Texto Completo
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FABIAN FILATOW
CDD 981.6593
Aline M. Debastiani
Bibliotecária - CRB 10/2199
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FABIAN FILATOW
BANCA EXAMINADORA
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v. Verso
AGRADECIMENTOS
O trabalho foi dedicado ao estudo das relações existentes entre política e violência no Rio
Grande do Sul durante os anos Vargas, tendo como referência as disputas políticas locais e
regionais ocorridas no município de Soledade, entre os anos de 1932 e 1938. Nesse sentido
estudamos as consequências do Combate do Fão, fato que esteve inserido na Revolução
Constitucionalista, nos governos municipais do período e nas práticas de violência que
ocorreram principalmente nos períodos das eleições e a ocorrência do movimento sócio-
religioso dos Monges Barbudos. Esse movimento foi reprimido pelo Estado no período de
consolidação do Estado Novo sob a acusação comunismo. Mesmo estando circunscrito a
Soledade, as reflexões contribuem para pensar a relação entre violência e política na história
gaúcha na fase do primeiro governo Vargas. Em termos metodológicos, adotou-se a análise de
conteúdo para abordar as diferentes fontes utilizadas na pesquisa. Dentre os resultados desse
estudo destacamos que a violência política ocorrida na região de Soledade, no período
delimitado, esteve associada às disputas pelo poder nas esferas local e regional, com
importantes relações com o jogo político nacional. Primeiramente, a prática da violência tinha
por propósito conter a oposição liderada pela Frente Única Gaúcha (FUG) contra o interventor
Flores da Cunha e Getúlio Vargas. Num segundo momento, principalmente após 1935, a
violência política passou a combater o florismo presente na região como possível ameaça,
tanto à ordem quanto à segurança nacional. Situação radicalizada após a instauração do
regime autoritário em 1937. Nesta situação foram inseridos os Monges Barbudos, fato que
legitimou a repressão que lhe foi imposta.
This paper is dedicated to study connections between politics and violence during the Vargas
years in the state of Rio Grande do Sul. It has as reference the local disputes which occurred
in the city of Soledade between 1932 and 1938. To that end, it is studied the consequences of
the Combate do Fão, event that was inserted in the Constitutionalist Revolution; the local
governments and the violence practices in the election periods, mainly; and the social-
religious movement of the Monges Barbudos which was repressed by the state as communists
in the period of the consolidation of the Estado Novo. The reflection contributes to think the
connection between violence and politics in the gaucha political history in the first phase of
Vargas government, even though it was limited to Soledade. The analysis of contents is
adopted as methodology during the research. Among the results obtained is pointed the
political violence out in the Soledade region associated with the competition for regional and
local power and important connections with the national political game. Firstly, the practice of
violence aimed to suppress the opposition led by FUG against Flores da Cunha and Getúlio
Vargas. In the second moment, the political violence began to fight against the florismo,
mainly in 1935, which was present in that region as possible threat to both order and national
security. It happened after authoritarian regime in 1937, when Monges Barbudos were
inserted what legitimated an imposed repression.
Imagem 7. Monges Barbudos presos por soldados da Brigada Militar ................................ 144
Imagem 8. Monges Barbudos vigiados por soldados da Brigada Militar ............................. 144
Imagem 10. Túmulo de André Ferreira França (Deca França) ............................................ 184
Lista de Tabelas
INTRODUÇÃO.... ................................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO
ARENDT, Hannah
Sobre violência, 1994, p. 60.
1
Confira as reportagens referidas sobre o Combate do Fão no anexo X.
2
Confira as reportagens sobre os Monges Barbudos no anexo Z. O jornal O Estadão, de 19 DEZ 2010, publicou
uma reportagem intitulada Guerras desconhecidas do Brasil, com textos de Leonencio Nossa e fotos de Celso
Júnior. A reportagem abordou, entre outros, os casos dos Monges de Pinheirinho e dos Monges Barbudos, sendo
esta nomeada “Guerra dos Barbudos”, disponível em <http://www.estadao.com.br/infograficos/as-guerras-
desconhecidas-do-brasil,127791.htm> onde temos um infográfico sobre os diversos movimentos e a reportagem
disponível em <http://brasil.estadao.com.br/blogs/arquivo/guerras-desconhecidas-do-brasil/> Acesso em
18/02/2012. No jornal Gazeta da Serra, Sobradinho, 22 JUL 2011, foi publicado um encarte contendo 28 páginas
com entrevistas e imagens sobre os Monges Barbudos. A reportagem foi intitulada Monges Barbudos e o
massacre do fundão e foi produzida pela jornalista Emanuelle Dal-Ri, disponível em
<http://www.grupogaz.com.br/gazetadaserra/noticia/290174-monges_barbudos_e_o_massacre_do_fundao/edica
o:2011-07-22.html>. Acesso em 20/04/2013.
3
Pelo menos foi esta nossa primeira impressão.
15
entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas, motivado principalmente pelo centralismo político
adotado pelo governo federal. Tal fato contribuiu para o afastamento ocorrido entre ambos,
chegando ao confronto direto entre eles, resultando na deposição do governador do estado e
na instauração do Estado Novo.
Em 1932, eclodiu a Revolução Constitucionalista que, nacionalmente, impôs, através
das armas, uma resistência ao Governo Provisório de Getúlio Vargas. Inserido nesse contexto,
ocorreu, em Soledade, um levante político-militar orquestrado pela oposição política formada
por membros do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) e Partido Libertador (PL). O PRR
e o PL formavam a Frente Única de Soledade e rebelaram-se em prol da causa
constitucionalista. Esse fato estabeleceu uma divergência entre os revoltosos de Soledade e
Flores da Cunha, que declarou apoio ao Governo Provisório e a Getúlio Vargas, contrariando
os indicativos de que os rio-grandenses apoiariam os paulistas no levante pela
constitucionalização do Brasil. Nesse sentido, as decorrências políticas oriundas das decisões
tomadas, tanto pela situação quanto pela oposição, foram de significativa importância para os
futuros acontecimentos que se processaram na esfera política gaúcha e em especial no
município de Soledade.
A partir de 1935, percebemos um aumento da disputa política envolvendo o então
governador Flores da Cunha e o presidente constitucional Getúlio Vargas, situação que diferia
da relação existente entre ambos até então, ou seja, de aliados passaram a ser adversários
políticos. Depois de acirrada disputa contra Flores da Cunha e outros líderes políticos
regionais, foi instaurado o Estado Novo, em 10 de novembro de 1937. Ou seja, da disputa
sagrou-se vitorioso o projeto autoritário e centralista liderado por Getúlio Vargas.
Foi nesse cenário que se formou o movimento sócio-religioso dos Monges Barbudos,
iniciado no ano de 1935 e que foi reprimido em 1938, formado por camponeses da área rural
de Soledade. O grupo religioso não apresentava conotação política, porém acabou sendo
envolvido e utilizado nas disputas existentes naquela época. Os Monges Barbudos foram
associados à ameaça comunista e percebidos como possíveis aliados de Flores da Cunha, o
que justificaria seu combate e sua repressão.
Desse modo, a fim de melhor compreender esse movimento e suas possíveis relações
políticas, ou os usos políticos que dele foram feitos, analisamos diferentes tipos de fontes, tais
como, documentos eclesiásticos, policiais, judiciais, governamentais, bem como relatórios e
depoimentos.
As fontes policiais foram produzidas no calor da hora, ou seja, no decorrer das ações
organizadas para investigar e posteriormente dispersar a reunião dos “fanáticos” que estariam
17
oposição política. Além disso, tais fontes permitiram compreender as disputas de poder
existentes naquele município, no qual, após o Combate do Fão, o Partido Republicano Liberal
(PRL) assumiu o controle político.
A imprensa também recebeu nossa atenção. Analisamos jornais em que foram
publicadas notícias e reportagens sobre diversos acontecimentos ocorridos em Soledade entre
os anos de 1932 e 1938, recebendo atenção especial as publicações que versavam sobre a
política local. Essa fonte, diferentemente das demais já apresentadas, tinha por objetivo a
divulgação pública. As leituras e análises das publicações que se referiram à política de
Soledade contribuíram para entender as disputas de poder que foram travadas naquele
município, sendo que muitas destas tiveram ressonância também no governo estadual.
Inúmeras publicações relataram a violência praticada no município com o objetivo de
controlar o poder e que, segundo publicado nos jornais pesquisados, estaria relacionada com a
prática política. Dentre os periódicos pesquisados estão incluídos jornais de grande circulação
no Rio Grande do Sul e jornais de Soledade, sendo esses últimos de curta duração e de acesso
restrito àquela região, permanecendo sob a guarda do Arquivo Municipal de Soledade.
Por fim, destacamos o uso da documentação dos governantes e uma carta entre
Aladino Neves e Alzira Vargas. Nesses documentos, podemos identificar o município de
Soledade no centro das preocupações e ações políticas daquele período, sendo uma
preocupação para o governo federal, principalmente nos primeiros momentos do Estado
Novo. Também percebemos a preocupação em relação a Soledade, tanto no que diz respeito
às ações referentes aos levantes de 1932, como local insurgente, quanto no caso dos Monges
Barbudos, mencionando-os como possíveis ameaças que poderiam ter relações com Flores da
Cunha, mesmo após seu exílio no Uruguai.
Além do uso de fontes inéditas para a pesquisa histórica, também nos utilizamos de
fontes já conhecidas, porém, frente a novos questionamentos, essas ofereceram novas
possibilidades interpretativas. Nesse sentido, valemo-nos de documentos e relatos que foram
publicados na historiografia pertinente, principalmente por estudiosos locais que
possibilitaram acesso a documentos não encontrados nos locais pesquisados e às memórias
sobre os acontecimentos dos quais tomaram parte.
Para compreender esse contexto político e como se inseriram os diferentes fatos nele
ocorridos, faremos uso de diversas peças que compõem esse quebra-cabeça. Assim sendo, não
realizaremos a análise das ocorrências de maneira isolada. Nosso questionamento vislumbra
oferecer uma interpretação tendo o contexto político como cenário e a violência como fio
condutor da análise. Dessa forma, o Combate do Fão, os crimes políticos ocorridos no pleito
19
de 1934 e a repressão aos Monges Barbudos estiveram inseridos num contexto político
conflitante. Por isso, tais circunstâncias devem ser percebidas como etapas de um processo de
disputas travadas no município de Soledade as quais estavam inseridas no contexto regional e
nacional.
Na documentação analisada, destaca-se a prática da violência, seja de forma direta ou
indireta, física ou coercitiva, destinada a um indivíduo ou a um determinado grupo. Assim, no
caso de Soledade, identificamos a violência como uma extensão da política, ou seja, como
prática política, como instrumento político, principalmente entre os anos de 1932 e 1938.
Porém, a violência entendida como prática política não estava restrita a esse município, mas
era identificável também em outras cidades do Rio Grande do Sul e do Brasil daquele
contexto. Todavia, salientamos que nosso questionamento esteve circunscrito à situação de
Soledade por ser este o foco da pesquisa, mas estamos cientes de que também ocorreram
violências políticas em outros municípios gaúchos e regiões do país. Assim, é necessário
indicar como estamos entendendo e utilizando a noção de violência bem como seus usos
associados à política.
Assim, constata-se que violência configura-se num fenômeno social presente no
cotidiano das sociedades sob várias formas, como violência física ou psicológica. Nesse
sentido, Arlette Farge destaca a relevância dos documentos policiais, pois esses tratam “dos
pequenos incidentes violentos da vida cotidiana que constituem a vida social a que as minutas
dos comissários de polícia podem revelar.” (FARGE, 1993, p. 771). Na pesquisa, a
documentação policial e judiciária contribuiu para identificarmos o uso da violência com
práticas políticas em Soledade.
Desse modo, a violência política pode assumir diversas formas, como o assassinato
político, o desaparecimento de dissidentes, a legislação eleitoral que frauda a opinião pública,
a existência de leis que proíbem a organização das classes sociais. (ODALIA, 1983, p. 48).
Muitas dessas formas de violência política puderam ser percebidas em Soledade, como no
caso do cerceamento imposto aos eleitores de determinados distritos nos pleitos eleitorais
ocorridos em 1934, nos quais, possivelmente, os votos teriam sido destinados a candidatos da
oposição. Também ocorreu violência física e coerção imposta aos moradores de algumas
localidades de Soledade através da ação de grupos armados que atuavam na região,
conhecidos como bombachudos. A lei em vigor naquele período proibia inclusive a
ocorrência de reuniões sem autorização, que é o caso das reuniões religiosas dos Monges
Barbudos, as quais foram enquadradas nessa norma que estava relacionada com a questão da
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segurança nacional. Dessa proibição resultou a violência física orquestrada pelo Estado contra
os que estariam desrespeitando a lei.
Compreendemos violência como a ação física contra alguém ou contra um
determinado grupo, direta ou indiretamente, sendo um meio para a imposição do poder de
alguém ou de um grupo. Desse modo, “o exercício do poder sempre implicou numa violência
política de cima para baixo e, ao mesmo tempo, a necessidade de se fundamentá-la através de
textos legais que revestem de arremedos de legalidade e legitimidade.” (ODALIA, 1983, p.
52). Assim, a violência pode ser compreendida como demonstração de força, quando se
deseja a instauração, a consolidação ou a ampliação do controle em uma dada situação. Nessa
concepção, a violência pode assumir a função de advertência geral, objetivando neutralizar
possíveis ameaças futuras.
O poder coercitivo pode ser baseado na ameaça da violência, na violência em ato
como punição, ou ainda na violência em ato como ação demonstrativa. Acreditamos que essa
percepção de violência pode ser percebida no caso de Soledade, onde identificamos a região
envolvida em diferentes disputas políticas. Nesse sentido, compreendemos que a violência
local praticada pelas lideranças políticas e a repressão imposta ao movimento dos Monges
Barbudos configuram-se em poder de coerção, envolvendo disputas de poder local, regional e
nacional. A violência evidenciada nessa pesquisa somente pode ser compreendida como
prática política quando inserida no contexto de disputas pelo poder, deixando de ser violência
física para ser identificada como uma imposição de poder.
Hannah Arendt6 em suas reflexões sobre violência e política afirmou que
Ou seja, não podemos naturalizar a violência que deve ser analisada também como
resultado da ação humana. Ainda num refletir amplo sobre violência, mencionamos a
contribuição de Suzana Albornoz, que nos conduz a pensar a violência para além da agressão
física. Para a autora,
6
Seu pensamento teve influência do contexto político de 1968, ano da revolta estudantil e dos movimentos de
libertação da América e África, acontecimentos que contribuíram para a sistematização sobre o tema da
violência. Em 1969, publicou On violence (Sobre violência).
21
Assim, a violência pode estar legitimada pelo próprio Estado, através da elaboração de
leis. Outra contribuição para as reflexões sobre as relações entre violência e política está na
distinção entre “ameaça de violência e violência em ato.” (STOPPINO, 1998, p. 1292).
Segundo Stoppino, “a credibilidade da ameaça depende, por sua vez, de o ameaçado
reconhecer que aquele que faz a ameaça possui os meios para efetuá-la, além de estar
realmente determinado a fazê-lo.” (STOPPINO, 1998, p. 1293). Nessa perspectiva,
identificamos a ameaça comunista no Brasil na década de 1930, principalmente após o levante
comunista de 1935. O perigo comunista foi utilizado como esteio para muitas das decisões
políticas adotadas no país naquele período. A ameaça de que os comunistas eram detentores
de um plano e que estariam colocando em prática para tomar o poder no Brasil contribuiu
para o uso legítimo da violência em prol da segurança nacional. Nesse contexto, a ameaça
comunista tornou-se um lugar comum no qual todos os possíveis adversários do Estado
poderiam ser enquadrados, recaindo sobre eles as formas de repressão legitimadas pelas leis
regulamentadas naquele período.
Nesse sentido, é preciso ter presente a ameaça da violência, a violência em ato como
punição e a violência em ato como ação demonstrativa. (STOPPINO, 1998, p. 1293). Essas
três faces da violência podem ser identificadas na história política de Soledade. A repressão
ao movimento dos Monges Barbudos pode ser interpretada a partir dessa noção, ou seja, a
violência poderia ter servido, naquele contexto, como demonstração de força para possíveis
adversários do Estado Novo, combatendo possíveis opositores identificados com a política
regional vigente no período anterior ao golpe.
Assim, tanto a ameaça quanto o uso da violência fazem parte do arsenal com os quais
os diversos grupos procuram provocar uma mudança política ou salvaguardar o status quo.
(STOPPINO, 1998, p. 1294-1295). Quanto às disputas envolvendo Flores da Cunha e Getúlio
Vargas no período compreendido entre os anos de 1936 e 1937, podemos indicar os eventos
da Revolução de 1932 nos quais ficou explicitada a construção do “bode expiatório.”
(STOPPINO, 1998, p. 1297). Essa prática é conhecida na política, ou seja, a de objetivar
diminuir ou desviar as tensões internas através de uma conduta agressiva contra o exterior.
22
Essa conduta pode consistir numa campanha propagandística nacionalista ou contra uma
potência estrangeira específica em atos violentos, mais ou menos esporádicos ou persistentes
e de crescente intensidade. Podemos indicar a ameaça comunista como um exemplo dessa
prática, pois, atacando um inimigo estrangeiro, objetivava-se conter tensões internas presentes
da política nacional. No caso da agressão contra um “bode expiatório”, o alvo da violência é
constituído, geralmente, por um elemento do próprio grupo. Esse tipo de violência pode
assumir a forma de atos rituais e cerimoniais, que se repetem de maneira mais ou menos
regular e operam como válvula de segurança. Ou pode desencadear-se contra um grupo
interno que, favorecido por certas condições históricas, revela-se apropriado para o papel de
cordeiro a sacrificar com respeito a muitas tensões existentes no âmbito da comunidade
(STOPPINO, 1998, p. 1297-1298). Identificamos aqui a ação repressora imposta aos Monges
Barbudos, a qual se buscou impor um fim nas possíveis ameaças ao Estado Novo oriundas do
florismo no Rio Grande do Sul. Visava, deste modo, a desmantelar o poder político de Flores
da Cunha bem como seus prováveis apoiadores.
Portanto, devemos ter presente a relação existente entre o local e o regional e deste
com o nacional, sendo que a existência de um está presente na existência do outro, numa
relação dialética e não numa simples relação de complementação. Só assim compreenderemos
o significado político atribuído aos Monges Barbudos no contexto das disputas políticas entre
Flores da Cunha e Getúlio Vargas e a posterior repressão que lhe foi imposta na vigência do
Estado Novo.
Na historiografia, há alguns trabalhos que se dedicaram a analisar a história política do
Rio Grande do Sul, evidenciando o uso da violência como recurso de poder. Nesse sentido,
temos o trabalho de Loiva Otero Félix (1987) que pesquisou o coronelismo na Primeira
República gaúcha. Nessa obra, a autora não apresenta uma definição explícita de violência
política, porém percebe que as disputas de poder analisadas nos municípios de Cruz Alta e
Palmeira das Missões estavam permeadas pelo uso da violência.
A obra de Eliane Lucia Colussi (1996), em que analisou o municipalismo gaúcho
durante o Estado Novo, evidenciou a acentuada ampliação do poder federal sobre os
municípios, desestruturando as bases do poder estadual. Também não está explicitamente
definida a prática da violência, porém podemos identificar sua presença nas disputas pelo
poder, principalmente nas questões referentes aos limites da autonomia municipal.
Na obra produzida por Carlos Roberto da Rosa Rangel (2001), abordam-se os
conflitos políticos ocorridos no Rio Grande do Sul entre os anos de 1928 e 1938, tendo como
ponto fomentador para a discussão o crime cometido contra Waldemar Ripoll. As disputas
23
evidenciar a prática da violência como extensão política no âmbito local, bem como no
regional.
No segundo capítulo, intitulado As disputas políticas locais em Soledade (1935 –
1938), nosso objetivo foi analisar o contexto político local. Realizamos um estudo das
disputas políticas municipais e da dificuldade de se obter uma pacificação naquele município.
Dedicamo-nos ainda ao estudo dos bombachudos e à prática da violência política sob ordens
do poder local. Por fim, apresentamos o movimento sócio-religioso dos Monges Barbudos
inserido no contexto de Soledade.
No terceiro capítulo, Violência política no período de consolidação do Estado Novo,
buscou-se analisar o movimento dos Monges Barbudos inserido nas disputas políticas
envolvendo Flores da Cunha e Getúlio Vargas, principalmente com a ameaça de conspiração
liderada pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, exilado no Uruguai. Nesse contexto,
buscamos perceber a construção do movimento sócio-religioso dos Monges Barbudos como
ameaça política, social e religiosa. Sendo assim, analisamos as publicações sobre os Monges
Barbudos na imprensa e nos documentos policiais, esses últimos produzidos durante a
repressão imposta ao movimento religioso em abril de 1938.
O quarto capítulo, intitulado Processo Crime Sumário: morte de André Ferreira
França e Antônio Mariano dos Santos, foi dedicado ao estudo dos processos crimes que
foram instaurados com o objetivo de averiguar possíveis abusos de poder por parte dos
soldados da Brigada Militar durante a ação repressora aos Monges Barbudos. Através de dois
processos crimes, buscamos analisar a existência da proibição imposta às reuniões religiosas
dos Monges Barbudos e suas consequências. Ainda através do estudo desses documentos, foi
possível perceber que a repressão se prolongou na vigência do Estado Novo, estando os
membros do grupo religioso sob vigilância da Brigada Militar.
25
7
Utilizamos Revolução de 30 por ser um termo já consagrado na historiografia.
26
8
Sobre essa questão ver: BRUNO, 1995, especialmente o capítulo 2; GOMES, 2007.
27
contrapartida, grupos identificados com Borges de Medeiros e com Raul Pilla, oriundos das
alas mais tradicionais do PRR e do PL respectivamente, mantiveram-se aliados e
autodenominados Frente Única.
Nesse sentido, podemos indicar que no período compreendido pelos anos de 1932 e
1937 vigeu essa nova polarização política no Estado do Rio Grande do Sul. Ocorreram as
disputas políticas lideradas por um grupo que era favorável a Vargas e Flores da Cunha e um
segundo grupo que era anti-Vargas, identificados com a liderança de Borges de Medeiros e
Raul Pilla.
Referindo-se a essas questões, Derocina Campos argumentou que,
Criado nesse contexto, o PRL nasceu no centro do poder ou, dito melhor, nasceu de
dentro do poder gaúcho. Referindo-se ao partido e à sua importância na política gaúcha,
Eliane Colussi declarou que ele “já nasce como um partido governista, cooptando muitas
elites locais e servindo de apoio para a consolidação da ordem política nacional. O poder
político local, neste contexto, se burocratiza, sendo incorporado à estrutura partidário do
PRL.” (COLUSSI, 1996, p. 64).
Nesses termos, pode-se dizer que a função política do PRL era a de dar
sustentabilidade ao governo de Flores da Cunha, no âmbito regional, e a Getúlio Vargas, no
âmbito nacional. Além desta, indicamos que o Partido Republicano Liberal foi criado,
objetivando legitimar as candidaturas de Flores e Vargas nas futuras eleições, então ainda
distantes. Conforme afirmou Abreu, “[...] a criação do PRL visava justamente reorganizar o
sistema político e partidário nacional e regional, de modo a garantir a sustentabilidade dos
seus respectivos governos.” (ABREU, 2007, p. 85).
Desse modo, analisando a nova situação política regional, Hélgio Trindade destacou a
função política exercida pela Frente Única no Rio Grande do Sul. Segundo o autor,
9
Referente à discussão historiográfica sobre a definição política do regime do Estado Novo, indicamos o texto
de GERTZ, 2005, p. 195-210.
29
Ainda conforme João dos Santos Almeida, também membro do Partido Libertador do
município de Soledade, no mesmo dia, em 6 de outubro, foi-lhe enviado um ofício do
Comando Interino da Brigada Libertadora, na localidade de Rincão de Santo Antônio, que
naquela época se constituía no 8º distrito de Soledade. No referido documento, assinado por
Euclides Mota, constava:
10
Para um estudo mais aprofundado sobre a Revolução de 1932 indicamos: CAPELATO, 1981; HILTON, 1982;
PAULA, 1998.
31
constitucionalista no decorrer do ano de 1932. Muitos desses episódios ocorreram fora dos
domínios geográficos do estado de São Paulo. Tais ocorrências foram esparsas e
desarticuladas, não havendo uma comunicação direta entre esses focos de resistência ou uma
liderança que as gerenciasse. Porém, essas ocorrências contribuem para demonstrar a
existência de uma oposição mais ampla à permanência do Governo Provisório, não sendo
restrita ao Estado de São Paulo. Assim, destacamos que, no Rio Grande do Sul, ocorreram
oito focos de resistência contrários à manutenção do governo federal, dentre os quais estava
inserido o município de Soledade. Como podemos perceber na tabela a seguir.
Para Hélgio Trindade, essas disputas políticas fizeram-se presentes entre os motivos
do fracasso dos levantes ocorridos no Rio Grande do Sul em prol da constitucionalização do
país em 1932. Referindo-se aos impasses políticos existentes no interior da FUG, o autor
declarou que
33
Fonte: CAIXA DADOS HISTÓRICOS DE SOLEDADE. Prefeitura Municipal de Soledade – RS. (Foto
sem data). Arquivo do autor, 2011. Legenda: Da esquerda para direita: 1. Antônio Camargo. 2. Cândido
Carneiro Júnior (candoca). 3. Professor Goulart. 4. Julio Jacobi. 5. Kurt Spalding. 6. Cantidio Borges. 7.
Dr. Moreno Loureiro Lima, desembargador. 8. Dr. Vivaldino Camargo, advogado. 9. Leonardo Seffrin.
10. Otávio Rocha. 11. Mário Carneiro. 12. Fernando Sefrin. 13. Jacques Camargo. 14. Urbano Benigno
dos Santos. Sentado: 15. Pedro Carneiro.
34
A rebeldia do Combate do Fão foi o tema da obra escrita por Jorge Augusto de Paula,
intitulada O Fão: um episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul.11 O autor
participou ativamente do movimento político-militar do Combate do Fão. Terminados os
combates, publicou o livro contendo as memórias e reproduzindo documentos sobre o
acontecido, apenas alguns meses após o encerramento dos conflitos ocorridos em Soledade.12
Como já referenciado, a obra configura-se nas memórias desse acontecimento político-
militar. Nesse sentido, devemos estar atentos a essa produção, pois esta tem o objetivo de
relatar os acontecimentos e exaltar os envolvidos, destacadamente, os componentes
soledadenses e os ideais políticos defendidos pelos mesmos. Assim sendo, o relato das
memórias do Combate do Fão assumiu uma perspectiva heroica atribuída ao grupo de
rebelados. Feita essa ressalva, destacamos que os relatos presentes na obra possibilitam-nos
acessar uma narrativa dos acontecimentos político-militares ocorridos em 1932 no Rio Grande
do Sul. Tais acontecimentos foram significativos para o desenvolvimento da história política
municipal.
Para tanto, ressalte-se a pesquisa realizada por Caroline Webber Guerreiro que,
utilizando-se de processos judiciais, apresentou algumas das relações existentes entre política
e violência ao longo dos anos de 1930 no município de Soledade. Segundo a autora, “nesse
contexto, os setores políticos importantes de Soledade posicionaram-se a favor da causa
constitucionalista através de diversos políticos locais, tendo como principal líder o coronel
Cândido Carneiro Júnior, mais conhecido como ‘Candoca’.” (GUERREIRO, 2005, p. 72).
Ao apresentar o contexto político de Soledade no ano de 1933, período da Assembleia
Constituinte Nacional, Guerreiro destacou a participação da Frente Única, a qual buscava
retomar sua participação política de forma mais efetiva, pois, segundo a autora, estaria
adormecida desde o movimento rebelde de 1932. Guerreiro salientou também a participação
da FUG tanto no estado, quanto em Soledade, relacionando-os com os acontecimentos
ocorridos no ano de 1932.
11
Jorge Augusto de Paula nasceu em Soledade no dia 25 de setembro de 1889 e faleceu em 23 de setembro de
1964, na mesma cidade. Ocupou os cargos de subprefeito e subdelegado distrital. Foi vereador pelo Partido
Libertador. Atuou como revolucionário combatente no episódio do Combate do Fão. A primeira edição da obra
foi publicada em 1933. Uma segunda edição saiu no ano de 1972; utilizamo-nos dessa última.
12
Nos últimos anos, alguns trabalhos acadêmicos foram realizados tendo o Combate do Fão como objeto de
pesquisa: COMIN, 2002; SOUZA, 2008; TROMBINI, 2010.
35
Fonte: Arquivo Histórico de Soledade – RS. Quadro doado pela família de Cândido Carneiro
Júnior. Foto: Arquivo do autor 2011. A imagem mostra possivelmente os planos de ação militar
dos revoltosos liderados por Cândido Carneiro Júnior no Combate do Fão.
Segundo Márcio Comin, Cândido Carneiro Júnior era “homem de posses, um terra-
13
Cândido Carneiro Júnior era filho de Florisbela Theodora de Almeida e do major Cândido Alves Carneiro.
Destacou-se como pecuarista e político no município de Soledade, sendo secretário do Partido Libertador
naquele município no ano de 1928. Em 1930 foi tenente-coronel da Brigada Militar e em 1932 ocupou o mesmo
posto militar no 33º Corpo Auxiliar da Brigada Militar (Corpo Provisório). Faleceu no ano de 1950.
(GUERREIRO, 2005, p. 72).
37
14
Para a constituição do trigésimo terceiro corpo provisório a interventoria estadual destinou noventa contos de
réis ao coronel Candoca, este se utilizou para arregimentar os revolucionários locais, aproximadamente
quatrocentos homens. (COMIN, 2002, p. 26). Cândido Carnerio Júnior ocupava o posto de tenente-coronel,
comandante do 33º Corpo Auxiliar. Recebeu verbas da Brigada Militar para organizar um corpo auxiliar, mas as
utilizou na revolta, no final do conflito foi condenado a repor a quantia. Na história política do Rio Grande do
Sul os Corpos Provisórios estiveram presentes em diversos conflitos. Os corpos provisórios foram organizados
com voluntários para atuarem junto à Brigada Militar na luta armada. A sua participação está associada às
chamadas revoluções de 1893, 1923, 1924, 1930 e também em 1932, como no caso aqui em estudo. Para um
maior aprofundamento sobre o tema, indicamos PEREIRA, Maristela Silva. Os corpos provisórios da Brigada
Militar: seus aspectos sociais e utilitários (1923-1927). Dissertação em História. Pontifícia Universidade
Católica, Porto Alegre, 1993. (Resumo e p. 13). Para um estudo mais amplo da composição e formação militar
no Rio Grande do Sul indicamos o trabalho de RIBEIRO, José Iran. Quando o serviço os chamava: milicianos e
guardas nacionais no Rio Grande do Sul (1825-1845). Santa Maria: Ed. da UFSM, 2005.
15
A oficialização destas unidades provisórias deu-se pelos decretos nº 5067 de 23/8, que criou o 33º CP, e nº
5074, de 30/8, que criou o 44º CP. (GUERREIRO, 2005, p. 73, nota 41).
16
Cf. FRANCO, 1975, p. 123.
17
Como exemplo das mudanças administrativas geradas devido à composição dos corpos provisórios no
município de Soledade apresentou a substituição do secretário municipal. Ato nº 42 – Em 27 de agosto de 1932.
Designa o Sr. Luiz Pinto Vieira de Matos para exercer as funções de secretário do município de Soledade,
durante o impedimento do respectivo titular. O Tte. Coronel João Carmeliano de Miranda, prefeito do município
de Soledade, usando das atribuições que lhe são conferidas em lei, considerando que o atual secretário,
licenciado por lei, em virtude de incorporar-se como Tte. Coronel Comandante do 44º Corpo Provisório da
Brigada Militar do Estado, criado por Decreto do General Interventor deste Estado, com sede neste município, e
38
Foi assim que, em 1932, o Rio Grande do Sul em geral, e Soledade, em particular,
expuseram sua cisão política frente ao posicionamento político centralizador de Getúlio
Vargas e do interventor Flores da Cunha. Opondo-se ao prolongamento da ditadura, a Frente
Única de Soledade deu início à contestação pela via armada ao governo provisório, rebelando-
se igualmente contra a decisão tomada por Flores da Cunha, que permaneceu apoiando
Getúlio Vargas e o Governo Provisório, visando obter apoio do governo federal em prol da
manutenção do seu governo à frente do estado gaúcho. Uma parcela da elite política
soledadense enfrentava, através das armas, a interventoria estadual, fato que evidenciou um
desacordo político entre o local e o regional.
Artur Ferreira Filho, ao se referir aos combates militares que ocorreram no estado do
Rio Grande do Sul, em apoio à causa constitucionalista, destacou que
por conseguinte fica vago o cargo de secretário deste município, designa para substituí-lo, enquanto durar o seu
impedimento, o cidadão Luiz Pinto Vieira de Matos, com as obrigações e vantagens marcadas em lei. Registre-se
e publique-se. (Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 42).
18
Composição do Comando Revolucionário de Soledade (1932). Cândido Carneiro Júnior, grande proprietário
de terras e político, membro do PL, era General Comandante. Sebastião Scheleiniger Júnior, oficial de registro
de notas e hipotecas. Líder do Partido Republicano de Soledade, o cargo desempenhado na revolta militar não foi
identificado. Kurt Afonso Frederico Spalding, farmacêutico, membro do PL, ocupou o posto de Tenente. Caio
Graccho Serrano, advogado, ocupou o posto de major e Chefe do Estado Maior. Coronel Urbano Benigno dos
Santos ocupou o posto de Coronel e foi prefeito municipal além de Chefe Civil da revolução. Coronel Hércules
Boccardi ocupou o posto de Coronel e Comandante da Praça. Pantaleão Ferreira Prestes era advogado e membro
do PL, não foi possível identificar seu posto no comando revolucionário. (Pesquisas do autor)
39
19
Apud. PAULA, 1972, p. 31-33.
42
compactuar com a ditadura de Vargas, que por sua vez, trairia os acordos firmados por
ocasião da composição da Aliança Liberal, da qual tomou parte a FUG.
Ainda segundo o documento, Cândido Carneiro Júnior identificou Flores da Cunha
com a liderança de Bento Gonçalves de anos anteriores, declarando ser o “general querido do
Rio Grande”, porém destacou que o interventor não honrou a palavra empenhada com os
paulistas na questão de 1932. Mesmo com essas considerações, Cândido Carneiro Júnior não
permaneceu ao lado do interventor. Pelo contrário, liderou uma luta armada a fim de
permanecer coerente com sua fidelidade política e partidária. Combateu a interventoria
gaúcha e o governo central do Brasil em defesa da causa da constitucionalidade, em defesa da
palavra empenhada do Rio Grande do Sul junto às oligarquias paulistas no período que
antecedeu e se processou a preparação do levante de 1932.
Em resposta ao telegrama enviado por Cândido Carneiro Júnior, o interventor Flores
da Cunha deslocou tropas da Brigada Militar com o propósito de combater e reprimir os
revoltosos soledanenses. O confronto entre as tropas da Brigada Militar e o grupo rebelado,
sob comando de Cândido Carneiro Júnior, ocorreu às margens do rio Fão20, no dia 13 de
setembro de 1932, motivo pelo qual ficou conhecido como o Combate do Fão.21
Em depoimento, José Miguel Dipp, também participante do Combate do Fão, assim
relatou os acontecimentos ocorridos entre as forças revolucionárias e as tropas legalistas na
manhã de 13 de setembro de 1932:
Às seis horas, teve início o combate, até as nove horas não tínhamos sofrido
nenhuma baixa, pois, as forças do governo pensavam que estávamos além do
rio Duduia e para onde dirigiam a fuzilaria. O companheiro apelidado de
gigante, entusiasmado, subiu na taipa onde estávamos entrincheirados, sendo
fuzilado. O seu gesto atraiu a fuzilaria inimiga para o nosso
entrincheiramento. O combate terminou às onze horas, mais ou menos, as
nossas forças ficaram dispersas. (SALUM, 1983, p. 36-37 apud COMIN,
2002, p. 31).22
20
Conforme consta na pesquisa realizada por Janíne Trombini (2010, p. 11 – nota 1), Duduia é o arroio que é
afluente do rio Fão, que é nomeado Duduia, porém a localidade onde aconteceu o Combate do Fão, hoje
pertencente ao município de Fontoura Xavier é nomeado Barra do Dudulha. “Atualmente, a localidade de Barra
do Dudulha, está localizada no município de Fontoura Xavier e também na planície onde se encontram os
municípios de Pouso Novo e Progresso, os quais são cortados pelo Rio Fão e arroio Duduia. Portanto, é esta a
região que compunha o cenário em que aconteceu o Combate do Fão.” (TROMBINI, 2012, p. 10-11) Segundo
Valdemar Cirilo Verdi, Fontoura Xavier seria em 1932 um distrito nomeado Guamirim. (VERDI, 1987, p. 85).
21
Alguns dados sobre o combate do Fão apontam para um número em torno de 100 homens que enfrentaram os
soldados da Brigada Militar. (PAULA, 1972, p. 79)
22
SALUM, Mariza. A Revolução Constitucionalista de 1932 em Soledade. Monografia, São Leopoldo, 1983.
Em nossa pesquisa buscamos reiteradas vezes localizar este trabalho na biblioteca e no acervo do Departamento
de História da UNISINOS. Infelizmente o mesmo não foi localizado pela instituição até o momento em que
concluímos o trabalho. Através da realização do levantamento bibliográfico, temos esta monografia como sendo
o primeiro estudo acadêmico do curso de história dedicado a pesquisa sobre a Revolução Constitucionalista
ocorrida no município de Soledade.
43
23
Ato nº 429 de 22-9-31. Juramento prestado em 02-10-31. Portaria de exoneração de 26-11-32. AVD/SB apud
LOIVA, 1987, p.161.
44
Encantado. Gino Ferri, na obra intitulada Por que Encantado a favor de São Paulo (1932-
1937), expôs as divergências que propiciaram o posicionamento político-militar assumido
pelo município em prol da causa da constitucionalização. Ao relatar os debates ocorridos
naquele momento, o autor afirmou que “os princípios democráticos das liberdades dos
cidadãos estavam sendo subjugados pelo poder central da República.” (FERRI, 1998, p. 65).
Ainda segundo informado por Ferri, o prefeito municipal, Coronel José Rodrigues
Sobral, “reuniu os subprefeitos dos distritos, lideranças municipais e outras pessoas que,
numa histórica reunião, decidiram apoiar a causa paulista, mesmo contra o parecer do coronel
Sobral.” (FERRI, 1985, p. 82).
Porém, Encantado não ficou livre das consequências de seu ato. Assim,
Sergio da Costa Franco, ao pesquisar sobre Soledade, destacou que o município não
saiu imune dos conflitos políticos ocorridos no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, apresentou
as implicações da Revolução Farroupilha na região de Soledade, bem como as guerras
46
25
Franco destaca que “[...] a Guarda Nacional de Soledade prestou brilhantes serviços às guerras contra Aguirre
e contra Lópes.” (FRANCO, 1975, p.63). Neste período Soledade ainda pertencia ao município de Passo Fundo.
26
Confira o capítulo XVI – A sedição de 1932 (FRANCO, 1975, p.123-128).
27
Kurt Spalding era sogro de Garibaldi Almeida Wedy. Wedy foi casado com Haydée Spalding Almeida Wedy.
Formou-se em direito e exerceu o cargo de promotor de justiça.
47
[...] que no tocante à quantia que lhe fora abonada para organização de um
Corpo Auxiliar com o efetivo de quatrocentos homens, nessa finalidade
havia dispensado o numerário; que, entretanto, se prontificava a fazer a
necessária prestação de contas; que tinha a alegar o seguinte: achava-se
ausente, reunindo elementos para sua Força, quando se deu a revolta em
Soledade; que às instâncias unânimes das Forças rebeldes e do povo,
assumiu o Comando da Revolução; que a sua fazenda, bem como a de seu
irmão, Pedro Carneiro, foram devastadas pelas forças legais que operaram
em Soledade; da sua fazenda, dele General Cândido Carneiro Júnior, tudo
levaram, gado, animais cavalares, porcos, produtos de lavoura; que em vista
disso; entendia e era justo que se fizesse as necessárias avaliações, para o
efeito de compensações. Informou que também seu automóvel marca
Chevrolet, de seis cilindros, fora requisitado pelas aludidas forças. (Apud
FRANCO, 1975, p. 127-128).
28
Segundo Verdi, o povoado de “Victoria” seria o segundo distrito do município de Soledade. (VERDI, 1987, p.
83)
29
VERDI, 1987, p. 83.
48
Nesse primeiro encontro foi decretada a prisão do general Cândido Carneiro Júnior,
por ordem expressa da Interventoria, sendo o preso autorizado a sair da cadeia somente para
assinar escritura de terras para o Estado, como forma de ressarcimento aos prejuízos gerados
pelo seu ato de insubordinação à frente do comando do 33º corpo provisório.30
Após o encontro preliminar ocorrido no dia cinco de outubro, sucedeu-se um segundo
e definitivo, efetivado no município de Guaporé, no dia 22 de outubro de 1932. Neste foram
estabelecidas as cláusulas definitivas do acordo de paz do conflito. Segundo esse documento,
ficou acertado que,
30
Sobre o encontro do dia 5 de outubro de 1932, cf. PAULA, 1972, p. 93; GUERREIRO, 2005, p. 74.
49
concluiu o autor que os “vários incidentes e conflitos que ocorreram mais adiante, não
passaram de reflexos da luta de 1932, dos ressentimentos e vinganças que desencadeou.”
(FRANCO, 1975, p. 128).
Assim, o fim do conflito armado não resultou no término das disputas políticas
existentes na região de Soledade nem mesmo no estado do Rio Grande do Sul. Os problemas
decorrentes do confronto que se deu às margens do rio Fão não podem ser ignorados na
tentativa de compreender a complexa conjuntura política daquela região. Como demonstrado
acima, o próprio interventor Flores da Cunha buscou estabelecer um acordo para pacificar a
situação na região de Soledade,
A rebeldia política soledadense teria seu preço. Nos anos que se seguiram ao conflito,
Soledade vivenciou um longo período de forte intranquilidade política. No decorrer dos anos
de 1933, 1934 e 1935, o município tornou-se palco de inúmeras arbitrariedades e violências
cometidas em nome da política e do poder local. Essa instabilidade política municipal é
comprovada pela elevada rotatividade de prefeitos que ocuparam o cargo em Soledade
naquele período.31
Entre os personagens da vida política local que estariam envolvidos com práticas
violentas estava o prefeito municipal, que, à época, era membro do PRL. Assim sendo, o
prefeito era o representante do grupo situacionista estadual no âmbito municipal. Muitas das
arbitrariedades estavam relacionadas à perseguição ao grupo político oposicionista, dentre as
quais se destacaram as perseguições aos líderes políticos que foram combatentes em 1932.
Na sequência, abordaremos a situação política vivenciada em Soledade nos anos
posteriores ao Combate do Fão.
31
Mesmo sendo chefe político local, Cândido Carneiro Júnior não ocupou o cargo de prefeito municipal em
Soledade.
51
estava a de Ângelo Prates de Morais, então subprefeito do terceiro distrito de Soledade. Sua
exoneração ocorreu no dia seis de outubro de 1932. Segundo registrado no Livro de Portarias,
foi possível ler o motivo atribuído para legitimar a exoneração: “terdes tomado atitude dúbia
no movimento revolucionário irrompido neste município, em 1º de setembro.”32 Essa
exoneração não se configurou numa exceção, pelo contrário, muitas outras ocorreram em
Soledade, em diferentes níveis e cargos da política municipal.
Um segundo exemplo da perseguição política imposta aos participantes do Combate
do Fão, colocada em prática pelo PRL em Soledade, pode ser averiguado no caso de Vergílio
José Saudim que, na época, era subprefeito do nono distrito daquele município. Este também
foi sumariamente exonerado pelo prefeito municipal. Conforme consta no Livro de Portaria,
igualmente datado de seis de outubro de 1932, podemos ler a causa motivadora de sua
exoneração:
Nesses dois primeiros exemplos, destaca-se a rapidez com que foram executadas as
ações de exonerações dos prefeitos distritais de Soledade, pouco mais de um mês após os
conflitos ocorridos às margens do Rio Fão, conduzidos de forma autoritária e sumária pelo
prefeito municipal, contando, muito provavelmente com o respaldo de Flores da Cunha.
O subprefeito do sétimo distrito também foi exonerado do cargo. Segundo foi possível
averiguar através da documentação34, a motivação para o ocorrido foi represália política
devido aos acontecimentos de 1932, como atesta a Portaria datada de 5 de outubro de 1932:
32
Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 55.
33
Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 56.
34
Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 53.
35
Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 54.
52
36
Portaria em 5 de outubro de 1932. Ilmo. Sr. Antônio da Silva Oliveira. N. Villa. Comunico-vos que por ato nº
54, de hoje datado, do Cel. Prefeito deste município, fostes admitido nas funções de subprefeito do 7º distrito
deste município, percebendo as vantagens marcadas em lei. Saúde e fraternidade. (a) Luiz Pinto Vieira de Matos.
Secretário. (Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 54).
37
Portaria em 22 de setembro de 1932. Ilmo. Sr. Godofredo Siqueira. Jacuhyzinho, 5º distrito. Comunico-vos
que por ato nº 46, de hoje datado, do Cel. Prefeito deste município, fostes nomeado para exercer efetivamente o
cargo de Subprefeito deste distrito percebendo as vantagens marcadas em lei. Saúde e fraternidade. (a) Luiz
Pinto Vieira de Matos, Secretário. (Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 46).
38
Portaria em 21 de setembro de 1932. Sr. Hugo Barroso Itapuca. Comunico-vos que em virtude de terdes
pegado em arma contra o governo constituído fostes por ato nº 45 de hoje datado, do Cel. prefeito deste
município, exonerado a bem do serviço público, dos cargos de subprefeito e arrecadador do 2º distrito deste
município. Saúde e fraternidade. (a) Luiz Pinto Vieira de Matos, Secretário. (Livro de Portarias, Soledade – RS –
1930-1933 – ato nº 45).
53
39
Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 52.
40
Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 47.
41
Ato nº 43 - 10 de setembro de 1932. O coronel João Carmeliano de Miranda, prefeito do município de
Soledade, usando das atribuições que lhe são conferidas em lei, e, em virtude do movimento de rebeldia
deflagrado neste município, no dia 1º de setembro corrente, resolve demitir dos cargos de secretário geral do
município e datilógrafo acumulando as funções “contriamo” (?), respectivamente os cidadãos Pedro Correia
Garces e Euclydes Mota, o primeiro por não lhe merecer confiança e o segundo por estar incorporado a grupos
revolucionários que visa alterar a ordem e o sossego de quantos vivam honestamente trabalhando neste
município registre e publique-se. (Livro de Portarias, Soledade – RS – 1930-1933 – ato nº 43).
54
ordem crescente da repressão à oposição política soledadense, a qual sofreu derrotas também
no âmbito da política local. Assim, foram perseguidos e destituídos de seus cargos todos
aqueles que tiveram participação direta ou indiretamente no Combate do Fão. Esta atitude
visava, no nosso entender, fortalecer politicamente o PRL no município de Soledade. Este
fortalecimento foi executado pelo prefeito João Carmeliano de Miranda, principalmente,
através dos atos de exoneração e de nomeação de subprefeitos e demais opositores que
ocupavam cargos políticos ou na administração pública municipal.
Evidenciamos, assim, a ampliação da máquina político-partidária do PRL em
Soledade, ou seja, a ampliação da presença política identificada com o florismo naquele
município, executada através da repressão imposta ao grupo oposicionista. Assim, a oposição
viu seu acesso à participação política naquele município ser diminuída pelo grupo
situacionista.
Este clima de intranquilidade, perceptível na política soledadense, não ficou restrito ao
ano de 1932 e aos meses seguintes. Mesmo com o encerramento dos conflitos armados e com
a implantação das exonerações acima descritas, as disputas políticas persistiram ao longo dos
anos. Estas atingiram patamares de violência extrema entre os anos de 1933 e 1934,
principalmente com a proximidade da realização dos pleitos eleitorais.
A revolta liderada pelo estado de São Paulo em 1932, mesmo derrotada no campo
militar, comemorou a conquista de algumas das suas reivindicações políticas. O governo
provisório encaminhou, no ano de 1933, eleições para a Assembleia Nacional Constituinte,
com o propósito de elaborar a nova Constituição Brasileira, a qual foi promulgada no ano
seguinte.
A Constituição de 1934 manteve os fundamentos republicanos do federalismo e do
presidencialismo. Com a promulgação da nova carta constitucional, foram instituídos novos
aspectos na vida política nacional, dentre os quais o voto feminino, a restrição à autonomia
dos Estados e aumento dos poderes do executivo federal, representados pelos “três títulos
inexistentes nas Constituições anteriores que tratavam da ordem econômica e social; da
família, educação, cultura e da segurança nacional.” (FAUSTO, 1995, p. 351).
Porém, mesmo com a promulgação da nova Constituição, a situação política do Rio
Grande do Sul não sofreu mudanças imediatas ou significativas. Dessa forma, o estudo de
caso de Soledade contribui para exemplificar o acirramento político ocorrido no período que
precedeu a eleição ocorrida em 1933, a qual teve como objetivo compor as vagas para a
Assembléia Constituinte, a qual ficaria responsável pela elaboração da nova Constituição
estadual de 1934.
55
dado por Vargas a Aranha à formação do PRL, são vistos como uma aferição
do fortalecimento do Estado Nacional e, indiretamente, de reconhecimento
do Governo Provisório como força legítima, na ótica de Flores da Cunha
estes ganhos são computados à liderança regional e à sua capacidade de
mediar centro e periferia. Em suma, o êxito é visto mais como um reforço à
legitimidade do poder regional do que uma resposta positiva à atuação do
poder central. (TRINDADE, 1980, p. 162-163).
Por outro lado, o apoio do governo federal ao PRL também foi um importante fator
para o sucesso de Flores da Cunha no processo eleitoral no estado gaúcho. Porém, tal sucesso
obtido com o respaldo do governo federal, seria também um dos motivadores dos conflitos
políticos que ocorreram entre Getúlio Vargas e Flores da Cunha nos anos seguintes.
O enfrentamento político entre o presidente do país e o governador do Rio Grande do
Sul gerou um desgaste político no comum apoio que os aliava. Esta situação conflituosa
acabou por gerar a cisão política definitiva entre Flores e Vargas, tendo como resultado
significativas mudanças na política gaúcha e nacional, tais como a renúncia do governador
Flores da Cunha e a instauração do Estado Novo no país.
Analisando a bibliografia existente, bem como a documentação pesquisada, podemos
indicar que a situação política, nos municípios gaúchos, não foi de tranquilidade. Inserido
neste contexto, identificamos, no município de Soledade, a ocorrência de práticas de
violências associadas com a política local, principalmente entre os anos de 1933 e 1934.
Segundo a documentação que foi analisada sobre a situação política de Soledade no
referido período, não resta dúvida de que a citada pacificação efetuada em Guaporé no dia 22
de outubro de 1932 restringiu-se unicamente a uma formalidade, limitando-se ao documento
oficial. Pois, segundo podemos averiguar, tanto a política municipal quanto a população local
permaneceu convivendo com a ocorrência dos constantes conflitos decorrentes das disputas
políticas que eram promovidas pela disputa existente entre situação e oposição. Tanto o PRL
como a oposição disputavam o poder daquela localidade.
Em determinados momentos, podemos averiguar que estas disputas atingiram
situações alarmantes, inclusive fazendo uso da violência física, ou seja, promovendo
atentados contra adversários políticos. A elevada incidência das práticas de violências nos
possibilita identificá-las com a realidade política de Soledade, onde o uso da violência tornou-
se uma extensão da ação política local. A repercussão foi tamanha, chegando ao ponto de
receber notoriedade pública. Tais fatos violentos foram noticiados em diversas cidades,
inclusive na capital.
As notícias e publicações, vinculadas pela imprensa, sobre a situação referida acima,
57
relacionavam estes atos de violência a interesses políticos. Declaravam que os mesmos foram
praticados sob o consentimento, ou mesmo com a participação direta ou indireta, das
autoridades oficias do município de Soledade.
Referente ao período subsequente ao Combate do Fão, a historiografia destaca que
existiu “um longo período de intranquilidade para os soledadenses que haviam participado do
levante. E vários incidentes e conflitos que ocorreram mais adiante não passaram de reflexos
da luta de 1932, dos ressentimentos e vinganças que desencadeou.” (FRANCO, 1975, p. 128).
Neste mesmo sentido, referindo-se a Soledade, onde a Revolução Constitucionalista
teve apoio armado, Wedy afirmou que “vicejou um duradouro clima de desconfiança,
prevenção, discórdia, delação, repressão e agressão de toda ordem.” (WEDY, 1999, p. 35).
Caroline Webber Guerreiro também confirmou a intranquilidade municipal de
Soledade nos anos posteriores ao Combate do Fão. A historiadora assim descreveu a situação
enfrentada pelos membros da Frente Única de Soledade naquele período,
Mesmo após ser firmado o acordo que colocou fim ao Combate do Fão, entre a elite
oposicionista municipal de Soledade e o governo estadual do interventor Flores da Cunha,
58
ficou evidenciado que as hostilidades políticas não cessaram. Percebe-se um aumento gradual
e constante, em âmbito local, das represálias e da prática da violência contra membros da
oposição, destacadamente aqueles que participaram do Combate do Fão, por parte do governo
municipal soledadense, sendo tais violências reiteradas vezes noticiadas na imprensa. Ou seja,
o município vivenciou conflitos políticos que expuseram a permanência das clivagens
políticas oriundas dos conflitos armados ocorridos em 1932.
A elevada rotatividade de prefeitos, em Soledade, configura-se em mais um exemplo
da instabilidade política reinante naquele município. No curto período de sete anos, de 1931
até 1938, foram em número de nove os prefeitos que estiveram no cargo máximo do
executivo municipal. Fato que contribui para evidenciar a dificuldade enfrentada pelo governo
estadual em controlar aquela localidade. Dos nove prefeitos que governaram o município,
cinco eram membros do PRL, três se declaram sem identificação partidária42, e um era filiado
ao PRR. Porém, estes dados não nos permitem afirmar que o governo do PRR tenha se
configurado num governo da oposição em Soledade, pois pode ter ocorrido um acordo
político visando tornar governável o município.43
Ressaltamos, porém, que mesmo tendo prefeitos identificados com o PRL, Flores da
Cunha não conseguiu manter no cargo um governante por longo período, não conseguiu
manter seu partidário à frente do executivo municipal, não conseguiu construir um governo
estável pró-governo. Ressaltamos que ocorreu um domínio do PRL, porém este domínio não
significou a conquista da estabilidade política naquele município.
Tendo por objetivo evidenciar o que foi exposto acima, apresentamos, a seguir, a
tabela 2, na qual podemos visualizar a alternância ocorrida no cargo de prefeito municipal de
Soledade entre os anos de 1931 e 1938.
42
Os prefeitos não são relacionados com siglas partidárias, mas não foi possível identificarmos o motivo para tal
ocorrência.
43
Os governos municipais foram de curta durabilidade, não ultrapassando dois anos. Exemplificando,
destacamos o governo de Reynaldo Heckmann, ocorrido entre os anos de 1936 e 1938, o qual apresentou a maior
durabilidade adiante do governo municipal de Soledade, vinte e um meses.
59
Tendo como referência essa tabela dos prefeitos municipais, podemos identificar que o
PRL assumiu o governo municipal após o Combate do Fão. Porém, nos dois primeiros
governos existentes nos anos de 1931 e 1932, identificamos prefeitos declarados sem
identificação partidária. Tal declaração não necessariamente significava que eles não
44
Olmiro Ferreira Porto era subprefeito e substituiu o então prefeito Reynaldo Heckmann quando este foi
exonerado. Governou a prefeitura municipal de Soledade até a posse de Tissiano Felipe de Leoni.
60
45
Estamos aqui nos referindo à permanência de grupos políticos, como podemos averiguar na Tabela 2, referente
aos prefeitos do município de Soledade temos a permanência de governantes ligados ao grupo do PRL. Mesmo
com o fim dos partidos, os grupos políticos, em Soledade, se reuniam e se identificavam com seus antigos
partidos. Garibaldi Almeida Wedy relatou que, ao se indicar o nome do futuro prefeito de Soledade em fevereiro
de 1938, o qual seria indicado pelo coronel Wazulmiro Dutra, “Realiza-se, no Hotel Tomasi, onde Wazulmiro se
hospedou, uma reunião política. A essa reunião compareceram para a indicação do nome do prefeito de
Soledade: a Frente Única e a dissidência do partido Republicano Liberal.” (WEDY, 1999, p. 143). Podemos
perceber que, mesmo após o Estado Novo, os grupos políticos continuavam atuantes naquele município. Sobre a
ordem política no Estado Novo e os grupos políticos ver ABREU, 2007; COLUSSI, 1996.
61
década de 1930.
Por fim, a análise permite-nos indicar que a oposição política soledadense não
governou o município no decorrer da década de 1930. Acreditamos que a referida
instabilidade vigente gerou-se justamente das disputas políticas que tinham como objetivo o
poder local, entre situação e oposição, principalmente entre PRL e Frente Única de Soledade.
Tratava-se de disputas motivadas pela permanente presença do PRL no comando do governo
municipal, ou ainda, pela permanência de seus partidários, mesmo com a extinção dos
partidos políticos, caso ocorrido após a instauração do regime autoritário em 10 de novembro
de 1937.
O governo de Francisco Müller Fortes46 configurou-se num desses governos do PRL
em Soledade. Sua gestão esteve inserida no período de hegemonia do PRL à frente do poder
municipal. Seu governo ficou identificado por um elevado grau de violência praticada em
Soledade.
Francisco Müller Fortes foi nomeado para o cargo pelo interventor Flores da Cunha.
Durante seu governo, o município presenciou um acentuado aumento da disputa política e da
violência, fatos estes que repercutiram na imprensa durante todo o período de vigência do seu
mandato.47
O governo de Francisco Müller Fortes duraria apenas dezessete meses. Porém,
caracterizou-se por um acentuado enfrentamento político entre situacionistas e a oposição, ou
seja, conflitos envolvendo os membros do PRL e da Frente Única, os quais foram noticiados
pela imprensa.48
Nesse período, os abusos cometidos pelo poder executivo contribuíram para o
acirramento das disputas políticas, e essas acabaram gerando uma ampliação da violência na
cidade, fato que ficou conhecido pela ação dos bombachudos de Soledade. Esses compunham
um grupo armado que agia sob ordens do prefeito municipal. O grupo teria imposto forte
repressão, perseguição e cerceamento à oposição, principalmente durante o período eleitoral.
Loiva Otero Félix analisou a utilização da violência a serviço do poder local e da
46
Conhecido pela alcunha de Chico Touro.
47
As ocorrências de Soledade sob o governo de Francisco Müller tiveram destaque na imprensa, principalmente,
entre os anos de 1934 e 1935. Dentre os jornais destacamos o Correio do Povo, de Porto Alegre e O Nacional, de
Passo Fundo.
48
Segundo noticiado no Correio do Povo, após sua exoneração, motivada pelas denúncias contra sua
administração, Francisco Müller Fortes ‘teve’ de sair daquela localidade (Soledade), passando a residir em Cruz
Alta. Ainda segundo o jornal, Francisco Müller foi assassinado a tiros, em frente a sua residência, localizada na
praça da matriz, no dia 17 de janeiro de 1936. Segundo a reportagem publicada, especulou-se que teria sido
vingança cometida pelo filho de Kurt Spalding, hipótese não confirmada. (Correio do Povo, Porto Alegre, 24
JAN 1936, p. 8)
62
política nos municípios de Cruz Alta e Palmeira, pesquisando a prática coronelista através do
uso da violência. Nesse estudo, referiu-se à Soledade,
Conforme afirmou a autora, “de 1934 a 36, Soledade viu-se às voltas com o
incremento da violência em geral e da violência política em particular, onde o termo fazer
uma ‘limpeza’ equivalendo a assassinato de indesejados ou desafetos fazia parte do
vocabulário local.” (FÉLIX, 1987, p. 167).
Ao analisar a disputa política local entre Victor Dumoncel, de Cruz Alta, e Vazulmiro
Dutra, de Palmeira, Félix referiu-se também aos bombachudos de Soledade. Destacou que a
prática de se manter homens armados para ter o controle da polícia local não era exclusa de
Soledade, mas comum na região. Segundo a autora,
Segundo pesquisa efetuada por Rubia Mara Cracco, “[...] de 1934 a 1936, a vila de
Soledade foi palco de violentos incidentes políticos e, por longos meses, as graves ocorrências
havidas nela deram assunto à imprensa local e da capital.” (CRACCO, 1994, p. 70). Segundo
a autora “[...] Soledade, nesse espaço de tempo, viu-se as voltas com o incremento da
63
Cracco acrescentou que, além do fator monetário, essas pessoas também buscavam
proteção política, ou seja, protegiam e eram protegidas. Dessa forma, os bombachudos não
teriam se formado nesse período, mas anteriormente a 1935, fazendo parte de um esquema
político-partidário comprometido e desvirtuado de eleições que se desenvolvia no estado e no
país. (CRACCO, 1994, p. 74-75).
Rubia Mara Cracco declarou que “às vésperas desta eleição, constatava-se haver,
ainda, inúmeros capangas armados e postados nas estradas com a finalidade precípua de
64
Fonte: GRACCO, 1994. (Mimeografado). Anexo 10, p. 122. (AHR – Passo Fundo – RS)
O autor identificou quem seriam os bombachudos e qual seria a relação desses com o
prefeito municipal. Assim, declarou que “para a oposição, os bombachudos não passavam de
capangas do prefeito, porque eram pagos pelos cofres públicos, sob o título de trabalhadores
nas ruas, e recrutados entre criminosos.” (WEDY, 1999, p. 36).
A existência dos bombachudos de Soledade não se configura numa exceção à regra, ou
a algo exclusivo daquele município. A prática era recorrente no estado do Rio Grande do Sul
naquele período, ou seja, existiam grupos armados com o firme propósito de exercer o
controle político em determinadas localidades ou regiões do estado. Flores da Cunha também
foi acusado de manter supostos trabalhadores, os batalhões rodoviários, entre os anos de 1936
e 1937, os quais não passariam na realidade de uma força militar a qual estaria sempre pronta
para a ação.49
Segundo a historiografia, os bombachudos estariam envolvidos no assassinato de Kurt
Spalding ocorrido no final do ano de 1934.50 Segundo declarou Guerreiro, no que diz respeito
à ligação entre os bombachudos e o prefeito Francisco Müller, “há, entretanto, controvérsia a
respeito de se os bombachudos seriam capangas do prefeito Francisco Müller Fortes ou do
coronel Victor Dumoncel Filho, porém o fato é que ambos eram aliados políticos.”
(GUERREIRO, 2005, p. 80).
Garibaldi Almeida Wedy destacou que a vida política de Soledade entre os anos de
1934 e 1935 foi agitada e violenta. Telegramas enviados ao chefe de polícia relatam que a
residência do general Cândido Carneiro foi assaltada por vários capangas do prefeito.
(WEDY, 1999, p. 37).
Num telegrama enviado ao chefe de polícia, o qual levou a assinatura de Clóvis
Cardoso, de Kurt Spalding e Caio Graccho, alertava-se a respeito de andarem pessoas de
maus precedentes nessa vila com atitudes suspeitas e com apoio das autoridades. “Parece que,
para Soledade, não entrou ainda em vigor a Constituição, os cidadãos classificados continuam
vigiados por indivíduos desclassificados, valentes profissionais.” (WEDY, 1999, p. 38-39).
Nesse contexto de desmando local por parte do governo de Soledade, a oposição
estadual ligada à Frente Única acusou publicamente o prefeito Francisco Müller Fortes de
perseguição política a membros da oposição. Esse conflito político ganhou as páginas da
imprensa gaúcha, tanto no interior como na capital Porto Alegre, que publicou inúmeras
49
Referindo-se às forças militares sob controle de Flores da Cunha, Luciano Abreu demonstra que essas eram de
conhecimento do Ministério da Guerra. Na citação do boletim reservado do Ministério da Guerra, assinado pelo
general Eurico Gaspar Dutra, temos: “[...] com mal disfarçados objetivos de caráter administrativo, tais como o
desenvolvimento e reparação das vias de comunicação estaduais, passou o governador do Rio Grande do Sul a
organizar grande número de unidades de tropa irregular [...].” (ABREU, 2007, p. 138).
50
Cf. GUERREIRO, 2005, p. 108-109.
66
51
Pesquisas recentes têm se dedicado a analisar a prática da violência em Soledade. Indicamos os trabalhos de
FREITAS (2014), que analisou a cultura e prática da violência na região de Soledade entre os anos de 1900 e
67
1930; e ORTIZ (2014), sendo que a autora dedicou-se ao estudo das questões relacionadas com a posse da terra e
seus conflitos em Soledade entre os anos de 1857 e 1927.
68
Entre as motivações que teriam contribuído para a ocorrência desse crime indicamos
as divergências oriundas dos acontecimentos político-militares de 1932, as quais ainda não
estavam totalmente superadas.
Podemos destacar ainda um segundo motivo, relacionado com a necessidade da
manutenção do poder local sob o controle do PRL e que estaria em consonância com a
necessidade de a situação manter seu poder municipal associado à manutenção do poder de
Flores da Cunha.
O jornal Correio do Povo noticiou o crime da Farmácia Serrana que vitimou
fatalmente Kurt Spalding e do qual saiu ferido Cândido Carneiro Júnior.52 Segundo Guerreiro,
além de Kurt Spalding, também foram vítimas fatais os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira
e Alvino dos Santos Ferreira, ficando ferido o bombachudo Ricardo Schaeffer.
(GUERREIRO, 2005, p. 98).
Com o propósito de contribuir para uma melhor compreensão da causa da repercussão
desse crime na vida política soledadense, acreditamos ser necessário indicar algumas
informações referentes à trajetória política de Kurt Spalding53 em Soledade.
Kurt Spalding chegou ao município de Soledade no ano de 1907. Em 1910, comprou
parte da Farmácia Gomide de seu sócio Olímpio Gomide. A farmácia passou a denominar-se
Farmácia Serrana. O prédio, no qual a farmácia se localizava, estava estabelecido na zona
central da cidade.54
Kurt Spalding integrou-se à elite local e passou a conviver ativamente nos diversos
espaços sociais existentes no município. Seu prestígio cresceu também pelo fato de exercer a
profissão de farmacêutico e de muitas vezes ser, na prática, um médico local. Sobre essa
atividade, pode-se dizer que “Kurt Spalding exercia não por vontade própria, mas por força
das circunstâncias imperantes em Soledade, a medicina. Era chamado para atender doentes na
sede e no interior do município.” (WEDY, 1996, p. 12).
52
Os acontecimentos foram noticiados no CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 15 DEZ 1934; DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, Porto Alegre, 16 DEZ 1934, p. 24. No CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 17 DEZ 1934;
publicou-se o assassinato noticiando que eram três capangas do prefeito Francisco Müller Fortes, horário de
meio-dia, assassinaram a tiros de revólver. No CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 22 DEZ 1934, p. 16,
publicou-se o telegrama de Candoca ao dr. Maurício Cardoso, declarando que passa bem, mas vai para Passo
Fundo retirar bala. DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto Alegre, 23 DEZ 1934 temos a notícia sobre o enterro de Kurt
Spalding em Soledade.
53
Kurt Afonso Frederico Spalding nasceu no dia 12 de abril de 1884, em Triunfo. Filho de Louis Emil Spalding,
natural da Alemanha, e de Maria Silvéria Riedel Spalding, natural de Minas Gerais. Teve dois irmãos, Eurico
Spalding e Herla Mina Spalding, que não deixaram descendência. Kurt Spalding estudou em Triunfo, São
Leopoldo e Porto Alegre, nesta última chegando a exercer a profissão de farmacêutico.
54
Cf. GUERREIRO, 2005, p. 102-103, ver nota nº 14.
70
Elegância, correção e dignidade são alguns dos predicados que lhe são atribuídos na
obra de Garibaldy Almeida Wedy. O autor acrescenta ainda que Kurt Spalding “não era dado
ao jogo nem à bebida, gostava, porém, de política.” (WEDY, 1996, p. 12).
Ele iniciou na política, filiando-se ao Partido Libertador de Soledade e tornando-se um
dos líderes do partido no município. Quando da Aliança Liberal em 1929, foi vice-presidente
do Conselho Municipal, demonstrando sua participação nas altas esferas da política local.
Durante a ocorrência do Combate do Fão, foi médico da coluna revolucionária
chefiada por Cândido Carneiro Júnior. Jorge Augusto de Paula, na obra produzida em 1933
sobre o evento cívico-militar, destacou a presença de Kurt “[...] o infatigável Kurt Spalding,
médico da coluna [...].” (PAULA, 1972, p. 68).
Objetivando participar do pleito eleitoral de 1934, Spalding inscreveu-se como eleitor
no dia 8 de fevereiro de 1933, na 40ª zona eleitoral de Soledade. Votou na eleição realizada
no dia 14 de outubro de 1934, quando foram anuladas duas seções eleitorais, porém não
chegou a votar na eleição suplementar marcada para o dia 16 de dezembro daquele mesmo
ano em razão de sua morte violenta.55
Sobre Cândido Carneiro Júnior e Kurt Spalgind, Guerreiro afirma que ambos
55
Para maiores informações sobre a vida de Kurt Spalding, indicamos WEDY, 1996, p. 59-61. O autor apresenta
uma cronologia dos principais momentos da vida de Kurt Spalding.
71
A repercussão do crime também foi noticiada pela imprensa da capital do Rio Grande
do Sul. O jornal Correio do Povo, datado de 17 de dezembro de 1934, assim relatou o
ocorrido,
Cândido Carneiro Júnior teria se dirigido à casa de Kurt Spalding, anexa à Farmácia
Serrana. Segundo a reportagem do Jornal da Serra, ao chegar à residência, teria entrado pelos
fundos. “Kurt Spalding e Candoca teriam conversado por algum tempo; pouco depois,
entravam no local três indivíduos [...].” (JORNAL DA SERRA, Carazinho, 19 DEZ 1934, p.
1).57
Cândido Carneiro Júnior ficou ferido e não pôde deixar o local, como teriam feito
Clóvis Líbero Cardoso e Albino Senger, sendo preso pela Brigada Militar. Cândido Carneiro
Júnior, mesmo ferido, “foi recolhido ao destacamento do 3º RC da Brigada Militar, tendo ali
ficado à disposição do prefeito municipal.”58 Sua prisão foi motivada pela morte dos dois
homens que teriam atacado Kurt Spalding e posteriormente enfrentou um processo pelos
acontecimentos que feriram fatalmente estes homens.
Cândido Carneiro Júnior esperava pela permissão do juiz distrital para ir a Passo
Fundo, onde teria atendimento médico, a fim de retirar o projétil que ficara alojado em seu
tórax.59
Segundo noticiado na imprensa,
57
No trabalho de Rubia Mara Cracco, encontramos duas versões sobre quem teria dado o tiro que matou Kurt
Spalding. CRACCO, 1994, p. 83-84.
58
CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e os bombachudos de Soledade. Monografia de Pós-graduação.
Curso de especialização em História do Brasil Republicano – IFCH, UPF, Passo Fundo, 1994, p. 85.
59
Cândido Carneiro Júnior, que tinha uma bala alojada em região profunda da nuca, ao lado da quinta vértebra,
foi operado pelos médicos Dino Caneva, Nicolau Vergueiro e Tenack W. de Souza. (O NACIONAL, Passo
Fundo, 31 DEZ 1934, p. extra).
74
Segundo Rubia Mara Cracco, “embora concedida a licença pelo juiz, a requisição de
força para acompanhar o preso feita ao prefeito Müller Fortes não obteve sucesso. Apesar da
urgência da situação, o prefeito negava-se veementemente a fornecer escolta policial para
conduzir Candoca a Passo Fundo.” (CRACCO, 1994, p. 83 e 85).
O fato foi levado ao conhecimento de João Carlos Machado, então Secretário do
Interior do estado do Rio Grande do Sul, por intermédio de Men de Sá e Rosauro Tavares.
Drs. Victo Graef e Batista Luzardo – P. Alegre. De Passo Fundo n. 900. Data
20, hora 18. Obséquio providenciar comando Brigada autorize 3º Regimento
Cavalaria mandar escolta trazer Cândido Carneiro – Passo Fundo – visto já
licença concedida juiz, pois autoridades soledadenses negam fornecer força
constando prefeito municipal distribui capangas percurso estrada. General
Carneiro necessita intervenção cirúrgica só pode ser feita esta cidade.
Saudações (drs.) – Celso Fiori e Aurélio Willig. (Apud WEDI, 1996, p. 34).
decisão favorável. Assim, “o general Cândido Carneiro Júnior foi pronunciado pelo
homicídio; e Albino Senger foi pronunciado como co-autor na morte de Alvino dos Santos
Ferreira e por lesão corporal leve em Ricardo Schaeffer.” (WEDY, 1996, p. 38).
No Correio do Povo de outubro de 1936, consta a apresentação de Cândido Carneiro
Júnior à prisão.
Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram absolvidos pelo tribunal do júri de
Soledade. (WEDY, 1996, p. 38).
Relacionando o contexto político de Soledade e os crimes que ocorreram no mesmo
com a prática do coronelismo, Guerreiro destacou que
Manoel da Silva Corralo teve participação ativa no Combate do Fão ao lado dos
rebelados de Soledade. Foi “responsável pela organização de uma força revolucionária no
então distrito de Espumoso.” (SOUZA, 2008, p. 19). Também no Relatório Corralo temos
referência à violência praticada em Soledade entre os anos de 1932 e 1935. Segundo relatou,
Mais tarde, não sei determinar o tempo, estando em Cruz Alta, “Chico
Toro”, prefeito de Soledade ao tempo destes acontecimentos, alguém
disfarçado de carteiro à frente de sua casa, entrega-lhe um telegrama ou
fonograma, enquanto ele assina, o carteiro desfecha-lhe um tiro... “Chico
Toro”, cai morto, o carteiro foge, naquela época um filho de Kurt Spalding
está servindo o exército em Cruz Alta é tido como suspeito, mas não
conseguiram provar nada porque àquela hora parece que ficou provado que
ele se encontrava no quartel. Foi preso também por suspeito “durante dois
anos Turíbulo Pereira da Silva, o mesmo referido acima, que perdeu o irmão
assassinado naquela época, será que “Chico Toro” não estaria envolvido
nessas mortes. (RELATÓRIO CORRALO, 1935, p. 12-14 apud SOUZA,
2008, p. 40-41).
Numa primeira eleição que houve, não me lembro pra quê, apesar dos
obstáculos nas encruzilhadas, com pistoleiros que mandavam de volta nossos
eleitores, atravessando os matos, desviando tudo, compareceram as urnas. Eu
fui nomeado presidente da mesa de Espumoso. A eleição correu
normalmente, era secreta, e foi secreta. Mas como naquela época, eu
conhecia todo o eleitorado, não só o nosso, quanto os deles, no final eu
contei às anotações que eu tinha feito, num papel, achei que teríamos
ganhado por 42 votos. Fechamos a urna e remeti a mesma para Soledade. No
outro dia eu fui para Soledade, Pedro Garcez me encontrando me perguntou:
“Como vocês se foram de eleições lá em espumoso”. Julgo que ganhamos
por 42 votos! Ele disse: “Então nós perdemos a eleição”. Eu tinha acertado.
Azar meu, isso não agradou a Garcez que com certeza contou a seus
companheiros, o delegado com certeza ficou sabendo. Oito dias após eu
voltei à Soledade, sabendo que eu estava lá, me prendeu sem alegar motivo
algum. Quando ocorreu a notícia na cidade que eu tinha sido preso, o irmão
do delegado, Caio Graccho Serrano, veio imediatamente e após quinze
minutos fui posto em liberdade. Após isto veio uma época de relativa paz.
(RELATÓRIO CORRALO, 1935, p. 12-14 apud SOUZA, 2008, p. 40-41).
78
[...] que anteontem, pelas 10:30 horas da noite, mais ou menos, a sua
residência, em Soledade, foi cercada por numerosos capangas do prefeito
daquele município, mais conhecidos ali pela alcunha de bombachudos, os
quais em sua opinião tinham intenção de eliminá-lo. Tendo, porém, os
sitiantes esperado a sua fuga pelos fundos do prédio, postaram ali melhor
guarda, motivo porque o doutor Kanters e mais um amigo seu, o senhor José
Gralha, de revólver em punho conseguiram romper o cerco pela frente do
prédio, saltando o muro da casa fronteira à sua e galgando outras cercas e
tapumes de prédios vizinhos, até chegarem a casa de um outro amigo seu.
Ali chegando a salvo, arranjou desde logo um cavalo, dirigindo-se sem mais
a Carazinho, de onde, em companhia de outro emigrando de Soledade que lá
se encontrava, vieram, em automóvel para esta cidade. (O NACIONAL,
Passo Fundo, 28 DEZ 1934, p. 4).
concentrado unicamente nas mãos do prefeito e, assim, do PRL. O poder do florismo estava
instaurado em Soledade através do uso da violência.
A prática arbitrária do prefeito foi noticiada pelo jornal Correio do Povo na capital
gaúcha no dia 25 de janeiro de 1935. Segundo a reportagem,
Pediu licença, tendo seguido para essa capital o Dr. Severino Leite Sampaio,
promotor público desta comarca. Consta como certo que o motivo do seu
pedido foi a circunstância de ter o Dr. Severino Leite Sampaio requerido ao
delegado de polícia sr. Macário Graccho Serrano um auto de corpo de delito
no local onde se deu o conflito do dia 15 de dezembro p. findo, no qual foi
assassinado o sr. Kurt Spalding e ferido Cândido Carneiro Júnior, além de
outros requerimentos que não foram atendidos. Desgostoso. (CORREIO DO
POVO, Porto Alegre, 25 JAN 1935, p. 8).
60
Segundo consta no jornal O NACIONAL, Passo Fundo, 19 DEZ 1934, p.1, João Pereira da Silva teria sido
fuzilado por sete capangas do prefeito.
81
Segundo Guerreiro, “até onde foi possível pesquisar, nenhum bombachudo foi preso
por conta desse fato”, tanto pelos crimes ocorridos na Farmácia Serrana quanto pela atuação
do grupo armado e pelas atitudes repressoras ocorridas em Soledade. Ainda conforme a
autora, “Francisco Müller Fortes foi exonerado e transferiu-se para Cruz Alta, não tendo
respondido a processo algum. Os dois únicos processados foram Cândido Carneiro Júnior e
82
Albino Senger, que acabaram sendo absolvidos pelo tribunal do júri.” (GUERREIRO, 2005,
p. 125).
Também nas eleições ocorridas em 17 de outubro de 1935, para o cargo de prefeito
municipal, percebemos a permanência das acirradas disputas políticas naquele município
gaúcho. Em Soledade, o pleito ratificou a permanência do PRL no cargo máximo do
executivo municipal. Segundo Guerreiro,
estado gaúcho. Essa era mais uma manobra política de Vargas com o propósito de limitar o
poder de Flores da Cunha e de expandir cada vez mais o centralismo em detrimento do
federalismo. Havia um projeto de neutralização política de Flores da Cunha, em âmbito
nacional, movido pelo governo central, buscando isolar Flores que se apresentava como uma
forte oposição a Vargas e à continuidade do seu governo.
Inserido nessa disputa política, identificamos o governo federal agindo para
desestabilizar as propostas do Modus Vivendi61, estratégia política orquestrada pelo
governador, a fim de efetivar uma reorganização e pacificação na política estadual com o
objetivo de fazer oposição ao governo central.
Foram várias as manobras elaboradas pelo governo federal com o propósito de efetuar
uma contenção à ameaça representada pela figura do governador gaúcho. Assim, foi
executada a desconstrução da sua imagem enquanto liderança política. Essa contou com a
ação de processos movidos contra o governador Flores da Cunha62. O resultado foi à
deposição de Flores da Cunha do governo do estado.
A partir desses acontecimentos, perceberemos um acentuado processo de
distanciamento político entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas. Essa divergência contribuiu
para a queda de Flores da Cunha e para a antecipação da instauração do Estado Novo no Rio
Grande do Sul.
Flores da Cunha renunciou em 17 de outubro de 1937 e exilou-se no Uruguai em 19 de
outubro daquele mesmo ano63, sendo substituído pelo general Manoel Daltro de Cerqueira
Filho, nomeado por Getúlio Vargas como novo interventor federal no Rio Grande do Sul, no
dia 17 de outubro de 1937.
Nesse período conturbado da política nacional, de disputas envolvendo o governador
gaúcho e o presidente do país, de violência praticada em Soledade, iniciou o movimento
sócio-religioso dos Monges Barbudos. A repressão que foi imposta a esse movimento
religioso no ano de 1938 deve ser compreendida como inserida nesse contexto de disputa pelo
poder e pelo uso da violência como prática política.
Foi nesse cenário de disputas políticas que o movimento dos Monges Barbudos
existiu, sendo necessário compreendê-lo inserido no mesmo, buscando compreender o papel
61
O projeto nomeado Modus Vivendi teve início no dia 17 de janeiro de 1936, porém foi arcado por conflitos e
interesses internos, que fragmentavam a política rio-grandense, levando-o a existir por apenas dez meses no Rio
Grande do Sul. Segundo ABREU, “ainda que tenha sido um acordo político regional, foi viabilizado diretamente
pela conjuntura nacional de combate aos extremismos, o que legitimou o discurso de união política e de defesa
da ordem estadual defendida por Flores da Cunha.” (ABREU, 2007, p. 107)
62
José Antônio Flores da Cunha tomou posse no cargo de governador constitucional do Rio Grande do Sul no
dia 15 de abril de 1935.
63
SCHNEIDER, 1981, p. 330.
84
florismo, inserido no contexto de disputas entre o ex-governador e Getúlio Vargas, sob a fase
de consolidação do Estado Novo. Assim, indicamos que a construção da ameaça provocada
pelos Monges Barbudos foi mais uma questão de conjuntura política. Tratava-se de uma
articulação política a fim de efetuar uma desarticulação do poder construído por Flores da
Cunha ao longo dos anos em que esteve a frente do governo do estado do Rio Grande do Sul,
e especialmente no caso de Soledade.
Nessas circunstâncias, o estudo do movimento sócio-religioso dos Monges Barbudos
também contribui para analisarmos a violência e as ações políticas daquele período. O
movimento religioso formou-se geograficamente no interior de Soledade, em localidades
limítrofes com o município de Sobradinho.
Inúmeras suspeitas e acusações recaíram sobre o grupo religioso, além da ameaça
comunista e de terem possíveis ligações com o florismo. Também constavam as acusações de
serem subversivos e divulgadores de ideias exóticas.
Foi sob tais acusações que um destacamento da Brigada Militar foi designado para
combater e dispersar os “fanáticos religiosos” que assolavam Soledade e Sobradinho. Porém,
os trágicos acontecimentos que ocorreram em Bela Vista, então sexto distrito de Soledade, na
semana santa do ano de 1938 e seus desdobramentos, também podem ser inseridos no cenário
de disputa política vigente no município.
Mesmo com a ocorrência da queda de Flores da Cunha do governo do Rio Grande do
Sul e sua ida para o exílio no Uruguai, o governo federal manteve rígida vigilância sobre suas
ações políticas. Essa vigilância pautava-se pela ameaça de um contragolpe possivelmente
liderado por ele contra o Estado Novo, visando à derrubada de Vargas do poder federal.
Nesse contexto, destacamos um documento singular que nos possibilitou inserir o
movimento dos Monges Barbudos nesse palco de disputas políticas travadas entre Vargas e
Flores. Uma correspondência foi enviada para Alzira Vargas datada de 20 de abril de 1938
tendo como remetente Aladino Neves, informante de Getúlio Vargas que, naquela época,
residia na cidade de Porto Alegre.64 Nessa correspondência, temos uma significativa
informação referente aos Monges Barbudos.
64
BELLINTANI, 2002, p. 75.
87
Segundo o documento, existia a ameaça de uma ação militar organizada por Flores da
Cunha contra o Estado Novo recentemente instaurado. Pode-se ler igualmente a referência
feita ao município de Soledade e, mais especificamente, a um grupo religioso. Esse grupo
contaria com um número de mais de mil homens sob atitudes suspeitas. A grave situação
exigiu que um destacamento fosse enviado para aquela localidade, a fim de realizar uma
investigação sobre os mesmos.
Dessa diligência resultaram o conflito armado, a morte de um fanático, um soldado
ferido e a prisão de noventa e seis membros do grupo religioso. Segundo a documentação da
Brigada Militar, especialmente os Boletins, podemos localizar que o referido soldado se
tratava de Olmiro dos Santos, o qual pertencia ao 1º regimento de cavalaria e estava em
diligência em Sobradinho. Segundo publicado no Boletim nº 113 da Brigada Militar temos:
65
CARTA DE ALADINO NEVES PARA ALZIRA VARGAS 20/04/1938. CPDOC/FGV. Arquivo GV
38.04.20/1 XXXIX-54.
66
BRIGADA MILITAR. Estado Maior. 1ª Secção. Q. G. em Porto Alegre, 20 de maio de 1938 – sexta-feira.
Boletim nº 113 (20/05/1938), p. 1274. (3ª Parte). Boletins do ano de 1938. Arquivo do Quartel General da
Brigada Militar. Porto Alegre. Um segundo Boletim foi localizado referindo-se ao ferimento do soldado Atilio
Nogueira. Porém este não foi identificado como participante dos conflitos ocorridos em Bela Vista. O que nos
chamou a atenção foi este soldado ter se ferido também no sexto distrito de Soledade. Segundo o documento
temos: “I – Inquéritos policiais militares. O sr. comandante do 3º regimento de cavalaria comunicou que foi
ferido, casualmente, por um tiro de revólver, o soldado Atilio Nogueira Santos, que se achava no 6º distrito de
Soledade. Para proceder o inquérito respectivo, foi nomeado o 2º tenente Arlindo Rosa. (Radio nº 687, de 6-V-
938).” Brigada Militar. Estado Maior. 1ª Secção. Q. G. em Porto Alegre, 9 de maio de 1938 – segunda-feira.
Boletim nº 103 (09/05/1938), p. 1175. (3ª Parte). Arquivo do Quartel General da Brigada Militar. Porto Alegre.
88
Com a leitura dos Boletins, notamos a existência de uma ação militar que se prolongou
após o conflito ocorrido no sexto distrito de Soledade na semana santa, então mês de abril de
1938. Em maio, ocorreu o ferimento do soldado Olmiro dos Santos, no Lagoão. É possível
notar que existia, segundo os documentos analisados, uma possível ameaça na região de
Soledade. A Brigada Militar, amparada nessa ameaça, manteve a vigilância militar de pontos
específicos do município, lugares estes que estariam sendo ameaçados pelos ditos fanáticos.
Porém, a acusação que mais pesou sobre os participantes dos Monges Barbudos, a
ponto de serem proibidos e perseguidos por longos meses, estava na sentença que os
identificava com a possibilidade de ser um agrupamento com intuitos políticos “mascarados”.
Mesmo não tendo orientação político-partidária declarada, o movimento sócio-
religioso dos Monges Barbudos serviu para fins políticos por parte daqueles que os acusaram
de subverter a ordem e de serem comunistas, ou seja, o governo do Estado Novo. Nesse
sentido, a acusação de fanáticos também estava permeada pela questão política, pois esses
seriam desordeiros e uma ameaça à ordem instaurada.
No alvorecer do Estado Novo, recaiu sobre os membros do movimento religioso de
Soledade a acusação de serem comunistas. Essa era utilizada amplamente nesse período para
identificar todos os opositores ou aqueles que contestavam o novo regime. Nesse sentido, a
segurança nacional estaria sob ameaça comunista, principalmente após os acontecimentos
67
BRIGADA MILITAR. Estado Maior. 1ª Secção. Q. G. em Porto Alegre, 14 de junho de 1938 – terça-feira.
Boletim nº 132, p. 1481. (Item III). Arquivo do Quartel General da Brigada Militar. Porto Alegre.
89
68
Para um conhecimento dos principais fatos da Intentona Comunista, indicamos VIANNA, 2007; SODRÉ,
1986.
69
DECISÃO DO TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL, proferida no ano de 1936, 1º
volume, páginas 219 a 221 apud WEDY, 1996, p. 38.
90
A tragédia em que pereceu o sr. Kurt Spalding, como era natural, agitou
profundamente a vila de Soledade e criou, então, forte exaltação de ânimos
entre os elementos do situacionismo riograndense e as oposições coligadas,
aparecendo notícias tendenciosas, entre as quais a que o sr. Cândido
Carneiro Júnior, por ocasião de seu regresso a Soledade, para o inquérito
criminal, corria perigo de vida. Alegando falta de garantias, baseando-se no
91
Por fim, o texto conclui informando que Cândido Carneiro Júnior retornaria para
Soledade para ser julgado no Tribunal do Júri e destaca o envio de tropas da Brigada Militar
ao município com o propósito de manter a ordem durante o julgamento.
Ainda segundo a reportagem, foi possível obter algumas informações referentes aos
demais réus julgados no processo:
Segundo destacado acima, podemos perceber que, dentre todos os réus julgados,
somente Oliverio Fagundes foi condenado a 15 anos de prisão. O motivo da condenação não
foi explicitado.
No dia seguinte à absolvição, Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram postos
em liberdade. Esse ato foi muito festejado, conforme noticiado pelo Correio do Povo do dia
25 e outubro de 1936:
94
70
No anexo G oferecemos uma relação dos intendentes e prefeitos de Soledade entre 1875 e 1969.
95
governo também esteve inserido nos debates estaduais envolvendo tanto a FUG quanto o
governo de Flores da Cunha, relação que teve suas influências na política local.
As acusações contra o prefeito Francisco Müller Fortes foram muitas. Interessam-nos,
nesse momento, as que vigoraram enquanto Fortes foi prefeito de Soledade. Muitas delas
ganharam notoriedade através da imprensa. Esse foi o caso do jornal Correio do Povo. Em sua
publicação datada de nove de agosto de 1935, intitulada Os sucessos de Soledade na
Assembleia Legislativa, consta a referência ao assunto.
Como podemos perceber, dentre as acusações, estava o crime cometido contra Kurt
Spalding; no entanto, não houve provas contundentes que o relacionasse com a ocorrência
desse assassinato. Porém, identificamos, na publicação do Correio do Povo, a menção de um
possível espancamento cometido contra o promotor de justiça. Podemos perceber que o poder
executivo local colocava-se, dessa maneira, acima dos demais poderes, provavelmente por
receber apoio do governo estadual, sendo ambos dirigidos pelo Partido Republicano Liberal.
Destaque-se, novamente, que era recorrente o uso da violência como extensão da prática
política.
Ainda no mês de agosto de 1935, o jornal Correio do Povo retorna a publicar
reportagens referentes a Francisco Müller Fortes. Entre essas, encontramos algumas que se
referiam aos possíveis crimes cometidos pelo prefeito no decorrer do ano de 1934.
Conforme publicado no Correio do Povo, temos que
Ainda segundo noticiado pela imprensa no mês de outubro de 1935, o deputado Raul
Pilla, que naquele contexto exercia o cargo de presidente do Diretório Central do Partido
Libertador, reuniu-se com o governador Flores da Cunha no dia 7 de outubro de 1935. No
referido encontro, foi tratado o caso de Soledade, “pois não foi substituído ainda, o delegado
de polícia dali.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 08 OUT 1935, p. 11).
Podemos indicar que a situação política vivenciada em Soledade estaria interferindo
nas questões do governo estadual, principalmente no que se referia às indicações para cargos
de poder, sejam eles do âmbito político ou judicial.
Ainda no cargo de prefeito, Francisco Müller Fortes publicou, através da imprensa,
sua versão dos fatos ocorridos em Soledade sobre o crime na Farmácia Serrana em 15 de
dezembro de 1934. A referida correspondência era originária de Cruz Alta e data do dia nove
de setembro de 1935. Além disso, ele defendeu a ação do delegado de polícia Macário
Graccho Serrano, tendo sido isso publicado na edição do jornal Diário de Notícias de 14 de
setembro de 1935 (Apud, WEDY, 1996, p. 84-85).
As disputas políticas também eram travadas através das páginas da imprensa. Através
dessas publicações, identificamos a situação delicada e inconstante da política gaúcha. Toda e
qualquer mudança, seja na escolha do novo prefeito, do substituto para o cargo de delegado de
polícia, ou da indicação de promotores de justiça, transformavam-se num campo de batalha
política. Essa realidade gerou grandes dificuldades tanto para Flores da Cunha quanto para os
99
futuros interventores federais designados para o estado na vigência do Estado Novo. Esse foi
o caso de Soledade.
Na edição do Correio do Povo do dia 31 de agosto de 1935, foi publicado o caso de
desavença envolvendo o promotor e o prefeito em Soledade. Aqui podemos identificar a ação
do executivo sobre o poder judiciário. Segundo publicado, “[...] o dr. Severino Sampaio, ex-
promotor caiu em desagrado do prefeito, porque este lhe impunha que não fosse denunciado o
capanga Ricardo Scheffer, um dos matadores de Kurt Spalding [...].” (CORREIO DO POVO,
Porto Alegre, 31 AGO 1935, p. 8). Essa informação demonstra que o prefeito extrapolaria os
limites do poder executivo, sobrepondo-se e interferindo nos demais poderes municipais.
Após longa disputa política travada no âmbito local e no estadual, Francisco Müller
Fortes foi exonerado do cargo de prefeito de Soledade. Em substituição foi nomeado José
Campos Borges, que governaria até as próximas eleições. Ele também era membro do Partido
Republicano Liberal e tomou posse do cargo de prefeito no dia 1º de outubro de 1935.
A nomeação do novo prefeito foi noticiada pela imprensa, conforme publicado no
Correio do Povo de 25 de setembro de 1935:
71
Segundo publicação do Correio do Povo, sob o título Os sucessos de Soledade, consta que foi encerrado um
inquérito, o qual foi instaurado pelo governo do Estado, com o propósito de apurar as acusações contra o prefeito
Francisco Müller Fortes. Foram ouvidas diversas testemunhas e um relatório foi entregue ao governador no
regresso dos deputados Viriato Dutra e Maurício Cardoso. (Cf. CORREIO DO POVO, Porto Alegre 13 SET
1935, p. 8)
100
quando foi noticiada sua morte. “Morre, na Praça da Matriz, na cidade de Cruz Alta,
Francisco Müller Fortes, ex-prefeito de Soledade, atingido por três tiros de revólver.”
(CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 24 JAN 1936, p. 8).
Ainda no texto, publicado pela imprensa, podemos identificar a relação entre as
práticas de violência que existiram no período em que Francisco Müller Fortes foi prefeito
que o teriam motivado a sair do município após sua exoneração.
Cruz Alta, 21 (Via Postal) – Domingo, 17, a praça – matriz desta cidade foi
teatro de um bárbaro crime que, dadas às circunstâncias em que se
desenrolou, impressionou fundamente o espírito público. Como é notório a
imprensa do Estado, por longo tempo ocupou-se do regime de perseguições
e de terror em que se viu envolvido a população de Soledade, no período de
governança do sr. Francisco Müller Fortes, que, após exonerado, teve de sair
daquela localidade, passando a residir nesta cidade, a Praça da Matriz, onde
foi morto, a tiros, não se sabendo ao certo por quem. (CORREIO DO POVO,
Porto Alegre, 24 JAN 1936, p. 8).72
A gestão de José Campos Borges foi marcada por dois acontecimentos significativos:
primeiro, sua eleição como prefeito dentro do regime político democrático, fato que propiciou
um novo ânimo à política soledadense; e sua trágica morte, poucos meses após ter sido
empossado no cargo.
Transcorrida a eleição de 17 de novembro de 193573, José Campos Borges sagrou-se
vencedor. Segundo o jornal Orientador de Soledade, o ato da posse do novo prefeito
movimentou toda a sociedade soledadense.74
O referido jornal publicou uma longa reportagem, detalhando o cerimonial da posse do
novo prefeito e dos vereadores eleitos nos seus respectivos cargos. Esse fato deveria marcar o
reingresso de Soledade nos quadros da constitucionalidade e da lei.
Na longa descrição feita nas páginas do jornal Orientador, identificamos a presença do
poder de Victor Domuncel que, naquela época, exercia a função de subchefe de polícia da
72
Na continuidade da reportagem é indicado um suspeito do referido crime, porém nada ficou comprovado.
73
Identificamos a existência de divergência entre uma publicação do Correio do Povo (Porto Alegre) e o jornal
Orientador (Soledade) referente às eleições ocorridas em 17 de novembro de 1935. Publicações ocorridas no mês
de março de 1936 sobre possíveis repressões impostas à oposição em algumas secções eleitorais – 12ª e 14ª
secção eleitoral de Soledade, nas quais a oposição não compareceu por falta de garantias. No jornal local foi
publicada uma resposta pelo então prefeito José Campos Borges, intitulada restabelecendo a verdade. (Cf.
ORIENTADOR, Soledade, 04 Mar 1936, p. 1).
74
Governo municipal de José Campos Borges foi composto por 10 subprefeitos, assim distribuídos: 1º distrito:
Macário Graco Serrano; 2º distrito: Bernardino Machado da Silveira; 3º distrito: João Camponês Borges; 4º
distrito: Dorival Guedes; 5º distrito: Agenor Ferreira; 6º distrito: Israel Signoretti; 7º distrito: Frederico Pinto; 8º
distrito: Cantidio Moraes; 9º distrito: Sebastião Rosa e 10º distrito: Avelino Viegas. Fonte: Fonte: Pesquisa do
autor. ORIENTADOR, Soledade, 06 MAIO 1936, p. 1 e 4.
101
região, na política local, além da supremacia do Partido Republicano Liberal, que foi o grande
vencedor daquele pleito.
Conforme foi publicado no Orientador,
Efetivamente, pelas 15 e meia horas, teve início esse ato. O teatro estava,
como ainda hoje, pomposamente ornamentado, exterior e interiormente. A
sua fachada, entre muitas bandeiras riograndenses [...]. Formava, ali sobre a
rua, garbosamente o destacamento da brigada militar do Estado. O dr. João
Didonet integro e ilustre juiz de direito e eleitoral desta comarca, tomando,
àquela hora, assento a cabeceira da mesa, que esta sobre o palco, convidou
102
A posse do prefeito major José Campos Borges ocorreu no dia seguinte, oito de
janeiro de 1936, às 9 horas, também no Teatro Municipal 13 de Junho de Soledade.75
Porém, o governo de José Campos Borges teve curta duração. Veio a falecer no dia 25
de maio de 193676, após envolvimento num conflito com o capitão Leonardo Seffrin, também
membro do PRL. Segundo relatado, o conflito teria sido motivado por uma “dívida de terceiro
à prefeitura. Tratava-se de imposto não pago no tempo devido.” (WEDY, 1996, p. 94).
Segundo o jornal Orientador, após a morte de José Campos Borges, assumiu o cargo de
75
Cf. ORIENTADOR, Soledade, 08 JAN 1936, p.1; e 15 JAN 1936, p. 1. Nesta edição consta reportagem
detalhando a posse do primeiro prefeito constitucional de Soledade, incluindo o primeiro discurso proferido pelo
prefeito José Campos Borges.
76
O jornal Orientador estampou a notícia: Campos Borges – O desaparecimento trágico e prematuro desse
invicto chefe local – Luto da família, luto do governo do nosso município – ainda no seio do PRL.
(ORIENTADOR, Soledade, 03 JUN 1936, p. 1 e ss.).
103
Num primeiro olhar, essa informação pode parecer insignificante. Porém, quando
relacionada com as disputas existentes, podemos indicar que a influência de Victor Dumoncel
Filho delimitava poder sobre seus domínios políticos e, sendo assim, também do PRL,
tornando Soledade um reduto político florista. Essa informação contribuiu para a repressão
imposta aos Monges Barbudos no alvorecer do Estado Novo.
Como já referido, o surgimento do movimento dos Monges Barbudos está associado
ao ano de 1935, período no qual o município de Soledade foi governado por Francisco Müller
Fortes e marcado pela ação dos bombachudos. Na documentação analisada, não encontramos
referências a como o prefeito, ou mesmo seus sucessores, agiram em relação ao grupo
religioso existente no então distrito de Bela Vista. As informações somente se referem aos
meses finais do ano de 1937 e do ano de 1938, quando ocorreu a repressão ao movimento.
Reynaldo Heckmann era natural de Venâncio Aires. Em Soledade casou-se com
Nadeje Pinto Saavedra e exerceu a função de médico na localidade de Jacuizinho. Assumiu o
cargo de prefeito municipal no dia 15 de junho de 1936. Podemos declarar que seu mandato
foi relativamente longo para os padrões daquele período. Manteve-se no cargo até a data de
77
“O coronel Victor Dumoncel Filho comandou a força legalista que combateu os revolucionários de Soledade,
entrando, no município, pela estrada Jacuízinho-Soledade.” (WEDY, 1996, p. 95). Outra menção sobre
influência de Victor Dumoncel na política de Soledade está presente na obra O Fão: um episódio da revolução
de 1932 no Rio Grande do Sul, na qual Jorge de Paula mencionou a ação de Victor Dumoncel Filho no conflito
ocorrido em Soledade. “O major Alfredo Dias, Tenentes Euzebio Fernandes e Beppe Pesqueira, que andavam
em serviço de requisição de cavalos, foram surpreendidos, em plena estrada, em campo aberto, pela vanguarda
da numerosa, pesada força comandada pelo coronel Victor Dumoncel.” (PAULA, 1972, p. 55)
104
Entre os municípios que sofreram intervenção imediata após o golpe do Estado Novo
encontrava-se Soledade. Segundo afirmou Colussi, “o quadro político de disputas intensas em
torno da nomeação de prefeitos esteve relacionado com a forte tradição florista na região onde
se concentra a maioria dos municípios desse grupo, o Norte do estado, envolvendo o planalto
e a região colonial.” (COLUSSI, 1996, p. 123).
Para Colussi,
78
General Manoel de Cerqueira Daltro Filho, nasceu em Cachoeira (BA), em 1882. Ocupou o cargo de
Interventor Federal no Rio Grande do Sul entre outubro de 1937 e janeiro de 1938, quando teve que se afastar
por motivos de saúde. Faleceu logo em seguida, em 19 de janeiro de 1938, em Porto Alegre. Fonte:
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/daltro_filho>. Acesso em 22.01.2014.
106
sensação que já haviam tomado o poder. Tratava-se, porém, de inebriadora ilusão.” (WEDY,
1996, p. 105).
A extinção dos partidos políticos, imposta pelas novas diretrizes do regime do Estado
Novo, não significou o fim das lutas partidárias em Soledade. Com a renúncia de Flores da
Cunha e a instauração do regime autoritário, a oposição vislumbrou a oportunidade de
destituir o prefeito Reynaldo Heckmann, então membro do PRL e identificado com o governo
florista.
Porém, a realidade era diferente daquela imaginada pela oposição florista. A mudança
do prefeito se configurou num longo jogo político. A dificuldade para substituí-lo estava
alicerçada na vigência das disputas políticas locais, ou seja, o prolongamento dos problemas
de se encontrar um nome que fosse aceito pelas forças políticas locais levou à demora da
sucessão do prefeito de Soledade. A questão sucessória somente foi resolvida no decorrer do
governo do segundo interventor federal no Rio Grande do Sul, ou seja, sob o governo de
Cordeiro de Farias. Por isso, o cargo de prefeito de Soledade permaneceu ocupado por
Reynaldo Heckmann mesmo após a queda de Flores da Cunha e da instauração do Estado
Novo. Esse prolongamento e indecisão geraram um clima de angústia e ansiedade entre os
frentistas e dissidentes. (cf. WEDY, 1996, p. 105).
No mês de fevereiro de 1938, chegou a Soledade o coronel Valzumiro Dutra, levando
o nome daquele que seria o novo prefeito municipal. Segundo o relato de WEDY, sobre esse
momento da política local:
políticas locais. Toda e qualquer alteração que se propunha efetivar no poder local
representava a exigência de uma significativa articulação política entre o poder estadual e o
poder local.
Referindo-se à nomeação do novo prefeito de Soledade, o jornal O Nacional, na
edição datada de 14 de fevereiro de 1938, informava que
Garibaldi Almeida Wedy, então estudante de direito e que estava hospedado também
no Hotel Tomasi, teve ciência da indicação e, a partir desse instante, ajuizou ação contra a
posse do indicado, por este ser acusado de roubo de gado de Alpheu Alves Wedy. No final do
processo, a acusação contra Manoel Borges de Moraes foi julgada improcedente no processo
criminal.79 Porém, a nomeação de Manoel Borges de Moraes ao cargo de prefeito de Soledade
não se efetivou.
Beneficiado pela disputa pelo poder local e pelo cargo de prefeito de Soledade,
Reynaldo Heckmann permaneceu exercendo o mandato de prefeito até o dia 12 de março de
1938, quando foi exonerado do cargo.
Mesmo com a exoneração, não estava resolvida a questão sucessória. Assumiu o cargo
Olmiro Ferreira Porto, farmacêutico e filiado ao Partido Republicano Rio-Grandense, que até
79
Para uma maior compreensão das acusações sobre o crime de abigeato ocorrido em 15 de março de 1937; e
sobre o processo movido contra Manoel Borges de Moraes e sua absolvição, indicamos WEDY, 1996,
especialmente as páginas 107-112, nas quais constam documentos sobre o caso específico.
108
aquele momento exercia a função de subprefeito distrital, cargo para o qual tinha sido
nomeado por Reynaldo Heckmann.
A gestão de Olmiro Ferreira Porto teve vigência até o dia 31 de agosto de 1938,
quando tomou posse Tissiano Felipe de Leoni, nomeado pelo interventor Cordeiro de Farias.
Leoni era membro da Brigada Militar, tendo o posto de 1º tenente da Brigada Militar do Rio
Grande do Sul.80
Durante o governo de Olmiro Ferreira Porto, a Frente Única obteve relativo destaque
no governo municipal. Caio Graccho Serrano, advogado, foi nomeado para o cargo de
secretário-geral do município. Além dessa nomeação, outras contemplaram políticos da
Frente Única. Ocorreu uma verdadeira “derrubada geral dos subprefeitos distritais.” (WEDY,
1996, p. 115). Porém, essa atitude política, executada pelo interventor federal, não obteve o
resultado desejado e “a interventoria federal virou ‘muro das lamentações’.” (WEDY, 1996,
p. 115).
Numa breve passagem, WEDY expôs os motivos para a dificuldade de ser indicado
um prefeito oriundo da Frente Única em Soledade; segundo o autor, “Soledade precisa ser
administrada por apolítico, alheio à política partidária, em razão da sua situação financeira.”
(WEDY, 1996, p. 115). Destacamos aqui a questão da dificuldade econômica vivenciada pelo
município, embora não tenhamos a pretensão de aprofundar tal questão neste momento. Além
disso, o autor ainda registrou que “coisas tidas e havidas como incompatíveis com o espírito
do Estado Novo chegaram à Interventoria Federal, com certeza. Por isso, o subprefeito não
chegou a prefeito de Soledade.” (WEDY, 1996, p. 115). O autor não aprofundou suas
impressões sobre as coisas tidas e havidas, mas acreditamos que podemos inserir os diversos
problemas políticos relatados até o momento e a ocorrência do movimento dos Monges
Barbudos, pois a repressão se efetuou nos meses de março e abril de 1938.
Acreditamos que a repressão aos Monges Barbudos obteve sustentação na Lei de
Segurança Nacional (LSN), Lei nº 38, aprovada pelo Congresso Nacional em 04 de abril de
1935, sob o argumento de garantir a estabilidade e a ordem do país. Como já referido, não
encontramos, na documentação, referências sobre como os prefeitos de Soledade agiram ou se
posicionaram em relação aos Monges Barbudos. Salientamos que, ao entrar em vigor, a Lei de
Segurança Nacional passou a restringir os direitos e as regalias dos militares, a cassar
comunistas, censurar a imprensa, além de restringir drasticamente as liberdades e as
manifestações populares. A LSN definiu os crimes contra a ordem política e social. Assim,
80
Quando da nomeação para o cargo de prefeito de Soledade de Tissiano Felipe de Leoni, era Interventor
Federal no Rio Grande do Sul o coronel Osvaldo Cordeiro de Farias. (WEDY, 1996, p. 119).
109
Em seus artigos 1º, 2º e 3° estabelecia penas de até dez anos para aqueles
que atentassem contra a constituição ou aos poderes políticos constituídos;
os artigos seguintes até o 9º, vetavam o aliciamento de pessoas, a confecção
de planos subversivos, a constituição de juntas e a instalação de aparelhos ou
recursos para executá-los, a instalação de rádios clandestinos, o incitamento
público para o crime e para a desobediência coletiva. Os artigos 10º, 11º e
12º estavam direcionados para a manutenção da disciplina dos militares,
prevendo penas para aqueles que os incitassem a desobedecer a Lei ou a
infringir a disciplina, a rebelar-se ou a desertar. (RANGEL, 2001, p. 184).
Segundo destacou Carlos Rangel, “eram caracterizados como crimes contra a ordem
social aqueles que alimentassem diretamente o ódio entre as classes ou implicassem atentado
contra a pessoa ou bem, por motivos doutrinários, políticos ou religiosos; [...].” (RANGEL,
2001, p. 184). Nesse contexto, não podemos deixar de fazer referência à ocorrência dos
Monges Barbudos. Segundo o exposto, o movimento estaria em desacordo com a ordem que
se desejava instaurada com a implantação do Estado Novo. Suas práticas religiosas estavam
gerando ações que poderiam alterar a ordem social.
Agregada à concepção religiosa existia a suspeita de estarem relacionados com o
florismo na região. Sendo assim, seriam duplamente enquadrados na LSN, ou seja,
apresentavam, segundo seus acusadores, uma ameaça à segurança nacional, pois, segundo o
artigo 30 da LSN, estava proibida “a existência de partidos, centros, agremiações ou juntas, de
qualquer espécie que visassem à subversão, pela ameaça ou violência, da ordem política ou
social.” (CARONE, 1978, p. 63). Por fim, o artigo 20 da LSN decretava ser ilegal “promover,
organizar ou dirigir sociedade de qualquer espécie cuja atividade se exerça no sentido de
subverter ou modificar a ordem política ou social, por meios não consentidos em lei.”
(CARONE, 1978, p. 63).
Desse modo, podemos compreender a repressão imposta aos Monges Barbudos, ou
seja, o grupo religioso foi colocado à margem das novas proposições legais, sendo
identificados como uma possível ameaça à ordem pública, enquadrados como ameaça
política. Sua existência esbarrou nas duras leis vigentes, as quais proibiam qualquer
ocorrência social ou política que pudesse promover desordem. Dentre essas se enquadravam a
ocorrência de reuniões sem prévia autorização do governo, divulgação de ideias exóticas ou
subversivas, e de pensamentos que atentassem contra o trabalho. Essas questões estavam
inseridas na campanha de defesa da nação contra a tão divulgada ameaça comunista.81 Enfim,
81
A questão da LSN configurou-se em um dos motivos de divergência entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas.
O governador foi contra a implantação de medidas externas para combater o comunismo no estado. Declarava
que tais medidas serviriam aos interesses de Vargas, o qual pretendia efetuar uma “nova revolução, que na
verdade seria um golpe de Estado, em que ele, Vargas, permaneceria à frente do governo por tempo
110
indeterminado, com Flores continuando no governo do estado [...]” (CAMPOS, 2001, p. 52). Negando-se a
aceitar tal proposta, Flores declarava ter condições de controlar a situação com os recursos militares disponíveis
no Rio Grande do Sul. Esta disputa contribuiu para o crescente acirramento político existente entre ambos.
82
Pesquisando a nacionalização nos municípios de Passo Fundo e Carazinho durante o Estado Novo, Odair José
Spenthof referiu-se a essa prática de repressão e controle. Segundo o autor, em 1937, “ao mesmo tempo, a
exigência de licença para as reuniões, festas e bailes permanecia. Um pedido de licença para uma festa em
benefício da Igreja de São Valentin, localizada na colônia Weidlich, feito pelo seu presidente, Leopoldo Koch,
foi publicado em O Nacional de 24 de dezembro, com o despacho do major Creso destacado entre aspas
‘Concedo’.” (SPENTHOF, 2007, p. 76).
111
Avelino Garcia dos Santos, que exerceu o cargo de subprefeito e do professor Jorge Dipp.
Ambos estiveram envolvidos na disputa que obteve uma relevante repercussão. A prisão
ocorreu no distrito de Ibirapuitã, então 9º distrito de Soledade, e os presos foram conduzidos
para a Casa de Correção, em Porto Alegre. (WEDY, 1996, p. 122).
Acessando alguns documentos, disponibilizados na obra de Garibaldi Almeida Wedy
(1996, p. 122-125)83, foi possível identificar a disputa política travada no distrito de
Ibirapuitã. Fatos como esses possibilitam averiguar que as questões de ordem política, em
Soledade, ainda não estavam sob o controle do Estado Novo.
Num requerimento, dirigido ao delegado de polícia de Soledade, foi possível
identificar a disputa política reinante no 9º distrito, na qual se encontrava envolvido o
subprefeito.
Ilmo. Sr. Delegado de Polícia. Avelino Garcia dos Santos, por seu bastante
procurador, no fim assinado, requer, para fins de direito, que V. Sa. mande
certificar, junto a esta, se foi instaurado nessa Delegacia, por ordem do Sr.
Chefe de Polícia do Estado e presidido por V. Sa., inquérito contra o
subprefeito do 9º distrito, Albino Senger. Requer, outrossim, que V. Sa.
Determine seja certificado, se o inquérito foi iniciado em virtude de
representação do mesmo Avelino Garcia dos Santos e se o mesmo figurou
nesse inquérito como testemunha. N. Termos, E. Deferimento. Soledade, 3
de novembro de 1938. Garibaldi Almeida Wedy. (Apud, WEDY, 1996, p.
122).
83
O autor foi o advogado responsável pela defesa dos acusados.
112
84
Alguns dias antes de ser exonerado o prefeito realizou uma viagem à capital do estado. Segundo o Correio do
Povo: “Soledade, 27 (Via Postal) – Depois dum mês de ausência, a serviços do município, na Capital do Estado,
regressou o tenente Tissiano Felipe de Leoni, prefeito deste município, que já assumiu as funções de seu cargo,
as quais, na ausência do titular efetivo fora substituído pelo sr. Pedro Carneiro, sub-prefeito do 1º distrito.”
(CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 02 DEZ 1938, p.4) Não foi possível identificar o motivo desta viagem.
85
Representação do santo monge pode ser associada ao italiano João Maria d’Agostini, que percorreu o Brasil
no século XIX. A crença no santo monge pode ser identificada na região sul do Brasil. Para um maior
aprofundamento indicamos as seguintes obras: CABRAL, 1979; OLIVEIRA, 1992; FACHEL, 1995; GOES,
2007. KARSBURG, 2014. Confira nos anexos nº 8 e 9 algumas imagens atribuídas ao monge João Maria
(séculos XIX e XX).
86
O sexto distrito de Soledade fazia, na época, divisa com o município de Sobradinho. Confira os mapas nos
anexos.
114
período foi registrado através de fontes orais (CORINO, 1997; CREMONESE, 2004), ou seja,
relatos coletados entre os remanescentes do movimento ou de seus descendentes e também de
pessoas que foram contemporâneos aos Barbudos, mas que não participaram do grupo.
As primeiras obras referindo-se a tais acontecimentos foram publicadas a partir de
1980, transcorridas mais de quatro décadas desde a ocorrência dos conflitos. Através dessas
publicações, consolidou-se a versão de que o santo monge João Maria teria pernoitado na casa
de André Ferreira França. O santo monge teria declarado que André fora escolhido para
fundar uma nova religião. E esse seria o início dessa peculiar crença religiosa.
Referente à importância do fundador escolhido por João Maria para a formação dos
Monges Barbudos, temos que “com a prática da religiosidade popular (benzimentos, novenas,
procissões, incelências, adorações a santos populares), o líder Deca França conseguiu
aglutinar todos os desejos, aspirações e esperanças dos demais caboclos.” (CREMONESE,
2004, p. 16-17).
Valdemar Cirilo Verdi também relatou informações existentes na localidade sobre o
líder do movimento religioso,
[...] Deca teria resistido, não queria aceitar a incumbência de João Maria. Ele
era analfabeto. Alguns afirmam terem visto o Deca muito triste e, por vezes,
chorando. Aos poucos foi se tornando esclarecido. Os que o conheceram
hoje afirmam: de repente ficou diferente, não tinha instrução e tornou-se
advogado, dizia muita coisa bonita. (VERDI, 1987, p. 93).
Esse andarilho, contudo, não era como os outros, tendo se apresentado como
o monge João Maria. Enquanto lá permaneceu, o monge ensinou a Deca e
sua família as propriedades medicinais de diversas plantas e muitas outras
coisas, chamando-lhes a atenção para a necessidade de preservarem a
natureza e de não poluírem as águas dos rios; também os alertou sobre os
males causados pelo tabaco, desaconselhando o seu cultivo ou, ao menos, a
sua secagem junto às casas, prática usual na época. (KUJAWA, 2001, p. 49).
Podemos perceber que a presença de andarilhos na região era comum, pois o monge
João Maria não era como os “outros”, conforme a citação acima, o que indica a existência de
mais andarilhos que teriam percorrido aquelas localidades. Além disso, podemos perceber que
os ensinamentos dele abordavam, especificamente, questões comuns da vida cotidiana do
camponês, tais como a natureza e o trabalho na lavoura. Formava-se uma relação de
proximidade, uma identificação entre a pregação do monge e a vida cotidiana dos
camponeses, os quais “viviam da produção de subsistência, da plantação do fumo e do
comércio da erva-mate.” (CREMONESE, 2004, p. 16).
O movimento dos Monges Barbudos apresentou outros componentes que compuseram
o sagrado do grupo. Existiria a prática de cultuarem de “corpo presente” os santos, ou seja,
pessoas do movimento seriam as próprias santidades, como no caso de Andreza Gonçalves,
reconhecida como a encarnação viva de Santa Catarina e de Idarcina da Costa, como Santa
Teresinha. Além dessas figuras de santidade, destacou-se um segundo líder do movimento,
Anastácio Fiúza, conhecido como Tácio Fiúza.87 Para muitos, ele era a encarnação do Anjo da
Guarda, tendo a missão de proteger os membros do grupo.88
André França teve aceitação na localidade, sendo alçado ao posto de liderança
religiosa. Sua residência tornou-se local de reunião de pessoas da região, as quais buscavam
ensinamentos religiosos e conhecimentos dos usos das ervas medicinais, consideradas como
possuidoras de propriedades curativas e milagrosas. (SANTOS, In: CAMPOS, 1990, p. 18).
Tantos os preceitos religiosos quantos os conhecimentos dos usos das ervas teriam sido
transmitidos pelo santo monge e divulgadas por Deca França. Nas reuniões ocorriam rezas,
terços e cantos religiosos.
A religiosidade dos Monges Barbudos colidiu com as características da economia
local, principalmente com o plantio e tratamento do fumo, que ocupava parte significativa da
economia regional. O processo de secagem do fumo era realizado no interior das residências
dos agricultores, e posteriormente o fumo era utilizado como moeda de troca nas casas
comerciais – conhecidas como bodegas – da localidade e da região. Nos ensinamentos do
87
Confira no anexo N a imagem de Anastácio Fiúza e de sua família.
88
Cf. SANTOS, In: CAMPOS, 1990, p. 20; VERDI, 1987, p. 93-107; PEREIRA; WAGNER, 1981, p. 44-46.
116
santo monge estavam os malefícios causados pelo fumo, e, além disso, alertava para o perigo
de darem o tratamento a esse no interior das residências. Assim, temos:
O respeito pela natureza era um sentimento muito forte entre os fiéis. A cura
pelas ervas era prática sobrepujante. Em função disso, produziam muitas
ervas medicinais e não cultivavam o fumo, porque acreditavam que este
fazia mal. Tal situação criou um certo atrito entre os fiéis e o restante da
comunidade, principalmente, com os comerciantes. Pois em função de não
cultivarem o fumo, principal bem econômico da região, decorreu uma certa
estagnação do comércio local. (SANTOS, In: CAMPOS, 1990, p. 19).
89
Sobre relatos referentes ao poder curativo das águas do santo monge e de curas atribuídas o mesmo,
indicamos: VERDI, 1987; FILATOW, 2002. Algumas destas fontes d’água atribuídas ao santo monge podem ser
localizadas ainda hoje no município de Soledade. Confira o anexo S.
118
Podemos identificar que a concepção religiosa deles, além de associada a João Maria,
também estava identificada com a sua prática cotidiana, a agricultura, a lida com a terra.
Nesse sentido, temos uma possibilidade de interpretação para a aceitação do santo monge
pelos agricultores do interior de Soledade, ou seja, além de ser cultuado na região temos a
relação dos seus ensinamentos com a natureza, com o contexto em que os colonos estavam
inseridos.
Dessa forma, pode-se concluir que a representação do peregrino João Maria
d’Agostini esteve em diferentes regiões do território brasileiro e em outros países da América
Latina no século XIX (FACHEL, 1995; KARSBURG, 2014) manteve-se presente no
imaginário popular das populações que habitaram a região sul do Brasil, fato que é
constatável nas diversas referências sobre sua “permanência” (OLIVEIRA, 1992; GOES,
2007). Esse foi o caso de Soledade, com a ocorrência dos Monges Barbudos.
Assim, podemos indicar que a cultura da região foi construída ao longo do tempo e
permeada pelo imaginário sagrado do santo monge. Essa construção possibilita-nos
compreender a aceitação, pelos membros do movimento, que o santo monge pernoitou na
casa de Deca França. Sua representação encontrou significado naquela região do interior do
estado.
Com o que foi exposto, podemos indicar que o movimento dos Monges Barbudos foi
uma expressão cultural e religiosa regional. Entretanto, qual teria sido a motivação que
contribuiu para atribuir ao movimento o estigma de possível ameaça à ordem? De serem seus
membros uma ameaça política?
Durante o Estado Novo, o grupo sofreria com a repressão política do regime. Contra
os camponeses do interior de Soledade foram designados soldados da Brigada Militar com o
objetivo de reprimi-los. Aliados aos soldados, estiveram moradores da localidade, sendo
alguns contrários à crença religiosa, e outros apenas serviram como guias locais.
O conflito ocorreu no mês de abril 1938, quando os membros do movimento se
dirigiram para a capela de Santa Catarina, localizada no sexto distrito do município, nomeado
Bela Vista.90
90
Atualmente o antigo sexto distrito de Soledade, faz parte do município de Segredo (RS), criado pela Lei n.º
8.591, de 5 de maio de 1988.
119
Outro aspecto que compôs a religiosidade dos Monges Barbudos foi o caráter
messiânico. Em Bela Vista, segundo a crença do movimento religioso, ocorreria o
cumprimento de uma profecia. Essa
Es a anunciava o retorno do salvador e junto des
desse estaria o
santo monge. Esse fato
ato ocorreria na semana santa de 1938, na capela dedicada a Santa
Catarina. Teria sido isso que motivou inúmeras pessoas a se dirigirem para o lugar. A
presença dessa multidão alarmou
alarm os moradores da localidade, os quais teriam solicitado
proteção às autoridades competentes.91
Inserida nessa crença, havia a ideia de que os membros da religião se tornariam donos
de todas as posses existentes na Terra e seriam salvos da grande catástrofe. Aos não
participantes restaria à condenação. Assim, “[...] com fundamento nas leituras bíblicas,
passou-se
se a apregoar o fim do mundo, sendo que os fieis só poderiam ser salvos em meio à
guerra santa, na qual os religiosos
religiosos mortos ressuscitariam em três dias, para se adonar das
terras e do comércio da região [...].” (SANTOS, In: CAMPOS, 1990, p. 18).
91
Pela proximidade geográfica foi solicitada proteção à delegacia de polícia do município de Sobradinho. Esta
ficava mais próxima do que a delegacia localizada na sede mun municipal
icipal de Soledade. Confira os mapas nos
Anexos.
120
Os resultados dos fatos foram publicados nas páginas da imprensa gaúcha, resultando
também num significativo número de documentos policiais, produzidos pelos soldados
designados, para reprimir e dispersar o grupo de fanáticos que assolava a referida região.
O final desse trágico e violento conflito envolvendo religiosidade e política, permeada
pelo medo e pelo desconhecimento, ficou descrito num dos relatórios apresentado ao
comandante geral da Brigada Militar.92
Originado na cultura religiosa popular, o movimento dos Monges Barbudos
organizou-se pelo mítico, pelo sagrado, pelo religioso. Porém, o seu fim esteve incluído em
questões políticas, das quais provavelmente não tinham conhecimento. Mesmo assim, recebeu
o tratamento destinado aos opositores da nova ordem política, ou seja, a repressão. O uso da
violência serviu aos interesses políticos do Estado.
Segundo a historiografia, a repressão foi imposta a “uma população toda, calculada em
2.000 pessoas, foi acusada de comunista e fanático, nos idos de 1937 e 1938 no nascer do
Estado Novo.” (WAGNER; PEREIRA, 1981, p. 9). Referente ao número de soldados
destacados para combater o movimento, consta que foram mobilizados 200 soldados, todos
bem armados e oriundos de Porto Alegre, Passo Fundo, Santa Maria, Sobradinho e Soledade.
(WAGNER; PEREIRA, 1981, p. 9).
A repressão proibiu a continuidade do movimento e dos seus encontros, chegando a
serem efetuadas prisões de alguns membros do grupo. No decorrer do ano de 1938, foi
mobilizada uma caçada a André Ferreira França, o Deca França, que acabou sendo morto no
mês de setembro daquele ano. Esse fato promoveu a abertura de um processo crime, a fim de
averiguar as circunstâncias em que tal morte ocorreu.
Muitos autores identificaram os Monges Barbudos como sendo o reflexo de uma
exclusão sócio-religiosa, agravada pelo “atraso” existente na região (WAGNER; PEREIRA,
1981; VERDI, 1987). Outros alegaram que eles foram resultado do “descaso do Estado”.
(CAMPOS, 1990; CREMONESE, 2004, MAESTRI, 2010), corroborando a teoria da falta; ou
seja, dessa maneira nega-se a expressão cultural da população local.
Ao definir o movimento, WAGNER e PEREIRA afirmaram que este “foi um
movimento religioso, político, econômico e social condimentado pela ação popular e
encenado às vistas do Estado Novo.” (WAGNER; PEREIRA, 1981, p. 76).
Wagner e Pereira, em determinados momentos, tangenciaram questões políticas,
como, por exemplo, a questão do medo diante das ideologias estrangeiras, tais como o
92
RELATÓRIO APRESENTADO AO COMANDANTE GERAL DA BRIGADA MILITAR PELO MAJOR
JOSÉ RODRIGUES DA SILVA, Porto Alegre, 12 JUL 1938.
121
Outra construção interpretativa, que almejava explicar quais teriam sido os motivos
para a violência praticada pelo Estado contra os membros do movimento dos Monges
Barbudos, pode ser identificada na obra de Valdemar Cirilo Verdi (1987). O autor indicou
como causa a situação política do Brasil isto é, a ditadura de Getúlio Vargas, sob vigência do
Estado Novo (VERDI, 1987, p. 141). Inseridos num contexto nacional de disputas políticas,
nas quais estavam presentes teorias comunistas e integralistas, o autor declarou que os
Monges Barbudos eram
Por todas as evidências e pelas declarações dos membros da seita, não houve
a mínima influência ou inspiração política nos fatos de Bela Vista, Lagoão,
Tunas, [...]. Os monges não eram integralistas, nem comunistas. Naqueles
fundões pouca gente sabia alguma coisa de política e menos ainda das novas
ideologias. Só possuíam tristes reminiscências das lutas fratricidas entre
borgistas e assisistas, ou ‘chimangos e maragatos’. (VERDI, 1987, p. 147).
A instauração do Estado Novo exigiu uma articulada ação política por parte de Getúlio
Vargas e dos governos estaduais, pois não havia consenso entre os governadores sobre a
necessidade de implantação do regime de caráter autoritário e centralista, permanecendo à
frente do comando da nação o próprio Vargas. Entre os estados que se opuseram à instauração
do novo regime estavam Rio Grande do Sul e Bahia. Seus respectivos governadores
impuseram acirrada disputa com o governo federal, porém, no fim, ambos deixaram os seus
cargos de governadores em seus estados. O projeto de caráter autoritário e centralista sagrou-
se vitorioso, sendo o Estado Novo implementado no país.
Destacamos também que, justamente nos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul,
ocorreram os dois movimentos sócio-religiosos duramente reprimidos no ano de 1938. Em
comum temos que ambos foram identificados com o comunismo, além de serem enquadrados
como oposição e também como ameaça ao novo regime. Esses grupos religiosos, a saber,
Monges Barbudos em Soledade (RS) e Pau de Colher em Casa Nova (BA), foram reprimidos
pelas forças militares, as quais seguiam ordens do governo. A repressão desenvolveu-se sob o
pretexto da defesa da segurança nacional e da manutenção da ordem. E isso não foi
exclusividade do Estado Novo. Na história do Brasil, principalmente na fase final do período
imperial e durante a Primeira República, tivemos a ocorrência de movimentos sócio-
religiosos, que foram igualmente reprimidos pelo governo, sendo que muitos destes também
foram identificados como ameaça à ordem nacional e acusados de promoverem desordem.
Eles foram envolvidos nas questões políticas, religiosas e sociais dos respectivos períodos nos
quais existiram, sendo identificados tanto nas páginas da imprensa como na documentação
policial como grupos de fanáticos.
Nacionalmente, destacamos a Guerra de Canudos (1893-1897)93 e a Guerra do
Contestado (1912-1916).94 Esses movimentos sociais, de características religiosas, também
estiveram envolvidos nas disputas políticas de seus contextos históricos, ou seja, no período
de consolidação da República e Primeira República respectivamente. Ambos foram
reprimidos pelo Estado em nome da pretensa defesa da ordem. Foram identificados por seus
opositores como grupos de fanáticos e como expressão da ignorância de seus participantes.
93
Sobre o assunto indicamos MONIZ, 1978; CUNHA, 1982; LEVINE, 1995.
94
Nos últimos anos ocorreu uma salutar renovação nas pesquisas sobre o Contestado. Neste sentido indicamos
GALLO, 1999; WEINHARDT, 2002; ESPIG, 2002 e 2011; DALFRÉ, 2004; MACHADO, 2004; ESPIG,
MACHADO (Orgs.), 2008; VALENTINI, ESPIG, MACHADO (Orgs.), 2012.
125
No caso do Rio Grande do Sul, também ocorreram outros movimentos sociais que
apresentaram características religiosas na sua composição. Dentre esses destacamos o caso
dos Mucker, ocorrido no Ferrabrás durante a segunda metade do século XIX95, e os Monges
de Pinheirinho, ocorrido no município de Encantado no ano de 1902.96
O caso dos Monges de Pinheirinho, sobre o qual há escassa bibliografia97, possibilita-
nos o acesso a informações sobre a ação repressora do Estado. Nesse caso, também se
identificaram a presença do santo monge, a crença da ressurreição, além de relatos de
supostos milagres.98 Essas informações contribuem para demonstrar a existência da crença
nesse santo popular em outras regiões do estado.
Segundo a historiografia, o líder dos Monges de Pinheirinho teria se retirado para o
município de Arvorezinha, informação presente nas obras publicadas durante a década de
1980 sobre os Monges Barbudos. Indicava também uma possível relação entre os dois
movimentos e destes com os Mucker. Na obra publicada por PEREIRA e WAGNER (1981,
p. 79-80.), consta um mapa no qual os autores reconstruíram uma possível rota de ligação
entre os remanescentes do Ferrabrás e os Monges Barbudos. Esses teriam passando por Roca
Sales, Encantado, Pinheirinho, Ilópolis, chegando ao município de Arvorezinha e deste teriam
rumado em direção ao distrito de Bela Vista, no interior de Soledade. Não nos convencemos
dessa versão para a origem do movimento de Soledade, apenas relatamos uma das
possibilidades que tinha por objetivo explicar a origem dos Monges Barbudos. Acreditamos
ser mais provável compreender a origem dos Monges Barbudos quando associada à tradição
religiosa popular que disseminou a crença no santo monge João Maria na região sul do Brasil
desde o século XIX.
Na fase de vigência do Estado Novo, identificamos que, além dos interventores, em
algumas localidades o governo fez uso da violência com o propósito de reprimir tanto os
opositores do novo regime, assim como a ocorrência de movimentos sócio-religiosos.
95
A localidade palco do conflito dos Mucker atualmente pertence ao município de Sapiranga – RS. Indicamos
sobre o assunto DICKIE, 1996; AMADO, 2002; GEVEHR, 2007.
96
Não defendemos uma continuidade entre esses movimentos, apenas demonstramos que, enquanto existiram, o
Estado sempre agiu de forma a reprimi-los. Salientamos que cada um desses movimentos ofereceu suas
particularidades, ocorreram em épocas distintas, tendo sido reprimidos por motivos distintos. Destacamos que
tais movimentos foram também rotulados como “fanáticos”, de um lado, e ameaça à ordem social e política, de
outro.
97
Uma das poucas obras conhecidas foi produzida por FERRI, 1975. Alguns documentos sobre o assunto estão
arrolados nas fontes documentais no final do trabalho.
98
“Os crentes em coisas miraculosas afirmavam que ele [o monge] passava o rio Taquari sem auxílio de canoas,
caminhando sobre a superfície das águas. Outros diziam que ele fazia ferver água para seus adeptos, sem auxílio
de lume, apenas pela imposição das mãos.” (A FEDERAÇÃO, Porto Alegre, 12 MAIO 1902, p. 1).
126
Não é nosso objetivo realizar um estudo da política baiana da década de 1930; faremos
apenas algumas referências ao movimento Pau de Colher99, ocorrido no interior da Bahia
entre os anos de 1934 e 1938. Assim, queremos exemplificar que o Estado Novo, no âmbito
nacional, buscou impor-se como regime em todas as regiões do país, sendo para isso
necessário eliminar o poder das lideranças regionais. Nesse contexto, também os camponeses
do movimento baiano foram identificados como ameaça à ordem e à segurança nacionais bem
como com o comunismo. Essas acusações serviram para fins políticos. Naquele período, o
“‘perigo vermelho’ era o inimigo comum de integralistas, nazistas, fascistas, liberais, de
Getúlio Vargas e de Flores da Cunha.” (BELLINTANI, 2002, p. 40). Ou seja, ao longo da
década de 1930, a ameaça comunista serviu como pretexto para os mais diferentes objetivos
políticos.
Nesse sentido, a repressão policial imposta ao movimento Pau de Colher e aos Monges
Barbudos demonstra o uso da violência por parte do Estado para a manutenção do poder.
Além disso, a constatação dessa prática repressora contribuiu para demonstrar que muitos dos
casos de violências ocorridos no Brasil, principalmente aqueles que foram praticados nos
meses iniciais do Estado Novo e que não ocorreram apenas para reprimir práticas religiosas
populares, mas serviram, sim, aos interesses políticos do Estado. Nos casos aqui
evidenciados, serviram para eliminar possíveis opositores e adversários do Estado Novo.
Flores da Cunha viveu em Montevidéu sob cerco policial que o vigiava a todo o
momento. Suas correspondências e suas atividades eram monitoradas pela polícia. Tentava-se,
a todo custo, dificultar e mesmo proibir que Flores da Cunha tivesse acesso à fronteira com o
Brasil através do Rio Grande do Sul, onde mantinha forte atividade política com seus aliados.
Mesmo sob todo o esforço para isolá-lo no Uruguai, Flores da Cunha conseguia
manter comunicação com seus aliados e continuava planejando a invasão armada ao Brasil, a
fim de derrubar o governo de Getúlio Vargas. Segundo CAGGIANI (1996, p. 160, nota, 1),
“Flores da Cunha não deixou nunca de conspirar com seus amigos e correligionários,
principalmente do Rio Grande do Sul, correspondendo-se com eles por meio de emissários
que iam e vinham de Montevidéu, via Santana do Livramento.” Assim, destacamos a
existência da conspiração orquestrada por Flores da Cunha do Uruguai. Esse fato contribui
99
Sobre o movimento Pau de Colher indicamos as seguintes obras: POMPA, 1995; BRITO, 1999; MONTEIRO,
2011.
127
para compreender a repressão imposta ao Rio Grande do Sul e aos supostos aliados do
florismo no estado.
Batista Luzardo, que nessa época ocupava a pasta de embaixador brasileiro, mantinha
estreita comunicação com o com governo uruguaio. A todo o momento, comunicava o
governo uruguaio sobre os subversivos que se encontravam em seu território. Relatava,
igualmente, as atividades e a capacidade de motins que esses elementos possuíam como
também a representativa ameaça à ordem instalada no Brasil. (cf. BELLINTANI, 2002, p.
69).
Segundo afirmação de BELLINTANI (2002, p. 69), “as relações diplomáticas entre
Brasil e Uruguai foram usadas como apoio por Luzardo para forçar o governo de Gabriel
Terra a colaborar com a perseguição de pessoas que poderiam intervir politicamente e pôr fim
ao Estado Novo.”
Porém, o governo Uruguaio permitiu algumas idas de Flores da Cunha à cidade de
Rivera, fato que gerou uma reação do governo brasileiro.
[...] foi nesse clima de perseguição incansável que Flores, embora vigiado,
oprimido e encarcerado em Montevidéu, conseguiu executar planos de
100
CARTA DE BATISTA LUZARDO A JOSÉ ESPALDER, 21/02/1938. Doc. nº 22. Arquivo Histórico Palácio
Itamaraty apud BELLINTANI, 2002, p. 69).
128
ataque ao Estado Novo e a toda sua estrutura. Fez acordos e alianças pela
derrubada do governo Vargas, contou com amigos e correligionários fiéis e
foi traído por outros, mas conspirou e tramou nos bastidores do exílio em
busca da ‘redemocratização’ do País. Enquanto Luzardo cumpria seu papel
em conter os avanços ‘floristas’, Flores procurava burlar o cerco que o
oprimia. (BELLINTANI, 2002, p. 70).
O governo Vargas estava atento a toda e qualquer ação revolucionária que se opusesse
ao Estado Novo. Dentre as ameaças existentes, encontrava-se a conspiração organizada por
Flores da Cunha, principalmente por grupos e membros políticos que ainda se encontravam
ligados ao florismo no Rio Grande do Sul. Assim, o governo federal intensificou a caça aos
armamentos que teriam sido comprados pelo ex-governador quando ainda estava no exercício
da função. Essa procura estendeu-se aos municípios do estado, principalmente os de fronteira
e àqueles que tinham estreita relação com Flores da Cunha. A polícia passou a ficar no
“encalço de pessoas que tivessem parentesco ou qualquer outra relação com José Antônio
Flores da Cunha” (BELLINTANI, 2002, p. 75). Foram efetuadas detenções de diversos
aliados de Flores essa atitude visava a demonstrar que a polícia estaria ciente das ações dos
conspiradores e que seus atos não passariam despercebidos pelo governo federal. Alguns
documentos demonstram que havia a preocupação com a formação de grupos floristas
prevendo um movimento armado para derrubar o Estado Novo.101
Conforme afirmou BELLINTANI (2002, p. 81), “Flores da Cunha não estava brincado
quando intencionava derrubar o governo de Vargas, com o apoio revolucionário de São Paulo,
da Bahia e de outros estados da União.”
Assim, podemos identificar que qualquer movimento suspeito estava sendo vigiado e
posteriormente reprimido pelo governo federal, sob acusações de serem adeptos do florismo
e/ou comunistas. Sob qualquer das acusações, seriam apontados como conspiradores contra a
ordem nacional.
Ao instaurar o novo regime, Vargas visava a “destruir as antigas estruturas do Estado
Brasileiro e de construir uma nova ordem que levasse à prosperidade e ao desenvolvimento,
Getúlio restringiu todas as liberdades e implantou sem resistências o Estado Novo [...].”
(BELLINTANI, 2002, p. 61).
101
Confira nota nº 65. Ao se despedir rumo ao exílio, Flores da Cunha tinha declarado que “se a democracia não
prevalecer de novo no Brasil, meus amigos e eu estaremos prontos para restabelecê-la, visto que todos
permanecerão de prontidão. A tirania não durará no Brasil, e dentro de poucos dias eu voltarei para o Rio Grande
do Sul para lutar contra ela.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 19 OUT 1937, p. 1).
129
O que se descobriu em parte é que alguns que hoje não existem mais, teriam
abusado da boa fé e candura ou digo melhor da simplicidade deste povo da
serra, o qual é religioso até ao extremo até a superstição, de tê-los desviado
de alguns princípios religiosos. Porém até hoje não foi descoberto que eles
faltassem de respeito às igrejas, as coisas sagradas, aos santos, aos
sacerdotes, e à moral da família, do lar, e tão pouco desrespeitassem as
famílias vizinhas.105
Como demonstrado, nos relatos acima, podemos identificar que muitas das acusações
não se confirmavam ou, pelo menos, não eram compartilhadas por todos. A afirmação adquire
peso justamente por ter sido efetuada por um membro da Igreja. Pelo que ficou registrado no
livro tombo, os membros do movimento dos Monges Barbudos não atentavam contra a moral,
nem contra as coisas sagradas, menos ainda contra a família. Segundo frei Clemente, o
movimento religioso não desrespeitava as demais famílias da localidade. Contrastando com
tal relato, temos a imprensa. Nesta, foi divulgada uma imagem diferente, como veremos em
seguida.
106
A mesma notícia foi reproduzida na edição do dia 27 ABR 1938, p. 14.
132
107
No dia 04 de novembro de 1890, na Vila de Santa Cruz, no Club União, surgiu a ideia de fundar um jornal
editado em língua alemã. Fundadores: Henrique Shütz, Carlos Trein Filho, Henrique Kessler, Adão Jost,
Philippe Heuser, Bernardo Krische, Abrahão Tatsch, Guilherme J. Eichenberg e Arthur Hermsdorf. Os primeiros
exemplares do jornal Kolonie foram impressos em Porto Alegre; só a partir de 28 de março de 1891 o jornal
passou a ser editado em Santa Cruz. Em 01 de janeiro de 1894 o jornal passou a ser de propriedade da firma
Stutzer & Hermosdorf. Desde 11 de março de 1893 o jornal já editava número especial para a Vila Germânica,
hoje Candelária. Em 02 de setembro de 1901 o Kolonie foi vendido aos pastores Friederich Klasing e Wilhelm
Kull. Em 10 de maio de 1905 Ernesto Riedl assumiu o cargo de redator. No dia 29 de outubro 1907 José Ernesto
Riedl e Adolfo Lamberts compraram a firma antiga, surgindo Lamberts & Riedl. A partir de janeiro de 1911, as
edições eram nas segundas, quartas e sextas-feiras. Com a Primeira Guerra Mundial e o ingresso do Brasil em 26
de outubro de 1917, o jornal Kolonie teve sua última edição em língua alemã em 29/10/1917. A segunda fase do
Kolonie iniciou em 19 de setembro de 1919, voltando a circular em língua alemã, continuando como editores
Lamberts & Riedl e José Ernesto Riedl como redator. As edições do jornal Kolonie chegaram até o dia
29/08/1941. (No período entre 15 de fevereiro de 1918 e 27 de junho de 1919, no qual o jornal Kolonie não foi
editado, circulou em Santa Cruz o jornal A Gazeta de Santa Cruz – Órgão do Partido Republicano de Santa Cruz,
editado em português. Mesmo assim, sofreu censuras do delegado de polícia local). (MARTIN, 1999, p. 141-
144).
108
KOLONIE, Santa Cruz do Sul, 27 MAIO 1938, p. 2 (CEDOC – UNISC.) O artigo foi publicado
originalmente em língua alemã. A tradução foi realizada por Luciana Dabdab Waquil, tradutora juramentada de
língua alemã, a pedido de Fabian Filatow, em 16/08/2012. A tradução está nos arquivos do autor. Confira
reprodução do trecho do artigo no anexo Y.
133
propiciaram a ocorrência dos Monges Barbudos estariam associadas à questão étnica dos
sujeitos que compuseram o movimento religioso, ou seja, o fato de esses serem “caboclos”,
gente do “mato” e do “campo”, de serem portadores de “credulidade”. Visões que se
aproximam das que foram destacadas por frei Clemente e que também estão presentes nos
documentos policiais.
Identificamos também a presença da “teoria da falta”, ou seja, construção
argumentativa na qual a justificativa utilizada para explicar a ocorrência de diferentes
movimentos sociais estaria atrelada à ausência do poder do Estado. Tal ausência seria
expressa na deficiente ou mesmo inexistente assistência social, restrito acesso à educação,
identificada na falta de unidades de ensino, no precário serviço de saúde pública, na falta de
amparo religioso etc., como se, na ausência do Estado, as comunidades buscassem outras
maneiras de suprir suas necessidades. Essa forma interpretativa desconsidera a existência de
uma longa tradição cultural presente na constituição desses grupos sociais, não considerando
suas crenças populares e religiosas como expressão cultural de determinada localidade ou
região.109
Essas localidades, como no caso da região de ação dos Monges Barbudos, estariam
esquecidas pelo Estado. Nesse sentido, podemos indicar que a cultura dos camponeses e
moradores daquela localidade não foi considerada. Ao que tudo indica, o autor da referida
carta trata-se, possivelmente, de um imigrante ou descendente provavelmente de origem
alemã, pois se refere ao movimento como gentes do “mato” e do “campo”. Além disso, temos
que remeteu sua correspondência para um jornal publicado em língua alemã de Santa Cruz do
Sul.
Na continuidade do artigo, temos a descrição da realidade vivenciada pela população
naquela região e das condições educacionais. Segundo o autor, mudanças deveriam ser postas
em prática, porém ele avisava que “não será fácil mudar esta situação.” (KOLONIE, Santa
Cruz do Sul, 27 ABR 1938, p. 2). Segundo o relatado temos,
109
Essa forma interpretativa foi rebatida por WITTER (2001 e 2007). Segundo a autora, o curandeirismo não
ocupava um espaço deixado pelo branco, mas sim ocupava o espaço que sempre ocupou.
134
Os saberes do povo do campo, desse caboclo, referente aos usos das ervas para fins
medicinais também estiveram presentes entre os membros do movimento dos Monges
135
Barbudos. Porém, acreditamos que esses conhecimentos não eram exclusividade deles, mas
sim uma característica dessa população, pois tinham, na natureza, muito mais do que sua lida
diária; tinham, além disso, a composição da sua cultura, a qual se prolongou no tempo,
destacando-se na figura do santo monge João Maria.
Além da questão cultural, dos saberes populares, o texto permite-nos perceber a
existência de um conflito étnico. Sobre esse conflito foi feita numa rápida referência, a qual
poderia passar despercebida, porém assume significativo valor quando investigada como
sinais, vestígios e rastros. (GINZBURG, 1989; 2007). Identifica-se, dessa maneira, o conflito
entre os intrusos que colonizaram os matos os imigrantes e seus descendentes e os moradores
do mato, os caboclos.110
Nos trechos destacados do artigo, percebemos que a região era desprovida de
atendimentos básicos, principalmente no campo da saúde e da educação, o que certamente não
era exclusividade de Soledade, mas uma realidade do interior do estado gaúcho. Porém,
acreditamos que, mesmo se esses serviços ofertados pelo Estado estivessem disponíveis
naquela região, tanto as crenças quanto os usos das ervas para fins medicinais continuariam a
existir entre a população, pois o uso das plantas e orações não estava atrelado à falta desses
serviços, mas sim à sua composição cultural, ou seja, essas práticas faziam parte da cultura
daquela população. Logo, a ação de possibilitar acesso à educação formal, à saúde pública,
seria uma forma de o Estado se impor, não deixando de ser uma violência, uma repressão
cultural.
Ainda inserida na explicação amparada pela “teoria da falta”, o artigo apresentou a
precariedade da assistência religiosa. Segundo o autor, esse fato também teria contribuído
para o surgimento de práticas alternativas, como a cultura do santo protetor.
110
Essa possibilidade de ter havido conflitos étnicos está presente nos trabalhos de KUJAWA, 2001 e KOPP,
2014.
136
Após apresentar suas opiniões sobre o contexto social e religioso, o autor passou a
descrever o acontecimento que motivou a escrita do artigo, ou seja, o fanatismo ocorrido no
sexto distrito de Soledade, relato que oferece contribuições para conhecermos alguns fatos do
conflito entre membros dos Monges Barbudos e os soldados da Brigada Militar. Segundo
consta,
Eles haviam exigido de Jacindo Bride que lhe entregasse a chave da capela
local em seu poder, a qual então ocuparam. O número de fanáticos era tão
137
grande que apenas uma parte deles encontrou lugar dentro da capela,
enquanto a maior parte se agrupou do lado de fora, ao redor da capela.
Pessoas vindas daquela região relataram que os fanáticos logo entoaram uma
prece muito confusa à Santa Catarina, nem sempre compreensível no grande
bulício de vozes. Uma vez que os “barbudos”, - assim se autodenominavam
esses fanáticos ou eram designados pelos moradores em razão de suas barbas
cerradas – declaravam de forma cada vez mais enérgica que tudo o que havia
no lugar pertencia a eles, [...]. (KOLONIE, Santa Cruz do Sul, 27 ABR
1938, p. 2).
[...] aqueles que disso discordavam, isto é, os moradores do lugar ainda não
contagiados pelo fanatismo, enviaram um certo Julio Telles à nossa Villa de
Sobradinho para solicitar auxílio do Delegado de Polícia Antônio B. Pontes.
Na Quinta-Feira Santa, dia 14, às 3 horas da madrugada, o Delegado e mais
os 7 brigadianos dos quais ele dispunha no momento se encaminharam para
o 6º Distrito de Soledade. Lá chegando, o Delegado distribuiu seu pessoal
nos pontos principais e instrui-os a não fazer uso de armas, uma vez que
haveria uma grande quantidade de mulheres e crianças entre os fanáticos.
Infelizmente, o que ocorreu não foi isso. Mal os soldados se aproximaram e
já foram recebidos por vários tiros de umas poucas pistolas velhas de que
dispunham alguns dos fanáticos. Para testar o poder de fogo dos fanáticos, os
soldados responderam com alguns tiros para o alto e foram se aproximando
da capela, onde o Delegado, então, deu voz de prisão aos presentes. Em
resposta, o líder dos fanáticos deu um tiro em direção a um soldado, mas não
o acertou e sim a uma mulher com uma criança no colo. Mãe e criança foram
atingidas pelo chumbo, sendo que a primeira foi tão gravemente ferida que
morreu em seguida. Os soldados, então, deram uma salva de tiros em direção
ao líder, mas esse escapou por uma porta lateral da capela para o mato,
138
A análise dos pontos dessa longa transcrição possibilita-nos conhecer alguns dos fatos
ocorridos no mês de abril de 1938, na localidade de Bela Vista, levando em conta que a data
efetiva da publicação, em 27 de abril daquele ano, nos permite indicá-lo como um dos relatos
mais imediatos ao conflito entre os membros do movimento sócio-religioso dos Monges
Barbudos e os soldados da Brigada Militar.
139
111
Cf. GINZBURG, 1989, p. 143-179.
140
Temos a informação que partiu de Santa Maria rumo a Soledade um grupo de militares
contendo 40 soldados com o propósito de normalizar a situação naquele município.
Na edição do dia 27 de abril de 1938, o jornal Correio do Povo voltou a noticiar sobre
os Monges Barbudos. Uma longa reportagem foi estampada numa página inteira contendo
fotografias dos monges presos e uma entrevista concedida pelo capitão Riograndino da Costa
e Silva, o qual relatou os acontecimentos da missão ocorrida em Soledade. A reportagem foi
intitulada Os fanáticos alarmavam as populações de Sobradinho e Soledade. Há dados sobre
a remessa das tropas para a região, as impressões do capitão sobre os Monges Barbudos, o
trabalho de doutrinação, os motivos, que, segundo o entrevistado, teriam contribuído para os
acontecimentos, os conflitos ocorridos e a pacificação da região, entre outras informações.
Assim nos é dado a conhecer que no mesmo dia em que os conflitos ocorreram em
Soledade, o governo estadual tomou ciência do ocorrido. Podemos ler no jornal que “no
mesmo dia em que se dera o fato, narrado ligeiramente pelo nosso correspondente de Santa
Maria, o governo foi cientificado de tudo o que ocorria, em virtude de comunicação recebida
dos delegados de polícia de Soledade e de Sobradinho.” (CORREIO DO POVO, Porto
Alegre, 27 ABR 1938, p. 14).
Devido a tais notícias, as autoridades do governo gaúcho resolveram enviar o capitão
Riograndino da Costa e Silva, o qual era delegado auxiliar, para a Soledade. Segundo
informado, o envio teve por fim “observar e colher impressões no local e ver se era possível
apurar as origens dos fatos ali ocorridos, que pareciam ser de certa gravidade e podiam
também assumir maiores proporções, pois, segundo informações, aquele povo estava tomado
do fanatismo religioso.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 14).
Destacamos a rápida movimentação posta em prática frente à possível ameaça do
grupo religioso, pois o capitão partiu na sexta-feira, pelo trem diurno de Porto Alegre,
chegando à noite daquele mesmo dia em Sobradinho. Viajou com o capitão o tenente Adil
Pereira de Vargas. No sábado, “partiu para a região onde se tinham verificado os
acontecimentos de que havia notícia nesta capital, indo, então, até próximo de Jacuizinho, no
município de Soledade, regressando, anteontem, a esta capital.” (CORREIO DO POVO, Porto
Alegre, 27 ABR 1938, p. 14).
Na entrevista concedida pelo capitão Riograndino da Costa e Silva, pode-se identificar
o nome das pessoas que compuseram a comitiva que rumou de Sobradinho para a região dos
conflitos naquele sábado pela manhã. Além do capitão e do tenente, que partiram de Porto
Alegre, em Sobradinho juntaram-se ao grupo o delegado do município, Antônio Pedro Pontes,
o juiz municipal, Henrique Freitas Lima Filho, Armando Andrade, Ludovico Tomazi e
141
Para o capitão, esse teria sido o resultado do trabalho de doutrinação objetivando ter a
adesão dos moradores dos municípios de Soledade e Sobradinho, “pois as pessoas já
inclinadas a professarem a religião, pela forma deturpada, vinham recebendo instruções pelas
quais deveria fazer visitas às igrejas.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p.
14).
Referente ao motivo que teria levado à reunião de um significativo número de pessoas
no sexto distrito de Soledade, Riograndino da Costa e Silva relatou que, através das
indagações feitas à população local, ficou sabendo
[...] que com a aproximação da semana santa correu o aviso por toda a região
que deveriam visitar a capela de Santa Catarina, situada em Bela Vista.
Assim, na quinta-feira santa, à noite, começaram a chegar ali mulheres,
homens, crianças e até famílias inteiras com chefes ou sem chefes, pois mais
de um caso é conhecido de mulheres que abandonaram seus maridos, por
estes não quererem acompanhá-las naquela estranha peregrinação de
vagabundos. A chegada de numerosas pessoas a Bela Vista, como era
natural, causou alarme entre os moradores do local. Sabia-se que elas
vinham do município de Soledade e que muitas não eram moradores do
distrito de Bela Vista. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938,
p. 14).
143
Teria sido devido à chegada dessas pessoas à localidade, somado ao medo de terem
suas casas invadidas, principalmente os donos das casas comerciais, conhecidas na região
como bodegas, foi solicitado auxílio da polícia. O pedido foi feito ao delegado de Sobradinho,
Antônio Pontes. Assim, “o delegado e uma pequena escolta do destacamento daquela vila
atenderam o chamado dirigindo-se para o lugar.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR
1938, p. 14).
Com a chegada do destacamento militar, ocorreu o primeiro conflito entre os membros
do movimento religioso dos Monges Barbudos e os soldados da Brigada Militar. Segundo
relatou o capitão Riograndino da Costa e Silva,
112
Confira nos anexos L, M e T o local onde está localizado o túmulo onde foi sepultado Tácio Fiúza na região.
144
Monges presos na localidade de Bela Vista. Estes foram apresentados como chefes do movimento dos
chamados “Monges Barbudos”. Fonte: CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 14.
No município de Sobradinho,
Sobradinho foram presas mais de “cem
m pessoas inclusive uma
mulher apontada, por eles, como sendo a Santa Catarina.
Catarina.”” (CORREIO DO POVO, Porto
Alegre, 27 ABR 1938, p. 14).113
“Uma
Uma turma de prisioneiros guardados por uma força da Brigada Militar”.
Militar Fonte: CORREIO DO
POVO, Porto Alegre,
Alegre 27 ABR 1938, p. 14.
113
Confira os anexos J e K, contendo outras imagens dos Monges Barbudos.
145
“Simãosinho,
Simãosinho, chefe dos fanáticos (centro do grupo)
grupo)”. Fonte: CORREIO DO POVO, Porto Alegre,
Alegre 27 ABR
1938, p. 14.
Tentando obter apoio para sua opinião sobre os Monges Barbudos, citou o encontro
ocorrido com o capitão José Rodrigues da Silva em Soledade.
114
Na documentação não consta o nome da pessoa ferida.
146
Quando se encontrou com o cap. José Rodrigues da Silva, que havia chegado
de Soledade, e se internara por este município em direção a Sobradinho,
aquele oficial também confirmou que essa era sua impressão quanto à atitude
dos fanáticos, não só pelo que tinha observado na zona que percorrera, como
pelo que tinha constatado tratando pessoalmente com os presos que se
encontravam em Jacuizinho. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR
1938, p. 14).
Para evitar que possam abandonar suas habitações e fazer reuniões em outros
pontos o cap. José Rodrigues da Silva vai espalhando pela região
destacamentos montados ou motorizados, que terão a vigilância de toda a
zona, no sentido de não permitir mesmo que, amanhã ou depois, se possam
repetir as reuniões em outros pontos diferentes. Para esse fim exatamente é
que ele já percorreu o município de Soledade e entrou em entendimento com
o delegado de Sobradinho, dando-lhe necessária orientação a esse respeito
reforçando, outrossim, o destacamento a fim de que o serviço nos distritos se
procedam com mais eficiência. Para maior eficácia desta ação, ainda vai
dirigir o serviço policial nos dois municípios, dispondo para isso não só dos
destacamentos locais como também dos reforços que foram enviados de
Santa Maria e de Passo Fundo. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27
ABR 1938, p. 14).
A fim de conter novos reagrupamentos religiosos e evitar que tais grupos persistissem
na ideia de se transportarem de uma localidade para outra, ou que pudessem a vir escapar
115
Sobre essa questão da ameaça confira BELLINTANI, 2002; CAMPOS, 2001.
147
pelos municípios próximos, foi desenvolvida uma “ação simultânea e nos mesmos moldes em
todas as comunas limítrofes.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 14).
Encerrando as providências, destacou as que seriam tomadas pelo governo do estado. Frente
ao caso ocorrido, e
[...] pela forma por que se apresenta, parece exigir apenas não uma ação
policial e militar, mas também outra de ordem educacional, é pensamento de
governo, primeiramente consagrar a maior atenção ao problema da instrução
naquela zona, procurando, interesse no caso, as autoridades eclesiásticas,
para que sacerdotes especialmente escolhidos sejam destacados para lá, a fim
de orientarem a solução conveniente, no ponto de vista religioso.
(CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 14).
em reação. Deste encontro, consta que morreram muitas pessoas dos Barbudos, inclusive
crianças e um soldado do destacamento; [...].” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 5 MAIO
1938, p. 4). A segunda versão declarou que “estavam os ‘Barbudos’ reunidos na referida
Igreja, em orações e praticas religiosas, quando a uns metros do templo se postou o
destacamento e fez fogo contra o local em que estavam os ‘Barbudos’ reunidos, em
consequência do que vieram morrer algumas pessoas e foram aprisionadas centenas de
crentes.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 5 MAIO 1938, p. 4).116
Segundo a publicação do jornal, o correspondente teria entrevistado alguns membros
do grupo dos Monges Barbudos que estavam presos na cadeia de Soledade. Entre os presos
que teria entrevistado estavam Cecílio Mariano dos Santos, Simão Silveirinha Fº., Maria
Cândida Ferreira de Camargo, José Cândido Ferreira Fiusa, José Domingos Camargo.
Segundo relatou, todos teriam se declarado católicos. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre,
5 MAIO 1938, p. 4).
Perguntando aos prisioneiros sobre a origem do movimento religioso, Cecílio Mariano
dos Santos teria lhe informado que
116
O correspondente do Correio do Povo entrevistou pessoas da sede do município de Soledade, não indo até o
local dos acontecimentos. Segundo afirmou, “em virtude de ser muito afastado da sede o local dos desagradáveis
acontecimentos e dificuldade de condução, não fizemos como desejáramos uma reportagem ‘in loco’.”
117
Ressaltamos que ocorreu uma confusão de sobrenomes, pois, segundo podemos averiguar, existiu André
França e Tácio Fiuza.
149
sobre quem corria a lenda de ser Santa Catarina.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 5 MAIO
1938, p. 4).
Indagando se era ela a Santa Catarina, a jovem teria respondido “que não era verdade e
que não pertencia a grupo religioso nenhum; que era católica e não era tão ignorante para se
julgar uma santa.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 5 MAIO 1938, p. 4). Questionada
sobre o motivo de sua prisão, teria declarado que “tinha ido assistir um terço na igreja
referida, quando foi dada a batida e presa; que nem mora ali. Os outros negam participar do
tal grupo de fanáticos.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 5 MAIO 1938, p. 4).
No final da reportagem, há referência à passagem do Capitão da Brigada Militar José
Rodrigues por Soledade rumo à região dos conflitos, a fim de “proceder um inquérito sobre o
que há de verdade sobre os ‘Barbudos’ em torno dos quais a imaginação popular vem tecendo
uma grande variedade de lendas.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 5 MAIO 1938, p. 4).
As publicações avançavam nos dias seguintes. Assim, no dia oito de maio de 1938,
novamente o Correio do Povo deu visibilidade aos acontecimentos de Soledade e publicou
uma nova palestra, agora do capitão da Brigada Militar José Rodrigues da Silva.
Segundo consta na reportagem,
Podemos perceber que, mesmo não se referindo ao santo monge, essa versão está
próxima das demais existentes sobre a presença de um andarilho na residência de André
França. Ainda referente à semelhança entre as versões, destacamos os ensinamentos sobre o
sagrado. Antes de deixar a casa na qual se hospedou, teria recomendado que “guardasse
aquele ‘xergão’ para curar os doentes, que nele fossem envolvidos, além do poder de produzir
milagres. E desapareceu prometendo que na ocasião oportuna estaria com os fieis, a fim de
guiá-los.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 8 MAIO 1938, p. 6).
Estava ciente da presença do capitão José Rodrigues da Silva em Soledade,
responsável “encarregado ‘in loco’ das necessárias investigações, a fim de esclarecer o
governo sobre a realidade dos acontecidos, fomos ouvi-lo no Hotel Weller, onde se acha
hospedado.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 8 MAIO 1938, p. 6).
O capitão recebeu o correspondente e concedeu-lhe uma entrevista. José Rodrigues da
Silva afirmou estar confiante que diante das medidas tomadas
118
Destacamos aqui que a referência ao nome Sales também está presente na documentação policial, nos
relatórios.
151
119
Consta na reportagem que davam como residência dos “Poderosos e Poderosíssimos” em Nonohay, no toldo
dos bugres e às margens do rio da Várzea.
152
Também o jornal Diário de Notícia do dia 27 de abril de 1938 dedicou reportagem aos
acontecimentos ocorridos em Soledade referente aos Monges Barbudos. Boa parte do que foi
publicado era semelhante ao veiculado pelo Correio do Povo, divergindo apenas em alguns
pequenos pontos. Nessa reportagem consta que “alarmado com a chegada das autoridades,
Tasso Fiuza atirou contra um soldado. Aquele chefe dos “monges-barbudos” foi, na mesma
ocasião, ferido, vindo a falecer mais tarde.” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto Alegre, 27 ABR
1938, p. 5).
Relatando a notícia de que um grupo de fanáticos, “superior a mil, inclusive mulheres
e crianças, haviam invadido os municípios de Soledade e Sobradinho.” (DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 5).
Ciente do caso, o governo estadual “tomou severas medidas, a fim de que não tivesse
maiores consequências o que ocorria nos referidos municípios.” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 5). Entre as providências mencionadas na reportagem,
153
encontramos que “o governo do Estado determinou que seguisse para o local uma força de 40
praças do 1º Regimento de Cavalaria, comandado pelo tenente Antônio Nunes Pontes, que de
Santa Maria, onde está sediado, partiu imediatamente, para Sobradinho.” (DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, Porto Alegre, 27 ABR 1938, p. 5). Podemos identificar a movimentação de um
considerável contingente militar, a fim de manter a ordem no interior de Soledade e região.
Além desse destacamento, também “foram dadas ordens ao 3º Regimento de Cavalaria em
Passo Fundo, para que seguisse para aquelas localidades.” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto
Alegre, 27 ABR 1938, p. 5).
No jornal Diário de Notícias datado de quatro de maio de 1938, identificamos a notícia
da chegada em Porto Alegre de um dos presos envolvidos nos acontecimentos de Soledade.
Conforme estampou a chamada da notícia, “chegou, preso, ontem, mais um ‘Monge’”. Na
reportagem constava que “com o auxílio de um reforço da Brigada Militar, foram dispersados
os turbulentos que voltaram aos seus lares, sendo contudo detidos alguns chefes, e enviados
para esta capital, juntamente com a ‘Santa Catarina’.” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto
Alegre, 4 MAIO 1938, p. 4). Nesse sentido, somos levados a destacar a possibilidade de que
outros participantes do movimento religioso de Soledade também tenham sido conduzidos
para Porto Alegre. Porém, a esse respeito, não localizamos nos documentos pesquisados
vestígios ou sinais que comprovassem essa possibilidade. Ainda segundo o que foi noticiado,
temos a informação de que “ontem, à noite, chegou preso a Porto Alegre, acompanhado de
uma escola da Brigada Militar, o ‘fanático’ Abilio Ferreira do Nascimento. O ‘monge
barbudo’ foi apresentado na Repartição Central de Polícia ao dr. Martins Rangel, sendo em
seguida conduzido à Casa de Correção, onde ficou detido.” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto
Alegre, 4 MAIO 1938, p. 4).120
A preocupação de trazer para a capital gaúcha os envolvidos nos conflitos ocorridos
em Soledade possibilita-nos pensar que a importância desses não estava restrita a uma
investigação contra a expressão religiosa somente. Toda essa organização militar foi montada,
a fim de conter o movimento dos Monges Barbudos, antes que esse viesse a se expandir e
causar problemas mais sérios e baseava-se na perspectiva política daquele período.
Identificava-se, ainda, com o contexto regional e particular vivenciado no estado do Rio
Grande do Sul, ou seja, eliminar possíveis grupos adversários do Estado Novo, dentre os
120
Segundo consta na reportagem, “[...] durante o curto espaço de tempo que Abilio esteve na central de polícia,
em conversa com os repórteres, disse que a sua religião é a católica e não acreditava noutra. Mais adiante
responde a uma pergunta dos presentes dizendo que trabalha na roça, e que somente três vezes foi à vila de
Soledade, sendo na última preso. E procurando fazer pilheria Abilio diz: - “Somente obrigado pela polícia fiz a
viagem a Porto Alegre. Talvez assim possa conhecer os homens do governo, em quem tenho votado nas
eleições”. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto Alegre, 4 MAIO 1938, p. 4.)
154
Podemos interpretar essa informação como sendo o período no qual ocorreu a situação
de maior tensão entre os membros do movimento e seus opositores, chegando até mesmo ao
conflito com soldados da Brigada Militar. Talvez essa breve referência contribua para elucidar
as possíveis razões para a não repressão ao grupo antes de 1938. Provavelmente o grupo
religioso já estivesse sendo gestado naquela localidade, possivelmente a partir de 1935, como
referenciado na historiografia, sendo sua formação relacionada com a tradição religiosa do
santo monge existente naquela região, sendo que, somente no período compreendido pelos
anos de 1937 e 1938, esse movimento tenha sido identificado como sendo uma possível
ameaça ao novo regime instituído, ou seja, a possível ameaça somente pode ser compreendida
se considerado o contexto no qual estiveram inseridos.
121
Referente à questão política envolvendo o movimento Pau de Colher, indicamos a pesquisa de MONTEIRO,
2011.
155
Após ter estado com os monges, ao regressar, frei Clemente dirigiu-se à capital do Rio
Grande do Sul com o propósito de expor os resultados da missão. Segundo publicado,
“regressando de sua missão, frei Clemente veio a esta capital, avistando-se ontem com o
capitão Aurelio Py, chefe de polícia e com o dr. Coelho de Souza, secretário da Educação,
expondo a ambos os resultados da visita que fez ao 6º distrito de Soledade.” (CORREIO DO
POVO, Porto Alegre, 23 DEZ 1938, p. 5).
Na entrevista concedida ao jornal Correio do Povo e publicada na edição de 23 de
dezembro de 1938, frei Clemente relatou como teve início sua estadia entre o grupo religioso.
Aceitei a missão com muito prazer, por partir do sr. capitão chefe de polícia
e por ser eu muito amigo das autoridades do município, esperando, assim,
encontrar nas mesmas auxílio e apoio em minha espinhosa incumbência.
Mas logo na nossa apresentação descobrimos que essas autoridades
municipais queriam fazer uma farra, dando ensejo aos perseguidores daquela
gente simples, mas honesta da colônia das Tunas, para saqueá-la, espancá-la
e massacrá-la como até aqui tinha acontecido. Mas a Providência veio ao seu
encontro e protegeu-a, porque a força armada já estava pronta em Soledade
para serem recomeçadas as mesmas atrocidades de outrora. Apesar de tudo,
ficamos firmes na nossa resolução de realizar um inquérito afastando toda a
paixão política e partidária. (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 23 DEZ
1938, p. 5).
A entrevista foi publicada no mês de dezembro de 1938, sendo que o frei estaria
recordando-se dos momentos ocorridos nos meses anteriores daquele ano. Tudo indica que a
violência era uma constante na região, deixando transparecer a existência de uma perseguição
por parte das autoridades municipais contra os moradores do sexto distrito. Pelo que consta na
publicação, estaria em Soledade uma força armada a fim de recomeçar com as atrocidades.
Acreditamos que frei Clemente estava se referindo às forças policiais que estariam em
Soledade para dar continuidade à busca ao líder dos Monges Barbudos André Ferreira França.
Ao descrever os preparativos para sua ida ao “reduto dos monges”, declarou:
O sacerdote tornou pública sua percepção sobre quem eram os sujeitos que
compuseram o movimento dos Monges Barbudos. Anteriormente, isso fora registrado no
reservado livro tombo da paróquia de Soledade, agora publicado no jornal Correio do Povo,
aberto a todos os interessados, descrevendo-os como gente simples, devota, honesta.
Em sua entrevista, o frei se referiu às acusações que existiam contra os Monges
Barbudos, dentre as quais estaria a ameaça de serem comunistas.
[...] os recibos de 1937 e quase todos deste ano, o que põe por terra mais essa
acusação. Acoimados de não trabalharem, e fomos encontrar todos, porém,
com roças bem plantadas de feijão, trigo, milho etc. Tudo isso demonstra
que as acusações atiradas contra os moradores da colônia das Tunas são
puras calunias. É proibido também pela religião andar armado de arma de
fogo e também de arma branca de excessivas dimensões. Pois os poucos
facões que tinham, lhes foram arrebatados pela polícia. Eles nos disseram
mesmo que não tinham faca nem para sangrar um porco. (CORREIO DO
POVO, Porto Alegre, 23 DEZ 1938, p. 5).
158
Além das questões religiosas expostas nos relatos acima, chama-nos a atenção o dado
de que os poucos facões existentes foram “arrebatados pela polícia”, ou seja, a chegada de frei
Clemente até a localidade dos Monges Barbudos deu-se posteriormente a ida da polícia. O
grupo já era conhecido e já fora investigado; talvez isso explique a veemência das precauções
propagadas pelo prefeito e pelo delegado de polícia quando da organização da ida do frei até o
“reduto” dos monges.
Na parte final da reportagem, consta a seguinte informação sobre a prática da
violência: “– Não vou relatar fatos em relação às violências da polícia, nas várias batidas,
porque são impressionantes demais.” (CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 23 DEZ 1938, p.
5).
Para dar legitimidade às descrições prestadas pelo religioso, foi publicado que
122
Na forma de jornal, circulou de outubro de 1976 a fevereiro de 1982, periodicidade mensal. Porém desde
novembro de 1975 já circulava como boletim interno da cooperativa dos jornalistas. Foi fundado pela
Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (a Coojornal), fundada em assembleia em 23/08/1974. Chegou a ter
314 associados e foi responsável pela edição de 33 jornais e boletins. O objetivo era abrir o mercado de trabalho
para os profissionais da área e reunir recursos financeiros para a criação de um jornal dos jornalistas. Sua linha
editorial buscava publicar notícias ausentes nos jornais da época, devido à censura imposta pela ditadura militar.
Abordava assuntos da realidade do país e do Cone Sul. Ocorreram processos contra o jornal e prisões de
jornalistas. Sua editoração apresentava formato tablóide, com charges, fotografias e gravuras. Na reportagem
sobre os Monges Barbudos há fotos, tanto dos monges quando dos militares. Teve circulação nacional e era
conhecido no Uruguai e na Argentina. A tiragem oscilava entre 30 e 50 mil exemplares. Existem edições no
AHPAMV, no Núcleo de Pesquisa em História da UFRGS – NPH/UFRGS e no Musecom. Fonte: Acervos
hemeroteca: jornais, revistas e almanaques. Projeto e organização de Silvia Rita de Moraes Vieira; texto e
pesquisa histórica Mariane Rocha Dias. Porto Alegre: Unidade Editorial da Secretaria Municipal da Cultura,
2003, p. 45-46; Porto Alegre. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal da Cultura. Acervos: jornais, revistas
e almanaques do Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho. Projeto e coordenação de Silvia Rita de
Moraes Vieira; texto e pesquisa Aryanne Cristina Torres Nunes, Mariane Rocha Dias e Silva Rita de Moraes
159
‘Tristeza grava, finca na memória como marca de gado, feita a ferro quente.’
É o que diz um velho, preso e torturado nos maus tempos, depois que se
rompem as desconfianças e essa história começa a ser enfim contada, em
1980. O velho, como toda uma população calculada em 2.000 pessoas, foi
acusado de comunista e fanático, nos idos de 1937 e 1938 no nascer do
Estado Novo. (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 28).
Vieira. 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: AHPAMV, 2011, p. 23-25. Na edição não consta o dia, somente o mês e
o ano da publicação, por isso utilizamos a mesma formatação indicar suas citações, ou seja, maio de 1980
seguido das respectivas páginas.
123
Em pesquisas de campo por Soledade e região, conversando e entrevistando alguns moradores, pude
identificar que muitos reproduzem trechos do livro produzido em 1981. As conversas ocorridas tiveram por
objetivo conhecer as memórias vigentes na localidade sobre os Monges Barbudos, obter informações sobre os
locais dos eventos, das fontes de água sagrada atribuídas ao santo monge, bem como das orações e histórias de
cura atribuídas a este santo popular.
160
Em sua caminhada sagrada rumo a Bela Vista, espalhavam o medo entre aqueles que
não aderiram à nova religião. O medo não se dava apenas pela aparência, mas “pela fama e
pela lenda que os precedia naquele dia 13 de abril de 1938.” (COOJORNAL, Porto Alegre,
MAIO 1980, p. 29).
Quanto às acusações que existiam contra os Monges Barbudos, a reportagem destaca
que se dizia “que suas reuniões eram feitas com as pessoas nuas. Que as mulheres
engravidavam após as sessões. Que entre eles respeitava-se a crença de que Santa Catarina e
Santa Terezinha estavam vivas, de carne e osso, ali, encarnadas em duas belas moças. E dizia-
se – sobretudo – que eram comunistas.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
No que diz respeito ao número de participantes presentes em Bela Vista, a reportagem não
apresenta um dado preciso. Segundo mencionado, os presentes “seriam 5.000 fiéis. Há quem
diga que eram 2.000, enquanto outros juram que não passavam de 500 monges.”
(COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
Na semana santa de 1938, “espalhou-se o boato de que vinham para aguardar o fim do
mundo. [...]. O mundo findaria, mas os monges escapariam e, salvos, herdariam o que
sobrasse. Todos virariam santos e ganhariam uma companhia muito especial: Cristo
ressuscitado.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
Na noite de 13 de abril, os comerciantes estavam de portas abertas. Porém, acabaram
os estoques de alimentos. “Como recorda o bodegueiro João Paulo Trevisan, que até hoje
possui casa de comércio bem em frente da igrejinha de Santa Catarina, foi quando cresceu
este medo que os comerciantes resolveram se unir, pegar nas armas e reagir. Foi ali o começo
da violência.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
Segundo relatado na reportagem, os comerciantes se reuniram na “bodega de
Trevisan” e estariam armados com “uma dúzia de revólveres, algumas caixas de balas e com
uns 10 homens.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29). Em meio a essa reunião
e pânico, teria sido escolhido “Oscar, filho do influente Júlio Telles [...] para sair
sorrateiramente e buscar a polícia em Sobradinho.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO
1980, p. 29).
A versão presente na reportagem sobre o conflito ocorrido entre os soldados, sob o
comando do delegado de Sobradinho, e os Monges Barbudos em Bela Vista destaca a ação
iniciada pelos militares às 8 horas, que teria durado até às 10 horas.
Noutras versões, no momento em que estaria sofrendo violência, declara que Tácio
“puxara de uma arma e com a destreza aprendida no Exército de Cruz Alta, onde servira, na
função de Comissário de Polícia, retruca a agressão, atirando enquanto foge.” (COOJORNAL,
Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
124
Coojornal, maio de 1980, p. 29.
125
Ainda segundo a reportagem, teria morrido “um outro menino, João Alves, que foi encontrado dias depois
apodrecendo no mato.” (Coojornal, Porto Alegre, MAIO de 1980, p. 29.)
162
Numa terceira versão para o fato, declarou-se que “agredido, Tácio sai arrastando-se,
debaixo de tiros, em busca de refúgio no mato.” Na continuidade do relato, temos que ele teria
se levantado, quando “é atingido, cai, arrasta-se. Mas ganha o esconderijo das árvores. É
levado até a casa de Guilherme Ritter, a meio caminho, entre Bela Vista e Jacuizinho. Perde
muito sangue. Na madrugada do dia 15 perde a vida.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO
1980, p. 29).
Segundo relatou Frederico Ibner, antigo bodegueiro e colono alemão, “o único
morador do Despraiado que não se converteu à seita, era crença corrente entre os
perseguidores, que os fanáticos velaram Tácio durante dois dias na esperança de vê-los
ressuscitar.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
Ainda conforme a reportagem, Tácio foi velado entre os dias 15 e 16 de abril, na
residência de Alípio Costa, na localidade conhecida como Rincão dos Bernabés, que ficava
próximo da Vila de Jacuizinho. A versão dos monges declarou que o “cadáver permaneceu
dois dias insepulto por causa das chuvas fortes que caíram naquela semana. No dia 16, ao
entardecer, decidiram enterrá-lo, como recorda seu filho Arator, hoje com 53 anos, ‘mesmo
com aquele aguaceiro todo’.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).126
Teriam comparecido ao seu enterro em torno de 500 pessoas, as quais teriam
permanecido na casa de Alípio Costa aguardando o tempo melhorar. No amanhecer do dia 17,
sucedeu-se novo tiroteio. A casa teria sido cercada pelos perseguidores, sendo todos os
presentes presos.127
Segundo relatou Izaltina Costa, que em 1980 estava com 57 anos,
126
Segundo a reportagem, “Anastácio Desidério Fiúza é enterrado vestindo fatiota azul, dentro de uma caixa de
pinho, feita às pressas, com tábuas brutas.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29). Tácio Fiúza
morrera aos 35 anos de idade.
127
“Um dos monges, conhecido como Júlio Cabeça, teria sido morto com um tiro que lhe arrebenta o peito. Ele
cai aos pés de Izaltina Costa, sobrinha de Alípio, menina de 15 anos.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO
1980, p. 29).
163
Na continuidade de seu relato, Izaltina afirma que na mangueira “foram aparados 102
crentes. Dormiam em galpões, amarrados, e de dia podiam tomar sol vigiados por atentos
soldados.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).
Outro depoente, Gregório Rodrigues da Costa, que também estivera preso na
mangueira, declarou que “eu pedia que me amarrassem uma corda no pescoço, [...] quando ia
buscar água para a comida no rio já prevenia o soldado. Me passa o laço. Só assim eles não
atiravam se eu fizesse um movimento suspeito. Aquela corda era o meu seguro de vida.”
(COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29).128
Depois de interrogados, “22 monges foram escolhidos como os mais perigosos e
enviados para Porto Alegre e Cachoeira do Sul.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980,
p. 29). Entre os presos estavam Alfredo dos Santos, conhecido como Ceguinho, Ananias
Costa, Alípio Gonçalves, Crescêncio Costa, José Crispim e Adão Alves. Estes retornaram sem
demora, porém tiveram cabelos e barbas cortados. A acusação de comunismo ficou
invalidada, pois “nada se conseguira provar, a nível político, contra eles.” (COOJORNAL,
Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29-30).129
Após os últimos dias do mês de abril de 1938, os membros dos Monges Barbudos
passaram a sofrer maiores represálias. Depois dos conflitos ocorridos em Bela Vista e com o
cerco ao velório em Rincão dos Bernabés, o assunto atinge o interventor Cordeiro de Farias.
Este despachou “em missão especial do governo do estado, a fim de dissolver um
agrupamento de indivíduos denominados de Fanáticos que hostilizavam a autoridade policial,
com quem chegaram a travar luta a mão armada”130 o capitão José Rodrigues da Silva, mais
quatro oficiais e 70 praças.
A reportagem registrou que também seguiram para a região, nesta mesma época, dia
20 de abril, “um destacamento de Passo Fundo comandado pelo sargento Luiz Getúlio Piegar
Goulart, um inspetor de Polícia Civil, Silvio Ronda, um padre capuchinho, frei Clemente de
Nova Bassano, um aspirante da Brigada Militar de Santa Maria, Wandenkolk Marques de
Freitas, e um militar do Exército, Riograndino da Costa e Silva.” (COOJORNAL, Porto
Alegre, MAIO 1980, p. 30).
Eram formados piquetes com cinco soldados e um paisano que servia de guia na
caçada. “As casas suspeitas eram cercadas e passava-se a corda nos moradores”, contou o
soldado João Gonçalves, conhecido em Arroio do Tigre como Joãozinho, e continuando
128
Gregório teria sido escolhido para ficar responsável pelo preparo do almoço.
129
Segundo relato de suas filhas, Izaltina e Ana, “após terem os cabelos cortados recebiam veneno na cabeça,
Crescêncio e Alípio ficaram cegos.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 29-30).
130
Boletim 169, da Brigada Militar, p. 240 e 241. (Arquivo da Brigada Militar, Porto Alegre – RS).
164
[...] eles chegavam atirando. [...] A gente apanhava feito bicho enraivecido.
Certa vez, quando vieram nos buscar, me assustei com os tiros e me enfiei
no porão. Só ouvia o tirotel e os gritos das mulheres que clamavam por Santa
Catarina. De repente tudo acalmou, era tiro para mais de 500 cartuchos.
Imaginei que tava tudo morto. Me tiraram do porão e na frente da casa vi
meus parentes vivos, sentados no chão. Me botaram junto e então
começaram os coices de fuzil nas paletas. Por duas vezes nos ameaçaram
fuzilar. Depois nos amarraram com barbante de chincha, botaram sal ali
onde a corda apertava e nos levaram por 16 quilômetros a pé, puxados pelos
que iam montados. Eram uns 60 perseguidores mas só 17 era soldado
mesmo, com farda. (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 30).
131
Ainda na reportagem podemos identificar algumas passagens sobre possíveis violências cometidas. “– Tio
Horácio Francisco raspou a barba, mas não tirou o bigode que ele tinha desde que os pelos apareceram na cara.
Era um bigodão de dar o maior orgulho. A polícia veio, pegou ele como se pega porco, tiraram o bigodão à
força. Tio Horário voltou de cabeça e cara raspada, branco, branco. A gente meio que riu, brincou com ele. Ele
chegou em casa dele, rompeu no choro de dar pena. No outro dia se matou de tanta vergonha. Narrativas
doloridas como a de João Maria podem ser recuperadas à vontade na região. Como a de Andreza Gonçalves, por
exemplo. Ela era chamada de Santa Catarina pelos fanáticos. E até hoje zombam anunciando-a como maluca –
mas ela está surda e castigada. Andreza conta com a tristeza guardada por todos estes anos as torturas que sofreu
e a honra que perdeu na casa dos pais diante da impetuosidade de um cabo da Brigada. Entre lágrimas, baixinho,
Andreza repete o refrão do soldado, na hora da desonra: - Vamos ver se a santinha é virgem mesmo...”.
(COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 30.)
165
questão de honra, pois “muitas vezes os monges responderam com tiros aos cercos que
fazíamos em suas casas. Eles não andavam desarmados, como se diz. Era uma questão moral
derrotá-los pois viviam em completa promiscuidade. E entre eles haviam criminosos
perigosos.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1938, p. 30).
Mesmo com o aparato policial montado para conter a ampliação dos Monges
Barbudos, com o elevado número de monges presos, André Frerreira França, o Deca França,
líder do grupo religioso, não havia sido apanhado. A reportagem do Coojornal apresentou
informações sobre esse líder religioso. Segundo informado, tinha em torno de 50 anos. Era
casado com Delfina e tinha nove filhos. Criava algumas cabeças de gado e plantava na
localidade denominada de Campestre, local próximo das divisas entre os municípios de
Soledade e Sobradinho. “Usava bombachas. Era considerado bom vizinho. Aquietado, mas de
prosa amistosa. Tinha fama de trabalhador e era apaixonado pela caça de pedras
semipreciosas, atividade comum na região. Não era de muitos risos. Era visto com frequência
nos bailes da vizinhança, com as três filhas.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1938, p.
30-31).132
Segundo o que foi relatado por Frederico Ibner, na época vizinho de Deca França, tudo
isso mudou após novembro de 1935, quando um andarilho esteve na sua residência. “Depois
disso Deca França nunca mais foi o mesmo.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p.
30).133
Na continuidade do seu relato aos repórteres do Coojornal, Frederico Ibner apresentou
seus motivos para não ingressar na nova religião. Segundo ele, “não acreditava, primeiro,
porque o Deca era um colono igual a gente, criado aqui no nosso meio; não ia, de repente,
virar santo. Segundo, porque esse pessoal todo, que era gente pobre e sem esperanças na vida,
foi engolido pelo fanatismo. Depois eu já tinha minha religião, sou luterano.” (COOJORNAL,
Porto Alegre, MAIO 1980, p. 30).
Ao que tudo indica, o luteranismo professado pode indicar a possibilidade de ter
existido um conflito entre concepções religiosas naquela localidade. Retomando a
historiografia, lembramo-nos do “choque cultural” (KUJAWA, 2001) que teria ocorrido
132
Segundo a reportagem, os nomes dos filhos de André Ferreira França eram: Estácio, Arvino, Sebastião,
Livino, Antônio, Francisco, Jovelina, Dolina e Virgínia. Após a morte dos líderes do movimento religioso,
muitos crentes emigraram para os lados de Iraí e Tenente Portela, outros atravessam a fronteira rumo a Santa
Catarina e até hoje se encontram filhos de Deca França no Paraná. (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p.
30-31).
133
Frederico Ibner seria conhecido como Lilico. Em sua entrevista declarou que nunca foi atraído pela seita,
porém teria participado de várias reuniões. (cf. COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 30).
166
quando se descobre onde está Deca França. Está na casa de José Crispim, num lugar chamado
Coloninha.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 30).
Era noite do dia 15 de agosto de 1938, André Ferreira França estava em companhia de
Crispim, Antônio Vital e Pedro Maura, quando a escolta cercou a casa. (Cf. COOJORNAL,
Porto Alegre, MAIO 1980, p. 31). Deca França morreu ao ser atingido por tiros.
Os autores da reportagem entrevistaram Piegas Goulart, na época com 68 anos. Tinha
o posto de capitão e encarregado do Presídio de Soledade. O ex-sargento relatou que Deca
França “estava armado com uma faca e investiu, agilmente, contra o cabo Antônio Porto. O
cabo não atirou de imediato. Recuou espantado com o avanço de Deca, tropeçou e só aí, caído
dramaticamente, a vida por um fio, resolveu fulminar Deca.” (COOJORNAL, Porto Alegre,
MAIO 1980, p. 31).
O corpo de André Ferreira França foi enterrado no dia 16 de agosto de 1938. “Sua
cova vigiada por quatro dias. Depois, o local é abandonado. E aparece ali uma pedra tosca, de
autor desconhecido e inscrição cautelosa. Em letras disformes escreveu, simplesmente: Aqui
jaz André F.” (COOJORNAL, Porto Alegre, MAIO 1980, p. 31).134
A violência e as circunstâncias, nas quais ocorreu essa morte, geraram a abertura de
um processo crime. O seu propósito seria o de averiguar a possibilidade de ter havido abuso
de poder praticado pela força militar designada para combater o movimento dos Monges
Barbudos, como veremos no próximo capítulo.
Outra fonte que contribui para refletirmos sobre a inserção dos Monges Barbudos no
contexto de disputas políticas são os documentos produzidos pelos policiais militares que
foram deslocados para Soledade com o propósito de acalmar a localidade. Eram relatórios
produzidos com o propósito de dar ciência aos superiores dos sucessos das ações
desenvolvidas contra os Monges Barbudos.
No relatório do 1º Tenente Januário Dutra, enviado ao comandante geral da Brigada
Militar em 30 de março de 1938, temos alguns indícios para a justificativa do uso da força:
134
Confira a fotografia desta lápide na imagem nº 10 deste trabalho.
168
No documento policial, podemos identificar que existia uma suspeita política sobre os
Monges Barbudos, pois o uso de “ideias subversivas” foi amplamente utilizado ao longo do
período do governo Vargas para identificar comunistas ou opositores ao regime. Destacamos
ainda a data desse documento que antecede em semanas o confronto ocorrido na localidade de
Bela Vista. Dessa maneira, temos a confirmação de que o grupo era conhecido e vigiado pela
força de segurança muito antes da marcha religiosa rumo à capela de Santa Catarina,
motivados pela crença do retorno do santo monge.
Podemos indicar que o movimento dos Monges Barbudos já era de conhecimento das
autoridades: no estado, através das informações prestadas pela Brigada Militar, e
nacionalmente pelo sistema de informação de Getúlio Vargas, que contava com informantes,
inclusive em Porto Alegre, como relatado no caso de Aladino Neves.136
Esse movimento militar que objetivou reconhecer e dispersar o grupo religioso
resultou no interrogatório de oito membros dos Monges Barbudos, os quais teriam se
apresentado livremente ao tenente Arlindo Rosa.
[...] no dia 22 de março, foi remetido pelo tenente Arlindo, um grupo de oito
fanáticos que haviam se apresentado a ele [...]. Interroguei demoradamente
cada um deles, verifiquei minuciosamente todos os documentos e demais
papéis que possuíam, não tendo encontrado tanto nas declarações como nos
papéis nada de importância, que indicasse a pregação de ideias exóticas.137
135
Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria. Relatório
enviado ao sr. Comandante Geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado pelo 1º Tenente
Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1.
136
Confira nota nº 65 referente à carta enviada por Aladino Neves para Alzira Vargas em 20/04/1938, na qual
relatava um grupo suspeito em Soledade.
137
Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria. Relatório
enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado pelo 1º Tenente
Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1.
169
organização religiosa. É o caso do relatório apresentado pelo então 2º tenente Arlindo Rosa
após ter permanecido dez dias em diligência na região do sexto distrito de Soledade, a fim de
investigar o caso dos Monges Barbudos. Nesse documento temos,
139
Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria. Relatório
enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado pelo 1º Tenente
Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1.
140
Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria. Relatório
enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado pelo 1º Tenente
Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1.
171
inocular, aos poucos, ideias exóticas aos moradores da referida região.”141 Mesmo nada
encontrando que comprovasse a suspeita de serem os Monges Barbudos agentes subversivos
ou propagadores de ideias exóticas, de desrespeitarem a autoridade policial, ou de atacarem as
famílias da localidade, prevalece a dúvida de que provavelmente tenha sido decisiva para os
trágicos acontecimentos ocorridos na capela dedicada a Santa Catarina.
Os acontecimentos datados de 13 e 17 do mês de abril de 1938 foram registrados no
relatório produzido pelo então tenente Januário Dutra. Nesse documento, podemos ler a sua
versão do que se sucedeu naqueles dias.
[...] nos lugares denominados Bela Vista e Rincão dos Bernabés uma grande
reunião de fanáticos que praticavam uma religião exótica e não conhecida,
tendo as referidas reuniões causado pânico entre os moradores dos referidos
lugares; ocasionado terem diversas pessoas pedido às autoridades garantias e
providências a respeito, pois os fanáticos haviam invadido o lugar
denominado Bela Vista e se apoderaram da igreja denominada Santa
Catarina, aonde localizaram um grande acampamento, tendo o chefe do
bando conforme consta, postado-se sobre o altar da referida igreja a tomar
chimarrão. O primeiro apelo foi dirigido ao Delegado de Polícia de
Sobradinho, cuja autoridade atendeu com presteza e dirigindo-se com uma
patrulha para o local Bela Vista, e, ao se aproximar do referido local foi
hostilmente recebido, tendo alguns dos componentes do bando feito disparos
de arma contra o delegado e sua patrulha, que revidaram a agressão,
resultando saírem diversos feridos, entre eles o chefe do bando Anastácio
Fiúza, que veio a falecer; também foram feitos diversos prisioneiros e o
restante do grupo foi dispersado.142
141
Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, Destacamento do 3º Regimento de Cavalaria. Relatório
enviado ao comandante geral da Brigada Militar. Soledade, 30 de março de 1938, assinado pelo 1º Tenente
Comandante do Destacamento Januário Dutra, p. 1.
142
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade, datado de 15 de maio de 1938, assinado, Januário
Dutra, p. 1. (APERS - Monges Barbudos).
143
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade, datado de 15 de maio de 1938, assinado, Januário
Dutra, p. 1. Constam no relatório os nomes dos 104 presos.
172
No auto de resistência, o qual foi assinado pelo delegado de polícia Antônio Pedro
Pontes, novamente surge a alegação de estarem os Monges Barbudos armados e de que teriam
resistido quando da chegada da força policial.
Podemos perceber que há uma diferença entre o primeiro e segundo relatório, sendo
que no primeiro os Monges Barbudos não representavam uma ameaça. No segundo, são
apresentados como portando armas, “[...] foram apreendidas em poder dos fanáticos duas
Winchesters e um revólver calibre quarenta e quatro”145, e oferecendo resistência. Esse fato
pode ter contribuído para legitimar o uso da força contra os membros do grupo religioso.
Junto ao relatório estavam anexadas algumas declarações que confirmam a versão
oficial da polícia, segundo a qual os monges eram um grupo de muitas pessoas. Porém, não há
consenso entre os declarantes quanto ao número dos participantes do movimento, oscilando
entre 800 e 2000 pessoas, e se estariam ou não portando armas.146
Mencionando a Lei de Emergência como forma de legitimar a ação policial, pode-se
perceber que o movimento dos Monges Barbudos foi enquadrado ou pelo menos tratado como
uma ameaça à ordem nacional, ao Estado Novo.
144
Documento enviado da 3ª Delegacia Regional - Delegacia de Polícia em Sobradinho, 22 de abril de 1938, p.
4. Endereçada ao Chefe de Polícia do Estado.
145
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade, datado de 15 de maio de 1938, assinado, Januário
Dutra, p. 1.
146
As declarações foram feitas por: Otacilio Floriano Pinto, Júlio da Silva Telles, Jacinto Bridi, Fidencio Patrício
de Britto, Manoel da Silva Telles, João Kraemer (este último é o dono da mangueira, local onde foram
aprisionados os monges), cabo Vergilio Felisberto Centenário e Soldado Oswaldo dos Santos. Confira o
Relatório de 15/05/1938.
147
Relatório enviado da Delegacia de Polícia em Soledade. 15 de maio de 1938, assinado, Januário Dutra, p. 4.
173
No terceiro relatório produzido pela Brigada Militar, redigido após a conclusão das
operações militares, temos que “[...] com as medidas adotadas, dentro de pouco tempo passou
a reinar completa ordem naquela região.”148 O major José Rodrigues da Silva, ao concluir o
relatório, sugere medidas complementares para a manutenção da ordem,
148
Relatório apresentado ao comandante geral da Brigada Militar pelo major José Rodrigues da Silva, sobre os
acontecimentos ocorridos nos municípios de Soledade e Sobradinho, com o surto de fanatismo religioso
praticado por elementos que se tornaram conhecidos por “monges barbudos”.
149
Relatório apresentado ao comandante geral da Brigada Militar pelo major José Rodrigues da Silva, sobre os
acontecimentos ocorridos nos municípios de Soledade e Sobradinho, com o surto de fanatismo religioso
praticado por elementos que se tornaram conhecidos por “monges barbudos”.
150
Brigada Militar. Estado Maior. 1ª Secção. Q. G. em Porto Alegre, 12 de julho de 1938 – terça-feira. Boletim
nº 154, p. 89. (Item XII). Arquivo do quartel general da Brigada Militar. Porto Alegre.
174
Nesse documento, consta que os Monges Barbudos eram hostis tantos às leis quanto às
autoridades. Essa versão vai de encontro às demais declarações prestadas pelos próprios
comandantes militares, quando relataram suas impressões sobre os membros do movimento
sócio-religioso.
Ainda segundo os Boletins do ano de 1938, temos a publicação do ofício nº 90, datado
do dia 20 de julho de 1938, enviado pelo interventor federal no Rio Grande do Sul em louvor
pela ação militar executada na região de Soledade. Destacamos que as informações foram
recebidas pela interventoria através do relatório enviado pelo major José Rodrigues da Silva.
Podemos perceber que o Estado estava ciente da ação militar e a par dos
acontecimentos que estavam ocorrendo na região de Soledade. Organizou uma ação de
repressão ao movimento, à ameaça que acreditava existir naquela localidade.
Acreditamos que a concepção de que eram hostis à lei e às autoridades possa ter
contribuído para a divulgação da ameaça comunista. Supomos que esse foi o motivo pelo qual
o Estado reprimiu de forma violenta os membros do movimento religioso de Soledade.
151
Brigada Militar. Estado Maior. 1ª Secção. Q. G. em Porto Alegre, 2 de agosto de 1938 – terça-feira. Boletim
nº 172, p. 278. (Item VI). Arquivo do quartel general da Brigada Militar. Porto Alegre.
175
152
Um artigo referente ao assassinato de André Ferreira França foi produzido por KOPP, 2011, p. 117-143.
153
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário contra cabo Antônio Porto, praça Lucas Campos Galvão,
civis Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo do Nascimento, Aparício Miranda e João Elberto
Oliveira. Volume I e II. Escrivaninha do Juri de Sobradinho. 1938-1942. (O documento está paginado apenas na
parte frontal das folhas, incluindo frente e verso. Deste modo, citaremos da seguinte forma: número da página,
que corresponderá à numerada no processo e utilizaremos página seguida da letra v (verso) para indicar que o
mesmo continua no verso da referida página). De agora em diante este documento será citado na forma
condensada: JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, seguido de informações específicas, quando
necessárias, e o número da página.
176
Constitucionalista e que não teriam sido devolvidos, além de possíveis compras de materiais
bélicos efetuados durante o governo de Flores da Cunha. Também estampavam os jornais da
época e os meios políticos o caso do jornalista assassinado Waldemar Rippol.154 Com a
abertura e instauração desses processos, a interventoria buscava demonstrar um novo
momento na vida nacional. Além disso, buscava ainda efetuar o julgamento dos possíveis
crimes cometidos no período anterior ao Estado Novo.
Acreditamos que também o caso das mortes ocorridas em agosto de 1938 em
Soledade, envolvendo pessoas identificadas com os Monges Barbudos, também estariam
inseridos nessa perspectiva: a de julgar a ação militar para demonstrar a imparcialidade do
novo regime. Salientamos que o processo foi instaurado contra os militares e os civis que
colaboraram com a força policial, os quais tiveram participação direta na ação de repressão
aos Monges Barbudos, repressão da qual resultou a morte dos principais líderes do
movimento e na prisão de alguns dos seus membros; porém, não foi aberto nenhum processo
contra os membros do grupo religioso.
Segundo a historiografia pertinente, André Ferreira França teria sido morto no
momento em que se entregaria aos policiais que o perseguiam por quatro meses, pois ele
estaria cansado de viver escondido. Com a leitura do processo crime, novas informações e
versões surgiram.
Mesmo nada tendo sido provado sobre as acusações que versavam acerca dos Monges
Barbudos, foi executada a repressão a seus membros. Contra eles, foi instaurada a proibição
de manterem suas reuniões religiosas. Foi essa proibição que gerou novos problemas aos
moradores daquela região.
Cientes de que o movimento dos Monges Barbudos carece de fontes documentais e de
que, dentre as existentes, não se destacam documentos que tenham sido redigidas pelos
membros do grupo, não podemos deixar de valorizar os processos crimes.
Das fontes que compõem o corpus documental disponível temos que significativa
parcela foi produzida pelos órgãos oficiais responsáveis por reprimir o movimento. Mesmo
assim, esses documentos oferecem significativas contribuições para uma análise mais
detalhada do movimento e dos motivos alegados pelo Estado a impor a esse uma violenta
repressão.
Destacamos igualmente que esses documentos, tanto os policiais quanto os judiciais,
foram elaborados no calor da hora, no momento em que reprimiam o movimento ou estavam
154
Cf. RANGEL, 2001. Várias notícias sobre o caso Waldemar Rippol estamparam as páginas do jornal Correio
do Povo no ano de 1938.
177
sob o impacto da ação. Estes, por sua vez, não tinham por objetivo a ampla divulgação nem a
intenção de serem expostos publicamente; eram documentos ordinários e internos da vida
cotidiana militar e política, que tinham como função dar ciência aos oficiais sobre os
acontecimentos ocorridos em Soledade. Outros objetivaram informar o interventor sobre os
acontecimentos, ações, resultados das ações militares postas em prática no combate ao grupo
de ideias “exóticas” e “subversivas” que “alarmava” a população de Soledade e Sobradinho.
Esses documentos associados às demais fontes oferecem alguns fragmentos através dos quais
podemos perceber sinais, rastros e vestígios do que teria acontecido, o motivo da repressão e
da violência praticada contra os camponeses da região de Soledade. Possibilitam também uma
interpretação para além da questão religiosa; não que esta estivesse ausente, muito pelo
contrário. Porém, possibilitou novas explicações para a prática da violência. Através do
questionamento e análise desse mosaico documental, indicamos significativa presença das
questões políticas no caso da repressão imposta aos Monges Barbudos.
Através desses processos, podemos ter acesso às narrativas produzidas pelas
testemunhas, as quais foram arroladas no mesmo, ou seja, aos relatos testemunhais tanto de
civis quanto de militares que estiveram envolvidos nos acontecimentos. Temos alguns
vestígios narrativos daqueles que acusaram e defenderam os envolvidos no crime ocorrido em
agosto de 1938, e que às vezes, remeteu-se a momentos anteriores.
Através desses, foi possível acessarmos alguns fragmentos narrativos produzidos a
partir dos relatos policiais que estiveram envolvidos na ação direta ou indiretamente. Esses
militares depuseram no processo instaurado para averiguar o caso da morte de Deca França.
Foram transcritos os depoimentos dos policiais que estiveram presentes nos acontecimentos
de agosto de 1938 e também os das autoridades policiais que eram responsáveis pela ação
repressora que não estavam presentes no teatro das operações.
Na leitura dessas narrativas, foram sendo resgatados alguns fragmentos de uma
história quase esquecida e perdida no tempo. Podemos extrair conteúdos significativos para
compreender essa história, não somente através do que está escrito nos autos, mas também
nas ausências, nas questões que não foram realizadas, formuladas, esquecidas, naquilo que
não foi considerado como relevante e que consequentemente deixou de ser investigado ou
apurado.
178
4.1 PROCESSO CRIME SUMÁRIO: MORTE DE ANDRÉ FERREIRA FRANÇA E ANTÔNIO MARIANO
DOS SANTOS
policiais até a casa na qual se reuniam os Monges Barbudos.155 Assim, Olavo Freitas
procedeu ao despacho, o qual foi efetuado no mês de fevereiro de 1939.
Somente depois de decorrido um ano do referido despacho, o processo voltou a ter
continuidade. No dia 8 de março de 1940, foi juntada cópia do ofício dirigido pela delegacia
ao comandante geral da Brigada Militar e a resposta.
Itacier Neri Gomes, então subdelegado do município de Sobradinho, expediu um
ofício respondendo pelo expediente na data de 03 de fevereiro de 1940. Neste, afirmava ser
necessário “concluir as investigações policiais em torno de umas prisões feitas no lugar
denominado Costa do Lagoão, [...] que, em consequência, foram mortos dois desordeiros
pertencentes ao grupo dos ‘barbudos’.”156
Podemos perceber o uso de adjetivação preconceituosa utilizada para designar as
vítimas fatais e os membros do movimento dos Monges Barbudos. Talvez esse possa ser um
dos motivos para explicar a lentidão disponibilizada ao tratamento e consequente andamento
do processo.
No mês de fevereiro de 1940, o subchefe do Estado Maior da Brigada Militar
confirmava que o cabo Antônio Porto e o soldado Lucas Campos Galvão “servem no 3º R.C.
e estiveram destacados em Soledade”157, informação que já estava presente na fase de
inquérito.
A confirmação de fatos é fundamental para o andamento dos processos, porém, nesse
caso, elas já constavam no mesmo. Foi assim que, entre o dia 16 de agosto de 1938 até o dia
11 de março de 1940, totalizando dezenove meses, as autoridades policiais de Sobradinho
prolongaram ou retardaram o desenvolvimento da causa na fase de inquérito policial.
Outro ponto do Processo crime que chama nossa atenção e merece destaque está em
sua parte final, quando foi apresentada a redação da sentença sobre o caso do assassinato de
André Ferreira França. O juiz de direito Aristide Dutra Boeira comparou o movimento dos
Monges Barbudos com os Mucker e com os rebeldes de Canudos.158 Com a construção desta
relação direta entre os Monges Barbudos e os movimentos sócio-religiosos que o
antecederam, com toda essa tradição de condenação existente sobre suas ocorrências, não
poderia ser outra a sentença senão a absolvição dos réus do processo instaurado. A ocorrência
do movimento sócio-religioso de Soledade foi julgada tendo como referência Mucker e
155
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, p. 19v.
156
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, p. 21.
157
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, p. 22.
158
Aristide Durta Boeira, Juiz de Direito. Candelária, 30 de março de 1942. In: JUSTIÇA PÚBLICA. Processo
Crime Sumário, vol. II, p. 203, 203v, 204 e 204v.
180
Canudos. A sentença dada pelo juiz no final de cinco anos foi favorável à ação repressora do
Estado.
A conclusão do processo, além de ser favorável aos agentes militares, chegou a ponto
de indicar como culpados os próprios camponeses que se reuniam em torno das crenças
religiosas, desrespeitando a imposição da proibição do culto religioso e das reuniões que se
davam nas residências daquela localidade do interior de Soledade. Em nome da ordem, em
nome da legitimidade do poder do Estado, a repressão imposta aos Monges Barbudos, a
violência praticada e os crimes decorridos foram absolvidos pelo juiz.
Porém, além da objetividade e da já esperada sentença prolatada, temos um longo
caminho de produção da documentação que compôs o referido processo crime. Essa
prolongada jornada judicial possibilitou-nos identificar algumas narrativas, as quais
contribuíram para que pudéssemos compreender um pouco melhor o contexto e
acontecimentos que envolveram camponeses do interior de Soledade e que alarmou as
autoridades policiais e a sociedade local.
O movimento dos Monges Barbudos, que, segundo a historiografia, teria reunido
aproximadamente mil pessoas159 nos sertões de Soledade e acabou recebendo o tratamento
que era comum quando o Estado se via ameaçado por movimentos desse tipo, como nos casos
dos Mucker, Canudos e Contestado.
O fato que se destacou no caso dos Monges Barbudos foi justamente a abertura do
processo crime com o propósito de apurar as circunstâncias nas quais ocorreram as mortes dos
participantes do movimento religioso, indiciar como réus os policiais que atuaram em missão
oficial, bem como os civis que os auxiliaram e tiveram participação na ação policial que agiu
sob ordens do governo estadual, como já demonstrado e analisado anteriormente. Tanto na
documentação policial quanto nas publicações da imprensa, estava explícita a existência de
um grupo subversivo naquela região. Havia em Soledade uma ameaça à ordem, uma possível
relação com ideias comunistas. Então, por que julgar a ação militar?
O que estava sendo julgado era o movimento sócio-religioso dos Monges Barbudos,
mesmo que os réus tenham sido militares e civis participantes da ação que resultou na morte
de André Ferreira França. O processo definiu que a repressão estava legitimada pelo
desrespeito do grupo à lei vigente que proibia a reunião de pessoas sem autorização e pela
absolvição dos réus indiciados no processo. Como indicamos acima, a abertura do processo
159
Cf. FERREIRA; WAGNER, 1981, p. 10.
181
estava inserida no contexto do novo governo liderado no Rio Grande do Sul pelo novo
interventor federal.
160
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Vol. I, p. 05-06.
182
mesmos. Esse dado condiz com as informações que destacavam que os Monges Barbudos
tinham sua crença religiosa em proximidade com a natureza, utilizando-se de ervas para fins
curativos, como recursos medicinais. Como nos referimos acima, muitas vezes o que foi
silenciado pode também contribuir para nossa interpretação. Nesse sentido é que destacamos
o fato de não ter sido mencionado o uso de armas de fogo por parte de André Ferreira França
e Antônio Mariano dos Santos. Não foi encontrada arma de fogo em poder de nenhum dos
monges presentes na casa. Nem mesmo no interior da residência.
Dos exames que foram realizados no corpo de Antônio Mariano dos Santos, os peritos
notificados declararam que este teria a idade de 48 anos. Era casado, de cor branca, natural
desse estado, morador da Costa do Rio Lagoão, e com profissão ignorada. Segundo alegaram,
Santos foi morto com um tiro fatal na cabeça, na região frontal do lado esquerdo.161
Na continuidade do processo, já na fase judicial, Rodolpho Carlos Textor foi arrolado
como testemunha de defesa do civil Pedro Simon162, porém não mencionou seu trabalho como
perito notificado.163
Na delegacia de Sobradinho, o subdelegado Sady Correa Bastos coletou alguns
depoimentos sobre o ocorrido na Coloninha. Assim, prestaram depoimento Jorge Kautzmann
e Evaristo Rodrigues da Silva.
Em seu depoimento, Jorge Kautzmann, que residia no 6º distrito de Soledade, na
Coloninha, declarou que ele mesmo mandou avisar o destacamento das Tunas sobre a reunião
dos barbudos. Declarou que, nessa reunião, estava presente André Ferreira França e que ela
ocorria na casa de José Crespim.
Evaristo Rodrigues da Silva informou, em seu depoimento, que dias antes já corriam
boatos da presença do líder dos barbudos no Lagoão e que este estaria realizando reuniões
com os adeptos. Ao anoitecer do dia 15 de agosto, viu o monge acompanhado dirigir-se para a
casa de Crespim.164
Segundo os dois depoimentos mencionados, podemos identificar que havia uma
proibição para as reuniões dos Monges Barbudos. E mais, que existiria uma rede de
informantes, a fim de denunciá-los às autoridades policiais.
161
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Autos de Necrópsia, p. 8, 8v, 9 e 9v.
162
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Audiência. 4ª Testemunha, Rodolpho Carlos
Textor. Sobradinho, 29 de outubro de 1941, p. 143, 143v.
163
Paulo Bernhard também foi arrolado como testemunha de Pedro Simon, porém seu depoimento não chegou a
ocorrer. Provavelmente apenas assinaram o laudo elaborado por Sady Bastos, conforme declarou o próprio
subdelegado no depoimento judicial.
164
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Relatório, Vol. I, p. 5-6.
183
165
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Declaração do cabo Antônio Porto, 16/08/1938, p. 10-11.
184
Segundo consta, o corpo de Antônio Mariano dos Santos foi entregue à família para
que fosse efetuado o velório na sua residência e posterior sepultamento. O corpo de André
Ferreira França teria sido sepultado em um cemitério da própria localidade da Costa do
Lagoão, segundo a autoridade policial, sem que ninguém tivesse solicitado o corpo.166
166
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Relatório, Vol. I, p. 6.
185
levado em consideração. Nesses relatos, temos a confirmação da versão policial frente ao que
teria ocorrido na casa de Crespim. Nós os destacamos, pois, no decorrer do processo, na
segunda fase, estes sofreram alterações significativas.
Estando em liberdade e decorridos nove dias dos acontecimentos, o delegado de
Sobradinho, Antônio Pedro Pontes, tomou o depoimento de José Crespim da Rosa, o qual
ocorreu no dia 25 de agosto, e de Pantaleão da Silva, ocorrido no dia 26 de agosto de 1938.
Em depoimento, José Crespim da Rosa, com idade de 38 anos, agricultor, casado pelo
padre e residente no 1º distrito de Sobradinho, declarou que no dia 15 de agosto estava em sua
casa e na presença de sua família. Por volta de 20 horas, chegou Deca França acompanhado
de dez pessoas. De madrugada, “uma hora antes de amanhecer para o dia 16, bateu em sua
casa uma escolta composta do cabo Antônio Porto, um praça e alguns civis.”167
Crespim identificou quatro dos cinco civis participantes: Pedro Simon, Benedito
Nascimento, João e Aparício. Nesse depoimento, confirmou a versão dos policiais, ou seja, de
que os barbudos “ao pressentirem a chegada da escolta, puseram-se em movimento e
resistiram à prisão, tendo Deca e Antônio Vidal agido de faca contra o cabo e o praça.” Ficou
registrada a ocorrência de luta corporal e que “o depoente [...] não viu os civis que
compunham a escolta tomarem parte na briga.” Relatou ainda que, depois de “serenada a
briga, o cabo Porto deu voz de prisão ao depoente e a Pantaleão Moura da Silva”, que os
detidos, seguiram presos para Soledade.168
No depoimento, Pantaleão Moura da Silva169, com a idade de 18 anos, solteiro,
analfabeto e residente no 6º distrito de Soledade, negou seu envolvimento com o grupo dos
Monges Barbudos. Reiterou a resistência à prisão, mencionou uma briga e também inocentou
os civis que acompanharam os policiais. Reconheceu Pedro Simão, seu filho e o peão
Aparício. No lugar do depoente, por esse não ser alfabetizado, assinou seu sogro, Antônio C.
da Silva. As informações desse primeiro depoimento ocorrido na delegacia de Sobradinho
sofreram alterações na fase judicial do processo, como veremos a seguir.
A segunda fase do processo, a judicial, também apresentou lentidão. Assim que foi
concluída a primeira fase do inquérito policial, em 11 de março de 1940, os autos só
chegaram ao promotor de justiça nove meses depois, no dia 11 de dezembro daquele ano. Em
28 de maio, o escrivão Eloy de Oliveira Brito informou que encontrou os autos parados.
Registrou, novamente, a conclusão e remeteu ao juiz. Em 11 de dezembro, o escrivão
167
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Declaração de José Crespim da Rosa, 25/08/1938, p.11v, 12.
168
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Declaração de José Crespim da Rosa, 25/08/1938, p.11v, 12.
169
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Declaração de Pantaleão Moura da Silva, 26/08/1938, p.
12,12v.
186
designado, Berto Lazzari, informou ao juiz de Sobradinho que “por determinação verbal de
V.S., no arquivo de autos parados do titular do cartório, sr. Eloy de Oliveira Brito, em sua
casa, encontrei os presentes autos.”170
Somente no dia 8 de janeiro de 1941, Olavo de C. Freitas, então promotor público da
comarca de Candelária, ofereceu denúncia contra os militares e civis envolvidos na morte dos
membros do grupo dos Monges Barbudos ocorridas em agosto de 1938. Todos foram
“incursos na sanção do art. 231 combinado com o art. 294 da Consolidação das Leis
Penais.”171
A formulação da denúncia estava embasada na existência de abuso de autoridade
(artigo 231) e premeditação (artigo 294). Porém, na continuidade do processo ocorreu a
ratificação da versão militar.
No texto da denúncia, podemos identificar a opinião do promotor sobre o que vinha
acontecendo no interior dos municípios de Soledade e Sobradinho. No texto, o promotor
referiu-se à “seita” dos “barbudos” da “chefia” do “monge” Deca e seus adeptos, na totalidade
pessoas sem nenhum conhecimento. Viviam ora se reunindo numa casa, ora noutra. Por fim,
arrolou como testemunhas de acusação José Crespim da Rosa, Pantaleão Moura da Silva e
Jorge Kautzmann.172
Decorridos dois anos e meio dos acontecimentos que levaram à abertura do processo,
no dia 10 de janeiro de 1941 o juiz da comarca de Candelária, Aristides Dutra Boeira, com
jurisdição no termo de Sobradinho, solicitou ao juiz municipal de Soledade que interrogasse
as testemunhas e avisasse os réus para prepararem a defesa.
Em Soledade, o juiz Carvalho avisou os civis que a audiência ocorreria no dia 10 de
abril de 1941. Informou, igualmente, da impossibilidade do comparecimento de João Elberto
de Oliveira, por este se encontrar preso na cadeia local. Os depoimentos foram acompanhados
por Aristides Boeira e por Ivâncio da Silva Pacheco, então promotor público.
Nas audiências, os acusados pouco declararam. Podemos destacar como exceção o
depoimento de José Henrique Simon, então contando 23 anos, o qual disse ser agricultor,
170
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, p. 24v.
171
A Consolidação das Leis Penais de 1932, em seu artigo 231, da Secção VI – caracteriza excesso ou abuso de
autoridade e usurpação de função pública -, penaliza com a perda do emprego ou suspensão daquele que
“cometer qualquer violência no exercício das funções do emprego ou a pretexto de exercê-la”. O artigo 294
referia-se ao homicídio, prevendo agravamento, entre outros casos, previsto no artigo 39, inciso 2º “ter sido o
crime cometido com premeditação, mediando entre a deliberação criminosa e a execução o espaço, pelo menos,
de vinte e quatro horas”; inciso 11º “ter sido o crime cometido com arrombamento”; inciso 13º “ter sido o crime
ajustado entre dois ou mais indivíduos”; inciso 14º “ter sido o crime cometido [...] em casas onde se celebrarem
reuniões públicas”. (PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil. Evolução Histórica. Bauru/SP:
Editora Jalovi, 1980, p. 332, 333, 365, 366, 379.)
172
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Promotoria Pública de Candelária, p. 02 e 03.
187
solteiro, natural de Soledade, nascido e residente em Tunas. Simon assumiu ser inimigo de
José Crespim e de Pantaleão Moura. Referentemente à participação dos civis, afirmou que
foram convidados a acompanhar os militares na diligência, “não lhe sendo revelada em que
consistia.” Ao chegarem à casa de Crespim, cumpriu a ordem que lhe foi dada, “o cabo
mandou que cercassem a dita casa e dali do lugar onde mandou que ficassem não deviam
arredar pé [...] o declarante ouviu de seis a oito tiros, mas não pôde precisar como se
desenrolou o conflito, por isso que estava postado nos fundos da casa e o fato ocorreu na
frente desta.”173
Tanto Benedito Paulo do Nascimento, com idade de 43 anos, agricultor, casado,
natural de Soledade, morador em Tunas há seis anos, como Pedro Guilherme Simon, com 54
anos, lavrador, casado, natural de São Pedro, morador da Colônia das Tunas há 25 anos,
declararam-se inimigos de José Crespim e de Pantaleão Moura.
Aparício Manoel Miranda, casado, analfabeto, natural de Soledade e residente na
Colônia de Tunas há 20 anos, colono, com idade aproximada de uns “trinta e poucos anos de
idade”, acreditava ser desafeto de José Crespim e de Pantaleão Moura, por ter acompanhado a
escolta. Declarou ter sido intimado pelo cabo Porto. No final, disse ser inocente.174
Dizendo não disporem de recursos financeiros para providenciar as respectivas
defesas, foi nomeado como advogado para defender os acusados Henrique de Freitas Lima
Filho. O referido advogado havia sido juiz municipal de Sobradinho na época dos conflitos
ocorridos na localidade de Bela Vista, em abril de 1938.175
O processo prolongou-se no tempo pela morosidade em se fazer ouvir os envolvidos
nos acontecimentos. Em janeiro de 1941, o juiz tomou conhecimento de que o cabo Antônio
Porto havia dado baixa da Brigada Militar e que o soldado Lucas de Campos Galvão estava
destacado em Soledade. Segundo informou o oficial de justiça de Soledade, no dia 5 de julho,
o ex-cabo Antônio Porto estava trabalhando na Viação Férrea de Passo Fundo. Em abril, o
juiz Aristides Boeira tomou medidas para fazer ouvir o depoimento do soldado Galvão, pois a
precatória expedida em 11 de janeiro para Soledade ainda não tinha sido encaminhada. No
telegrama enviado no mês de junho, o juiz Aristide Boeira novamente solicitou ao juiz de
173
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Interrogatório do réu José Henrique Simon, p. 29, 29v.
174
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Interrogatório do réu Aparício Manoel Miranda, p. 28.
175
Henrique de Freitas Lima foi juiz municipal de Sobradinho. Tinha conhecimento sobre o movimento dos
Monges Barbudos. Na entrevista publicada pelo CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 27 ABR 1938, temos a
informação de que o capitão Riograndino da Costa e Silva esteve no interior dos municípios de Soledade e
Sobradinho para buscar informações para o Chefe de Polícia e para o Interventor Federal sobre os
acontecimentos da Páscoa que resultaram na morte de Anastácio Fiúza. Em Sobradinho, contou com a
colaboração do delegado, Antônio Pedro Pontes, do prefeito, Santo Carniel, e do juiz municipal, Henrique de
Freitas Lima. Juntamente com comerciantes locais, acompanharam a viagem pelo interior dos municípios.
188
Soledade a devolução das precatórias. Nesse documento, reiterou o pedido feito no mês de
abril, no qual solicitava a transferência de João Elberto para a cadeia de Sobradinho a fim de
ser colhido seu depoimento, uma vez que ele estava preso, aguardando apelação com relação
a outro processo. Solicitou que o soldado e o cabo fossem avisados para depor no dia 16 de
julho.176
João Elberto de Oliveira, na data marcada, 16 de julho de 1941, deu seu depoimento
pela primeira vez. Com a idade de 30 anos, analfabeto, lavrador, casado, natural de Soledade
e residente em Tunas, declarou-se pobre. Foi nomeado como defensor o advogado Pedro da
Costa Gouvêa.177
O soldado Lucas de Campos Galvão efetuou seu depoimento no dia 17 de julho de
1941. Com 24 anos, analfabeto, solteiro, natural de Lagoa Vermelha e residente em Passo
Fundo há 18 anos. Referentemente às testemunhas, registrou que desconhecia Evaristo da
Silva. Em seu depoimento, declarou que “a única coisa que fez, foi abrir a porta da frente na
ocasião em que os homens saíram pelos fundos.” Esse é um fragmento, um pequeno dado,
porém muito significativo, pois abriu a possibilidade da dúvida, por ser discordante das
narrativas até então defendidas sobre as circunstâncias em que foram atingidos André Ferreira
França e Antônio Mariano dos Santos. Declarando-se pobre, foi nomeado o advogado
Henrique de Freitas Lima Filho para sua defesa.178
No dia 5 de agosto de 1941, ocorreu o segundo interrogatório do agora ex-cabo
Antônio Porto179, com 31 anos, casado, natural de Ijuí e residindo há seis anos no município
de Passo Fundo. Mostrou-se mais reservado do que no primeiro interrogatório ocorrido na
delegacia de Sobradinho em 1938. Optou por nada declarar, afirmando que oportunamente
provaria sua inocência. Declarando ser pobre, foi nomeado o advogado Henrique de Freitas
Lima Filho como assistente judiciário.
Percebe-se que a ocorrência das audiências pouco contribuiu para elucidar o caso da
morte dos membros do movimento dos Monges Barbudos. Porém, alguns fragmentos
presentes nas declarações possibilitam identificar a existência de contradições sobre as
versões de como os fatos teriam ocorridos. Colaboraram para reforçar a ideia de que as
176
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Telegrama Juiz de Direito Candelária, 14/06/1941, para Juiz
de Direito de Soledade, p. 49.
177
O nome do réu Oliveira não aparece na defesa coletiva formulada pelo advogado Henrique de Freitas Lima
Filho.
178
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Interrogatório do réu Lucas Campos Galvão, p. 61, 61v.
179
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Interrogatório do réu Antônio Porto, p. 81, 81v. Nas fontes
consultadas não consta o motivo de sua saída da polícia.
189
reuniões promovidas por André Ferreira França estavam proibidas e não eram aceitas por uma
parte da sociedade local.
Ressaltamos que os processos crimes não nos informam o que realmente passou, mas
oferecem versões do que ocorreu.180 Cada uma dessas versões busca fundamentar a sua
verdade, visando acusar ou absolver no processo, pois essas estão inseridas num discurso
criminal que o fundamenta. (cf. GRINBERG, 2009, p. 128). Nesse sentido, os processos
criminais são fontes oficiais, como já mencionamos. Foram e ainda o são produzidos pela
Justiça, a partir de um evento específico: o crime e seu percurso nas instituições policiais e
judiciárias. “Por conta disso, é fundamental que os processos sejam tomados também como
‘mecanismos de controle social’, marcados necessariamente pela linguagem jurídica e pela
intermediação do escrivão.” (GRINBERG, 2009, p. 126).
A própria existência do processo crime permite-nos indicar a existência de um ato
considerado como delito, identificado legalmente como crime na lei em vigor. No caso dos
Monges Barbudos, tanto o ato de se reunirem como a suspeita de serem comunistas foram
considerados como crime naquele período e, assim, deveriam ser combatidos e reprimidos;
porém o processo não foi instaurado contra os Monges Barbudos e sim contra seus algozes,
como já referido anteriormente.
Retornando ao processo e às informações nele contidas, constata-se que o diretor geral
da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, através de correspondência enviada em agosto de
1941 ao juiz Dutra Boeira, justificou a ausência de Antônio Porto na audiência marcada.
Segundo o diretor, seu funcionário não tinha recursos para custear a viagem; dessa maneira,
solicitava que fosse fornecida a passagem.181 Porém, o envio da referida passagem não foi
necessário, pois Antônio Porto morreu, vítima de um acidente ocorrido no dia 20 de setembro
de 1941.182
Ao longo do processo, identificamos a presença de autoridades municipais e militares
na defesa dos réus. Assim, temos que o cabo Antônio Porto apresentou como testemunhas de
sua defesa ocupantes de cargos públicos em atividades de comando, como Abel Ferreira,
subprefeito do 8º distrito de Soledade; Arlindo Rosa, 2º tenente e comandante do
180
Sobre o uso das fontes judiciais na pesquisa histórica indicamos GRINBERG, 2009; e sobre seu uso em
pesquisas sobre a República Velha no Rio Grande do Sul indicamos a leitura do artigo de MACHADO, 2013.
181
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Of. Nº E-108-1/787, da Diretoria da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 13 de agosto de 1941, p. 94.
182
No Atestado de Óbito, Antônio Porto teve “fratura dos ossos da bacia – ruptura completa do períneo.
Secundária a choque”. Faleceu às 7 horas, no Hospital São Vicente de Paula, com 31 anos, solteiro, de “cor
mista” e “filiação ignorada”, sendo sepultado no cemitério de Santo Antônio, no município de Passo Fundo. In:
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Registro Civil, óbito, nº 3.935, Passo Fundo, 04 de outubro de
1941, oficial de registros de nascimentos e óbitos José Pinto de Moraes, p. 123.
190
183
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Interrogatório do réu Antônio Porto, p. 81, 81v.
184
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Interrogatório do réu Antônio Porto, p. 31v, 38, 63-64.
185
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Defesa Escrita. Henrique de Freitas Lima Filho, assistente
judiciário. Sobradinho, 13 de abril de 1941, p. 36-38.
191
186
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Defesa escrita pelo denunciado Lucas Campos Galvão.
Henrique de Freitas Lima Filho, assistente judiciário, Sobradinho, 17 de julho de 1941, p. 63.
192
187
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Pela Defesa do Denunciado Antônio Porto, Sobradinho, 12
de agosto de 1941, p. 86, 86v.
193
acontecimentos, pois incluiu, nas disputas políticas existentes entre o estado gaúcho e o
governo central, o grupo de camponeses que se reuniam sob preceitos religiosos. Essa
religiosidade encontrava respaldo numa longa tradição cultural local. As disputas políticas
foram explicitadas quando da ocorrência do Combate do Fão em 1932, além do uso da
violência como continuidade da política praticada por Flores da Cunha contra seus
oposicionistas na fase em que esteve alinhado com Getúlio Vargas, obtendo o respaldo do
governo federal. E, por fim, quando da radicalização política do governador Flores da Cunha,
o qual havia se tornado um entrave ao projeto autoritário e centralista do governo varguista,
opondo-se à continuidade de Getúlio Vargas à frente do poder nacional.
Assim, a questão estava enquadrada no complicado contexto político da década de
1930, agravada principalmente após a ocorrência do Levante Comunista de 1935, que
contribuiu para a instauração do Estado Novo. Nesse intenso período da história brasileira,
todo acontecimento estava sob o risco de assumir proporções amplas, até mesmo nacionais,
como referenciados no caso dos movimentos Pau de Colher e Monges Barbudos, questões de
política local que incluíram questões da política estadual inseridas no contexto nacional. Tais
movimentos religiosos, mesmo não apresentando identificação partidária com nenhuma
agremiação política, nem mesmo assumindo uma ideologia política, foram incorporados nas
disputas políticas existentes nas regiões onde ocorreram. Serviram para determinados
objetivos políticos.
Retomando a análise do processo crime, constata-se que o militar Antônio Porto era o
encarregado da escolta da Brigada Militar que tinha como objetivo reprimir “a ação dos
famigerados monges”, pois estes “infestavam” a região de Soledade e Sobradinho.188
Após os conflitos ocorridos na semana santa de 1938, as reuniões dos Monges
Barbudos estavam proibidas, porém, como demonstrado, elas continuaram a ocorrer, portanto
eram clandestinas e até criminosas.
Segundo a defesa elaborada pelo advogado, o “Governo do Estado, numa ação
louvável e de proteção às famílias, mandou aquela escolta e um contingente da Brigada
Militar, sob o comando do tenente Antônio Pontes”. Na análise feita pelo advogado, podemos
confirmar que ocorreram diversas investidas policiais contra as reuniões religiosas. Declarou
que “depois de realizar muitas prisões e de ter ciência dos fatos o sr. chefe de polícia, foram
efetuadas muitas batidas, pessoalmente pelo Capitão Riograndino da Costa e Silva, então
delegado Regional que esteve no local. Argumentou ainda que com a ordem de retorno, o
188
O uso das aspas nos adjetivos referente aos Monges Barbudos tem por objetivo destacar as palavras presentes
no processo para designar o movimento sócio-religioso dos Monges Barbudos.
194
contingente da Brigada seguiu para Passo Fundo, ficando somente a escolta sob o comando
do denunciado e debaixo da autoridade do Major José Rodrigues, que deu ordens severas ao
cabo Porto de não permitir reuniões de espécie alguma entre aqueles elementos.” Através da
argumentação apresentada pela defesa, temos a confirmação de que a prática religiosa dos
Monges Barbudos estava proibida, porém reuniões aconteciam de forma “clandestina”189, pois
ocorriam “muitas batidas”. Essa proibição prolongou-se por muito tempo, como ficou
exemplificado pelo processo aberto para averiguar a situação envolvendo a morte de André
Ferreira França.
os civis para se dirigirem com ele à casa de José Crespim, a fim de dissolver essa reunião,
referindo-se aos Monges Barbudos. O motivo alegado pelo cabo teria sido a falta de policiais,
pois não havia mais praça à disposição em Tunas. Ao tratar dos civis denunciados alegou “ser
boa por se tratar de homens trabalhadores e que jamais andaram envolvidos em briga.”
Olmiro Campos, então assistente judiciário, também indagou a testemunha perguntando se
Deca França costumava fazer reuniões que punham em sobressalto a população do distrito
onde o mesmo residia. A essa pergunta Evaristo Rodrigues da Silva respondeu
afirmativamente, acrescentando que “todos os moradores dessa região tinham medo das
reuniões de Deca França por ignorarem quais as intenções dele e de seus adeptos, temor que
também era compartilhado pelo depoente como morador desse lugar.”
Destacamos, nesse depoimento, a presença do medo reinante na região frente à reunião
dos Monges Barbudos. Provavelmente, tais reuniões atraiam um significativo número de
participantes.
Theodoro Schaeffer192, mesmo não tendo participado da ação ocorrida no dia 16 de
agosto de 1938, também deu seu depoimento no processo. Tendo a idade de 32 anos, casado,
declarou-se agricultor, natural de Santa Cruz e residente na Serrinha, em Sobradinho.
Compareceu ao local acompanhando Sady Bastos. Ao chegar, “apresentaram-se um cabo e
um soldado e, respondendo eles a interpelação do subprefeito, disseram que tinham ido ali
para prender os monges, mas eles reagiram e assim foram obrigados a matar os dois.”
Outro depoente, Rofolpho Carlos Textor193, com 32 anos de idade, casado, mecânico,
natural de Soledade e declarando residir na localidade de Arroio do Tigre, município de
Sobradinho, afirmou que viu os mortos de nome Deca e outro barbudo, mas não sabendo
como se deu o fato.
José Crespim da Rosa194, depoente que efetivamente esteve presente nos
acontecimentos de 16 de agosto de 1938, sendo apontado como o dono da residência onde
tudo aconteceu. Nesse segundo depoimento, alterou significativamente seu relato anterior,
prestado na delegacia de Sobradinho. Declarou que na noite de 14 para 15 de agosto195, por
volta das 20 horas, André Ferreira França e Antônio dos Santos chegaram à sua residência
pedindo pernoite. Segundo José Crespim da Rosa, estes teriam declarado que “vinham
192
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Audiência, 3ª Testemunha, Theodoro Schaeffer.
Sobradinho, 29 de outubro de 1941, p. 143.
193
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de audiência. 4ª Testemunha, Rodolpho Carlos
Textor. Sobradinho, 29 de outubro de 1941, p. 143, 143v.
194
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Assentada. Testemunha José Crespim da Rosa.
Soledade, 20 de outubro de 1941, Vol. II, p. 162, 162v, 163, 163v, 164.
195
Aqui temos uma divergência em relação à data, pois a maioria dos depoentes mencionou o dia 16 de gosto de
1938 como sendo a data da ação policial.
196
196
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Assentada. Testemunha Pantaleão Moura da Silva.
Soledade, 20 de outubro de 1941. Vol. II, p. 166v, 167, 167v.
197
Desses quatorzes, quatro foram efetuados por moradores da região, oito foram
prestados por militares e dois por possíveis membros do movimento dos Monges Barbudos
que estavam no local onde ocorreram as mortes de André Ferreira França e Antônio Mariano.
Muitos depoimentos foram efetuados através de cartas precatórias.
Apresentaremos, em seguida, alguns dos principais pontos dos depoimentos efetuados
pelos militares.
Em seu depoimento, Januário Dutra197, ocupando o posto de capitão da Brigada
Militar, contando 39 anos, casado e residente na cidade de Pelotas, também declarou “nada
saber” sobre os acontecimentos. Porém, detinha a patente de tenente e ocupava a função de
delegado de polícia do município de Soledade quando foi arrolado como testemunha de
defesa do soldado Lucas Galvão. Após os acontecimentos ocorridos no mês de abril de 1938,
no sexto distrito de Soledade, foi o responsável por enviar um relatório ao Comando Geral da
Brigada Militar e ao interventor federal do governo do Estado referente aos Monges Barbudos
e aos fatos decorridos do conflito acontecido na igreja de Santa Catarina.
Na documentação da Brigada Militar, Januário Dutra relatou “a existência de um
grupo de fanáticos organizado naquele município e sobre o qual recai suspeitas de professar
ideias extremistas.”198
Arlindo Rosa199, com idade de 34 anos, ocupando o posto de 2º tenente e comandante
do destacamento da Brigada Militar de Santa Rosa, foi comandante do destacamento da
Brigada Militar de Soledade do qual faziam parte o cabo Antônio Porto e o soldado Lucas
Galvão. Arlindo Rosa declarou que, na época dos acontecimentos, o comando era do sargento
Luiz Getúlio Piegas Goulart, através do qual teria tomado conhecimento dos fatos.
Acrescentou que recebeu ordem do Chefe de Polícia para “prender os componentes ou chefes
da referida seita, tendo dado várias batidas, não conseguindo prendê-los.”
Foi também ouvido o depoimento do capitão da Brigada Militar Antônio Nunes
200
Pontes , com 47 anos, casado, residente na cidade de Porto Alegre. Na época, Antônio
Nunes comandou o 1º Regimento de Cavalaria, de Santa Maria, e ocupava o posto de 1º
tenente. O regimento era composto por 40 militares e desenvolveu missão no município de
Sobradinho até o mês de julho de 1938. Porém, no que concerne aos acontecimentos que
197
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Assentada. Testemunha Januário Dutra. Porto Alegre, 03 de
novembro de 1941. Vol. II, p. 185, 185v.
198
ESTADO MAIOR DA BRIGADA MILITAR, III Secção. Minutas, ofícios, informações, cartas e portarias.
Março e abril de 1938.
199
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Assentada. Santo Ângelo, 15 de setembro de 1941,
p. 105.
200
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Assentada. Testemunha Antônio Nunes Pontes. Porto Alegre,
03 de novembro de 1941. Vol. II, p. 185v, 186.
198
geraram a denúncia, declarou que “nada sabe” e complementou dizendo que não conhecia os
denunciados.
Sady Corrêa Bastos201, que na época detinha a patente de tenente e exercia a função de
subdelegado do distrito de Arroio do Tigre, declarou ser criador e que esteve no local sob
ordem do delegado para fazer o auto de corpo de delito nos dois mortos. Relatou que, ao
chegar, apresentaram-se o cabo Porto e um soldado. Teriam dito que “tendo ido fazer a prisão
dos monges, que na noite precedente constava que iriam se reunir, foram agredidos por estes
de faca, sendo obrigados a matá-los.” Sady Bastos limitou-se a responder afirmativamente as
perguntas sobre a determinação direta do interventor do Estado na “repressão aos barbudos.”
Nessa declaração, podemos coletar mais um fragmento de grande relevância. Além de
ter conhecimento dos acontecimentos ocorridos em Soledade, o interventor do Estado teria
determinação direta na repressão imposta aos Monges Barbudos. Como referido acima, as
ordens para prender André França, caso voltasse a reunir os Monges Barbudos, vieram do
comando da Brigada Militar, e esta estava, provavelmente, em permanente contato com o
governo do estado, pois, em última instância, o comando dessa instituição militar estava
atrelado ao governo.
Novamente identificamos a existência de restrições impostas à livre reunião dos
membros do movimento sócio-religioso: “[...] constava que iriam se reunir [...]”, e assim
sendo, se dirigiram para o lugar a fim de “[...] fazer a prisão dos monges [...].”
Luis Getúlio Piegas Goulart202, com 28 anos, casado, ocupando o posto de segundo
sargento do 3º Regimento de Cavalaria da Briga Militar de Passo Fundo, era responsável por
comandar o destacamento enviado para atuar em Soledade no período da ocorrência dos
acontecidos de 16 de agosto de 1938. Goulart confirmou que comandava uma escolta
composta pelos denunciados e mais 15 praças. Essa escolta atuava no 6º distrito de Soledade
sob ordens do major José Rodrigues da Silva. As ordens recebidas limitavam sua ação aos
municípios de Soledade, Sobradinho e Santa Cruz, sendo os objetivos da escolta “atenderem
os barbudinhos, membros de uma seita religiosa e prender André Ferreira França”, caso ele
reunisse seus seguidores. Declarou que estava afastado do comando desde o dia 10 de agosto
de 1938, por “haver doença em sua família.”
Durante o período em que esteve afastado do comando da escolta, Antônio Porto
respondeu pelo comando da mesma, com a manutenção da ordem do major José Rodrigues da
201
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Audiência. 2ª Testemunha, Sady Corrêa Bastos.
Sobradinho, 29 de outubro de 1941, p. 142v.
202
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Assentada. Testemunha Luis Getúlio Piegas
Goulart. Soledade, 07 de outubro de 1941, p. 138, 138v.
199
Silva de prender Deca “quando [realizasse] reuniões dos barbudinhos”. Goulart afirmou que
tomou ciência dos acontecimentos somente no seu retorno às atividades.
Esteve afastado da função entre os dias 10 e 18 de agosto de 1938, lembrando que os
crimes ocorreram no dia 16 daquele mesmo mês. Antônio Porto relatou os fatos ocorridos
ampliando o número de barbudos para 20 pessoas. Segundo afirmou, Deca Fraça teria
oferecido resistência e recebeu voz de prisão “com arma branca, investiu contra o cabo
Antônio Porto e o soldado Lucas Campos Galvão, tendo outros componentes da seita feito
uso de armas de fogo; que em vista disso, os denunciados, Porto e Galvão, fizeram uso de
seus revólveres.” Declarou que o ocorrido foi informado ao tenente Januário Dutra, delegado
de polícia de Soledade e também as demais autoridades da Brigada Militar. O sargento
Goulart declarou que “por umas três vezes conseguiu sitiar a casa onde Deca reunia os
membros de sua seita e todas essas vezes Deca armado de faca, resistindo à voz de prisão,
conseguiu escapar.”
Com esse depoimento e com as demais informações, podemos identificar uma ordem
vigente entre os soldados da Brigada Militar a saber: era preciso prender André Ferreira
França. Do que foi exposto, acreditamos ser possível declarar que a ordem de prender o Deca
França realmente partiu da hierarquia superior da Brigada Militar, responsável na época por
introduzir a ordem e pacificar a região. Podemos indicar que André Ferreira França ocupava
sim um lugar de destaque no movimento dos Monges Barbudos, pois seria ele que reunia os
seguidores nos diferentes domicílios da região, provavelmente por ser aceito como o fundador
do grupo religioso, o divulgador da nova religião profetizada pelo dito santo monge João
Maria que, em 1935, teria pernoitado em sua casa.
No depoimento, o tenente da Brigada Militar Wandenkok Freitas Marques203 declarou
que “esteve na missão de capturar André Ferreira França, vulgo ‘Deca’ e seus adeptos,
recebendo mesmo ordem de fazer fogo, caso os membros da seita resistissem.” Expressando
sua opinião sobre André França disse que “o referido indivíduo era muito esperto e que seus
seguidores não acreditavam em bala.” O tenente Marques relatou “atos imorais e crimes”,
revelando a ocorrência de ações policiais na casa de André França. Mencionou ainda a
existência de supostos criminosos infiltrados204. Segundo informações prestadas pelo tenente
203
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Termo de Assentada. Testemunha. São Jerônimo, 15 de
setembro de 1941, p. 110, 110v.
204
Esta afirmação foi retomada por Wandenkolk em entrevista publicada pelo jornal PALADINO SERRANO
em 1977. Segundo a reportagem, Wanderlok teria se infiltrado no movimento dos Monges Barbudos. Ainda no
final da reportagem consta: “Há quem afirme que Luiz Carlos Prestes, alto dirigente comunista brasileiro, estava
enviando, em avião, alimentos aos barbudos. No entanto, essa informação jamais foi seriamente investigada.”
(PALADINO SERRANO, Sobradinho, 2 NOV 1977, p. 9).
200
205
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Assentada. Testemunha José Rodrigues da Silva. Porto
Alegre, 03 de novembro de 1941. Vol. II, p. 184, 184v, 185.
206
O comando da Brigada Militar louvou os oficiais e praças “pela disciplina e abnegação demonstrados [...],
sob o comando do major José Rodrigues da Silva, na grave situação ali criada por um aglomerado de habitantes
fanatizados e hostis às leis e às autoridades”. BOLETIM DA BRIGADA MILITAR, 1938, n. 154, p. 89.
(Arquivo da Brigada Militar)
207
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, p. 86v.
201
Barbudos, levados para o Jacuizinho. A prisão dos participantes foi realizada pelo delegado de
polícia de Sobradinho. Esses “presos já tinham também sido remetidos para a Capital do
Estado, tanto que o depoente os encontrou em sua passagem por Cachoeira.” O major
Riograndino da Costa e Silva ignorou as acusações de desvio de donzelas e práticas
criminosas. No concernente à ação dos barbudos, declarou que se devia a “crassa ignorância
reinante entre todos eles.” E, sobre André Ferreira França, mencionou que “soube que
efetivamente o referido elemento vinha realizando reuniões e práticas baseadas em princípios
de fundo supersticioso, parecem constituir perigo, pelo menos no local, [...] à ordem social.”
Nos depoimentos dos militares que tiveram participação nos acontecimentos do ano de
1938, podemos perceber a presença de um silêncio sobre os fatos ocorridos. Através da
documentação policial, temos a demonstração de que a Brigada Militar e o governo do Estado
estavam monitorando o movimento dos Monges Barbudos por um longo período. Porém, no
julgamento do processo, resumiram-se a poucos relatos.
O advogado Henrique de Freitas Lima Filho em suas razões finais208, expressou que os
réus, atendendo a intimação do cabo Antônio Porto, foram prestar seus serviços à causa
pública, não tendo, entretanto, participação alguma na morte das vítimas, pois, sendo “homens
de conduta exemplar, morigerados acudiram ao chamado da autoridade não trepidando em
arriscar a própria vida no objetivo de prestigiar a lei.” Assim, responsabilizou o Estado e os
Monges Barbudos pelos fatos ocorridos, pois “está provado que a atuação da Brigada Militar
contra os barbudos foi determinada diretamente do Governo do Estado [...] em vista da
atividade nociva e criminosa dos mesmos, que estavam ameaçando a sociedade do município
com seus costumes.”
Por fim, indicou o autor do tiro que levou a óbito André Ferreira França. Segundo o
advogado, “ficou demonstrado que foi o cabo Antônio Porto quem, depois de agredido,
alvejou mortalmente as vítimas.”
Outro ponto interessante do processo está associado à indenização que deveria ser
paga aos herdeiros de André Ferreira França e de Antônio Mariano dos Santos. No dia 23 de
fevereiro de 1942, o avaliador judicial do termo de Sobradinho, José Marasquim, cumprindo
despacho do juiz de direito, avaliou “o dano que deve ser indenizado.” Baseando-se na
208
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Razões Finais. Henrique de Freitas Lima Filho, assistente
judiciário. Sobradinho, 13 de janeiro de 1942, Vol. II, p. 198.
202
expectativa de vida de 65 anos, estimou que André Ferreira França ainda pudesse viver mais
15 anos; como teve a profissão ignorada, no auto de necropsia, o avaliador estipulou um
ganho diário de cinco mil reis, 1500$000 reis anuais, em 15 anos 22:500$000 reis.
No caso de Antônio Mariano dos Santos, então contando 48 anos, foi estimada uma
expectativa de 17 anos. Como a profissão também foi ignorada, foi utilizada a mesma base de
referência estipulada para André França, 25500$000, vinte e cinco contos e quinhentos mil
reis, que deveriam ser pagos aos herdeiros.209
A questão referente à indenização permite-nos interpretar que o juiz considerou
abusiva a ação do Estado, através da Brigada Militar, pois, caso fossem os Monges Barbudos
comunistas, desordeiros, pregadores de ideias exóticas, subversivos, enfim, culpados pelos
acontecimentos, não teriam sido indenizados.
No dia 30 de março de 1942, o juiz Aristides Dutra Boeira expôs sua versão sobre os
fatos ocorridos na região entre Soledade e Sobradinho. Em quatro páginas, proferiu sua
sentença.210 Nela encontramos alguns dados que não estiveram presentes em momento algum
do processo e que não foram localizados em nenhum dos depoimentos efetuados ou na
documentação como um todo. O juiz questionou as informações prestadas pelos depoentes
José Crespim e Pantaleão Moura da Silva, ou seja, das testemunhas de acusação. Por fim,
aceitou a versão declarada pelos réus, ou seja, a versão dos militares e dos civis.
Como já mencionado, ainda relacionou a ocorrência dos Monges Barbudos com os
casos do Ferrabraz (RS) e de Belo Monte (BA). O juiz Boeira declarou que o movimento dos
Monges Barbudos,
209
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Laudo de Avaliação. José Marasquim, Sobradinho, 23 de
fevereiro de 1941, p. 201 e 201v.
210
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Vistos etc. Aristide Dutra Boeira, Juiz de Direito. Candelária,
30 de março de 1942. Vol. II, p. 203, 203v, 204, 204v.
211
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Vistos etc. Aristide Dutra Boeira, Juiz de Direitop.
Candelária, 30 de março de 1942. Vol. II, p. 203, 203v, 204, 204v.
203
ordem nacional, assim como foi realizado quando da ocorrência dos Muckers e de Canudos,
perpetuando uma longa tradição de repressão existente, na política do Brasil, frente aos
movimentos camponeses de orientação religiosa. Em sua narrativa, atualizou a relação
existente entre diversas ocorrências dos movimentos sócio-religiosos e a repressão
orquestrada pelo governo brasileiro, dos Muckers aos Monges Barbudos.
Na concepção do juiz Aristides Dutra Boeira, a prática religiosa dos Monges Barbudos
somente pôde ser efetivada devido à cultura cabocla, a qual permitiu ser dominada. Em suas
palavras, verifica-se que os membros do movimento dos Monges Barbudos
212
JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário, Vistos etc. Aristide Dutra Boeira, Juiz de Direitop.
Candelária, 30 de março de 1942. Vol. II, p. 203, 203v, 204, 204v.
204
Após trâmites legais e expirado o prazo para recursos do Ministério Público, no dia 9
de abril de 1942, o escrivão entregou os autos conclusos. No dia 10 de abril daquele mesmo
ano, o juiz mandou arquivar o processo composto por 205 páginas. Na data de 7 de março de
1944, com visto em correção, o juiz Aristides Dutra Boeira remeteu o processo para o arquivo
público.
[...] que no dia citado na denúncia de fls. Indo ele com mais companheiros, a
rumo onde habitavam os Barbudos, pra se verificarem desta religião, ali
chegando numa casinha fechada de capoeira e algumas taboas, um
companheiro caiu no chão, pechando na dita casa. Então lá de dentro um
disse, tem uma potranca solta. Seu companheiro de nome Antônio Domingos
dos Santos, que estava junto com ele, no lado de fora da casa, disse, aqui de
fora tem homens, em dado momento saindo da referida casa, diversos
barbudos, foi então quando se travou o conflito, para sua defesa e de seu
companheiro.214
214
Em nome do réu assinou o sr. Modesto Rodrigues Machado.
215
Na data do interrogatório contava com 19 anos. Segundo informação presente no processo era residente no 1º
distrito e 1º zona deste município (Sobradinho), no lugar denominado Serrinha há 8 anos. O local de residência
difere em relação aos documentos da abertura do processo fase de investigação policial.
216
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 49.
208
eles.” Declarando-se pobre, foi nomeado o advogado Henrique Freitas Lima Filho para
defendê-lo no caso.
No dia 12 de outubro de 1940, o advogado e curador dos réus menores de idade,
Henrique de Freitas Lima Filho, apresentou a defesa escrita de Clarismundo de Souza e de
José Dionísio da Silva217. Segundo consta no referido documento,
Entre o final do ano de 1940 e os primeiros quatro meses de 1941, foram expedidos
três editais contendo o nome dos réus, convocando-os para comparecerem na audiência no
município de Sobradinho, sendo, inclusive, expedido para o município de Soledade, porém,
não compareceram em nenhuma das datas marcadas.219
Assim sendo, o juiz Bento dos Santos, no dia 26 de maio de 1941, às 15 horas, na sala
de audiência de Sobradinho, na presença do advogado dos menores, Henrique de Freitas Lima
Filho, e do procurador ad hoc Armandio J. Andrade, impôs a pena à revelia aos réus. Em
seguida, o juiz designou a data de 12 de junho de 1941 para a inquirição das testemunhas de
acusação e de defesa.
A convocação foi feita através de mandato expedido pelo juiz municipal de
Sobradinho em 27 de maio de 1941. Nesse documento, constavam os nomes dos réus
Clarismundo de Souza, José Dionísio da Silva, Roberto Vargas da Silva e Fabio Domingos
dos Santos. Ainda nesse mesmo documento, o juiz municipal mandava notificar também as
testemunhas Olmiro Pereira Fortes, Margarida Pereira Fortes, Teodoro Cordeiro, Carlos
Kholer, Mariano Chrispim Rosa e Antônio Calistro.220
217
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 28.
218
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 28.
219
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 47.
220
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 48.
209
221
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 49v e 50.
222
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 50v e 51.
210
pesavam sobre os réus, “disse que nada sabe quanto à mesma.” Declarou “que os réus são
trabalhadores e de boa conduta.”
Dada a palavra ao advogado Henrique de Freitas Lima Filho, este lhe perguntou se o
depoente conhecia Olmiro e Margarida Pereira Forte e se sabia que os membros pertenciam
aos barbudos e que faziam reuniões à noite sem licença da policia. Em resposta, o jovem disse
“que os conhece, sabe que faziam reuniões proibidas pela polícia, adiantando que certa vez a
bandeira do Divino esteve na casa deles e eles ‘pintaram o sete’ e quase rasgaram a bandeira.”
Perguntado sobre a mudança de moradia de Olmiro e Margarida, os quais teriam ido
para lugar incerto, respondeu “que ouviu dizer que sim.” Questionado sobre como se deu a
briga, respondeu “que nada sabe, nem ouviu dizer a respeito.” A palavra foi oferecida ao
advogado Pedro C. Gouvêa e também ao promotor público, os quais não fizeram perguntas.
Pedindo novamente a palavra, o advogado Henrique de Freitas Lima Filho declarou
“que desistia do depoimento das testemunhas Carlos Koehler e Antônio Calixto visto julgar
suficiente a prova já feita.”223 Também afirmou que desistia de qualquer outro procedimento
com referência ao assistido Antônio Domingos dos Santos, requerendo que, a esse respeito,
fossem ouvidos o promotor público da comarca e a assistência dos demais réus.
Tendo as demais partes envolvidas concordado com a desistência, o juiz homologou e
determinou a fixação de edital convocando as testemunhas Olmiro e Margarida Pereira Fortes
para depor nesse juízo, no dia quatro de julho seguinte, às 14 horas, ficando desde já cientes
os réus e partes presentes.
No termo de audiência, datado do dia 4 de julho de 1941, consta o não
comparecimento das testemunhas Olmiro e Margarida Pereira Fortes, mesmo tendo sido
chamadas através de editais legais.224
Segundo o Laudo de Dano225, de 11 de julho de 1941, assinado por José G.
Marasquim, ficou estipulado que: a) os ferimentos foram de natureza leves; b) que não lhe
deram despesas médicas ou farmácia. Estipulou aos réus 400 mil reis pelos danos causados a
Olmiro Pereira Fortes.
Na elaboração da defesa de seus assistidos, o advogado Henrique de Freitas Lima
Filho declarou que
223
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 51.
224
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 51v.
225
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 54.
211
226
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 56 – Pela
defesa de Clarismundo de Souza e José Dionísio da Silva.
227
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 57 – Pela
defesa dou réu Antônio Domingos dos Santos.
212
A sentença do processo foi proferida pelo juiz Bento dos Santos na data de 23 de
setembro de 1941.228 Em cinco páginas, o juiz apresentou seu julgamento para proferir a
sentença condenatória aos réus.
Segundo Bento dos Santos, as declarações dos réus não oferecem subsídios para
defendê-los, “reduzidíssima quantidade de credibilidade.”229 Continuando, declarou que
O juiz sentenciou os réus Fabio Domingo dos Santos, Manoel Furtado, Classismundo
de Souza e José Dionísio da Silva a sete meses e quinze dias, grau médio de prisão celular, do
art. 303, combinado com art. 62, parágrafo 1º, texto da Consolidação das Leis Penais. Porém,
considerando as circunstâncias, os motivos e condições em que o presente processo deixa ver,
e como se tratava da primeira condenação, o juízo concedeu aos réus o benefício da suspensão
228
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 59-63.
229
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 60v.
230
Segundo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, significa de pelos longos, duros e espessos.
231
Ilegível no original.(?)
232
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 60, 61v, 62.
213
da execução da pena por um período de três anos, dentro do qual os réus ora condenados
comprometeram-se a manter bom comportamento, dedicando-se ao trabalho e à honestidade,
sem darem margem a outra condenação, pois, do contrário, reincidindo ou sendo-lhes aplicada
qualquer pena por condenação judicial, considerar-se-ia inexistente tal suspensão sendo
incontinentemente presos para o cumprimento da presente sentença.233
Em 27 de setembro de 1941, o advogado Henrique de Freitas Lima Filho interpôs
apelação contra a sentença proferida pelo juiz Bento dos Santos.234 No dia 29 de setembro
daquele ano, o Promotor Público também entrou com recurso de apelação no caso da sentença
contra Fábio Domingos dos Santos e outros.235
No processo referido, o que temos, deste momento em diante, é um procedimento
jurídico que visava a absolver os condenados da sentença proferida. Em nenhum momento,
foi mencionado o nome das vítimas e sua relação com os “Barbudos”.
Assim, em 23 de outubro de 1941, o advogado Henrique de Freitas Lima Filho
apresentou os motivos da apelação e solicitou a absolvição de “todos os denunciados.”236 O
juiz municipal de Sobradinho convocou todos os réus para comparecerem na sala de
audiências, na data de 7 de outubro de 1941.237
Foi nesse novo encontro que o juiz Bento dos Santos revisou sua sentença e alegou
não haver como condená-los: “julga improcedente a denúncia.”238 No dia 19 de fevereiro de
1942, o processo foi enviado para o Tribunal de Apelação Estadual, sendo acusado seu
recebimento em 26 de fevereiro de 1942, pela secretaria do Tribunal de Apelação. Nos meses
de março, abril, maio e junho daquele ano, o processo tramitou por diversos cartórios e por
diferentes desembargadores de Porto Alegre.
No dia três do mês de junho de 1942, foi expresso o veredito final para a denúncia,
233
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 62, 62v. Os
réus ficaram condenados a satisfação do dano, dos custos do processo na forma legal e ao pagamento do selo
penitenciário que arbítrio, para cada um dos condenados trinta mil réis.
234
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 64.
235
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 65.
236
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 69.
237
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 70.
238
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 72v, 73.
214
Com a conclusão do processo, podemos indicar que as reuniões religiosas dos adeptos
da crença divulgada pelo santo monge João Maria ainda persistiram por longo período240,
mesmo após a intervenção do Estado contra eles. Nosso objetivo não foi o de indicar
culpados, mas tão somente demonstrar a permanência da religiosidade naquela região e como
esta serviu aos pretextos políticos daquele período.
Percebemos, através dos depoimentos e procedimentos jurídicos que, a todo instante,
buscava-se destacar a proibição imposta às reuniões dos Monges Barbudos, procurando
destacar essa ação como crime maior do que a violência física praticada no dia da reunião na
residência de Margarida Pereira Fortes. Destacavam a todo o momento a ocorrência da
reunião como clandestina e ilegal, sendo esta enquadrada como uma ação de infração da lei
em vigor.
Os processos aqui utilizados possibilitaram compreender melhor a vigência da
proibição imposta aos membros dos Monges Barbudos e também aos seguidores da crença no
santo monge João Maria. O desenvolvimento desses processos ao longo do Estado Novo
permite-nos indicar que a preocupação com a ordem, na região de Soledade, estava presente
nas preocupações dos interventores federais do Rio Grande do Sul.
Ainda dos processos analisados, podemos concluir que os efeitos políticos do caso do
conflito ocorrido na semana santa de 1938, no então sexto distrito de Soledade, envolvendo
239
TRIBUNAL DE APELAÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Processo Crime, p. 77v, 78. Porto
Alegre, 03 de junho de 1942.
240
Segundo pesquisas recentes, há a permanência da crença em São João Maria, na região sul do Brasil, na qual
está inserida a região do Planalto gaúcho e neste está incluído o município de Soledade e região. Cf. GOES,
2007.
215
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi justamente nessas fontes que identificamos contradições e mesmo a defesa dos
camponeses que compuseram o movimento sócio-religioso. Analisando os discursos dos
envolvidos na ação policial foi possível demonstrar que o movimento não respondia às
acusações que pesavam contra si. Foi possível identificar, também, que os motivos que
moveram a ação militar revelaram-se inverídicos. Porém, tal constatação não foi suficiente
para evitar os trágicos acontecimentos nos quais os membros dos Monges Barbudos foram
envolvidos. Assim, temos que os processos crimes apresentam-se como uma forma de acesso
a representações, a construções narrativas, versões sobre o que ocorreu.
Os processos crimes não são relatos diretos e fidedignos dos fatos, mas sim,
construções discursivas sobre o que ocorreu. Cada um desses documentos está repleto de
textos argumentativos que buscam defender a sua versão da verdade dos fatos ocorridos.
Assim, ao realizarmos a leitura dos processos crimes, não devemos procurar os
culpados, devemos estar atentos para evitar essa atitude diante das fontes judiciais. Declarar o
réu culpado ou inocente não é o objetivo do historiador que trabalha com processos crimes. O
objetivo do historiador consiste em compreender os discursos construídos sobre o fato
ocorrido. No nosso trabalho, um dos objetivos foi o de compreender quais foram as alegações
que embasaram a repressão do Estado aos sujeitos do movimento dos Monges Barbudos.
A contribuição potencializou-se quando o material documental foi posto em diálogo
com as demais fontes existentes, tais como imprensa, processos judiciais, documentos
eclesiásticos e relatos pessoais. Esse mosaico documental inserido no seu contexto local,
regional e nacional, proporcionou uma possibilidade de interpretação para as questões
propostas nessa pesquisa. Tais documentos, analisados de maneira isolada ou
individualmente, pouco contribuiriam para efetuarmos uma interpretação da violência como
extensão da política. Porém, quando tais fontes foram reunidas sob uma questão norteadora,
no caso aqui a violência política, foi possível perceber um ganho significativo para
compreendermos a ação do Estado no decorrer da década de 1930.
Nesse período, as disputas vigentes local e regionalmente não podem ser descartadas
ou menosprezadas. O Estado fez usos dessas para obter seus fins desejados. Assim, indicamos
que o movimento dos Monges Barbudos serviu a fins políticos, principalmente, quando pairou
sobre eles a ameaça comunista, a difusão de ideias exóticas e subversivas. Naquele contexto,
tais acusações significavam ameaça à ordem e à segurança nacional, fatos que legitimaram a
ação repressiva imposta aos camponeses daquela região de Soledade. Retomando os
processos crimes, temos que, se esses foram aceitos, era porque teria ocorrido um crime. Esse
crime que deveria estar previsto e discriminado na lei vigente daquele período. Esse foi o caso
220
dos que analisamos nesta pesquisa. A proibição das reuniões religiosas e a repressão ao
movimento dos Monges Barbudos possibilitaram a instauração de tais processos. A proibição
e a busca por desmantelar o movimento estavam atreladas às disputas políticas.
Destacamos que os processos crimes não foram instaurados para julgar a ação dos
Monges Barbudos pelos acontecimentos ocorridos no ano de 1938. O primeiro, aquele contra
os militares e civis que estiveram envolvidos na caça que resultou na morte de André Ferreira
França, foi instaurado com o propósito de averiguar um possível abuso de poder e a conduta
dos envolvidos. Porém, ao longo da leitura das inúmeras partes que o compõem, percebemos
a preocupação em ressaltar a ação do movimento religioso como fora da lei. A absolvição dos
policias e civis envolvidos nas mortes nada mais significou do que a condenação dos Monges
Barbudos, pois estes foram indiretamente condenados por praticarem sua religiosidade e por
terem estado em desacordo com as leis vigentes daquele período. Quando o Estado julga seus
agentes de segurança e os absolve do abuso da força, mesmo não conseguindo provar as bases
para o uso da dessa, fica evidenciado o interesse político, pois a manutenção da ordem estava
atrelada à demonstração de força, do poder.
No segundo processo instaurado para averiguar os atos de violência que se passaram
numa residência onde ocorreu uma reunião religiosa do movimento, os donos da casa, então
invadida, foram acusados de atacarem os visitantes não convidados, respondendo, em juízo,
pela agressão. Os invasores foram inocentados, porém os donos da residência condenados,
pois foram acuados de estarem praticando atos ilegais, ou seja, reunião, sendo essa de cunho
religioso, a qual não tinha autorização para acontecer. Logo, estariam em discordância com a
lei, e por isso foram responsabilizados. Sentenciando os donos da casa culpados, o processo
penalizou também aos Monges Barbudos. Assim sendo, podemos dizer que, nos dois
processos que foram movidos pela justiça, temos a condenação do movimento sócio-religioso
dos Monges Barbudos.
Enfim, parafraseando Thomas Mann, podemos afirmar que os Monges Barbudos não
viveram apenas suas vidas, sua religiosidade, consciente ou inconscientemente participaram
da vida política de sua época e dos seus contemporâneos.
221
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Preciosas. Não-Me-Toque: Gesa, 1987.
WEDY, Garibaldi Almeida. O pequeno grande mundo de Soledade. Porto Alegre: Palotti,
1996.
WEINHARDT, Marilene. Mesmos crimes, outros discursos? Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
WITTER, Nikelen Acosta. Dizem que foi feitiço: as práticas da cura no sul do Brasil (1845-
1880). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho: 1850-1920. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
1997.
234
_______. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2002.
LOCAIS DE PESQUISA
FONTES DOCUMENTAIS
DOCUMENTAÇÃO DOS GOVERNANTES – Revolução de 1932. Maços 72, 92, 94, 95, 96.
RELATÓRIO apresentado ao sr. Comandante Geral da Brigada Militar pelo Major José
Rodrigues da Silva, sobre os acontecimentos ocorridos nos municípios de Soledade e
Sobradinho, com surto de fanatismo religioso praticado por indivíduos que se tornaram
conhecidos por “monges barbudos”, 12 de julho de 1938. (APERS – 1939 – Processo Monges
barbudos – Cx 1 – Est. 9A – 171 G-9)
PROCESSO CRIME. JUSTIÇA PÚBLICA. Processo Crime Sumário contra o cabo Antônio
Porto, Praça Lucas Campos Galvão, civis Pedro Simon, José Henrique Simon, Benedito Paulo
do Nascimento, Aparício Miranda e João Elberto Oliveira. Volume I e II. Escrivania do Juri
238
ANEXOS
Soledade - RS
Criado em 29/03/1875 - Lei nº. 962.
Município de origem: Passo Fundo
Sobradinho
Emancipado de
Soledade em
03/12/1927
Soledade
Sede
municipal
Fontoura Xavier
Combate do Fão
(1932) Revolução
Constitucionalista
no RS
Jacuizinho
Distrito de Soledade em
1938. Mangueira onde
foram presos os Monges
Barbudos – 1938.
Segredo
1930 6º Distrito de
Soledade (Bela Vista)
Sobradinho
Delegacia mais próxima
dos acontecimentos
ocorridos em Bela Vista.
Fonte: Fundação de Economia e Estatística. De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande do
Sul – Censos do RS 1803-1950. Porto Alegre, 1981, p. 122, 123, 135 e 163.
243
Fonte: PEREIRA; W
WAGNER, 1981, p. 45.
247
ANEXO R
Fonte: DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Porto
Alegre, 04 MAIO 1938, p.4.
250
A título de curiosidade, publicamos obedecendo ainda à ortografia e também a respectiva redação, uma
das orações encontradas em poder dos fanáticos:
“Virgem Poderosa.
Santa Catarina.
Minha Gloriosa Santa Catarina, vós sois clara e digna vos sois aquela santa senhora que entraste pelas
portas de casa de Adão e Eva encontraste com mais de cinco mil homens bravos como leões e com as santas
palavras de razão vos abrandastes os corações de todos assim peço a minha Gloriosa Santa Catarina que abandar
o coração de meus inimigos e de todos que estiverem contra mim que seus olhos não me enxerguem que seus
ouvidos não me ouçam que suas bocas não se abram para falar contra mim que suas pernas não me alcance, que
seus braços não se levantem para medar bordoadas que suas armas se neguem contra mim e meus inimigos e
inimigas não tenhão valor que me mate de bixos pesonhentos dos perigos do fogo da água de raios de desastres
de calunia de traição de prizão de atentação dos demônios de ma morte e que meus filhos se condusam para o
bem e que minha casa seja sempre conservada em paz e que seu seja feliz nos meus negócios que eu vos ofereço
todos os dias um padre nosso e uma ave Maria isto com muita fé e devoção amém.”
Esta oração pertence a Amancio Vidal dos Santos.
As autoridades apreenderam em poder de alguns fanáticos várias corações, uma das quais à Santa
Teresinha. Todas elas tem no alto uma cruz, e são escritas a tinta e em papel almaço.
Obedecendo a ortografia, é assim concebida a oração a Santa Teresinha:
“Foi aquela Santa Senhora que chegou aonde estava Virgem Maria, com seu filho Jesus cravado na
cruz, a mãe Maria Santíssima pelo poder do Divino seu Filho ainda pode alevantar do céu o Reinado disse
Virgem Maria Teresinha se meu Filho levantar-se cruxa e ganhar do céu o Reinado vós será uma aposta sempre
ao meu direito lado disse Santa Teresinha e Mãe santíssima eu quero lhe acompanhar mais quero na terra os
meus devotos guiar disse Virgem Maria guiarás Teresinha os teus no caminho do bem que no céu Jesus da o
Reino da Glória Amém.”
Observação:
Sobre as publicações das orações atribuídas aos Monges Barbudos temos na reportagem do jornal
Diário de Notícias de 27 de abril de 1938, p. 5, a referência às orações escritas. Segundo consta, Quase todos os
fanáticos que alarmaram a população de Bela Vista traziam consigo orações que escritas a tinta eram passadas
adiante. No fim de algumas, lê-se: “Não dê cópia troca-se por dinheiro”. (Diário de Notícias, 27 de abril de
1938, p. 5). Não foi encontrada em nenhuma outra fonte relatando a existência da venda de orações.
255
ANEXO Y: KOLONIE,
KOLONIE 27 ABR 1938, p. 2. (CEDOC – UNISC)
Capa e destaque de parte do artigo em língua alemã (Carta enviada de Sobradinho sobre os
Monges Barbudos).
257
Fonte: Correio
orreio do Povo, Porto Alegre, 5 DEZ 1994, p. 20.