determinável. Se essa exigência é ruim, se ela
“engessa” a tributação, se ela atrapalha a política fiscal do país, nada disso importa. O que
importa é que essa exigência decorre da Constituição Federal, mais precisamente do
41 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 41-42.
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De todo o exposto ao longo deste tópico, pode-se concluir, em primeiro lugar, que o
conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária é mais amplo do que o simples
dever de determinabilidade da hipótese de incidência tributária. Esse princípio obriga a
adoção de condutas que visam promover diversos estados ideais, dentre eles o de
calculabilidade, o de livre iniciativa e o de representação. Em segundo lugar, o princípio da
legalidade tributária, por meio da sua eficácia bloqueadora, torna inválidas hipóteses de
incidência que contenham conceitos indeterminados, cláusulas gerais ou expressões que
gerem elevadas zonas de penumbra. Em terceiro lugar, o princípio da legalidade tributária,
também por meio de sua eficácia bloqueadora, torna inválidos atos do Poder Executivo
tendentes a “complementar”, “esclarecer” ou “dar efetividade” às hipóteses de incidência
tributária, exceto quando esses atos normativos tenham fixado o sentido normativo que,
além de possível, seja o mais aceitável racionalmente.
Importante, por fim, reiterar o princípio da legalidade tributária, por ser princípio, não
deixa de ser normativo. Eles se diferenciam de simples “valores” justamente porque
possuem caráter deontológico, e não axiológico42. É dizer: o princípio da legalidade institui
o dever de que sejam adotados comportamentos necessários à realização dos estados de
coisas que ele promove43.
42 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 153.
43 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 162.
44 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978.
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“tipicidade fechada”, fundamenta sua tese. Por fim, em terceiro lugar, será sustentado que
a doutrina da “tipicidade fechada” está mais atual do que nunca.
O Ministro Dias Toffoli sustenta que a doutrina da “tipicidade fechada”, liderada por
Alberto Xavier e adotada pela jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal, teria
sido superada em decisões mais recentes. Com isso, passou a se permitir que “a lei
dialogasse com o regulamento” para tratar dos elementos da hipótese de incidência
tributária:
45 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 26.
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“Verificamos que os primeiros tópicos dos votos do Ministro Dias Toffoli buscam
estabelecer premissas a respeito da ‘moldura’ da Legalidade Tributária no
Ordenamento Jurídico Brasileiro e sobre o entendimento atual adotado a seu
respeito pelo STF. Ainda que estejamos de acordo com várias dessas premissas,
como a superação de concepções ‘estritas’ ou ‘cerradas’ acerca da Legalidade
Tributária, outras demandam olhar mais cuidadoso.”46
Diante das colocações da decisão do STF e da obra de Schoueri, Ferreira e Luz a respeito da
improcedência da ideia de legalidade “fechada”, a qual teria uma pretensão inalcançável,
cumpre analisar a obra de Alberto Xavier a esse respeito, uma vez que tal autor teria
“capitaneado” a referida doutrina, conforme afirmado pelo Ministro Dias Toffoli. De fato, é
inegável que a sua obra “Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação”, de 1978,
exerceu e ainda exerce uma enorme influência na doutrina e na jurisprudência.
Antes de mais nada, é preciso diferenciar três formas distintas de se compreender a teoria
de Alberto Xavier a respeito da tipicidade “fechada”. Em primeiro lugar, há, supostamente,
uma teoria da interpretação pressuposta por essa doutrina. Em segundo lugar, há a
doutrina a respeito do conteúdo normativo do princípio da legalidade tributária. E, em
terceiro lugar, há a doutrina a respeito do conteúdo normativo do postulado da legalidade
tributária.
Em primeiro lugar, pode-se dizer que, em diversas passagens, Alberto Xavier parece
pressupor uma teoria cognitivista da interpretação. A teoria cognitivista da interpretação
entende que interpretar corresponde a descobrir o significado normativo do enunciado,
isto é, interpretar envolve atos de conhecimento47. A adoção de uma teoria cognitivista da
interpretação fica clara nos trechos em que Alberto Xavier entende ser possível que
determinados enunciados normativos tenham sentido normativo unívoco, o qual seria
obtido por mera dedução, tal como no exemplo abaixo:
Quanto à adoção de uma teoria cognitivista da interpretação por Alberto Xavier, concorda-
se com Schoueri, Ferreira e Luz: exigir do legislador que elabore hipóteses de incidência
46 SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma
análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021, p. 93.
48 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 38.
548
HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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tributária com sentidos unívocos envolve uma pretensão inalcançável. Mas, a bem da
verdade, o próprio Alberto Xavier reconhece, mais adiante, que a linguagem sempre terá
um certo nível de indeterminação:
“Antes de mais, cumpre fazer uma observação fundamental: é que, a bem dizer, não
existem conceitos absoluta e rigorosamente determinados; e que, deparando com
aquilo que já se tem designado por uma ‘indeterminação imanente’ de todos os
conceitos, se é forçado a reconhecer que a problemática da indeterminação não é
tanto de natureza como de grau.”49
“O método da cláusula geral – tão caro aos Estados totalitários – não pode deixar de
brigar com a própria essência do Estado de Direito e, em especial, com os valores da
segurança jurídica que este encarna.”50
49 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 97.
50 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 85.
549
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51 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 93.
52 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 94.
53 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 97.
550
HALPERIN, Eduardo Kowarick Três Observações sobre a Legalidade Tributária. Revista Direito Tributário Atual, n.47.
p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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54 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 38-39.
55 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 84.
56 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 92.
551
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cláusulas gerais nas hipóteses de incidência tributária; há, de outro lado, um postulado da
legalidade tributária, que determina a prevalência de argumentos linguísticos, a vedação
da analogia e o formalismo na interpretação de hipóteses de incidência. Essas duas teses
de Alberto Xavier, além de fortemente persuasivas e reconduzíveis ao ordenamento
jurídico brasileiro, são, infelizmente, mais atuais e necessárias do que nunca.
CONCLUSÃO
Na tradição judaica, a ceia de Pessach é marcada por um costume chamado “Má nishtaná”,
por meio do qual o integrante mais jovem da família dirige uma série de questionamentos
ao membro mais antigo, que vão desde perguntas gerais (“Por que esta noite é diferente de
todas as outras noites?”) até perguntas específicas (“Por que nas outras noites não
mergulhamos os vegetais nem mesmo uma só vez, mas nessa noite mergulhamos duas
vezes?”). Ao responder essas perguntas, o membro mais antigo conta ao mais jovem e a toda
família a história da fuga do povo judeu da escravidão no Egito, que é justamente o fato
celebrado na ceia de Pessach, explicando, afinal, por que se trata de uma noite diferente de
todas as outras noites: naquela noite se comemora a liberdade. No Pessach, o
questionamento pelo membro mais jovem do que está ali estabelecido é visto não só como
uma forma de manter a tradição e passá-la adiante, mas também como uma maneira de
demonstrar respeito pelo membro mais antigo da família, a quem são dirigidas as
perguntas e de quem são esperadas as respostas. É com o espírito de Pessach que os
questionamentos formulados no presente artigo devem ser encarados: como uma forma
de manter a tradição do debate científico, de demonstrar respeito pelos autores e de
celebrar a liberdade acadêmica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AARNIO, Aulis. Essays on the doctrinal study of law. Springer: Dordrecht, 2011.
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p. 525-553. São Paulo: IBDT,1º semestre 2021. Quadrimestral
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ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2008.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.
ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2019.
LAPORTA, Francisco J. El imperio de la ley – una visión actual. Madrid: Trotta, 2007.
SCALIA, Antonin. A matter of interpretation: Federal Courts and the law. New Jersey:
Princeton University Press, 1997.
SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade
tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da
ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021.
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