Redação Juridica

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ARTIGOS DO PROFESSOR

ARTIGOS DO PROFESSOR

Artigo 1 – “Língua Culta – O que existe e o que não existe em Língua Portuguesa” – Página 1
Artigo 2 – “Normas Gerais da Língua Culta” – Página 2
Artigo 3 – “Problemas Gerais da Língua Culta” – Página 4
Artigo 4 – ““Que língua! Tantos quês... por quê?” – Página 6
Artigo 5 – O resgate do pronome cujo – Página 7
Artigo 6 – Onde o “onde” não é correto – Página 10

Artigo 1

Língua culta – O que existe e o que não existe em Língua Portuguesa

Há erros que se cristalizam no dia a dia da comunicação oral. Isso se evidencia em coletividades que utilizam idiomas complexos,
como o nosso, a par das demais nações lusófonas.

O eminente lexicógrafo Houaiss define Barbarismo como o “uso sistemático de formas vocabulares inexistentes na norma culta
da língua, por parte de falantes que não a dominam inteiramente”. Os exemplos abaixo citados enquadram-se no conceito
descrito.

É comum a indicação da ocorrência de festas “beneficientes”. Trata-se de um evento inexistente. A razão? A festa só poderá ser
beneficente. A beneficência ou filantropia é a atividade criativa ou que traz benefício. A pronúncia equivocada – “benefiCIENte”
-, por certo, não trará nenhum. É de todo recomendável ajudar quem necessita...e por que não fazer com gramaticalidade?

Em outro giro, quando se quer dar um tratamento vago e indeterminado, referindo-se a outrem, usa-se a forma estereotipada,
“fulano, beltrano e ...”. As reticências indicam que faltou a terceira referência, não é mesmo? Digamos que o suspense é
propositado. A razão? Fala-se e grafa-se com imprecisão o termo omitido. Assimilemos: fulano, beltrano e sicrano – esta última
com –s e sílaba –cra (não “-cla”). Não há dúvida que a sonoridade da forma correta é estranha. Todavia, não se trata de boa ou
má sonoridade, mas de correção ortográfica, e dela não podemos prescindir .

É sabido que as palavras têm força demasiada. Assemelham-se ao pássaro que foge da gaiola, não mais retornando ao local de
onde partiu. Há de haver cautela na anunciação dos termos. Nesse passo, tem-se ouvido a expressão “no que pertine...”. Muita
calma! Trata-se de menção a verbo inexistente em nosso léxico. Encontram-se, sim, dicionarizados os termos pertinente e
pertinência, porém o verbo não foi previsto. Assim, seu uso deriva da imaginação. Deve-se evitar a forma, substituindo-a por
“no que concerne...”, “no que tange...” ou, ainda, “no que se refere...”.

Se as palavras são como pássaros que fogem da gaiola, certamente, “muitos deles encontram-se soltos por aí...”. Note mais um
barbarismo: os gramáticos e os dicionaristas não registram o uso vernáculo da locução “a teor de”, ocupando o lugar das
corriqueiras conjunções conformativas conforme, como, consoante, nos termos de, de conformidade com. Estas expressões
são válidas; aquela, não. Portanto, há erronia quando se diz “a extinção do feito se deu a teor do art. 267 do CPC”. Prefira “a
extinção do feito se deu conforme o art. 267 do CPC” (ou com as outras locuções sugeridas).

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De fato, os equívocos mencionados são deveras curiosos. Não menos intrigante é a disseminação deles no falar diário. Situações
há em que a forma correta - por ser tão rara diante do uso interativo da expressão condenável -, pode causar estranheza e ser
tida como a inválida, a incorreta. Note o caso de aficionado. O adjetivo deve ser assim grafado e pronunciado. Não existe a
forma “aficcionado”, com dois “cês”. Assim, memorize: quem é entusiasta ou nutre simpatia por algo é um afiCIOnado e ponto
final. Talvez o dislate derive da falsa correlação com o termo “ficção”, porém não deve haver similitude entre as formas.
Os ingleses têm uma emblemática máxima: “A imaginação é a inteligência se divertindo”. De fato, não há nada mais fértil que
nosso poder de criar, de imaginar. Entretanto, a comunicação deve se dar com o rigor das normas cultas. A inteligência pode se
divertir, porém a “diversão” não deve provocar irritabilidade a quem se dirige tornando o ouvinte irascível – aliás, um termo
normal pronunciado por aí. Deve-se falar assim, e não como dois “erres” – “irrascível” – um vocábulo inexistente.
Nosso dia a dia apresenta-se repleto de encruzilhadas linguísticas. Entre o que existe e o que não existe em Língua portuguesa
está a chave do uso escorreito do idioma. Talvez a “chave” da gaiola daqueles pássaros que voam por aí...

Eduardo Sabbag
11/2008

Artigo 2

Normas gerais da língua culta

Há poucos dias, chegou ao meu conhecimento que, em um concurso da área jurídica, teria sido solicitada, como questão de
língua portuguesa, a elaboração de uma dissertação sobre o verbo haver. Não me causou estranheza, haja vista se tratar de
verbo corriqueiro em nossa linguagem cotidiana.

Com efeito, uma olhadela no parágrafo anterior indicará a presença do verbo em dois momentos: “ há poucos dias...”, logo no
início; “ ...haja vista se tratar de ...”, ao término do articulado .

O verbo haver possui inúmeras acepções: seu significado vai de um simples existir (Houve um incêndio) até um curioso sentido
de conseguir (Houve do poder público a comutação da pena). Nesse multifacetado contexto significativo, requer-se cautela.

A propósito, o sentido mais usual, designativo de existir, mostra a forma impessoal do verbo haver. Assim, não se podem
pluralizar as formas, como se nota nos exemplos a seguir:

Há cinema na cidade – Há cinemas na cidade;

Houve briga no estádio – Houve brigas no estádio.

Nesse passo, diga-se que as locuções verbais manter-se-ão, igualmente, inalteradas. Observe:

Deve haver cinema na cidade – Deve haver cinemas na cidade;

Há de haver disputa violenta – Há de haver disputas violentas.

Não menos usual, com ênfase na redação forense, desponta a locução haja vista, na acepção de “tendo em vista”. Trata-se de
expressão fossilizada, isto é, grafa-se haja vista, e não “haja visto” – um produto da mirabolante imaginação humana. A ressalva
existe para caso distinto: haja visto como locução verbal indicativa de “tenha visto”. Exemplo: Espero que haja visto a comédia.
Nesse caso, não há problemas... há de haver tolerância!

Tolerância deve-se ter com outras locuções compostas pelo verbo em análise: bem haja, na acepção de “seja feliz” (Exemplo:
Bom hajam os que veem hoje como o amanhã de ontem); haver mister, no sentido de “ necessitar” (Exemplo: Haver mister de

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comprovar o dolo; Todos os envolvidos haviam mister de defesa nos autos). Não perca de vista que em tais locuções o verbo se
torna pessoal, podendo variar.

Ademais, não é raro encontrar em petições e sentenças a locução Haver por bem, no sentido de “vir a propósito” – uma bem-
sonante expressão, também variável, no plural – Exemplo: Os desembargadores houveram por bem em acolher o pedido da
parte.

Nesse ínterim, insta mencionar que o verbo pode assumir a forma pronominal: haver-se - uma formação com mais de um
sentido: como sinônimo de “portar-se”: “ Os alunos não se houveram bem na festa: foi um deus nos acuda!”; ainda, no sentido
de “acertar contas”: “Ele vai se haver comigo quando chegar em casa.”

“Quantos significados!” - poderá desabafar o leitor. Entretanto, não se pode desesperar – recomendo. Há de haver cautela!

Cautela em abundância, principalmente, para a compreensão de sentidos estranhos, como: conseguir, na frase: “Eles houveram
do governo as verbas pleiteadas”; e, julgar ou entender, na oração: “Ele é tido e havido por negligente”.

Por fim, mencione-se que o verbo haver pode vir seguido de infinitivo, com a partícula “não” anteposta, nos seguintes casos:
como o sentido de “não ser possível”: “Não há (que) discutir o ocorrido; não há beijar sem ser beijado”.

-“Ufa! De fato, hei de ter cautela!” – poderia exclamar, com razão, o nobre leitor.

Aliás, a expressão utilizada no desabafo – hei de – indica o futuro promissivo (de promessa) do verbo.

Observe os magistrais verbos da canção “Eu te amo” (1980), de Tom Jobim e Chico Buarque:

“ ‘Ah’, se já perdemos a noção da hora / Se juntos já jogamos tudo fora / Me conta agora como ‘hei de’ partir (...) Não, acho que
estás só fazendo de conta / Te dei meus olhos para tomares conta / Agora conta como ‘hei de partir’ ”.

Tom e Chico revelaram nos versos acima – compostos em 1980 – a radical experiência de fusão com a pessoa amada e
perplexidade diante do fim da relação. O curioso é perceber que, em 1984, Caetano Veloso, valendo-se do verbo em análise, na
bela canção “Quereres”, pareceu explicar a celeuma da relação amorosa:

“O quereres e o estares sempre a fim / do que em mim é de mim tão desigual (...)

E, querendo-te, aprender o total / do querer que ‘há’ e do que não ‘há’ em mim.”

Talvez o amor seja assim: “complexo” e “intrigantemente convidativo”, como o verbo haver.

Houve por bem Gilberto Gil, nos magistrais versos da canção “Estrela”, quando nos remeteu a essa “estranha e convidativa
complexidade”:

“’ Há’ de surgir / uma estrela no céu cada vez que ocê sorrir / ‘Há’ de apagar / uma estrela no céu cada vez que ocê chorar (...)”.

De fato, o verbo haver e o amor podem nos ensinar: há de haver compreensão...

Eduardo Sabbag
07/2007

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Artigo 3

Problemas gerais da língua culta

Em certa ocasião, um Aluno me procurou e fez o seguinte pedido: - Professor Sabbag, poderia me dar algumas dicas de
português? É que vou fazer uma prova dissertativa, em concurso da área jurídica, e não poderei cometer erros. Estou
desesperado... Recordo-me de ter respondido ao aflito Aluno:

- Meu caro amigo, nossa língua não se resume a meras “dicas”, porém anote aí algumas observações...e não se desespere...
Naquela ocasião, dei-lhe conceitos mais objetivos, pensando nas situações de dúvida que ele poderia encontrar no momento da
confecção da peça dissertativa. Neste instante, rememoro alguns pontos lá enunciados, transmitindo-lhe, caro Leitor, nas linhas
a seguir:

1 . Evite a expressão através de usada sem adequação. Essa locução preposicional significa “de um para o outro lado”, na
acepção de “transpor obstáculo”. Portanto, é erronia usar a expressão como indicadora de meio. Em português, as preposições
que indicam relações de “meio” são: por meio de, por intermédio de, mediante, entre outras. Note o uso correto:

Irei ao outro lado do rio através da ponte;


A bala passou através da parede;
“Laços que se prolongam através das eras”. (Alexandre Herculano).

Observe o uso inadequado nas situações a seguir discriminadas:


O Autor vem aos autos através do advogado abaixo assinado.
Chegaram a um bom termo através do acordo.

2 . Cuidado com a ortografia, evitando erros que podem comprometer a estética do texto. Não titubeie em vocábulos
corriqueiros, como exceção, excesso ou excessivo. A grafia de tais palavras é demasiado problemática.
Caso pretenda se referir, eventualmente, a um inciso inserido em um artigo, use a forma inserto, com –s. Grafa-se com –c
(incerto), se a intenção for mostrar “aquilo que não está certo”.

3 . Muito cuidado com o uso de expressões latinas, que devem ser grafadas com aspas, dando-lhes o destaque necessário. É
oportuno lembrar que não se acentuam as palavras latinas. Portanto, grafe “data venia”, sem acento circunflexo, ao indicar a
forma polida de manifestar seu pensamento. Entretanto, saiba que pertence a nosso idioma o termo “vênia”, com acento
circunflexo – uma paroxítona terminada em ditongo, na acepção de “licença que, por deferência, pode-se a outrem”.
Exemplo: Com a devida vênia dos senhores, vou me retirar.

4 . Tome cautela com o uso da crase. Entre as inúmeras regras, procure se lembrar de que não se usa o sinal grave (`) antes do
verbo. Portanto, escreva a locução a partir de..., sem crase. Exemplo:
O Direito Civil foi construído a partir da legalidade constitucional.

Nesse passo, não omita o sinal nas locuções compostas de palavras femininas: à custa de, à medida que, à toa, às pressas, entre
outras. Exemplo: Ele procede à feitura do projeto, à medida que se orienta melhor.

5 . Outro defeito da redação forense, prejudicial à precisão do texto, consiste no abusivo emprego da locução sendo que, com
valor conjuncional. Esta expressão pode ser bem empregada, quando for sinônima de “uma vez que”, “pois” etc., haja vista

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representar uma locução conjuntiva casual. Observe o uso inadequado, nas situações a seguir discriminadas, acompanhadas da
ulterior correção:

I – O homem disparou quatro tiros, sendo que duas balas atingiram a vítima.
Corrigindo: O homem disparou contra a vítima quatro tiros, dos quais dois a atingiram.

II – As duplicatas estavam em seu poder, sendo que a quitação foi dada posteriormente.
Corrigindo: As duplicatas, cuja quitação foi dada posteriormente, estavam ao seu poder.

III – Os réus foram citados, sendo que apenas um deles contestou.


Corrigindo: Os réus foram citados, mas apenas um deles confessou.

6 . Não esqueça a acentuação adequada. É mister salientar que o termos Júri recebe o acento agudo - trata-se de uma
paroxítona terminada em –i, à semelhança de biquíni, safári, táxi, beribéri etc.
Por outro lado, o vocábulo item não é acentuado, uma vez que não se acentuam as paroxítonas com terminação –em.
Por derradeiro, o termo juiz não recebe o acento agudo, enquanto o plural juízes leva o acento, por se tratar de regra afeta a
hiato.

7 . É importante o conhecimento do vocabulário, a fim de que se utilizem os termos com precisão, oriundos de nosso rico léxico.
Nesse contexto, deve-se escrever eminente, na acepção “daquilo que é nobre ou elevado”, e iminente, para ‘o que está prestes
a acontecer”; é necessário, outrossim, grafar seção (para “departamento”: seção eletrônicos), sessão (para “apresentação”:
sessão Júri) e cessão (para “o ato de ceder”: cessão de direitos).

8 .A concordância adequada é fundamental. Se utilizar a forma “dado o” ou “dado a”, saiba que tais termos são regidos pelo
nome a que se referem. Exemplo: Dado o documento, decidi agir. Com o substantivo no plural, ter-se-á: Dados os documentos,
decidi agir. A mesma regra vale para o vocábulo feminino. Exemplo: Dada a circunstância, tomei a providência. Veja com o
plural no substantivo: Dadas as circunstâncias, tomei a providência.
Evite, portanto, o erro não pouco comum:
“Dado as circunstâncias, tomei a providência”.

Essas foram as ficas ofertadas àquele eminente Aluno. A você, nobre Leitor, reitero-as. Boa sorte!
Eduardo Sabbag
09/2007

Artigo 4

“Que língua! Tantos quês... por quê?”

Que língua! Tantos quês... por quê?

O aluno estava ofegante. Havia subido as escadas, que levam à sala de aula, à minha procura, com uma dúvida que parecia o
afligir. Tratava-se da frase que intitula o presente artigo e que fora solicitada em prova de língua portuguesa em concurso a que
ele se submetera:

“Que língua! Tantos quês...por quê?”

Algo o perturbava: os acentos circunflexos (quês / quê). Além disso, não se conformava com o plural “quês” e desconhecia a
razão da separação na forma “por quê”.

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Ao ouvir a frase, adiantei-lhe, de pronto:

- Meu caro aluno, a frase está correta. Seu olhar demonstrou certa dose de espanto e decepção. Talvez tivesse, por qualquer
motivo, acreditando na incorreção da frase...

- Sim, há precisão na forma – insisti. O tema, todavia, é bastante complexo. A palavra “que”, meu amigo, é uma das mais difíceis
de se analisar no português. Essa palavrinha, aparentemente singela, provoca celeumas diversas, em virtude de suas múltiplas
funções sintáticas.

Passei, portanto, a esclarecer:

- Na frase inicial “Que língua!”, o termo sublinhado apresenta-se como pronome indefinido, ao se ligar a um substantivo em
frase exclamativa. Exemplo: “Que frio terrível!”

Quanto à frase seguinte – “Tanto quês...por quê?” - , é prudente lembrar a letra da canção “Meu Bem Querer”, do Djavan:

“Meu bem querer / Tem um quê de pecado...”

O termo aparece acentuado, pois se trada de substantivo. Nesse caso, como monossílabo tônico, receberá o acento circunflexo.

A forma “quê” – complementei – ocorrerá em diversas hipóteses: (I) com a letra “Q”, que deve ser escrita com acento – “quê”;
(II) quando se exprime sentimento ou emoção, por meio de uma interjeição: “Quê! Você de novo!”; (III) quando se tratar de
pronome indefinido pronunciado tonicamente, em frases interrogativas: “A produto é feito de quê?” ou “Isso tem gosto de
quê?” ; (IV) com a expressão “um não sei de quê”: “Em seu semblante, havia um não sei de quê irônico.”

O aluno ouvia atentamente, esperando sanar todas as dúvidas. Assim, dispus-me a elucidá-las, com paciência:

- Note bem: a forma “por que”, separada, ocorre em virtude da junção da preposição “por” com o pronome interrogativo “que”,
equivalendo a “por qual motivo” ou “por qual razão”. Nesse passo, diga-se que o fato de surgir no final da frase, imediatamente
antes de um sinal de pontuação – ponto de interrogação, no caso – torna o termo tônico, avocando-se-lhe o acento circunflexo
(quê).

E perguntei ao aluno:

- Você não se lembra da emblemática canção “Carinhoso”, de Pixinguinha e João Barro?

“ Meu coração, não sei por quê, bate feliz quando te vê.”

O aluno acenou afirmativamente, demonstrando captar a explicação. Estava certo de que o tema era complexo.

Resolvi, então, provocá-lo com uma indagação:

- Como compreendeu algumas funções do “que”, deixe-me ver se supera este teste: qual a função da palavra ‘que’ na frase ‘Que
vida boa que você tem!’?

O aluno pensou e não conseguiu responder ao teste. De fato, a pergunta era capciosa. Dei-lhe a resposta:

- Partícula de Realce ou Expletiva, isto é, o termo pode ser retirado da frase sem prejuízo ao sentido. Poder-se-ia dizer, omitindo-
se a palavra: “Vida boa você tem!” Aparece quase sempre na locução “é que”. Observe a frase elucidativa de Machado de Assis :
“ Que suplício que foi o jantar!”.

O primeiro “que” é pronome indefinido; o segundo, por sua vez, é partícula expletiva.

Na ocasião, aproveitei para enriquecer o diálogo com outro exemplo:

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- Veja os versos de Casimiro de Abreu, para os quais têm as mesmas classificações supramencionadas – pronome indefinido e,
depois, partícula expletiva:

“Oh! Que saudades que eu tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida (...)”

O aluno, que ouvia com atenção, anunciou sua partida:

- Professor, muito obrigado. Foram providenciais as explicações. Tenho que ir...

Enquanto o aluno se afastava, despedi-me, sem perder a chance do complemento:

- A propósito, nesta frase “tenho que ir” o termo “que” é preposição, sabia? Pode ser substituído por “de”, vindo ao lado dos
verbos “ter” e “haver”.

O aluno acolheu a regra derradeira e, valendo-se de emblemático verso da MPB, sugeriu, com pontualidade, Gilberto Gil: “Se eu
quiser falar com Deus, tenho que ficar a sós.”

Elogiei a argúcia e rebati, ratificando-o com Chico Buarque:

“Alguém vai ter que me ouvir / Enquanto eu puder cantar”.

Sorrindo, ambos exclamamos: “Que língua!”

Eduardo Sabbag
11/2007

Artigo 5

O RESGATE DO PRONOME CUJO

Há poucos dias, um aluno me perguntou:

- “Professor, o pronome ‘cujo’ deixou de existir?”

Categoricamente, respondi:

- “Claro que não!”

A indagação, por ser bastante pertinente, merece uma reflexão, o que me levou a elaborar este artigo.

O uso do pronome relativo “cujo” tem se tornado bastante raro na escrita. Qual seria o motivo de tal isolamento? Talvez seja a
sua engenhosa aplicação, que demanda certa desenvoltura no tema gramatical afeto ao “uso dos pronomes relativos”. Por
outro lado, há os que o condenam por ser ele pouco eufônico. Existem, ainda, muitos que afirmam viver muito bem sem ele...

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De uma maneira ou de outra, é possível resgatá-lo do “ostracismo” com bons argumentos.

Em primeiro lugar, devemos entender que o pronome relativo cumpre importante função nas orações: designa uma relação de
posse entre o termo que ele antecede e o outro a que sucede. Verifique:

Homem cujo terno (...)


A frase indica que o terno pertence ao homem, e o pronome “cujo” veio intermediar o elemento “possuidor” (homem) e o
elemento “possuído” (terno).

Por essa razão, meus alunos têm assimilado em sala de aula um recurso mnemônico importante para a aplicação desse
pronome:

Possuidor CUJO Possuído

Vamos treinar com outro exemplo:

Com os termos “árvore” e “frutos”, pode-se dizer “árvore cujos frutos”, pois se destacam o elemento possuidor (árvore) e o
elemento possuído (frutos). Portanto:

ÁRVORE CUJOS FRUTOS = “POSSUIDOR CUJO POSSUÍDO”

No exemplo acima, aliás, foi possível notar algo importante: o pronome relativo “cujo” deverá concordar em gênero e número
com o termo que a ele sucede, ou seja, com o termo seguinte. Note que se disse “árvore cujOS frutOS”. Da mesma forma,
teremos que estabelecer a concordância em “homens cujas esposas”; “pássaros cujos cantos”; “leis cujos artigos”; “Constituição
cujo preâmbulo” etc.

Evidencia-se, desse modo, que o formato da estrutura pronominal acima demonstrado não tende a ofertar grandes problemas
ao estudioso da gramática. Aliás, as Bancas de concurso preferem “apimentar” os testes sobre o tema, trazendo situações em
que o pronome relativo “cujo” aparece ao lado de preposições, como nas formas “para cujo”, “de cujo”, “ante cujo”, “sobre
cujo”, “a cujo”, entre outras. Como isso ocorre?

Vou demonstrar a situação por meio da seguinte frase:

Esta é a árvore DE cujos frutos DEPENDO.

Note que o período trouxe a preposição “de”, própria do verbo transitivo indireto “depender” (“quem depende, depende de algo
ou de alguém”), tendo sido inserida antes do pronome (“de cujos”). Daí se falar que, nos casos de verbos transitivos indiretos,
que trazem a reboque a preposição, passaremos a ter uma fórmula mnemônica um pouco mais sofisticada:

Possuidor PREP. CUJO Possuído

* PREP.: significa “preposição”, ocorrendo a abreviatura na fórmula para facilitar a pronunciação do macete.

Vamos reforçar com outro exemplo:

Com os termos “pessoas” e “palavras”, no contexto do verbo “acreditar”, pode-se dizer “pessoas EM CUJAS palavras eu
ACREDITO”, destacando-se o elemento possuidor (pessoas), o elemento possuído (palavras), o pronome relativo em adequada
concordância (cujas) e, finalmente, a preposição (em), inserida antes do pronome relativo. Portanto:

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PESSOAS EM CUJAS PALAVRAS (...) = “POSSUIDOR PREP. CUJO POSSUÍDO”

Vamos, agora, apreciar algumas elucidativas frases, com o formato acima destacado:

1. CONTRA CUJA: Foi o paciente absolvido em revisão criminal do crime contra cuja condenação é impetrado o "writ”.

2. SOBRE CUJO: Apreciei muito o discurso sobre cujo estilo vou escrever.

3. A CUJA: O concurso a cuja premiação eu me referi aceita inscrições até amanhã.

4. COM CUJO: A Renascença, com cujo advento a nossa civilização começou, teve origem em diversos elementos.

5. DE CUJAS: Comprei o disco do compositor de cujas músicas você sempre fala.

6. PARA CUJAS: A instituição de caridade para cujas obras você contribuiu espontaneamente fez bom uso da doação.

7. POR CUJO: O jogo por cujo resultado ansiamos está na iminência de acabar.

Diante do exposto, é indubitável admitir que o bom uso do pronome relativo traz elegância ao texto, além de exprimir a
precisão da ideia a ser transmitida.

Sua relevância no plano gramatical, a propósito, pôde ser ratificada, no último dia 22, quando o maior vestibular do Brasil – o da
FUVEST – exigiu dos candidatos a uma vaga na USP o bom uso do pronome relativo “cujo”, em uma das duas questões de
gramática, formuladas na prova. Observe a frase considerada correta no indigitado teste:

A janela propiciava uma vista para cuja beleza muito contribuía a mata no alto do morro.

Com os termos “vista” e “beleza”, no contexto do verbo “contribuir”, diz-se “vista PARA CUJA beleza muito CONTRIBUÍA”,
destacando-se o elemento possuidor (vista), o elemento possuído (beleza), o pronome relativo em adequada concordância
(cuja) e, finalmente, a preposição (para), inserida antes do pronome relativo.

Assim, para aquele aluno que me questionou, disse algo mais:


- “Meu caro amigo, não há nenhuma dúvida que o pronome relativo ‘cujo’ continua existindo”.

E, complementei, em trocadilho, afirmando:

- “Na batalha dos pronomes relativos, já é hora de fazermos ‘o resgate do pronome cujo’”...

Prof. Eduardo Sabbag

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Artigo 6

Onde o “onde” não é correto...

É muito comum, na formação de períodos sintáticos, o uso inadequado do termo “onde”. Costumo dizer que “se coloca
‘o onde’ ‘onde’ não se deve...”. Daí a utilização das palavras em trocadilho, no título deste artigo (Onde o “onde” não é
correto...), que, à primeira vista, pode não soar tão bem, entretanto serve propositadamente para chamar a atenção do leitor a
um problema crônico na sintaxe.
Como classe morfológica, “onde” pode ser um advérbio interrogativo (“Onde está o homem?”) e pronome relativo
(“Esta é a cidade onde nasci.”) – o que nos interessa diretamente neste artigo –, equivalente a “em que, no qual, na qual, nos
quais, nas quais” (“Esta é a cidade EM QUE / NA QUAL nasci.”). ` O pronome relativo retoma um termo expresso
anteriormente (antecedente) e introduz uma oração dependente, adjetiva. Assim, na análise sintática, o termo “onde” será
identificado como um “adjunto adverbial de lugar”. A propósito, deve referir-se sempre a lugar físico, espacial ou geográfico,
sendo inadequado seu uso quando atrelado a situações diversas. Os exemplos são esclarecedores:

1. A estrada onde ocorreu o acidente.

2. O prédio onde ele trabalha.

Nas duas frases acima, nota-se que o pronome se liga a referentes que designam um lugar determinado, a saber, “a
estrada” e “o prédio”. Nessa medida, houve adequação na construção dos períodos, que poderiam ser também escritos:

1. A estrada EM QUE / NA QUAL ocorreu o acidente.


2. O prédio EM QUE / NO QUAL ele trabalha.

Como recurso mnemônico, pode-se “tirar a prova” do bom uso em dois passos simples: 1º. Substitua o pronome pela expressão
“o lugar em que”; e 2º. Elimine o elemento antecedente. Exemplo:

Situação: A estrada onde ocorreu o acidente.


1º. A estrada [O LUGAR EM QUE] ocorreu o acidente.
2º. A estrada [O LUGAR EM QUE] ocorreu o acidente.
Resultado: O lugar em que ocorreu o acidente.

Gonçalves Dias, na clássica “Canção do Exílio”, deixou-nos a lição no verso “Minha terra tem palmeiras onde canta o
sabiá”. É fácil perceber que as palmeiras indicam o lugar em que o sabiá vai fazer a sua cantoria.
Por outro lado, existe um costume condenável de se usar a forma “onde” em excesso nos textos escritos. Costumamos
denominar o fenômeno de “ondismo”, no qual se associa o pronome a situações que não indicam valor circunstancial de lugar.
Observe as situações abaixo, em que o erro se torna patente:

1. Nos autos, foram colhidos depoimentos onde ficou evidente a culpa do réu.

Ora, o referente “depoimentos” indica um domínio não geográfico. A frase deve ser assim corrigida:
Nos autos, foram colhidos depoimentos EM QUE / NOS QUAIS ficou evidente a culpa do réu.
Daí se dizer que “onde” sempre equivalerá a “EM QUE”, mas a recíproca pode não ser verdadeira, motivo por que se têm
construído, a torto e a direito, muitos períodos de forma errônea. Observe mais exemplos de incorreção:

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2. O candidato prestou o concurso onde questões de provas foram anuladas.


Correção: O candidato prestou o concurso EM QUE / NO QUAL questões de provas foram anuladas.

3. Esta é a família onde há violência doméstica.


Correção: Esta é a família EM QUE / NA QUAL há violência doméstica.

Da mesma forma, tem sido muito comum o errôneo emprego de “onde” como antecedente de “tempo”. Observe o
problema:

1. Este é o ano onde tudo melhorará.


O antecedente “ano” designa uma referência temporal, devendo afastar o pronome “onde”. Substitua-o, assim:
Este é o ano EM QUE / NO QUAL tudo melhorará.

De modo semelhante, outras frases podem ilustrar a aplicação imprópria do pronome quando os referentes forem temporais:

2. Esta é a época onde as flores nascem.


Correção: Esta é a época EM QUE / NA QUAL as flores nascem.

3. O dia onde a guerra começou.


Correção: O dia EM QUE / NO QUAL a guerra começou.

4. O século onde tudo se explica.


Correção: O século EM QUE / NO QUAL tudo se explica.

A propósito, em junho de 2011, a Fundação Getúlio Vargas elaborou importante questão no vestibular para os candidatos
pretendentes ao curso de “Administração de Empresas”. No caso, o candidato teve que identificar a inadequação do uso de
“onde” na frase “Uma noite onde ninguém é o que parece ser”. Com efeito, o referente “noite” não designa lugar, mas tempo.
Assim, poderíamos corrigir a frase por:

“Uma noite EM QUE / NA QUAL ninguém é o que parece ser”.

Por tudo isso, devemos evitar o uso indiscriminado do pronome relativo “onde”. A cautela, aqui, não será algo excessivo, mas
imprescindível. Aliás, o cauteloso terá o domínio da boa aplicação do pronome relativo e... a chave dos lugares onde “o onde” é
adequado. É só entrar e bem aplicar!

PROFESSOR EDUARDO SABBAG

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