Natalia Eugenia Sanchez Escamez
Natalia Eugenia Sanchez Escamez
Natalia Eugenia Sanchez Escamez
PUC- SP
MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC- SP
MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA
São Paulo
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
56 f.
___________________________________________________
___________________________________________________
______________________________________________________________
ii
DEDICATÓRIA
iii
AGRADECIMENTOS
À Deus, pelo que sou, e por me oferecer sabedoria, ânimo e serenidade a Seu
tempo, o tempo certo.
À Profª. Drª. Léslie Piccolotto Ferreira, por dividir seu conhecimento e estar de
prontidão a qualquer hora, sempre disposta a ajudar. Meus sinceros
agradecimentos.
iv
Aos professores Profa. Dra. Zuleica Camargo e Prof. Dr. Ricardo Ballestero,
pelo olhar atento e sugestões, e por aceitarem prontamente a fazer parte da
banca.
Aos meus pais e Antônia e Carlos (in memoriam), alicerces da minha vida, pelo
amor incondicional e eterno incentivo à busca do conhecimento. Los amo
demasiado.
Ao estimado amigo Prof. Dr. Paulo Roberto Pedrozo Rocha, marco decisivo
para meu ingresso no mestrado.
v
“Sem música a vida seria um erro”.
Friedrich Nietzsche
vi
______________________________________________RESUMO
Escamez NES. Cantoras eruditas e populares: comparação de
características vocais na canção Melodia Sentimental de Villa-Lobos
[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade católica de São Paulo, 2015.
vii
_______________________________________________Abstract
Classic and popular female singers: comparison of vocal characteristics
in the song Melodia Sentimental (Sentimental Melody) by Villa-Lobos.
viii
Sumário
Dedicatória................................................................................................... iii
Agradecimentos........................................................................................... iv
Resumo........................................................................................................ vii
Abstract........................................................................................................ viii
Sumário........................................................................................................ ix
Lista de figuras............................................................................................. x
Lista de quadros.......................................................................................... x
Lista de tabelas............................................................................................ x
Lista de gráficos........................................................................................... x
1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 1
2. OBJETIVO............................................................................................. 3
3. REVISÃO DE LITERATURA................................................................. 3
3.1. Características dos gêneros erudito e popular................................. 3
3.1.1. A evolução da gravação e sua influência na forma de cantar..... 5
3.2. Expressividade e interpretação na canção....................................... 6
3.3. Características acústicas e ajustes do trato vocal no cantor............ 8
3.4. Heitor Villa-Lobos e sua canção Melodia Sentimental ..................... 15
4. MÉTODO............................................................................................... 18
4.1. Preceitos éticos................................................................................. 18
4.2. Seleção da amostra.......................................................................... 18
4.3. Procedimentos.................................................................................. 21
4.3.1. Coleta da amostra de canto......................................................... 21
4.3.2. Análise acústica........................................................................... 23
5. RESULTADOS...................................................................................... 27
5.1. Espectro médio de longo termo (ELT).............................................. 27
5.2. Voice Onset Time (VOT)................................................................... 30
6. DISCUSSÃO......................................................................................... 33
7. CONCLUSÃO........................................................................................ 41
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 42
9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA............................................................ 55
10. ANEXOS............................................................................................... 56
ix
Lista de figuras
Lista de quadros
Lista de tabelas
Lista de gráficos
x
1. INTRODUÇÃO
1
Costuma-se dizer que o cantor é um “atleta da voz” pelas grandes
exigências do canto ao aparelho fonador (Andrade et al., 2007). Um cantor
erudito necessita anos de estudo para definir sua classificação vocal; um cantor
popular pode percorrer uma enorme variedade vocal em seu aprendizado
(Muniz et al., 2010). Assim como o repertório específico de cada gênero, os
ajustes do trato e a emissão vocal de um cantor erudito são diferentes de um
popular. Em Loiola (2013) verificamos que existem adequações que podem se
apresentar no trato vocal decorrentes da respiração, da anatomia e/ou
fisiologia, comportando-se diferentemente entre erudito e popular, como o
maior volume de voz no canto erudito ou ajuste mais próximo da voz falada no
canto popular brasileiro.
2
2. OBJETIVO
3. REVISÃO DE LITERATURA
A revisão de literatura estrutura-se em quatro blocos: no primeiro,
características dos gêneros erudito e popular, incluindo uma breve explicação
sobre a evolução da gravação e sua influência na forma de cantar. No segundo
bloco, características acústicas e ajustes do trato vocal na voz do cantor. No
terceiro, interpretação e expressividade nesses dois gêneros musicais e, por
último, o compositor Heitor Villa-Lobos e sua canção, Melodia Sentimental.
Optou-se por não seguir uma ordem cronológica, mas agrupar os autores por
assuntos.
3
No início do século 20, a abordagem vocal na música popular se
referenciava no canto erudito, principalmente no bel canto (Severiano e
Homem de Mello, 1997). A produção de sons do canto popular realçava o
caráter dramático, vibrato e notas longas (Machado, 2007). Com o advento das
gravações elétricas, os cantores – que precisavam praticamente gritar para
serem ouvidos nos registros fonográficos – foram liberados das limitações das
gravações mecânicas e podiam cantar de forma mais natural (Severiano e
Homem de Mello, 1997), sendo o canto popular capaz de se tornar mais falado
e com dinâmicas mais sutis (Machado, 2007). É importante considerar que
havia cantores que, mesmo antes dessa transformação dos meios
fonográficos, começaram a trabalhar a sonoridade mais falada, como o cantor
Manuel Pedro dos Santos, o Baiano, em “Pelo Telefone”, primeiro samba
gravado em 1917 (Andrada e Silva, 2001; Machado, 2007).
4
Pelo viés popular, quando a gravação eletromagnética chega ao Brasil,
estávamos na Época de Ouro (1929-1945). Mário Reis (1907-1981), talvez o
mais significativo cantor dessa época, aproveitando-se das vantagens da
gravação elétrica, cria um estilo coloquial para a interpretação da música
popular, tornando-a mais natural e rompendo com a tradição do bel-canto
italiano (Severiano e Homem de Mello, 1997). Todavia é com a gravação em
canais separados, com João Gilberto e uma aparente simplificação do cantar
estabelecida pelo compositor, que toda a relação entre a voz e os instrumentos
acompanhadores se redimensiona, na qual ela – a voz – já não está mais
isolada à frente de tudo, mas somada ao componente instrumental. (Morton Jr,
2006; Machado, 2007).
5
gravada em camadas. Podia-se, por exemplo, gravar uma base instrumental e
adicionar os vocais posteriormente (Morton Jr, 2006; Rosa, 2011). Em resumo,
a gravação em camadas e a edição do material acabaram por modificar a
performance dos músicos em estúdio (Rosa, 2011).
6
No canto popular o eixo central da experiência musical é a gravação, e
não sua notação (Napolitano, 2003; Nascimento, 2004). Não se sabe
exatamente quando ou como surgiu a habilidade de fazer canções do
compositor popular (Tatit, 1995). De forma semelhante, o cantor popular seria
inicialmente consequência de talento e casualidade, dotada de uma
capacidade especial de, com sua voz, emocionar o público (Machado, 2012).
7
alterada, com ar ou rouca - é uma característica do canto popular (Abreu 2000;
Stark 2003; Machado, 2007, 2012), completamente oposto ao canto erudito
(Stark, 2003; Piccolo, 2005; Machado, 2011; Loiola, 2013). Além disso, a
palavra é um instrumento de realização musical do cantor popular, o que
torna fundamental a inteligibilidade do texto bem como a exploração rítmica e
sonora de cada palavra (Machado, 2007), mas não a qualidade da emissão
(Abreu 2000; Stark, 2003; Herr, 2004; Machado, 2007; 2012). O intérprete
popular tem liberdade para criar sua própria gestualidade oral (Andrada e Silva
e Duprat, 2010).
8
Para Titze (2012), no canto erudito, as configurações de trato vocal do
cantor podem interferir na estabilidade da fonação, e uma alteração brusca
pode provocar oscilação na fonação e quebras de registro involuntárias. Por
outro lado, se o cantor conseguir manter uma distribuição uniforme de energia
acústica, a passagem de registros pode ser adiada ou até evitada. Sundberg
(1991) defende que, para obter a projeção desejada, o abaixamento de laringe
auxilia na ampliação da cavidade da faringe e aumenta o espaço de
ressonância. Manter a laringe baixa nas frequências agudas é uma técnica
vocal do canto erudito que precisa ser trabalhada uma vez que não é natural
(Miller, 1994).
3 Frequência fundamental (f0) se refere a primeira frequência produzida na glote. A frequência de um som
está relacionada à quantidade de ciclos glóticos que ocorrem em um segundo a partir da passagem do ar
entre as pregas vocais durante a fonação (Azevedo, 2010).
4Dependendo da configuração do trato vocal, diferentes harmônicos são selecionados para serem
enfatizados. Esses centros de energia, resultantes dessa ênfase, são denominados formantes (Pinho,
1998).
10
Kovačić et al. (2003) pontuam que o declínio espectral está relacionado à
velocidade do fechamento glótico. Com o objetivo de verificar diferenças entre
dois estilos de canto croatas, o klapa e o dozivački, os investigadores os
descreveram por meio do espectro médio de longo termo (ELT). Foram
analisados doze cantores membros de um grupo folclórico croata, com uma
média de 33 anos de idade e 10 de experiência. Todos cantaram duas
músicas, uma em cada estilo. Nos resultados, o declínio foi mais acentuado no
estilo kapla em consequência da sonoridade vocal mais suave quando
comparado ao estilo dozivački, bem como a concentração de energia ao longo
do espectro maior em dozivački, resultante do loudness elevado característico
deste estilo. Outro achado importante é que a maior intensidade da voz se
reflete na parte superior do espectro, dando a impressão de um formante do
cantor5. Porém, os autores ressaltam que o pico tem um nível de amplitude
baixa e uma posição mais alta posição no espectro, descaracterizando assim o
chamado formante do cantor. Scherer (2005) sugere que o aumento de tensão
glótica amplia a força dos harmônicos diminuindo a inclinação espectral da
onda.
13
Meneses e Pacheco (2009) averiguaram a influência da posição de ênfase
e pausa na duração de vogais e oclusivas. Dois sujeitos – um masculino e
outro feminino – realizaram dois experimentos: no primeiro, uma frase que
continha a sílaba próxima a uma pausa, e em seguida uma frase com a sílaba
distante da pausa. No segundo experimento, as sílabas foram inseridas em um
contexto pré-ênfase, ênfase e pós-ênfase. Por meio da análise dos VOTs das
oclusivas, foi possível verificar um forte efeito da pausa sobre a duração do
segmento.
14
3.4. Heitor Villa-Lobos e sua canção Melodia Sentimental.
Em 1899, após a morte de seu pai, quem lhe deu as primeiras lições de
música e o apresentou às rodas de choro, Villa-Lobos continuou convivendo
com instrumentistas da boemia carioca como Anacleto Medeiros e Felisberto
Marques (Nadal, 2009). Suas primeiras composições tem uma marca de estilo
europeu da virada do século – como Wagner e Puccini (Mariz, 1983; Sadie,
1994) –, mais tarde influenciado pelas vanguardas europeias, como por
Maurice Ravel e Claude Debussy e após 1920, por Igor Stravinsky (Nadal,
2009).
15
Villa-Lobos também foi um dos pioneiros dentre os compositores
brasileiros em compor trilhas para filmes (Silva, 2012). Em uma de suas últimas
composições de grande porte, Villa-Lobos assinou um contrato nos anos 50
com a Loew´s Inc, para compor a trilha sonora de Green Mansions, inspirado
no romance de mesmo nome de William Henry Hudson e traduzido para o
português como “A Flor que não Morreu”, produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer
Inc (MGM). O trabalho foi feito sem levar em conta o ajuste da música com as
sequências das cenas cinematográficas. Também por esse motivo, a parte
musical original foi recortada e adaptada pelo compositor de trilhas polonês
Bronislaw Kaper (1902 – 1983), que praticamente criou uma nova trilha
(Duarte, 2010).
17
4. MÉTODO
18
Ao total foram convidadas para a pesquisa 87 cantoras, entre eruditas e
populares. Destas, 37 não se manifestaram, 24 cantoras recusaram o convite
por não se encaixarem nos fatores de inclusão: sete estavam fora da faixa
etária especificada, cinco tinham queixa vocal, quatro eram cantoras eruditas
de outra classificação vocal e oito não dominavam a canção. Vinte e seis
cantoras aceitaram e responderam o questionário inicial, entretanto 11
desistiram por indisponibilidade de horários para gravação e três foram
excluídas por cantarem em mais de um gênero musical profissionalmente.
Onze cantoras realizaram o processo de gravação, porém uma foi eliminada
em consequência de uma falha no aparelho durante a coleta e impossibilidade
de refazer a gravação.
19
Quadro 1 - Descrição da amostra do grupo de cantoras eruditas (GE) e do grupo de cantoras populares (GP) segundo a idade, o
tempo de estudo, tipo de formação e tonalidade da canção.
Gênero
Aulas Tempo de
Tempo de estudo / Tonalidade da
Sujeitos Idade Pós-graduação Conservatório particulares Profissão (em
formação (em anos) canção
de canto anos)
20
4.3. Procedimentos
21
As gravações foram realizadas no Estúdio de Canto e Voz Juvenal de
Moura, ambiente acusticamente tratado, em horários previamente agendados
de acordo com a disponibilidade dos sujeitos voluntários e da pesquisadora,
assim como as possibilidades de vagas do estúdio. Na véspera do dia
combinado a pesquisadora entrava em contato com a cantora voluntária para
saber se ela estava bem fisicamente e para confirmar local e horário.
22
Vale ressaltar que os recortes da canção aproveitados foram extraídos
da execução da música completa, para que se assemelhassem ao máximo da
possível interpretação pessoal. Julgamos ser importante que as mensurações
fossem realizadas tentando aproximar-se de uma situação real de canto, para
resultados mais fidedignos.
23
sonoras, corrigindo a influência da frequência fundamental (f0), ou seja, não
inclui os intervalos do trecho que não sejam vozeados, com a intenção de
refletir apenas as ressonâncias do trato vocal e o envelope do espectro de
fonte glótica (Boersma e Kovačić, 2006). Ajustou-se o pitch range entre 75Hz –
1kHz e a frequência máxima em 5kHz. Para o gráfico ELT, foram estabelecidos
os valores de Frequency Range (faixa de frequência) entre 0 – 5kHz e Sound
pressure level (nível de pressão sonora) entre -20 – 80 dB:
24
O Voice Onset Time (VOT) é o intervalo entre a plosão e o início de
vibração das pregas vocais nos sons obstruentes (Behlau, 1986; Camargo et
al., 2003).
Figura 4 - Trecho utilizado para extração das consoantes /d/ para análise de VOT
25
Figura 5: Exemplo de extração do VOT da consoante /d/ em acorda
26
5. RESULTADOS
E1
Medida do declínio: -17.65 dB
E2
Medida do declínio: -10.79 dB
27
E3
Medida do declínio: -18.51 dB
E4
Medida do declínio: -9.67 dB
E5
Medida do declínio: -12.38 dB
28
Quadro 3 - Gráficos do ELT e curva do declínio espectral das cantoras populares.
Gráfico Espectro médio de longo termo Curva do declínio espectral
(ELT)
P1
Medida do declínio: --11.48 dB
P2
Medida do declínio: -20.43 dB
P3
Medida do declínio: -22.49 dB
P4
Medida do declínio: -18.73 dB
29
P5
Medida do declínio: -20.71
30
Tabela 2 – Medida de VOT (ms) da consoante plosiva /d/ das cantoras eruditas e
populares nas palavras acorda e dorme.
31
Gráfico 1 – Representação do VOT da consoante /d/ na palavra acorda para GE e GP, e o valor
médio por grupo.
32
6. DISCUSSÃO
33
No canto erudito, as configurações estão relacionadas em torno da estética
esperada do gênero: projeção e regularidade do timbre. Temos maior controle
respiratório, a laringe abaixada para ampliação da cavidade de ressonância e
consequente maior intensidade da voz (Sundberg, 1991; Miller, 1994). A maior
abertura de mandíbula principalmente nas notas agudas (Menegon, 2013;
Austin, 2007) ajuda a manter a homogeneidade da tessitura vocal (Titze, 2012),
leve-se em conta que as obras vocais eruditas geralmente têm tessituras mais
abrangentes que as populares (Abreu, 2000; Machado, 2007; Andrada e Silva
e Duprat, 2010). Porém, a uniformidade em todos os registros acaba por
influenciar a inteligibilidade do texto, e nas frequências mais agudas pode até
prejudicá-lo, como visto em alguns estudos (Hollien et al., 2000; Gregg e
Scherer, 2006; Austin, 2007; Sundberg e Romedahl, 2009). O cantor popular,
não obstante, almeja por uma marca vocal individual sem se ater à constância
da qualidade vocal e/ou uma tessitura muito ampla (Abreu, 2000; Machado,
2007 e 2012, Mariz 2013). A posição da laringe é variável, os ajustes estão
próximos da voz falada e com uma maior liberdade para o padrão da
articulação (Abreu, 2000; Andrada e Silva, 2001; Zampieri, 2002), o que leva a
uma inteligibilidade superior do texto (Machado, 2007; Sundberg e Romedahl,
2009). O entendimento do texto é indispensável no canto popular e a vista
disso, pode-se adaptar a extensão melódica das canções e adequá-la à
tessitura vocal pessoal. Essa liberdade do cantor popular na escolha da
tonalidade foi considerada nesta pesquisa como uma forte característica do
gênero. O microfone é utilizado para amplificar a voz, e uma abertura ampla da
boca não é necessária como observarmos em vários cantores populares e
muito claramente nos cantores de bossa-nova como, por exemplo, João
Gilberto.
34
exatamente para alcançar maior volume de voz. Na pesquisa acadêmica,
procuramos ser mais fidedignos ao que o cantor emite, evitando assim
alterações tecnológicas. Neste estudo, o microfone utilizado possui curva de
resposta reta, para não introduzir modificações no sinal captado.
Foi feito um estudo piloto para a calibração das gravações, no qual foram
estipulados distância do microfone e volume da entrada de áudio. As cantoras
eruditas tiveram entrada de volume de áudio menor e distância maior do
microfone do que as populares. Essa graduação se deu em razão do sinal de
amplitude excessiva visualizado em alguns momentos durante a emissão
cantada, ou seja, o som excedia o limite máximo de gravação indicado pelo
programa, distorcendo-o. Essa sobrecarga deu-se pela maior intensidade de
emissão das sopranos eruditas e pela faixa de frequência em que estavam
cantando - a nota mais aguda da canção na tonalidade original é Lá 880 Hz. As
populares, que cantaram em sua maioria um intervalo de quinta abaixo da
tonalidade original, atingiram como nota mais aguda um Ré 594 Hz.
Lembrando que a tonalidade da canção entre grupos foi diferente pois, da
mesma forma que descaracterizaria o gênero popular pedir às cantoras de GP
que cantassem Melodia Sentimental na tonalidade original, o seria também
exigir que as sopranos de GE a cantassem uma 5ª abaixo. Quando foi
realizada a análise das gravações, verificamos que a utilização de um
decibelímetro para uma calibração individual, além da calibração geral feita
pela pesquisadora por grupo, seria favorável para a fidelidade da mensuração.
Este é um recurso que deve ser incluído em uma próxima averiguação.
35
Na amostra nos chama a atenção que a diferença entre a média do
tempo de estudo e de profissão do GE é exatamente igual à do GP: 2,4 anos.
Ou seja, ainda que o tempo de estudo do GP seja menor, o resultado mostra,
para os sujeitos do estudo, que cantores populares têm estudado mais, em
concordância com Machado (2012), que aponta o estudo do canto popular
producente de cantores populares com formação técnica e musical como algo
relativamente recente.
Uma possível explicação para essa procura por uma instrução mais
aprofundada, seja ela formal e/ou informal, é a proliferação de espetáculos
musicais que têm sido feitos no Brasil, programas de talentos como The Voice
e Fama e mesmo seriados como Glee, do canal por assinatura FOX, que
mostram o canto como parte “desejável” dos estudos escolares. A demanda
por cantores mais preparados aumentou vertiginosamente de 15 anos até o
momento presente, e continua crescendo. Produções grandiosas trazidas da
Broadway para o Brasil como Les Miserábles; A bela e a Fera; O Fantasma da
Ópera; O Rei Leão, entre outros, requer cantores treinados e aptos a participar
de uma exigente rotina de apresentações e ensaios que chegam a durar 11
horas diárias. Na cidade de São Paulo, no ano de 2014, diversos espetáculos
estiveram em cartaz, entre eles os internacionais O Rei Leão; Jesus Cristo
Superstar; Crazy for you; Shrek; e os nacionais Tim Maia – Vale Tudo; Rita Lee
mora ao lado, Cássia Eller - o musical; Cazuza – Pro dia nascer feliz; O Grande
circo místico; Elis, a Musical; A madrinha embriagada; além de produções
menores. Outros estreiam em 2015: Mudança de hábito; Cinderella; Ghost – o
outro lado da vida; Escrava Isaura - o musical, ademais das pequenas
produções. Na virada do ano de 2014-5, os cantores finalistas do programa
The Voice Brasil cantaram na festa de Réveillon da Av. Paulista, em São Paulo.
Em vista disso, cantores populares que desejam ingressar nesse mercado têm
necessitado capacitar-se adequadamente.
36
uma quinta abaixo, na tonalidade de Ré menor (Dm). Uma cantora do GP (P3)
cantou em Lá menor, uma oitava abaixo da tonalidade original. Ao analisar os
gráficos do espectro médio de longo termo (ELT) do quadro 2 (p.27), todas as
cantoras do GE apresentaram maior intensidade e projeção do que as do GP
(quadro 3, p.29), exceto P1, que obteve resultado semelhante ao GE. Esse
dado de GE se deve ao fato de que cantoras eruditas, em sua emissão
cantada, habitualmente aumentam a pressão subglótica com pregas vocais
estiradas, uma vez que estão em uma frequência aguda, a prisão da laringe é
baixa, a supraglote fica ampla com base da língua relaxada o que possibilita e
elevação do loudness e favorece os harmônicos mais agudos.
37
Chamamos a atenção para o resultado do ELT e declínio de P1. P1 é a
única cantora da amostra que mesmo classificada como popular e atuando
como tal, seu estudo tende para a linha do belting, utilizado no teatro musical,
que tem como características loudness elevado e maior tensão se comparado
ao canto popular brasileiro. Do GP, P1 teve o maior volume de voz, seu
espectro de longo termo obteve maiores picos nas frequências altas
semelhante a GE contudo acima da região de 3 kHz. Sua curva de declínio
espectral foi mais plana, próximo aos analisados em GE, diferenciou-se das
demais cantoras de GP: obteve um valor de -11,48 dB quando a média das
outras quatro cantoras do GP foi -20,59. Essa resultante entra em
conformidade com Scherer (2005), e também ocorre na pesquisa de Barlow e
LoVetri (2010), que observaram nas cantoras de belting maior quociente
fechado de coaptação glótica. Os autores sugerem que mais do que um
aumento de tensão, o cantor de belting utiliza uma estratégia de ressonância
diferente daquela usada pelo cantor erudito, esse pode ser um motivo pelo qual
mesmo com resultados semelhantes aos de GE, P1 não utiliza as mesmas
estratégias de ressonância das cantoras eruditas.
Vale destacar também o sujeito P3, a cantora do grupo com menos tempo
de estudo e profissão (vide quadro 1). Foi a única cantora que cantou uma 8ª
abaixo da tonalidade original e teve o maior declínio espectral de GP: -22,49
dB. Sundberg (2012) sustenta que uma voz com pouca intensidade tem maior
declínio se comparada a de maior intensidade. Para Kovačić et al. (2003),
diferenças no espectro como visto em P3 são provavelmente consequências de
diferenças individuais de habilidades e talento musical tal como experiências
profissionais de canto distintas.
38
posto, podemos inferir que as cantoras eruditas tiveram menos vozeamento
que as populares, o que significa que o tempo de coaptação glótica das
cantoras eruditas estudadas foi menor do que o das populares, desse modo as
pregas vocais das cantoras do GE ficaram menor tempo em contato.
39
pressão subglótica e maior volume exigido pelo gênero erudito, somado às
combinações dos elementos de ressonância, seriam fatores que justificam o
resultado obtido.
40
7. CONCLUSÃO
41
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
55
10. ANEXOS
56
Anexo 1
Declaração
17/09/2014.
Anexo 2
4. Objetivo do estudo
Comparar características acústicas da voz cantada utilizando uma mesma
canção executada na forma erudita e na forma popular.
5. Registro das explicações realizadas pelo pesquisador ao sujeito
voluntário:
No dia da gravação a pessoa deve ter dormido bem, estar em bom estado
de saúde geral, vir com roupa e sapatos confortáveis e vir com a voz aquecida.
A pessoa cantará em pé. A gravação em áudio será captada durante o canto por
meio de um microfone Le Son Beyerdynamic Opus 39, conectado a uma mesa
TASCAM US-144 MKII para o computador. A duração estimada da gravação é
entre 15 e 20 minutos.
8. Consentimento pós-esclarecido
São Paulo,
_______________________________________
Sujeito voluntário
_______________________________________
Natalia Eugênia Sanchez Escamez
Pesquisadora
_______________________________________
Profa. Dra. Marta Assumpção de Andrada e Silva
Orientadora
Anexo 3
Inicias do nome:______________________________________________.
Idade:_______________. Profissão:_________________________________.
Outro. Especifique:____________________________.
_______________________________________________________________.
Em andamento
(Estrofe 2)
Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor.
Acorda, vem olhar a lua,
Que brilha na noite escura,
Querida, és linda e meiga,
Sentir teu amor e sonhar.
Ah!