Direito Administrativo II Patrícia Carneiro Da Silva
Direito Administrativo II Patrícia Carneiro Da Silva
Direito Administrativo II Patrícia Carneiro Da Silva
DIREITO ADMINISTRATIVO II
Professor Doutor Paulo Otero
FIGURAS AFINS
o Processo contencioso – apesar de ambos serem de dimensão adjectiva, o
processo contencioso diz respeito ao exercício da função jurisdicional na defesa
do Direito Administrativo; o procedimento administrativo, por sua vez, regula a
conduta da Administração Pública no exercício da função administrativa.
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Situações nas quais a factualidade foi mal apurada
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P.e direito de audiência prévia dos interessados. // a acrescentar: direitos fundamentais de natureza
substantiva e direitos fundamentais de natureza contenciosa
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ATENÇÃO: podem existir surpresas – se, por exemplo, um aluno pensa que dispensou à cadeira com 12,
mas se descobre que tal não aconteceu e houve um erro da secretaria – a resolução deste problema trará
alterações, pelo que o procedimento que era meramente declarativo passa a ser constitutivo.
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perante os cidadãos, ou seja, nem todos os procedimentos têm eficácia externa. Podem,
assim, existir procedimentos meramente internos.
Cabe ainda salientar que nem todos os procedimentos administrativos levam à
produção de decisões finais regidas pelo Direito Administrativo.
NATUREZA
Quanto à natureza do procedimento administrativo, foram várias as correntes
desenvolvidas. Pode assumir-se que o mesmo surge como fase prévia de um eventual
processo contencioso; pode adoptar-se uma concepção monista, da qual resulta que
há uma via não contenciosa – desenrolada junto das autoridades administrativas – e
uma fase contenciosa – no âmbito dos tribunais administrativos.
Quanto à posição da Regência, o Professor Paulo Otero afirma desde logo que o
procedimento não se pode confundir com o acto, declaração ou operação material:
diferencia-se o caminho do ponto de chegada. O procedimento administrativo serve o
interesse público, garante as posições jurídicas dos cidadãos e implementa as políticas
públicas. Este é sempre uma acção instrumental, envolvendo uma relação jurídica
entre os sujeitos interessados. Havendo sempre uma pluralidade de interessados, o
resultado é o de haver conflito neste procedimento – a Administração torna-se uma
gestora de conflitos. Aqui reside o primeiro cenário de uma luta reivindicativa de
pretensões, que poderá depois desembocar no tribunal.
o Leis procedimentais específicas, sendo que a sua relação com o CPA nem
sempre é clara;
o Desenvolvimento informal – em regime praeter legem – de normas não escritas,
podendo estas configurarem-se como costume ou como precedente;
o Existência de actos de valor infralegal – p.e. contractos, regulamentos ou
acordos interorgânicos –, susceptíveis de disciplinar certas áreas
procedimentais.
Não sendo sempre injuntiva, conclui-se que a normatividade reguladora do
procedimento administrativo pode implicar certos espaços de discricionariedade
procedimental, que é admissível uma situação de estado de necessidade administrativa,
na qual se pode desenvolver normatividade informal em regime contra legem e que se
pode desenvolver uma actuação administrativa informal.
INTERPRETAÇÃO
A interpretação do procedimento administrativo obedece a um conjunto de princípios:
o Princípio da interdição do formalismo excessivo – deve sempre evitar-se que a
uma determinada conduta se associem efeitos desproporcionados sem
justificação razoável. As exigências formais devem sempre ser estabelecidas com
referência ao princípio da proporcionalidade, sendo que o formalismo excessivo
pode representar a violação do direito a obter uma decisão administrativa de
fundo. Conclui-se, portanto, que as formalidades têm de ser necessárias e
adequadas;
o Princípio pro actione – deste decorre que a interpretação deve ser feita no
sentido de favorecer a decisão final;
o Princípio da economia processual – não devem criar-se formalidades inúteis ou
desnecessárias. Este princípio é uma consequência do princípio da interdição do
formalismo excessivo, sendo que dele decorre também que a interpretação deve
ser feita à luz de um postulado de duração razoável;
o Princípio da segurança jurídica – exige-se que a interpretação vá no sentido de
garantir a ambas as partes previsibilidade no procedimento. Trata-se da
exigência de um procedimento justo e equitativo, pautado pelo respeito pela
segurança jurídica. A esta pode associar-se a teoria da tradição, que confere
relevância operativa ao costume, aos usos ou ao precedente: a interpretação
pode fazer-se à luz de uma prática reiterada ou habitualmente seguida e o
próprio silêncio do legislador deve ser interpretado tendo em conta a sistemática
do ordenamento.
o Princípio do justo procedimento/do procedimento equitativo/do devido
procedimento legal (para o Professor Paulo Otero o mais relevante) – baseado
no conceito de justiça, este revela-se um direito fundamental dos cidadãos,
garantindo-lhes o direito a uma boa administração.
A interpretação deve ainda obedecer aos princípios gerais da hermenêutica jurídica.
NATUREZA DAS NORMAS PROCEDIMENTAIS
As normas reguladoras do procedimento administrativo podem ser injuntivas ou
disjuntivas, sendo que as normas supletivas que não forem afastadas por normas
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injuntivas serão tão imperativas quanto essas. Através da análise das normas
injuntivas, conseguimos delimitar o espaço de discricionariedade procedimental, bem
como perceber a margem de autonomia dos vários intervenientes no procedimento
em curso.
Nem toda a imperatividade das normas procedimentais goza da mesma força: a violação
de normas relativas ao procedimento administrativo pode ter como desvalor jurídico
a nulidade ou a anulabilidade. Dentro da anulabilidade, ainda, há casos em que esse
efeito anulatório pode não se verificar. É o que resulta do art 163º, nº 5 CPA, que
consubstancia um esvaziamento do princípio da legalidade e dos direitos
procedimentais dos interessados. O Professor Paulo Otero aponta para a possibilidade
de se falar de uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
O art 163º, nº 5 CPA leva-nos a uma degradação da força imperativa das normas
procedimentais, levando a uma abertura bastante flexível num sistema rígido, a uma
substituição da ilegalidade por mera irregularidade e à criação de uma actividade
contra legem que, visto ser derrogado o efeito anulatório, é aceite pela ordem jurídica.
Este artigo será, possivelmente, a única injuntividade indiscutível do sistema vigente.
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O CPA poderá ainda aplicar-se a entidades privadas que nada tenham que ver com o Direito Público, mas
que entendam – à luz da autonomia privada – que o seu agir deverá pautar-se por estas regras.
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Utilização óptima dos recursos
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Menor custo financeiro com o máximo de vantagens
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PRINCÍPIO DA DECISÃO
Deste resulta que toda a pretensão formulada junto da Administração Pública tem de
corresponder a uma decisão. Esse é um dever dos órgãos administrativos, resultado do
art 13º, nº 1 CPA. Este princípio é um corolário de um modelo de Administração Pública
democrática e participativa, estando subjectivado pelo art 268º, nº 6 CRP a um direito
fundamental dos cidadãos. O direito de petição, presente no art 52º, nº 1 CRP, não só
tem implícito o direito a uma resposta, exige que a mesma seja dada dentro de um
prazo razoável.
Atente-se à ideia de que, este princípio da decisão, não se consubstancia na
obrigatoriedade de emitir uma decisão favorável. A título anormal, a decisão pode
materializar-se:
o Numa rejeição ou num indeferimento liminar (art 108º, nº 3 CPA) – é por
exemplo o caso em que há um prazo para recorrer e o particular deixa passar
esse prazo, ou a situação em que quem formula o pedido não tem legitimidade
para o fazer (excepto em caso de representação ou de gestão de negócios);
o Num solicitar o aperfeiçoamento (art 108º, nº 1 CPA) – fala-se da situação em
que, por exemplo, alguém se candidata a um mestrado e a Administração
responde pedindo a prova de que esse particular concluiu a licenciatura;
o Num enviar o pedido ao órgão competente e informar disso o destinatário (art
41º, nº 1 e art 109º CPA) – esta possibilidade engloba em si dois deveres: o de
enviar o pedido para o órgão com competência para o apreciar e o de informar
o particular de que tal foi feito;
o Num informar o particular que a Administração não o dever de decidir (art 13º,
nº 2 CPA)
Contrapostos com estas estão as maneiras típicas de resposta da Administração Pública:
o Deferir – conceder o que o particular pede;
o Indeferir – rejeitar o que o particular pede;
o Silêncio – representa a inércia administrativa, implicando avaliar o valor do
silêncio da Administração7
Um atraso injustificado na resposta equivale a uma recusa de decisão.
PRINCÍPIO DO CASO DECIDIDO ADMINISTRATIVO
Levanta essencialmente o problema da sua duração temporal: será que essas decisões
são imodificáveis – com fundamento no princípio da segurança jurídica e da tutela da
confiança – ou será que podem ser modificadas, fundando-se tal possibilidade na
garantia de busca de um melhor interesse público?
Se procedermos pela ideia de imodificabilidade, então podemos falar na existência de
um caso decidido (ou julgado) administrativo. Este é um conceito adoptado pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Esta imodificabilidade pode ser
referente apenas a questões procedimentais, nada tendo que ver com o conteúdo do
acto – caso decidido formal; pode, por contrário, afectar esse conteúdo – caso decidido
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Poderíamos considerar que este silêncio viola o princípio da decisão. No entanto, se por exemplo a lei
considerar que o silêncio tem um valor jurídico expresso (imaginemos, aceitação tácita), então coloca-se
a questão: poderá este silêncio valer como um conceder tácito ao particular daquilo que este pediu?
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material. O caso decidido administrativo verifica-se sempre que, passado o prazo para
impugnar uma certa decisão, o tribunal deixe de a poder remover da ordem jurídica.
Ao contrário do que se passa com os tribunais, a Administração Pública goza da
possibilidade de, por iniciativa própria, modificar as suas próprias decisões.
Poderão, assim, existir situações nas quais a Administração Pública pode
efectivamente revogar ou anular a sua anterior decisão? (Relembre-se que, no CPA de 2015,
a revogação é a cessação de efeitos por razões de mérito e a anulação é a cessação de efeitos por
razões de legalidade). Poderá dizer-se que as decisões administrativas gozam de
“capacidade de resistência” face a decisões posteriores em sentido contrário,
provenientes da própria Administração?
O caso decidido administrativo é, no fundo, uma decisão administrativa que, não
podendo ser objecto de impugnação administrativa e judicial, se torna intocável. Só
podemos falar em caso decidido (em sentido material) quando estamos perante uma
decisão administrativa que tem por base uma situação de facto invariável8. Temos, por
isso, uma modalidade reforçada de autovinculação administrativa, podendo falar-se
de uma capacidade de resistência face a decisões posteriores contrárias, à luz do
princípio da tutela da confiança e do princípio da igualdade. Fica por saber se, em nome
do interesse público, a ordem jurídica poderá habilitar que actos tidos como
irrevogáveis ou insusceptíveis de anulação administrativa sejam revogados. Se assim
for, teremos uma flexibilização do caso decidido perante o interesse público.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia aponta para a relativização
do caso decidido administrativo, uma vez que este se mostra desconforme com o
Direito da União Europeia – vigora uma versão radical do primado do Direito da UE,
que foi introduzida no art 168º, nº 7 CPA, solução inconstitucional a nível nacional e a
nível do ordenamento constitucional da própria UE.
PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO ABERTA
Este é a expressão de uma Administração visível e transparente – o art 17º, nº 1 CPA
reconduz a administração aberta ao direito que os cidadãos têm de te acesso aos
arquivos e aos registos administrativos (sem prejuízo de, para tal, poder ter de pagar
uma taxa).
O princípio da administração aberta é mais amplo que o direito dos cidadãos a
informação sobre os processos em que eles sejam directamente interessados, pois que
esse não exige que os requerentes do acesso aos arquivos e aos registos tenham em
curso um procedimento que lhes diga respeito. Através de uma administração mais
aberta torna-se possível o controlo das decisões, traduzindo este uma exigência de
democratização procedimental. Este abrange qualquer suporte de informação sob
forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material.
Apesar de tudo, o princípio não é ilimitado – é desde logo necessário ter em conta
outros bens, interesses e valores constitucionalmente tutelados. Temos, assim, como
limites ao princípio da administração aberta a ponderação de outros bens, interesses
ou valores, como:
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Por exemplo: uma licenciatura não pode ser revogada porque é um facto invariável, situação na qual
domina, assim, a segurança jurídica.
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Os órgãos administrativos podem recusar a aplicação de normas com fundamento em
inconstitucionalidade se estivermos numa de três situações:
• Leis injustas, ou seja, leis que neguem um Estado de Direito Democrático baseado na dignidade
da pessoa humana;
• Se a inconstitucionalidade em causa decorrer da violação grave da essência de preceitos
constitucionais dotados de aplicabilidade directa (p.e. direitos, liberdades e garantias);
• Se a Constituição sancionar expressamente a inconstitucionalidade com determinado desvalor
jurídico (p.e. falta de promulgação ou de assinatura)
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permitido para tal, a presunção de conformidade do acto à juridicidade ganha uma força
jurídica reforçada. Fora desta presunção estão todas as decisões nulas ou inexistentes.
A presunção de legalidade pode sofrer uma debilitação em sede de fiscalização
concreta da constitucionalidade se o fundamento da decisão normativa foi julgado
ilegal ou inconstitucional sem ter existido qualquer declaração judicial com força
obrigatória geral.
A unidade do sistema jurídico sai lesada pela juridicidade sempre que a Administração
aja de forma desconforme à juridicidade e esse agir se consolide na ordem jurídica,
sempre que a Administração proceda à execução de um acto ilegal e, ainda, sempre que
a Administração não aplicar uma norma em vigor. A garantia da força vinculativa do
princípio da juridicidade reside no desvalor jurídico que se associar às condutas que
forem desconformes com a juridicidade. Sendo que a anulabilidade é o desvalor regra
do agir administrativo, podemos falar de uma certa fragilidade do carácter vinculativo
do princípio em análise. Nem sempre, no entanto, o agir administrativo em sentido
contrário à juridicidade acarreta um desvalor jurídico. Falamos de situações como:
o Enfraquecimento vinculativo da realidade (soft law);
o Inversão do sentido vinculativo da lei – princípio da contracorrente;
o Admissão de uma legalidade contra legem;
o Situações de prescrição, nas quais um efeito de consolidação na ordem jurídica
permite a manutenção de situações criadas à margem da juridicidade.
A pedra de fecho da vinculação administrativa à juridicidade é a sua submissão ao
controlo pelos tribunais.
PRINCÍPIO DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
O art 266º, nº 1 CRP e o art 4º CPA determinam que a Administração visa a prossecução
do interesse público – visa, assim, a garantia e a promoção do bem comum da
colectividade. Esta ideia é uma decorrência do princípio republicado, sendo que se
mostra como um imperativo ético e constitucional, assumindo ainda a natureza de
dever legitimador da autoridade pública.
O princípio da prossecução do interesse público vincula toda a actuação
administrativa. Disso resulta que a Administração não pode prosseguir interesses que
não sejam públicos (sob pena de violar a legalidade criminal) e que as entidades
públicas têm atribuições delimitadas em função dos interesses públicos. O limite
último deste princípio é o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana – a sua
garantia é parâmetro e fundamento do interesse comum, prevalecendo sobre a
prossecução de qualquer interesse público. Respeitada a dignidade da pessoa humana,
o interesse público surge como fundamento, critério e limite de todo o agir
administrativo. Assim, é ilegítima a acção administrativa que se situe fora do interesse
público, havendo lugar a responsabilidade criminal do decisor.
O interesse público prosseguido pela Administração encontra-se subordinado ao
interesse público primário, definido pelo legislador (razão pela qual está dotado de
legitimidade democrática). A prossecução do interesse da colectividade é ainda
limitada pelo princípio da juridicidade – não há interesse público contrário à lei, tendo
a prossecução deste interesse de ser feita com base nas soluções legais existentes. A lei,
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por sua vez, está subordinada à Constituição, ao Direito da União Europeia e pode
ainda deparar-se com interesses públicos transnacionais, para os quais se exige a
cooperação de várias Administrações.
A Administração não está limitada à prossecução de interesses públicos secundários,
pois que o Governo pode, como resultado do art 199º, al. g) CRP, desenvolver uma
actividade administrativa directamente fundada na CRP, podendo assim definir
interesses públicos primários. Essa definição está sempre, no entanto, limitada pelos
princípios da reserva de lei e da preferência de lei. Deste princípio da prevalência de lei
resulta a presunção de que a definição legislativa dos interesses públicos a cargo da
Administração corresponde ao bem comum e é efectivamente a melhor solução.
Há que ter em conta: a definição do que é o interesse público não é inequívoca, pois
que com o interesse público da colectividade – protagonizado pelo Estado – concorrem
interesses públicos de entidades menores, de entidades supraestaduais e ainda
interesses privados.
A distinção entre interesses públicos e interesses privados não é feita com base no
sujeito que deles é titular, uma vez que os interesses públicos podem ser realizados e
garantidos por entidades privadas. Existem, para além disso, interesses com
características tanto de interesse público como de interesse privado. É ainda de
salientar que a prossecução do interesse público não é um monopólio da Administração
Pública, sendo também relevante o papel da sociedade civil. A relação entre interesses
nem sempre é pacífica, uma vez que se podem verificar situações de colisão de
interesses, implicando isso um processo ponderativo. Esta conflitualidade também se
pode verificar a nível intra-administrativo, com conflitos entre atribuições ou
competências de diferentes estruturas.
PRINCÍPIO DO RESPEITO PELOS DIREITOS E INTERESSES LEGÍTIMOS DOS CIDADÃOS
A exigência de respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos resulta do
art 266º, nº 1 CRP e do art 4º CPA. Uma concepção personalista de Administração
Pública e de Direito Administrativo, associada ao princípio do Estado de Direito
Democrático faz com que a prossecução do interesse público tenha sempre como
limite o respeito pelas posições jurídicas activas dos particulares.
Esta implicação de respeito pelos direitos e pelos interesses legalmente protegidos
acarreta um conjunto de obrigações vinculativas do agir da Administração Pública: esta
deve abster-se de violar ou lesar essas posições jurídicas activas, deve proteger essas
posições, deve remover os obstáculos que impeçam a sua efectivação, deve defender
essas posições activas de agressões e deve, ainda, ressarcir as lesões geradas a essas
posições jurídicas activas dos particulares.
O art 62º, nº 2 CRP trata de um princípio geral de justa causa na ablação administrativa
de direitos de conteúdo patrimonial privado – a Administração não pode, sem causa
justificativa, revogar ou modificar desfavoravelmente uma posição jurídica activa de um
particular de conteúdo patrimonial privado que tenha por base um título válido. Se o
fizer, estará a violar o direito de propriedade privada. Mesmo que exista causa
justificativa, a Administração tem o dever de indemnizar o sacrifício imposto. Maior
protecção envolvem os direitos subjectivos sem conteúdo patrimonial, uma vez que se
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possibilidade é ela mesma exigida pela dinâmica da vida social e pela mutabilidade do
agir administrativo.
Poderá alguém reivindicar para si um tratamento favorável que a Administração
conferiu ilegalmente antes a um terceiro?
A resposta do Professor Paulo Otero foi já afirmativa, com fundamento na ausência de
hierarquia entre o princípio da igualdade e o princípio da legalidade – ambos valores
nucleares do Estado de Direito. Seja como for, a decisão é sempre passível de controlo
judicial, cabendo aos tribunais a decisão sobre se deve prevalecer o princípio da
igualdade ou o princípio da legalidade. A jurisprudência do STA define que a violação
do princípio da igualdade pode gerar a nulidade da actuação administrativa, uma vez
que estamos perante um direito fundamental. Assim acontecerá se a decisão
administrativa atingir o núcleo duro deste direito, ou seja, se estivermos perante
factores ilegítimos de descriminação constitucionalmente elencados no art 13º, nº 2
CRP.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Está presente no art 266º, nº 2 CRP e ainda no CPA. Internacionalmente, está
consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Direito da União
Europeia. Resume-se às ideias de adequação, necessidade e razoabilidade (ou
proporcionalidade stricto sensu). Este princípio implica sempre um juízo que pressupõe
uma relação entre a conduta administrativa tomada e as circunstâncias que a
justificam os propósitos e os efeitos. Exige-se:
o Que a conduta não seja desadequada – princípio da adequação;
o Que a conduta não seja excessiva ou desnecessária perante o caso – princípio da
necessidade;
o Que a conduta não mostre uma ponderação de interesses desequilibrada ou
desrazoável – princípio da proporcionalidade stricto sensu.
A nível complementar, o princípio da proporcionalidade implica um conjunto de
subprincípios:
o Princípio da interdição da protecção insuficiente
o Princípio da subsidiariedade – a conduta administrativa deve ser a menos lesiva
para os interesses privados ou públicos passíveis de serem afectados;
o Princípio do perturbador – se necessária a restituição da legalidade, as medidas
devem ser adoptadas contra quem teve um comportamento ilícito, enquanto
protagonista causador da perturbação da ordem pública ou da ordem jurídica.
O princípio da proporcionalidade limita a intervenção administrativa, definindo a
medida dentro da qual deve ser prosseguido o interesse público. As ideias de
adequação e de necessidade são especialmente relevantes no âmbito de uma
Administração agressiva (limitadora de direitos e interesses dos cidadãos). Já no âmbito
de uma Administração prestadora, é dominante a importância do balanço
custos/vantagens.
A proporcionalidade não se impõe apenas no âmbito do agir administrativo. Também
as leis e os regulamentos se lhe estão subordinados. O legislador está vinculado a
admitir uma margem de autonomia decisória.
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de entre eles. É também arbitrária uma decisão que se mostre afastada do que é a
solução habitual nos casos idênticos.
A interdição do arbítrio alicerça-se na justiça, em termos gerais, e na igualdade, em
termos mais específicos. Este arbítrio, no entanto, não exige consciência da violação da
juridicidade – todas as situações arbitrárias são ilegais, mas nem todas as situações
ilegais são arbitrárias. Tal acontece desde logo porque a arbitrariedade pode resultar
da própria norma legal que é aplicada, falando-se em arbitrariedade derivada ou
consequente. Essa também pode ser originária ou própria, se resultar autonomamente
de uma decisão administrativa. Relativamente à arbitrariedade derivada, falamos de
leis ou regulamentos com normas arbitrárias se estas se mostram:
o Sem sentido, propósito ou utilidade;
o Incoerentes e contraditórias;
o Utilizadoras de critérios desprovidos de racionalidade ou pertinência;
o Sem fundamento sério e objectivo
A arbitrariedade também pode ir além da lei, revelando-se arbitrária uma decisão que
não reflecte as provas existentes.
PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA
O princípio da concorrência tem uma íntima ligação económica. No entanto, influencia
também o Direito Administrativo, dele resultando uma liberdade de exercício de uma
actividade, a não descriminação de condições entre os intervenientes e o
conhecimento de toda a informação por todos os interessados.
Este princípio mostra-se relevante essencialmente a nível do Direito da União Europeia,
no qual se expressa com acentuada relevância o princípio constitucional da livre
concorrência. A defesa da concorrência visa impedir situações de vantagem
injustificadas entre concorrentes que se encontram numa situação lícita – proteger e
promover a concorrência é hoje um interesse público a cargo do Estado.
O princípio da concorrência destaca-se nas situações em que a intervenção
administrativa se consubstancia na atribuição de uma vantagem relativamente a um
recurso que é escasso – essa realidade implica uma competição entre particulares. A
escolha entre esses candidatos implicará (ou deverá sempre implicar) um critério de
escolha objectivo e isento. Fala-se de um critério que permita resolver um
procedimento concursal. Este concurso tem de ser aberto em igualdade de
circunstâncias e tem de revelar igualdade de oportunidades. A decisão, por sua vez,
terá de ser alicerçada na justiça, na igualdade e na imparcialidade.
O concurso, para que não se viole o princípio da concorrência, tem de se pautar por
certos valores. Exige-se:
o Publicidade e transparência;
o Proibição de obstáculos à livre concorrência;
o Proibição de favorecimento indevido (regras arbitrárias);
o Avaliação baseada no mérito (excluindo-se critérios que nada tenham que ver
com o concurso em causa);
o Acesso dos interessados à informação relevante.
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PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO
O princípio da ponderação revela uma metodologia de decisão, do qual resulta que,
quando a Administraçao está a lidar com interesses pretensivos e opositivos em
contexto de escassez de recursos, tem de recorrer à ponderação. Daqui se retira a
Administração como uma Administração de balanceamento e de ponderação de bens,
interesses ou valores.
Este princípio funda-se na natureza compromissória da nossa Constituição, assim como
nas normas de Direito da União Europeia – existência de um Direito Administrativo
multinível. A sua existência implica a geração de leis ou regulamentos dos quais
constem normas de habilitação e de critério de decisão administrativa. Sendo a
Administração aquela que primeiro recebe as pretensões dos cidadãos, exige-se
ponderação para que se possam respeitar todos os direitos e interesses dos cidadãos.
A ponderação também está relacionada com o princípio da juridicidade e da protecção
da confiança, havendo até quem fale em “princípio da justa ponderação”. Recusar,
omitir ou fazer uma indevida ponderação10 resulta sempre num erro de direito ou
numa violação intencional da legalidade. Ainda que isto se verifique ao nível da fase
instrutória do procedimento, a verdade é que esse é hoje o momento nuclear do
procedimento.
A jurisprudência do STA reconhece a existência de um princípio de ponderação dos
elementos relevantes para a decisão, cuja violação leva à invalidade da decisão
administrativa.
No CPA, são exemplos de artigos nos quais houve uma clara ponderação os arts 163º,
nº 5 e 162º, nº 3.
PRINCÍPIO DA ATENDIBILIDADE DA SITUAÇÃO FACTUAL
A factualidade ajuda sempre a interpretar e aplicar as normas jurídicas, pelo que todo
o agir administrativo assenta numa determinada factualidade. Essa factualidade tem
de ser tomada em consideração, daí resultando a existência do princípio da
atendibilidade da situação factual.
A factualidade serve de fundamento, de parâmetro e de limite decisório da
Administração Pública – os factos, sob pena de invalidade da decisão, condicionam
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Uma indevida ponderação verifica-se sempre que haja uma errada identificação das realidades em
choque e sempre que o resultado final seja desajustado da ponderação feita, sendo isso calculável à luz
do princípio da proporcionalidade.
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dos trabalhadores, das catástrofes naturais, etc. Fala-se num princípio geral de
precaução no Direito Administrativo, do qual resulta que “sempre que existam riscos
potenciais ou efeitos passíveis de lesar interesses da colectividade, a Administração
Pública encontra-se adstrita a adoptar as medidas apropriadas ou adequadas a evitar
ou minorar os seus possíveis efeitos”.
A precaução implica sempre uma ponderação decisória, vinculando a Administração a
proteger os interesses gerais da colectividade e a prevenir os riscos. Este princípio está
expressamente consagrado no Direito da União Europeia, essencialmente nos
domínios da saúde pública e do ambiente. Funda-se ainda nos princípios
constitucionais de bem-estar e de segurança, bem como no direito fundamental à
segurança. Estas medidas preventivas podem alicerçar-se numa mera incerteza, não se
exigindo que sejam inteiramente evidentes as situações de potencial risco e os seus
efeitos danosos. Apesar de estarmos muitas vezes perante casos de incerteza científica
e técnica face aos riscos em causa, a verdade é que tal não justifica a inércia
administrativa. Destaca-se, nestas situações, a relevância do princípio da
proporcionalidade.
PRINCÍPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO MATERIAL
A boa administração, na sua vertente material, exige que o conteúdo das decisões
administrativas não se baste com uma mera prossecução do interesse público, antes
se exige que esta seja eficiente e dotada de economicidade.
A boa administração pressupõe um relacionamento entre os objectivos fixados, os
meios usados e os resultados esperados – com o recorrer a um juízo a priori – e, numa
fase seguinte, uma relação entre os objectivos iniciais, os meios usados e os resultados
obtidos, agora com o recorrer a um juízo a posteriori. A aferição do mérito é feita com
recurso ao princípio da proporcionalidade, sendo que a boa administração torna o
problema do demérito num problema de legalidade. Casos que envolvem demérito são
passíveis de controlo judicial, tendo os tribunais consigo as fronteiras entre um agir
desproporcional e um agir inconveniente. Esse controlo judicial não é, ainda assim,
ilimitado – este não se pode impor à esfera de decisão reservada à Administração
Pública.
PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
Este princípio comporta quatro dimensões essenciais:
o Proibição de condutas ofensivas dos bons costumes;
o Vinculação administrativa aos valores da honestidade e seriedade;
o Subordinação interpretativa e decisória a regras de bom senso, uma vez que
vigora a presunção de que a lei consagra as soluções mais acertadas;
o Sujeição dos titulares dos órgãos administrativos a padrões de ética de serviço
público, incluindo deveres de lealdade.
A violação da moralidade administrativa pode ter relevância criminal, sendo que se
materializa em situações de improbidade administrativa – situações nas quais há uma
conduta desonesta ou que atenta contra a seriedade. As condutas que violam a
materialidade administrativa são inválidas, sendo o funcionário em causa sujeito a
responsabilidade disciplinar.
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A e B são titulares de cargos. O regime de incompatibilidades determina que não podem nomear os
seus filhos. A nomeia o filho de B e B nomeia o filho de A
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desencadeada por uma pluralidade de factos relacionados por uma norma jurídica –
falamos em hipótese de facto.
O agir administrativo pode manifestar-se por acção ou por omissão sendo que, por
depender sempre da vontade administrativa, consubstancia um facto voluntário ou um
facto jurídico subjectivo. No entanto, a relevância da vontade depende sempre da sua
manifestação externa – uma vontade só releva se for exteriorizada, sendo o momento
dessa exteriorização o “momento da verdade”. A vontade da Administração Pública
pode ser exteriorizada por via de actos simples – exterioriza-se a vontade de uma única
estrutura decisória – ou por via de actos complexos – há participação de diferentes
titulares do poder decisório. Nestes, esses titulares podem estar numa situação de
igualdade ou de desigualdade. Os actos simples, por sua vez, podem ser a expressão de
uma vontade singular ou de uma pluralidade de titulares, como é o caso dos órgãos
colegiais.
Quanto à eficácia dos actos emanados pela Administração, esta pode ser inter partes
(eficácia subjectiva individual) ou erga omnes (eficácia perante uma pluralidade
indeterminável de pessoas). Nem sempre a vontade administrativa é suficiente para
alterar ou modificar a realidade: esta modificação pode carecer da intervenção dos
cidadãos, pode exigir que a Administração recorra aos tribunais e pode ainda exigir
actuações físicas ou materiais que implementem essa vontade.
Note-se que o acto administrativo não esgota as formas que podem existir para a
conduta administrativa, e que a mesma pode ser exercida sem carácter jurídico. Para
além disso, o Direito Administrativo não detém o monopólio da regulação do agir
administrativo – este também pode ser regulado pelo Direito Privado. A própria inércia
administrativa é passível de assumir significado jurídico e relevância procedimental.
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reserva de lei e que nunca tenha sido objecto de intervenção legislativa (“sectores
esquecidos”) pode escolher entre emanar um decreto-lei ou um regulamento. Nas
Regiões Autónomas, a lei pode habilitar a existência de normas de regulamentos sob
forma legislativa.
Todos os regulamentos têm por base um acto legislativo, possuindo perante esse maior
ou menor autonomia. Podemos, assim, distinguir entre regulamentos de execução –
que completam ou detalham a lei – e regulamentos independentes – habilitados pelo
art 199º, al g) CRP. Os regulamentos podem ter por base directamente a Constituição,
convenções internacionais ou actos de Direito da União Europeia, outros
regulamentos (verificando-se aí um exercício de segundo grau de poder regulamentar)
ou ainda a decisão do tribunal, que exija a regulamentação de determinada matéria.
A maioria dos regulamentos tem natureza injuntiva ou supletiva. No entanto, por força
de um fenómeno de soft law, podemos ter regulamentos que apenas apresentam um
conteúdo orientador de conduta – falamos de directivas, recomendações, instruções,
códigos de conduta ou guias de boas práticas. Podemos ainda, em sentido contrário,
falar dos chamados contractos normativos – normas regulamentares de base bilateral.
Os efeitos dos regulamentos podem produzir-se directamente na esfera jurídica dos
seus destinatários, sendo passíveis de impugnação judicial automática – regulamentos
de operatividade imediata – ou podem implicar um acto administrativo para que este
seja aplicável ao caso concreto – regulamentos de operatividade mediata. Neste
segundo caso, a impugnação judicial recai sobre os actos aplicativos desses
regulamentos, falando-se na invalidade do regulamento aplicado.
Os regulamentos podem esgotar os seus efeitos dentro das fronteiras da
Administração Pública, falando-se de regulamentos internos ou podem, por contrário,
ter aplicabilidade para lá das fronteiras da Administração – regulamentos externos.
Todas as entidades podem emanar regulamentos internos, não implicando isso norma
legislativa habilitante. Apesar disso, também estes, à semelhança dos regulamentos
externos, estão subordinados ao Direito e, produzindo efeitos vinculativos, são
compostos por normas jurídicas.
REGIME JURÍDICO
O CPA de 2015 abriu uma desprocedimentalização da actividade regulamentar interna,
ao ditar que, para efeitos do Código, regulamentos apenas equivalem a regulamentos
externos (art 135º CPA). Deu-se, em relação ao anterior CPA, um retrocesso na
implementação da exigência constitucional de que seja regulada a actividade
administrativa. Na óptica do Professor Paulo Otero, esta restrição do conceito é
inválida, deixando dúvidas relativas ao regime aplicável aos regulamentos internos.
Poderia dizer-se que o regime dos regulamentos internos é o que estava previsto no
CPA de 1991. No entanto tal não é uma boa solução: tal pressuporia uma intervenção
judicial que declarasse a inconstitucionalidade do CPA de 2015 com força obrigatória
geral e, para além disso, não se pode admitir que as estrutura administrativas procedam
à declaração ou desaplicação dessa inconstitucionalidade. A solução deve assim passar
pela aplicação analógica do regime que o CPA de 2015 manda aplicar aos regulamentos
externos, ainda que com as devidas adaptações. É assim integrada a lacuna existente.
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ACTO ADMINISTRATIVO
Os actos administrativos, de origem francesa, representam decisões administrativas
para um caso concreto, com destinatários determinados ou determináveis. Os
pressupostos a verificar para que se fale em acto administrativo diferem no entender
de Lisboa e de Coimbra:
LISBOA, seguindo a perspectiva do Professor Freitas do Amaral:
Acto jurídico unilateral, proveniente de estruturas que exercem poderes
administrativos, que procura definir o direito aplicável a uma situação individual
e concreta (não tendo assim natureza normativa), e cujos efeitos se produzem
independentemente do assentimento dos destinatários.
COIMBRA, seguindo a perspectiva do Professor Rogério Soares:
Estatuição autoritária – dotada de conteúdo decisório – emanada por um agente
da Adminsitração no âmbito de poderes de Direito Administrativo e que produz
efeitos externos
O CPA de 1991 consagrava uma noção de acto administrativo que se aproximava em
muito da definição de Lisboa. O CPA de 2015, por contrário, aproxima-se mais da noção
de Coimbra. Não obstante, a noção hoje presente no CPA pode ser objecto de críticas:
o Nem todos os actos administrativos comportam decisões, podendo existir actos
administrativos meramente instrumentais;
o Fica por saber se o conceito de acto administrativo engloba as decisões
meramente confirmatórias, uma vez que nestas, em bom rigor, nada se decide;
o Nem todos os actos administrativos comportam a produção de efeitos externos,
sendo que o próprio CPA regula alguns actos internos, como a delegação de
poderes e os pareceres;
o Esta está, nos dias de hoje, ultrapassada.
Tendo tudo isto em conta, podemos definir um acto administrativo como um acto
jurídico unilateral, proveniente de estruturas exercendo poderes administrativos e que
procura definir (directa ou instrumentalmente) o Direito aplicável a uma situação
individual e concreta, visando produzir efeitos sem necessidade de assentimento dos
destinatários.
o Acto jurídico unilateral – porque não depende de qualquer outra vontade, salvo
a do seu autor;
o Proveniente de estruturas que exercem poderes administrativos – falamos
então de órgãos da Administração, de estruturas decisórias públicas que, não
integrando a AP, praticam actos em matéria administrativa, regulados pelo
Direito Administrativo e de entidades privadas que exercem funções
administrativas.
o Procura definir (directa ou instrumentalmente) o Direito aplicável a uma
situação individual e concreta
o Visa produzir efeitos sem necessidade de assentimento dos destinatários – é
uma estatuição autoritária, vinculando os seus destinatários.
FIGURAS CONTROVERTIDAS
o Actos colectivos – destinam-se a um órgão colegial
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O facto de estes actos não terem imperatividade, faz com que a Administração apareça
numa situação de igualdade perante os particulares. Esta igualdade vai de encontro ao
espírito do Direito Privado, do qual resulta a igualdade de todos perante a lei. Não são
tidas como meras declarações negociais as formas de exteriorização do exercício de
direitos potestativos de exercício judicial – esta competência é de natureza não
potestativa, dado que as alterações a introduzir na ordem jurídica não dependem de
simples intervenções administrativas, mas exigem, na falta de acordo, intervenção
judicial.
Podemos, assim, definir uma mera declaração negocial como um acto jurídico
unilateral externo que, produzido por estruturas decisórias no exercício de poderes
administrativos, expressa uma determinada posição jurídica face a uma situação
concreta e que, sem a concordância do seu destinatário, ou de intervenção jurídica
habilitante, não goza de força obrigatória ou efeitos vinculativos.
Estas declarações podem ser o resultado dos chamados comportamentos factuais
concludentes.
CONTRACTOS ADMINISTRATIVOS
Nem sempre o agir administrativo assenta numa estrutura unilateral – por vezes,
verifica-se um acordo entre duas ou mais vontades, do qual resulta um contracto
administrativo. É desde logo necessário referir que nem todos os contractos da
Administração Pública são contractos administrativos – a Administração Pública
também se serve de contractos de âmbito Privado. Falamos de um vínculo jurídico
plurilateral envolvendo um contraente público e regulado por um regime substantivo
de Direito Público.
o Vínculo plurilateral – exige-se a presença de, no mínimo, duas partes;
o Envolver um contraente público – exige-se a presença de um órgão de uma
entidade administrativa, de uma estrutura decisória pública exercendo poderes
administrativos ou de uma entidade privada exercendo funções públicas ou
sujeitas a uma influência pública dominante.
o Sujeito a um regime substantivo de Direito Público – para que seja classificado
como administrativo, o contracto tem de ser regulado por via do Direito Público
(excluindo-se assim, qualquer contracto com regulação principal pelo Direito
Privado).
PRINCIPAIS ESPÉCIES
Quanto aos sujeitos intervenientes
o Contractos administrativos típicos – vigoram entre uma certa entidade pública
e um ou mais privados;
o Contractos interadministrativos – existem apenas entre entidades públicas (p.e.
contractos de delegação de competência)
Quanto ao objecto
o Contractos de atribuição – a prestação dominante compete à entidade pública;
o Contractos de colaboração – a prestação dominante compete ao particular;
o Contractos de cooperação – envolvem duas ou mais entidades públicas (ou
sujeitas a influência dominante pública), através dos quais se disciplinam
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OPERAÇÕES MATERIAIS
Nestas, pretende-se a transformação da realidade fáctica. Uma vez que a actividade
administrativa exige a sua materialização física, é necessária a verificação destas
operações materiais, nas quais não se pretende a criação de uma situação jurídica, mas
sim a mera materialização da decisão. Estas operações envolvem um evento físico,
implicando um agir prático – aqui reside o fim do processo de evolução do Direito.
Falamos, p.e., em lecionar uma aula numa escola pública, ou efectuar uma intervenção
cirúrgica.
Estas operações materiais são condutas voluntárias, nas quais reside sempre a
exigência de o seu autor querer ou entender a conduta que leva a cabo. Apesar de não
serem actuações jurídicas, estas podem ter efeitos jurídicos, podendo as mesmas
resultar de comportamentos concludentes. Sendo voluntárias, é sempre necessária
norma habilitante e estas nunca podem implicar condutas atentórias da juridicidade –
exige-se o respeito pelos direitos fundamentais e pelos princípios presentes no art
266º CRP. Também aqui se podem verificar as mais graves violações dos direitos
fundamentais (p.e. genocídio). As operações materiais que envolvem direitos
fundamentais devem estar sujeitas ao princípio da precedência de lei.
Quanto à tipologia, podemos desde logo distinguir entre:
o Operações materiais com relevância constitucional – aquelas que implementam
normas constitucionais
o Operações materiais sem relevância constitucional.
Temos ainda, quanto as suas relações face aos actos jurídicos:
o Operações materiais preparatórias de uma decisão
o Operações materiais cujo fim é a execução de uma obrigação
• Execução de uma obrigação directa da Adminsitração;
• Execução forçada pela Administração de uma obrigação inexecutada pelo
administrado
o Operações materiais destinadas à modificação de um estado de facto através de
um meio de trabalho (p.e. construção de uma estrada)
Agora quanto à eficácia dos efeitos destas operações, podemos distinguir:
o Operações materiais internas
o Operações materiais externas
De acordo com a duração temporal da sua execução, temos:
o Operações materiais instantâneas;
o Operações materiais continuadas.
Elas podem ainda ser:
o Tituladas
o Não tituladas
Quanto ao regime jurídico aplicável, estas operações materiais estão sujeitas aos
princípios fundamentais da actividade administrativa e às normas do CPA (art 2º, nº
3). Pode, porém, haver diferenças por via de umas serem regidas pelo Direito Privado
e outras pelo Direito Público.
É controversa a autoria das operações materiais em cenários de via de facto, por
questões de imputabilidade de efeitos à entidade pública em causa. Conclui-se que os
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actos que não sejam imputáveis à entidade pública assumem o estatuto de actos
privados praticados pelo titular ou agente da estrutura administrativa.
ACTUAÇÃO INFORMAL
Falamos de uma actuação flexível de base consensual e consertada, em relação à
Administração Pública e aos destinatários. Esta actuação dita informal desenvolve-se
sem recurso à via autoritária, fazendo-se por via de negociação e persuasão. Podemos,
no limite, falar de um princípio da subsidiariedade da autoridade pública, sendo em
regra verificável a presença desta Administração dita informal. O que temos é, no
fundo, o desenvolvimento de um Direito Administrativo marginal, debilitadamente
subordinado à juridicidade. A trave mestra desta Administração informal é a
participação dos interessados, essencial para um regime que se quer de concertação:
pretende-se ultrapassar obstáculos, integrar lacunas e promover o acordo entre a
Adminsitração e os destinatários das suas decisões.
Como exemplo paradigmático desta actuação informal temos os gentlemen’s
agreements vinculados à prossecução do interesse público. A estes juntam-se as
recomendações, os conselhos, as advertências e as informações. a actuação
administrativa informal pode ser unilateral – falamos da vontade administrativa em
exclusivo – ou plurilateral – destacando-se os acordos ou convénios.
Quanto ao regime, tendo desde logo de se falar de uma vinculação debilitada ao
Direito, destaca-se ainda assim o art 2º, nº 3 CPA. Na perspectiva do Professor Paulo
Otero, a elaboração de um acto fora do mundo jurídico carece sempre de norma
habilitante, daí fazendo sentido a subordinação ao artigo supracitado. Também da
actividade administrativa informal se pode fazer resultar responsabilidade pela tutela
da confiança. Esta subordinação à juridicidade é também feita por via do art 266º CRP,
sendo este postulado constitucional indisponível. Se é verdade que estes espaços de
informalidade administrativa não podem ser ilimitados, também é verdade que a lei
não pode eliminar ou suprimir todos os espaços de informalidade administrativa –
pode falar-se de uma reserva natural de actuação informal a favor da Administração
Pública.
O regime da actividade informal da Administração envolve quatro ideias centrais:
o A informalidade não determina a ilegalidade do agir;
o O agir informal nunca pode servir para contornar a lei, diminuindo direitos ou
interesses de terceiros ou violando a igualdade de tratamento;
o A actuação informal da Adminsitração não pode violar as normas de
competência;
o A consequência dessa violação pode passar por abertura de um controlo
contencioso.
Destaque-se, também aqui, que uma actividade informal contra legem que não tenha
sido alvo de qualquer sancionamento pode consolidar-se na ordem jurídica. Assim, as
figuras da suppressio e da surrectio são aqui de relevância extrema.
ACTUAÇÃO POLÍTICA
Estamos a falar de uma actuação administrativa que conduz ou pressupõe a prática de
actos políticos, gerando efeitos políticos no domínio administrativo. Temos o exemplo
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do Reitor que, quando é eleito, tem um programa – esse programa é uma componente
política.
Esta actuação está sempre, como seria de esperar, vinculada à juridicidade e à
prossecução do interesse público. Fora desta actuação política administrativa ficam
todos os actos políticos que são alheios ao exercício directo ou imediato da função
administrativa (p.e decisão de se candidatar a vereador ou a reitor). Estes são, então,
actos privados com relevância político-administrativa.
Estes actos políticos podem ser actos unilaterais (p.e. resolução do Conselho de
Ministros) ou plurilaterais (p.e. a celebração de um pacto político). Podem, ainda, ser
actos que não levam à produção de efeitos jurídicos (p.e. a apresentação do programa
do Reitor) ou, por contrário, actos que levem à produção desses efeitos (p.e.
negociação e celebração de um acordo internacional).
Quanto ao regime, esta actuação política está sempre vinculada à Constituição, desde
logo por via dos arts 18º, 111º e 266º CRP. Está também vinculada às normas do CPA
(art 2º, nº 3) e, possivelmente, a outros actos normativos. Estes actos podem, a título
excepcional, ser passíveis de controlo judicial.
§ 12 – Inactividade administrativa
A conduta administrativa pode também traduzir-se numa conduta omissiva – a
Administração Pública adopta uma postura de inactividade, inexecutando a lei. A ideia
de inércia administrativa remonta à Magna Carta (1215), sendo se desenvolveu depois
no Direito francês a inércia propositada por parte da Adminsitração, dado que assim era
impossível ao particular recorrer ao tribunal. Em Portugal, a relevância jurídica do
silêncio da lei começou por assumir uma dimensão contenciosa, falando-se hoje
também numa violação do direito a uma resposta (enquanto imperativo
constitucional).
A inércia administrativa é sinal de uma má administração, pois que demonstra
negligência perante a satisfação do interesse público e as posições jurídicas dos
cidadãos. Falar em omissão administrativa significa falar na ausência de qualquer acção
ou decisão expressa ou implícita, numa actividade que ultrapassa o prazo legal
estipulado e se traduz assim no não exercício de uma competência devida.
Quanto ao objecto, a inércia pode ser:
o Inércia jurídica ou declarativa – omissão de uma declaração jurídica;
• Inércia de base pretensiva – tem origem numa pretensão feita por
particular, à qual não se obteve resposta;
• Inércia sem base pretensiva – não está em causa qualquer intervenção
pretensiva de cidadãos.
o Inércia fáctica ou material – omissão de uma conduta física.
• Omissão de autotutela executiva
• Inexecução de sentença judicial
• Inactividade prestacional administrativa ou paralisia dos serviços
públicos
A nível intra-administrativo, podemos ter:
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Situação de conduta ilegal reforçada ou de duplo grau – há uma inércia ilegal que incide sobre uma
acção também ela ilegal.
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Excepcionam-se as situações já analisadas no semestre passado
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§ 14 – Vontade
Toda a actuação administrativa pressupõe a formação e declaração de uma vontade
proveniente de determinada estrutura. Essa vontade é imputável a determinada
pessoa colectiva, sendo que a mesma resulta de um procedimento – o procedimento
de formação e declaração da vontade. Esta vontade será a vontade procedimental. Em
Direito Administrativo, a vontade é vista como o impulso psicológico do agir, daqui se
retirando a intenção que está na base da actuação administrativa. A vontade só se
torna relevante quando é exteriorizada, pelo que a declaração é um momento essencial
para a determinação da vontade.
Quanto à formação dessa vontade, esta resulta da actividade dos órgãos de uma
determinada pessoa colectiva. Estes, por sua vez, são constituídos por pessoas físicas,
sem as quais não se verifica o gerar de qualquer vontade. Podemos, então, retirar daqui
um fenómeno de dupla imputação – a vontade do titular do órgão é imputada ao órgão
propriamente dito, cuja vontade é imputada à pessoa colectiva que constitui. Assim, se
há qualquer vicissitude que afecte a vontade dos titulares do órgão, também a
vontade da respectiva pessoa colectiva ficará viciada. Aqui releva, assim, a licitude da
vontade. Exige-se, assim, que:
o O titular do órgão não se encontre privado de discernimento;
o Haja liberdade e esclarecimento na gestação da vontade;
o Sejam válidas as motivações subjacentes a essa formação;
o A vontade real seja igual à vontade declarada.
A actuação administrativa não se confunde com a actuação do titular do órgão
enquanto privado, sendo a distinção entre ambas importante em sede de
responsabilidade civil. Se houver dúvidas quanto a essas vontades, tem o funcionário
o dever de as esclarecer.
Podemos dizer que “a vontade tem uma centralidade a duas velocidades”: esta é mais
relevante em zonas de discricionariedade do que em zonas de vinculação – estas
segundas são as chamadas zonas de vontade dirigida pela lei. Mesmo nestas zonas de
vinculação, exige-se uma vontade administrativa, sob pena de ser inválida a actuação
da Administração. Assim, conclui-se que mesmo nas zonas de vinculação pode a
coacção gerar a invalidade da conduta – art 161º, nº 2, al f) CPA.
Por ser tão relevante, a vontade administrativa pode sofrer com questões de vícios na
formação da vontade, de ilicitude ou desvio da motivação face aos fins da competência
em concreto e, ainda, com questões de divergência entre a vontade real e a vontade
declarada. Pode haver situações em que a validade jurídica da formação e expressão da
vontade depende da intervenção dos cidadãos: podemos ter casos em que a
intervenção dos particulares funciona como pressuposto de facto e, ainda, casos em que
os próprios particulares gerar erro ou coacção sobre a vontade. Nestes segundos casos,
esse particular não poderá depois invocar a ilicitude da vontade como fundamento da
invalidade do agir administrativo, sob pena de abuso de direito.
Note-se que há, hoje em dia, um imperativo constitucional de fundamentação expressa
das decisões administrativas lesivas de posições jurídicas subjectivas, sendo esta uma
evidência da relevância da formação da vontade psicológica do decisor. A falta de
fundamentação pode levar a que essa vontade seja apreciada.
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A vontade administrativa pode ter vários graus de força jurídica, não havendo aqui
qualquer princípio de paridade (como há no domínio privado). A mesma obedece, sim,
ao princípio da competência – apenas é válido o que é permitido por lei – mas mesmo
as zonas de vinculação não deixam de ser zonas onde se exige vontade administrativa.
São, sim, espaços de vontade administrativa parametrizada pela lei: apenas em
situações de ilegalidade se pode dizer que a vontade administrativa goza de liberdade,
mas essas são sempre liberdades contrárias à juridicidade e, assim, falsas liberdades.
Quanto à força da vontade expressa pelos órgãos administrativos, esta varia: há órgãos
cuja vontade é dotada de uma clara supremacia, exigindo-se que as vontades ditas
inferiores se coadunem com elas (p.e situações de hierarquia, superintendência e
tutela). Há vontades administrativas que ditam a perda de competência por parte de
outros órgãos, sendo inválido qualquer agir que deles venha depois disso (p.e. quando
o delegante actua, o delegado não deve actuar). Há ainda vontades administrativas de
força jurídica reforçada, que acabam por conseguir ditar a vinculação da Administração
Pública, tal como há vontades administrativas supletivas perante outros órgãos (p.e. a
vontade do subalterno perante a do superior hierárquico).
Pode acontecer que a vontade declarada pelo órgão decisor não corresponda à
vontade real do titular do órgão.
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Para ser relevante, tem de provir de uma ameaça ilícita e, condicionando o conteúdo da decisão
administrativa, leva a nulidade.
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Pressupõe que exista uma margem de liberdade daquele que é vítima de coacção, sob pena de inexistir
qualquer vontade. A ameaça que se traduza no exercício normal de um direito não é relevante neste
contexto.
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O Professor Paulo Otero defende que o erro é autónomo, gerando invalidade só por si,
independentemente da invalidade por violação da lei.
Em Direito Administrativo, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada
faz com que prevaleça a vontade declarada.
§ 15 – Causa
Podemos dizer que a causa é um nexo que se estabelece entre uma conduta
administrativa e duas realidades que funcionam como pressupostos:
o Realidade objectiva – determinada situação de facto ou de direito que funciona
como pressuposto objectivo da conduta administrativa;
o Realidade subjectiva – razões de ser que determinaram o sentido da vontade
psicológica do titular do órgão. São os motivos.
A grande diferença entre estes pressupostos objectivos e subjectivos reside no facto
de os pressupostos objectivos serem sempre passíveis de controlo, dada a sua
objectividade, ao passo que os pressupostos subjectivos apenas são controláveis com
base nos fins legais fixados para o exercício dos poderes em causa. Toda a conduta
administrativa envolve a análise de certas questões:
o São os pressupostos ou motivos adequados?
o Existem e são válidos os motivos esses pressupostos e motivos?
o Qual é o animus do decisor?
o Em que medida os motivos da conduta se relacionam com o fim da competência?
PRESSUPOSTOS OBJECTIVOS
Cabe saber:
o Existem esses pressupostos?
o Se sim, são válidos?
o Têm estes a configuração mental que o decisor lhes deu?
o São eles idóneos para alcançar a conduta visada?
o Essa conduta é conforme aos pressupostos?
Os pressupostos objectivos que servem de causa do agir administrativo podem ser
pressupostos de direito ou pressupostos de facto, não estando isso enquadrado no
âmbito da discricionariedade.
Os pressupostos de direito são situações de direito que, identificadas em normas ou
demais actos jurídicos, habilitam determinada conduta administrativa. Estes servem
de base legal do agir administrativo e a sua operatividade faz-se sempre tendo como
referência um quadro factual. Os pressupostos de direito podem assentar em normas
jurídicas ou, em sentido diferente, resultar da aplicação de normas que determinam a
realização prévia de operações de avaliação. É exemplo de um pressuposto de direito
o caso em que a lei define que só se pode candidatar a Professor quem for doutor há
mais de cinco anos.
Os pressupostos objectivos devem obedecer a requisitos de validade e de eficácia:
estes têm de corresponder a situações alicerçadas num título jurídico habilitante. Se
este existir, o mesmo tem de ser válido. Se tudo isso se verificar, então exige-se ainda
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§ 16 – Objecto
Toda a actividade administrativa tem um objecto imediato – os efeitos jurídicos aos
quais a conduta se destina – e um objecto mediato – o quid ou a realidade sobre a qual
incidem esses efeitos.
Em sede de objecto imediato, os efeitos do agir administrativo podem assumir duas
naturezas: introdução de alterações ou inovações na ordem jurídica (efeitos
constitutivos) ou efeitos que não comportam qualquer alteração na ordem jurídica
(efeitos declarativos). Já em sede de objecto mediato, a acção administrativa pode
incidir sobre coisas, prestações ou pessoas. O grau de determinação por lei dos efeitos
resultantes do agir administrativo é variável, consoante estejamos perante zonas de
vinculação ou áreas de autonomia pública. Nestas áreas de autonomia, verifica-se uma
certa discricionariedade: a Administração pode decidir, se tal for o caso, entre agir ou
não agir e pode, agindo, escolher a forma de actuação administrativa a adoptar.
O conteúdo do agir administrativo pode ser dotado de elementos essenciais – ditos
injuntivos – e de elementos voluntários, que são vistos como elementos acessórios ou
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acidentais. Estes últimos podem estar relacionados com interesses titulados pelos
administrados ou resultar de interesses protagonizados pela Administração Pública.
Visto que as cláusulas acessórias nunca podem contrariar normas imperativas, a estas
impõem-se alguns limites:
o O seu conteúdo deve ser conforme à lei;
o Têm de ser adequadas ao fim da actuação em que se inserem;
o Devem possuir uma relação directa com o conteúdo principal do acto;
o Devem conformar-se com o princípio da proporcionalidade e todos os demais
princípios gerais do agir administrativo.
REQUISITOS DE VALIDADE
Para que seja válido, o objecto do agir administrativo obedece a três requisitos:
possibilidade, determinabilidade e legalidade. A não verificação de um destes três
requisitos leva à invalidade da acção administrativa por violação de lei quanto ao
objecto.
o Possibilidade - representa a viabilidade física ou factual do objecto. Podemos
falar de possibilidade de facto – relativa ao substracto pessoal ou material da
decisão administrativa – ou de possibilidade jurídica – relacionada com a
viabilidade jurídica ou legal da prestação. Note-se que nesta segunda não se
enquadra a contrariedade à lei. A impossibilidade pode ser objectiva – se dotada
de natureza absoluta, atingindo qualquer pessoa – ou subjectiva – se apenas
disser respeito a certas pessoas. Pode ainda ser originária ou superveniente,
sendo que esta, em regra, só produz efeitos para o futuro.
o Determinabilidade – é exigido que haja clareza e inteligibilidade. A
indeterminabilidade pode dizer respeito ao objecto mediato ou imediato, sendo
que se pode materializar na falta de clareza na identificação dos elementos
essenciais de uma determinada actuação, na falta de coerência declarativa e,
ainda, na remissão para soluções sem teor perceptível.
o Legalidade – exige-se que o agir administrativo seja conforme à juridicidade.
Exige-se respeito pela legalidade imediata (respeito pela normatividade jurídica)
e, ainda, respeito pela legalidade mediata (respeito pelas normas extrajurídicas
que são acolhidas e dotadas imperatividade pelo sistema jurídico). Note-se que,
se estivermos perante normas supletivas, a Administração pode afastá-las sem
que se fale em ilegalidade. Aqui se inclui também o objecto contra os bons
costumes ou à ordem pública.
PRODUÇÃO DE EFEITOS
Podemos desde logo falar de efeitos:
o Permissivos – habilitam uma conduta;
o Imperativos – há a imposição de uma conduta;
o Propulsores – há o simples desencadear de uma conduta;
o Declarativos – a Administração Pública limita-se a verificar factos.
Podemos, noutro contexto, falar de efeitos positivos – agir administrativo que introduz
alterações na ordem jurídica – e efeitos negativos – resultantes de um agir que não traz
quaisquer alterações. Distinguem-se também os efeitos de execução continuada e os
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legislador – por imposição judicial – por intervenção do tribunal – ou, ainda, por
iniciativa da própria Administração Pública.
Toda a actividade administrativa pode ser objecto de modificação com base na
alteração das circunstâncias. A modificação do objecto de um contracto, fora das regras
de distribuição do risco e por iniciativa da Administração, pode gerar um dever de
retomar o equilíbrio prestacional a nível financeiro.
CESSAÇÃO DE EFEITOS
A mesma pode ocorrer por vontade da Adminsitração, por intervenção do legislador,
por mecanismos institucional e, ainda, por decisão judicial. Esta pode ocorrer
automaticamente ou decorrer de um acto específico para o efeito, podendo também
ser total ou parcial. A intervenção administrativa neste sentido pode resultar da
concretização de uma nova solução ou, ao invés, revelar uma preocupação de respeito
pela legalidade.
§ 17 – Formalidades e forma
Todo o agir administrativo obedece a determinadas formalidades e tem uma
determinada forma.
FORMALIDADES
As formalidades podem ser anteriores à decisão, contemporâneas com a decisão ou,
ainda, posteriores à decisão. Do princípio do paralelismo das formalidades resulta que
a cessação administrativa de certas condutas obedece às formalidades legalmente
exigidas para a prática do acto inicial. As formalidades podem ser essenciais, se forem
legalmente tidas como indispensáveis, ou não essenciais, se forem dispensadas ou a sua
falta apenas gerar uma mera irregularidade. Já o incumprimento das formalidades pode
ser suprível, se puder ser corrigido, ou insuprível, se não for possível essa correcção. As
formalidades existem por dependência do objectivo ou propósito da actuação – através
destas, garante-se um procedimento equitativo e adequado.
Há sempre que ter em conta o princípio da interdição do formalismo excessivo – exige-
se a verificação de um princípio de necessidade das formalidades. O respeito por este
faz com que as formalidades tenham uma função integrativa – as formalidades têm
sempre razão de ser. Poderá sempre acontecer que a preterição das formalidades
legalmente previstas seja justificada. Tal verifica-se, por exemplo, em casos de estado
de necessidade administrativa. A falta de respeito pelas formalidades nem sempre gera
vício de forma, não só por situações como a agora referida, mas também por situações
nas quais as formalidades são de tal forma essenciais que a sua violação gera violação
da lei – há um vício de natureza substantiva.
Uma das principais manifestações das formalidades é a audiência dos interessados.
Esta é essencial, por exemplo, em caso de decisões sancionatórias que privem a
propriedade privada ou que lesem a liberdade de certos sujeitos. A falta desta leva à
nulidade da decisão.
Também a fundamentação é essencial. Os requisitos da mesma estão presentes no art
153º CPA – exige-se que seja clara, lógica e suficiente, sob pena de se falar de falta de
fundamentação. A fundamentação é um dever da Administração Pública e uma
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O Professor Paulo Otero diz concluir que são casos de irregularidade aqueles em que
foram afectados elementos não essenciais do agir administrativo. Assim, quando há
problemas com os elementos essenciais, falamos em invalidade. A irregularidade
administrativa pode incidir sobre a forma ou o procedimento – irregularidade formal –
ou, em contrário, sobre o conteúdo – irregularidade material. Exige-se, no segundo caso
e para que se possa falar de facto em simples irregularidade, que o problema não incida
sobre o núcleo duro do conteúdo da decisão.
A irregularidade pode resultar de casos em que a ordem jurídica afasta o efeito
anulatório, seja porque a decisão administrativa não poderia ter sido outra, porque o
fim visado pela norma foi atingido por outra via, porque mesmo sem o vício a decisão
teria sido de igual conteúdo ou, ainda, porque uma ponderação de interesses assim o
exige. Esta irregularidade pode também decorrer de um cenário de declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, no qual são
ressalvadas as condutas administrativas anteriores a essa decisão.
Fica a questão: quando a violação das normas não gera invalidade, determinando-se a
verificação de uma mera irregularidade, é exigido que seja o legislador a possibilitar
essa transformação de desvalor, ou pode ser o tribunal? A prática tem sido no sentido
de os tribunais chamarem a si esta faculdade, o que, na perspectiva do Professor Paulo
Otero, pode gerar dúvidas de conformidade constitucional. O Professor entende que
esta faculdade devia ser objecto de reserva de lei. No tocante à Adminstração Pública,
a maneira como foi redigido o art 163º, nº 5 CPA leva a crer que também ela pode
chamar a si a faculdade de negar o efeito anulatório a condutas administrativas
inválidas.
A transformação da invalidade em irregularidade faz com que deixe de ser possível
uma intervenção judicial anulatória da conduta: a norma em causa limita, portanto, a
tutela jurisdicional. O Professor refere este facto como um dos que joga a seu favor na
questão de reserva de lei para a criação de situações de irregularidade. Também a
Administração Pública deixa de poder anular as condutas irregulares.
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REGIME JURÍDICO
Apesar de inválidos, os actos anuláveis produzem efeitos como se fossem válidos, pelo
que se fala aqui de uma invalidade incompleta. Estes actos, diga-se, gozam de uma
presunção de validade – significa isto que, até serem anulados, estes actos são tidos
como válidos.
A conduta anulável, ao contrário das formas válidas de agir administrativo, pode ser
anulada pela Administração ou pelos tribunais. Essa anulação terá carácter
retroactivo, exigindo-se assim a reconstrução da situação actual que existiria se tal não
tivesse acontecido. O acto jurídico que anula essa conduta é um acto constitutivo, visto
que traz alterações à ordem jurídica. Note-se que é possível a modelação de efeitos de
condutas anuláveis. Pode dizer-se que a irregularidade funciona como travão à
anulabilidade – os arts 163º, nº 5 CPA, bem como os arts 283º, nº 4; 283º-A, nº2 e 3; e
285º, nº 1 CCP são a prova disso.
A anulação judicial, diferentemente da anulação administrativa, exige um impulso dos
interessados – é necessário que se verifique a impugnação da conduta administrativa
inválida. Importante é também a ideia de que a anulabilidade está sujeita a um prazo,
findo o qual deixa de se poder verificar a anulação. A partir desse momento, a conduta
tem-se como consolidada na ordem jurídica por decurso do tempo, sendo afastada a
hipótese de controlo judicial. Passa a existir uma presunção inilidível de legalidade,
deixando de ser possível uma impugnação judicial.
NULIDADE
A nulidade representa a intolerabilidade da ordem jurídica face a uma determinada
conduta inválida. Esta só existe nos casos previstos na lei, pelo que se exige que seja o
legislador a defini-la. Não é assim possível que sejam criadas novas situações de
nulidade, por exemplo, por via de regulamento ou de contracto – art 163º, nº 1 CPA. O
mesmo se passa com a definição do regime aplicável. São sempre razões de interesse
público as que levam a que o legislador escolha a nulidade como desvalor aplicável.
Há elencos de actos nulos: arts 283º, nº 1; 285º, nº 1; 284º, nº 2 e 3 CCP e, ainda, art
163º, nº 2 CPA. No âmbito do Direito Administrativo, a nulidade assume natureza
excepcional como desvalor de condutas contrárias à juridicidade. No entanto, não é
assim para tudo: em caso de regulamentos ou de actuação da Administração no âmbito
do Direito Privado (por via do art 294º CC), a nulidade é a regra.
REGIME JURÍDICO
As situações de nulidade determinam a ausência de produção de quaisquer efeitos
jurídicos – o acto nulo não tem força jurídica, tudo se passando como se nada tivesse
existido. Fala-se, aqui, de uma invalidade completa. Assim, as situações formadas ao
abrigo de actos nulos reconduzem-se a meros efeitos de facto. Os actos nulos, por não
produzirem efeitos, são insusceptíveis de anulação ou revogação. As condutas
administrativas nulas não geram então qualquer obrigação de acatamento junto dos
cidadãos ou das estruturas administrativas. Se se tomarem as situações nulas como
válidas, então será depois exigido que se reconstrua a situação actual hipotética,
deixando-a como ela seria se a conduta nula, que gerou efeitos, não se tivesse
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É de referir que esta é uma inovação trazida pelo CPA 2015 – o CPA de 1991 permitia a declaração de
nulidade por parte de qualquer órgão ou tribunal
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Se, p.e., a falta de promulgação pelo PR de um diploma leva à inexistência do mesmo, então a actuação
da Administração Pública com base nesse mesmo diploma terá, também ela, de ser inexistente.
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