A Disposição para Mudar (Bell Hooks)
A Disposição para Mudar (Bell Hooks)
A Disposição para Mudar (Bell Hooks)
AMOR
bell hooks
PREFÁCIO
visionárias que hoje já não são mais só mulheres, não têm mais
medo de abordar os problemas masculinos, a masculinidade e o
amor. Os homens se juntaram às mulheres com mentes abertas e
grades corações, homens que amam, homens que entendem o
quanto é difícil para os homens praticar a arte de amar na cultura
patriarcal.
homens por causa do que fazendo por nós não é o mesmo que amá-
los por simplesmente existirem. Quando amamos a masculinidade,
estendemos nosso amor quer os homens a performem ou não.
Performance é diferente de ser. Na cultura patriarcal, os homens
não são permitidos de ser quem são e glorificar sua identidade
única. Seu valor sempre é determinado pelo que fazem. Numa
cultura antipatriarcal os homens não têm que provar seu valor. Eles
sabem, desde o nascimento, que sua própria existência lhes agrega
valor e o direito de serem apreciados e amados.
encontrou voz; ela agora fala da ausência de amor, uma vida inteira
de coração partido. Ela não está só. No mundo todo, mulheres
vivem com homens em estados de falta de amor. Elas vivem e
lamentam.
2 – ENTENDENDO O PATRIARCADO
Como filha, fui ensinada que era meu papel servir, ser
fraca, livre do fardo de pensar, zelar e cuidar dos outros. Meu irmão
foi ensinado que era seu papel ser servido; prover; ser forte; pensar,
armar estratégias e planejar; e a se recusar a zelar e cuidar de
outros. Eu fui ensinada que não era apropriado para uma mulher ser
violenta, que “não era natural”. Meu irmão foi ensinado que seu valor
seria determinado pela sua disposição à violência (desde que em
configurações apropriadas). Ele foi ensinado que para um garoto,
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me fazer parar. Eu não o ouvi. Sua voz foi ficando mais e mais alta.
Então, de repente, ele me pegou no colo, quebrou uma tábua da
nossa porta de tela e começou a me bater com aquilo, me dizendo
“Você é uma menininha. Quando eu te falar para fazer alguma
coisa, é para me obedecer”. Ele me bateu repetidamente, querendo
que eu entendesse o que tinha feito.
3 – SENDO UM GAROTO
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N.T.: O estranho caso do Dr Jekyll and Mr Hyde é um romance gótico, com elementos de ficção
científica e terror, escrito pelo autor escocês Robert Louis Stevenson e publicado originalmente em
1886.
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demais, mesmo que seja hétero, ele fará sexo com outro homem;
se for gay, a privação o levará a agir de forma desesperada em atos
sexuais com mulheres. Repetidamente, crianças ouvem a
mensagem da mídia de massa de que quando se trata de sexo, “ele
tem que ter isso (o sexo)”. Os adultos podem saber mais, pela
própria experiência, mas as crianças acreditam cegamente. Elas
pensam que os homens vão enlouquecer se não agirem de modo
sexual. Essa é a lógica que produz o que as pensadoras feministas
chamam de “cultura do estupro”.
forma de expressar sua dor, então eles buscam esse meio. Zukav e
Francis ressaltam que o viciado em sexo teme ser inadequado e
teme ser rejeitado: “Quanto mais fortes as emoções quando não
querem senti-las, mais forte se torna a obsessão com o sexo”. A
obsessão sexual masculina tende a ser vista como normal. Assim,
toda uma cultura compactua em exigir dos homens que eles
desprezem e repudiem seus sentimentos, despejando-os todos no
sexo. Steve Bearman coloca esse ponto em seu trabalho “Why Men
Are So Obsessed With Sex” (Porque os homens são tão obcecados
com sexo), explicando que “mesmo se nós não nos envolvermos
compulsivamente em sexo casual anônimo, pornografia,
masturbação ou fetiches para recuperar o que foi esquecido, o sexo
ainda assim assume um caráter de vício”. Seja hétero ou gay, a
sexualidade masculina assume um caráter de vício.
na vida sexual dos homens é algo poderoso, porque faz com que
seja difícil documentá-la, já que não testemunhamos o que os
homens fazem no sexo como testemunhamos o que fazem no
trabalho ou na vida civil. Transformar a sexualidade positiva inerente
aos homens em violência é o crime patriarcal que é perpetuado
contra o corpo masculino, um crime que massas de homens ainda
precisam de força para reportar. Os homens sabem o que está
acontecendo. Eles simplesmente foram ensinados a não dizer a
verdade sobre seus corpos, a verdade sobre sua sexualidade.
É claro que eles não criticam a economia que faz com que
seja necessário para todos os adultos trabalhar fora; pelo contrário,
eles fingem que o feminismo mantém as mulheres na força de
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7 – MASCULINIDADE FEMINISTA
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Foi um autor estadunidense, poeta, naturalista, pesquisador, historiador, filósofo e
transcendentalista. Ele é mais conhecido por seu livro Walden, uma reflexão sobre a vida
simples cercada pela natureza, e por seu ensaio A Desobediência Civil.
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Editora Bicicleta Amarela
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e racional. Ele não tem memória de seus atos e, portanto, não pode
assumir responsabilidade por eles. Por ser (como o herói do popular
drama adulto The Fugitive) incapaz de formar vínculos emocionais
fortes com amigos ou familiares, ele não consegue amar. Ele
prospera na desconexão e dissociação. Tal como os homens da
geração Beat4, como os homens da recente geração X, ele é o
símbolo máximo do homem patriarcal – sozinho, na estrada, sempre
vagando, levado pela besta que habita seu interior.
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Um movimento de jovens dos anos 1950 que rejeitavam a sociedade convencional e eram adeptos
do Zen Budismo, jazz moderno, sexualidade livre e drogas recreativas. Entre autores associados a esse
movimento estão Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
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Político, diplomata e general de quatro estrelas americano que serviu como Secretário
de Estado dos Estados Unidos de 2001 a 2005, sendo o primeiro afro-americano a
ocupar este cargo.
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Filmes The Case of the Hillside Stranglers (1989) e O Estrangulador (2004)
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Editora Elefante
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com sua mãe, e a permissão dela para que isso aconteça. O filho
relembra:
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Editora José Olympio
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tinha que ser dita, que “ao procrastinar e adiar eu só fazia com que
as consequências fossem mais terríveis para todos”. Além disso, ele
escreve
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Editora Bup/Polêmica, 1963
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Bone char, bone charchoal ou bone black é um produto obtido da calcinação de ossos bovinos em
altas temperaturas na ausência de ar. Deriva de ossos triturados de animais carbonizados a
temperaturas de 500–700°C em ferro hermético por 4–6 h.
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11 – AMANDO OS HOMENS
Enquanto crescia, entendi que meu pai era o cara forte que
não falava, não demonstrava emoções, que não dedicava seu
tempo ou atenção. Ele era o provedor, o protetor, o guerreiro que
guardava os portões. Ele era um estranho em casa. Não nos era
permitido conhecê-lo, ouvir suas histórias de infância, revirar suas
memórias. A vida dele era rodeada de mistério. Procurávamos por
ele. Em frente às fotos dele como jovem soldado, como boxeador,
papai no salão de sinuca em sua glória, papai na quadra de
basquete. Parávamos em frente à foto da unidade de infantaria
negra que ele serviu na Segunda Guerra Mundial. Nossa
brincadeira favorita na infância era encontrar o papai na foto, nosso
pai, o patriarca por excelência – um homem de seu tempo, criado
para a guerra.
Para criar uma cultura que vai permitir aos garotos amar,
precisamos ver a família tendo como sua função primária o
compartilhamento do amor (prover comida e teto são atos de amor).
Aprendendo a amar na vida familiar, meninos (e meninas)
aprendem as habilidades relacionais necessárias para criar uma
comunidade em casa e no mundo. O poeta Wendell Berry fala desse
tipo de movimento como um retorno ao respeito pela integridade
inata de todos os seres:
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Por mais que esteja claro que muitos homens não estão
dispostos a explorar e seguir o caminho que leva à
autorrecuperação como as mulheres, não podemos ir muito longe
se abandonarmos os homens. Eles têm poder demais para serem
simplesmente ignorados ou esquecidos. Aqueles de nós que amam
os homens não querem continuar nossa jornada sem eles. Nós
precisamos deles perto de nós porque nós os amamos.
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