1 Corintios 7 10 11 Divorcio Entre Crist
1 Corintios 7 10 11 Divorcio Entre Crist
1 Corintios 7 10 11 Divorcio Entre Crist
rEsumo
Este artigo apresenta diferentes posições sustentadas por cristãos com
relação ao divórcio. O autor interpreta 1 Coríntios 7.10-11 e defende, com base
nesse texto, a posição de que o cristão peca em caso de divórcio por motivo
outro que não o adultério e aprofunda o pecado caso se case com outra pessoa.
pAlAvrAs-chAvE
1 Coríntios 7.10-11; Casamento; Divórcio; Novo casamento.
introdução
O que um estudo sobre 1 Coríntios 7.10-11 faz em uma revista dedicada
a estudos sobre a igreja? Se você é líder na igreja, já deve ter sofrido com o
problema de um casal cristão que não consegue mais viver junto, mesmo sem
ter havido adultério, e se separa. Depois um dos dois começa a namorar e às
vezes até pede para o pastor celebrar o casamento e a igreja ceder o templo. O
que devemos fazer nessas situações? Aquele divórcio foi lícito? E este novo
casamento, é permitido pela Palavra de Deus ou é um ato pecaminoso?
O objetivo deste breve artigo é apresentar a opinião de alguns estudiosos
contemporâneos sobre o assunto e propor uma resposta bíblica introdutória à luz
de 1 Coríntios 7, visando refletir a justiça e a graça que há no evangelho de Cristo.1
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JOãO PAulO ThOMAz DE AquINO, 1 CORíNTIOS 7.10-11: DIvóRCIO ENTRE CRISTãOS?
1. rEvisão dE litErAturA
Em 1990, Wayne House editou o livro Divorce and Remarriage: Four
Christians Views em que quatro estudiosos defendem e debatem as seguintes
posições: “Divórcio, não, novo casamento, não” (J. Carl Laney), “Divórcio,
sim, novo casamento, não” (William A. Heth), “Divórcio e novo casamento por
adultério ou deserção” (Thomas R. Edgar) e “Divórcio e novo casamento sob
várias circunstâncias” (Larry Richards).2
O primeiro estudioso, J. Carl Laney, expõe brevemente Gn 2.24; Dt 24;
Ed 9; Ml 2; os ditos de Jesus sobre o assunto (Mt 19.1-12; Mc 10.1-12; Mt
5.31-32; Lc 16.18) e o ensino de Paulo, especialmente como aparece em 1Co-
ríntios 7, e chega à conclusão de que um novo casamento é sempre contrário
à vontade de Deus.3 Essa mesma posição é defendida por John Piper, que a
resume nos seguintes pontos:
2 HOUSE, H. Wayne (ed.). Divorce and Remarriage: Four Christian Views. Downers Grove:
Intervarsity, 1990.
3 LANEY, J. Carl. Divórcio, não, novo casamento, não. In: HOUSE, 1990, p. 13-54.
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essa visão, e há muitas formas de interpretar bem esse verso de modo a não
criar um conflito entre ele e o ensino mais amplo do Novo Testamento sobre o
fato de que o novo casamento depois de divórcio é proibido.4
4 PIPER, John. Divorce & Remarriage: A Position Paper. 1989. Disponível em: http://www.
desiringgod.org/articles/divorce-remarriage-a-position-paper. Acesso em: 21 jan. 2014.
5 PIPER, John. A Statement on Divorce & Remarriage in the Life of Bethlehem Baptist Church.
1989. Disponível em: http://www.desiringgod.org/articles/a-statement-on-divorce-remarriage-in-the-
life-of-bethlehem-baptist-church. Acesso em: 21 jan. 2014. Essa posição de Piper também é defendida
por PLEKKER, Robert J. Divórcio à luz da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2000.
6 EDGAR, Thomas R. Divorce & Remarriage for Adultery or Desertion. In: HOUSE, 1990,
p. 149-196; MURRAY, John. Divorce. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1974. ADAMS, Jay
E. Marriage, Divorce, and Remarriage in the Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1980. HODGE, A. A.
Confissão de Fé de Westminster comentada por A. A. Hodge. São Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 415:
“No caso de adultério depois do casamento, é lícito à parte inocente propor divórcio, e, depois de obter
o divórcio, casar com outrem, como se a parte infiel estivesse morta”.
7 HETH, William. Divórcio, sim, recasamento, não. In: HOUSE, 1990, p. 71-129. Ver também:
HETH, William; WENHAM, Gordon. Jesus and Divorce: The Problem with the Evangelical Consensus.
Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1984.
8 HETH, William A. Jesus on Divorce: How My Mind Has Changed. Southern Baptist Theologi-
cal Journal 06:1 (Spring 2002). Disponível em: http://www.sbts.edu/media/publications/sbjt/sbjt_2002
spring2.pdf. Acesso em: 21 jan. 2014.
9 RICHARDS, Larry. Divórcio e novo casamento sob diversas circunstâncias. In: HOUSE,
1990, p. 213-248.
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10 Quanto à posição dos pais da igreja sobre o assunto, ver: HETH; WENHAM, 1984, p. 19-44.
11 Aqui, consideramos adultério como sendo relações sexuais consumadas com outra pessoa
que não o cônjuge, bem como o espancamento, à luz de Malaquias 2.16, que equaliza divórcio com
violência doméstica.
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12 INSTONE-BREWER, David. 1 Corinthians 7 in the Light of the Jewish Greek and Aramaic
Marriage and Divorce Papyri. Tyndale Bulletin 52:2, 2001, p. 225-243.
13 INSTONE-BREWER, 2001, p. 225-243.
14 Pressupomos aqui a leitura de artigo anterior do mesmo autor, onde essas questões sexuais
e o dualismo dos coríntios são explicados, incluindo referências bibliográficas para aprofundamento.
AQUINO, João Paulo T. 1 Coríntios 6.12-20 e o estilo diatríbico. Fides Reformata, v. 15, n. 1 (2010),
p. 37-55. Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/1Corintios_Estilo
Diatribico.pdf. Acesso em: 23 jan. 2014.
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15 Tradução literal de 1Coríntios 7-10-11. Compare-a com a tradução da NVI: “Aos casados dou
este mandamento, não eu, mas o Senhor: Que a esposa não se separe do seu marido. 11 Mas, se o fizer,
que permaneça sem se casar ou, então, reconcilie-se com o seu marido. E o marido não se divorcie da
sua mulher”.
16 FEE, Gordon D. The First Epistle to the Corinthians. NICNT. Grand Rapids: Eerdmans, 1987,
p. 291.
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17 GARLAND, David E. 1Corinthians. BECNT. Grand Rapids: Baker, 2003, p. 280. Cf. ELLING-
WORTH, Paul; HATTON, Howard. A Handbook on Paul’s First Letter to the Corinthians. New York:
United Bible Societies, 1995, p. 150-151.
18 Contra FEE, 1987, p. 291.
19 Para uma exposição desses textos, ver MURRAY, 1974, p. 17-54.
20 GARLAND, 2003, p. 280-281. FEE, 1987, p. 290, nota de rodapé 2.
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pagã poderiam ser experimentadas de maneira crítica, como é o caso das artes,
festivais, língua e cultura em geral de outras nações.27
Em suma, devemos entender que o fato de Deus legislar sobre uma
situação não chancela tal situação como estando acorde com a vontade de
Deus. Também devemos compreender que, ao nos envolvermos com uma
situação contrária à lei de Deus, podemos em nossos atos subsequentes agir
de acordo com essa lei ou piorar nossa situação diante de Deus, aprofundando
o nosso pecado.
Aplicando esses conceitos de maneira específica ao nosso texto, temos
que o casamento monogâmico que dura até a morte de um dos cônjuges reflete
as vontades preceptiva e de prazer de Deus, seu mandamento desde a criação.
O divórcio, entretanto, para Jesus, aparece como uma lei casuística (em caso
de adultério e por causa da dureza do coração). Em nosso texto, entretanto,
Paulo parece deixar a razão do divórcio em aberto. Assim, ele não chancela o
divórcio, mas aponta o que fazer caso o pecado do divórcio tenha se consumado
em um casamento entre cristãos, o que nos leva ao próximo trecho do texto.
μενέτω ἄγαμος ἢ τῷ ἀνδρὶ καταλλαγήτω (esteja permanecendo sem ca-
samento ou com o marido se reconcilie) – o apóstolo Paulo apresenta somente
duas opções para a mulher cristã que se divorcia do esposo cristão: permanecer
sozinha ou reatar os laços matrimoniais com o seu marido. Aqui, portanto, é
claramente vedada a possibilidade de um novo casamento. Considerando que
esse texto não se refira aos casos de adultério, o ensino que temos é que uma
mulher que se separa de seu marido por outro motivo que não o adultério deve
permanecer sozinha ou voltar para o seu marido. Como vimos na revisão de
literatura, alguns estudiosos entendem que essa regra aplica-se mesmo no caso
do adultério, pois interpretam o “caso, porém, se separe” como se referindo à
única possibilidade de divórcio aventada pelo próprio Jesus citado por Paulo.
Entretanto, estamos interpretando aqui, pela linguagem vaga de Paulo ao não
citar o adultério, que a separação em voga tem outros motivos que não um
adultério fisicamente consumado.28
καὶ ἄνδρα γυναῖκα μὴ ἀφιέναι (e o homem a mulher não mande embo-
ra) – antes de encerrar o texto, Paulo se mantém fiel ao padrão que ele mesmo
estabeleceu neste capítulo: o de instruir homens e mulheres em cada situação
abordada. A instrução do apóstolo aos homens coríntios foi mais econômica
do que às mulheres. O apóstolo simplesmente proíbe o marido de divorciar-se
27 WRIGHT, 2004, p. 348-352. Ver também FRAME, John M. A doutrina da vida cristã. São
Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 205 et seq.
28 Garland compreende que a instrução de Paulo de que o cônjuge deve ficar sozinho ou se recon-
ciliar, em caso de divórcio por razões outras que não o adultério, revela o pressuposto de que os laços
do casamento permanecem intactos nesse caso (GARLAND, 2003, p. 283). Murray (1974), por sua vez,
defende uma posição a favor da dissolubilidade dos laços do casamento.
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conclusão
A mensagem desse texto para a época em que foi escrito é que os cristãos
coríntios, mulheres e homens, deveriam evitar o divórcio a todo custo, sob pena
de estarem em pecado. Caso, a despeito disso, acontecesse o divórcio, o côn-
juge que o buscou teria a obrigação de permanecer sozinho a partir de então.31
Portanto, a proibição de um novo casamento não é uma concessão ao divór-
cio, mas sim uma provisão para que a possibilidade de restaurar o casamento
seja mantida. Os cristãos coríntios, entre os quais havia ascetas e libertinos,
deveriam entender que tinham a obrigação de permanecer em seu casamento
e, caso pecassem consumando um divórcio, deveriam permanecer sozinhos.
Caso contrário haveria um aprofundamento de seu pecado contra Deus.
E para a nossa época, qual é o significado desse texto?
A mensagem do texto para a nossa época não é muito diferente. Deus
não quer que os casais cristãos se divorciem por qualquer motivo. Fazê-lo é
desafiar o mandamento de Jesus, quebrar o sétimo mandamento e estar em
pecado diante de Deus. Ainda assim, a Bíblia é realista, de forma que, caso
aconteça um divórcio entre cristãos (em caso de não ter havido adultério), há
instrução de que a parte que buscou a separação deve permanecer só ou buscar
reconciliação com seu cônjuge.
Assim, a partir do ensino desse texto e informados por outros textos das
Escrituras, podemos esboçar alguns princípios que devem ser seguidos pelos
cristãos e igrejas quanto ao divórcio:
1. “O divórcio sempre representa um fracasso em alcançar o ideal de
Deus”.32 Mesmo em caso de adultério, o ideal seria a reconciliação (cf. Oséias),
29 Concordo com os estudiosos que afirmam não haver distinção de significado pelo uso de
diferentes verbos gregos para apontar o divórcio aqui: FEE, 1987, p. 293-294; HAYS, Richard B. First
Corinthians. Luisville: John Knox, 1997, p. 120; CONZELMANN, 1975, p. 120. Ver pensamento con-
trário em: LUCK, William F. Divorce and Remarriage: Recovering the Biblical View. San Francisco:
Harper & Row, 1987, p. 166.
30 FEE, 1987, p. 296; HAYS, 1997, p. 120.
31 Gordon Fee (1987, p. 291) faz a importante observação de que esse texto, antes de ser aplicado
a outros contextos, deve ser compreendido de acordo com seu objetivo original, que era a rejeição do
casamento por motivos ascéticos.
32 FRAME, 2013, p. 732. A citação completa declara: “No entanto, o divórcio sempre representa
um fracasso em alcançar o ideal de Deus. Nunca é algo para celebrar. As igrejas devem demonstrar
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amor e graça (e, às vezes, disciplina eclesiástica) aos que estão se divorciando (o que pede e o que sofre
a ação), mas a noção de ‘abençoar um divórcio’ é bizarra. Um divórcio, pelo contrário, é causa para
lamentação, é um sintoma de fracasso”.
33 Aqui, admite-se por adultério qualquer imoralidade sexual efetivamente praticada (não somente
pensada ou pretendida), bem como o espancamento, tendo em vista que Malaquias 2.11-16 equipara
o divórcio à violência doméstica. As deserções física ou sexual contumazes devem ser analisadas de
acordo com cada caso.
34 HAYS (1997, p. 120) e FEE (1987, p. 296) sugerem que, nesse caso, não deve haver disciplina
eclesiástica de excomunhão sobre o membro que decide se separar para viver só.
35 LUCK, 1987, p. 167.
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presbíteros e igrejas ao lidar com cada caso específico. Estudos que analisem
os demais textos bíblicos que tratam do divórcio, bem como todo o capítulo 7
de 1 Coríntios, certamente serão muito úteis.
AbstrAct
This article initially presents four different views on divorce held by
Christians. Then, the author proposes an interpretation of 1 Corinthians 7.10-11
supporting the position that a Christian sins if he or she divorces a Christian
spouse and makes this sin worse if they remarry, unless an adultery has
happened.
kEywords
1 Corinthians 7:10-11; Marriage; Divorce; Remarriage.
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