Os Sertões, o Campo e A Cidade Na Primeira República
Os Sertões, o Campo e A Cidade Na Primeira República
Os Sertões, o Campo e A Cidade Na Primeira República
República
Prof. Daniel Pinha
Descrição
Propósito
Profissionais que lidem com a história social brasileira precisam conhecer a multiplicidade de nossos
espaços e caminhos para fundamentarem sua análise a respeito da vida individual e coletiva no transcorrer
do tempo.
Objetivos
Módulo 1
Módulo 2
Módulo 3
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Introdução
O Brasil é um país republicano recente. Desde 1889, passa por uma consolidação política de equilíbrio de
forças. Esse trajeto cria uma dinâmica complexa entre campo e cidade, ou seja, entre os diversos espaços
regionais. Ao longo deste estudo, entenderemos mais sobre esse trajeto e sua execução no Brasil a partir de
exemplos e comparações.
Brasil ou Brasis?
Vamos começar nosso estudo contextualizando o Brasil real, que “Brasis” diferentes assistem a
Constituição da República.
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Um Brasil de muitos sertões
Neste vídeo, vamos analisar o processo republicano em Minas Gerais, Amazonas e Santa Catarina em
termos de visões sobre a República.
Eu quisera dar a esta data a denominação seguinte: 15 de novembro do primeiro ano da República;
mas não posso, infelizmente, fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da
grande era. Em todo o caso, o que está feito pode ser muito, se os homens que vão tomar a
responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à Liberdade. Como trabalho de
saneamento, a obra é edificante. Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim.
O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu
àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam
sinceramente estar vendo uma parada.
Aristides Lobo considerava a proclamação da República um acontecimento puramente militar, sem muita
participação dos civis republicanos. Diferentemente do que acontecera cem anos antes, na Revolução
Francesa, o povo não era o protagonista daqueles acontecimentos.
Revolução francesa
Para José Murilo de Carvalho (1987), o adjetivo bestializado indica o afastamento do povo em relação à
República, não apenas no 15 de novembro, mas ao longo de toda a experiência republicana, uma espécie de
pecado original do novo regime.
No entender da historiadora Maria Teresa Chaves de Mello (2007), Aristides Lobo expressou surpresa diante
do modo pelo qual acontecimento do dia 15 de novembro se desenvolveu. Entretanto, é necessário ressaltar
o clima político republicano instaurado nas décadas de 1870 e 1880, capaz de formar um consentimento em
relação à cultura política do novo regime.
A República abrigou o desejo de muitos descontentes com a monarquia e deu forma política a sonhos e
projetos republicanos muito diferentes entre si. Os republicanos históricos projetavam um governo de corte
liberal e de forma federalista, ou seja:
Também os positivistas reforçaram o movimento que implantou a República. Além dos positivistas
militares, como Benjamin Constant, que participaram ativamente da revolta militar que derrubou a
monarquia, positivistas civis viam na República a possibilidade de levar adiante seu projeto político:
Federalismo
Os interesses divergentes entre federalistas - defensores da autonomia regional - e positivistas - que
defendiam uma centralização em torno da figura do presidente da República - caracterizaram não apenas o
momento de proclamação, mas também atravessaram o período de instauração da República no Brasil,
chamado pelos historiadores de Primeira República (1889-1930).
Gerador de tantas expectativas, o regime republicano foi capaz de causar também frustrações. Ao final da
sua vida, Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895), que assinara, em 1870, o Manifesto Republicano, afirmou:
Em Os Sertões, Euclides da Cunha (1866-1909) escreveu: “Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo,
em que palejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança inesperada, a República”
(CUNHA, 1984, p.87). A frase vem em um contexto no qual o autor procura sublinhar a diferença entre:
O Brasil do litoral
Sempre pronto a deixar-se levar pelo caudal dos ideais modernos e a copiar ideias e instituições de outras
nações.
No calor da hora, Aristides Lobo, em sua famosa carta à surpresa da Proclamação da República, afirma que,
no dia 15 de novembro de 1889, o novo regime não era senão um esboço rude, incompleto. Queria com isso
lembrar que o movimento militar que implantou a República não era exatamente fruto da propaganda
republicana e do movimento liderado pelo Partido Republicano que ele próprio ajudara a criar ao assinar o
Manifesto de 1870.
Cabem muitas respostas a essa pergunta, que nos ajuda a pensar as mudanças e as permanências no
cenário político brasileiro do final do século.
Um império em crise
O processo de abolição da escravidão reforçou, de distintas formas, o movimento republicano. Muitos
abolicionistas das cidades eram também republicanos. A maioria dos fazendeiros do Oeste novo paulista
defendia a República por julgar o império retrógrado e escravista. Por razão oposta, boa parte dos
fazendeiros escravistas da região do Vale do Paraíba deixou de apoiar a monarquia por considerar que a
abolição prejudicava seus interesses.
A guerra do Paraguai, que terminou em 1870, mantinha em sua fileira soldados escravizados negros,
trazendo o seguinte dilema ao Estado:
Por outro lado, como perder o apoio da classe senhorial, base política da
monarquia, não devolvendo aos donos de escravizados a sua “propriedade” cedida
à guerra?
Ainda que de modo lento, a escravidão começava a perder sua legitimidade, transformando-se em uma
“questão”.
O gabinete conservador do visconde do Rio Branco propôs e realizou um conjunto de reformas, das quais a
mais importante foi a Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871, que declarou: “de condição livre os filhos de
mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da nação e outros, e providencia
sobre o tratamento e criação daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos”.
A Lei do Ventre Livre, de 1871, aprovada quando a princesa Isabel exercia a regência do império, estabelecia
a condição de livre (“ingênuo”) para os filhos da mulher escravizada e optava pela emancipação gradual e
com indenização ao estabelecer um fundo de emancipação e a matrícula obrigatória de todos os
escravizados.
Todavia, ao aprofundar a intervenção do governo do Estado nas relações entre senhores e escravizados, a
lei desagradou as forças mais conservadoras, como inúmeros fazendeiros, além de setores comerciais e
financeiros a eles vinculados.
A distribuição extremamente irregular da população pelo território era fator constitutivo das diferenças entre
as províncias e regiões do império: a região de colonização estrangeira no extremo Sul diferia da região do
vale amazônico, onde crescia a atividade extrativa da borracha (látex), e do Sul da província da Bahia,
exportadora de cacau e tabaco. O grau de integração nas linhas do comércio internacional contribuía, em
larga escala, para o aprofundamento das desigualdades regionais, dando destaque à região do café - motor
da economia brasileira desde a década de 1830 até um século depois.
As terras roxas do Oeste paulista eram o cenário principal da mais importante mudança ocorrida na
sociedade. A substituição das relações de trabalho escravistas pelo trabalho livre, sob a forma do colonato,
era acompanhada pela substituição do próprio trabalhador, do negro pelo imigrante de origem europeia.
Comentário
Cabe ressaltar nesse contexto de crise do império a força dos princípios cientificistas. As ferrovias e o
telégrafo materializavam o progresso, representando a expressão do poder da técnica e da ciência na
efetivação da ocupação do interior.
O sergipano Silvio Romero (1851-1914), considerado um dos principais intérpretes do Brasil, no final do
século XIX, usou o termo bando de ideias novas para capturar o espírito de mudança.
O decênio que vai de 1868 a 1878 é o mais notável de quantos no século XIX constituíram a nossa
vida espiritual. Quem não viveu nesse tempo não conhece por ter sentido diretamente em si as
mais fundas comoções da alma nacional. [...] Um bando de ideias novas esvoaçou sobre nós de
todos os pontos do horizonte [...] Positivismo, evolucionismo, darwinismo, crítica religiosa,
naturalismo, cientificismo na poesia e no romance, folclore, novos processos de crítica e de história
literária, transformação da intuição do direito e da política, tudo então se agitou e o brado de
alarma partiu da escola do Recife
Desde os anos 1860, a questão do federalismo era, por muitos, considerada um dos principais problemas do
país ao colocar em xeque a organização político-administrativa centralizada que fundava a ordem imperial.
Para Tavares Bastos (1839-1875), um dos principais defensores do regime federalista, a descentralização
não resolveria, meramente, uma questão administrativa, mas a possibilidade de construir uma base sólida
de instituições democráticas.
O federalismo.
A separação entre a Igreja e o Estado.
A reforma educacional.
A expansão da infraestrutura.
O novo regime era resultado do papel desempenhado pelo movimento republicano desde 1870 através da
imprensa e da ação dos propagandistas.
Representava uma nova geração militar. Positivista convicto, desejava um governo forte, pois
entendia que a arte de governar era uma ciência.
Era diverso o projeto de República de liberais como Rui Barbosa ou Aristides Lobo, que defendiam uma
república presidencialista, e a separação dos três poderes segundo o modelo norte-americano. Os
positivistas, como Demétrio Ribeiro e Benjamin Constant, aspiravam a uma ditadura ilustrada, tal como
proposta pelo intelectual francês positivista Auguste Comte. Também eram diferentes os interesses
defendidos por representantes dos cafeicultores paulistas, como Campos Salles, centrados no federalismo
como modelo capaz de garantir a autonomia regional para a produção de café.
No dia 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição Republicana do Brasil, uma vitória
para os federalistas. Calcada sobre o modelo norte-americano, instaurava o presidencialismo, o federalismo
e três poderes que deveriam ser independentes entre si e complementares:
groups
Executivo
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Legislativo
gavel
Judiciário
A Constituição estabelecia também a separação entre a Igreja e o Estado, bem como o voto direto, ainda
que apenas para homens alfabetizados e maiores de 21 anos. A aprovação da Constituição, no entanto, não
apaziguou as dificuldades do governo provisório militar em construir uma estabilidade política capaz de
compatibilizar interesses regionais e central.
A chamada República da Espada (1889-1894) foi incapaz de promover uma distribuição de poder entre as
elites econômicas que efetivamente construíram o regime republicano, utilizando o expediente da violência
para garantir autoridade. Mais afeito à rígida disciplina das casernas do que à política, o governo de Deodoro
foi marcado por medidas que revelavam essa inabilidade política, tais como:
Decretar a dissolução do Congresso.
Entrar em choque com oligarquias gaúchas após depor Júlio de Castilhos, que havia sido
eleito para governar o Rio Grande do Sul.
Uma revolta foi capitaneada pela Marinha em protesto pelo fechamento do Congresso. Chefiada pelo
Almirante Custódio de Mello, a revolta chegou a ameaçar bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Havia
também uma greve de ferroviários. Deodoro não resistiu às pressões de militares e civis e renunciou à
presidência em novembro de 1891 (NEVES, 2003a).
Floriano Peixoto governou o Brasil com pulso forte entre 23 de novembro de 1891 e 15 de novembro de
1894. Um de seus primeiros atos foi a derrubada dos governadores de estados nomeados por Deodoro e
sua substituição por outros, que não se opusessem a seu governo. Mais hábil politicamente que seu
antecessor, soube buscar o apoio da oligarquia paulista, a mais poderosa do país, ao favorecer a
consolidação no plano nacional do Partido Republicano Paulista (PRP). O poderoso partido fundado em
1873 abrigava os cafeicultores paulistas.
Floriano fez do paulista Rodrigues Alves seu ministro da Fazenda e favoreceu a indicação de Bernardino de
Campos para a presidência da Câmara dos Deputados e de Prudente de Morais para a presidência do
Senado. Solidamente instalados no Poder Executivo e no Poder Legislativo, os paulistas passaram a apoiar
Floriano, que, por sua vez, também soube buscar apoio de outras oligarquias estaduais, da jovem
oficialidade militar e de setores populares do Rio de Janeiro, ao tomar medidas que impediram o aumento
incontrolável dos aluguéis de moradias e do preço de alimentos.
Floriano passou a ser conhecido como o marechal de ferro após ter enfrentado com sucesso fortes
pressões políticas e dois movimentos revoltosos de grande porte: a Revolta da Armada e a Revolução
Federalista.
Tropas do Exército na zona portuaria do Rio na Revolta da Armada.
A Revolta da Armada foi um movimento revolucionário promovido por unidades da Marinha e liderado pelos
almirantes Wandenkolk, Custódio de Mello e Saldanha da Gama, que não reconheciam a legitimidade do
governo Floriano Peixoto e não se conformavam com a desproporção entre o poder do Exército e o pouco
reconhecimento político da Marinha.
A revolta teve início em setembro de 1893 nas águas da Baía de Guanabara e seus chefes deslocaram a
armada revoltada para o Sul do país, onde tentaram unir forças com os revoltosos que participavam da
Revolução Federalista. O governo de Floriano venceu a Revolta da Armada em março de 1894.
A Revolução Federalista agitou o Rio Grande do Sul entre 1893 e 1895 e resultou no enfrentamento entre:
Revolta da Armada
A Revolta da Armada foi um movimento revolucionário promovido por unidades da Marinha e liderado pelos
almirantes Wandenkolk, Custódio de Mello e Saldanha da Gama. Os três militares não reconheciam a
legitimidade do governo Floriano Peixoto e não se conformavam com a desproporção entre o poder do Exército
e o pouco reconhecimento político da Marinha.
Os pica-paus
Os maragatos
Partido federalista liderado por Gaspar Silveira Martins, Joca Tavares e Gumercindo Saraiva.
Com o apoio de Floriano Peixoto, Júlio de Castilhos, de tendências centralistas, assumiu o governo gaúcho
em 1893. Os federalistas, porém, tentaram impedir sua posse, dando início a uma sangrenta guerra civil no
Sul do Brasil entre os dois grupos.
No dia 15 de novembro de 1894, tomou posse o primeiro presidente civil da República brasileira, Prudente de
Morais. Com ele, a hegemonia da oligarquia cafeeira paulista, já evidente no Poder Legislativo, chegou ao
Poder Executivo. Durante esse governo, a República brasileira ainda enfrentou terrenos movediços tanto no
cenário internacional quanto na política interna.
Na política interna, a queda dos preços internacionais do café tornava ainda mais complexas as
negociações entre as oligarquias regionais, que além de resistirem ao protagonismo da oligarquia paulista,
mostravam desconforto com as medidas protecionistas tomadas pelo Executivo em relação aos
cafeicultores.
Além disso, Prudente de Morais foi obrigado a enfrentar uma guerra civil cujo desenrolar surpreendeu a
todos. Para destruir a aldeia de Canudos, onde Antônio Conselheiro convocava milhares de sertanejos
pobres para o que Euclides da Cunha disse ser uma Tróia de taipa, foram necessárias nada menos que
quatro expedições militares.
Sertanejos de Canudos rendidos pela cavalaria do Exército durante a última expedição ao arraial, em outubro de 1897.
O governo de Prudente de Morais anunciou novos tempos republicanos, mas a consolidação da lógica
própria da república oligárquica brasileira coube a outro paulista: Campos Salles.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
O termo Primeira República foi cunhado por historiadores para identificar o período que vai de 1889 a
1930 e que marca a consolidação da ordem republicana no Brasil. Sobre as características desse
período, assinale V (verdadeiro) para as proposições verdadeiras e F (falso) para as falsas, antes de
marcar a opção correta.
( ) Com o novo regime, surgiram divergências tanto no meio militar quanto no civil. No meio civil, as
disputas ocorriam, sobretudo, no campo ideológico entre três correntes: liberalismo, jacobinismo e
positivismo.
( ) Pode-se afirmar que os governos do período conhecido como Primeira República implementaram
medidas sociais de grande alcance, beneficiando a sociedade brasileira como um todo e visando
acabar com as desigualdades sociais do país.
( ) O Brasil da chamada Primeira República era um país, sobretudo, rural; a agricultura permanecia como
principal atividade econômica.
A F-V-V-F
B V-V-F-V
C V-F-F-V
D V-V-F-V
E V-V-V-V
Parabéns! A alternativa B está correta.
A Primeira República teve militares como primeiros governantes e foi caracterizada por divergências
tanto no meio militar quanto no civil, sendo um período marcado por conflitos visando manter a ordem
e autoridade. Logo, é falsa a afirmação sobre a implementação de medidas sociais buscando acabar
com as desigualdades sociais do país.
Questão 2
I. Implantou o federalismo no Brasil, um sistema político que concedia certo grau de autonomia para os
estados em relação à União.
II. Implantou o sufrágio universal masculino para todos os homens maiores de 21 anos, alfabetizados e
que não fossem mendigos ou soldados rasos.
III. O presidente foi determinado como o chefe do Executivo, e a escolha do presidente ocorreria a partir
de eleições diretas para um mandato de quatro anos.
IV. Consolidou a vitória dos valores positivistas encarnados na figura dos presidentes militares, que
compunham a chamada República da Espada.
A Apenas I, III e IV
C Apemas I, II e III
D Apenas I e IV
E Apemas II e IV
A afirmação IV está incorreta porque a Constituição, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, pode ser
considerada uma vitória para os federalistas. Calcada sobre o modelo norte-americano, instaurava o
presidencialismo, o federalismo, o estabelecimento de três poderes independentes entre si e
complementares – Executivo, Legislativo e Judiciário. Estabelecia ainda a separação entre a Igreja e o
Estado, bem como o voto direto ainda que apenas para homens alfabetizados e maiores de 21 anos.
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E quem manda no Brasil?
Neste vídeo, vamos discutir velhos conceitos da historiografia como Café com Leite, República Velha,
mostrando o que eles ouviram na escola e como a História foi revendo as ideias e conceitos.
Depois dos conturbados períodos entre os governos militares e de Prudente de Morais, é no mandato de
Manuel Ferraz de Campos Salles (15 de novembro de 1898 a 15 de novembro de 1902) que a Primeira
República brasileira encontra um modelo de funcionamento que permitiu sua relativa estabilidade até o final
da década de 1920.
Comentário
A palavra de origem grega oligarquia significa governo de poucos. No Brasil da Primeira República, esse
termo significou, sobretudo, o poder em benefício próprio, exercido pelos grandes proprietários locais,
conhecidos como coronéis; pelo arranjo entre esses poderosos locais expresso no governo dos estados da
federação; e pela equação de forças das oligarquias estaduais na definição do poder nacional. Havia o
predomínio de duas oligarquias em todo o país: a paulista, cuja base era a riqueza econômica, e a mineira,
cuja força residia em ter o maior eleitorado do país.
Campos Salles decidiu fortalecer seu governo com uma ação decidida que tinha em vista três objetivos:
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Negociar a dívida externa brasileira de modo a aliviar o governo da pressão dos credores externos.
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Sanear a economia interna ameaçada pela inflação.
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Construir um pacto político com as oligarquias estaduais que fortalecesse o Poder Executivo.
Para realizar a negociação da dívida externa, Campos Salles foi à Europa antes mesmo de sua posse para
negociar com os banqueiros ingleses, principais credores do governo brasileiro. O acordo conhecido como
funding loan se traduziu pela obtenção de um novo e vultuoso empréstimo financeiro, pela suspensão por
três anos do pagamento dos juros dessa dívida e pelo adiamento do pagamento desse novo empréstimo
por um prazo de treze anos.
A folga financeira trazida pelo funding loan permitiu que o ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, tomasse
medidas para sanear as finanças internas sem aumentar os impostos cobrados aos governos dos estados,
o que começava a pavimentar o caminho para o pacto oligárquico. Para combater a inflação, o governo:
Criou novos impostos, como a Lei do Selo, que supunha o pagamento dos carimbos oficiais
para a circulação de mercadorias e valeu ao presidente o apelido de Campos Selos.
Foram, no entanto, as medidas tomadas para alcançar seu objetivo político de construir um pacto não
escrito, mas muito eficiente para garantir os acordos oligárquicos, a docilidade do Poder Legislativo, e o
fortalecimento do Poder Executivo, que fizeram de Campos Salles o grande arquiteto da direção política na
Primeira República.
Foi o próprio Campos Salles quem formulou a melhor síntese da arquitetura política que, a partir de seu
governo, presidiu a República brasileira, quando escreveu em seu livro de memórias políticas o segredo de
sua fórmula para governar:
Nessa, como em todas as lutas, procurei fortalecer-me com o apoio dos Estados, porque - não
cessarei de repeti-lo - é lá que reside a verdadeira força política [...]. Em que pese os centralistas, o
verdadeiro público que forma a opinião e imprime direção ao sentimento nacional é o que está nos
Estados. É de lá que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam, agitadas, as
ruas da Capital Federal.
Os municípios
Espaço por excelência do poder pessoal dos coronéis.
Os estados
Onde se orquestravam os acordos entre as oligarquias regionais
Para isso, era preciso conceder às oligarquias estaduais a autonomia necessária para que exercessem seu
mando inconteste no interior dos estados e, assim, pudessem apoiar decididamente o governo federal.
Essas oligarquias eram a força política da República, seu verdadeiro público e, nessa perspectiva, nelas
residia a opinião, a direção e o sentimento nacional.
Além disso, era necessário estabelecer as condições de um pacto político de modo que o Poder Executivo
se fortalecesse, efetivamente, com seu apoio, e não se subordinasse aos conflitos que opunham diferentes
grupos, famílias e interesses em conflito em cada um dos estados.
A denominação de República oligárquica, frequentemente atribuída
aos primeiros 40 anos da República, denuncia um sistema baseado
na dominação de uma minoria e na exclusão de uma maioria do
processo de participação política.
(RESENDE, 2003, p. 91)
Representante da oligarquia paulista, uma das mais poderosas do país, o campineiro Campos Salles sabia
que era no Poder Legislativo que os conflitos entre os interesses e as paixões estaduais se expressavam.
Por isso, encontrou uma fórmula na qual o governo federal pactuava diretamente com as oligarquias
dominantes nos estados da federação ao garantir sua perpetuação no poder e receber em troca apoio à
política do Executivo, bem como resultados de eleições que garantissem deputados e senadores dóceis ao
comando do presidente da República. Esse pacto não escrito foi chamado de política dos governadores, e a
República pautada por essa política foi denominada de República oligárquica.
O governo federal dispunha de instrumentos que lhe assegurassem a direção do pacto não escrito. Vamos
ver a seguir esses dois instrumentos:
O primeiro desses instrumentos era a garantia das verbas necessárias para a manutenção do
prestígio das oligarquias que dominassem o poder estadual. No caso dos estados economicamente
mais poderosos, a política financeira adotada garantia essas verbas ao não retirar deles sua principal
fonte de renda, que vinha dos impostos de exportação, e ao não criar novos impostos estaduais. Nos
estados mais pobres, que não podiam contar com receitas significativas dos impostos sobre a
exportação, a concessão de verbas federais a conta-gotas funcionou perfeitamente como elemento
de cooptação.
Esse equilíbrio político era complexo e frágil. Ainda que, na prática, negasse os princípios da cidadania
republicana, foi eficiente até que uma das unidades da federação, o Rio Grande do Sul, rompesse o pacto
não escrito entre o governo federal e as oligarquias estaduais, aliando-se a outros setores da sociedade
brasileira descontentes com os rumos políticos da Primeira República e tomando o poder pela força na
chamada Revolução de 1930.
Para manter o poder que detinham no mundo rural, os coronéis usavam a força em muitas circunstâncias,
tanto para mostrar seu poderio a outros coronéis quanto, sobretudo, para exercer a dominação sobre os
trabalhadores rurais, em relação aos quais não só usavam de sua autoridade e poder no cotidiano, mas
também se utilizavam da violência quando isso lhes parecia adequado.
No entanto, a força e a violência não eram suficientes. Era preciso que os coronéis construíssem prestígio
no município. Esse prestígio era posto em evidência pelos sinais de riqueza e poder que ostentavam, pelas
benesses que distribuíam como favores pessoais, pelas melhorias que obtinham para o município através
de suas relações com o governo estadual ou federal e pelos investimentos que faziam com suas próprias
fortunas, pois lidavam com o que era público como algo que privadamente lhes pertencesse.
É ao seu interesse e à sua insistência que se devem os principais melhoramentos dos lugares. A
escola, a estrada, o correio, o telégrafo, a ferrovia, a igreja, o posto de saúde, o hospital, o clube, o
football, a linha de tiro, a luz elétrica, a rede de esgotos, a água encanada, tudo exige o seu esforço
[...] É com essas realizações de utilidade pública, algumas das quais dependem só do seu empenho
e prestígio político, enquanto outras podem requerer contribuições 3 pessoais suas e dos amigos, é
com elas que, em grande parte, o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança.
Coronéis eram os poderosos locais, assim chamados porque muitos deles tinham a patente de coronel da
Guarda Nacional, instituição fundada no império, mas que perdurou na República até 1918. A patente de
oficial da guarda nacional confirmava o poder local ao conferir a chancela do Estado ao mando pessoal que
exerciam.
As melhorias que os coronéis faziam ou conseguiam que o governo fizesse no município eram de seu
interesse, pois confirmavam aos olhos de todos o seu poder pessoal e a sua influência. Para tanto, usavam
uma moeda de troca poderosa: os votos que controlavam em seus currais eleitorais, ou seja, o voto de
cabresto.
Voto de cabresto é o nome dado ao abuso do poder local que levava ao controle dos coronéis sobre
os eleitores para que votassem nos candidatos por eles apoiados. O controle do eleitorado se fazia
pela troca do voto por algum favor, pela compra do voto ou pelo uso da violência e da coerção.
Violentas estruturalmente, as eleições aumentavam ainda mais o grau de truculência em função das
rivalidades entre coronéis de facções opostas.
Na Primeira República, as eleições eram um ritual vazio, distante da prática democrática e do exercício da
cidadania pelo voto. A fraude eleitoral era a norma e supunha desde o roubo de urnas até o
desaparecimento das cédulas depositadas por eleitores da oposição, passando pelo voto dos fósforos,
nome dado a pessoas já mortas, mas que continuavam a figurar nas listas eleitorais.
Além disso, o voto não era secreto e o eleitor devia declará-lo à mesa eleitoral. A condição de alfabetizado,
imposta pela Constituição para ser eleitor, era atestada através da mera capacidade de assinar toscamente
o nome.
Na perspectiva dos coronéis, eram eles que comandavam a política republicana, assim como atestou o
depoimento de José Bonifácio Lafayette de Andrada, político mineiro que se reconhecia como coronel por
exercer o poder político municipal:
Na perspectiva de Victor Nunes Leal, no entanto, era certo que os coronéis continuassem a exercer o poder
local tal como o haviam feito no império. O coronelismo era um elemento do sistema político próprio de um
momento específico da República, e isso ocorria por três razões:
As práticas coronelísticas do século XIX ocorriam em um contexto em que o poder local era
autônomo e, para afirmar-se localmente, não era necessário negociar com poderes regionais
ou com o poder central: no império, a malha municipal corria solta na trama da administração
e da política.
O coronelismo era próprio de uma sociedade eminentemente agrária, em que o eleitorado
estava concentrado nas áreas rurais. Logo, se pensarmos nos dias de hoje, embora as
práticas coronelísticas subsistam depois da Primeira República, não é possível utilizar o
conceito de coronelismo tal como proposto por Leal depois que o país se industrializou e a
população se tornou eminentemente urbana.
Embora o coronelismo, a enxada e o voto costurassem pela base a arquitetura política da Primeira
República, não é possível afirmar que era do município que se governava o país.
Os partidos políticos não existiam ou simplesmente expressavam disputas entre oligarquias. Os cargos
políticos eram vistos como uma propriedade a mais das famílias poderosas. Algumas dessas famílias
influentes eram: os Accioly, no Ceará; os Sousa Campos, no Sergipe; os Calmon, os Vianna e os Seabra na
Bahia; os Vieira, os Cunha Martins e os Araújo, no Maranhão; os Rosa e Silva em Pernambuco; os
Albuquerque Maranhão, no Rio Grande do Norte.
Para construir a estabilidade política e a possibilidade de governar, Campos Salles estabeleceu uma pauta
para a República que foi mantida por seus sucessores. Segundo essa pauta política:
O Poder Executivo federal não interferia na política estadual e apoiava uma dada oligarquia no
controle do poder estadual para receber em troca o suporte político daquele estado e o apoio
das bancadas estaduais no Legislativo para seu governo.
Os coronéis que manipulavam os votos nos municípios, por sua vez, recebiam em troca
cargos políticos e verbas estaduais e federais que lhes permitiam confirmar seu prestígio e
seu poder pessoal no município.
A estabilidade da ordem oligárquica assim obtida era o resultado desse jogo de interesses mútuos que
criava condições para o acordo não formal entre o governo federal e as oligarquias estaduais, cuja
correlação de forças se expressava no governo de cada estado da federação. As condições para que o
presidente da República efetivamente exercesse sua autoridade e governasse o país dependiam de seu
entendimento com os chefes das oligarquias estaduais, já que a composição do Poder Legislativo
expressava a direção que essas oligarquias exerciam em seus estados.
Apreciando a eleição de 31 de dezembro nesta capital, disse o nosso colega da Tribuna que o
resultado trazido a lume pelos jornais ‘não exprime senão o que a fraude mais desbragada e
indecente, como 10 jamais se praticou, resolveu que fosse a expressão do voto popular’. [...] O
crime de todos nós está principalmente em não determinarmos confessar de uma vez a verdade
inteira. Ela não produzirá os seus efeitos salutares, enquanto nós não deliberarmos, afinal, a fazer
cada qual a sua penitência do nosso quinhão de co-responsabilidade na peste das instituições,
reconhecendo sem rodeios que elas mentem despejadamente ao país, isto é que, sob o nome de
república e democracia, o que a nossa pátria está a suportar, com tanta resignação quanto náusea,
é o absolutismo de uma oligarquia quase tão opressiva em cada um dos seus feudos quanto a dos
mandarins e a dos paxás.
O que você tem a discutir sobre a fraude e a corrupção na história do Brasil? expand_more
Não lhe daremos uma resposta certa, mas um estímulo a continuar sua pesquisa, notando as
características estruturais e simbólicas de nossa sociedade.
Estabilidade? Vamos a um exemplo:
Contestado
Na região chamada de Contestado, ocorreu, entre 1912 e 1916, um movimento rural de cunho messiânico.
Saiba mais
Importante destacar que essa área era denominada Contestado devido ao fato de ser disputada por Paraná
e Santa Catarina.
Um movimento de caráter messiânico se estrutura a partir de uma liderança de caráter místico, sustentando
a ideia de redenção após um dado período de sofrimento. Para o movimento ter esse caráter, é preciso que
mantenha a noção de sacralidade e providência divina, a partir da qual se ampara, durante e depois do
período de provações, aqueles que nele estiverem engajados.
Em Contestado, o conflito ocorreu tanto por se tratar de uma zona rica em erva-mate como por ter
importantes recursos florestais. Além disso, havia os confrontos de terras nos quais os posseiros eram
expulsos por pretensos proprietários, além do coronelismo presente naquela região. Os grandes
proprietários locais buscavam manter expressivas quantidades de agregados às suas fazendas.
Em um clima de insegurança social, emergiu uma figura que ganhou imensa projeção local: o monge. A
figura do monge estava associada não só à reza, mas também à cura com ervas, benzimentos e fórmulas.
Cabe ressaltar que, nessa região, os médicos eram escassos e havia um olhar pejorativo em relação à
medicina, como se ela fosse invasiva e nem sempre eficaz.
Recomendando águas santas, remédios caseiros e a penitência, João Maria foi expulso do Rio Grande do
Sul pelo presidente da província em 1849.
Contudo, sua fama de caridoso e curandeiro continuaria por todo o Sul do país.
As autoridades civis não aceitavam o fato de ele auxiliar rebeldes federalistas feridos. O segundo monge
João Maria permaneceria na região até 1908, quando não mais foi visto.
Contudo, sua pregação foi suficiente para que os camponeses locais lhe dessem um imenso crédito.
Em agosto de 1912, realizou-se uma festa no arraial de Taquaruçu, comandada por Praxedes Gomes
Damasceno, um pequeno comerciante e proprietário de terras. No desafio dos cantadores, venceu o que
afirmava ser a monarquia Lei de Deus e o ajuntamento para a festa não se dispersou. Francisco Ferreira de
Albuquerque, chefe político do município de Curitibanos, cidade onde se localizava o arraial, temia que a
reunião fosse um movimento liderado por seu opositor, o coronel Henriquinho de Almeida.
Desse modo, exigiu a presença do monge José Maria em Curitibanos, mas este argumentou que a distância
era rigorosamente a mesma e, portanto, ele aguardava o prefeito em Taquaruçu. O coronel Albuquerque
considerou a recusa um ato de insubordinação e comunicou-se com o governador do estado, Vidal Ramos,
informando sobre a criação de uma “monarquia” em Taquaruçu, na qual o “rei” José Maria teria formado seu
ministério com festeiros locais.
Rapidamente, a polícia aproximou-se do ajuntamento, mas José Maria e seus seguidores marcharam para
os campos do Irani, na época sob jurisdição do Paraná. A polícia paranaense foi informada por José Maria,
mas, na imprensa do estado, difundiu-se que a marcha de “fanáticos” era uma ação do governo catarinense
para forçar o cumprimento da sentença do Supremo Tribunal Federal que lhe garantia a maior parte da área
contestada.
A reação foi uma ação policial comandada pelo coronel João Gualberto, que prometia trazer os “fanáticos”
amarrados até Curitiba.
Domingos Soares, chefe político de Palmas, município onde se localizavam os campos do Irani, tentou uma
mediação, para que houvesse a dispersão do grupo, e José Maria lhe pediu três dias de prazo para que
todos pudessem voltar às suas casas. Contudo, a polícia atacou antes do prazo, morrendo os dois líderes:
João Gualberto e José Maria.
No início de 1916, pressionados pela fome e sem condições de manter a resistência, muitos rebeldes
renderam-se. Adeodato, último chefe, foi preso alguns meses mais tarde e condenado a trinta anos de
prisão. Morreria, segundo a versão oficial, em uma tentativa de fuga.
Nos anos 1930, a experiência do Contestado seria demonizada como comunista no discurso dos padres da
região.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
“Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas
quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na
conta de benfeitor. No plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de
cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.” (Adaptado de: LEAL,
V. N. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976)
O coronelismo, fenômeno político da Primeira República (1889-1930), tinha como uma de suas
principais características o controle do voto, o que limitava, portanto, o exercício da cidadania. Nesse
período, essa prática estava vinculada a uma estrutura social
Para manter o poder que detinham no mundo rural, os coronéis usavam a força em muitas
circunstâncias, tanto para mostrar seu poderio a outros coronéis quanto, sobretudo, para exercer a
dominação sobre os trabalhadores rurais. Com relação a esses trabalhadores, os coronéis exerciam sua
autoridade e seu poder no cotidiano, bem como utilizavam-se da violência quando isso lhes parecia
adequado.
Questão 2
O problema central a ser resolvido pelo Novo Regime era a organização de outro pacto de poder que
pudesse substituir o arranjo imperial com grau suficiente de estabilidade. O próprio presidente Campos
Salles resumiu claramente seu objetivo: “É de lá, dos estados, que se governa a República, por cima das
multidões que tumultuam agitadas nas ruas da capital da União. A política dos estados é a política
nacional” (Adaptado de: CARVALHO, J. M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987).
Nessa citação, o presidente do Brasil no período expressa uma estratégia política no sentido de
A estratégia política de atrair o apoio das oligarquias regionais durante a Primeira República visava
reorganizar as demandas e as relações de poder antes capitaneadas pelo poder imperial. Para tal,
usavam-se as bases dos estados e das oligarquias regionais como principal apoio ao poder central do
Estado e do presidente da República.
Vamos começar
Vamos agora compreender o papel simbólico conferido à cidade do Rio de Janeiro, capital da República, no
contexto de instauração da ordem republicana.
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Cidades do Brasil
Cidades podem ser símbolos? Neste vídeo, vamos pensar sobre as cidades Republicanas que foram criadas
e projetadas para dar um sentido: os casos de Belo Horizonte, Aracaju e São Paulo.
A intenção do governo de Rodrigues Alves era modernizar a cidade, já que a mesma ainda tinha ares
coloniais, ruazinhas estreitas e tortuosas, ambulantes e graves problemas de saneamento que assustavam
os moradores, os visitantes vindos de outros estados e os viajantes estrangeiros.
Pessoas caminhando pela rua do Ouvidor, centro do Rio de Janeiro, maio de 1942.
Para realizar essa transformação, Rodrigues Alves não poupou verbas conseguidas através de novos
empréstimos feitos junto a banqueiros internacionais nem mediu esforços. A fim de ordenar e embelezar a
cidade, as obras iniciadas por Pereira Passos, o Haussmann tropical (BENCHIMOL, 1990), e comandadas
pelos engenheiros tinham três frentes:
A urbanização da avenida Beira Mar, para embelezar a enseada de Botafogo, cartão postal da cidade
A construção do novo cais do porto na praça Mauá, para permitir que navios de grande calado
atracassem na cidade, evitando o velho cais no qual antes atracavam ao largo, obrigando
passageiros e mercadorias a utilizarem um precário serviço de catraias e barquinhos para
desembarcarem na praça Quinze de novembro
Praça Mauá.
Terceira frente expand_more
Avenida central.
Comentário
O Rio de Janeiro foi tomado por um exército da saúde pública, que o povo logo chamou de mata-mosquitos,
pois entravam nas casas com seus instrumentos de combate aos insetos transmissores de doenças como
a febre amarela.
Para controlar a varíola que assolava a cidade (CHALHOUB, 1996), o governo encaminhou um projeto de lei
que tornava obrigatória a vacina antivariólica. Os agentes da saúde pública, que antes devassavam as casas
para combater mosquitos e ratos, passaram a devassar também os corpos dos moradores da cidade para
vacinar, mesmo contra a vontade, toda a população.
A revolta da vacina (publicada na revista O Malho, em 1904).
A população se via descontente com as reformas, e também sem compreender as medidas saneadoras
impostas pelo governo e as posturas municipais supostamente civilizadoras que proibiam, por exemplo, a
circulação na avenida sem sapatos, paletó e gravata. Por conta disso, se insurgiu o movimento conhecido
como Revolta da Vacina.
Exemplo
Na compreensão da historiadora Margarida de Souza Neves (2003b), isso ocorreu porque uma cidade-
capital não o é apenas por sediar o governo, ou por ser a mais populosa ou por concentrar as principais
atividades econômicas e culturais do país. Uma cidade-capital é uma representação do país para ele
mesmo e para o mundo. Por esse motivo, deve ser a síntese dos projetos e da identidade que se quer para
esse país.
Ainda que a ordem tivesse seus alicerces nas práticas políticas do passado, era importante que a República
construísse, no Rio de Janeiro, um cenário de progresso que apagasse a memória colonial e anunciasse um
projeto de futuro que já fosse uma realidade no presente, mesmo se pouco mudasse na cidade e no país.
Para o discurso oficial, os dois quilômetros da avenida Central eram a imagem do Rio de Janeiro, e a cidade-
capital, por sua vez, era a imagem do Brasil.
Na virada do século XIX para o XX, a Europa viveu um período de grande otimismo chamado de Belle
Époque, expressão francesa que significa Bela Época. Eram tempos de paz no continente europeu. Havia
grande entusiasmo com o progresso e com as novas invenções da ciência e da técnica, tais como o
telefone, o cinema, o avião e o telégrafo. Houve também grandes transformações nos hábitos cotidianos,
crescimento da indústria e novidades no campo das artes e da cultura.
Santos Dumont - 14 Bis.
No Brasil, a Belle Époque foi, sobretudo, uma moda vivida pelos elegantes que copiavam formas e modos de
vida da burguesia francesa sem que o país tivesse de fato uma burguesia industrial. Nicolau Sevcenko
(2003, p. 35) alude a uma inserção compulsória do Brasil na Belle Époque.
O lugar periférico do Brasil no cenário internacional fez com que o país, sempre atento ao que se passava e
ao que se pensava nas capitais europeias, copiasse modismos da Belle Époque. Contudo, os tempos não
eram efetivamente belos para os brasileiros, a não ser para uma minoria de privilegiados que, por certo,
passavam longas temporadas em Londres, em Paris ou em Viena.
O café das fazendas paulistas continuava a ser o primeiro produto da pauta de exportação. A borracha
ocupou um lugar significativo em nossas exportações apenas por um curto período, até que em 1910 a
produção dos seringais amazônicos passou por uma crise de difícil e penosa extração. A economia
brasileira continuava sem um mercado consumidor interno solidamente constituído e sem atividades
industriais consolidadas.
Esses produtos, somados ao café que imperava absoluto na pauta de exportações brasileiras,
representaram de 1870 até a Primeira Grande Guerra de 1914 mais de 90% do que exportava o país. Sua
fragilidade se faria patente quando a guerra trouxe cortes significativos das exportações e queda nas
importações de produtos industrializados.
Na sociedade, poucos foram os que puderam gozar dos luxos e dos prazeres da Belle Époque. No interior
dos estados da federação, os trabalhadores continuavam a viver em condições precárias, submetidos ao
poder pessoal dos coronéis e dependentes de sua vontade soberana.
Nas cidades, os pobres continuaram a trabalhar nas fábricas nascentes, no comércio e no setor de serviços
em troca de salários baixos, sem nenhuma conquista no campo da legislação trabalhista e em condições de
vida e de trabalho aviltantes.
As reformas urbanas construíram uma fachada moderna nas cidades, buscaram controlar e disciplinar as
multidões urbanas quer pela imposição de uma ética positiva do trabalho, quer pela ação das forças de
segurança e ordem. Mas mesmo na capital federal as melhorias dividiam a cidade entre os bairros
elegantes, beneficiados pelas obras de saneamento e urbanização, e os subúrbios, cujos bairros pobres
eram quase sempre abandonados pelo poder público.
O fim da política dos governadores nos anos
1920
Segundo Ferreira e Pinto (2003):
No plano político, os problemas do “federalismo desigual”, que confundia os interesses nacionais com os de
Minas Gerais e de São Paulo e subordinava os demais estados da federação ao comando político das
oligarquias paulista e mineira, começavam a aparecer.
Nem sempre, no entanto, as oligarquias de segunda grandeza, em especial as do Rio de Janeiro, Bahia, Rio
Grande do Sul e Pernambuco, se conformavam com seu lugar subordinado. Foi o que sucedeu quando
esses estados, no movimento conhecido como Reação Republicana, se congregaram em torno das eleições
presidenciais realizadas em março de 1922, com as candidaturas de:
Nilo Peçanha
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Artur Bernardes
Artur Bernardes foi eleito, como era previsível, mas a crise estava anunciada e retornaria, irreversivelmente,
na campanha à sucessão de Washington Luís em 1930, quando os resultados eleitorais que deram a vitória
a Júlio Prestes não foram reconhecidos e a revolução estourou no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no
Nordeste.
Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas, derrotado nas eleições, foi empossado no cargo de presidente
da República pelas forças revolucionárias que se haviam levantado contra o arbítrio oligárquico e em nome
dos novos tempos. O poder foi tomado com a pretensão de construir um país moderno e de responder às
novas demandas sociais postas em cena ao longo dos anos 1920.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
mudava o perfil da cidade e acabava com os altos índices de mortalidade infantil entre a
A
população pobre.
A população não compreendia como as reformas iriam melhorar sua vida nem o significado das
medidas saneadoras impostas pelo governo. Revoltada com as posturas municipais supostamente
civilizadoras que proibiam, por exemplo, a circulação na avenida, sem sapatos, paletó e gravata, a
população se insurge no movimento que ficou conhecido como Revolta da Vacina.
Questão 2
(UNICAMP, 2016) “O Rio civiliza-se!” eis a exclamação que irrompe de todos os peitos cariocas. Temos
a avenida Central, a Avenida Beira Mar (os nossos Campos Elíseos), estátuas em toda a parte, cafés e
confeitarias (…), um assassinato por dia, um escândalo por semana, cartomantes, médiuns, automóveis,
autobus, autores dramáticos, grandmonde, demi-monde, enfim todos os apetrechos das grandes
capitais. (“O Chat Noir”, em Fon-Fon! Nº 41, 1907. Extraído de
www.objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon1907)
A partir do excerto, que se refere ao período da Belle Époque no Brasil, no início do século XX, analise as
afirmações:
I. O Rio de Janeiro procurava apagar aspectos da época do império e impulsionar a cultura francesa.
III. A modernização representou um processo de exclusão social e cultural, patrocinado pelo governo
francês, que financiava obras públicas e impunha os produtos franceses à população brasileira.
IV. Os costumes franceses eram elementos incorporados pela sociedade carioca como sinônimo da
modernização republicana.
A Apenas I, II e III
B Apenas I, III e IV
C Apenas I, II e IV
D Apenas II e IV
E Apenas I e II
A afirmação III está incorreta porque, na verdade, Belle Époque no Brasil diz respeito à moda vivida pelos
elegantes que copiavam formas e modos de vida da burguesia francesa sem que o país tivesse de fato
uma burguesia industrial.
Considerações finais
Sertão, campo e cidade na política brasileira representaram uma estrutura que hoje nos ajuda a entender o
funcionamento da República fundada no início do século XX. Ao longo de nosso estudo, passamos pela
relação existente entre o sertão, o campo e a cidade associados aos fenômenos políticos da Primeira
República. Assim, pudemos conhecer a política dos governadores, o coronelismo e os novos ideais de
urbanidade no Brasil.
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Podcast
Neste podcast, o especialista irá discorrer sobre o tema, a partir de algumas questões, como: os projetos
republicanos nos primeiros anos da República; os elementos fundamentais da Primeira República no
contexto do Governo de Campos Salles; o papel da cidade do Rio de Janeiro no contexto da instauração da
ordem Republicana.
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Confira agora o que separamos especialmente para você!
Assista ao filme 1930: tempo de revolução, de Eduardo Escorel, 1990. Neste filme, você encontrará um ótimo
resumo sobre o contexto político da primeira república e o coronelismo.
Leia o artigo Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual, de José Murilo de
Carvalho, sobre o coronelismo e as continuidades dessa política ao longo da história republicana brasileira.
Leia o livro A alma encantadora das ruas, de João do Rio. Trata-se de uma coletânea de crônicas que retrata
literariamente, de maneira crítica, as mudanças na cidade do Rio de Janeiro do início do século. Leia, em
especial, a crônica “A Rua”.
Leia a matéria “Revolta da Vacina, 116 anos: diferenças e semelhanças com a onda negacionista atual”, de
Daniel Giovanaz, publicada no site Brasil de Fato. A matéria apresenta uma boa comparação entre o
contexto da Revolta da Vacina e a situação contemporânea envolvendo a pandemia de covid-19.
Referências
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São Paulo: O Estado de São Paulo, 1982.
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Cultura/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1975.
BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. A renovação urbana do Rio de Janeiro no início
do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte/Departamento Geral de
Documentação e Informação Cultural, 1990.
CARONE, E. A República Velha. Instituições e classes sociais. São Paulo: DIFEL, 1972.
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