Deleuze - Música
Deleuze - Música
Deleuze - Música
net/publication/263237261
CITATIONS READS
3 883
1 author:
Silvio Ferraz
University of São Paulo
65 PUBLICATIONS 110 CITATIONS
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
As diferenças no tratamento da voz-música entre Demetrio Stratos e Giacinto Scelsi/Michiko Hirayama View project
All content following this page was uploaded by Silvio Ferraz on 22 September 2016.
11. Talvez por saber que arrancava a música de seu chão, We-
bern não tenha composto obras que ultrapassassem quatro minutos, e
algumas não chegando mesmo a um minuto.
12. É face a essa ruptura com o tempo que a música do pós-
guerra se debaterá. Se Webern retirou a música do tempo e a lançou
no espaço, foi preciso recolocá-la no tempo. Porém, recolocá-la sem
que voltasse ao pensamento tradicional causal, ao tempo cronológico
e todas as suas normas. É nesse sentido que outro compositor, Olivier
70 Messiaen, compõe o seu Quarteto para o fim do tempo. Ele imagina
assim uma música não mais fora do tempo, mas fora do tempo cro-
nológico e dentro de um novo tempo, o tempo da eternidade: uma
Silvio Ferraz
música em que nem início nem fim podem ser ouvidos, pois sendo
eterna ela está sempre. Elabora assim suas estratégias de inventar uma
obra que funcionasse como já iniciada e terminasse simplesmente
por uma interrupção. Para isso Messiaen terá a seu lado a matemática
simples das permutações, o que fundou o pensamento da música
serial que nasceria entre seus alunos nos anos 1950.
13. Voltando a Deleuze, tema deste texto. Essas proposições
sobre o tempo deixaram marca em seus escritos. Seu grande livro,
Diferença e repetição, tem na noção de série um de seus motores mais
importantes: a série do tempo ao invés de ordem do tempo. Esse
pensamento serial nasce em parte na série dodecafônica de Scho-
enberg, na autonomização da nota em Webern, e na sua posterior
ampliação em Messiaen e em seus alunos Pierre Boulez e Karlheinz
Stockhausen. Em Diferença e Repetição, a noção de série permite
ultrapassar a noção de tempo causal e mesmo de relação causal
na imagem das “séries desprovidas de centro e convergência”5. Na
ideia de série, as coisas não estão relacionadas pela lógica do verbo
ser, mas pela conjunção “e”; x e y, e não mais x igual a y, ou x dife-
rente de y. A série é, assim, este lugar em que todas as notas (eventos
e elementos) têm o mesmo valor e no qual todo o pensamento da
música tonal e da música modal (músicas nas quais uma tonalidade
principal serve como regente) deixa de valer.
14. Não é à toa que Deleuze é chamado a falar sobre a mú-
sica tendo por tema justamente o tempo (palestra sobre o tempo
musical). Mas não está aí apenas a relação forte desse filósofo com
a música. Retomando uma frase de Paul Klee, que reiterava a ideia
de que “A arte não é uma reprodução do visível, ela torna visível”
(frase que inicia suas “Confession créatrice”)6, Deleuze explora a
ideia de que a arte torna sensível o que não é do universo da per-
cepção, e assim ela passa a ser a arte de tornar audíveis as forças
não audíveis. O que quer dizer com isso? Ora, o compositor torna
audíveis forças como as do tempo, a força de gravidade, as forças de
germinação, e tais forças não são audíveis. O compositor faz com
que ouçamos as texturas, ouçamos as estrelas, ouçamos as cores e
até mesmo ouçamos as cores do tempo – como o pretende Messia-
en em sua Chronochromie. Faz também com que forças audíveis se
transformem em outra coisa senão aquela que estávamos ouvindo,
e que o metal de uma fundição de aço transforme-se em tempo
musical, como o faz Alexander Mossolov em sua obra orquestral A
5
DELEUZE, Gilles. Diferença fundição do Aço, de 1927.
e repetição. Trad. bras. Roberto 15. Em um simples desenho sobre linhas de força, Paul Klee
Machado e Luiz Orlandi. Rio mostra as forças de crescimento de uma folha. Nela atuam não ape-
de Janeiro: Graal, 1988, p.104.
6
nas as forças internas, mas aquelas que delineiam a folha e que lhe
KLEE, Paul. La Pensée créatrice.
Trad. de Sylvie Girard. Paris: são externas, como a gravidade. Desse modo, a folha torna visíveis
Dessain et Tolra, 1977, p.76-80. as forças de crescimento e de contenção.
71
Referências bibliográficas