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Jo o Batista Rodrigues JR

Este estudo avaliou 212 laudos de perícias de lesões corporais em crianças realizadas no Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte durante um ano. O objetivo foi analisar a contribuição destas perícias para o diagnóstico de violência contra crianças. Foi observada predominância de crianças do sexo masculino, com idades heterogêneas. A maioria dos exames ocorreu nos primeiros dias úteis da semana, à tarde ou no início da noite. Em 81,6% dos casos foram encontradas lesões, diagnosticadas principalmente
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Jo o Batista Rodrigues JR

Este estudo avaliou 212 laudos de perícias de lesões corporais em crianças realizadas no Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte durante um ano. O objetivo foi analisar a contribuição destas perícias para o diagnóstico de violência contra crianças. Foi observada predominância de crianças do sexo masculino, com idades heterogêneas. A maioria dos exames ocorreu nos primeiros dias úteis da semana, à tarde ou no início da noite. Em 81,6% dos casos foram encontradas lesões, diagnosticadas principalmente
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João Batista Rodrigues Júnior

Avaliação Crítica das Perícias de Lesões Corporais em

Crianças no Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte – Minas

Gerais – durante o período de um ano e da Contribuição na

Investigação do Crime de Maus-tratos.

BELO HORIZONTE
2009
João Batista Rodrigues Júnior

Avaliação Crítica das Perícias de Lesões Corporais em

Crianças no Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte – Minas

Gerais – durante o período de um ano e da Contribuição na

Investigação do Crime de Maus-tratos.

Dissertação apresentada para obtenção do

título de Mestre em Saúde da Criança e do

Adolescente - Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Minas Gerais.

Orientador: Alexandre Rodrigues Ferreira

BELO HORIZONTE
2009
Rodrigues Junior, João Batista.
R696a Avaliação critica das perícias de lesões corporais em crianças no
Instituto Médico Legal de Belo Horizonte – MG durante o período de um
ano e da contribuição na investigação do crime de maus-tratos
[manuscrito]. / João Batista Rodrigues Júnior. - - Belo Horizonte:
2009.
59f. il.
Orientador: Alexandre Rodrigues Ferreira.
Área de concentração: Saúde da Criança e do Adolescente.
Dissertação (mestrado): Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Medicina.

1. Maus-Tratos Infantis. 2. Violência . 3. Medicina Legal. 4.


Dissertações Acadêmicas. I. Ferreira, Alexandre Rodrigues.
II. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Medicina.
III. Título.
NLM: WS 350.8.A4
DEDICATÓRIA

A toda minha família, meu porto seguro, especialmente Joana, minha amada esposa.
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. José Frank Wiedreker Marotta, pela perseverança na qualidade da


atividade médico-legal brasileira.

Ao Prof. José Mauro de Moraes, pelo apoio pessoal e investimento no


Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte.

À Doutoranda Mércia Leite e à Mestre Janette Rodrigues Campos, pelo apoio


técnico e disponibilidade.

Aos amigos do Reanimação, onde o crescimento intelectual é sempre

estimulado.
RESUMO

Considerando a complexidade envolvida no atendimento e condução dos casos de


maus-tratos contra a criança e a expectativa criada pela sociedade a respeito do
exame realizado no Instituto Médico-Legal, este estudo buscou avaliar a real
contribuição da perícia médico-legal na compreensão da violência contra a criança.
Foram levantados 212 laudos realizados no Instituto Médico-Legal de Belo
Horizonte de perícias do tipo “lesões corporais”, realizadas em crianças de até 12
anos incompletos, durante o período de 1 ano, cuja informação do histórico indicava
um suposto agressor que preenchesse critérios para que a lesão fosse classificada
como maus-tratos do tipo abuso físico (pai, mãe, tios, avós, professores e babás).
Foram avaliadas as variáveis idade, sexo, dia da semana e hora de realização do
exame, quem foi o acompanhante, qual o suposto agressor, de que forma as lesões
foram diagnosticadas, qual o segmento do corpo da criança afetado, quais foram as
respostas aos quesitos oficiais e qual a classificação legal das lesões de acordo com o
Código Penal Brasileiro. Encontrou-se um predomínio de crianças do sexo
masculino, com distribuição de idade heterogênea, com exames realizados
principalmente nos dois primeiros dias úteis da semana, preferencialmente nos
horários da tarde e início da noite. Houve uma positividade para lesão em 81,6% dos
casos, sendo que em 96,5% desses o diagnóstico da lesão foi feito apenas pela
ectoscopia, podendo a palpação ter auxiliado no diagnóstico dos demais.
Excetuando-se um caso classificado de forma controversa como grave, todos os
demais foram classificados como “lesão corporal de natureza leve”, mesmo aqueles
que necessitaram e compareceram ao exame complementar. O estudo demonstrou
que os exames das crianças suspeitas de maus-tratos, nos moldes em que foram
realizados, em nada contribuíram para o diagnóstico da violência e poderiam ter sido
realizados por médicos não especializados. A principal proposta vislumbrada para
melhoria do atendimento foi a criação de um centro de referência multiprofissional
para atendimento das crianças suspeitas de terem sido agredidas, com elaboração de
documentação médica apropriada, que poderia ser usada para confecção de laudo
médico-legal indireto.
ABSTRACT

Regarding to the complexity of managing child maltreatment cases and the


expectancy of the society towards the Legal Medicine Institute examination, this
study was carried out to assess the real contribution of the forensic examination in
the understanding of violence against children. Two hundred and twelve cases of
“bodily injury” forensic examinations of children younger than 12 years old,
conducted at the Legal Medicine Institute of Belo Horizonte were reviewed
regarding to age, sex, day of the week and time of examination, the accompanying
adult, the relationship of the alleged aggressor, the diagnostic process of the injury,
the affected part of the body, the answers to the official inquiries, and the forensic
classification of the injuries according to the Brazilian Penal Code. The outcomes (or
findings) were only included if there was an indication of an alleged aggressor in
order to fulfill the criteria for child abuse of physical type (parents, uncles and aunts,
grandparents, teachers and babysitters). Male children were predominant, with
heterogeneous distribution of ages. Most of the examinations were conducted during
the first two workdays, during the late afternoon or early evening. Injuries were
present in 81,6% of all cases and 96,5% were diagnosed by simple physical exam.
The physical examination (palpation) contributed to the assessment. All cases except
one were classified as “bodily injuries of mild nature”, even those who needed and
were submitted to complimentary examination. One case was controversially
classified as “severe”. The study showed that the forensic examination in children
suspected of having been abused, did not contribute to the diagnosis, and could have
also been performed by a non-forensic physician. The main objective to improve
abused-child care should focuses on the creation of a reference center at which
children suspected of being abused can be examined, and appropriate documentation
can be accomplished to provide data for an indirect forensic report.
LISTA DE FIGURA E TABELAS

Lista de Figura
Figura 1- Fluxograma da Denúncia de Maus-tratos.................................................. 26
Lista de Quadro
Quadro 1- Manifestações clínicas da violência contra a criança............................... 24
Lista de Tabelas
Tabela 1- Distribuição das idades das crianças submetidas a exame pericial ........... 38
Tabela 2- Distribuição das perícias em relação ao dia da semana de realização do
exame....................................................................................................... 39
Tabela 3- Demora (em dias) do suposto trauma à perícia......................................... 39
Tabela 4- Distribuição das perícias em relação ao horário de realização.................. 40
Tabela 5- Acompanhante da perícia informado no histórico do laudo ..................... 40
Tabela 6- Suposto agressor informado no histórico do laudo................................... 41
Tabela 7- Segmentos onde foram encontrados vestígios de lesões em 173 perícias . 42
Tabela 8- Respostas ao primeiro quesito – Perícia de LC......................................... 42
Tabela 9- Respostas ao segundo quesito – Perícia de LC ......................................... 43
Tabela 10- Respostas ao terceiro quesito – Perícia de LC ........................................ 44
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

COEP – Comitê de Ética em Pesquisa


ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EX – Exemplo
IML – Instituto Médico-Legal
IML-BH – Instituto Médico-Legal de Belo Horizonte
LC – Lesões Corporais
MG – Minas Gerais
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 10

2 OBJETIVOS........................................................................................................ 12

3 REVISÃO DA LITERATURA .......................................................................... 13


3.1. Contexto histórico .................................................................................... 13
3.2. Legislação.................................................................................................. 15
3.3. Maus-tratos: da suspeita à perícia médico-legal .................................... 22

4 MATERIAL E MÉTODOS................................................................................ 27
4.1. Delineamento do estudo ........................................................................... 27
4.2. Estrutura da Medicina Legal de Belo Horizonte.................................... 28
4.3. A perícia de “Lesões Corporais” e as respostas aos quesitos oficiais.... 29
4.4. Seleção de casos ........................................................................................ 33
4.5. Refinamento do banco de dados.............................................................. 37

5 RESULTADOS.................................................................................................... 38

6 DISCUSSÃO........................................................................................................ 46

7 CONCLUSÕES ................................................................................................... 54

8 COMENTÁRIOS FINAIS.................................................................................. 55

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 56

ANEXOS

ANEXO I - Carta de Aprovação do COEP ......................................................... 59

ANEXO II – Ata da Defesa da Dissertação .......................................................... 60


10

1 INTRODUÇÃO

A padronização do atendimento às crianças suspeitas de terem sofrido maus-tratos no


Brasil é relativamente recente, tendo sido especialmente impulsionada pela Constituição
Brasileira de 1988. A sociedade ainda está se organizando para o combate à violência infantil,
e os atores sociais buscam o conhecimento de seus papéis para melhor exercerem suas
atividades.
A investigação de uma situação de abuso requer várias etapas, iniciando-se na suspeita
de ocorrência, passando pela denúncia, apuração e aplicação de medidas legais. A dificuldade
de entendimento desse complicado sistema por vezes torna a adesão dos profissionais de
saúde menos efetiva, com menor número de casos investigados, colaborando pouco para o fim
que se deseja que é a diminuição da violência contra a criança.
Qualquer cidadão presume que o papel do médico é cuidar da saúde. É também de
fácil percepção que o papel da Polícia é investigar, e que o papel do Judiciário é aplicar a lei.
A atuação do Conselho Tutelar e especialmente do Serviço de Medicina Legal na apuração
dos fatos é, no entanto, pouco clara para a sociedade.
O termo “maus-tratos” pode ser impreciso, referindo-se a dois conceitos distintos. O
primeiro conceito é o do “crime de maus-tratos”, referenciado no artigo 136 do Código Penal
Brasileiro1. O segundo conceito aborda as definições sócio-culturais de maus-tratos, de
maneira genérica. Nesse último conceito, apesar de poder ser dividido em abusos físicos,
abusos sexuais, abusos psicológicos e negligência2, entende-se que se expressa de forma
dinâmica, não havendo limites rígidos entre essas quatro categorias formais de classificação3.
Isoladamente, a negligência ou abandono é o tipo de maus-tratos mais comumente encontrado
nas notificações4, porém os maus-tratos do tipo abuso físico ocupam importante papel nessa
casuística3,5, chegando a ser citado como maior incidência de acordo com a literatura
estudada6. Por abuso físico entende-se “o uso da força física de forma intencional, não
acidental, praticada por pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou
adolescente, com o objetivo de ferir, danificar ou destruir essa criança ou adolescente,
deixando ou não marcas evidentes”2. Por deixar, em grande parte dos casos, marcas visíveis e
periciáveis nas vítimas, é natural imaginar que o diagnóstico de abuso físico seja
relativamente fácil, mas diuturnamente o tratamento dessa questão é complexo e, embora a
notificação de suspeita de maus-tratos seja legalmente obrigatória, estima-se que entre 10 a 20
casos deixam de ser registrados para cada notificação realizada4. Considerando o exame
médico-legal como a última instância técnica para o diagnóstico do abuso físico, na prática se
11

verifica dificuldades até nesse âmbito, por limitações técnicas, pessoais ou doutrinárias.
Descortinar a estrutura de abordagem dos casos suspeitos de abuso físico em nosso meio pode
auxiliar a revisão de conceitos, a avaliação do cumprimento da expectativa social e a
proposição de novos modelos de atendimento, caso sejam necessários.
12

2 OBJETIVOS

Analisar as perícias de “Lesões Corporais” (LC) realizadas no Instituto Médico Legal


de Belo Horizonte (IML-BH) no período de um ano, envolvendo crianças até doze anos
incompletos de idade, nas quais seja compatível a suspeita de maus-tratos do subtipo abuso
físico; discorrer sobre o papel da Medicina Legal no processo de investigação desses casos, a
fim de avaliar se esse tipo de perícia contribui com novas informações na investigação de um
caso de suposta violência contra a criança.
13

3 REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Contexto Histórico

A história da humanidade é permeada, praticamente em toda a sua extensão, pela


descrição de atos de violência contra as crianças. Relatos sobre a vida de crianças e
adolescentes das civilizações greco-romana e hebréia já ilustram a presença da violência. Uma
lei do século XIII a.C. instruía os pais sobre como castigar filhos desobedientes e rebeldes e,
quando eles tinham dificuldades na realização dessa tarefa, um conselho era solicitado para
lidar com o filho problema, punindo-o e apedrejando-o até a morte. Condenar à morte
crianças portadoras de deficiências ou malformações também era prática comum, pois se
acreditava que não seriam socialmente úteis, estando assim justificada sua eliminação7.
As perseguições de crianças no Egito e em Belém, por ocasião dos nascimentos de
Moisés e Jesus Cristo, respectivamente, constituem outros episódios documentados dessa
violência3,7,8.
Entre os séculos I e V d. C. a Igreja Cristã passou a ter maior influência sobre os
costumes e comportamentos e desestimulou a prática de graves castigos físicos7.
Já no século XVII a Filosofia e a Teologia, representadas por Santo Agostinho,
elaboraram uma imagem dramática da infância, alegando que as crianças seriam símbolo da
força do mal, esmagadas pelo peso do pecado original3.
Mesmo com a citação histórica de episódios de violência contra a criança, essa era
vista com certa naturalidade, e não existiam providências a serem tomadas. O Código de
Hamurabi trata os filhos como pertences de seus pais, e chega a propor textualmente no artigo
193 “Se o filho de um dissoluto ou de uma meretriz aspira voltar à casa paterna, se afasta do
pai adotivo e da mãe adotiva e volta à sua casa paterna, se lhe deverão arrancar os olhos”.
Ainda nesse código, no artigo 195, é citado “Se um filho espanca seu pai se lhe deverão
decepar as mãos”. De forma estranha, nada é previsto se um pai espanca o filho9.
As primeiras descrições de exames de crianças agredidas datam do século XVII.
Zacchia, em 1626, levantou os problemas médico-legais dos maus-tratos na infância durante a
realização de necropsias consequentes a esse tipo de violência. Tardieu, na França, em 1879,
dedicou um longo trabalho ao “Estudo médico legal sobre as sevícias e os maus-tratos
14

exercidos contra as crianças”, sendo atribuído a este autor o primeiro uso do termo “criança
espancada”5,7.
As primeiras sociedades protetoras da infância surgiram em Paris em 1865, e,
posteriormente, em Lyon, e tinham como objetivo garantir a inspeção médica das crianças
colocadas pelos pais aos cuidados de nutrizes, além de aperfeiçoar os métodos de educação,
de higiene e a proteção das crianças de classes pobres8.
A preocupação com a violência contra a criança nas Américas começou em 1874, com
o caso de Mary Ellen Wilson, abandonada pela mãe. Com a morte do pai na Guerra Civil,
ficou sob os cuidados da madrasta e do marido, que a maltratavam fisicamente e a
negligenciavam, acorrentando-a à própria cama, tendo sido encontrada por religiosos e
assistentes sociais da época em grave estado de desnutrição. Como não existia nenhuma
entidade que defendesse os direitos das crianças, Mary Ellen foi protegida pela Sociedade
Norte Americana para Prevenir a Crueldade contra os Animais, com base no pressuposto que,
como criança, fazia parte do reino animal7,8.
Um marco importante no século passado aconteceu quando, em 1946, Caffey,
radiologista infantil americano renomado, publicou os achados de fraturas múltiplas de ossos
longos, associadas a hematoma subdural, em seis lactentes cujos pais não conseguiam
explicar de forma razoável a gênese das lesões. Em 1953 Silverman realizou um estudo
retrospectivo de crianças com quadro clínico semelhante ao descrito por Caffey e concluiu
que as lesões eram causadas por traumatismos provocados, sendo ratificado por Woolley e
Evans em 1955. Já em 1957, com uma casuística maior, o próprio Caffey pôde afirmar que as
lesões eram resultado inequívoco de maus-tratos a crianças por parte de adultos. Em 1962,
Kempe, Silverman, Steel et al. consolidaram o quadro clínico que foi designado Síndrome da
Criança Maltratada ou Síndrome de Caffey5,7,8.
Existem divergências se o primeiro caso de descrição brasileira de espancamento
infantil é atribuído a um dos professores da Faculdade de Ciências Médicas de São Paulo, em
1973 ou ao Prof. Canger Rodrigues, em 1974. Certo é que, dessa época em diante, as
descrições desse tipo de evento se multiplicaram cada vez mais na nossa literatura5,7.
15

3.2 Legislação

A Constituição Federal de 198810 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA de


1990 foram, indubitavelmente, um grande passo do Brasil na abordagem da violência
infantil11, apontando caminhos para organização da condução dos casos. No capítulo VII,
artigo 227 dessa Carta10 tem-se:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nesse mesmo artigo, o parágrafo 4º explicita “A lei punirá severamente o abuso, a


violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”10.
O ECA, disposto através da lei 8.069 de 13 de julho de 1990, veio sedimentar a
proteção à criança. Deste Estatuto, destacam-se os artigos alusivos à definição legal do termo
“criança”, “responsabilidade e via de comunicação” de casos de violência contra a criança e
base legal para atividade dos Conselhos Tutelares11:

Art 2º - Considera-se criança, para efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Art 13º - Os casos de suspeita e confirmação de maus-tratos contra criança e
adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva
localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
Art 56º - Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao
Conselho Tutelar os casos de:
I – maus-tratos envolvendo seus alunos.
Art 70º - É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos
da criança e do adolescente.
Art 86º - A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á
através de um conjunto articulado de ações gorvenamentais e não-governamentais,
da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Art 87º - São linhas de ação da política de atendimento:
[...]
III – serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.
Art 98º - As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre
que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
[...]
II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável.
Art 129º - São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento de alcoólatras e toxicômanos;
III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
16

IV – encaminhamento a cursos e programas de orientação;


V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e
aproveitamento escolar;
VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento
especializado;
VII – advertência;
VIII – perda da guarda;
IX – destituição da tutela;
X – suspensão ou destituição do pátrio poder.
Art 130º - Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos
pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida
cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.
Art 136º - São atribuições do Conselho Tutelar:
[...]
II – atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas
previstas no art 129, I a VII.
III – promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) Requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,
previdência, trabalho e segurança.
Art 146º - A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude,
ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.
Art 201º - Compete ao Ministério Público:
[...]
VI – instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los:
[...]
b) Requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades
municipais, estaduais e federais, da administração direita ou indireta, bem como
promover inspeções e diligências investigatórias.
Capítulo II – Das infrações administrativas
Art 245º - Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de
atenção a saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à
autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou
confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em
caso de reincidência.

O Ministério da Saúde, através da Portaria número 1.968 de 25 de outubro de 2001,


padronizou o formulário de notificação ao Conselho Tutelar de “todo caso de suspeita ou
confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes” atendidos no Sistema Único de
Saúde. O formulário padronizado contem amplas informações a respeito do evento, incluindo
“provável” causador, acompanhante, descrição sumária do ocorrido, tipo de maus-tratos
sofrido, dados do atendimento médico, etc..
Usualmente o serviço público que possui peritos médicos para avaliação dos casos da
esfera criminal é o Instituto Médico Legal (IML), porém o entendimento da sociedade sobre o
funcionamento dos serviços de Medicina Legal, especialmente dos serviços brasileiros,
diverge em muito da realidade. O serviço médico-legal se dedica, essencialmente, à realização
do chamado “exame de corpo de delito”.
O exame de corpo de delito é previsto no Código do Processo Penal Brasileiro, no
Capítulo II, artigos 158 a 1841. O artigo 158 compreende o texto “Quando a infração deixar
17

vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo
supri-lo a confissão do acusado”.
A expressão “corpo de delito”, no entanto, não se refere exclusivamente ao “corpo
humano”. Prova disto é que, no mesmo Código, em diversos outros momentos, a expressão é
usada para determinar objetos, como no artigo 243, parágrafo 2º, quando é citado1 “Não será
permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando
constituir elemento do corpo de delito”.
Na realidade, “corpo de delito” se refere à “materialidade do delito”, podendo
constituir-se da arma utilizada, da porta arrombada, do local incendiado, da janela utilizada
para fuga, etc. Toda vez que o “corpo de delito” coincidir com o “corpo humano”, entra em
cena o médico-legista. É esse especialista que detém o treinamento para detectar e fornecer
elementos técnicos para a classificação das “lesões” ou alterações no corpo humano de
interesse para a justiça.
O médico-legista, ao avaliar um paciente lesionado, segue critérios para tentar
determinar quando aquela lesão ocorreu, a compatibilidade do histórico e da lesão encontrada
e principalmente qual o instrumento ou meio que a provocou. Doutrinariamente chega-se a
afirmar que o histórico “deve ser sucinto e não envolver as circunstâncias do fato”30.
“Instrumento ou meio”, na doutrina médico-legal mineira, diverge de “objeto”. O objeto atua
lesando a vítima através do instrumento ou meio. Assim, um martelo atinge a vítima, sendo o
objeto “martelo”, mas a maneira pela qual transfere energia para a vítima é através do
“instrumento contundente”. Cabe aos médicos-legistas, na imensa maioria dos casos,
determinar qual o “instrumento”, mas doutrinariamente se esquivam de fazer referência ao
objeto, pois essa extrapolação aumentaria as chances de erro.
Após examinar o corpo ou partes deste, o legista descreve o exame no laudo pericial e
responde aos quesitos específicos da perícia solicitada.
Quesitos são perguntas feitas aos peritos, variando segundo o tipo de perícia ou
situação a ser apurada. Podem ser “oficiais”, ou seja, definidos de forma padronizada, ou
específicos de cada questão investigada. O decreto lei que trata dos quesitos oficiais do Estado
de Minas Gerais é o 5.141, de 25 de outubro de 195612.
Os quesitos oficiais são, por força de lei, vinculados aos artigos do Código Penal
Brasileiro, ou seja, aos tipos penais. Porém não é o perito médico-legista o profissional que
tipifica crimes. Não cabe a esse profissional, portanto, dizer se tal fato foi “estupro”,
“homicídio”, “maus-tratos”, etc, já que essas classificações são delitos previstos no Código
Penal Brasileiro respectivamente nos capítulos 121, 213 e 136. Tecnicamente esses “tipos
18

penais” somente ficariam ou não verdadeiramente caracterizados ao final de todo o rito


processual penal. Nos exemplos citados acima, caberia ao legista auxiliar nas partes desse
processo que dependeriam de exame médico, como a constatação da causa médica da morte
para avaliação pela Autoridade da possibilidade de homicídio, a indicação da ocorrência de
“conjunção carnal”, ou seja, de “coito vaginal” para qualificação do crime de estupro, etc. Em
muitos casos a caracterização de um delito depende de análises que escapam à capacidade
médica do perito, extrapolando sua competência. Exemplos desses casos encontram-se
especialmente nas perícias envolvendo os crimes de “tortura” e de “maus-tratos”.
O tipo penal correspondente ao crime de maus-tratos é definido no artigo 136 do
Código Penal Brasileiro1, sob o texto:

Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância,
para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de
dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a
quatro anos.
§ 2º Se resulta a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de
14 (catorze) anos.

Portanto, para caracterizar o crime, é necessário que o autor tenha necessariamente:

• Autoridade, guarda ou vigilância sobre a vítima;


• Finalidade de tratamento, ensino, educação ou custódia;
• Sujeitado a vítima a trabalho excessivo ou inadequado ou abusado de meios de
correção ou disciplina.

Fica claro, de imediato, que nenhuma das situações descritas é passível de perícia pelo
médico legista, não sendo esse profissional que estabelecerá quem é o suspeito, qual a sua
relação com a vítima e seu modo de tratamento e qual era a sua intenção nesse tratamento. Ao
legista compete a apuração dos elementos para classificação legal da lesão, caso encontrada, a
determinação da causa da morte se ocorre e, eventualmente, a estimativa da idade, caso não
possua documentação comprobatória.
O crime de Lesão Corporal é definido no artigo 129 do Código Penal Brasileiro1:
19

Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses


a um ano.
Lesão corporal de natureza grave:
§ 1º - Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - Perigo de vida;
III - Debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - Aceleração de parto.
Pena: reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° - Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - Enfermidade incurável;
III - Perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - Deformidade permanente;
V – Aborto.
Pena: reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte:
§ 3° - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena: reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição de pena:
§ 4° - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social
ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena:
§ 5° - O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de
detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa:
§ 6° - Se a lesão é culposa:
Pena: detenção, de dois meses a um ano.
Aumento de pena:
§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do
artigo 121, parágrafo 4º.
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no parágrafo 5º do artigo 121.
Violência Doméstica:
§ 9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se
o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10º - Nos casos previstos nos parágrafos 1º a 3º deste artigo, se as
circunstâncias são as indicadas no parágrafo 9º deste artigo, aumenta-se a pena em
1/3 (um terço).
§ 11º - Na hipótese do parágrafo 9º deste artigo, a pena será aumentada de um
terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

Na análise do texto legal do crime de LC nota-se que esse crime já engloba violência
de pais contra filhos no parágrafo 9º, “se a violência for praticada contra ascendente,
descendente...”. Outro dado importante é que os qualificadores do crime de LC (parágrafos 1º
e 2º do artigo 129) são os que, via de regra, são investigados pelos peritos médicos-legistas
durante a perícia afeita a esse tipo penal. Considera-se que a lesão corporal é chamada de
“grave” quando preenche qualquer um dos critérios elencados no parágrafo 1º do artigo 129 e
20

doutrinariamente chamada de “gravíssima” quando preenche qualquer um dos critérios do


parágrafo 2º do mesmo artigo.
Os quesitos oficiais relativos ao crime de lesão corporal são12:
1º - Houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente? (Resposta
especificada).
2º - Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?
3º - A ofensa foi produzida com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura, ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum?
(Resposta especificada).
4º - Da ofensa resultou perigo de vida?
5º - Da ofensa resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30
dias?
6º - Da ofensa resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função;
incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou
inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente? (Resposta
especificada).

Já os quesitos da perícia relativa ao crime de “maus-tratos” são12:

1º - A vida ou a saúde do paciente foi exposta a perigo pela privação de alimentação


ou cuidados indispensáveis? (Resposta justificada).
2º - A vida ou a saúde do paciente foi exposta a perigo pela sujeição a trabalho
excessivo ou inadequado? (Resposta justificada).
3º - A vida ou a saúde do paciente foi exposta a perigo pelo abuso de meios de
correção ou de disciplina? (Resposta justificada).
4º - Do fato resultou lesão corporal de natureza grave? (Resposta especificada, com
referência ao artigo 129, parágrafos 1º e 2º).

Objetivamente, os quesitos relativos ao crime de “maus-tratos” acabam sendo pouco


usados, pois abarcam situações que escapam da competência do perito médico-legista detectar
ao exame médico, chegando a pontuar o “mérito” da agressão, como “trabalho excessivo” ou
“meios de correção ou disciplina”. Além disso, resta o fato de que o 4º quesito dessa perícia
redireciona-a para a perícia de LC, já que faz referência direta a este tipo penal. Por esse
motivo, na quase totalidade dos casos de violência física que aportam ao IML é solicitada a
perícia de LC para avaliação e os quesitos correspondentes são respondidos.
Quatro são os tipos de respostas mais comuns aos quesitos oficiais:

• “Sim”, quando possui elementos técnicos indicativos para resposta afirmativa ao


quesito;
• “Não”, quando possui elementos técnicos indicativos para resposta negativa ao
quesito;
• “Sem elementos para afirmar ou negar”, quando não possui elementos para a
conclusão do quesito;
21

• “Resposta prejudicada”, terminologia utilizada quando aquele quesito não se aplica ao


caso em questão ou a sua resposta está impossibilitada. O exemplo mais comum para
o uso desse “chavão” é na situação em que um quesito depende, para fazer sentido, da
resposta positiva do quesito anterior. Ex: 1º Quesito - Houve a morte? Resposta: Não;
2º Quesito – Qual a causa da morte? Resposta prejudicada.
22

3.3 Maus-tratos: da suspeita à perícia médico-legal

A despeito da antiguidade dos fatos e dos relatos, somente nas últimas três décadas é
que se iniciou, de fato, a construção de conhecimento para diagnóstico da criança maltratada
em nosso meio, e mesmo com a abundante literatura orientando o diagnóstico dessa
situação2,3,5,6,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22, sabe-se que esse diagnóstico é, na prática, dificultado por
múltiplas questões15, 23, 24, 25.
Um dos fatores relatados por profissionais de saúde como dificultadores do processo
de condução dos casos suspeitos de maus-tratos é o desconhecimento pelo profissional de
como suspeitar e qual a atitude a se tomar14,15. Mesmo com os dispositivos legais criados,
com penalidades previstas e responsabilidade objetiva, acredita-se que pouco se faz nesse
sentido. Além do desconhecimento de como suspeitar, diagnosticar e proceder à notificação
dos casos de maus-tratos, os profissionais de saúde ignoram, em sua maioria, o que é feito
posteriormente para apuração e acompanhamento dos casos, e que tipo de benefício essa
condução pode gerar.
A suspeita de maus-tratos pode surgir a partir de qualquer cidadão da sociedade.
Familiares, vizinhos, professores e profissionais de saúde são comumente os primeiros
indivíduos a levantarem essa suspeita.
Na avaliação de uma situação de suposta violência, múltiplos fatores podem ser
considerados como indicadores, como comportamento da criança, relato dos envolvidos,
histórico anterior, etc.
Em termos estatísticos, são os genitores os que mais são chamados a prestar contas à
Justiça, na condição de acusados da prática de maus-tratos26. Alguns autores referem que a
mãe seria o principal agressor27.
A avaliação física da criança supostamente agredida é fundamental durante a
investigação de maus-tratos, especialmente do tipo abuso físico. O encontro de alterações ao
exame físico pode auxiliar muito na interpretação do evento e tanto o Conselho Tutelar, a
Polícia ou o Ministério Público fomentam grande expectativa sobre o resultado da perícia
realizada na vítima.
As alterações ao exame físico que podem ser encontradas na avaliação da criança
vítima de maus-tratos são múltiplas, com grande variabilidade de acordo com a literatura
estudada2,3,5,14,16,22. As alterações cutâneas representam a forma mais reconhecível e comum
de abuso22 e o segmento cefálico é o mais comumente agredido5. Uma classificação útil é
23

topográfica ou sistêmica, citada pelo Ministério Público de Santa Catarina. Essa classificação
divide os achados de violência em topografias ou sistemas, conforme a tabela abaixo:
24

QUADRO 1
Manifestações clínicas da violência contra a criança16

Topografia Achados
Pele, mucosas - Contusões e abrasões, principalmente na face, lábios, nádegas, braços e
e tegumento dorso;
- Lesões que reproduzam a forma do objeto agressor (fivelas, cintos, dedos,
mordedura);
- Equimoses e hematomas no tronco, dorso e nádegas, indicando datas
diferentes de agressão;
- Alopécia resultante de arrancamento brutal e repetido dos cabelos;
- Queimaduras no dorso e genitais, com marcas de objetos (cigarro, por
exemplo);
- Lesões endobucais ocasionadas por laceração do freio da língua por tentativa
de introdução forçada de alimentos;
- Síndrome da orelha em lata (equimose unilateral, edema cerebral ipsolateral e
hemorragia retiniana);
- Fácies de boxeador, por traumatismo facial;
Músculo- - Fraturas múltiplas – ossos longos em diferentes estágios de consolidação,
esquelético secundárias à torção com sacudidelas violentas, com rápida aceleração-
desacerelação;
- Fraturas de costelas em menores de dois anos;
- Fraturas de crânio ou traumatismo craniano por choque direto ou sacudidas
vigorosas (síndrome do bebê sacudido), concomitantes com edema cerebral,
hematoma subdural e hemorragia retiniana, podendo também manisfestar-se
por convulsões, vômitos, cianose, apnéia e alterações de déficit motor;
- Hematoma subperiosteal de diferentes estágios (síndrome da criança
espancada);
Visceral - Ruptura subcapsular do rim e baço, trauma hepático ou mesentérico que
necessite intervenção cirúrgica de urgência;
Genito- - Lesões na área genital e períneo: observar presença de dor, sangramento,
urinário infecções, corrimento, hematomas, cicatrizes, irritações, erosões, assaduras,
fissuras anais, hemorróidas, pregas anais rotas ou relaxamento do esfíncter
anal, diminuição do tecido ou ausência himenal, enurese, encoprese,
infecções urinárias de repetição sem etiologia definida;
Psicológico - Aversão ao contato físico, apatia ou avidez afetiva;
- Retardo psicomotor sem etiologia definida, com melhora quando a criança se
separa da família (hospitalização);
- Transtorno do sono ou da alimentação;
- Episódios de medo e pânico; isolamento e depressão;
- Conduta agressiva e irritabilidade;
- Interesse precoce em brincadeiras sexuais ou conduta sedutora;
- Choro fácil sem motivo aparente;
- Comportamento regressivo, autodestrutivo ou submisso;
- Desenho ou brincadeiras que sugerem violência;
- Baixo nível de desempenho escolar;
- Fugas, mentiras, furto;
- Tentativa de suicídio;
- Fadiga, baixa-estima;
- Aversão a qualquer atividade de conotação sexual.
Outros - Retardo pondero-estatural por aporte calórico inadequado;
- Intoxicação por medicamentos especialmente anti-histamínicos e sedativos;
- Síndrome de Munchausen por procuração (doenças simuladas ou provocadas
falsamente pelos pais ou responsáveis).
25

O ECA é objetivo em indicar que a primeira instância de comunicação da suspeita ou


diagnóstico de maus-tratos contra crianças deve ser o Conselho Tutelar, preferencialmente da
localidade onde aconteceu o evento11,20. O Conselho Tutelar apura a denúncia, podendo
decidir entre uma ampla gama de condutas, com o seu poder discricionário, arquivando uma
denúncia considerada infundada ou até mesmo afastando a criança do convívio com os pais
nos casos de situações graves, informando ao Ministério Público e ao Juizado da Infância e da
Juventude18,20.
Na estrutura dos Conselhos Tutelares não está prevista a alocação de profissionais que
“periciem” os casos suspeitos de maus-tratos, especialmente quando a suspeita recai sobre
abusos físicos, casos em que médicos seriam os profissionais mais adequados. Com isso,
quando um Conselheiro Tutelar necessita “investigar” uma determinada situação,
obrigatoriamente tem que recorrer a outras instituições. Diversas instituições públicas
federais, estaduais e municipais possuem, no seu quadro, profissionais médicos. No entanto,
somente o Estado, através da Polícia Civil, possui um número razoável de médicos
especializados na interlocução saúde-justiça. Esses profissionais estão lotados no IML, na
Capital, e em Postos de Medicina Legal no interior do estado.
Um fluxograma que auxilia no entendimento da sequência de eventos durante a
apuração da denúncia de violência contra a criança é o apresentado pela Promotoria da Justiça
da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo, disposto na figura
1.
26

FIGURA 1: Fluxograma da Denúncia de Maus-tratos15


27

4 MATERIAL E MÉTODOS

4.1 Delineamento do estudo

Esse trabalho avalia os laudos das perícias do tipo LC, realizadas no IML-BH no
período de um ano (de 01 de julho de 2006 a 30 de junho de 2007), cujos periciados foram
indivíduos com até 12 anos incompletos, apurando-se a idade, o sexo, o acompanhante da
criança ao exame, o suposto agressor informado, a localização das lesões, o dia da semana e a
hora de aporte ao serviço, a resposta aos quesitos oficiais e a classificação legal das lesões
segundo o Código Penal Brasileiro.
O IML-BH teve seu atendimento descentralizado em agosto de 2007, motivo pelo qual
o período selecionado findou antes desse mês. Como o escopo deste trabalho é a avaliação do
abuso físico, outras formas de maus-tratos como abuso sexual, negligência e abuso
psicológico foram excluídos do estudo.
28

4.2 Estrutura da Medicina Legal de Belo Horizonte

O IML-BH situa-se no Bairro Nova Gameleira, na Avenida Nicias Continentino, no


número 1291. Possui um quadro de mais de 200 funcionários, dentre os quais cerca de 50 são
peritos médicos. No organograma do IML, as perícias se dividem naquelas realizadas pelo
“plantão”, composto por 24 médicos divididos em 6 equipes, e nas perícias “especializadas”,
em que são realizados os trabalhos mais específicos não urgentes, como antropologia forense,
psiquiatria forense, avaliação de dano para fins de recebimento de seguros de trânsito
DPVAT, etc. Em média, o IML realiza cerca de vinte e cinco mil exames periciais a cada ano,
sendo que cerca de apenas 20% desse total são realizados sobre cadáveres. Portanto, 80% do
movimento pericial do IML referem-se a exames realizados em indivíduos vivos, com as mais
diversas demandas. Até o mês de julho de 2007 praticamente todas as perícias ditas de
urgência originadas na região metropolitana de Belo Horizonte eram direcionadas para o IML
da capital. Somente em agosto de 2007 os Postos Médico-legais da região metropolitana se
organizaram com a finalidade de maior cobertura das perícias, através da nomeação de um
novo contingente de peritos.
No IML, o legista atende solicitações de perícia de diversas autoridades, como Juízes,
Promotores de Justiça, Delegados de Polícia e Presidentes de Inquéritos Policiais Militares. A
autoridade que mais requisita exames médico-legais é a da Polícia Civil, representada pelo
Delegado de Polícia, indivíduo que necessariamente possui bacharelado em Direito. Para
conseguir a realização do exame pelo médico-legista, o conselheiro inicialmente reporta o
caso à Polícia Civil, ao Ministério Público ou ao Juizado da Criança e da Juventude, quando é
confeccionada a requisição de exame pericial. Muitas vezes a autoridade requisitante aguarda
o resultado da perícia para entender com clareza qual seria o enquadramento legal e quais as
medidas necessárias.
29

4.3 A perícia de “Lesões Corporais” e as respostas aos quesitos oficiais

O atendimento no IML para perícia de LC acontece durante as 24 horas do dia, todos


os dias da semana. Quantitativamente, essa perícia chega a representar metade de todas as
perícias realizadas no IML-BH. Praticamente todo o caso de agressão física que não tenha
resultado em morte imediata é apurado sob esse título pericial, independentemente do delito
do ordenamento jurídico brasileiro que está sendo apurado. Assim, na avaliação do roubo de
um objeto no qual a vítima foi agredida, na documentação da detenção do indivíduo que
chega preso à delegacia com sinais de ter sido agredido, na avaliação do crime de LC
propriamente dito (artigo 129 do Código Penal) ou até nos casos suspeitos de maus-tratos
contra idosos ou crianças é usual se fazer o exame de LC.
Na execução da perícia de LC, o perito procede inicialmente a anamnese, com
entrevista do próprio paciente e/ou do acompanhante ou responsável (por vezes em momentos
distintos, a fim de detectar inconsistências nos relatos). A anamnese integrará o laudo pericial
no item “histórico”, e é comum que seja dada ênfase à data e hora da ocorrência, qual o
suposto agressor, que tipo de objeto usou para a agressão e se a vítima recebeu algum tipo de
atendimento médico antes da procura da Unidade Policial. O conteúdo do histórico do laudo,
apesar de informativo, não é doutrinariamente levado em consideração pelo perito na
conclusão dos quesitos, já que se trata de informação relatada, e não periciada.
O exame físico durante a perícia de LC, do ponto de vista prático, é direcionado pelas
informações prestadas e inclui a avaliação da superfície corporal, podendo-se fazer uso de
testes funcionais, especialmente para marcha, força de membros, audição ou visão. Diante de
uma alteração do exame, o perito descreve seu tipo, sua topografia, seu aspecto e suas
dimensões.
As lesões encontradas no exame físico do indivíduo supostamente agredido são
comumente resultantes da ação do instrumento contundente, ou seja, através da mudança do
estado de movimento ou repouso do corpo, pela ação da energia cinética. Dentre as lesões
contusas encontradas em indivíduos vítimas de traumas, merecem atenção pela frequência a
escoriação, a equimose e o hematoma.
A escoriação é o arrancamento traumático da epiderme, causada pelo atrito do objeto
que age de forma contundente, expondo a derme28. Por definição, a cura desta lesão se dá por
epitelização, e não por cicatrização. Portanto, apesar de poder deixar manchas na pele, nunca
deixaria cicatriz.
30

A equimose é a infiltração do sangue nas malhas do tecido28. Comumente conhecida


como contusão ou roxo, é erroneamente chamada de hematoma. Sofre um processo de
alteração em sua coloração à medida que o tempo passa, seguindo de violácea a amarelada,
passando antes pelo azulado e esverdeado. Apesar da cor da equimose não ser fidedigna da
cronologia do trauma, pode servir de parâmetro na avaliação do relato, especialmente se
existirem mais de uma equimose com colorações muito distintas e supostamente produzidas
na mesma ocasião.
O hematoma é a hemorragia que, pelo seu volume e velocidade de formação, afasta os
tecidos e ocupa um espaço próprio, formando uma neocavidade28. Pode ser superficial,
palpável endurado ou flutuante, ou profundo, na intimidade dos tecidos.
Após a descrição do exame físico no laudo, o perito pode construir algum comentário
que julgar relevante, como o encontro de incompatibilidades cronológicas do relato e do
achado de exame, ou a limitação imposta pela falta de um relatório médico de tratamento,
entre outras questões.
Ao final, o perito procede à resposta aos quesitos oficiais padronizados da perícia de
LC. A cada quesito, cabem algumas colocações:

• Primeiro quesito12: “Houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do


paciente? (Resposta especificada”). A resposta positiva a esse quesito (sim)
fundamenta-se, na grande maioria dos casos, na existência de evidências
macroscópicas de traumatismos. Na prática, portanto, a avaliação desse quesito
não considera o item “saúde”, ficando limitada a “integridade corporal”. É
usual a resposta negativa “não” quando, além da negativa de agressão durante
a anamnese, nada se encontra de alteração ao exame físico, apesar de, nesse
caso, a resposta do quesito ter sido influenciada pela anamnese, o que é
questionável do ponto de vista doutrinário. A resposta “sem elementos para
afirmar ou negar” é usada, em grande parte, quando o legista, apesar da
informação colhida na anamnese indicar trauma, não encontra subsídio
anatômico durante o exame. Por último, a “resposta prejudicada” é usada nos
raros casos em que, iniciada a perícia e ainda não tendo sido encontrado sinal
de lesão, ela não pôde ser terminada, como nos casos nos quais os pacientes
não permitem a continuação do exame, apesar de, nesses casos, a resposta
“sem elementos para afirmar ou negar” também poder ser utilizada.
31

• Segundo quesito12: “Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?”. A


resposta a esse quesito considera um conceito específico de Medicina Legal:
“instrumento ou meio”. A classificação mais aceita em medicina legal dos
agentes vulnerantes é a que foi proposta por Borri31 na qual os agentes lesivos
são divididos em mecânicos, físicos, químicos, físico-químicos, bioquímicos,
biodinâmicos e mistos. Dentre esses agentes, os “instrumentos mecânicos”
representam papel especial na avaliação das lesões nos pacientes vítimas de
agressão, já que a quase totalidade das lesões traumáticas são resultantes da
atuação da energia cinética, pela modificação do estado de movimento ou de
repouso do organismo. Os instrumentos mecânicos, por sua vez, são
subdivididos em formas básicas: contundente, cortante e perfurante, e formas
mistas: pérfuro-contundente, corto-contundente e pérfuro-cortante. O médico-
legista, ao analisar as características da lesão encontrada, determina qual foi a
maneira de transmissão de energia que levou à sua formação. A lesão
produzida pela atuação do instrumento contundente é caracterizada pela
distribuição heterogênea da força aplicada, podendo levar à formação de
rubefação, equimose, escoriação, hematoma, fraturas, entorses, distensões ou
feridas, representando os principais achados durante o exame de LC. É natural,
portanto, que o instrumento seja “contundente” na resposta ao segundo quesito
desse tipo de perícia. O instrumento perfurante é caracterizado pela dissipação
da energia cinética através de um ponto de maior pressão, resultando em
afastamento ou divulsão dos tecidos a partir daquele ponto, formando feridas
nas quais a profundidade se sobrepõe ao comprimento. Na ação pelo
instrumento cortante, a transmissão da energia cinética se dá essencialmente
sobre uma linha de força, resultando em afastamento dos tecidos a partir
daquela linha. Nas formas mistas dos instrumentos mecânicos é usual não se
encontrar predominância de atuação da energia, daí a classificação considerar
pelo menos os dois tipos básicos mais evidentes.
• Terceiro quesito12: “A ofensa foi produzida com emprego de veneno, fogo,
explosivo, asfixia, tortura, ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia
resultar perigo comum? (Resposta especificada)”. Esse quesito visa averiguar
as situações agravantes elencadas no artigo 61 do Código Penal Brasileiro,
apesar de rotineiramente ser respondido de forma genérica negativa “não” ou
mesmo “sem elementos para afirmar ou negar”.
32

• Quarto quesito12: “Da ofensa resultou perigo de vida?”. Na resposta ao quarto


quesito inicia-se a avaliação da classificação do tipo de lesão sofrida. O
“perigo de vida” é um agravante descrito no parágrafo primeiro, inciso II, do
artigo 129 do Código Penal Brasileiro, e, em caso positivo, por si já define a
lesão sofrida como “grave”, com consequente aumento da pena. “Perigo de
vida” é diferente de “risco de vida”. Entende-se como perigo de vida a situação
de ameaça à vida tão iminente que, caso alguma providência médica não seja
de súbito tomada, essa vida irá findar. Diferentemente do “risco”, que é
potencial, o “perigo” é real, situação concreta, de caracterização mais objetiva.
• Quinto quesito12: “Da ofensa resultou incapacidade para as ocupações habituais
por mais de 30 dias”? Para avaliação da incapacidade para “ocupações
habituais” considera-se qualquer atividade funcional habitual. Nesse conceito
estão amparados o recém-nascido, o desempregado, o estudante e o ancião
aposentado, já que qualquer um deles poder sofrer prejuízos em suas atividades
funcionais habituais29. Como a resposta a esse quesito é diagnóstica, e não
prognóstica, pode o perito sugerir a realização de novo exame findado o prazo
de trinta dias para caracterização ou não do quesito. A despeito disso, lesões
com baixo potencial de gravidade têm, via de regra, resposta negativa a esse
quesito.
• Sexto quesito12: “Da ofensa resultou debilidade permanente de membro,
sentido ou função; incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade
incurável; perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou
deformidade permanente? (Resposta especificada)”. A resposta adequada a
esse quesito deveria decompô-lo nos itens citados, o que usualmente não
acontece. A “debilidade permanente de membro, sentido ou função”, do ponto
de vista criminal, deveria ser aquela debilidade situada entre 3% e 70% de
comprometimento29. Qualquer alteração considerada como comprometendo
menos que 3% da funcionalidade seria desconsiderada do ponto de vista de
debilidade, e aquela que comprometesse mais de 70% seria o equivalente a
inutilização. Cabe ressaltar que a perda de um órgão duplo como um olho
caracteriza debilidade permanente da visão, e não perda de órgão. A
“incapacidade permanente para o trabalho” refere-se ao trabalho genérico e
não ao trabalho específico. O termo “permanente”, nesse caso, pode considerar
33

o período de um ano ou mais, ou mesmo o quadro no qual não se tenha


previsibilidade de retorno ao trabalho. A “enfermidade incurável” é aquela na
qual, considerando os tratamentos médicos disponíveis, não se vislumbra a
cura, como a epilepsia pós-traumática ou a diabetes resultante da ressecção
pancreática em consequência de trauma. Por “perda ou inutilização de
membro, sentido ou função” entenderiam-se as situações de comprometimento
funcional acima de 70%, conforme discorrido acima, e as amputações. A
“deformidade permanente” inclui a lesão que, mesmo já resolvida ou
cicatrizada, deixa como resultado um grave prejuízo estético. Ao final, se a
lesão constatada resultou em “debilidade permanente de membro, sentido ou
função”, essa lesão é classificada como “grave”, já que preenche critérios do
parágrafo 1º do artigo 129 do Código Penal Brasileiro1. Caso resulte em
“incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou
inutilização de membro, sentido ou função ou deformidade permanente”,
classifica-se a lesão como “gravíssima”, já que satisfaz critérios do parágrafo
2º do artigo 129.

4.4 Seleção dos casos

Historicamente a quase totalidade dos exames médico-legais da região metropolitana


de Belo Horizonte era centralizada em um único local, o IML-BH. Em janeiro de 2006
iniciou-se nesse Instituto o uso de um programa de informatização para padronização dos
modelos de laudos periciais. Esse programa contemplava modelos de laudos como “LC”,
“conjunção carnal”, dentre outros. Todo exame pericial passava pelo preenchimento desse
modelo, no programa Word® e, após completado, tinha seu conteúdo impresso e assinado pelo
legista, sendo o arquivo original armazenado em um “banco de dados”, com cópias de
segurança feitas diariamente. Esse sistema foi sendo regularizado paulatinamente, tendo sido
incorporado pelos funcionários do IML logo nos primeiros meses do ano de 2006. Ainda no
ano de 2006 ocorreu um grande incremento na carreira de médicos-legistas do Estado de
Minas Gerais, com abertura de concurso público com mais de 150 vagas para profissionais
dessa carreira. Após as diversas fases do concurso, incluindo a formação na Academia de
Polícia Civil por seis meses, os novos legistas foram nomeados em 07 de agosto de 2007,
34

tendo sido designados ainda naquele mês. Em consequência desse aporte de profissionais, as
perícias médico-legais da grande Belo Horizonte foram devidamente descentralizadas, e
postos médico-legais que funcionavam precariamente, como os de Betim, Contagem, Ribeirão
das Neves, etc., gradativamente foram assumindo seus papéis na realização das perícias
daquelas localidades. Como o objetivo deste estudo era a avaliação de perícias ao longo do
intervalo fechado de um ano, verificou-se que um bom período para seleção dos casos jazia
entre o mês de julho de 2006, quando os modelos de perícia já estavam em pleno uso, e o mês
de junho de 2007, antes da descentralização que modificou o perfil de atendimento das
perícias da região metropolitana de Belo Horizonte.
Com a anuência do Diretor do IML-BH, o projeto foi inicialmente encaminhado para a
Câmara do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais, tendo sido aprovado para envio ao Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) em 29
de agosto de 2008, conforme parecer número 49 de 2008. Sob a rubrica do Diretor da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, o projeto foi enviado ao
COEP da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo sido aprovado no dia 1 de outubro de
2008, conforme parecer ETIC 428/08. Após essa data, iniciou-se o processo de recuperação
dos casos.
A primeira etapa consistiu na busca de todos os arquivos de perícias do banco de
dados do período de 01/07/06 a 30/06/2007 nos quais houvesse registro de resposta a quesito
da perícia de LC. Para isso usou-se a máscara de busca “houve ofensa à integridade física”, já
que essa é parte do primeiro quesito desse tipo pericial. Após descarte de todos os laudos cuja
idade dos periciados não estava presente ou superava 12 anos, restaram 648 casos. Criou-se
uma sequência de comandos em Word® denominada “macro”, que abriu cada um dos
arquivos convertendo-o em arquivo de formato simples de texto (extensão txt). Através de
comandos em DOS, todos os arquivos de texto resultantes foram copiados para dentro de um
único arquivo. O arquivo resultante foi novamente aberto no programa Word® e, através do
comando “substituir”, todas as marcas de parágrafo foram retiradas, todos os textos iniciais
dos laudos foram substituídos por marca de parágrafo, o que alocou cada caso em uma linha
ou parágrafo. Através da substituição de todas as marcas comuns de texto, como “número do
laudo”, “data do exame”, “destino do laudo”, “nome do paciente”, “idade”, “hora do exame”,
“histórico”, “exame físico”, “resposta ao primeiro quesito”, “resposta ao segundo quesito”,
“resposta ao terceiro quesito”, “resposta ao quarto quesito”, “resposta ao quinto quesito” e
“resposta ao sexto quesito” pelo caractere “arroba”, foram criadas as delimitações das
variáveis respectivas. O arquivo resultante, gravado em forma de texto simples, continha uma
35

perícia em cada linha, com variáveis separadas pelo caractere arroba. Com o programa
Excel®, procedeu-se à importação desse arquivo, tendo sido selecionado como marco divisor
o caractere arroba. Ao final desse processo, tinha-se um banco de dados em Excel, com 648
casos, com as seguintes variáveis: “número do laudo”, “data do exame”, “hora do exame”,
“autoridade requisitante”,“nome”, “idade em anos”, “cidade de residência”, “histórico ou
relato”, “exame físico”, “resposta ao primeiro quesito”, “resposta ao segundo quesito”,
“resposta ao terceiro quesito”, “resposta ao quarto quesito”, “resposta ao quinto e sexto
quesitos”. A partir, daí passou-se à criação das variáveis:

• “Gênero”, que teve seu preenchimento determinado pela análise individual dos
casos, sendo considerado o nome, o texto do histórico e dados de exame físico.
Após a criação da variável gênero e conferido o banco para excluir
duplicações, a variável nome foi excluída;
• “Dia da Semana”, gerada através da variável “data do exame”, com uso da
ferramenta do Excel® para esse fim, chamada “D_sem”;
• “Data da agressão”, criada e alimentada através da análise individual do
histórico de cada caso, sendo deixados em branco aqueles casos em que não
existia essa informação. Quando havia referência apenas ao mês do trauma, a
data considerada era o primeiro dia desse mês;
• “Tempo entre agressão e exame”, criada e calculada automaticamente pelo
Excel® a partir da subtração da variável “data da agressão” da variável “data do
exame”, com resultado em dias;
• “Acompanhante durante o exame”, criada e preenchida através das
informações do histórico de cada caso analisado individualmente. Essa variável
foi deixada em branco nos casos em que nada era informado a esse respeito no
histórico;
• “Suposto agressor informado”, criada e preenchida através das informações do
histórico de cada caso analisado individualmente. Foram deixados em branco
os casos em que essa informação não estava contida no histórico;
• “Topografia das lesões encontradas”, na qual era registrada em quais
topografias corporais (segmento cefálico, tronco, membros superiores,
membros inferiores e genitália) haviam sido descritas evidências de lesões;
36

• “Tipo de lesão encontrada”, sendo preenchida com informações do exame


físico, de acordo com o tipo de lesão (equimose, hematoma, escoriação, edema,
etc.).

Com as variáveis criadas, exportou-se o arquivo para formato dbf, quando foi aberto
no programa Epi Info para análise.
37

4.5 Refinamento do banco de dados

Considerado o escopo do trabalho exclusivamente os casos relacionados a suspeita de


maus-tratos do tipo abuso físico na avaliação pericial de LC, fazia-se essencial, para esse fim,
a caracterização da relação entre o suposto agressor e a vítima, pois agentes do crime de
maus-tratos são os pais, curadores, educadores ou responsáveis. Além da idade (12 anos
incompletos) e do período temporal, um critério de exclusão dos casos definido foi a não
caracterização da relação entre vítima e suposto agressor no laudo. Dos 648 casos, em 44,4%
(288 casos) não havia nenhuma referência ao suposto agressor no corpo do laudo e em 22,8%
(148 casos) ou a referência era inespecífica impossibilitando definição do agressor ou
indicava outras situações não sugestivas de maus-tratos, como acidentes de trânsito, ataques
de animais (cães), investigação de supostos erros de profissionais de saúde durante tratamento
e até reação ao uso de cosméticos (xampu). Por esses motivos, 436 casos foram excluídos da
análise, restando o grupo de 212 casos, que passou a constituir a amostra deste trabalho.
38

5 RESULTADOS

Na amostra estudada houve uma predominância de indivíduos do sexo masculino, com


119 indivíduos (56,1%) desse gênero. Do sexo feminino encontrou-se 93 casos (43,9%). Em
todas as perícias da amostra foi possível determinar o sexo do examinado (n=212).
A variável idade teve distribuição conforme a tabela 1. A média de idade foi 6,2 anos,
com desvio padrão de 3,4 anos. A mediana foi 7 anos. Com relação aos percentis 25 e 75
foram 4 e 9 anos respectivamente.

TABELA 1
Distribuição das idades das crianças submetidas a exame pericial.

Idade em anos Número de casos Percentual


0 14 6,6%
1 15 7,0%
2 8 3,8%
3 12 5,7%
4 23 10,8%
5 14 6,6%
6 16 7,5%
7 22 10,4%
8 22 10,4%
9 22 10,4%
10 19 9,0%
11 25 11,8%
TOTAL 212 100%
39

A distribuição das perícias pelo dia da semana no qual o exame foi realizado,
calculado a partir da data do exame, teve a distribuição conforme a tabela 2.

TABELA 2
Distribuição das perícias em relação ao dia da semana de realização do exame.

Dia da Semana Número de casos Percentual


Domingo 14 6,6%
Segunda 49 23,1%
Terça 57 26,9%
Quarta 19 9,0%
Quinta 41 19,3%
Sexta 28 13,2%
Sábado 4 1,9%
TOTAL 212 100%

A informação de quando teria ocorrido a agressão foi citada em 67,4% das perícias
(n=143), e a demora calculada distribuía-se conforme a tabela 3. Quando se considerava
exclusivamente os 173 casos nos quais evidências de lesões foram encontradas, a informação
da época da agressão esteve presente em 70,5% dos casos (n=122), com 78,7% destes com
perícia realizada até 3 dias após o momento relatado do trauma.

TABELA 3
Demora (em dias) do suposto trauma à perícia.

Demora em dias Número de casos Percentual


0 24 16,8%
1 37 25,8%
2 26 18,2%
3 20 14,0%
4 ou mais 36 25,2%

TOTAL 143 100%


40

Considerando o horário de realização da perícia e dividindo-se o dia em períodos


iguais de seis horas, tem-se a distribuição conforme a tabela 4.

TABELA 4
Distribuição das perícias em relação ao horário de realização.

Período do dia Número de casos Percentual


00 às 05:59 h 8 3,8%
06 às 11:59 h 41 19,3%
12 às 17:59 h 97 45,8%
18 às 23:59 h 66 31,1%

TOTAL 212 100%

Avaliando-se o tipo de lesão encontrada para caracterização do trauma, verificou-se


que em 96,5% dos casos este diagnóstico foi feito pela ectoscopia (equimoses, escoriações,
eritemas, cicatrizes, queimaduras, feridas e imobilizações com talas), e em apenas 6 casos
(3,5%) a palpação pode ter contribuído (edemas e hematomas).
A informação de quem acompanhou a criança ao exame estava presente em 74,1% dos
históricos (n=157) e teve distribuição conforme é demonstrado na tabela 5.

TABELA 5
Acompanhante da perícia informado no histórico do laudo.

Acompanhante Número de casos Percentual


Mãe 81 51,6%
Pai 23 14,6%
Avó ou Avô 12 7,6%
Tia 7 4,5%
Conselho Tutelar 26 16,6%
Outros familiares 8 5,1%

TOTAL 157 100%


41

O suposto agressor informado, detectado através da análise do histórico das perícias,


teve a distribuição demonstrada na tabela 6.

TABELA 6
Suposto agressor informado no histórico do laudo.

Suposto agressor Número de casos Percentual


Pai 94 44,3%
Mãe 58 27,4%
Padrasto 30 14,2%
Madrasta 6 2,8%
Avô 6 2,8%
Tio ou Tia 6 2,8%
Babá 5 2,4%
Professor(a) 4 1,9%
Avó 2 0,9%
Pais não especificados 1 0,5%
TOTAL 212 100%
42

Dos 173 casos nos quais foram encontradas evidências de ocorrência de lesionamento
corporal, essas lesões apresentaram distribuição corporal conforme demonstrado na tabela 7.
Nesse grupo, 51,4% dos casos (89) apresentava evidências em apenas um segmento do corpo.
Nos 84 casos restantes foram encontradas evidências de lesões em mais de um segmento
corporal de maneira simultânea.

TABELA 7
Segmentos onde foram encontrados vestígios de lesão em 173 perícias.

Segmento atingido Número de casos


Cefálico 87
Tronco 80
Membros Superiores 64
Membros Inferiores 64
Genitália 4
TOTAL 299

Considerando-se a resposta ao primeiro quesito oficial relativo ao crime de lesão


corporal (Houve ofensa à integridade física ou a saúde do paciente?), construiu-se a tabela 8.
Nos quatro casos nos quais a resposta foi “não”, o histórico, apesar de citar um suposto
agressor, não continha informação de agressão física direta.

TABELA 8
Respostas ao primeiro quesito – Perícia de LC.

Resposta ao primeiro
Número de casos Percentual
quesito

Sim 173 81,6%


Não 4 1,9%
Sem elementos 35 16,5%

TOTAL 212 100%


43

Avaliando-se a resposta ao segundo quesito oficial relativo ao crime de lesão corporal


(Qual o instrumento ou meio que produziu a ofensa?), exclusivamente nos casos em que a
resposta ao primeiro quesito foi afirmativa, construiu-se a tabela 9. A “resposta prejudicada”
ao segundo quesito, quando o primeiro foi respondido afirmativamente (sim) foi encontrada
em um caso, no qual a criança apresentava cicatrizes. A resposta “sem elementos para afirmar
ou negar” foi utilizada neste quesito nos casos em que a lesão encontrada era uma cicatriz.

TABELA 9
Respostas ao segundo quesito – Perícia de LC.

Resposta ao segundo
Número de casos Percentual
quesito

Contundente 159 91,9%


Cortante 1 0,6%
Físico 1 0,6%
Físico-químico 1 0,6%
Associação instrumentos 4 2,3%
Sem elementos 6 3,4%
Resposta Prejudicada 1 0,6%

TOTAL 173 100%

Em nenhuma das perícias foi citada avaliação da compatibilidade cronológica ou


instrumental das lesões encontradas.
44

Avaliando-se a resposta ao terceiro quesito oficial relativo ao crime de lesão corporal


(A ofensa foi produzida com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura, ou outro
meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum?), exclusivamente nos casos
em que a resposta ao primeiro quesito foi afirmativa, construiu-se a tabela 10. Nos dois casos
em que a resposta ao terceiro quesito foi “sim”, tratava-se de situações envolvendo
queimaduras, tendo um deles sido positivo para “fogo” e o outro para “crueldade pela
queimadura”.

TABELA 10
Respostas ao terceiro quesito - Perícia de LC.

Resposta ao Terceiro
Número de casos Percentual
quesito

Não 131 75,7%


Sem elementos 40 23,1%
Sim 2 1,2%

TOTAL 173 100%

Dos casos com resposta afirmativa ao primeiro quesito (173), somente um caso (0,6%)
teve resposta afirmativa ao quarto quesito do crime de lesão corporal (Da ofensa resultou
perigo de vida?) e refere-se a um caso de um bebê que foi deixado aos cuidados do pai, tendo
sido encontrado em crise convulsiva. Durante a perícia desse caso, foi apresentada aos peritos
tomografia de crânio onde foi encontrada imagem compatível com coleção hemorrágica intra-
craniana, citada no histórico do laudo. No exame físico é descrita uma tumefação em couro
cabeludo em região parietal, sem outros achados. Todas as demais perícias tiveram resposta
negativa ao quarto quesito. Nenhum dos casos com resposta afirmativa ao primeiro quesito
teve resposta afirmativa ao quinto quesito (Da ofensa resultou incapacidade para as ocupações
habituais por mais de trinta dias?). Em nove casos foi sugerida a realização de exame
complementar. Da mesma forma, nenhum dos 173 casos com evidências de lesão teve
resposta afirmativa ao sexto quesito (Da ofensa resultou debilidade permanente de membro,
sentido ou função; incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável;
perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente?) e em 10
casos foi sugerida a realização de exame complementar. Os nove casos nos quais foi sugerido
exame complementar na resposta ao quinto quesito tiveram também a mesma solicitação na
45

resposta ao sexto quesito. Desses, apenas em dois casos consta retorno ao IML-BH para
exame complementar em varredura feita até 18 meses da data do primeiro exame. Um dos
casos retornou 36 dias após o primeiro exame e o outro 47 dias após, e em ambos a resposta
foi negativa para os dois quesitos do exame complementar, equivalentes ao quinto e sexto
quesitos do exame de LC. O único caso em que foi solicitado exame complementar
exclusivamente para avaliação do sexto quesito, tendo o quinto quesito sido respondido de
maneira negativa já no primeiro exame, tratava-se de uma lesão dentária. O paciente desse
caso retornou para exame complementar 6 meses após o primeiro exame, e teve a resposta aos
dois quesitos também negativa.
46

6 DISCUSSÃO

O atendimento da criança supostamente agredida passa por diversas etapas.


Inicialmente essa agressão é suspeitada por alguém, seja o responsável, o professor, os
vizinhos, o médico. Após essa suspeita, caminhos diferentes podem ser tomados, mas um
caminho relativamente consensual é a comunicação ao Conselho Tutelar. Apesar do artigo
136 do ECA, no seu parágrafo III, citar que o Conselho Tutelar “pode” requisitar serviços
públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança, não é
consenso se o Conselheiro Tutelar teria “autoridade” para a requisição de perícia criminal. A
principal justificativa para o entendimento de que o conselheiro tutelar não poderia requisitar
perícias reside no fato do médico-legista trabalhar com perícias “criminais”, e seria adequado
que esse exame retornasse a uma autoridade do âmbito criminal, pois esta avaliaria melhor os
resultados, vislumbrando “delitos” que poderiam escapar da percepção do indivíduo não
especializado. Com essa limitação, o Conselho Tutelar se vê coagido a buscar outras
instituições para a investigação da denúncia. Usualmente recorrendo à Polícia Civil, o
Conselho Tutelar consegue uma requisição de exame de “Lesões Corporais”, encaminhando a
vítima ao Instituto Médico-Legal. O Delegado de Polícia, o Promotor ou o Juiz também
recebem diretamente denúncias de atos de violência contra a criança. Na investigação dos
fatos, necessitam da participação de um médico “perito em avaliação de lesões”, e convocam
os legistas para realizarem os exames. Todos esses caminhos criam uma grande expectativa a
respeito da perícia médico-legal. Resta-nos saber, no entanto, se o exame realizado cumpre
com essas expectativas. A avaliação de variáveis diversas ligadas ao exame de LC, como o
horário dos exames, quem conduz as crianças para tal, quais informações são levantadas pelo
perito e o que é examinado, dentre outras, pode auxiliar na avaliação da eficácia do sistema, e
na proposição de melhorias.
A leve predominância de indivíduos do sexo masculino (56,1% dos casos) na amostra
estudada corrobora dados da literatura que dispõe esses indivíduos como mais propensos a
sofrerem agressões. Culturalmente é mais aceitável tanto a “correção disciplinar” física em
indivíduos do sexo masculino quanto o fato desses indivíduos serem mais “merecedores” de
medidas corretivas efetuadas com uso de força física, o que pode explicar parcialmente essa
predominância.
Como este estudo usou o conceito de criança do ECA, somente foram incluídas
perícias de indivíduos com idade de 0 a 12 anos incompletos. A distribuição dos casos
47

segundo a idade ocorreu de maneira heterogênea. A idade com maior grupo de perícias foi a
de 11 anos, com 11,8% dos casos, porém o segundo lugar em incidência restou aos indivíduos
de apenas 4 anos, com 10,8% dos casos. Considerando que culturalmente “educação” e
“disciplina” são justificativas usadas para emprego de força física, o encontro de 13,6% das
perícias em indivíduos com até 1 ano de idade coloca em dúvida essa assertiva. Ressaltando-
se o fato de que as crianças muito novas, especialmente abaixo dos 3 anos de idade, têm
limitações naturais na expressão verbal, o que poderia favorecer a ocultação dos casos de
agressão a essas vítimas, essa incidência significativa fica ainda mais preocupante. Por lógica,
seria de se esperar que as crianças de maior idade compusessem claramente o maior grupo, ao
possuir “autonomia” para denunciar a agressão sofrida, especialmente aquelas com idade
escolar, quando teriam aumentadas as chances de convívio social e detecção do problema pela
sociedade. Imagina-se, porém, que os profissionais responsáveis por denunciar práticas de
violência contra a criança, como médicos, professores e responsáveis por estabelecimentos de
saúde, sejam especialmente omissos nos casos de crianças com maior idade, por crenças
individuais, questões culturais, etc. A repulsa despertada diante da evidência de violência em
um lactente indefeso é mais difícil de ser contida.
A complexidade do tema “violência doméstica contra a criança” é realçada durante a
análise de qualquer ponto de expressão do fenômeno. Um desses pontos é, a título de
exemplo, o aporte da vítima de agressão ao IML-BH para realização de perícia de LC, em
relação ao dia da semana. Mesmo considerando que o final de semana prolongaria o contato
dos agressores mais frequentes, que são os pais, com sua vítimas, e que as perícias desse tipo
seriam mais comuns nesses dias, os resultados ora obtidos contrariam esse raciocínio.
Avaliando-se o dia de realização das perícias é visto, paradoxalmente, um maior aporte dos
casos ao IML-BH nos primeiros dias úteis da semana, com 50% dos casos atendidos nas
segundas e terças-feiras. O IML-BH funciona de maneira ininterrupta 24 horas por dia, todos
os dias da semana, porém considera-se que o fator cultural, levando a população a acreditar
que esse serviço público não possui atendimento adequado nos finais de semana, pode
explicar esse maior aporte nos primeiros dias úteis, com a demanda reprimida dos finais de
semana. Muitas delegacias localizadas em bairros não funcionam em finais de semana, o que
dificultaria o acesso a recurso nesses dias. Outra consideração é que, nos finais de semana,
provavelmente os dois pais estariam juntos da criança, o que inibiria a tomada de providências
legais de um deles contra o outro. Por fim, marcas deixadas pela violência podem ser
detectadas no momento em que a criança comparece ao convívio social, como a escola, o que
pode aumentar a suspeita de crime e a adoção de medidas legais protetoras nos dias úteis. Se
48

observarmos que a maior parte dos atendimentos ocorreu até 3 dias após a suposta violência,
sendo os atendimentos centrados nos primeiros dias úteis, pode-se considerar que grande parte
dos traumas ocorreu nos finais de semana, o que facilita o entendimento do evento.
Quando da anamnese prévia ao exame, apesar das afirmações conservadoras de que o
histórico deva ser sucinto30, é salutar que o perito pergunte a respeito de “quando ocorreu a
lesão”, “em que topografia corporal”, “qual o mecanismo causador de lesão” e se foi dado
“algum tipo de tratamento”. Do ponto de vista médico-legal, essas informações podem, em
combinação com o exame físico, auxiliar na avaliação de compatibilidade cronológica entre a
época da lesão e seu estado evolutivo, no rastreio de pequenas lesões na superfície corporal
em locais de pouca exposição, como regiões retro-auriculares, interdigitais, sulco interglúteo,
planta dos pés, períneo, etc., na avaliação de compatibilidade entre o mecanismo relatado e a
lesão encontrada e no encontro de eventuais interferências que tratamentos podem apor às
lesões, respectivamente. Em se tratando do crime de maus-tratos, no entanto, é de especial
interesse “quem é o suposto agressor”. É doutrinário na Medicina Legal que o perito não deve
se deixar influenciar pelo histórico, pois suas conclusões são sempre fundamentadas nos
achados periciais, mas o histórico bem colhido, além de auxiliar no exame físico, pode fazer
do perito, no mínimo, uma “testemunha” de que aquelas informações foram prestadas,
anotando sempre quem as informou. Como a coleta de informações no histórico durante a
perícia de LC não estava padronizada na época das perícias aqui estudadas, esses históricos
encontravam-se heterogêneos, variando de pormenorizados a completamente superficiais. A
informação da época ou dia em que teria ocorrido a lesão, por exemplo, constava em apenas
67,4% dos casos estudados, somente sendo possível estudar a chamada “demora” (relação
entre a data da agressão e a data do exame) nesses indivíduos. Dos casos que possuíam essa
informação, 74,8% das perícias foram realizadas até 3 dias depois do dia relatado como da
agressão. Na análise do subgrupo no qual foram detectadas evidências de lesões, a informação
da época da agressão permanece baixa. Esse fato sugere que a citação no laudo da suposta
época da agressão não é uma preocupação universal dos médicos, a despeito da possibilidade
de detecção de incoerências entre a época relatada do trauma e a fase evolutiva temporal das
lesões surpreendidas. Outro dado de interesse é que o tempo encontrado de demora até a
perícia é relativamente curto, se contextualizado às dificuldades econômico-culturais de nossa
população para acesso a recursos.
O formulário anexo à portaria 196832 contém várias informações de interesse para
auxílio no esclarecimento das questões envolvidas na violência contra a criança.
Curiosamente, essa portaria somente se aplica aos serviços de atendimento pelo Sistema
49

Único de Saúde (SUS). Caso esse formulário devidamente preenchido fosse realmente
disponibilizado para as autoridades envolvidas na questão, certamente agregaria informações
à investigação. A carência de dados adequados quando da perícia médico-legal é um fator que
prejudica sobremaneira os resultados da investigação e o não envio dessas informações
através de relatórios de atendimento médico é mais um fator que prejudica os resultados.
A distribuição de horários de realização das perícias favoreceu o período da tarde e o
início da noite, que juntos englobavam 76,9% dos casos. O fato de se tratarem de crianças, a
disponibilidade do acompanhante e fatores já citados com relação à distribuição semanal,
como a inibição pelo suposto agressor nos horários da madrugada, por exemplo, podem
explicar essa distribuição. Aceitando-se que as providências se iniciaram na manhã, como a
ida à Delegacia ou ao Conselho Tutelar, também é natural que as perícias sejam feitas à tarde
ou início da noite.
Somente constava a informação de quem acompanhava o exame da criança no IML-
BH em 74,1% dos casos, demonstrando que não existia rotina para anotação do acompanhante
à época dessas perícias. Dentre as perícias que continham a informação de quem havia sido o
acompanhante, a mãe foi a mais comumente citada. Esse dado pode refletir o papel da mãe
como cuidadora principal dos filhos, devido à estrutura social. O pai esteve presente em 23
casos, sendo superado até mesmo pelo acompanhamento do Conselho Tutelar, que
acompanhou 26 casos.
A anotação pelo perito do suposto agressor poderia auxiliar a Autoridade condutora da
investigação no discernimento de qual caminho a seguir, incluindo em qual artigo criminal
enquadrar o fato. Infelizmente, essa informação também não é colhida de forma padronizada,
talvez pela concepção de que essa não seria a função do perito legista. Como um dos filtros da
pesquisa foi a presença da informação sobre o suposto agressor e essa informação não estava
devidamente caracterizada em mais da metade dos casos, houve uma grande perda de dados
(vide refinamento do banco de dados). Nos 212 casos em que foi possível recuperar a
informação do suposto agressor e este preenchia critérios para o enquadramento no crime de
maus tratos, o genitor foi o sujeito mais acusado da autoria, sendo encontrado em 44,3% dos
casos (94). A genitora ocupou a segunda posição em relação à acusação de autoria,
perfazendo 27,4% dos casos (58). O padrasto ou companheiro da mãe ocupou a terceira
posição nas suspeitas de autoria, em 14,2% dos casos (30), mas deve ser lembrado que o
trabalho não avaliava abuso do tipo sexual, culturalmente imputado a esses indivíduos. Dado
interessante foi o encontro de babás e professores como supostos agressores, já que também
poderiam ser enquadrados no crime de maus-tratos, dada a sua relação com a vítima. Apesar
50

da literatura sugerir que a mãe seja a agressora mais frequente, é bom lembrar que a mãe foi o
acompanhante mais encontrado na análise desta casuística e, como informante, acusou
especialmente o pai. Esses dados podem ajudar a compreender porque, por outro lado, a
figura paterna foi menos presente até mesmo que o Conselho Tutelar como acompanhante dos
periciados.
Dos 173 indivíduos com evidências de lesões, quase metade (48,6%) as apresentavam
em mais de um segmento do corpo, sugerindo mais de um movimento agressor. A
predominância do segmento cefálico como o mais comumente atingido confirma dados da
literatura e sugere que essas lesões, talvez pela maior dificuldade de ocultação, tenham
provocado maior investigação, incluindo perícia. A imensa maioria das lesões foi detectada
pela simples ectoscopia. Em apenas 3,5% dos casos o diagnóstico pode ter sido incrementado
com a palpação.
Como o conceito de saúde é vasto, tende o perito a centrar-se no conceito “integridade
física” na resposta ao primeiro quesito. À luz da verdade, o exame clínico que constitui a
perícia somente é capaz de perceber alterações funcionais grosseiras ou alterações
superficiais, especialmente no tecido de revestimento. É razoável entender que a presença de
alterações indicativas de lesão leve o perito à resposta “sim” ao primeiro quesito, o que
aconteceu em 81,6% dos casos. Na ausência dessas alterações, no entanto, a resposta esperada
a esse quesito, do ponto de vista técnico, seria unicamente “sem elementos para afirmar ou
negar”. Fato intrigante é o encontro de 1,9% dos casos (4) nos quais a resposta ao primeiro
quesito foi “não”. Uma interpretação possível desses dados é a de que os peritos tenham sido
influenciados pelo histórico e, quando neste não existe informação de agressão, aliado a
ausência de evidências externas de lesões, restaria a resposta “não”.
A “resposta prejudicada” a um quesito equivale à afirmativa de que aquele quesito
“não se aplica”, devido ao fato de depender de resposta positiva que não ocorreu em quesito
anterior. No único caso de resposta prejudicada ao segundo quesito em que ocorreu resposta
positiva ao primeiro, talvez o perito tenha querido informar que a “análise do instrumento ou
meio” foi prejudicada pelo estado cicatricial. Nesse caso, a resposta mais adequada teria sido
“sem elementos para afirmar ou negar” devido ao estado cicatricial. Esses dados sugerem uma
influência dos históricos nas respostas aos quesitos criminais, fato tecnicamente temerário.
O instrumento foi determinado em 96% dos casos nos quais foram encontradas
evidências de lesões. O instrumento “contundente” esteve presente em 91,9% dos casos. A
clara predominância das lesões de pele (96,5%) nos casos de violência contra a criança é
parcialmente explicada por sua facilitação da suspeita. Deve-se lembrar, no entanto, que até a
51

pigmentação da pele pode interferir nesse diagnóstico, podendo torná-lo mais difícil em
crianças melano ou feodermas.
A complexidade do texto do terceiro quesito oficial para o crime de lesões corporais já
denota a dificuldade de resposta adequada. Uma estratégia de resposta a esse quesito é a de
decompô-lo em seus itens, respondendo separadamente um a um. Assim, o perito pode
assinalar, por vezes, a presença de sinais do uso de veneno, fogo, explosivo ou asfixia durante
o exame, negar a presença desses ou revelar a sua impossibilidade de resposta, através do
jargão “sem elementos para afirmar ou negar”. Com relação à averiguação pericial de tortura,
novamente o conceito genérico se mistura ao conceito legal. Do ponto de vista de crime,
“tortura” tem lei própria, e nunca o perito poderia afirmá-la. Do ponto de vista de “sinais
físicos de tortura”, nem mesmo a literatura tem um consenso razoável a respeito, pois vendo
os sinais, dificilmente se caracterizaria a intenção. De toda forma, caberia uma associação
meticulosa do exame físico ao histórico e outros elementos da investigação, o que
doutrinariamente não cabe ao perito médico-legista. Ainda restaria a constatação de “outro
meio insidioso ou cruel”, que a Doutrina Médico-legal, especialmente a Mineira, entende
escapar à capacidade de avaliação do médico-legista, já que são termos imprecisos,
extrapolando o limiar técnico. Novamente, a resposta mais adequada a esse quesito,
especialmente aos itens de “tortura” ou “outro meio insidioso ou cruel” seria “sem elementos
para afirmar ou negar”, porém a resposta predominante foi “não”.
O conceito de “perigo de vida”, envolvido no quarto quesito, seria específico para
situação de real ameaça à vida, usualmente exigindo tratamento médico imediato. Assim, no
único caso que teve esse quesito respondido de maneira afirmativa (0,6%) dentre os
indivíduos com lesões detectadas ao exame físico, essa resposta fundamentou-se
exclusivamente na análise de um exame complementar de imagem. Habitualmente essa
informação seria insuficiente para a caracterização de “perigo de vida”, já que, mesmo com a
coleção hemorrágica intracraniana da forma que foi citada, a criança poderia não ter
necessitado de nenhum cuidado médico especial, tendo sofrido somente o risco à vida. Se o
fornecimento de relatórios médicos bem construídos para as vítimas de traumas fosse uma
prática cotidiana, o perito, diante dessa documentação, especialmente se evidenciasse
situações como hemorragias vultuosas, coma, necessidade de assistência ventilatória de
emergência, etc., teria maiores subsídios para caracterização do “perigo de vida”. Na prática
pericial, raras vezes essa documentação é citada.
Como a resposta pericial é, via de regra, diagnóstica e não prognóstica, e as perícias
são, em sua predominância, realizadas poucos dias após a agressão, é natural a ausência de
52

repostas afirmativas ao quinto quesito na amostra estudada. Do ponto de vista prático, ao


sugerir novo exame, entende-se que o perito tenha vislumbrado a possibilidade de lesão de
maior gravidade. O retorno de apenas 3 dos 10 casos nos quais fora sugerido reflete parte das
dificuldades para apuração das situações criminais.
O sexto quesito, da mesma forma que o terceiro, refere-se a diversas situações em um
único tópico. Novamente a abordagem “em separado” surge como aparentemente mais lógica
do ponto de vista técnico. Considerando que o transitar processual não pode aguardar
indefinidamente o resultado pericial, e que o prazo cicatricial de recomposição anatômico-
funcional de um ano é o suficiente para a grande maioria dos casos, entende-se que a
debilidade que permanece por um ano pode ser configurada como permanente. Obviamente,
se a perícia for realizada em um tempo posterior e essa debilidade não existir, ela não poderá
ser caracterizada como permanente, mesmo que documentações médicas demonstrem que ela
persistiu por um ano. Devido à necessidade desse período, é comum a solicitação, pelo perito,
de “exame complementar com um ano da data do evento traumático”, possibilitando adequada
qualificação. A incapacidade permanente para o trabalho do ponto de vista criminal deveria
se ater ao trabalho genérico. Assim, mesmo um pianista que perdesse uma mão como
resultado de uma lesão não teria incapacidade para o trabalho genérico. As perdas
relacionadas aos impedimentos a trabalhos específicos são abraçadas pelos processos civis,
escapando da esfera criminal, que é a seara da Medicina Legal. A deformidade permanente é
especialmente importante quando envolve a face do indivíduo, mas não se restringe a ela.
Pode comprometer a simetria e manifestar-se com o movimento, como uma paralisia de ramo
facial, por exemplo. Do ponto de vista criminal, deve ser de maneira genérica, não
importando as individualidades do periciado lesado. Em nenhum dos casos, qualquer dos itens
do sexto quesito teve resposta positiva, mesmo em exames complementares.
De todos os casos nos quais foram evidenciados sinais de agressão física, somente um
teve o agravante penal constatado em perícia do IML-BH, que foi aquele no qual foi
entendido tratar-se de “sim” para perigo de vida, um qualificador do Parágrafo Primeiro do
artigo 129 do Código Penal. Mesmo esse caso teve essa qualificação de forma questionável.
De todos os outros, restou ao perito a constatação ou não de evidências superficiais de lesões,
o que poderia ter sido feito por qualquer outro profissional médico. Os qualificadores
elencados no Parágrafo Nono do mesmo artigo, como envolvem definição de autoria, não são
definidos pelos peritos médicos.
A caracterização das situações investigadas por vezes exige, previamente a qualquer
outra análise, a realização do exame físico. A limitação do Conselho Tutelar em solicitar
53

perícias nos casos de violência contra a criança na região metropolitana de Belo Horizonte em
nada contribui para o adequado atendimento desses casos, constituindo mais uma barreira
burocrática que dificulta o atendimento das vítimas.
Dentre as múltiplas limitações impostas a este estudo, destaca-se o fato de tratar-se de
uma avaliação retrospectiva de um tipo de exame realizado por diferentes indivíduos de forma
pouco padronizada, o que levou a uma grande perda de informações. A carência de
informação mais abrangente sobre o andamento dos casos, especialmente sobre de que forma
foi gerada a necessidade de exame e como o resultado desse exame foi utilizado na
investigação, também prejudicou a avaliação da eficácia da perícia. Mesmo a confusão
conceitual a respeito do que seria “maus-tratos” e qual a relação com o crime e a perícia de
LC, dificultou ainda mais o entendimento da questão e a compreensão dos resultados.
Considerando-se que o refinamento dos casos se baseou na presença de informações do
histórico, deve-se lembrar da possibilidade de ocorrência de vício dessa amostragem, já que
foram privilegiados os casos com informações sobre possíveis agressores, e essas podem ser
colhidas por apenas um grupo dos examinadores.
54

7 CONCLUSÕES

Avaliando-se as informações dispostas neste trabalho, observa-se que falta uma


estrutura adequada de suspeição, condução e perícia das crianças vítimas de violência na
região metropolitana de Belo Horizonte, e que, a despeito da expectativa social do que seria
“investigado” durante o exame no IML-BH, este cumpriu muito mais um papel burocrático de
qualificar a lesão do que qualquer contribuição à investigação do fato propriamente dito nos
casos estudados, pouco ou nada adicionando a um exame médico ectoscópico usual.
55

8 COMENTÁRIOS FINAIS

Ao perito não cabe simplesmente o papel de anotar as lesões superficiais e responder


de maneira simplória os “quesitos oficiais”, pois, agindo assim, a Medicina Legal está
contribuindo pouco para a investigação dos casos de violência doméstica contra a criança.
Entende-se que o atendimento à criança suspeita de ter sido vítima de violência
deveria ser tratado de maneira mais abrangente, com centros de atendimento de referência nos
quais conselheiros tutelares com adequada formação, médicos treinados de várias
especialidades e recursos diagnósticos, psicólogos e assistentes sociais pudessem se dedicar à
investigação dos casos. Um centro de atendimento médico de trauma, como é o caso do
Hospital João XXIII, é o que mais se aproximaria desse desenho. Com relação aos ritos
processuais do Direito, nada impediria que, diante de relatórios multiprofissionais bem
elaborados, o médico-legista treinado emitisse seu parecer ou mesmo laudo indireto.
O exame de LC em crianças da maneira como era realizado até julho de 2007,
respondendo quesitos relativos a um crime que nem sequer sabe-se se é o que está sendo
investigado, não deve contribuir para adequado tratamento da questão da violência contra a
criança. Os quesitos ditos “oficiais” são da década de 50. Caso se entenda que cabe à
Medicina Legal o papel da “perícia” dos casos de violência contra as crianças, muito deve ser
feito na melhoria desse exame, e urge uma revisão criteriosa dos quesitos.
A Medicina Legal Mineira tem passos importantes a tomar neste início de século,
momento no qual seu quadro funcional foi fortemente renovado, com metade dos peritos
recém-chegados à profissão. Parece o momento de o Médico Legista tornar-se mais
investigativo, parece hora de avançar.
56

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ANEXO I – Carta de Aprovação do COEP


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ANEXO II – Ata da Defesa da Dissertação


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