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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 66

23/05/2022 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 748


DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. ROSA WEBER


REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB
ADV.(A/S) : RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO MEIO
AMBIENTE - CONAMA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : PARTIDO VERDE - PV
ADV.(A/S) : VERA LUCIA DA MOTTA
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MEMBROS DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DE MEIO AMBIENTE -
ABRAMPA
AM. CURIAE. : REDE NACIONAL PRÓ UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO - REDE PRÓ UC
ADV.(A/S) : VIVIAN MARIA PEREIRA FERREIRA
ADV.(A/S) : DOUGLAS HERRERA MONTENEGRO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA
DO BRASIL - CNA
ADV.(A/S) : RUDY MAIA FERRAZ
ADV.(A/S) : RODRIGO DE OLIVEIRA KAUFMANN
ADV.(A/S) : TACIANA MACHADO DE BASTOS
AM. CURIAE. : CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA
CONSTRUÇÃO - CBIC
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DAS EMPRESAS DE LOTEAMENTO E
DESENVOLVIMENTO URBANO - AELO
AM. CURIAE. : SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA, VENDA,
LOCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS
RESIDENCIAIS E COMERCIAIS DE SÃO PAULO -
SECOVI
ADV.(A/S) : MARCELO TERRA
ADV.(A/S) : MARCOS ANDRE BRUXEL SAES
AM. CURIAE. : SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE
CIMENTO - SNIC

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ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO


ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
ADV.(A/S) : LEONARDO ESTRELA BORGES
ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE COMPANHIAS DE
ENERGIA ELETRICA - ABCE
ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO
ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO
ADV.(A/S) : CLARA AMOROSO DE ANDRADE

EMENTA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. AFRONTA AO ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 500/2020. REVOGAÇÃO
DAS RESOLUÇÕES N ºS 84/2001, 302/2002 E 303/2002.
LICENCIAMENTO DE EMPREENDIMENTOS DE IRRIGAÇÃO.
PARÂMETROS, DEFINIÇÕES E LIMITES DE ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE DE RESERVATÓRIOS ARTIFICIAIS
E REGIME DE USO DO ENTORNO. PARÂMETROS, DEFINIÇÕES E
LIMITES DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM GERAL.
SUPRESSÃO DE MARCOS REGULATÓRIOS AMBIENTAIS.
RETROCESSO SOCIOAMBINETAL. PROCEDÊNCIA. RESOLUÇÃO
CONAMA N º 499/2020. COPROCESSAMENTO DE RESÍDUOS EM
FORNOS ROTATIVOS DE PRODUÇÃO DE CLÍNQUER.
COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL COM OS PARÂMETROS
NORMATIVOS. IMPROCEDÊNCIA QUANTO AO PONTO.
1. O exercício da competência normativa do CONAMA vê os seus
limites materiais condicionados aos parâmetros fixados pelo constituinte
e pelo legislador. As Resoluções editadas pelo órgão preservam a sua
legitimidade quando cumprem o conteúdo material da Constituição e da
legislação ambiental. A preservação da ordem constitucional vigente de
proteção do meio ambiente impõe-se, pois, como limite substantivo ao

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agir administrativo.
2. O poder normativo atribuído ao CONAMA pela respectiva lei
instituidora consiste em instrumento para que dele lance mão o agente
regulador no sentido da implementação das diretrizes, finalidades,
objetivos e princípios expressos na Constituição e na legislação ambiental.
Em outras palavras, a orientação seguida pelo Administrador deve
necessariamente mostrar-se compatível com a ordem constitucional de
proteção do patrimônio ambiental. Eventualmente falhando nesse dever
de justificação, expõe-se a atividade normativa do ente administrativo ao
controle jurisdicional da sua legitimidade. Tais objetivos e princípios são
extraídos, primariamente, do art. 225 da Lei Maior, a consagrar que todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
3. A mera revogação de normas operacionais fixadoras de
parâmetros mensuráveis necessários ao cumprimento da legislação
ambiental, sem sua substituição ou atualização, compromete a
observância da Constituição, da legislação vigente e de compromissos
internacionais.
4. A revogação da Resolução CONAMA nº 284/2001 sinaliza
dispensa de licenciamento para empreendimentos de irrigação, mesmo
que potencialmente causadores de modificações ambientais significativas,
a evidenciar graves e imediatos riscos para a preservação dos recursos
hídricos, em prejuízo da qualidade de vida das presentes e futuras
gerações (art. 225, caput e § 1º, I, da CF).
5. A revogação das Resoluções nºs 302/2002 e 303/2002 distancia-se
dos objetivos definidos no art. 225 da CF, baliza material da atividade
normativa do CONAMA. Estado de anomia e descontrole regulatório, a
configurar material retrocesso no tocante à satisfação do dever de
proteger e preservar o equilíbrio do meio ambiente, incompatível com a
ordem constitucional e o princípio da precaução. Precedentes. Retrocesso
na proteção e defesa dos direitos fundamentais à vida (art. 5º, caput, da

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CF), à saúde (art. 6º da CF) e ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado (art. 225, caput, da CF).
6. A Resolução CONAMA nº 500/2020, objeto de impugnação, ao
revogar normativa necessária e primária de proteção ambiental na seara
hídrica, implica autêntica situação de degradação de ecossistemas
essenciais à preservação da vida sadia, comprometimento da integridade
de processos ecológicos essenciais e perda de biodiversidade, assim como
o recrudescimento da supressão de cobertura vegetal em áreas
legalmente protegidas.
A degradação ambiental tem causado danos contínuos à saúde (art.
6º CRFB), à vida (art. 5º, caput, CRFB) e à dignidade das pessoas (art. 1º,
III, CRFB), mantendo a República Federativa do Brasil distante de
alcançar os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I, CRFB), alcançar o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CRFB),
que só é efetivo se sustentável, e promover o bem de todos (art. 3º, IV,
CRFB). Tais danos são potencializados pela ausência de uma política
pública eficiente de repressão, prevenção e reparação de danos
ambientais.
7. Ao disciplinar condições, critérios, procedimentos e limites a
serem observados no licenciamento de fornos rotativos de produção de
clínquer para a atividade de coprocessamento de resíduos, a Resolução
CONAMA nº 499/2020 atende ao disposto no art. 225, § 1º, IV e V, da CF,
que exige estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de
atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente e
impõe ao Poder Público o controle do emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente. Mostra-se consistente, ainda, com o marco jurídico
convencional e os critérios setoriais de razoabilidade e proporcionalidade
da Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 6º, XI, da Lei nº
12.305/2010).
8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada
parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade da
Resolução CONAMA nº 500/2020, no que revogou as Resoluções

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CONAMA nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002. Improcedente o pedido de


declaração de inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 499/2020.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do


Supremo Tribunal Federal em julgar parcialmente procedente a arguição
de descumprimento de preceito fundamental para declarar a
inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 500/2020, com a
imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA nº
284/2001, 302/2002 e 303/2002, como já definido na medida cautelar
implementada, e julgar improcedente o pedido de inconstitucionalidade
da Resolução CONAMA nº 499/2020, nos termos do voto da Relatora e
por unanimidade de votos, em sessão virtual do Pleno de 13 a 20 de maio
de 2022, na conformidade da ata do julgamento.

Brasília, 23 de maio de 2022.

Ministra Rosa Weber


Relatora

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18/12/2021 PLENÁRIO

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DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MIN. ROSA WEBER


REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB
ADV.(A/S) : RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO MEIO
AMBIENTE - CONAMA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : PARTIDO VERDE - PV
ADV.(A/S) : VERA LUCIA DA MOTTA
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MEMBROS DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DE MEIO AMBIENTE -
ABRAMPA
AM. CURIAE. : REDE NACIONAL PRÓ UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO - REDE PRÓ UC
ADV.(A/S) : VIVIAN MARIA PEREIRA FERREIRA
ADV.(A/S) : DOUGLAS HERRERA MONTENEGRO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA
DO BRASIL - CNA
ADV.(A/S) : RUDY MAIA FERRAZ
ADV.(A/S) : RODRIGO DE OLIVEIRA KAUFMANN
ADV.(A/S) : TACIANA MACHADO DE BASTOS
AM. CURIAE. : CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA
CONSTRUÇÃO - CBIC
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DAS EMPRESAS DE LOTEAMENTO E
DESENVOLVIMENTO URBANO - AELO
AM. CURIAE. : SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA, VENDA,
LOCAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS
RESIDENCIAIS E COMERCIAIS DE SÃO PAULO -
SECOVI
ADV.(A/S) : MARCELO TERRA
ADV.(A/S) : MARCOS ANDRE BRUXEL SAES
AM. CURIAE. : SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE
CIMENTO - SNIC

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ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO


ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
ADV.(A/S) : LEONARDO ESTRELA BORGES
ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE COMPANHIAS DE
ENERGIA ELETRICA - ABCE
ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO
ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO
ADV.(A/S) : CLARA AMOROSO DE ANDRADE

RELATÓRIO

A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora):


1. Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental
proposta pelo Partido em face da Resolução nº 500, de 28 de setembro
de 2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), no que
revoga as Resoluções nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002.
Os atos normativos revogados dispõem, respectivamente, sobre (i) o
licenciamento de empreendimentos de irrigação, (ii) os parâmetros,
definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios
artificiais e o regime de uso do entorno e (iii) os parâmetros, definições e
limites de Áreas de Preservação Permanente. Impugna, também, (iv) a
Resolução do CONAMA resultante do processo nº 02000.002783/2020- 43,
sobre “licenciamento da atividade de coprocessamento de resíduos em
fornos rotativos de produção de clínquer”, que diz revogar e substituir a
Resolução nº 264/1999.
2. A agremiação autora afirma, inicialmente, a sua legitimidade
ativa, a adequação da via eleita, o caráter de fundamentalidade dos
preceitos constitucionais invocados e o atendimento do requisito da
subsidiariedade.
3. Alega que os atos normativos impugnados traduzem violação dos
preceitos fundamentais concernentes à eficiência, motivação e estrita
legalidade dos atos da Administração pública (art. 37, caput, da CF), ao

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direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à


proibição do retrocesso socioambiental (art. 225 da CF) e ao postulado da
segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF).
4. À alegação de que evidenciada a plausibilidade do direito
invocado, bem como o risco de potenciais consequências imediatas no
sentido do agravamento do quadro já crítico de degradação ambiental,
requer o autor a concessão de medida liminar ad referendum do Plenário
para suspender imediatamente os efeitos das Resoluções aprovadas
durante a 135ª Reunião Ordinária do CONAMA, em 28 de setembro de
2020.
5. No mérito, pugna ela procedência da arguição de
descumprimento de preceito fundamental, a fim de que seja reconhecida
a inconstitucionalidade (i) da Resolução nº 500, de 28 de setembro de
2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que revoga
as Resoluções CONAMA nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002; e (ii) da
Resolução CONAMA n. 499/2020, sobre licenciamento da atividade de
coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de produção de
clínquer.
6. A mim distribuído o feito em 01.10.2020, na forma do art. 77-B do
RISTF, por prevenção em relação à arguição de descumprimento de
preceito fundamental nº 747, determinei a tramitação conjunta.
7. Nas informações prestadas pelo Ministro de Estado do Meio
Ambiente elaboradas pela Consultoria Jurídica junto ao respectivo
Ministério, afirma-se que as revogações tiveram lastro em controle de
juridicidade em face de preceitos da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal),
cuja constitucionalidade foi reconhecida por este Supremo Tribunal
Federal e que, não obstante revogadas as Resoluções CONAMA nºs
284/2001, 302/2002 e 303/2002, permanecem em vigor os dispositivos
pertinentes às matérias nelas tratadas da Lei nº 12.651/2012 (Código
Florestal), bem como a legislação sobre o bioma da Mata Atlântica e a
Zona Costeira, a afastar qualquer prejuízo ao meio ambiente que pudesse
ensejar o deferimento do pedido de tutela de urgência.
Alude-se à natureza das Resoluções do CONAMA de “atos

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administrativos normativos regulamentares e não autônomos, de natureza


secundária”, cujo parâmetro de análise é a lei regulamentada. Observa-se
justificada, a revogação da Resolução nº 284/2001, em juízo de
inconstitucionalidade superveniente por ofensa ao princípio da
proporcionalidade, bem como fundada, a revogação das Resoluções nºs
302/2002 e 303/2002 na “aplicação do instituto da caducidade, haja vista a
perda de efeitos jurídicos dessas Resoluções em virtude da superveniência do
novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), que disciplinou de
forma diversa os parâmetros e o regime de uso das Áreas de Preservação
Permanente”. No tocante à Resolução CONAMA sobre “licenciamento da
atividade de coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de produção de
clínquer”, que revoga e substitui a Resolução nº 264/1999, limita-se a
afirmar que se trata de tema de feição eminentemente técnico-ambiental.
7. Manifestação do Advogado-Geral da União pelo não
conhecimento dos feitos e, sucessivamente, pelo indeferimento dos
pedidos de liminar, em arrazoado assim ementado:

“Administrativo. Resolução nº 500/2020, que revoga as


Resoluções nº 284/2001, nº 302/2002, e nº 303/2002, todas do
CONAMA. Preliminares. Falta de juntada de instrumento de
procuração. Falta de juntada de cópias do ato impugnado.
Inobservância do requisito da subsidiariedade. Inexistência de
ofensa direta à Constituição Federal. Mérito. Ausência de fumus
boni iuris. O diploma atacado apenas reconheceu a ocorrência
da caducidade das Resoluções nº 302/2002 e nº 303/2002, em
razão da perda do sustentáculo legal que tais diplomas
detinham à época de sua edição. A legislação ordinária
ambiental foi profundamente alterada, especialmente pela Lei
nº 12.651/2012, que revogou o antigo Código Florestal, o qual
servia de fundamento de validade para os citados atos
infralegais. A Resolução nº 284/2001, embora não conflitasse
com a legislação vigente, configurava norma desnecessária, eis
que simplesmente reunia trechos constantes de outros diplomas
relacionados à matéria. O Decreto nº 10.139/2019 tornou
obrigatória a expressa revogação de normas em situações como

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a ora discutida. Não se vislumbra mitigação da proteção ao


meio ambiente, tampouco retrocesso socioambiental (artigo 225
da Constituição). Inexistência de periculum in mora.
Manifestação pelo não conhecimento da arguição e, quanto ao
pedido de medida cautelar, pelo seu indeferimento.”

8. Em 22.10.2020, a autora apresentou aditamento à petição inicial


em que noticia a publicação da Resolução CONAMA nº 499/2020, que
permite a queima de resíduos em fornos de produção de clínquer, no
Diário Oficial da União de 08.10.2020 e a publicação da Resolução
CONAMA nº 500/2020, que revoga as Resoluções nºs 284/2001, 302/2002 e
303/2002, no Diário Oficial da União de 21.10.2020, com previsão de
entrada em vigor após sete dias.
9. Considerado o pedido de medida cautelar e a configuração dos
pressupostos exigidos, plausibilidade do direito afirmado e o perigo da
demora na prestação jurisdicional para a tutela do direito vindicado,
julguei-o parcialmente procedente, a referendo do Plenário, para
suspender, até o julgamento do mérito desta ação, os efeitos da Resolução
CONAMA nº 500/2020, com a imediata restauração da vigência e eficácia
das Resoluções CONAMA nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002. Indeferi o
pedido de suspensão da eficácia da Resolução CONAMA nº 499/2020.
Em momento sucessivo, o Plenário na arena decisória virtual,
ratificou, por unanimidade, a medida cautelar deferida (DJ 10.12.2020).
Transcrevo a ementa, por traduzir as razões de decidir compartilhadas no
julgamento:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. PEDIDO DE LIMINAR. ALEGAÇÃO DE
AFRONTA AOS ARTS. 1 º, CAPUT E III, 5 º, CAPUT, XXXVI E §
1 º, 6 º, 60, § 4 º, IV, E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. RESOLUÇÃO CONAMA N º 500/2020.
REVOGAÇÃO DAS RESOLUÇÕES N º S 84/2001, 302/2002 E
303/2002. LICENCIAMENTO DE EMPREENDIMENTOS DE
IRRIGAÇÃO. PARÂMETROS, DEFINIÇÕES E LIMITES DE
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DE

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RESERVATÓRIOS ARTIFICIAIS E REGIME DE USO DO


ENTORNO. PARÂMETROS, DEFINIÇÕES E LIMITES DE
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM GERAL.
SUPRESSÃO DE MARCOS REGULATÓRIOS AMBIENTAIS.
APARENTE RETROCESSO. FUMUS BONI JURIS E
PERICULUM IN MORA DEMONSTRADOS. RESOLUÇÃO
CONAMA N º 499/2020. COPROCESSAMENTO DE
RESÍDUOS EM FORNOS ROTATIVOS DE PRODUÇÃO DE
CLÍNQUER. FUMUS BONI JURIS NÃO DEMONSTRADO.
MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM PARTE. REFERENDO.
1. A mera revogação de normas operacionais fixadoras de
parâmetros mensuráveis necessários ao cumprimento da
legislação ambiental, sem sua substituição ou atualização,
compromete a observância da Constituição, da legislação
vigente e de compromissos internacionais.
2. A revogação da Resolução CONAMA nº 284/2001
sinaliza dispensa de licenciamento para empreendimentos de
irrigação, mesmo que potencialmente causadores de
modificações ambientais significativas a evidenciar graves e
imediatos riscos para a preservação dos recursos hídricos, em
prejuízo da qualidade de vida das presentes e futuras gerações
(art. 225, caput e § 1º, I, da CF). A revogação das Resoluções nºs
302/2002 e 303/2002 distancia-se dos objetivos definidos no art.
225 da CF, baliza material da atividade normativa do
CONAMA. Aparente estado de anomia e descontrole
regulatório, a configurar material retrocesso no tocante à
satisfação do dever de proteger e preservar o equilíbrio do meio
ambiente, incompatível com a ordem constitucional e o
princípio da precaução. Precedentes. Aparente retrocesso na
proteção e defesa dos direitos fundamentais à vida (art. 5º,
caput, da CF), à saúde (art. 6º da CF) e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF). Fumus boni
juris demonstrado.
3. Elevado risco de degradação de ecossistemas essenciais
à preservação da vida sadia, comprometimento da integridade
de processos ecológicos essenciais e perda de biodiversidade, a

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código D2BA-DDAC-D38B-D069 e senha 0E51-22CD-DB3D-9B53
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evidenciar o periculum in mora.


4. Ao disciplinar condições, critérios, procedimentos e
limites a serem observados no licenciamento de fornos rotativos
de produção de clínquer para a atividade de coprocessamento
de resíduos, a Resolução CONAMA nº 499/2020 atende ao
disposto no art. 225, § 1º, IV e V, da CF, que exige estudo prévio
de impacto ambiental para a instalação de atividade
potencialmente causadora de degradação do meio ambiente e
impõe ao Poder Público o controle do emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente. Mostra-se consistente,
ainda, com o marco jurídico convencional e os critérios setoriais
de razoabilidade e proporcionalidade da Política Nacional de
Resíduos Sólidos (art. 6º, XI, da Lei nº 12.305/2010), a afastar o
fumus boni juris.
5. Liminar parcialmente deferida, ad referendum do
Plenário, para suspender os efeitos da Resolução CONAMA nº
500/2020, com a imediata restauração da vigência e eficácia das
Resoluções CONAMA nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002. 6.
Medida liminar referendada. ” (edoc 87)

10. O Advogado-Geral da União impugnou a decisão monocrática


cautelar por agravo regimental, o qual perdeu objeto, em decorrência do
julgamento colegiado do referendo da decisão.
11. Na manifestação de mérito juntada ao processo, o Advogado-
Geral da União, retoma a argumentação inicial, no sentido da
inadmissibilidade desta arguição de descumprimento de preceito
fundamental e, no mérito, da sua improcedência, conforme argumentos
relacionados abaixo:

Administrativo. Resolução nº 500/2020, que revoga as


Resoluções nº 284/2001, nº 302/2002, e nº 303/2002, todas do
CONAMA, e Resolução nº 499/2020, sobre licenciamento da
atividade de coprocessamento de resíduos em fornos rotativos
de produção de clínquer. Preliminares. Inexistência de ofensa
direta à Constituição Federal. Inobservância do requisito da

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subsidiariedade. Mérito. A Resolução nº 500/2020 apenas


reconheceu a ocorrência da caducidade das Resoluções nº
302/2002 e nº 303/2002, em razão da perda do sustentáculo legal
que tais diplomas detinham à época de sua edição. A legislação
ordinária ambiental foi profundamente alterada, especialmente
pela Lei nº 12.651/2012, que revogou o antigo Código Florestal,
o qual servia de fundamento de validade para os citados atos
infralegais. A Resolução nº 284/2001, embora não conflitasse
com a legislação vigente, configurava norma desnecessária, eis
que simplesmente reunia trechos constantes de outros diplomas
relacionados à matéria. O Decreto nº 10.139/2019 tornou
obrigatória a expressa revogação de normas em situações como
a ora discutida. A Resolução nº 499/2020, sobre licenciamento
da atividade de coprocessamento de resíduos em fornos
rotativos de produção de clínquer, não desborda das diretrizes
estatuídas na Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos, pois o coprocessamento é uma alternativa
de destinação final ambientalmente adequada. Não se
vislumbra vulneração ao direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, à proteção constitucional à vida, à
saúde e à integridade física, tampouco retrocesso institucional e
socioambiental. Manifestação pelo não conhecimento da
arguição e, quanto ao mérito, pela improcedência do pedido.

12. O Procurador-Geral da República manifesta-se pelo


conhecimento parcial da ADPF, para que seu objeto fique circunscrito à
compatibilidade constitucional da Resolução 500/2020 na parte em que
revogou as Resoluções CONAMA 284/2001, 302/2002 e o art. 3º, IX e X, da
Resolução CONAMA 303/2002, bem como da Resolução CONAMA
499/2020. No mérito, assinala a procedência parcial do pedido, consoante
argumentos identificados no parecer juntado:

CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. ARGUIÇÃO DE


DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
RESOLUÇÃO CONAMA 500/2020. REVOGAÇÃO DAS
RESOLUÇÕES 284/2001, 302/2002 E 303/2002. IMPUGNAÇÃO

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DEFICIENTE. CONHECIMENTO PARCIAL.


LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE EMPREENDIMENTOS
DE IRRIGAÇÃO. DEFINIÇÕES E ESPECIFICAÇÕES
PROTETIVAS RELATIVAS ÀS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. RETROCESSO NA PROTEÇÃO AMBIENTAL.
PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO. OFENSA
AO ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RESOLUÇÃO
CONAMA 499/2020. SUBSTITUIÇÃO DA RESOLUÇÃO
264/1999. ATIVIDADE DE LICENCIAMENTO DO
COPROCESSAMENTO DE RESÍDUOS EM FORNOS
ROTATIVOS DE PRODUÇÃO DE CLÍNQUER. VIOLAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DE TRATADOS
INTERNACIONAIS. INOCORRÊNCIA. DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL. JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS
EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E DA ECOLOGIA.
1. A ausência de impugnação específica de todos os
preceitos da lei, uma vez suscitada a invalidade da
integralidade do diploma, leva ao conhecimento parcial da
ação, para exame apenas dos dispositivos efetivamente
impugnados.
2. O conjunto de princípios e dispositivos constitucionais,
bem como de balizas jurisprudenciais, que há de informar a
formulação de políticas públicas em matéria ambiental e a
atuação de controle do Poder Judiciário preconiza a observância
dos princípios constitucionais pertinentes à defesa do ambiente:
precaução, prevenção e proibição do retrocesso, da preservação
da esfera de tomada de decisão atribuída constitucionalmente
às instâncias democráticas e representativas na ponderação
entre a necessidade de proteção ambiental e os valores que
orientam a ordem econômica instituída pela Constituição
Federal, tais como os objetivos de garantir o desenvolvimento
nacional (CF, art. 3º, II), de erradicar a pobreza e a
marginalização, de reduzir as desigualdades sociais e regionais
(CF, arts. 3º, III, e 170, VII), bem como os princípios do
progresso da humanidade, regente das relações internacionais
(CF, art. 4º, IX), da livre-iniciativa (CF, arts. 1º, IV, e 170), da

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propriedade privada (arts. 5º, caput e XXII, e 170, II) e da busca


do pleno emprego (arts. 170, VIII, e 6º).
3. Compete ao CONAMA estabelecer regulamentação em
matéria ambiental, principalmente por resoluções de alcance
nacional que estabelecem diretrizes, normas técnicas, critérios e
padrões ambientais a serem seguidos pelos demais órgãos
encarregados da proteção ambiental, aplicáveis inclusive ao
licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente
poluidoras, bem como à delimitação de áreas de preservação
permanente.
4. O novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) não revogou
automaticamente os atos normativos anteriormente expedidos
pelo CONAMA que não sejam com ele incompatíveis, devendo
tais regulamentos ser mantidos em observância aos princípios
da prevenção, da precaução e da proibição do retrocesso que
regem o direito ambiental.
5. A revogação da respectiva regulamentação específica
gera insegurança e incerteza jurídica quanto aos critérios
exigíveis para o licenciamento de atividades de irrigação, com o
potencial de que a prática passe a ser considerada exceção à
incidência do art. 225, § 1º, IV, da CF, situação que não se mostra
compatível com os deveres constitucionais de proteção e de
preservação do meio ambiente equilibrado.
6. A ausência de quadro normativo a orientar a opção
discricionária na definição das faixas a serem consideradas
áreas de preservação no entorno de reservatórios d’água
artificiais, que de acordo com o Novo Código Florestal há de
caber ao órgão competente pelo licenciamento ambiental, pode
acarretar a completa desproteção dessas áreas, ao possibilitar
que a competência prevista no art. 225, § 1º, III, da CF seja
exercida de forma inefetiva na proteção do meio ambiente.
7. O atual Código Florestal confere ao Chefe do Poder
Executivo o poder normativo para criar Áreas de Preservação
Permanente, mas não exclui de tal atribuição outros agentes
políticos e colegiados constitucional e legalmente competentes,
como o CONAMA, cuja atuação se encontra estabelecida em lei

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(Lei 6.938/1981, art. 6º, II) e em consonância com os ditames da


Constituição Federal (art. 225, § 1º, III), que expressamente
estabelece a possibilidade de criação de espaços especialmente
protegidos por ato do Poder Público.
8. As mudanças promovidas no ato regulamentar que
dispõe sobre o licenciamento de coprocessamento de resíduos
em fornos de produção de clínquer não implicam violação da
legislação aplicável, tampouco de tratados internacionais
regentes da matéria, pois decorreram da necessidade de
atualização da resolução, ante avanços tecnológicos ocorridos
desde então, bem como em razão da superveniência de novas
diretivas legais, a exemplo da Convenção de Estocolmo sobre os
Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs).
— Parecer pelo conhecimento parcial da arguição, para
que seu objeto fique circunscrito à compatibilidade
constitucional da Resolução 500/2020 na parte em que revogou
as Resoluções CONAMA 284/2001, 302/2002 e o art. 3º, IX e X,
da Resolução CONAMA 303/2002, bem como da Resolução
CONAMA 499/2020. Na parte conhecida, pela procedência
parcial do pedido, para declarar a inconstitucionalidade da
revogação das Resoluções CONAMA 284/2001, 302/2002 e do
art. 3º, IX e X, da Resolução CONAMA 303/2002.

13. Admiti o ingresso no feito, na qualidade de amici curiae, (a) do


Partido Verde (petição nº 82374/2020), (b) da Associação Brasileira dos
Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – ABRAMPA e da
Rede Nacional Pró Unidades de Conservação – REDE PRÓ UC (petição
nº 96631/2020), (c) da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil –
CNA (petição nº 97043/2020 ), (d) da Câmara Brasileira da Indústria da
Construção – CBIC, da Associação das Empresas de Loteamento e
Desenvolvimento Urbano – AELO e do Sindicato das Empresas de
Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e
Comerciais de São Paulo – SECOVI (petição nº 97301/2020), (e) do
Sindicato Nacional das Indústrias do Cimento - SNIC ((petição nº
97921/2020), (f) da Confederação Nacional da Indústria – CNI (petição

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98913/2020), e (g) Associação Brasileira de Companhias de Energia


Elétrica – ABCE (petição 68336/2021).
É o relatório.

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18/12/2021 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 748


DISTRITO FEDERAL

VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora):


1. Senhor Presidente, como afirmado no relatório, a controvérsia
constitucional posta para deliberação e decisão de mérito circunscreve-se
à validade da Resolução nº 500, de 28 de setembro de 2020, do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), no que revoga as Resoluções
nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002. Os atos normativos revogados
dispõem, respectivamente, sobre (i) o licenciamento de empreendimentos
de irrigação, (ii) os parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do
entorno e (iii) os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação
Permanente. Impugna, também, (iv) a Resolução CONAMA nº 499/2020
sobre “licenciamento da atividade de coprocessamento de resíduos em fornos
rotativos de produção de clínquer”, que diz revogar e substituir a Resolução
nº 264/1999.
Os parâmetros normativos de controle identificados no conjunto
postulatório do processo identificam-se com os preceitos fundamentais
da eficiência, motivação e estrita legalidade dos atos da Administração
pública (art. 37, caput, da CF), do direito de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à proibição do retrocesso socioambiental
(art. 225 da CF) e da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF).

PARTE I
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
2. Reconheço, de plano, a legitimidade ad causam ativa do Partido
Socialista Brasileiro para o ajuizamento da presente ação, nos termos dos
arts. 2º, I, da Lei 9.882/1999 e 103, VIII, da Constituição da República, por
se tratar de partido político com representação no Congresso Nacional.
3. Entendo cabível a presente arguição de descumprimento de

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Voto - MIN. ROSA WEBER

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ADPF 748 / DF

preceito fundamental na medida em que tem por objeto, na forma do art.


1º, caput, da Lei 9.882/1999, evitar ou reparar lesões a preceitos
fundamentais resultantes de ato do Poder Público de caráter normativo.
4. A arguição de descumprimento de preceito fundamental
desempenha, no conjunto dos mecanismos de proteção da higidez da
ordem constitucional, específica função de evitar, à falta de outro meio
eficaz para tanto, a perenização no ordenamento jurídico de
comportamentos estatais – ostentem eles ou não a natureza de atos
normativos – contrários a um identificável núcleo de preceitos –
princípios e regras – tidos como sustentáculos da ordem constitucional
estabelecida.
O descumprimento de preceito fundamental, acionador do singular
mecanismo de defesa da ordem constitucional (art. 102, § 1°, da Carta
Política) que é a ADPF, manifesta-se na contrariedade às linhas mestras
da Constituição. Pilares de sustentação, explícitos ou implícitos, sem os
quais a ordem jurídica delineada pelo Poder Constituinte, seja ele
originário ou derivado, ficaria desfigurada na sua própria identidade.
A própria redação do art. 102, § 1º, da Constituição da República, ao
aludir a preceito fundamental “decorrente desta Constituição”, é indicativa
de que os preceitos em questão não se restringem às normas expressas no
seu texto, incluindo, também, prescrições implícitas, desde que
revestidas dos indispensáveis traços de essencialidade e
fundamentalidade. É o caso, por exemplo, de princípios como o da
razoabilidade e o da confiança, realidades deontológicas integrantes da
nossa ordem jurídica, objetos de sofisticados desenvolvimentos
jurisprudenciais nesta Corte, embora não expressos na literalidade do
texto constitucional.
Isso porque os conteúdos normativos – preceitos – da Constituição
são revelados hermeneuticamente a partir da relação entre intérprete e
texto, tomada a Constituição não como agregado de enunciados
independentes, e sim como sistema normativo qualificado por
sistematicidade e coerência interna.
Nessa ordem de ideias, tenho por inequívoco que a lesão ao preceito

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Voto - MIN. ROSA WEBER

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fundamental do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, assegurado no art. 225 da Constituição da República,
considerada a sua posição de centralidade no complexo deontológico e
político consubstanciado na Constituição, mostra-se passível de
desfigurar a própria essência do regime constitucional pátrio.
Longe de consubstanciar norma meramente programática,
jurisprudência e doutrina reconhecem que o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado se configura como direito fundamental da
pessoa humana. Para Anizio Pires Gavião Filho,

A caracterização do direito ao ambiente como direito


fundamental pode ser racionalmente justificada se for
considerado que: i) as normas que se referem ao ambiente (...)
vinculam juridicamente a atuação das funções legislativa,
executiva e jurisdicional, especificamente porque são normas do
tipo ia) vinculante, constitutiva de direito subjetivo definitivo;
ib) vinculante, constitutiva de direito subjetivo prima facie; ic)
vinculante, constitutiva de dever objetivo do Estado definitivo;
id) vinculante, constitutiva de dever objetivo do Estado prima
facie; ii) o direito ao ambiente é direito formal e materialmente
fundamental. (GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. O Direito
Fundamental ao Ambiente como Direito a Prestações em
Sentido Amplo. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em
Direito – PPGDir./UFRGS, Porto Alegre, n. 2, ago. 2014)

Outra não foi a compreensão desta Suprema Corte ao reputar


satisfeitos os requisitos de admissibilidade da ADPF 101, em que
apontada lesão aos arts. 196 e 225 da CF diante de decisões judiciais
autorizando a importação de pneus usados, a despeito da existência de
normas proibindo expressamente a atividade:

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL: ADEQUAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. ARTS. 170, 196 E 225 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

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ADPF 748 / DF

CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS


PROIBITIVOS DA IMPORTAÇÃO DE PNEUS USADOS. (...) 1.
Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos
fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da
Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento
econômico sustentável: princípios constitucionais da livre
iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados
em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. (...)
(ADPF 101, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno,
julgado em 24.6.2009, DJe 04.6.2012)

Entendo, pois, diante do alegado na inicial, devidamente


enquadrada a controvérsia constitucional, tal como se apresenta, em tese,
em hipótese de lesão a preceitos fundamentais, devidamente
identificados.
5. A presente arguição tampouco esbarra no óbice processual –
pressuposto negativo de admissibilidade – do art. 4º, § 1º, da Lei nº
9.882/1999 (“Não será admitida arguição de descumprimento de preceito
fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”).
Demonstrada, no caso, a partir das argumentações e elementos
informacionais aportados no processo, a insuficiência dos meios
processuais ordinários para assegurar solução adequada e efetiva à
controvérsia posta. É que prestigiada, na interpretação daquele
dispositivo, a eficácia típica dos processos objetivos de proteção da ordem
constitucional, vale dizer, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante
próprios ao controle concentrado de constitucionalidade. Significa
afirmar que a chamada cláusula de subsidiariedade impõe a inexistência
de outro meio tão eficaz e definitivo quanto a ADPF para sanar a
lesividade. É dizer, de outra medida adequada no universo do sistema
concentrado de jurisdição constitucional.
Superado o juízo de admissibilidade, já deliberado na medida
cautelar, passo a analisar o mérito da demanda constitucional.

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PARTE II
JUÍZO DE MÉRITO
6. Instituído pelo art. 6º, II, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, consiste o CONAMA – Conselho
Nacional do Meio Ambiente – em órgão consultivo e deliberativo com as
funções precípuas de (i) assessorar, estudar e propor diretrizes de
políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais; e
(ii) deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões
compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial
à sadia qualidade de vida.
O CONAMA integra a estrutura do SISNAMA – Sistema Nacional
do Meio Ambiente –, conjunto dos órgãos e entidades responsáveis pela
proteção e melhoria da qualidade ambiental nos âmbitos da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Dentro
dessa estrutura, as competências do CONAMA, em particular, são
articuladas no art. 8º da Lei nº 6.938/1981:

Art. 8º Compete ao CONAMA:


I – estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e
critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou
potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e
supervisionado pelo IBAMA;
II - determinar, quando julgar necessário, a realização de
estudos das alternativas e das possíveis consequências
ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos
órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades
privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos
estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso
de obras ou atividades de significativa degradação ambiental,
especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional.
III – (Revogado pela Lei nº 11.941, de 2009).
IV – homologar acordos visando à transformação de
penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de
interesse para a proteção ambiental;
V – determinar, mediante representação do IBAMA, a

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perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder


Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou
suspensão de participação em linhas de financiamento em
estabelecimentos oficiais de crédito;
VI – estabelecer, privativamente, normas e padrões
nacionais de controle da poluição por veículos automotores,
aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios
competentes;
VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com
vistas ao uso racional dos recursos ambientais,
principalmente os hídricos. (destaquei)

A Lei nº 6.938/1981 é regulamentada pelo Decreto nº 99.274/1990,


que disciplina o funcionamento do CONAMA, detalhando o exercício das
suas competências, e cujo art. 7º, XVIII, estabelece competir-lhe “deliberar,
sob a forma de resoluções, proposições, recomendações e moções, visando o
cumprimento dos objetivos da Política Nacional de Meio Ambiente”.
7. À evidência, o legislador confiou ao CONAMA ampla e relevante
função normativa em matéria de proteção ambiental, como já reconheceu
precedentes desta Suprema Corte:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


RESOLUÇÃO CONAMA Nº 458/2013. CABIMENTO. OFENSA
DIRETA. ATO NORMATIVO PRIMÁRIO, GERAL E
ABSTRATO. PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. DIREITO
FUNDAMENTAL. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO E DA
PRECAUÇÃO. FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA
PROPRIEDADE. PROIBIÇÃO DO RETROCESSO. PRINCÍPIOS
DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE
OFENSA. 1. A Resolução impugnada é ato normativo primário,
dotada de generalidade e abstração suficientes a permitir o
controle concentrado de constitucionalidade. 2. Disciplina que
conduz justamente à conformação do amálgama que busca
adequar a proteção ambiental à justiça social, que, enquanto
valor e fundamento da ordem econômica (CRFB, art. 170, caput)

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e da ordem social (CRFB, art. 193), protege, ao lado da defesa


do meio ambiente, o valor social do trabalho, fundamento do
Estado de Direito efetivamente democrático (art. 1º, IV, da
CRFB), e os objetivos republicanos de “construir uma sociedade
livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”
(Art. 3º, I e III). 3. Deve-se compreender o projeto de
assentamento não como empreendimento em si potencialmente
poluidor. Reserva-se às atividades a serem desenvolvidas pelos
assentados a consideração acerca do potencial risco ambiental.
Caberá aos órgãos de fiscalização e ao Ministério Público
concretamente fiscalizar eventual vulneração do meio
ambiente, que não estará na norma abstrata, mas na sua
aplicação, cabendo o recurso a outras vias de impugnação.
Precedentes. 4. É assim que a resolução questionada não denota
retrocesso inconstitucional, nem vulnera os princípios da
prevenção e da precaução ou o princípio da proteção deficiente.
5. Ação direta julgada improcedente. (ADI 5547/DF, Relator
Ministro Edson Fachin, j. 22.9.2020, DJe 06.10.2020)

Também o Superior Tribunal de Justiça, por meio de distintos


precedentes, tem reconhecido a competência do CONAMA para “editar
resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais,
inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente” (STJ, REsp 1.462.208/SC, Relator Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma julgado em 11.11.2014, DJe
06.4.2015).No mesmo sentido interpretativo:

Possui o CONAMA autorização legal para editar


resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas,
entendidas como as áreas de preservação permanentes
existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas.
Consistem elas normas de caráter geral, às quais devem estar
vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do
artigo 24, inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do
artigo 6º, incisos IV e V, e § § 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81. Uma vez

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concedida a autorização em desobediência às determinações


legais, tal ato é passível de anulação pelo Judiciário e pela
própria Administração Pública, porque dele não se originam
direitos.” (STJ, REsp 194.617/PR, Relator Ministro Franciulli
Netto, Segunda Turma julgado em 16.4.2002, DJ 01.7.2002)

8. Embora dotado o órgão de considerável autonomia, a medida da


competência normativa em que investido o CONAMA é, em face da
primazia do princípio da legalidade, aquela perfeitamente especificada
nas leis – atos do Parlamento – de regência.
O exercício da competência normativa do CONAMA vê os seus
limites materiais condicionados aos parâmetros fixados pelo constituinte
e pelo legislador. As Resoluções editadas pelo órgão preservam a sua
legitimidade quando cumprem o conteúdo material da Constituição e
da legislação ambiental. A preservação da ordem constitucional vigente
de proteção do meio ambiente impõe-se, pois, como limite substantivo ao
agir administrativo.
O poder normativo atribuído ao CONAMA pela respectiva lei
instituidora consiste em instrumento para que dele lance mão o agente
regulador no sentido da implementação das diretrizes, finalidades,
objetivos e princípios expressos na Constituição e na legislação
ambiental. Em outras palavras, a orientação seguida pelo Administrador
deve necessariamente mostrar-se compatível com a ordem
constitucional de proteção do patrimônio ambiental. Eventualmente
falhando nesse dever de justificação, expõe-se a atividade normativa do
ente administrativo ao controle jurisdicional da sua legitimidade.
9. Tais objetivos e princípios são extraídos, primariamente, do art.
225 da Lei Maior, a consagrar que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O § 1º do preceito
constitucional especifica, ainda, que, para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao Poder Público, entre outros deveres: preservar e
restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico

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das espécies e ecossistemas (art. 225, § 1º, I); definir, em todas as


unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (art. 225, § 1º,
III); exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (art. 225, §
1º, IV); controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V); e proteger a fauna e a flora,
vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica e provoquem a extinção de espécies (art. 225, § 1º, VII).
Fixada a moldura constitucional, a Política Nacional do Meio
Ambiente, delineada pelo legislador nos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.938/1981,
tem, entre seus objetivos: (a) a preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental propícia à vida (art. 2º, caput); (b) a
compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a
preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico (art.
4º, I); (c) o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental
e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais (art. 4º, II);
e (d) a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua
utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a
manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida (art. 4º, VI).
São princípios norteadores da Política Nacional do Meio Ambiente,
definidos em lei, a ação governamental na manutenção do equilíbrio
ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a
ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo (art. 2º, I, da Lei nº 6.938/1981); a racionalização do uso do solo,
do subsolo, da água e do ar (art. 2º, II); o planejamento e fiscalização do
uso dos recursos ambientais (art. 2º, III); a proteção dos ecossistemas,
com a preservação de áreas representativas (art. 2º, IV); a recuperação de
áreas degradadas (art. 2º, VIII) e a proteção de áreas ameaçadas de

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degradação (art. 2º, IX).


Dispõe, ainda, o art. 7º, § 3º, do Decreto nº 99.274/1990 que “na
fixação de normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da
qualidade do meio ambiente, o CONAMA levará em consideração a
capacidade de autorregeneração dos corpos receptores e a necessidade de
estabelecer parâmetros genéricos mensuráveis”.
10. Realizada, em 28.9.2020, a sua 135ª Reunião Ordinária, o
CONAMA aprovou a Resolução nº 500/2020, objeto da presente ADPF,
pela qual foram revogadas as Resoluções CONAMA nºs 284/2001,
302/2002 e 303/2002.
11. A Resolução CONAMA nº 284/2001 dispõe sobre o
licenciamento de empreendimentos de irrigação potencialmente
causadores de modificações ambientais. Classifica os empreendimentos
de irrigação em categorias, segundo a dimensão da área irrigada e o
método de irrigação empregado, define parâmetros a serem observados
pelo órgão ambiental competente para o licenciamento e estabelece
prioridade para os projetos que incorporem equipamentos e métodos de
irrigação mais eficientes, em relação ao menor consumo de água e de
energia.
Ao contrário do que apontam as manifestações do Ministério do
Meio Ambiente e do Advogado-Geral da União, a Resolução CONAMA
nº 284/2001 não se revela redundante em relação à Resolução CONAMA
nº 237/1997, que não versa sobre o licenciamento de empreendimentos de
irrigação.
A revogação da Resolução CONAMA nº 284/2001 sinaliza para a
dispensa de licenciamento para empreendimentos de irrigação, mesmo
quando potencialmente causadores de modificações ambientais
significativas. Tal situação, além de configurar efetivo descumprimento,
pelo Poder Público, do seu dever de atuar no sentido de preservar os
processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico dos
ecossistemas (art. 225, § 1º, I, da CF), sugere estado de anomia
regulatória, a evidenciar graves e imediatos riscos para a preservação dos
recursos hídricos, em prejuízo da qualidade de vida das presentes e

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futuras gerações (art. 225, caput, da CF).


Não se pode perder de vista que a água, bem de domínio público
(art. 1º, I, da Lei nº 9.433/1997), é um recurso natural limitado, que não
pode ser apropriado por pessoa física ou jurídica, e o seu uso sustentável
deve ser regulado a fim de se proporcionar o uso múltiplo, bem como
evitar situações de escassez ou mesmo de exaurimento. O direito à
disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes para o
uso adequado, titularizado pelas presentes e futuras gerações, impõe ao
poder público, seu gestor, o dever de zelar pela utilização racional e
sustentável desse recurso natural.
12. A Resolução CONAMA nº 302/2002 dispõe sobre parâmetros,
definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de
reservatórios artificiais e institui a elaboração obrigatória de plano
ambiental de conservação e uso do seu entorno.
Sustenta-se incompatível a referida resolução com o regime
instituído pelo art. 4º, III e §§ 1º e 4º, da Lei nº 12.651/2012 e declarado
constitucional por este Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
nº 4903 e da ADC nº 42.
O antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) reconhecia como de
preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação
situadas ao redor de reservatórios d’água artificiais (art. 2º, “b”), sem,
contudo, definir os seus limites. Ao incluir o § 6º no art. 4º da Lei nº
4.771/1965, a Medida Provisória nº 2.166-67/2001 delegou expressamente
ao CONAMA a definição, mediante Resolução, dos parâmetros para
delimitação dessas áreas e seu regime de uso. Nessa esteira, foi editada a
Resolução CONAMA nº 302/2002.
O art. 4º, III, da Lei nº 12.651/2012 remete ao licenciamento
ambiental do empreendimento a definição da faixa correspondente à
área de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais
decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.
Questionada a constitucionalidade do preceito na ADI 4903 e na ADC 42,
este Supremo Tribunal Federal assim decidiu, quanto ao ponto:

(e) Art. 4º, inciso III e §§ 1º e 4º (Áreas de preservação

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permanente no entorno de reservatórios artificiais que não


decorram de barramento de cursos d’água naturais e de
reservatórios naturais ou artificiais com superfície de até um
hectare): As alegações dos requerentes sugerem a falsa ideia de
que o novo Código Florestal teria extinto as APPs no entorno
dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento
ou represamento de cursos d’água naturais. No entanto, esses
espaços especialmente protegidos continuam a existir, tendo a
lei delegado ao órgão que promover a licença ambiental do
empreendimento a tarefa de definir a extensão da APP,
consoante as especificidades do caso concreto. Essa opção legal
evita os inconvenientes da solução “one size fits all” e permite a
adequação da norma protetiva ao caso concreto. Por sua vez, a
pretensão de constitucionalização da metragem de Área de
Proteção Permanente estabelecida na lei revogada ofende o
princípio democrático e a faculdade conferida ao legislador
pelo art. 225, § 1º, III, da Constituição, segundo o qual compete
à lei alterar, ou até mesmo suprimir, espaços territoriais
especialmente protegidos. Pensamento diverso transferiria ao
Judiciário o poder de formular políticas públicas no campo
ambiental. CONCLUSÃO: Declaração de constitucionalidade
do art. 4º, III e §§ 1º e 4º, do novo Código Florestal. (ADC 42 e
ADI 4903, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado
em 28.02.2018, DJe 13.8.2019)

Editada com base em delegação expressa do art. 4º, § 6º, da Lei nº


4.771/1965 (incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67/2001), a
Resolução nº CONAMA nº 302/2002, regulamenta o art. 2º, “b”, da Lei
nº 4.771/1965, relativamente às áreas de preservação permanente ao redor
de reservatórios d’água artificiais. Tal preceito, no entanto, foi revogado
pela Lei nº 12.651/2012, cujo art. 4º, III, remete ao licenciamento
ambiental do empreendimento a definição da faixa correspondente à
área de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais
decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais,
ficando dispensada área de preservação permanente no entorno de

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reservatórios artificiais de água não decorrentes de barramento ou


represamento de cursos d’água naturais (art. 4º, § 1º) e nas acumulações
de água com superfície inferior a 1 (um) hectare (art. 4º, § 4º).
De fato, revogada a base normativa imediata a amparar a Resolução
CONAMA nº 302/2002, vale ressaltar que, embora distinto, o modelo de
delimitação de áreas de preservação permanente no entorno de
reservatórios artificiais adotado na Lei nº 12.651/2012, a prestigiar as
especificidades de cada caso concreto, não configura situação de anomia
sobre a matéria, como já reconheceu, inclusive, esta Suprema Corte, nos
precedentes citados (ADC 42 e ADI 4903).
Todavia, ainda que tal quadro aponte para a necessidade de ajustes
na normativa do CONAMA pertinente de modo a melhor refletir o marco
legislativo em vigor, notadamente a Lei nº 12.651/2012, a simples
revogação da norma operacional ora existente parece conduzir a
intoleráveis anomia e descontrole regulatório, situação incompatível com
a ordem constitucional em matéria de proteção adequada do meio
ambiente.
Assumem particular centralidade no dimensionamento da questão
posta os princípios da precaução e da vedação do retrocesso ambiental,
ambos já reconhecidos na jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal
em matéria ambiental, na esteira dos seguintes precedentes:

O princípio da precaução é um critério de gestão de risco


a ser aplicado sempre que existirem incertezas científicas sobre
a possibilidade de um produto, evento ou serviço desequilibrar
o meio ambiente ou atingir a saúde dos cidadãos, o que exige
que o Estado analise os riscos, avalie os custos das medidas de
prevenção e, ao final, execute as ações necessárias, as quais
serão decorrentes de decisões universais, não discriminatórias,
motivadas, coerentes e proporcionais. Não há vedação para o
controle jurisdicional das políticas públicas sobre a aplicação do
princípio da precaução, desde que a decisão judicial não se
afaste da análise formal dos limites desses parâmetros e que
privilegie a opção democrática das escolhas discricionárias

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feitas pelo legislador e pela administração pública. (RE 627189,


Relator Ministro Dia Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em
08.6.2016, DJe 03.4.2017)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


MEDIDA PROVISÓRIA N. 558/2012. CONVERSÃO NA LEI N.
12.678/2012. (...) ALTERAÇÃO DA ÁREA DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA.
IMPOSSIBILIDADE. CONFIGURADA OFENSA AO
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO
SOCIOAMBIENTAL. AÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA
E, NESSA PARTE, JULGADA PROCEDENTE, SEM
PRONÚNCIA DE NULIDADE. (...). 3. As medidas provisórias
não podem veicular norma que altere espaços territoriais
especialmente protegidos, sob pena de ofensa ao art. 225, inc.
III, da Constituição da República. 4. As alterações promovidas
pela Lei n. 12.678/2012 importaram diminuição da proteção dos
ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por ela
atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de
retrocesso socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado previsto no art. 225 da Constituição da República. 5.
Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e,
nessa parte, julgada procedente, sem pronúncia de nulidade.
(ADI 4717/DF, Relatora Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado
em 05.4.2018, DJe 15.20.2019)

13. A Resolução CONAMA nº 303/2002 dispõe sobre parâmetros,


definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Tem
fundamento normativo não só na Lei nº 4.771/1965, revogada, mas
também na Lei nº 9.433/1997, que institui a Política Nacional de Recursos
Hídricos, nas responsabilidades do Estado brasileiro em face da
Convenção da Biodiversidade, de 1992, da Convenção de Ramsar, de
1971, e da Convenção de Washington, de 1940, nos compromissos
assumidos na Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, e nos deveres
impostos ao Poder Público pelos arts. 5º, caput e XXIII, 170, VI, 186, II, e

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225, caput e § 1º, da Constituição da República.


O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou acerca da
compatibilidade da Resolução CONAMA nº 303/2002 com o marco legal
em vigor:

Em precedentes similares à hipótese dos autos, também de


Santa Catarina, a Primeira e a Segunda Turmas do STJ já se
manifestaram sobre a legalidade da Resolução 303/2002 do
Conselho Nacional do Meio Ambiente, entendendo que o órgão
não exorbitou de sua competência. Nessa linha, destaco
precedente em que o Relator, Ministro Humberto Martins,
ressaltou possuir "o CONAMA autorização legal para editar
resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos
recursos naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros,
definições e limites de Áreas de Preservação Permanente".
(REsp 1.462.208/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda
Turma, DJe de 6/4/2015). No mesmo sentido: "O fundamento
jurídico da impetração repousa na ilegalidade da Resolução do
Conama 303/2002, a qual não teria legitimidade jurídica para
prever restrição ao direito de propriedade, como aquele que
delimita como área de preservação permanente a faixa de 300
metros medidos a partir da linha de preamar máxima. Pelo
exame da legislação que regula a matéria (Leis 6.938/81 e
4.771/65), verifica-se que possui o Conama autorização legal
para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e
dos recursos naturais, inclusive mediante fixação de
parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação
Permanente, não havendo o que se falar em excesso
regulamentar. (REsp 994.881/SC, Rel. Ministro Benedito
Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 9/9/2009).” (STJ, REsp
1.544.928/SC, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma julgado em 15.9.2016, DJe 31.8.2020)

O conteúdo normativo veiculado na Resolução CONAMA nº


303/2002 é plenamente assimilável ao direito fundamental ao meio
ambiente equilibrado, titularizado por toda a coletividade e cuja defesa,

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preservação e restauração são deveres do Poder Público. Sua revogação,


nesse contexto, distancia-se dos objetivos definidos no art. 225 da
Constituição, tais como explicitados na Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei nº 6.938/1981), baliza material da atividade normativa do
CONAMA. Caracteriza-se como verdadeiro retrocesso relativamente à
satisfação do dever de proteger e preservar o equilíbrio do meio
ambiente.
14. Como se vê, o estado de coisas (tanto na dimensão normativa
quanto fática) inaugurado pela revogação das Resoluções nºs 284/2001,
302/2002 e 303/2002 do CONAMA apresenta agravamento da situação de
inadimplência do Brasil para com suas obrigações constitucionais e
convencionais de tutela adequada e efetiva do meio ambiente. A
supressão de marcos regulatórios ambientais, procedimento que não se
confunde com a sua atualização e ajustes necessários, configura quadro
normativo de retrocesso no campo da proteção e defesa do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF) e,
consequentemente, dos direitos fundamentais à vida (art. 5º, caput, da
CF) e à saúde (art. 6º da CF), a ponto de provocar a impressão da
ocorrência de efetivo desmonte da estrutura estatal de prevenção e
reparação dos danos à integridade do patrimônio ambiental comum.
Nessa linha, observa a doutrina que

“(...) junto com o princípio do desenvolvimento


sustentável, não se pode esquecer dos direitos à vida e à saúde
das gerações futuras e, assim, há que se impedir que se tomem
medidas que causariam danos a elas. Reduzir ou revogar as
regras de proteção ambiental teria como efeito impor às
gerações futuras um ambiente mais degradado.” (PRIEUR,
Michel. O Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental In
Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. Brasília:
Senado Federal, 2012, destaquei)

Admitir tal sorte de recuo normativo, segundo o magistério de


Antonio Herman Benjamin, seria um contrassenso quando “para muitas

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espécies e ecossistemas em via de extinção ou a essa altura regionalmente


extintos, a barreira limítrofe de perigo – o ‘sinal vermelho’ do mínimo ecológico
constitucional – foi infelizmente atingida, quando não irreversivelmente
ultrapassada. Num e noutro caso, para usar uma expressão coloquial, já não há
gordura para queimar” (BENJAMIN, Antonio Herman. Princípio da
Proibição de Retrocesso Ambiental In Princípio da Proibição de
Retrocesso Ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012, destaquei). Acresce
o autor:

“É seguro afirmar que a proibição de retrocesso, apesar de


não se encontrar, com nome e sobrenome, consagrada na nossa
Constituição, nem em normas infraconstitucionais, e não
obstante sua relativa imprecisão − compreensível em institutos
de formulação recente e ainda em pleno processo de
consolidação −, transformou-se em princípio geral do Direito
Ambiental, a ser invocado na avaliação da legitimidade de
iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela
legal do meio ambiente, mormente naquilo que afete em
particular a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas
frágeis ou à beira de colapso, e c) espécies ameaçadas de
extinção.” (BENJAMIN, Antonio Herman. Princípio da
Proibição de Retrocesso Ambiental In Princípio da Proibição de
Retrocesso Ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012,
destaquei).

15. No plano internacional, a Corte Interamericana de Direitos


Humanos reconhece que a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos protege o direito a um meio ambiente sadio na condição de
decorrência necessária do direito ao desenvolvimento assegurado no seu
artigo 26.
Nessa linha, assinalou em 06 de fevereiro de 2020, no caso
Comunidades indígenas membros da Associação Lhaka Honhat (Nossa Terra) vs.
Argentina, que “os Estados têm a obrigação de estabelecer mecanismos
adequados para supervisionar e fiscalizar certas atividades, de modo a garantir os
direitos humanos, protegendo-os das ações de entes públicos, assim como de

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agentes privados.”
Além disso, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais ("Protocolo de San Salvador"), que entrou em vigor em 16 de
novembro de 1999, contempla expressamente o direito a um meio
ambiente sadio, nos seguintes termos:

Artigo 11
Direito a um meio ambiente sadio
1. Toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio
e a contar com os serviços públicos básicos.
2. Os Estados Partes promoverão a proteção, preservação e
melhoramento do meio ambiente.

No Parecer Consultivo OC-23/17, de 15.11.2017, solicitada pela


República da Colômbia a respeito da interpretação dos direitos
assegurados no Pacto de São José da Costa Rica diante do risco de severo
impacto no meio ambiente marinho apresentado por grandes obras de
infraestrutura realizadas na região do Mar do Caribe, a Corte
Interamericana asseverou que:

O direito humano a um meio ambiente sadio tem sido


entendido como um direito com conotações tanto individuais
quanto coletivas. Em sua dimensão coletiva, o direito a um
meio ambiente sadio constitui um interesse universal, que se
deve tanto às gerações presentes quanto às futuras. Contudo, o
direito ao meio ambiente sadio também tem uma dimensão
individual, na medida em que a sua vulneração pode ter
repercussões diretas ou indiretas sobre as pessoas em razão da
sua conexão com outros direitos, tais como os direitos à saúde,
à integridade pessoal ou à vida, entre outros. A degradação do
meio ambiente pode causar danos irreparáveis aos seres
humanos, de modo que um meio ambiente saudável é um
direito fundamental à existência da humanidade.

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16. A Declaração do Rio sobre o meio ambiente e o


desenvolvimento, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em
1992, consagra, no seu Princípio 1 que “os seres humanos constituem o
centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm
direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza.” O seu
Princípio 3 enuncia, ainda, que “o direito ao desenvolvimento deve exercer-se
de forma tal que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento e
ambientais das gerações presentes e futuras”. Tais princípios convergem com
o postulado da dignidade da pessoa humana, erigido como pilar da
República Federativa do Brasil, na expressa dicção do art. 1º, III, da Carta
Política, o que significa compreender que a efetiva proteção do meio
ambiente concretiza um meio de assegurar ao ser humano das presentes e
futuras gerações uma existência digna: a preservação do meio ambiente é
indissociável da própria defesa dos direitos humanos.
Nesse mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência deste
Supremo Tribunal Federal:

(...) O direito à integridade do meio ambiente – típico


direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de
afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de
um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua
singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais
abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos
de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais –
realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda
geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se
identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas –
acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira
geração, que materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos genericamente a todas as formações sociais,
consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento,

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expansão e reconhecimento dos direitos humanos,


caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis,
pela nota de uma essencial inexauribilidade. (MS 22.164/SP,
Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em
30.10.1995, DJ 17.11.1995)

A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO


AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM
DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À
GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico
direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que
assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205- 206). Incumbe, ao
Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de
defender e preservar, em benefício das presentes e futuras
gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter
transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse
encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não
se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos
intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de
solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem
essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina.
A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER
EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS
DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE.
- A incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresariais nem ficar
dependente de motivações de índole meramente econômica,
ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica ,
considerada a disciplina constitucional que a rege, está
subordinada , dentre outros princípios gerais, àquele que
privilegia a defesa do meio ambiente ( CF , art. 170, VI), que
traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio
ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente
artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina .

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Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza


constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio
ambiente, para que não se alterem as propriedades e os
atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável
comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e
bem-estar da população, além de causar graves danos
ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu
aspecto físico ou natural.
A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
( CF , ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA
INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE ( CF , ART. 225): O
PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO
ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA
ECOLOGIA.
- O princípio do desenvolvimento sustentável, além de
impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra
suporte legitimador em compromissos internacionais
assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção
do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da
ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado,
quando ocorrente situação de conflito entre valores
constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja
observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial
de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à
preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum
da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das
presentes e futuras gerações. (ADI 3540-MC/DF, Relator
Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 01.9.2005,
DJ 03.02.2006)

17. Na condução das políticas públicas assecuratórias do direito


fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabe à
Administração fazer cumprir a Constituição e as leis, conferindo-lhes a
máxima efetividade. Não é dado ao agente público lançar mão de “método
interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo, a máxima eficácia

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possível dos direitos fundamentais” (FREITAS, Juarez. A melhor


interpretação constitucional ‘versus’ a única resposta correta In SILVA,
Virgílio Afonso. Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros,
2007).
Na mesma linha, observa Jorge Miranda que “a uma norma
fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma
constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de
capacidade de regulamentação” (MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais e
interpretação constitucional. Porto Alegre: Revista do TRF-4ª Região n. 30,
1998), imperativo que assume, na lição de Konrad Hesse, a seguinte
sistematização:

Dado que a Constituição pretende ver-se atualizada e uma


vez que as possibilidades e os condicionamentos históricos
dessa atualização modificam-se, será preciso, na solução dos
problemas, dar preferência àqueles pontos de vista que, sob as
circunstâncias de cada caso, auxiliem as normas constitucionais
a obter a máxima eficácia. (HESSE, 1984 Apud FREITAS, Juarez.
A melhor interpretação constitucional ‘versus’ a única resposta
correta In SILVA, Virgílio Afonso. Interpretação Constitucional.
São Paulo: Malheiros, 2007)

Observo, ainda, que o art. 5º, § 1º, da Carta Política veda sejam as
normas definidoras de direitos fundamentais interpretadas como meras
declarações políticas ou programas de ação, ou ainda como “normas de
eficácia limitada ou diferida” (DIMOULIS; MARTINS, 2007). Tenho, pois,
que, levadas a sério, não pode ser atribuída às normas constitucionais
definidoras de princípios basilares da ordem jurídica (arts. 1º, III, e 37,
caput) e direitos fundamentais (arts. 5º, caput e XXIII, 6º e 225)
interpretação que lhes retire a densidade normativa.
18. O Estado brasileiro tem o dever – imposto tanto pela
Constituição da República quanto por tratados internacionais de que
signatário – de manter política pública eficiente e efetiva de defesa e
preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de

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preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais. Ao estabelecer


parâmetros normativos definidores de áreas protegidas, o Poder Público
está vinculado a fazê-lo de modo a manter a integridade dos atributos
ecológicos que justificam a proteção desses espaços territoriais. A atuação
positiva do Estado decorre do direito posto, não havendo espaço, em
tema de direito fundamental, para atuação discricionária e voluntarista
da Administração, sob pena, inclusive, em determinados casos, de
responsabilização pessoal do agente público responsável pelo ato, a teor
do art. 11, I, da Lei nº 8.429/1992.
Em qualquer hipótese, é obrigação do Estado agir positivamente
para alcançar o resultado pretendido pela Constituição, seja por medidas
legislativas, seja por políticas e programas implementados pelo
Executivo, desde que apropriados e bem direcionados.
Admite-se hoje, registra a doutrina, que a Administração Pública,
ainda que com menor margem que o Judiciário, interprete a legislação
vigente para executar sua atividade, assumindo especial relevo, nesse
contexto, a interpretação da “Constituição como fundamento direto do agir
administrativo”. Tal decorre da singela constatação de que “não é possível
preconizar-se que a Administração Pública atue em conformidade com a
legislação e a Constituição sem que ao mesmo tempo realize a interpretação
desses diplomas” (ABBOUD, Jurisdição Constitucional e Direitos
Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011). Com
efeito, todo e qualquer ato jurídico, enquanto ato linguístico, é – ou
resulta de –, em última análise, um ato de interpretação. Preciso, no
aspecto, o magistério de Georges Abboud:

No Estado Constitucional, o princípio da legalidade sofre


releitura de modo que a atividade da Administração Pública
passa a estar vinculada ao texto constitucional.
Essa nova vinculação, conforme ensina Paulo Otero,
ocorre em virtude de substituição da lei pela Constituição como
fundamento direto e imediato do agir administrativo sobre
determinadas matérias.
Portanto, no Estado Constitucional, configurou-se uma

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substituição da reserva vertical da lei por uma reserva vertical


da própria Constituição. Essa substituição permitiu que a
Constituição passasse a ser o fundamento direto do agir
administrativo, tendo reflexo imediato em duas áreas de
incidência: (a) a Constituição torna-se norma direta e
imediatamente habilitadora da competência administrativa; (b)
a Constituição passa a ser critério imediato da decisão
administrativa.
(…)
A vinculação da Administração não é mais apenas em
relação à legalidade, mas, sim, a um bloco de legalidade dentro
do qual possui especial destaque o texto constitucional.
(ABBOUD, Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011)

19. Ao fixar parâmetros mínimos de proteção de um direito


fundamental, a Lei nº 12.651/2012 não impede que as autoridades
administrativas ambientais, mediante avaliação técnica, prevejam
critérios mais protetivos. O que não se pode é proteger de forma
insuficiente ou sonegar completamente o dever de proteção.
No modelo adotado pela Política Nacional do Meio Ambiente,
estabelecidas pela legislação os parâmetros mínimos de proteção, às
autoridades integrantes do SISNAMA, e notadamente ao CONAMA,
compete, por expressa autorização legal (Lei nº 6.938/1981), a supressão
de eventuais lacunas e a complementação da legislação de regência,
respeitados (i) o conteúdo material da proteção constitucional, (ii) os
patamares mínimos de proteção previstos em lei, (iii) imperativos de
ordem técnica, (iv) a vedação da proteção insuficiente e (v) o dever de
levar em consideração as necessidades das presentes e futuras gerações.
Bem compreendida, a Lei nº 12.651/2012 apresenta condições
mínimas de parametrização das áreas de preservação permanente. Não
ostenta necessariamente, todavia, eficácia preemptiva de atividade
normativa do órgão ambiental que, no exercício legítimo de competência
outorgada pelo legislador, venha a impor, com base em critérios técnicos,
controles mais rígidos.

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Essa compreensão, que aponta para o art. 225 da Constituição da


República como vetor de legitimação de todo o complexo normativo
voltado à concretização do direito fundamental nele assegurado, encontra
ressonância também na interpretação atribuída pelo Superior Tribunal de
Justiça na solução dos problemas ambientais, a evidenciar a postura
decisória coerente do Poder Judiciário brasileiro a respeito da matéria:

5. O novo Código Florestal não pode retroagir para


atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais
adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal
modo e sem as necessárias compensações ambientais o
patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies
ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite
constitucional intocável e intransponível da "incumbência" do
Estado de garantir a preservação e a restauração dos
processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I). Precedentes.
Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp
1.434.797/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma julgado em 17.5.2016, DJe 07.6.2016)

20. No caso dos ecossistemas e feições naturais típicos da Zona


Costeira, tais como recifes, parcéis, praias, restingas, dunas e manguezais,
a previsão de normas protetivas, pelo CONAMA, encontra abrigo,
outrossim, nos arts. 3º, 5º e 6º da Lei nº 7.661/1988, que institui o Plano
Nacional de Gerenciamento Costeiro. Há de se observar, também, que,
mediante o Decreto nº 1.905/1996, foi promulgada no Brasil a Convenção
sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, de 1971, pela qual o
Estado brasileiro assumiu o compromisso de proteger áreas de pântano,
charco, turfa ou água, naturais ou artificiais, e em especial aquelas que
servem de habitat para aves migratórias.
Verifica-se, assim, que a revogação de normas operacionais fixadoras
de parâmetros mensuráveis, tal como se deu, sem que se procedesse à sua
substituição ou atualização, compromete não apenas o adimplemento da
legislação como a observância de compromissos internacionais. O ímpeto,

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por vezes legítimo, de simplificar o direito ambiental por meio da


desregulamentação não pode ser satisfeito ao preço do retrocesso na
proteção do bem jurídico. Conforme leciona Antonio Herman Benjamin:

Violações ao princípio da proibição de retrocesso se


manifestam de várias maneiras. A mais óbvia é a redução do
grau de salvaguarda jurídica ou da superfície de uma área
protegida (Parque Nacional, p. ex.); outra, menos perceptível e
por isso mais insidiosa, é o esvaziamento ou enfraquecimento
das normas de previsão de direitos e obrigações ou, por outro
lado, os instrumentos de atuação do Direito Ambiental (Estudo
Prévio de Impacto Ambiental, Áreas de Proteção Permanente,
Reserva Legal, responsabilidade civil objetiva, p. ex.).
(BENJAMIN, Antonio Herman. Princípio da Proibição de
Retrocesso Ambiental In Princípio da Proibição de Retrocesso
Ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012, destaquei).

21. À vista dessas premissas normativas, afirma-se válida a


inferência no sentido de que a Resolução nº 500, de 28 de setembro de
2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), ao revogar
as Resoluções nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002, vulnera princípios
basilares da Constituição Federal, sonega proteção adequada e suficiente
ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado nela assegurado e
promove desalinho, quando não o rompimento, em relação a
compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil
e que moldam o conteúdo desses direitos.
Na seara do direito ambiental, o respeito ao Estado de Direito
assume uma dimensão substantiva que se impõe como limite objetivo às
medidas de natureza legislativa, administrativa ou judicial que se
revelem contrárias aos interesses da proteção ambiental, dada a particular
suscetibilidade dos bens jurídicos por ele tutelados aos efeitos
potencialmente deletérios de flutuações normativas. Nesse sentido,

(...) o Estado de direito com vistas à natureza deve ser


entendido em termos da questão mais ampla do

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constitucionalismo ambiental, um conceito carregado de valores


que emana numerosas características aptas a legitimar,
dignificar e melhorar uma ordem jurídica. (KOTZÉ, Louis J.
Sustainable development and the rule of law for nature: a
constitutional reading. In VOIGT, Christina. (Ed.) Rule of Law
for Nature: new dimensions and ideas in environmental law.
Cambridge University Press, 2013)

Nesse contexto, embora não caiba ao Poder Judiciário se substituir à


avaliação efetuada pelo Administrador relativamente ao mérito das
políticas ambientais por ele desenvolvidas, insere-se no escopo de
atuação dos Tribunais, por outro lado, forte no art. 5º, XXXV, da CF,
assegurar a adequada observância dos parâmetros objetivos impostos
pela Constituição, bem como preservar a integridade do marco
regulatório ambiental.
22. Como justificado, o ato normativo impugnado, ao revogar
normativa necessária e primária de proteção ambiental na seara hídrica,
implica autêntica situação de degradação de ecossistemas essenciais à
preservação da vida sadia, comprometimento da integridade de
processos ecológicos essenciais e perda de biodiversidade, assim como o
recrudescimento da supressão de cobertura vegetal em áreas legalmente
protegidas.
A degradação ambiental tem causado danos contínuos à saúde (art.
6º da CF), à vida (art. 5º, caput, da CF) e à dignidade das pessoas (art. 1º,
III, da CF), mantendo a República Federativa do Brasil distante de
alcançar os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária
(art. 3º, I, da CF), alcançar o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF),
que só é efetivo se sustentável, e promover o bem de todos (art. 3º, IV).
Tais danos são potencializados pela ausência de uma política pública
eficiente de repressão, prevenção e reparação de danos ambientais.
Reforço, em cumprimento ao dever de justificação decisória, que a
adequada tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
é norteada pelo princípio da precaução, que alicerça preferência da
preservação à restauração. Isso porque, uma vez comprometida a

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integridade de espaço territorial ou ecossistema, a sua restauração pode


se revelar extremamente difícil ou inviável. Nessa linha, inclusive, a
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos:

o princípio da prevenção dos danos ambientais faz parte


do direito internacional direito consuetudinário e implica a
obrigação dos Estados de adotar as medidas que sejam
necessárias ex ante a produção do dano ambiental, levando em
consideração que, devido às suas peculiaridades,
frequentemente não será possível, após consumado o dano,
restaurar a situação existente anteriormente. [Comunidades
indígenas membros da Associação Lhaka Honhat (Nossa Terra) vs.
Argentina]

23. Ao lado da Resolução nº 500/2020, também se impugna resolução


que, igualmente aprovada na Reunião Ordinária do CONAMA de
28.09.2020, revoga e substitui a Resolução nº 264/1999 para dispor sobre
“o licenciamento da atividade de coprocessamento de resíduos em fornos rotativos
de produção de clínquer” e, após a propositura da presente ação, veio a ser
numerada como Resolução nº 499/2020 (DOU de 08.10.2020).
A nova resolução amplia o leque dos resíduos cujo coprocessamento
em fornos rotativos de produção de clínquer pode ser licenciado pelas
autoridades competentes, não mais excluídos da atividade os resíduos
domiciliares brutos, organoclorados, agrotóxicos, e, dentre os resíduos de
serviços de saúde, os medicamentos, os resíduos provenientes do
processo de produção da indústria farmacêutica e os que tenham sido
descaracterizados em razão de submissão a tratamento que altere suas
propriedades físicas, físico-químicas, químicas ou biológicas. Permanece
proibido, vale dizer, o coprocessamento de resíduos radioativos,
explosivos e demais resíduos provenientes de serviços de saúde.
Entre a exigências previstas no ato normativo para o licenciamento
da atividade está a apresentação de Estudo de Viabilidade de Queima
(EVQ) que avalie a compatibilidade do resíduo a ser coprocessado com as
características operacionais do processo e os impactos ambientais

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decorrentes desta prática.


O Anexo I da resolução estabelece limites de concentração de
poluentes orgânicos persistentes na composição dos resíduos permitidos
para fins de coprocessamento, e o Anexo III fixa limites de emissão de
poluentes atmosféricos provenientes da atividade de coprocessamento de
resíduos em fornos rotativos de produção de clínquer.
Em todo o mundo, as duas principais técnicas utilizadas para a
eliminação de resíduos são os aterros (que respondem por mais de 70%
do lixo produzido na maioria dos países da OCDE) e a incineração.
Ambas apresentam vantagens e desvantagens do ponto de vista
ambiental. Com efeito,

“Os principais problemas ambientais relacionados aos


aterros são a geração de metano (um gás do efeito estufa) e a
produção de chorume que pode contaminar as águas
superficiais ou subterrâneas. A incineração contribui para a
poluição do ar ao gerar poeira e gases ácidos e do efeito de
estufa, metais vaporizados, sais metálicos, dioxinas e furanos.
Além disso, resíduos sólidos despejados a céu aberto
representam um terreno fértil para organismos causadores de
doenças, representando um problema para a saúde pública.”
(SANDS, Philippe e Outros. Principles of International
Environmental Law. Cambridge University Press, 2012)

A eliminação de resíduos tem sido objeto de ampla regulação por


instrumentos internacionais que, buscando minimizar seus problemas,
impõem conformidade a estritos padrões técnicos. A Declaração da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
adotada em 1972 na cidade de Estocolmo, proclama, no Princípio 6, o
desiderato de se buscar o fim do despejo de substâncias tóxicas ou de
outros materiais que liberam calor, quantidades ou concentrações tais que
o meio ambiente não possa neutralizá-los, para que não se causem danos
graves ou irreparáveis aos ecossistemas.
Concluída em Londres no mesmo ano, a Convenção sobre Prevenção

29

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 66

ADPF 748 / DF

da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias


(promulgada no Brasil pelo Decreto nº 87.566/1982), proíbe o despejo e a
incineração de uma enorme gama resíduos e outras substâncias no meio
ambiente marinho, e impõe, quando permitido, severas restrições.
Já a Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989,
aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 34/1992 e promulgada pelo
Decreto nº 875/1993, não obstante disciplinar, essencialmente, os
movimentos transfronteiriços (exportação, trânsito e importação) dos
resíduos nela definidos como perigosos (artigo 1, § 1, “a”), impõe aos
Estados-membros (artigo 4, § 2, “a”) a obrigação de adotar medidas
voltadas a assegurar que a geração de resíduos perigosos, considerados
aspectos sociais, tecnológicos e econômicos, seja reduzida ao mínimo
possível.
Ao disciplinar condições, critérios, procedimentos e limites a serem
observados no licenciamento de fornos rotativos de produção de clínquer
para a atividade de coprocessamento de resíduos, a Resolução CONAMA
nº 499/2020 atende não apenas ao disposto no art. 225, § 1º, IV, da CF, que
exige estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de atividade
potencialmente causadora de degradação do meio ambiente, como
também ao art. 225, § 1º, V, da CF, que impõe ao Poder Público o controle
do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para
a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Impende observar que a disciplina guarda consonância com a Lei nº
12.305/2020, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e cujo
art. 47, III, proíbe a “queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e
equipamentos não licenciados para essa finalidade” (destaquei). Nesse
contexto, vale ressaltar que também ampara o coprocessamento em
fornos rotativos o reconhecimento legal do aproveitamento energético
como destinação final ambientalmente adequada para resíduos, desde
que observadas normas operacionais específicas de modo a evitar danos
ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos
ambientais adversos (arts. 3º, VII, e 7º, XIV, da Lei nº 12.305/2020).

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Voto - MIN. ROSA WEBER

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ADPF 748 / DF

Ainda que apresente pontos negativos, assim como todas as


alternativas a ela, a incineração controlada é tida como uma modalidade
adequada de eliminação de resíduos. A necessidade de sua adoção é
justificável, diante da capacidade limitada dos aterros sanitários, a
demandar a diversificação da matriz de gestão de resíduos. E tampouco a
ampliação encetada na Resolução nº 499/2020 parece desproporcional em
sentido estrito, nela definidos parâmetros objetivos para controle de
concentração e emissão de poluentes, consideradas as variáveis
ambiental, social, econômica, tecnológica e de saúde pública.
Assim, observados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade,
positivados como princípios setoriais da Política Nacional de Resíduos
Sólidos (art. 6º, XI, da Lei nº 12.305/2010), a Resolução nº 499/2020 não se
mostra inconsistente, com as obrigações constitucionais, convencionais e
legais do Poder Público. De modo que aqui o espaço de conformação do
agir do administrador deve ser igualmente assegurado.
24. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a
inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 500/2020, com a
imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA
nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002, como já definido na medida cautelar
implementada. Improcedente o pedido de inconstitucionalidade da
Resolução CONAMA nº 499/2020.
É como voto.

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Extrato de Ata - 18/12/2021

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 748


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATORA : MIN. ROSA WEBER
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB
ADV.(A/S) : RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO (68951/BA,
25120/DF, 409584/SP) E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -
CONAMA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : PARTIDO VERDE - PV
ADV.(A/S) : VERA LUCIA DA MOTTA (59837/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DE MEIO AMBIENTE - ABRAMPA
AM. CURIAE. : REDE NACIONAL PRÓ UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - REDE PRÓ
UC
ADV.(A/S) : VIVIAN MARIA PEREIRA FERREIRA (313405/SP)
ADV.(A/S) : DOUGLAS HERRERA MONTENEGRO (83651/PR)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL -
CNA
ADV.(A/S) : RUDY MAIA FERRAZ (22940/DF)
ADV.(A/S) : RODRIGO DE OLIVEIRA KAUFMANN (23866/DF, 374576/SP)
ADV.(A/S) : TACIANA MACHADO DE BASTOS (30385/DF, 45189/RS)
AM. CURIAE. : CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO - CBIC
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DAS EMPRESAS DE LOTEAMENTO E
DESENVOLVIMENTO URBANO - AELO
AM. CURIAE. : SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA, VENDA, LOCAÇÃO E
ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS DE SÃO PAULO -
SECOVI
ADV.(A/S) : MARCELO TERRA (19242/DF, 53205/SP)
ADV.(A/S) : MARCOS ANDRE BRUXEL SAES (165024/RJ, 20864/SC, 437731/
SP)
AM. CURIAE. : SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE CIMENTO - SNIC
ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO (02202/A/DF, 109705/RJ, 120564/SP)
ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO (376335/SP)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
ADV.(A/S) : LEONARDO ESTRELA BORGES (87164/MG)
ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES (20016/DF, 091152/RJ)
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE COMPANHIAS DE ENERGIA
ELETRICA - ABCE
ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO (02202/A/DF, 109705/RJ, 120564/SP)
ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO (376335/SP)
ADV.(A/S) : CLARA AMOROSO DE ANDRADE (427424/SP)

Decisão: Após os votos dos Ministros Rosa Weber (Relatora),


Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de
Moraes, que julgavam parcialmente procedente a arguição de

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Extrato de Ata - 18/12/2021

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 66

descumprimento de preceito fundamental para declarar a


inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 500/2020, com a
imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA
nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002, como já definido na medida
cautelar implementada; e julgavam improcedente o pedido de
inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 499/2020, pediu vista
dos autos o Ministro Dias Toffoli. Falaram: pelo requerente, o Dr.
Felipe Santos Corrêa; pelos amici curiae Associação Brasileira dos
Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – ABRAMPA e Rede
Nacional Pró Unidades de Conservação - REDE PRÓ UC, a Dra. Vivian
Maria Pereira Ferreira; pelos amici curiae Associação Brasileira
de Companhias de Energia Elétrica – ABCE e Sindicato Nacional das
Indústrias de Cimento – SNIC, o Dr. Werner Grau Neto; pelo amicus
curiae Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, o
Dr. Rodrigo de Oliveira Kaufmann; e, pelo amicus curiae
Confederação Nacional da Indústria – CNI, o Dr. Leonardo Estrela
Borges. Plenário, Sessão Virtual de 10.12.2021 a 17.12.2021.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes
Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto Vista

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23/05/2022 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 748


DISTRITO FEDERAL

VOTO-VISTA

O Senhor Ministro Dias Toffoli:


Cuida-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental
ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB Nacional), com pedido de
medida cautelar, em face da Resolução CONAMA nº 500/2020, que
revogou a Resolução nº 284/2001, que dispõe sobre o licenciamento de
empreendimentos de irrigação, a Resolução nº 302/2002, que dispõe sobre
os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente
de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno, e a Resolução nº
303/2002, que dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de
Preservação Permanente.
Além disso, a parte autora impugna a Resolução CONAMA nº
499/2020, que dispõe sobre o licenciamento da atividade de
coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de produção de
clínquer e revoga a Resolução nº 264/1999.
Em suma, o requerente considera violados os arts. 5, inciso XXXVI;
37, caput; e 225 da Constituição Federal, os quais veiculam os princípios
da segurança jurídica, da eficiência, da motivação e da legalidade dos
atos da Administração Pública, bem como da proibição ao retrocesso
socioambiental e o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
A Ministra Rosa Weber (Relatora) deferiu parcialmente a medida
cautelar pleiteada, a qual foi referendada por unanimidade pelo Plenário
da Corte, suspendendo, até o julgamento do mérito da arguição, os
efeitos da Resolução CONAMA nº 500/2020, com a imediata restauração
da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA nºs 284/2001, 302/2002 e
303/2002, e indeferindo o pedido de suspensão da eficácia da Resolução
CONAMA nº 499/2020 (DJe de 10/12/20).
Em sessão virtual iniciada em 10 de dezembro de 2021, a Relatora

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Voto Vista

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ADPF 748 / DF

proferiu voto em favor da parcial procedência do pedido.


Em síntese, fundamenta Sua Excelência que a revogação dos
parâmetros então vigentes para as matérias ambientais em questão sem a
previsão de novos critérios em substituição acarretaria verdadeira anomia
e configuraria uma espécie de dispensa tácita de licenciamento ambiental
no que se refere aos empreendimentos tratados nas resoluções revogadas.
Aduz, ademais, que a lei federal instituidora do CONAMA prevê
que órgão federal estabelecerá critérios mínimos para licenciamento de
atividades potencialmente poluidoras. Vislumbra, portanto, caracterizado
o retrocesso ambiental ante o contexto de anomia, e configurada a
violação do art. 225 da CF/88, em razão da proteção insuficiente de áreas
de proteção ambiental.
Fundamenta que,

“ainda que tal quadro aponte para a necessidade de


ajustes na normativa do CONAMA pertinente de modo a
melhor refletir o marco legislativo em vigor, notadamente a Lei
nº 12.651/2012 [Novo Código Florestal], a simples revogação da
norma operacional ora existente parece conduzir a intoleráveis
anomia e descontrole regulatório, situação incompatível com a
ordem constitucional em matéria de proteção do meio
ambiente”.

Quanto à Resolução CONAMA nº 499/2020, afirma que esta


ampliaria “o leque dos resíduos cujo coprocessamento em fornos
rotativos de produção de clínquer pode ser licenciado pelas autoridades
competentes”, permanecendo proibido o coprocessamento de resíduos
radioativos, explosivos e demais resíduos provenientes de serviços de
saúde. Destaca que a citada Resolução atende não apenas ao disposto no
art. 225, § 1º, inciso IV, da CF/88 - que exige estudo prévio de impacto
ambiental para a instalação de atividade potencialmente causadora de
degradação do meio ambiente -, como também impõe ao Poder Público o
controle do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente,

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Voto Vista

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ADPF 748 / DF

estando em consonância com a Lei nº 12.305/2020 (Política Nacional de


Resíduos Sólidos).
Por essas razões, votou por se declarar a inconstitucionalidade da
Resolução CONAMA nº 500/2020, com a imediata restauração da
vigência e eficácia das resoluções revogadas, confirmando a medida
cautelar implementada. Votou também pela improcedência do pedido
de inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 499/2020.
Acompanharam a Relatora os Ministros Ricardo Lewandowski,
Cármen Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Pedi vista dos autos para melhor apreciar a questão.
De início, acompanho a eminente Relatora quanto ao conhecimento
da arguição.
Extraio dos autos que a impugnação se volta, inicialmente, contra a
revogação, sem substituição, de atos normativos do Conselho Nacional
do Meio Ambiente (CONAMA) que dispõem acerca (i) do licenciamento
de empreendimentos de irrigação; (ii) dos parâmetros, definições e
limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais e
o regime de uso do entorno e (iii) dos parâmetros, definições e limites de
Áreas de Preservação Permanente.
A Constituição Federal tutela o meio ambiente em diversos
dispositivos, sendo tema dotado de transversalidade na ordem
constitucional em vigor.
O ponto nodal desse sistema normativo reside no art. 225, que
estabelece o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Vide o texto de nossa Carta:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.”

O preceito revela ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado

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ADPF 748 / DF

direito de titularidade coletiva, dotado, portanto, de


transindividualidade, que faz emergir o interesse difuso em sua
preservação. É por esse motivo que o constituinte conferiu não só ao
Poder Público, mas a toda a coletividade, o dever de defesa e preservação
do meio ambiente.
No que tange à obrigação dirigida ao Poder Público, vale ressaltar a
observação de Paulo Affonso Leme Machado de que a Constituição
“engaja[ ] os três Poderes da República na missão de preservação e
defesa do meio ambiente” (MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito
Ambiental Brasileiro, Salvador: Juspodivm, 27ª ed., p. 165).
Outrossim, a ordem constitucional em vigor consagra o princípio da
responsabilidade intergeracional na manutenção do equilíbrio ecológico,
ao determinar que esse deve ser garantido para as presentes e as futuras
gerações.
A Carta de 1988 segue tendência observada em quase todas as
Constituições dos estados democráticos, nas quais o direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado se encontra inserido textualmente.
Esses textos buscam atender a normativas internacionais
consubstanciadas em declarações e convenções, sendo precursora a
Declaração de Estocolmo, aprovada na Conferência de 1972 da ONU
sobre o Meio Ambiente Humano, que serviu de paradigma e referencial
para toda a comunidade internacional, a qual estabelecia, em seu
Princípio 1, que

“o homem tem o direito fundamental à liberdade,


igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um
meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida
digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de
proteger e melhorar o meio ambiente para a presente e as
futuras gerações.”

O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui,


como bem observou o Ministro Celso de Mello no julgamento do MS nº

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ADPF 748 / DF

22.164 (Tribunal Pleno, DJ de 17/11/95),

“direito fundamental de terceira geração que assiste, de


modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano,
circunstância essa que justifica a especial obrigação – que
incumbe ao Estado e à coletividade – de defendê-lo e de
preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações.”

Com o fito de efetivar o que está assegurado no caput do art. 225, a


Constituição estabelece, no § 1º do mesmo dispositivo, uma série de
obrigações específicas dirigidas ao Poder Público, as quais devem
balizar a ação do legislador, do administrador público e também do
magistrado, esse no controle judicial de políticas em matéria ambiental,
as quais transcrevo:

“§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe


ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais


e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio


genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e
manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços


territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou


atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego


de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a

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vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de


ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei,


as práticas que coloquem em risco sua função ecológica,
provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade.”

A proteção ao meio ambiente, portanto, não configura mera


liberalidade do Poder Público, tratando-se de imperativo constitucional
que obriga as autoridades competentes a cumprir e a fazer cumprir tais
preceitos, o qual irradia-, além disso, para todo o corpo social, como se
extrai dos princípios gerais da ordem econômica, na forma prevista no
art. 170, inciso VI, in verbis:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:

(...)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante


tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42,
de 19.12.2003).

Como acontece em relação a outros direitos fundamentais


reconhecidos pelo texto constitucional, no caso do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, o princípio da vedação ao
retrocesso surge como uma barreira à supressão pura e simples do núcleo
essencial desse preceito, o que tem impacto na atividade legislativa e

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regulamentar que visa a disciplinar a matéria.


Embora não se revista de caráter absoluto de forma a engessar o
exercício das competências dos Poderes constituídos, é certo que o
princípio da vedação ao retrocesso ambiental afasta a possibilidade de
que alterações legislativas ou regulamentares venham a eliminar a
proteção ambiental sobre determinados ecossistemas ou a dispensar a
fiscalização ambiental sobre determinados empreendimentos com
potencial degradante, por configurar uma involução na proteção ao
meio ambiente que não se justifica perante o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, não é dado ao legislador ou ao administrador, no
exercício de suas respectivas competências, estabelecer verdadeiro
vácuo normativo que impossibilite a concretização de direitos
fundamentais individuais ou coletivos para os quais o texto
constitucional determina postura protetiva e promocional. Por
oportuno, consigno a lição de Felipe Derbli:

“Constitui o núcleo essencial do princípio da proibição de


retrocesso social a vedação ao legislador de suprimir, pura e
simplesmente, a concretização de norma constitucional que
trate do núcleo essencial de um direito fundamental social,
impedindo a sua fruição, sem que sejam criados mecanismos
equivalentes ou compensatórios. É defeso o estabelecimento
(ou restabelecimento, conforme o caso) de um vácuo normativo
em sede legislativa” (O Princípio da Proibição de Retrocesso
Social na Constituição de 1988. Renovar: Rio de Janeiro, São
Paulo, Recife, 2007).

Na mesma toada, Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer


discorrem acerca do mencionado princípio:

“Valendo-nos aqui da lição de JORGE MIRANDA (que,


todavia, admite uma proibição apenas relativa de retrocesso), o
legislador não pode simplesmente eliminar as normas (legais)
que concretizam os direitos fundamentais, pois isso equivaleria

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a subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já


que o cumprimento de um comando constitucional acaba por
converter-se em uma proibição de destruir a situação
instaurada pelo legislador. Em outras palavras, mesmo tendo
em conta que o espaço de prognose e de decisão dos órgãos
legislativos é variável, ainda mais no marco dos direitos
sociais e das políticas públicas para a sua realização, não se
pode admitir que em nome da liberdade de conformação do
legislador o valor jurídico de tais direitos, assim como a sua
própria fundamentalidade, acabem sendo esvaziados” (Notas
sobre os Deveres de Proteção do Estado e a Garantia da
Proibição de Retrocesso em Matéria (Socio)Ambiental.
Disponível em
http://www.planetaverde.org/arquivos/biblioteca/arquivo_2013
1207162429_2438.pdf . Acesso em 26/4/2022)

Na espécie, estamos a tratar da revogação, pela Resolução


CONAMA nº 500/2020, das Resoluções nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002.
A Resolução CONAMA nº 284/2001, como já mencionado, dispõe
sobre o licenciamento de empreendimentos de irrigação, classificando-os,
disciplinando o procedimento para concessão de licença ambiental e
especificando quais exigências se aplicam para cada categoria de
propriedade.
Sua revogação, sem a edição de qualquer normativo que venha a
substituir suas disposições, exclui do ordenamento jurídico a disciplina
para a concessão de licença ambiental no âmbito de projetos de
irrigação.
Embora a Advocacia-Geral da União indique a aplicabilidade da
Resolução CONAMA nº 237/1997 para o licenciamento de tais
empreendimentos, verifico se tratar de ato normativo genérico, que não
menciona especificamente os projetos de irrigação - como o faz a norma
revogada - e que atribui ao órgão ambiental competente o detalhamento
do procedimento de concessão de licença para cada tipo de atividade ou
empreendimento, considerando suas especificidades, riscos ambientais,

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porte e outras características.


É o que também concluiu a Procuradoria-Geral da República, ao
afirmar que a Resolução CONAMA nº 284/2001 seria o

“único ato de nível federal a dispor especificamente sobre


os empreendimentos de irrigação, classificando-os em
categorias, segundo a dimensão da área irrigada e o método de
irrigação empregado, definindo parâmetros a serem observados
pelo órgão ambiental competente para o licenciamento e
estabelecendo prioridade para os projetos que incorporem
equipamentos e métodos de irrigação mais eficientes em relação
ao consumo de água e de energia” (doc. 139).

Por sua vez, a Resolução CONAMA nº 302/2002 estabelece


parâmetros, definições e limites para as Áreas de Preservação Permanente
de reservatório artificial e estipula a obrigação de elaboração de plano
ambiental de conservação para seu entorno.
A norma faz remissão ao art. 2º, alínea “b”, da Lei nº 4.771, de 15 de
setembro de 1965, o antigo Código Florestal, que considerava como locais
de preservação permanente as florestas e as demais formas de vegetação
situadas, entre outros, ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água
naturais ou artificiais.
A revogação da Resolução CONAMA nº 302/2002 foi fundamentada,
segundo o Ministério do Meio Ambiente (doc. 134), em sua
incompatibilidade com o novo Código Florestal, a Lei nº 12.651, de 25 de
maio de 2012, que por seu turno, definiu como Área de Preservação
Permanente, de forma mais específica, “as áreas no entorno dos
reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou
represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença
ambiental do empreendimento” (art. 4º, inciso III).
O Código Florestal, art. 4º, estabelece ainda:

“§ 1º Não será exigida Área de Preservação Permanente no


entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram

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de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.

(...)

§ 4º Nas acumulações naturais ou artificiais de água com


superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da
faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada
nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização
do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio
Ambiente - Sisnama.”

É de se observar, todavia, que o regime conferido pela lei às áreas de


preservação permanente de reservatório artificial não substitui, por
completo, a necessidade de regulamentação mais especificada por parte
do órgão ambiental.
Nesse sentido, tem razão a eminente Relatora ao concluir que, ainda
que a regulamentação da matéria demande ajustes, de forma a se
adequar ao Código Florestal vigente, a revogação pura e simples da
Resolução CONAMA nº 302/2002 excluiria do ordenamento jurídico
importantes balizas previstas no normativo, ainda aplicáveis aos
empreendimentos que pleiteiem o licenciamento ambiental para essas
áreas.
Quanto ao ponto, é oportuna a manifestação da Procuradoria-Geral
da República:

“Considerando que a Lei 12.651/2012 tenha estabelecido,


em seu art. 4º, III, que as áreas no entorno dos reservatórios
d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento
de cursos d’água naturais, constituirão área de preservação na
faixa definida na licença ambiental do empreendimento, a
Resolução 302/2002 ainda pode oferecer, sem exceder seu papel
regulamentador, critérios mínimos a serem observados nos
licenciamentos a que estarão sujeitas essas áreas, a exemplo
daqueles previstos no § 4º do art. 3º da Resolução.

Mesmo a exigência de metragens mínimas determinadas

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nos incisos I, II e III do art. 3º da Resolução 302/2002, uma vez


permitidas as flexibilizações de que tratam os §§ 1º a 3º do
mesmo artigo, pode ser legitimamente mantida como razoável
baliza a ser observada pelo órgão licenciador até que
sobrevenha a devida adequação da norma em relação ao novo
Código Florestal.

Ressalte-se, ainda, que o antigo Código Florestal, tal qual


o diploma que o substituiu, não especificava áreas mínimas ou
máximas a que corresponderiam as APPs no entorno de
reservatórios d’água, de forma que o estabelecimento dos
pormenores necessários à aplicação da lei, na forma que o faz a
Resolução 302/2002, mostra-se legítimo em face de ambos os
atos normativos” (doc. 139).

Por fim, a Resolução CONAMA nº 303/2002 estabelece parâmetros,


definições e limites de Áreas de Preservação Permanente, tendo sido
revogada em razão de suposta incompatibilidade com a Lei nº
12.651/2012.
Não obstante, o ato normativo se fundamenta, também, na Lei nº
9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de
Recursos Hídricos, e, ademais, estipula relevantes parâmetros para a
configuração de Áreas de Proteção Permanente, tendo sido editada no
limite da competência normativa do CONAMA (Lei nº 6.938/1981, art. 8º,
inciso VII) e em harmonia com a competência do chefe do Poder
Executivo prevista no Código Florestal para criar APPs (Lei nº
12.651/2012, art. 6º).
Além disso, o juízo de legalidade da norma foi realizado pelo
Superior Tribunal de Justiça, que atestou sua compatibilidade com o
ordenamento jurídico vigente, considerando a competência do
CONAMA para editar resoluções que visem à proteção do meio
ambiente e dos recursos naturais, inclusive no que se refere à
estipulação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação
Permanente, não vislumbrando, no caso, excesso regulamentar (STJ,

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REsp 1.544.928/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado


em 15.9.2016, DJe 31.8.2020).
Concluo, portanto, que a Resolução CONAMA nº 500/2020
importou em violação do princípio da vedação ao retrocesso ambiental,
ao impor situação de anomia e permissividade onde antes havia
disciplina expressa que limitava o exercício de atividades potencialmente
degradantes ao meio ambiente. Filio-me, portanto, ao entendimento da
Relatora, no sentido de que

“[a] supressão de marcos regulatórios ambientais,


procedimento que não se confunde com a sua atualização e
ajustes necessários, configura quadro normativo de retrocesso
no campo da proteção e defesa do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF) e,
consequentemente, dos direitos fundamentais à vida (art. 5º,
caput, da CF) e à saúde (art. 6º da CF), a ponto de provocar a
impressão da ocorrência de efetivo desmonte da estrutura
estatal de prevenção e reparação dos danos à integridade do
patrimônio ambiental comum.”

No que se refere à Resolução CONAMA nº 499/2020, na linha do


entendimento da eminente Relatora, não vislumbro
inconstitucionalidade, considerando que a norma estabelece limites à
atividade de coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de
produção de clínquer – embora tenha ampliado os tipos de resíduos cujo
coprocessamento é passível de licenciamento -, deixando de incorrer na
situação de anomia e desregulamentação descrita em relação à
Resolução CONAMA nº 500/2020, estando, ademais, em consonância
com a Lei nº 12.305/2020, que instituiu a Política Nacional de Resíduos
Sólidos.
Registre-se, por fim, que as Resoluções CONAMA aqui analisadas
foram objeto de escrutínio pelo Supremo Tribunal por ocasião do
julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito
Fundamental nºs 747 e 749, da relatoria da Ministra Rosa Weber,

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oportunidade em que o Plenário declarou a inconstitucionalidade da


Resolução nº 500/2020, sob os fundamentos a seguir sumarizados:

“4. A revogação da Resolução CONAMA nº 284/2001


sinaliza dispensa de licenciamento para empreendimentos de
irrigação, mesmo que potencialmente causadores de
modificações ambientais significativas, a evidenciar graves e
imediatos riscos para a preservação dos recursos hídricos, em
prejuízo da qualidade de vida das presentes e futuras gerações
(art. 225, caput e § 1º, I, da CF). 5. A revogação das Resoluções
nºs 302/2002 e 303/2002 distancia-se dos objetivos definidos no
art. 225 da CF, baliza material da atividade normativa do
CONAMA. Estado de anomia e descontrole regulatório, a
configurar material retrocesso no tocante à satisfação do dever
de proteger e preservar o equilíbrio do meio ambiente,
incompatível com a ordem constitucional e o princípio da
precaução. Precedentes. Retrocesso na proteção e defesa dos
direitos fundamentais à vida (art. 5º, caput, da CF), à saúde (art.
6º da CF) e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.
225, caput, da CF). 6. A Resolução CONAMA nº 500/2020, objeto
de impugnação, ao revogar normativa necessária e primária de
proteção ambiental na seara hídrica, implica autêntica situação
de degradação de ecossistemas essenciais à preservação da vida
sadia, comprometimento da integridade de processos
ecológicos essenciais e perda de biodiversidade, assim como o
recrudescimento da supressão de cobertura vegetal em áreas
legalmente protegidas. A degradação ambiental tem causado
danos contínuos à saúde (art. 6º CRFB), à vida (art. 5º, caput,
CRFB) e à dignidade das pessoas (art. 1º, III, CRFB), mantendo
a República Federativa do Brasil distante de alcançar os
objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art.
3º, I, CRFB), alcançar o desenvolvimento nacional (art. 3º, II,
CRFB), que só é efetivo se sustentável, e promover o bem de
todos (art. 3º, IV, CRFB). Tais danos são potencializados pela
ausência de uma política pública eficiente de repressão,
prevenção e reparação de danos ambientais” (ADPF nº 749/DF,

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Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14/12/21, DJe


de 10/1/22)

De outra sorte, naquela assentada, o Tribunal reconheceu a


constitucionalidade da Resolução CONAMA nº 499/2020. Vejamos
trecho da ementa:

“7. Ao disciplinar condições, critérios, procedimentos e


limites a serem observados no licenciamento de fornos rotativos
de produção de clínquer para a atividade de coprocessamento
de resíduos, a Resolução CONAMA nº 499/2020 atende ao
disposto no art. 225, § 1º, IV e V, da CF, que exige estudo prévio
de impacto ambiental para a instalação de atividade
potencialmente causadora de degradação do meio ambiente e
impõe ao Poder Público o controle do emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente. Mostra-se consistente,
ainda, com o marco jurídico convencional e os critérios setoriais
de razoabilidade e proporcionalidade da Política Nacional de
Resíduos Sólidos (art. 6º, XI, da Lei nº 12.305/2010)” (ADPF nº
749/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
14/12/2021, DJe de 10/1/2022).

Assim sendo, acompanho integralmente o voto da Relatora.

Pelo exposto, voto pela parcial procedência da arguição,


declarando-se a inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº
500/2020 e restaurando-se a vigência das Resoluções CONAMA nºs
284/2001, 302/2002 e 303/2002. Ademais, voto pela improcedência da
arguição no que se refere à Resolução CONAMA nº 499/2020.

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 748


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATORA : MIN. ROSA WEBER
REQTE.(S) : PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB
ADV.(A/S) : RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO (68951/BA,
25120/DF, 409584/SP) E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -
CONAMA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : PARTIDO VERDE - PV
ADV.(A/S) : VERA LUCIA DA MOTTA (59837/SP)
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DE MEIO AMBIENTE - ABRAMPA
AM. CURIAE. : REDE NACIONAL PRÓ UNIDADES DE CONSERVAÇÃO - REDE PRÓ
UC
ADV.(A/S) : VIVIAN MARIA PEREIRA FERREIRA (313405/SP)
ADV.(A/S) : DOUGLAS HERRERA MONTENEGRO (83651/PR)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL -
CNA
ADV.(A/S) : RUDY MAIA FERRAZ (22940/DF)
ADV.(A/S) : RODRIGO DE OLIVEIRA KAUFMANN (23866/DF, 374576/SP)
ADV.(A/S) : TACIANA MACHADO DE BASTOS (30385/DF, 45189/RS)
AM. CURIAE. : CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO - CBIC
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DAS EMPRESAS DE LOTEAMENTO E
DESENVOLVIMENTO URBANO - AELO
AM. CURIAE. : SINDICATO DAS EMPRESAS DE COMPRA, VENDA, LOCAÇÃO E
ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS E COMERCIAIS DE SÃO PAULO -
SECOVI
ADV.(A/S) : MARCELO TERRA (19242/DF, 53205/SP)
ADV.(A/S) : MARCOS ANDRE BRUXEL SAES (165024/RJ, 20864/SC, 437731/
SP)
AM. CURIAE. : SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE CIMENTO - SNIC
ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO (02202/A/DF, 109705/RJ, 120564/SP)
ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO (376335/SP)
AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
ADV.(A/S) : LEONARDO ESTRELA BORGES (87164/MG)
ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES (20016/DF, 091152/RJ)
AM. CURIAE. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE COMPANHIAS DE ENERGIA
ELETRICA - ABCE
ADV.(A/S) : WERNER GRAU NETO (02202/A/DF, 109705/RJ, 120564/SP)
ADV.(A/S) : CAIO LUIZ ALTAVISTA ROMAO (376335/SP)
ADV.(A/S) : CLARA AMOROSO DE ANDRADE (427424/SP)

Decisão: Após os votos dos Ministros Rosa Weber (Relatora),


Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de
Moraes, que julgavam parcialmente procedente a arguição de

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descumprimento de preceito fundamental para declarar a


inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 500/2020, com a
imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções CONAMA
nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002, como já definido na medida
cautelar implementada; e julgavam improcedente o pedido de
inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 499/2020, pediu vista
dos autos o Ministro Dias Toffoli. Falaram: pelo requerente, o Dr.
Felipe Santos Corrêa; pelos amici curiae Associação Brasileira dos
Membros do Ministério Público de Meio Ambiente – ABRAMPA e Rede
Nacional Pró Unidades de Conservação - REDE PRÓ UC, a Dra. Vivian
Maria Pereira Ferreira; pelos amici curiae Associação Brasileira
de Companhias de Energia Elétrica – ABCE e Sindicato Nacional das
Indústrias de Cimento – SNIC, o Dr. Werner Grau Neto; pelo amicus
curiae Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, o
Dr. Rodrigo de Oliveira Kaufmann; e, pelo amicus curiae
Confederação Nacional da Indústria – CNI, o Dr. Leonardo Estrela
Borges. Plenário, Sessão Virtual de 10.12.2021 a 17.12.2021.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou parcialmente


procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental
para declarar a inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº
500/2020, com a imediata restauração da vigência e eficácia das
Resoluções CONAMA nºs 284/2001, 302/2002 e 303/2002, como já
definido na medida cautelar implementada, e julgou improcedente o
pedido de inconstitucionalidade da Resolução CONAMA nº 499/2020.
Tudo nos termos do voto da Relatora. Plenário, Sessão Virtual de
13.5.2022 a 20.5.2022.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques
e André Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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