Pedro Botelho Rocha - Profhistória Ufpe
Pedro Botelho Rocha - Profhistória Ufpe
Pedro Botelho Rocha - Profhistória Ufpe
PROFESSORES YOUTUBERS:
saberes, práticas e
narrativas na cultura digital
RECIFE
2021
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profa. Dra. Aléxia Pádua Franco
Universidade Federal de Uberlândia - UFU
_____________________________________
Prof. Dr. Bruno Leal Pastor de Carvalho
Universidade de Brasília - UnB
_____________________________________
Prof. Dr. Arnaldo Martin Szlachta Junior
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
AGRADECIMENTOS
A minha família, que em todos os segundos desde o ano de 2008, quando decidi pela
carreira de professor e historiador, tem me apoiado incondicionalmente, nunca me deixando
abalar pelas dificuldades, sonhando junto comigo, torcendo para que eu pudesse ir cada vez
mais além no meu caminho profissional e acadêmico. Roselene, Edmundo, Victor e Letícia,
essas linhas não seriam suficientes para demonstrar meu amor por todo o apoio que foi dado.
A Adla, minha noiva, dedico não só meu agradecimento, mas a coautoria desta
dissertação, levando em conta as horas que me ouviu falar sobre a estrutura do trabalho, os
conceitos utilizados e até mesmo os capítulos escritos. Você foi o farol que me guiou nas horas
em que eu duvidei se terminaria este texto, nos momentos em que a inspiração me turvava a
mente. Sem você, eu não o teria concluído.
Aos meus tios e tias, primos e primas, minha avó e demais membros da família que
acreditaram na realização desta pesquisa. Dedico, em especial, o agradecimento a meus
padrinhos, tio Carlos e tia Zala, pela confiança e referência como pessoas e profissionais.
A meu avô, Moacyr, em sua memória. Sou o que sou, faço o que faço, porque tive a
honra de ter convivido com um homem íntegro, inteligente e amoroso. Sempre será minha
maior inspiração.
Aos meus colegas de graduação, Jefferson e Fred, a Gabriel Valença e os demais colegas
da turma 3 do ProfHistória. Vocês deixaram tudo mais leve, entre provas, piadas, coffee breaks,
conversas e conselhos. Muito de nossa experiência acadêmica vem dos corredores e dos
diálogos descompromissados após as aulas, e eu credito grande parte do que escrevi a vocês.
Aos meus professores da UFPE, George Cabral e Antônio Alves, pelas aulas
inspiradoras, descontraídas e pelos primeiros passos dados na iniciação científica. A Jeannie
Menezes e Suely Almeida, por todo o aprendizado e maturidade que pude adquirir nos dois
anos que estive na UFRPE. Aos meus professores do ProfHistória, Eleta Freire, Adriana Paulo,
Lucas Vitor, Ricardo Medeiros e Isabel Guillen, por abrir as portas do Ensino de História para
meu âmbito acadêmico.
Aos meus amigos, colegas de trabalho, alunos e ex-alunos, todos vocês que puderam
contribuir de algum modo para a conclusão desta pesquisa. Em especial a Pedro Martins,
Gabriel, Raian, Luciano, Lucas Peregrino, Jucinara Rodrigues, Lucas Antunes, Maria Gabriella
Rodrigues, Carlos Junior, Dani Meira, Gustavo Borges, Moaci Junior, Alef Sandro, Jefferson
Freitas e muitos outros que a memória vai me deixar falhar, mas que me fizeram sonhar com a
confecção dessa pesquisa.
Por fim, a minha orientadora, professora Juliana Alves de Andrade, que tem sido
verdadeiramente uma mãe, depositando a máxima confiança, sempre disposta a me aconselhar
e atender, emanando uma energia capaz de livrar todo e qualquer trauma passado, me fazendo
seguir em frente como pesquisador da Educação e do Ensino de História. Por toda gentileza e
amor, professora, deixo aqui registrado meu muito obrigado!
RESUMO
Este trabalho analisa as diferentes estratégias, métodos e saberes que compõem o trabalho do
professor de História através do YouTube, observando como a produção de vídeos e materiais
pedagógicos vem ampliando o ensino de Histórias nas redes. Temos como objetivos
compreender como a cultura digital tem se integrado a realidade de professores, incorporando
elementos da comunicação e publicidade como estratégias de produção e disseminação de seu
trabalho pedagógico, consolidando suas narrativas históricas; observar como os vídeos do
YouTube podem ser trabalhados no ensino escolar de História; e categorizar saberes docentes
(TARDIFF; LESSARD; LAHAYE, 1991; SHULMAN, 2014; MONTEIRO, 2010) e perfis dos
professores que atuam no ensino de História na plataforma do YouTube. Diante do crescimento
de produções audiovisuais voltadas para a educação, as chamadas videoaulas (RAMOS NETO;
SÁ, 2019), utilizamos o conceito de Professor Youtuber para delimitar o modelo de docente
que ensina por esse meio audiovisual digital. A metodologia do trabalho se deu através de
revisão bibliográfica sobre cultura digital, educação audiovisual e Ensino de História; coleta e
análise de dados referentes a três canais de ensino de História no YouTube e suas produções
audiovisuais, e entrevistas com os professores criadores de conteúdo desses respectivos canais.
A partir deste trabalho, propusemos como produto pedagógico a criação de um eBook que
compartilha estratégias, caminhos e possibilidades para professores que desejam trabalhar com
o ensino de História através do YouTube
This paper analyzes the different strategies, methods, and knowledge that compose the work of
history teachers through YouTube, observing how the production of videos and pedagogical
materials has been expanding the teaching of history in the networks. Our objectives include
understanding how digital culture has been integrated into the reality of teachers, incorporating
elements of communication and publicity as strategies for the production and dissemination of
their pedagogical work, consolidating their historical narratives; observing how YouTube
videos can be used in school history teaching; and classifying teaching knowledge (TARDIFF;
LESSARD; LAHAYE, 1991; SHULMAN, 2014; MONTEIRO, 2010) and profiles of teachers
who teach history on the YouTube platform. Considering the increase in audiovisual
productions focused on education, the known video classes (RAMOS NETO; SÁ, 2019), we
used the concept of the Youtuber Teacher to delimit a model of the teacher who instructs
through this digital audiovisual media. The methodology of the work proceeded through a
literature review about digital culture, audiovisual education, and History Teaching; data
collection and analysis concerning three History teaching channels on YouTube and their
audiovisual productions, and interviews with the teachers who are content creators of these
respective channels. As a result of this work, we proposed as a pedagogical product the creation
of an eBook that shares strategies, paths and possibilities for teachers who wish to work with
History teaching through YouTube
1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
4.5 O Professor Youtuber de História: o que é, o que faz, como faz e como ser? Uma
proposta de eBook) ...................................................................................................110
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................112
REFERÊNCIAS........................................................................................................114
1 INTRODUÇÃO
Este universo foi percebido através da nossa própria experiência enquanto usuário,
produtor e consumidor dessas plataformas digitais, das redes sociais online, dos videogames, e
seus bens culturais disponibilizados, sobretudo, na internet. Reconhecendo-nos enquanto um
indivíduo nativo digital, ou formado pela vivência da sociedade de rede e de seus aparelhos
eletrônicos, compreendemos desde cedo a fusão do mundo escolar com o mundo digital.
Estivemos testemunhando o choque de linguagens entre a cultura analógica e a cultura digital,
levando em conta suas reformas, alterações, inovações e disputas pelas manifestações
cotidianas. Seja pela intuição ou através do conhecimento empírico enquanto professor de
História, notamos a emergência das questões das mídias no campo da educação.
Para que possamos compreender como o professor de História produz seu conteúdo
pedagógico e realiza sua prática no YouTube, dividimos este trabalho em três partes: ensinar e
aprender na cultura digital; o lugar do YouTube no ensino de História; e os Professores
Youtubers, saberes e práticas.
professores de História que gravam vídeos para o YouTube e a análise de suas aulas contidas
na plataforma.
Acreditamos, assim, que o YouTube vai além de ser uma mídia da sociedade de rede ou
um recurso didático utilizado por muitos professores em sala de aula. Há um conjunto de
sentidos, símbolos e significações dessa plataforma na cultura escolar, no cotidiano de boa parte
dos estudantes, o que impacta diretamente na prática docente.
Por isso, recorreremos a alguns autores que abordam questões sobre tecnologias, mídias
e educação, bem como suas transformações nas metodologias de ensino, didática, formação,
currículo etc. Abordaremos parte destas obras para que possamos oferecer uma visão sobre o
ensino da História no YouTube como um produto elaborado, seja como um recurso presente na
educação formal ou um elemento complementar.
O calor das baterias de lítio dos notebooks, smartphones e tablets, dos sistemas de
ventilações de hardwares, que processam constantemente softwares em seus pentes de
memórias e chipsets; de consoles de videogames, projetores, impressoras 3D, smartwatchs e
acessórios diversos para outros dispositivos eletrônicos. É o mesmo calor das transformações,
das inovações tecnológicas, que de tão constantes em nossa realidade dos últimos quarenta
anos, é mesmo possível dizer que elas levarão esta lista de menções acima rapidamente ao
ostracismo do passado em poucos anos. Ainda que seja bastante recorrente introduzir este
diálogo sobre mídias, tecnologias e nosso cotidiano através da aceleração das inovações, é
inevitável dizer que os vários aportes teóricos sobre o tema têm apontado que as relações e
manifestações humanas se encontram arregimentadas a um ritmo frenético de atualizações e,
consequentemente, exclusões.
Para Setton (2010) e Arruda (2013), as mídias digitais têm um grande papel em nosso
tempo presente, ainda que indiretamente exercidas e recobertas com a invisibilidade do
cotidiano, no entanto, é preciso criticá-las e trazê-las à luz do entendimento, afinal:
A ideia de sociedade da informação é enfatizada por Manuel Castells (1999, 21) através
de um novo termo: o informacionalismo. Coutinho e Lisbôa analisam que:
19
Esta perspectiva do trabalho em redes é partilhada por diversos autores, desde Castells
até Lévy. Para esses autores, o trabalho coletivo é a saída para entender o comportamento do
mundo contemporâneo. Este primeiro autor buscou nas relações de poder do mundo
contemporâneo os elementos da informação e comunicação, pois estes afloram, escondem e
manipulam os circuitos de poder, as hierarquias, as influências das instituições. Segundo
Martino, “é a partir da observação minuciosa de acontecimentos sociais que Castells constrói
20
Takahashi (2000), por sua vez, identifica na convergência de três outros fenômenos que
estão interligados, assim com os outros três levantados por Castells: a convergência de base
tecnológica, a dinâmica da indústria e o crescimento da internet. A primeira está vinculada a
ideia de:
praticamente todo o mundo, propiciando conectividade a países até então fora de redes e
substituindo outras tecnologias (Bitnet, Fidonet etc.)” (2000, p. 4).
Podemos afirmar que, embora estes fenômenos tenham se iniciado em meados do século
XX, eles foram pertinentes para aglutinar os traços mais marcantes da cultura digital do final
da década de 1990 e início dos anos 2000. E não devemos subestimar as transições técnicas e
comunicativas das décadas passadas, pois, como ressaltamos através de Setton (2000), é preciso
investigar a contemporaneidade digital como um processo histórico circunscrito. Nas palavras
de Morais:
A sociedade da informação, e esta que existe em rede, é aquela onde seus usuários estão
espalhados em contextos, espaços, e plataformas diferentes, mas que trabalham, partilham e
cooperam juntos em nichos, núcleos e sentidos convergentes. A alusão das redes dá sentido que
cada intersecção é um nó, e cada nó representa um lugar onde esses elementos citados se
manifestam. “Redes são estruturas abertas e em movimento. Sua forma está mudando o tempo
todo conforme suas características específicas. A noção de movimento é fundamental para se
entender a questão” (MARTINO, 2014, p. 100). Inclusive, no texto de Morais, percebemos a
ideia de Rener Berger acerca do “teletropismo”, onde a circulação, seja ela do que for (pessoas,
produtos, bens, serviços, informações, saberes, linguagens), é peça-chave para a sociedade
contemporânea (2000, p. 16). Mais uma vez, a ideia de movimento surge, complementando a
visão de Martino, Castells e Berger.
Da mesma forma que interage com o público, ainda que de forma textual (na forma de
comentários, postagens ou descrições dos vídeos) ou direta (comunicação dentro dos vídeos ou
transmissões ao vivo), o Youtuber colabora com outros pares, sincroniza produções
complementares, agenda a postagem de vídeos de acordo com outros canais parceiros. Tanto
profissionalmente quanto de maneira amadora, quem produz vídeos no YouTube converte-se
em colaborador da plataforma, interage com a comunidade de produtores e usuários.
Percebemos então que o ciberespaço, conceito amplamente utilizado por Lévy (1999),
é um mundo onde a compressão e expansão da própria realidade digital, intangível e fluida leva
a um ritmo assustadoramente dinâmico no planejamento e execução das coisas. Coisas estas
que podem ser identificadas não apenas como aquilo que é produzido pelas empresas e
profissionais das tecnologias digitais de informação e comunicação, mas também pelos seus
próprios usuários. Vamos deixar em linhas gerais: o mundo digital, ou ciberespaço, formado
por uma sociedade de redes, depende da interação de seus usuários para não apenas existir, mas
também para definir lugares, traços culturais, símbolos, sistemas, plataformas e tudo aquilo que
o compõe:
O conteúdo da Web 2.0 depende das pessoas que estão conectadas a ela, sendo
alimentado dos textos, fotos e vídeos que são publicados pelos próprios
usuários. Além do incentivo à colaboração através da facilidade para publicar
conteúdos, as aplicações podem tirar partido de seus usuários, aproveitando-
se de informações sobre as escolhas realizadas por ele. É possível então
identificar padrões de comportamento que possam ser sugeridos aos demais
usuários que tenham o mesmo perfil. É como se os sistemas tivessem a
capacidade de melhorar à medida que são mais utilizados (BOMFIM;
SAMPAIO, 2008, p. 4)
Surge daí uma nova forma de enxergar o indivíduo e seu comportamento no plano
digital. A cibercultura na qual está inserido é seu condicionante moral, social, imagético e
afetivo, mas ao mesmo tempo está refém de suas manifestações. É inescapável que o indivíduo
24
a modifique, apertando o rápido gatilho para dar início a uma nova configuração espacial
(substituindo um aplicativo por outro, migrando de um game para outro, encerrando um antigo
servidor), um novo sentido (alterações nos comportamentos afetivos, diretrizes para se portar
em uma rede social) ou um novo simbolismo (modas, correntes, desafios, digital influencers).
Muitas vezes, o indivíduo que congrega a cibercultura no ciberespaço não exerce sua influência
enquanto consumidor ou produtor de valor de maneira direta. Embora exista esquemas de poder
e organização, mesmo horizontais, a consciência de que a sociedade de rede altera
constantemente as possibilidades do mundo digital através de seus usuários não é o bastante.
Mais além, ela está oculta nas relações sociais online.
Importa trazer para esta parte do nosso diálogo os lugares da sociedade de rede que
afloram esta problemática da exposição voluntária ou manipulada do indivíduo: as redes
sociais. Tomamos por significado de redes sociais elaborado por Bueno, no que se refere às:
Ou seja, as redes sociais são espaços onde são construídos laços afetivos, sociais, onde afloram
os comportamentos individuais e coletivos da cultura digital. É onde o cotidiano dessas
tecnologias digitais de informação e comunicação ocorre, trocando experiências, modos de agir
25
e fazer, subjetividades, saberes etc. Martino define redes sociais como “um tipo de relação entre
seres humanos pautada pela flexibilidade de sua estrutura e pela dinâmica entre seus
participantes” (2014, p. 55). De fato, voltamos mais uma vez ao conceito de redes e como sua
tessitura corriqueiramente acontece. É o espaço onde a visibilidade, a troca, o posicionamento
e a exposição ditam as regras do jogo:
Estudar redes sociais não é estudar uma estrutura fixa, visível, localizável no
tempo e no espaço. As redes sociais são redes de relações, são contingentes,
delineadas pelas interações, pelo fluxo de informações entre os participantes.
Pesquisar essas redes significa mergulhar num contexto no qual a educação, o
trabalho e a tecnologia revelam-se inseparáveis. (BUENO, 2014, p. 22-23)
Como não poderia ser diferente, as redes sociais apresentam formas de existir distintas
uma das outras. São pensadas e arquitetadas de maneiras que possam prestar serviços diferentes
para seus usuários. São constantemente atualizadas e remodeladas através da ampliação desses
26
serviços, do atendimento de novas demandas requeridas pelos seus integrantes / clientes. Afinal,
se estamos dialogando sobre as redes sociais online, consequentemente incide sobre elas as
mesmas marcas características da cibercultura. Martino alerta para a pluralidade das redes
sociais:
Cada rede social tem sua própria dinâmica, e isso está ligado de alguma
maneira à própria arquitetura da tecnologia sobre a qual é construída a
interação social. As listas de e-mail, um dos exemplos mais antigos de redes,
têm uma dinâmica consideravelmente diferente, geralmente mais lenta, do que
conexões instantâneas em redes sociais via celular. Mas não só a velocidade
caracteriza a dinâmica de uma rede. O tamanho da mensagem trocada, por
exemplo, depende do tipo e dos participantes de cada rede — para manter um
exemplo, em uma lista de e-mails as mensagens tendem a ser mais longas e
mais profundas do que em sites de redes sociais. (2014, p. 56)
Embora muitas redes sociais possuam bases em comum (Facebook, Orkut, MySpace),
é identificável que seus usuários produzem maneiras diferentes de pensar e agir, ainda que
sejam os mesmos indivíduos apenas em plataformas diferentes. Mas cada modo de ser, na
galáxia da internet, é um novo plano existencial, identitário, psicossocial. São avatares, perfis,
comunidades e grupos que se misturam, mas que se compelem, ou reformam o sujeito por trás
do dispositivo eletrônico:
Cabe aqui uma pergunta acerca do indivíduo, as mídias digitais e a sociedade de rede: a
crise das identidades, levantada pela pós-modernidade, seria reflexo da efemeridade do mundo
digital, verificada através das redes sociais, ou na verdade os sujeitos encontram-se esvaziados
pela sociedade em crise, da qual as TDICs são apenas elementos? Não poderemos responder
com exatidão a ordem dos fenômenos observados, mas pretendemos encorajar um diálogo mais
atento sobre as mídias e como elas exercem sua influência na cibercultura, sobretudo no que
tange o processo da midiatização na educação e seu uso através de plataformas audiovisuais,
isto é, o YouTube.
O YouTube foi fundado em junho de 2005, por Chad Hurley, Steve Chen e
Jawed Karim, ex-funcionários do site de comércio online PayPal. Buscava ser
um repositório de vídeos, tendo sido posteriormente comprado por 1,65 bilhão
de dólares pela empresa Google LLC em outubro de 2006, chegando ao Brasil
somente no ano de 2007 (QUEIROGA JÚNIOR, 2018, p. 7)
A priori, devemos destacar que o YouTube inicialmente foi desenvolvido para ser um
repositório simples, pessoal e amador de conteúdo. Todos esses pontos levantados foram
certeiros, atraindo um público variado e bastante numeroso com o passar dos anos. A
simplicidade permite que qualquer usuário, através de seu canal, consiga postar um vídeo em
seu perfil ou fazer uma transmissão ao vivo (live streaming), ao mesmo tempo que com poucos
cliques ele pode visitar um canal de entretenimento, assinalar se gostou do vídeo, compartilhá-
lo em outras redes sociais, etc. Aqui encontramos uma ótima oportunidade de citar Prensky
(2001) e a questão dos nativos e migrantes digitais. Nesta parte do ambiente digital, ambos não
encontrarão muitas dificuldades de consumir a informação que está disponível nesta mídia,
desde que tenha um dispositivo conectado à internet.
Já a livre produção presente desde o início da plataforma permite que milhões de vídeos
sejam postados diariamente. Usuários do mundo todo podem colaborar. Na terceira parte deste
capítulo trataremos de como os impactos da produção de conteúdos por comunicadores não
especialistas tem afetado a produção científica e, sobretudo, a historiografia pública.
De meados dos anos 2000 para a segunda década do século XXI, o YouTube
movimentou bilhões, tanto em dólares quanto em usuários. Em algumas estatísticas fornecidas
por alguns sites, pelo próprio Google e em algumas produções acadêmicas, encontramos a força
do fenômeno. Em 2019, o número de usuários da plataforma no mundo todo chegou a 2 bilhões
de contas ativas por mês, com 1 bilhão de horas assistidas diariamente 1. 79% dos usuários de
internet afirmam ter uma conta no site, enquanto os 80 idiomas encontrados nos vídeos
representam 95% da população conectada na rede. Para se ter uma ideia da diferença, a rede
social Facebook está disponível para 43 idiomas.
Engana-se quem avalia o YouTube como um site que agrega e congrega vídeos de
usuários para usuários. Ampliando esta visão, podemos considerar que a última década foi um
verdadeiro ponto de virada para a produção audiovisual da plataforma. A constante
midiatização da sociedade vem acompanhada de um forte apelo comercial, publicitário e
cultural, da qual o YouTube tem correspondido como um espaço para o oferecimento dessas
características. Para se ter uma ideia, 90% dos usuários do YouTube admitem ter conhecido
novos produtos e marcas através da plataforma:
1
Disponível em: https://www.oberlo.com/blog/youtube-statistics acessado em: 16/04/2020
2
Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2020-brazil acessado em: 16/04/2020
31
e no Brasil, é o sétimo termo mais buscado no Google. É importante aqui ressalvar que a
qualidade de acesso à internet ainda é bastante precária, considerando a dificuldade de cobertura
de banda larga e dados móveis em território nacional.
Ou seja, este repositório de vídeos faz parte do cotidiano da cibercultura, tem uma
relevância econômica, social e cultural de alto valor. Como elemento constitutivo, mas parte do
fluxo que se atualiza e renova as vivências humanas no ambiente digital, o YouTube foi
responsável também pelo aumento das horas semanais dedicadas ao seu uso, saltando de 8,1
horas para 19 horas. Além da mudança nos hábitos e costumes do público, é também reflexo da
expansão de equipamentos eletrônicos de pequena tela, isto é, smartphones e tablets. Cerca de
75% dos usuários assistem os vídeos nestes aparelhos, levando em consideração os números
levantados na pesquisa citada acima em 2020.
Segundo o texto “YouTube strategy to drive a action”, disponibilizado pelo site Think
with Google, área de divulgação de dados para o marketing da empresa, há cinco grandes
fatores que fazem do YouTube, uma estratégia de ação e promoção3. Primeiramente, o público
procura assistir vídeos com o intuito de aprender algo. A cada 5 pessoas, 4 reconhecem ter
usado a plataforma para informação ou aprendizagem. Em segundo lugar, o engajamento dos
vídeos faz as pessoas buscarem experiências e avaliações reais ou práticas. A partir disso, o
3
Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/feature/youtube-strategy-to-drive-action/pt-br/ Acesso em:
16/04/2020
32
terceiro fator é a confiança em executar uma determinada ação baseada no conteúdo aprendido
pelo YouTube. Em quarto, os usuários do YouTube admitem estar abertos para conhecer novos
conteúdos, produtos, marcas etc. Por último, o público também reconhece que, de acordo com
a influência dos vídeos assistidos, podem mudar o consumo e atitudes.
4
Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/tendencias-de-consumo/pesquisa-video-viewers-
como-os-brasileiros-estao-consumindo-videos-em-2018/
33
educação e YouTube; a cultura participativa da Web 2.0, com suas aproximações, ubiquidades
e mediações; e o contexto escolar.
Sendo uma plataforma que permite que qualquer usuário faça o upload de
vídeos, veja e comente vídeos de outros, surge uma possibilidade única para
os educadores: um modelo de comportamento democrático. Enquanto o
YouTube pode ser visto como democrático porque qualquer um com um
computador pode participar no upload e no download de vídeos, estes
processos envolvidos na democracia incluem mais do que um simples acesso.
Com a chegada das RSI5, surge a possibilidade de utilizá-las de maneira
pedagógica num contexto educacional de forma a contribuir para o processo
de ensino aprendizagem (2016, p. 4)
5
A autora utiliza a definição de Recuero (2009) de RSI (Rede Social na Internet) como “um conjunto de atores e
suas conexões. Dessa forma, também compreende uma RSI como um novo espaço de comunicação e interação
entre as pessoas, evidenciando cada vez mais o uso das tecnologias digitais como facilitadores desse processo
(PECHANSKY, 2016, p. 3).
34
6
Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/estrat%C3%A9gias-de-marketing/video/creators-
connect-o-poder-dos-youtubers/. Acessado em: 21/09/2020.
7
Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/estrategias-de-marketing/video/o-que-marcas-
podem-aprender-com-os-edutubers/. Acessado em: 21/09/2020.
8
Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/estrategias-de-marketing/video/pesquisa-video-
viewers-como-os-brasileiros-estao-consumindo-videos-em-2018/. Acessado em: 21/09/2020.
9
GAROFALO, D. Os youtubers estão mudando o jeito de ensinar – e você pode ser um deles. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/10249/os-youtubers-estao-mudando-o-jeito-de-ensinar--e-voce-pode-ser-um-
deles. Acessado em: 21/09/2020.
35
Estamos diante de uma nova geração de estudantes cada vez mais atraída pela
Internet e pelos canais dos youtubers. Enquanto nós, professores, atingimos
em média 30 alunos em uma sala, eles chegam a milhões. Como educadores,
temos de aproveitar as possibilidades que eles trazem para tornar nossas aulas
atrativas. É uma ferramenta essencial para ir fundo nos problemas de ensino e
encontrar novas maneiras de idealizar a aprendizagem (GAROFALO, 2018).
O YouTube está se tornando uma ferramenta educativa inovadora, seja exibindo vídeos
retratando eventos históricos, registrando e compartilhando experimentos científicos em sala
para outros colegas, entre outros. O site pode ser utilizado como recurso para informar, exibir
e tornar-se um fórum de análise crítica através dos comentários (JONES; CUTHRELL, 2011,
p. 76). Segundo os autores, professores tem utilizado a plataforma para direcionar
adequadamente os alunos com necessidades específicas de aprendizado, auxiliando a
processarem novas informações por meios audiovisuais (fotografias, imagens, vídeos).
Além disso, registram possibilidades como o uso de vídeos de diversos gêneros para seu
uso como recurso ou fonte, desde paródias literárias contidas em clipes musicais, até palestras,
eventos históricos, exposição e venda de obras confeccionadas por alunos nas aulas de artes
(2011, p. 78).
Da mesma maneira, professores estão sendo formados para novas formas instrucionais
inseridas na cultura digital, dentro do modelo Technology, Pedagogy, and Content Knowledge
(TPACK), focando em competências como informação, mídias e tecnologias para o seu
desenvolvimento na economia global (JONES; CUTHRELL, 2011, p. 77). A tecnologia seria
a capacidade de reconhecer, manejar e introduzir diversas ferramentas e utensílios em sala de
aula; a pedagogia representa os princípios e objetivos do ensino; o conhecimento é determinado
pelos saberes disciplinares que se ensina. A conjunção entre essas três áreas permite que os
professores consigam desenvolver níveis mais satisfatórios de ensino e aprendizagem. Sua
36
introdução na sala de aula é complexa e mutável, tendo em vista o ritmo constante de inovação
nas tecnologias digitais de comunicação e informação (TDICs), exercendo uma sólida
capacidade de adaptação por parte dos professores (WILSON, 2015, p. 12):
Inclusive, o site do YouTube pode ser uma ferramenta de diálogo e instrução sobre as
próprias experiências docentes em sala de aula:
Outro exemplo prático é a possibilidade de ter contato com palestras que são
realizadas em lugares diversos e disponibilizadas no Youtube para uso em
qualquer tempo e espaço, sem que seja necessário baixar o vídeo (fazer o
download) para o seu computador e utilizá-lo como bem desejar. Do mesmo
modo pode-se também disponibilizar algo seu para outras pessoas, ampliando
37
Além disso, o YouTube pode ser integrado aos currículos escolares mais atuais, atuando
em diversos eixos temáticos. De acordo com Jones e Cuthrell, o site disponibiliza conteúdos
para os dez temas de estudos sociais definidos pelo Conselho Nacional de Estudos Sociais dos
Estados Unidos (2011, p. 79).
Wilson também corrobora o YouTube como fruto da cultura participativa da Web 2.0 e
que seu uso depende de uma reflexão docente:
Quando os professores optam por métodos centrados nos alunos, os vídeos do YouTube
podem desenvolver melhorias no desempenho e motivação através da comunicação e
cooperação. Além disso, eles não são mais entendidos apenas como uma exibição audiovisual,
mas também como construtor de redes, baseando-se na chamada Three I’s Framework
(Imagem, Interatividade, Integração) para fomentar ferramentas e práticas pedagógicas para
professores e alunos (YOUNG; ASENSIO, 2002, apud WILSON, 2015, p. 11).
10
Segundo dados da plataforma We are Social, o Brasil tem cerca de 205 milhões de aparelhos smartphones no
ano de 2020. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2020-brazil. Acessado em: 20/09/2020.
38
cooperativas (coletivo) pode ser uma opção para a presença do conteúdo do YouTube em sala
de aula, onde cada aluno poderá, em seu ritmo, observar os vídeos e executar as atividades
propostas voltadas ao compartilhamento de outros vídeos ou de informações, por exemplo. A
maioria dos dispositivos tem conexão com a internet, com o YouTube e outros aplicativos e
ferramentas que podem favorecer o aprendizado dos alunos de maneira integrativa.
O mesmo autor citado demonstra uma outra possibilidade de ensino através do YouTube
que tem ganhado força no Brasil: a sala de aula invertida (flipped classroom)11. Esta
metodologia é definida como uma aula onde ocorre a inversão das atividades: no método
tradicional, a aula é um espaço de instrução e desenvolvimento dos saberes disciplinares (seja
ele centrado no aluno ou no professor), ao passo que as atividades de fixação e os exercícios
são propostos para a casa; no método invertido, os alunos passam pelo processo de instrução
previamente em casa, através de vídeos, textos e outros materiais didáticos (tradicionais ou
interativos), para que no momento da aula o professor execute uma série de tarefas, reflexões,
revisões.
De acordo com Wilson (2015, p. 15), a sala de aula invertida permite uma aprendizagem
em grupo, colaborativa, dinâmica, baseada em resolução de problemas. Ele ressalta que parte
da literatura especializada no tema diverge sobre os mecanismos de inversão da sala de aula:
alguns sugerem apenas parte da aula, outros entendem que os materiais vistos em casa pelos
alunos devem ser de autoria do professor etc. Uma pesquisa do Reino Unido, formulada por
Herreid e Schiller (2013) e citada por Wilson (2015, p. 16), demonstra que a maioria dos
professores de Ciências tem optado por introduzir seus conteúdos com um vídeo um dia antes
da aula presencial e exibir um novo material audiovisual para fixação, além de um questionário
sobre o tema. Segundo o autor, a sala de aula invertida usa os vídeos como forma de estimular
o foco e o engajamento através de um novo modelo de ensino e aprendizagem voltado para o
aluno, dando-lhe autonomia para gerir o tempo dedicado ao estudo e visualização dos vídeos.
Para a realidade do ensino da Geografia, Schmitt (2015) aponta que os vídeos podem
instigar, aproximar os interesses dos alunos para a sala de aula, apresentar exemplos práticos,
ilustrar fenômenos naturais e geográficos com clareza, demonstrar opiniões diversas sobre um
mesmo assunto. Tal perspectiva reforça o papel do professor como um curador e mediador
de conteúdo, que reúne um conjunto de materiais e recursos presentes na plataforma que podem
ser utilizados, problematizados e criticados, como veremos posteriormente. Assim como
11
Retornaremos a esta metodologia de ensino na próxima parte deste capítulo.
39
Ele enxerga que muitos alunos, sobretudo aqueles inscritos no Ensino Médio, utilizam
como recurso paralelo os vídeos da plataforma para o aprendizado das disciplinas curriculares.
Além disso, as comunidades de usuários dos vídeos educacionais do YouTube demonstram
constantemente que se sentem mais confiantes e motivados ao aprenderem algum tipo de
conteúdo novo ou consolidado aquilo que viu em sala de aula:
contínua ou pausada, parando e retornando a um ponto não entendido do vídeo, ditando seu
ritmo e gerindo as técnicas que utilizará para aprender com o audiovisual.
O aprendizado baseado nos vídeos do YouTube não pode ser passivo, isto é, deve ser
estrategicamente pensado de acordo com as propostas da aula. Por isso, a exibição dos vídeos
também deve ser gerida pelos professores como parte do processo didático. Duffy elenca
algumas atividades como: Segement, exibir o vídeo em cortes segmentados; Notes, estímulo a
anotações de observações e complementos durante a exibição do vídeo; Pause, ato de pausar o
vídeo para prever ou refletir sobre um determinado momento do vídeo; Sound Off, mutar o
vídeo para enfatizar a observação iconográfica enquanto o professor utiliza a narração; Picture
Off, desligar a exibição da imagem para descrever ou imaginar uma cena baseado apenas no
áudio; Preview, vídeo utilizado para instigar o próximo conteúdo a ser trabalhado; Integrate,
utiliza o vídeo para integrar uma experiência real ao conteúdo trabalhado; Cut, exibir trechos
do vídeo para enfatizar momentos-chaves; Focus, deixar perguntas e tarefas previamente
definidas para que os alunos assistam o vídeo com um foco específico; After, fazer um
comentário geral após a exibição do vídeo (2008, p. 124-125).
No entanto, Duffy alerta que os professores estejam atentos ao uso das plataformas que
compõem a Web 2.0:
Um dos estudos clássicos sobre o vídeo em sala de aula é de Moran (1995). Nele, o autor
demonstra que o vídeo se projeta do concreto aos sentidos do espectador, levando-o a uma
jornada sensorial entre ele, o outro e o mundo que o cerca, entre jogos de imagens, sons,
linguagens, técnicas e manipulações da projeção:
12
Acreditamos que na perspectiva de Moran, as videoaulas do YouTube e de outros espaços da rede se
encontram nesse modelo de vídeo.
43
integração / suporte (conectar o vídeo com outras mídias disponíveis) (MORAN, 1995, p. 30-
31).
Para Berk (2009), citado também por Jones e Cuthrell (2011) e Wilson (2015), a
aprendizagem audiovisual garante um mosaico de experiências que podem garantir um
aprendizado satisfatório. Ele elenca quatro mudanças importantes em áreas que envolvem o
audiovisual e a educação: a variedade de formato de vídeos; a facilidade da tecnologia em sala
de aula; o número de técnicas de vídeos disponíveis para professores aplicarem em sala; as
pesquisas sobre o aprendizado multimídia, que fornecem embasamentos empíricos para tornar
a tecnologia audiovisual uma ferramenta de ensino eficaz (BERK, 2009, p. 1).
Entre os motivos de se usar vídeos em sala de aula, o autor encontra como forte fator a
representação da experiência sensorial proporcionada pelas técnicas audiovisuais e sua
constante tentativa de reprodução. Além disso, Berk elenca vinte potencialidades que podem
ser consideradas para a aprendizagem audiovisual, algumas delas já mencionadas aqui por
outros autores: captar atenção dos alunos; estimular a concentração; gerar interesse na sala;
criar senso de antecipação; estimular ou relaxar alunos para futuros exercícios; aproveitar a
imaginação dos alunos; melhorar atitudes em relação ao conteúdo e aprendizado; conectar
alunos e professores; aumentar a memória; aumentar a compreensão; fomentar a criatividade;
estimular fluxo de ideias; aprofundar o aprendizado; proporcionar liberdade de expressão;
tornar um veículo de colaboração; estimular, motivar; tornar o aprendizado mais divertido;
estabelecer um clima apropriado para aprender; diminuir tensões e ansiedades dos alunos; criar
mensagens visuais memoráveis (2009, p. 2).
compartilhamento, recorte, interação, entre muitos outros (2009, p. 6). Os professores precisam
estabelecer ao menos três questões para a seleção de produções audiovisuais que possam ser
empregadas em sala de aula: os critérios, os tipos de vídeos e as fontes para a seleção.
Os critérios recorrem aos princípios éticos, sociais e estruturais dos vídeos, desde seu
conteúdo ser potencialmente ofensivo, ou longo demais. Para os tipos de vídeo, deve-se
estabelecer os objetivos e efeitos que este recurso deve proporcionar em sala de aula; afinal,
utilizado inadequadamente, pode gerar tensões ou distrações. As fontes para a seleção devem
orbitar as culturas das quais os alunos estão inseridos (2009, p. 6-8). Saber o que consomem,
como consomem, os sentidos e particularidades de cada vídeo, clipe musical, séries,
documentários ou matérias, é de extrema importância para aproximar o objeto de ensino e os
estudantes.
Berk define metodologicamente doze técnicas para a utilização de vídeos como recurso
didático em sala de aula, que são: fornecer conteúdo e informações (explicitar dados sobre o
assunto trabalhado); ilustrar um conceito (demonstrar uma situação específica); apresentar
pontos de vistas alternativos; aplicar o conteúdo a situações do mundo real (integrar o conteúdo
teórico a um contexto prático); servir de estímulo para aprendizagem (estratégia de
aquecimento, estímulo ou provocação); apresentar bons e maus exemplos críticos; exagerar um
ponto em particular (desconstruir uma visão totalitária sobre determinado tema); chamar
atenção dos alunos (recobrar os alunos em momentos específicos da aula); exercícios de
aprendizagem colaborativa; motivar e inspirar; proporcionar uma pausa comercial (descontrair
a sala de aula como se estivesse em uma rede de TV); retorno de intervalo (captar atenção após
momentos de intervalos escolares) (BERK, 2009, p. 10-14).
No entanto, devemos também refletir no que tange as barreiras e limitações que cercam
os conteúdos educacionais audiovisuais da plataforma, tentando observar um panorama de
45
Dado o vasto acesso aberto da maioria dos sites de redes sociais, é crucial
selecionar criticamente material apropriado com claro valor educacional ao
decidir usar vídeos do YouTube na sala de aula. O YouTube é um tesouro de
recursos de todo o mundo e um vídeo nostálgico do passado. Tal material tem
a capacidade de aprimorar o aprendizado estimulando múltiplos sentidos e
ancorando o material ao conhecimento prévio dos alunos. No entanto, o
YouTube também é um vasto terreno perdido de lixo e paródia social que nada
acrescenta ao processo de aprendizagem (2011, p. 81, tradução nossa).
13
O YouTube pretende esconder vídeos revisionistas e negacionistas da área de Vídeos Recomendados, sua tag
de vídeos sugeridos na Página Inicial. Disponível em:
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/01/25/acha-que-a-terra-e-plana-youtube-vai-esconder-videos-
com-teorias-falsas.htm. Acessado em: 23/09/2020.
46
É necessário um constante cuidado na questão da mediação entre o que pode ou não ser
utilizado como um vídeo para fins pedagógicos, sobretudo quando consideramos os vídeos do
YouTube em sala de aula como uma convergência da cultura digital, da cultura juvenil e da
cultura escolar14:
O perigo do uso pelo uso apenas mascara uma falsa ideia de adequação, como aponta
Moran, “Ensinar com as novas mídias será uma revolução se mudarmos simultaneamente os
paradigmas convencionais do ensino, que mantêm distantes professores e alunos. Caso
contrário, conseguiremos dar um verniz de modernidade, sem mexer no essencial” (2000, p.
63). Ainda sobre essa questão, Morais afirma que:
14
Encontramos essa convergência no conceito formulado por Silva (2016) de “cultura ciborgue”, anteriormente
citado.
47
Moran (1995, p. 29-30) estabelece que os vídeos também podem ser mal utilizados, isto
é, afastando as chances de um processo pedagógico satisfatório através das mídias. Ele
demonstra algumas categorias de utilização inadequada para isso: vídeo tapa-buraco (associa a
ideia de não ter aula; uso emergencial); vídeo-enrolação (utilizado sem muito propósito ou
conexão com o tema abordado; uso para passar o tempo de aula); vídeo-deslumbramento
(reflexo de uma empolgação exagerada da mídia audiovisual; uso saturado do vídeo); só vídeo
(uso exclusivo, sem discussão do tema da aula). Portanto, é necessário guiar a prática
pedagógica para evitar estratégias que possam dispersar a atenção, o comprometimento e os
sentidos que devem ser trabalhados na sala de aula.
Além disso, Silva (2016) destaca um ponto importante da relação entre os alunos
consumidores de videoaulas no YouTube e os produtores audiovisuais: a interação limitada. A
plataforma oferece o espaço dos comentários para que os espectadores dos vídeos possam
avaliar, compartilhar opiniões etc. No entanto, os canais podem mediar, responder ou bloquear
esses comentários. A interação normalmente é hipermidiática (outros contatos, outras
plataformas) ou respondida posteriormente em outros vídeos, o que constatamos ser pouco
utilizado. E em um aspecto geral, o vídeo é uma mídia que permite repetir, pausar, avançar e
retroceder, mas não pode esclarecer imediatamente as dúvidas que um professor fisicamente
pode. Os alunos necessitam de um auxílio maior para desenvolver os conhecimentos que vão
além do vídeo, levando muitas de suas dúvidas para o momento da aula (SILVA, 2016, p. 77).
48
Wilson (2015, p. 18) cita o trabalho de Johnson (2013) para elencar algumas barreiras
relacionadas ao uso de vídeos. Os alunos tiveram dificuldades para aprenderem sozinhos,
permanecerem motivados e concluírem exercícios. Muitos se sentiam frustrados por não
solucionarem dúvidas, por não acharem os vídeos interessantes ou pelo excesso de distrações.
Outra consideração que deve ser levada em conta é o fato de nem todos/as
os/as alunos/as acreditarem que as videoaulas são diferentes das aulas
presenciais, demonstrando, novamente a diversidade de sentidos atribuídos a
um mesmo artefato, no caso as videoaulas no YouTube (SILVA, 2016, p. 95).
Salgado diz que “o YouTube age na recomendação de conteúdos para públicos diversos
que não existem a priori, mas se formam pelas relações que estabelecem com temas de interesse
tornados visíveis por esse site” (2017, p. 372). Como uma rede sociotécnica, em que as ações
humanas se inter-relacionam com elementos de caráter técnico, isto é, aquilo que é
proporcionado como dispositivos da plataforma, o YouTube vai produzindo novas ações e
novos sentidos em caráter espiralar a todo o momento (2017, p. 377):
Essas interações produzem rastros diversos que são interpretados por cálculos
matemáticos da própria plataforma, proporcionando estratégias que prendam o usuário
consumindo o maior tempo possível. O funcionamento desses cálculos, isto é, dos algoritmos,
não é publicamente divulgado pela Google ou pelo YouTube, o que não nos permite apontar
precisamente sobre como de fato essa rede de protocolos, dispositivos, mapeamentos e leitura
de estatísticas age para mediar as relações comunicacionais praticadas no site. No entanto, é
possível reconhecer alguns mecanismos que são recorrentemente utilizados para gerar sistema
de recomendações, personalização da navegação e outros elementos. As preferências são
leituras algorítmicas que agem em torno dessa personalização da experiência do usuário:
Essa mediação algorítmica tem impacto direto nos conteúdos audiovisuais que estarão
sendo expostos em diversas áreas do YouTube, condicionando lentamente o usuário a se
integrar em um público específico, midiaticamente construído15:
O YouTube Edu é um outro exemplo de como o site do YouTube pode reforçar laços
com certos canais e limitar o acesso a outros produtores. Criado em 2013 em parceria com a
Fundação Lemann, o YouTube Edu é um selo que busca garantir um padrão de qualidade para
os vídeos com temática educacional, em uma espécie de curadoria, agregando uma quantidade
significativa de canais dedicados a várias disciplinas escolares (SOUZA; BORGES; BARRO,
2020; QUEIROGA JÚNIOR, 2018). No entanto, os critérios exigidos pela plataforma
(quantidade de vídeos, número de inscritos e visualizações etc.) e o crivo dado podem ser
15
Nesse sentido, enfatizamos o termo mídia como dispositivo técnico de veiculação de ações e informações, o
meio pelo qual se desenvolve a interação.
51
encarados como fatores limitantes dentro do YouTube, onde aqueles que tem o selo Edu serão
privilegiados em detrimento de outros. Isto é, aqueles canais que não se adequam
consequentemente são menos visualizados nas ferramentas de pesquisa. Há também críticas
referentes aos interesses mercadológicos da própria Fundação Lemann em relação a iniciativa.
Cabe ao professor criar mecanismos para lidar com as potencialidades, mas também
com as limitações que cercam as práticas do ensino audiovisual através da mídia do YouTube.
É preciso ter cuidados e tomar uma clara distinção ao selecionar os conteúdos, tecnologias e
suportes didáticos dos canais pesquisados para seu posterior uso:
O YouTube é um recurso de vasta amplitude, tanto pelo seu potencial como acervo de
produções audiovisuais de diferentes épocas, quanto também pela diversidade de gêneros.
Como dissemos anteriormente, o YouTube enquanto mídia promove o armazenamento,
exposição e disseminação dos conteúdos, abrindo espaço para vários direcionamentos didáticos
para o professor de História. Sobre a pluralidade de fontes, Bispo e Barros dizem que:
Se hoje podemos facilmente utilizar tais recursos nas escolas, mesmo que de
maneira muitas vezes precária, a questão que se torna mais premente é a
reflexão sobre as formas pelas quais professores e alunos se têm apropriado
desse instrumento de comunicação como material didático. Que métodos de
leitura têm sido empregados na análise dessa produção feita para um público
diverso e transformada em aprendizagem?
54
Na visão de Serrano:
Bittencourt demanda do professor uma leitura atenta do perfil dos alunos a quem o vídeo
será apresentado como recurso, oferecendo uma metodologia baseada em três procedimentos
básicos que podem ser resumidos da seguinte forma: descobrir os critérios de seleção dos alunos
para vídeos de uma forma em geral (do que gostam, tipos de vídeo, o que procuram quando
veem); questionar a natureza da produção audiovisual (o que é um filme, uma videoaula, um
vlog, um documentário? Como se produz uma matéria de TV? Quem assessora as celebridades
do YouTube?); e a introdução do vídeo que será trabalhado em sala de aula (2005, p. 376).
Uma outra proposta, apresentada por Vesentini e citada por Bittencourt, é a de recortar
cenas e trechos específicos dos vídeos:
Ele também deve considerar a dimensão do documento na aula de História, onde este
possui uma dupla função metodológica: suporte informativo e fonte. Entende-se o primeiro
como tudo o que se tem por finalidade a comunicação de conteúdos e informações relativas a
uma disciplina (SCHMIDT; CAINELLI, 2004, p. 90). Neste sentido, uma videoaula do
YouTube, como veremos posteriormente, está igualmente circunscrita nessa dimensão de
suporte informativo. Já para fonte, define-se o sentido clássico de fragmentos do tempo passado
que são manejados e interpretados pelos historiadores.
Acreditamos que o YouTube pode ser utilizado para a exploração de diversas formas
documentais para a História, seja como amparo de informações ou vestígios de diferentes
épocas para seu uso em sala de aula. Assim, o tradicional registro escrito pode ser ampliado
para:
Veremos abaixo uma reflexão sobre três possibilidades para a utilização do conteúdo
audiovisual presente na plataforma como recurso didático e documento histórico, seja como
suporte informativo ou fonte. Pensamos estas estratégias voltadas para o ensino formal da
educação básica, especificamente para as turmas de Ensino Médio, e que podem ser aplicadas
tanto em sala de aula (presencialmente em horário regular), de maneira complementar
(atividade em horário extraescolar) ou como projeto pedagógico. Consideramos como diretrizes
curriculares para a sugestão dos conteúdos do YouTube a serem explorados nas estratégias
abaixo a Matriz de Referência do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Seria então mais impactante ler, por exemplo, o discurso do presidente João Goulart no
Comício da Central do Brasil, em 1964, ou ouvi-lo diretamente em alto e bom tom? Um texto
descritivo do cotidiano do cangaço poderia se aliar a cenas do bando de Lampião gravadas por
Benjamin Abrahão? Todos os dois exemplos se encontram depositados no YouTube, em mais
de um canal, e sim, são possibilidades reais. Os professores devem agir como mediadores entre
as fontes e os estudantes, instigando a leitura e interpretação da historicidade do objeto
audiovisual retratado. Na visão de Ulpiano Meneses “não se estudam fontes para melhor
conhecê-las, identificá-las, analisá-las, interpretá-las e compreendê-las, mas elas são
identificadas, analisadas, interpretadas e compreendidas para que, daí se consiga um
entendimento maior da sociedade” (2003, p. 26 apud SALES, 2009, p. 243).
históricas, como está determinada nas seguintes seções: H1 (Interpretar historicamente e/ou
geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura); H2 (Analisar a produção
da memória pelas sociedades humanas); H3 (Associar as manifestações culturais do presente
aos seus processos históricos); H4 (Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes
sobre determinado aspecto da cultura); H5 (Identificar as manifestações ou representações da
diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades). Na Competência de
área 2 - Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e
econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais; encontramos
como habilidade de número 11 “Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e
no espaço”. Portanto, há uma predominância destas e de outras habilidades que podem ser
exploradas através dos vídeos depositados no site do YouTube como recurso pedagógico para
a contextualização (SCHMIDT, 2015, p. 94).
Por isso, é preciso evitar o uso das fontes históricas audiovisuais como um complemento
didático, uma ilustração objetiva que ratifica a narrativa construída através de seu suposto peso
de realidade16. A fonte não fala por si, não é um “registro mecânico da realidade (vivida ou
encenada) ou da pretensa subjetividade impenetrável do documento artístico-cultural” (2005,
p. 239).
16
Indicamos o artigo de Patrícia Teixeira de Sá “Conhecimento histórico escolar e narrativas audiovisuais:
ampliação de argumentos nas fronteiras entre “história real” e ficção” para demonstrar a reflexão de filmes
históricos como representação da realidade. Disponível em:
https://periodicos.unifap.br/index.php/fronteiras/article/view/3628. Acessado em: 07/09/2021.
61
aprendizagem que coloca o aluno apenas como receptor dos conteúdos. Isso
mostra uma concepção muito tradicional de educação, onde só se utilizam os
filmes para ilustrar uma aula, e que muitas vezes, dos quais são mostrados
apenas trechos. Acreditamos que o ato de criação cinematográfico é essencial
para que os estudantes desenvolvam sua criatividade e pensamento crítico
(2015, p. 33).
Bittencourt complementa:
Saliba adverte que os historiadores deparam hoje com esse fenômeno histórico
inusitado: a transformação do acontecimento em imagem, de modo que
conhecer se reduza a “ver”, e não mais a compreender. Essa situação faz com
que os historiadores se preocupem com uma abordagem crítica das imagens,
a fim de que se possa resgatar a fusão entre a recepção e a produção (2005, p.
363)
Meneses aponta que a perspectiva da História Visual vem implementando novas formas
de investigação através da iconografia, da qual acreditamos serem fundamentais para que os
professores possam operar os procedimentos correspondentes. Para o autor:
17
Elencamos o estudo de Pérez Rufí “YouTube ya no es “tu televisión”: cultura colaborativa y red comercial en
el vídeo online” para afirmar o desenvolvimento corporativo e mercadológico adotado pelo YouTube no início
da década de 2010. Disponível em: http://www.revistacomunicacion.org/pdf/n9/monografico/M11.-
YouTube_ya_no_es_tu_television_cultura_colaborativa_y_red_comercial_en_el_video_online.pdf. Acessado
em: 09/09/2020.
18
Sugerimos a leitura da própria página do YouTube que trata sobre o uso aceitável dos direitos autorais.
Percebe-se aqui uma mescla de dois sentidos da Web 2.0: a defesa de uma cultura participativa hipermidiática e
a presença de uma política mercadológica de combate à pirataria e conteúdos protegidos por direitos autorais.
Disponível em: https://www.youtube.com/intl/pt-BR/about/copyright/fair-use/. Acessado em 08/09/2020.
63
tags etc.) deu ao YouTube uma maior prospecção na listagem de conteúdo19. Contudo, o site
não faz qualquer mediação de conteúdos não originais ou de falsa procedência. Portanto, ao
utilizar o YouTube para o trabalho didático com fontes históricas primárias ou secundárias, o
professor deve, como já dissemos anteriormente, exercitar uma metodologia baseada na
curadoria dos recursos selecionados. Nesse sentido, a curadoria pode ser entendida como
seleção, mediação e socialização de saberes:
Pensamos que o uso de vídeos do YouTube como fontes históricas para ilustração ou
sua problematização em aula segue uma tendência entre o processo de ensino e aprendizagem
da cibercultura: a supervalorização da interação direta com os conteúdos imagéticos e o papel
secundário do saber textual escrito. Afinal, ainda que a impressão e venda de livros cresçam a
cada ano, fortalecendo o mercado editorial, o fascínio das imagens torna as mídias digitais cada
vez mais sedutoras (SIBILIA, 2014, p. 63). Na visão da autora, a cultura letrada da qual a
instituição escolar fundamentou-se, vem encontrando forte declínio em relação a simbologia
das tecnologias audiovisuais (2014, p. 64).
19
Os itens que facilitam uma busca avançada no YouTube podem ser encontrados em uma matéria do site
Techtudo: https://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/2017/06/como-usar-a-busca-do-youtube-como-um-
expert-e-achar-o-video-que-quiser.ghtml. Acessado em: 08/09/2020.
64
20
O termo não possui uma grafia específica, sendo registrado como “vídeo aula”, “vídeo-aula”, “videoaula” etc.
21
Para efeitos de análise, não consideraremos canais do YouTube que estejam relacionados a produção de
documentários, filmes, animações, reportagens ou conteúdos vinculados a divulgação e consumo do
conhecimento histórico pautado no entretenimento.
65
O gênero da videoaula torna-se presente não apenas no YouTube, mas em outros núcleos
do mundo digital como as plataformas de Ensino a Distância (EaD). No entanto, não trataremos
desse tipo de vídeo como pertencente ao ramo dos cursos EaD pelas diferenças estruturais (chat,
fóruns, ambientes virtuais de aprendizagem etc.), midiáticas (plataforma aberta x plataforma
pré-definida, periodicidade de postagem) e financeiras (gratuidade). Concordamos com o não
enquadramento das videoaulas do YouTube como uma forma de EaD ou e-learning, pois:
Assim como os demais vídeos do site, aqueles que fazem parte deste nicho de produção
pretendem oferecer uma variedade de formas de comunicação e recursos de seus conteúdos e,
consequentemente, oportunidades distintas de trabalhar o ensino da História e outros
conhecimentos escolares e curriculares. Segundo Bonini-Rocha et al:
Segundo Araújo e Chaves (2015 apud MACHADO, 2017, p. 18), “a videoaula como
recurso didático, assume um papel de material de suporte por ser versátil podendo variar sua
utilização direcionada à sala de aula como também fora dela, para anteceder uma aula presencial
ou para complementar uma aula já dada”.
De toda maneira, para todos esses casos, a figura do professor mediador volta ao debate
para assumir seu papel no direcionamento dos trajetos pedagógicos a serem percorridos dentro
da mídia digital do YouTube. Na visão de Borges e Kamigouchi “O professor no papel de
mediador age colocando conhecimento histórico acadêmico em movimento. Traz como
instrumento à sua prática docente ideias concebidas no contexto científico, e impacta as
concepções prévias dos estudantes” (2020, p. 43).
Podemos ver que novas ordens vão se estruturando dentro do processo de ensino e
aprendizagem por intermédio do aspecto rizomático da cultura das redes. Se precisam revisar o
que foi aprendido ou não na aula de História, recorre-se aos vídeos dos canais no YouTube.
Caso aconteça o inverso, e os vídeos despertem curiosidades ou dúvidas, é natural que os
estudantes recorram ao professor para buscar mais explicações (SILVA, 2016, p. 77). Ou seja,
as sequências de ensino e aprendizagens são alteradas e levam a outros lugares e novas
informações, os alunos usam o mundo digital e o mundo tangível para completar o processo da
aprendizagem, rompendo com uma linearidade tradicional (PAVANATI; SOUSA, 2011, p. 1).
Não é à toa que observamos uma forte relevância na conexão entre jovens, YouTube e as
videoaulas, já que elas “se estabelecem como um veículo de informação que têm abrangido um
número gigantesco de pessoas. Isso pode ser verificado nos índices de visualizações dos vídeos
67
postados onde alguns ultrapassam a ordem dos cem mil acessos” (MACHADO, 2017, p. 13).
Além disso:
Segundo o estudo levantado pelos autores, a junção entre a aula expositiva e a videoaula
proporciona um aumento significativo na percepção e execução dos conhecimentos aprendidos
e da satisfação e motivação dos alunos. Pela praticidade, poder de repetição e acessibilidade, a
videoaula converte-se em um recurso estratégico aliado ao ensino presencial do professor e sua
possibilidade de interação, comunicação, troca e mobilização dos saberes envolvidos na aula.
Uma das chamadas modalidades híbridas referidas acima é o esquema da sala de aula
invertida (flipped classroom)22, como abordamos anteriormente na outra parte deste capítulo.
Acreditamos que a estratégia de utilizar as videoaulas dos canais do YouTube dentro e fora do
espaço escolar pode se interligar com esses novos procedimentos didáticos, conhecidos como
metodologias ativas23. De acordo com Bergmann e Sams (2019, p. 17-30), este tipo de prática
proporciona um conjunto de benefícios, a saber: falar a língua dos estudantes; ajudar estudantes
ocupados, em dificuldades ou com diferentes habilidades; criar condições de manusear o vídeo
do conteúdo; aumentar a interação entre aluno e professor; melhorar a gestão da aula, entre
outros pontos. Assim, percebemos como definição do Ensino Híbrido como:
22
Ver: SILVA, J. E. P. “Ensino híbrido: possíveis contribuições para a qualificação do ensino de história no
ensino médio”. Dissertação (mestrado em ensino de história) – Universidade Federal de Santa Maria. Santa
Maria, 2016.
23
Ver: BACICH, L; MORAN, J. (Orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem
teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
68
Para Betetto, “o uso do vídeo não pode ser resumido no sentido de proporcionar
novidades e diversidades nas aulas. Sua utilização e estruturação devem ser pensadas como uma
ferramenta para uso didático” (2011, p. 28). Portanto, é imprescindível estimular nos alunos a
mesma leitura crítica e interpretativa mencionada na utilização de fontes históricas audiovisuais
no YouTube. Ou seja, devemos encarar a videoaula como um produto intencionalmente
construído, historicamente marcado, midiaticamente veiculado e socioeconomicamente
contextualizado; com métodos, narrativas, fontes e objetivos próprios.
Por fim, ilustraremos agora alguns pontos sobre a relevância e a abrangência dos
professores que disponibilizam suas produções dentro da plataforma. Destacamos os estudos
de Ramos Neto e Sá (2019) e Fontoura (2019) para elencarmos os principais canais de
professores dedicados ao gênero das videoaulas no YouTube. O primeiro estudo cita os
seguintes nomes: Descomplica, Débora Aladim, Se Liga Nessa História, Aula Livre, Mundo
Edu. Desses citados, os três primeiros se sobressaem em número de inscritos e visualizações,
atingindo respectivamente 3,21 milhões de inscritos e 222.581.700 visualizações; 2,7 milhões
de inscritos e 121.112.680 visualizações; 1,37 milhão de inscritos e 54.443.712 visualizações24.
Na pesquisa levantada com alunos do Instituto Federal Goiano, 66,66% dos participantes
responderam que preferem a mescla entre aula da escola e as videoaulas do YouTube (RAMOS
NETO; SÁ, 2019, p. 177).
O segundo estudo iniciou-se após a busca de vídeos com o tema de história, fornecido
pela ferramenta de pesquisa do site. Após isso, seguiu-se esses critérios de organização:
24
Dados coletados na própria plataforma do YouTube. Acesso em: 12/09/2020
70
Dividindo os vídeos sobre História em seis categorias (das quais a videoaula figura
como a segunda), o autor menciona outros canais além dos já referidos por Ramos Neto e Sá:
Débora Alladim, Aula Livre, Pró-Universidade Online e Se Liga Nessa História (2019, p. 49).
Segundo ele, “é o próprio currículo escolar que, tradicionalmente apresentado, guia ou orienta
a produção dos conteúdos desses vídeos”, separando e ordenando o currículo de história contido
em cada canal. Além disso, todos os canais mencionados têm como foco principal o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), condicionando a construção dos seus produtos na forma de
resumos, resolução de questões, animações, aulas expositivas.
Por fim, concordamos que a proposta da utilização das videoaulas do YouTube como
uma integração parcial entre o ensino formal e não formal, entre a aula presencial da educação
básica e o produto audiovisual do mundo digital, pode representar um caminho de múltiplas
narrativas e a percepção de várias frentes interpretativas sobre os conhecimentos históricos.
Este caminho pode significar, na visão de Ramos Neto e Sá, uma conciliação, isto é, “a
possibilidade do professor trazer o conteúdo que os alunos aprendem nas videoaulas para serem
debatidos na sala de aula tradicional, à luz da bibliografia especializada, que o professor
domina” (2019, p. 183). Na visão de Borges e Kamigouchi:
Em relação ao que foi anteriormente exposto nas duas estratégias mencionadas, esta
terceira análise possui um direcionamento inverso, pois estamos lidando com uma proposta de
produção de vídeos para a plataforma do YouTube, não a utilização de vídeos devidamente
prontos e depositados no site.
Vargas, Rocha e Freire destacam que há diversos pontos na integração entre a proposta
de produção de vídeos e a educação: desenvolvimento do pensamento crítico, transformando
alunos em consumidores críticos; promoção da expressão da comunicação, promovendo a
diminuição da timidez dos alunos; favorecimento de uma visão interdisciplinar, as atividades
interligam diversas disciplinas na esfera da comunicação; integração de diferentes capacidades
e inteligências, mobilizando diversas habilidades e aptidões; valorização do trabalho em grupo,
demandando colaboração, esforço em conjunto, tomada de decisões, corresponsabilidade
(2007, p. 2).
Notemos que muitos professores que recorrem a criação audiovisual como produto
pedagógico creem que estão se conectando satisfatoriamente ao universo educacional das
TDICs, proporcionando uma experiência autoral que disponibiliza um conjunto de ferramentas
e técnicas aos seus alunos:
Os autores acima reforçam algumas ideias importantes sobre a produção fílmica em sala
de aula e como os estudantes podem aprender. Primeiro, os alunos precisam saber o porquê
estão gravando, isto é, as estratégias pedagógicas precisam estar claras e bem delimitadas. Em
segundo, a escola enquanto espaço de socialização, deve ser capaz de mobilizar a comunidade
para a recepção das produções audiovisuais. Por fim, deve-se valorizar a experiência criativa
presente neste contexto. Segundo a proposta apresentada na pesquisa, os autores ressaltam que
72
“os alunos serão capazes de se desenvolverem de forma profissional e pessoal no mundo digital
despertando sua capacidade de investigar, obter, avaliar, organizar e compartilhar informações
em contextos digitais” (2015, p. 34).
Para os autores, toda a comunidade escolar pode ser integrada para uma construção mais
democrática das metodologias de ensino. Os produtos audiovisuais elaborados podem se
converter em vídeos didáticos, aulas curtas e postados não somente no YouTube, mas em outras
plataformas online como o Vimeo (2015, p. 5).
Para trabalhar o documentário com os alunos, propõe-se que ele não seja
utilizado para ilustrar, mas para apresentar o fazer histórico, como a história é
feita e suas diversas formas de escrita, comparando-o ao fazer documentário.
Isso colocado, há de se lembrar que qualquer profissional da educação que
queira utilizar algum recurso audiovisual em sala de aula deve ter um mínimo
de conhecimento técnico sobre o assunto. Negar tal saber é cair na armadilha
de um cine-ilustração. Os recursos audiovisuais (dentre eles, o documentário)
devem gerar um novo conhecimento, e não simplesmente interpretações
superficiais. (2009, p. 242-243)
Friedrich e Conradi optaram por: definição dos objetivos prévios; embasamento teórico;
aplicação de um questionário, entre professores e alunos, sobre utilização de vídeos na escola;
74
entrevista com os alunos; experiências de rendimento com o auxílio de vídeos; instrução técnica
da produção de vídeos (2014, p. 10-13).
Notemos que todas as três experiências foram marcadas inicialmente pela preocupação
de fornecer instrução técnica sobre a produção de vídeos, tanto para docentes quanto para
estudantes. Isso demonstra que há um significativo distanciamento entre os conhecimentos
sobre mídias, comunicação e sua consequente aplicação na educação, embora seja reconhecida
sua importância. Além disso, foi proporcionado uma reflexão sobre a importância do
aprendizado do conhecimento histórico através do vídeo, seja através de filmes, documentários
ou fontes históricas primárias, mantendo um laço fundamental entre metodologia, pesquisa e
ensino de História em colaboração com os alunos.
São feitas as filmagens das cenas que compõem o vídeo. As filmagens são
realizadas em tomadas, isto é, intervalos de tempo entre o início e o término
de cada gravação. Uma cena, portanto, é composta por um conjunto de
tomadas, e um vídeo é composto por um conjunto de cenas. (2007, p. 3).
Enxergamos que nesta parte, o conhecimento prático deve ser concretizado pelos alunos,
desenvolvendo os saberes comunicacionais e cinematográficos que previamente foram
repassados durante a fase da pré-produção. Para o professor, cabe a função de agir novamente
como:
Friedrich e Conradi (2014, p. 14) não descrevem muitos detalhes sobre a pós-produção,
comentando apenas a recepção positiva por parte da escola e da gestão. Os vídeos foram
exibidos na forma de seminários, durante a Semana Pedagógica. Já Rubio e Navarro (2015, p.
37) apenas disponibiliza os produtos finais realizados no Colégio Pedro II e na Universidade de
Valência com links para o YouTube. Segantini propõe a exibição dos vídeos para a turma e,
após aprovação, para a escola em geral (2016, p. 19).
Das três experiências, apenas Friedrich e Conradi não fizeram algum tipo de instrumento
avaliativo, seja pelo professor ou pelos alunos. Rubio e Navarro elaboraram uma ficha de
avaliação para os professores pudessem observar a participação dos grupos durante as fases de
produção, ao passo que Segantini elaborou uma atividade para os alunos após a exibição dos
vídeos.
Pensamos que estes trabalhos citados aqui, assim como a estratégia de produção de
vídeos para o YouTube, se interligam com a proposta da aula-oficina (BARCA, 2004) como
76
Tal metodologia exige que o professor esteja atento ao que pretende desenvolver (em
nosso caso, a produção audiovisual de História) e como desenvolver (objetivos, saberes a serem
desenvolvidos, planos de trabalho etc.). “Os planejamentos das aulas deveriam, portanto, serem
feitos de maneira cuidadosa, o que contribuiria para promover uma aprendizagem sistematizada
e não apenas comprometida com a aquisição dos conteúdos” (CAINELLI; TOMAZINI, 2017,
p. 18).
Além disso, essa didática mobiliza um conjunto de princípios. Um deles, que cabe nas
experiências que foram investigadas acima, é do aprendizado gradual da História:
Devemos pensar o YouTube como um lugar da sociedade de rede onde a cultura digital
se encontra com o fazer histórico. Entre acervos de fontes do passado e redes de sociabilidade
online, cai por terra qualquer possibilidade ou tentativa de monopolização dos discursos e do
conhecimento histórico, assim como sua produção e veiculação por parte do historiador e o
professor de História. As narrativas podem ser divulgadas por qualquer um que esteja disposto
a criar um canal e gravar sua comunicação audiovisual, com ou sem formação, com ou sem
produção profissional. Pensamos a estratégias da produção de vídeos como uma possibilidade
de interligar estes pontos da cultura participativa, a disputa pelas narrativas no mundo digital e
o ensino dos procedimentos metodológicos presentes no conhecimento histórico.
As formas de narração encontram na Web 2.0 uma nova relação entre escritor e leitor,
permitindo mediações, complementos, interações, avaliações. “Por intermédio das práticas de
escrita participativa ou mesmo diretamente, qualquer pessoa pode se dedicar ao passado em
78
rede. O recurso a uma espécie de saber comunitário, à participação pública na rede” (NOIRET,
2015). O impacto do registro audiovisual impulsiona constantemente as novas relações entre a
escrita e divulgação da História. É um importante reflexo da midiatização digital que pode ser
utilizado como estratégia didática através da aula-oficina de produção de vídeos.
Neste capítulo, faremos uma análise sobre como os vídeos de História estão divididos
na plataforma digital do YouTube; de que maneira as videoaulas de História são produzidas,
estruturadas através de uma linguagem própria, seus aspectos historiográficos e como circulam
pela rede; como as narrativas históricas são elaboradas através de uma oralidade expositiva
presente na produção audiovisual; e de que maneira esses elementos anteriores, assim como as
narrativas, podem fundamentar uma conceituação e categorização do chamado Professor
Youtuber, observando seus saberes docentes e práticas incluídas no trabalho de ensinar História
através da plataforma do YouTube.
Assim como a pesquisa desenvolvida pelos dois autores, nosso objeto de estudo é o
terceiro grupo: as videoaulas. No capítulo anterior apontamos algumas possibilidades de uso
dos vídeos de História que estão depositados na plataforma do YouTube. Na parte do “Acervo
de videoaulas de História”, apresentamos algumas definições sobre o conceito de videoaula,
das quais gostaríamos de resgatar.
e interposta por elementos audiovisuais que a complementam. Tais elementos permitem alterar
ritmos, construir sentidos, enfatizar aspectos narrativos e metalinguísticos, entre outros.
A videoaula é pertencente ao campo da educação não formal pelo seu caráter similar ou
complementar à sala de aula (BONINI-ROCHA et al, 2014), ainda que possa estar presente
nela como no caso da denominada Videoaula Fonte. Ela também pode ser utilizada como
Videoaula Complemento, isto é, um recurso de revisão, aprofundamento, eixo temático, se
adequando aos objetivos propostos. A videoaula, quando utilizada como um material didático,
se retroalimenta do trabalho docente.
Para que possamos observar como o Professor Youtuber desenvolve sua videoaula,
trazendo para a mídia audiovisual seus saberes e suas práticas docentes, precisamos definir
alguns critérios de análise que facilitam esta tarefa. Por isso, optamos pelas categorias definidas
por Marcos Napolitano (2020), que se dedica a investigar a produção e circulação de vídeos de
História no YouTube e demais mídias sociais25. Embora o autor englobe vídeos mais gerais que
trabalham com o conhecimento histórico, destacaremos sua metodologia especificamente para
o campo das videoaulas.
25
Informação concedida na conferência de encerramento “A História e a linguagem audiovisual nas redes
sociais”, apresentada no XIII Encontro Estadual de História: História e mídias: narrativas em disputa. Recife,
2020.
82
Napolitano também registra que quase sempre há o predomínio de alguém que esteja
falando através de uma inserção de elementos visuais, isto é, uma linguagem audiovisual falada.
Similarmente a tradição da oralidade na sala de aula, estes materiais conseguem, ao contrário
das críticas aos métodos expositivos, fixar a atenção dos alunos, o que seria curioso para o autor,
afinal, há uma grande oferta das videoaulas como suporte para o Ensino Médio, Enem e
vestibulares.
Há, portanto, uma demanda não apenas por mais pesquisas sobre este tema, mas
sobretudo por novas produções audiovisuais que enxerguem as circunstâncias do conhecimento
histórico na plataforma do YouTube. É preciso entender para quem essas obras estão se
comunicando, como tratam a pesquisa da História e como os elementos técnicos seduzem,
fidelizam e engajam o público. Segundo o autor, não dominar estas características que formam
a linguagem do YouTube é fracassar.
Para iniciarmos a análise daquilo que o Professor Youtuber faz, selecionamos três canais
no YouTube que produzem videoaulas de História. Os critérios de seleção foram: número de
inscritos no canal (dezenas de milhares, centenas de milhares ou milhões de usuários inscritos);
frequência de produção (se o canal está ativo e produzindo conteúdo desde sua fundação);
quantidade de vídeos (pelo menos dez vídeos postados na plataforma); e se o conteúdo do canal
é voltado para o Ensino Médio, Enem e vestibulares. Desta maneira, propomos a análise dos
seguintes canais:
Profa Anelize: criado em 2018 pela professora Anelize Vergara, possui 16,6 mil
inscritos, mais de 510 mil visualizações e 105 vídeos postados na plataforma26.
26
Informações coletadas no YouTube. Acessado em: 19/03/2021.
84
Se Liga – Enem e Vestibulares: criado em 2014 pelo professor Walter Solla, o canal
era inicialmente chamado Se Liga Nessa História. Possui 1,42 milhão de inscritos, mais de 59
milhões de visualizações e 395 vídeos, divididos entre História e outras disciplinas.
Após esta seleção, decidimos então observar os vídeos sobre a Era Vargas (1930-1945)
como eixo temático em comum aso três canais, pois esse conteúdo também está relacionado ao
Ensino Médio e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo levantamento do site
Sintetizando, o tema já foi abordado em 12,7% das questões de História do Enem27, enquanto
o Guia do Estudante aponta a porcentagem de 11,1%28. Portanto, acreditamos que trazer esta
temática é uma interessante possibilidade para compreendermos as narrativas e saberes
arquitetados pelos Professores Youtubers.
O vídeo produzido pela professora Anelize tem como título “História do Brasil: ERA
VARGAS”. Possui 25:48 minutos de duração, 1671 visualizações, 25 comentários, 189 curtidas
e 1 descurtida29. De acordo com a própria autora, o material foi pensado, produzido e
disseminado especificamente para a plataforma do YouTube.
A videoaula pode ser enquadrada em um fluxo narrativo contínuo, ao passo que são
intercalados eixos temáticos que se relacionam e conectam ao tema principal, que é o governo
de Getúlio Vargas, seus recortes e fases, entre 1930 a 1945. Ela é apresentada pela própria
professora Anelize, que através da oralidade, expõe e dialoga com a narrativa desenvolvida,
tece comentários, desfaz possíveis desencontros informativos, enfatiza alguns aspectos. Sendo
assim, pode ser caracterizada como uma apresentadora analista.
27
Disponível em: https://sintetizando.com.br/serie-o-que-mais-cai-no-enem-historia/ Acessado em: 19/03/2021.
28
Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/quais-os-assuntos-mais-cobrados-de-historia-no-
enem/ Acessado em: 19/03/2021.
29
Na linguagem do YouTube, os termos “curtidas” e “descurtidas” referem-se aos botões para avaliar
positivamente ou negativamente o conteúdo do vídeo. Podem ser substituídos por likes ou dislikes, em inglês.
Não há uma definição clara ou mais ampla.
85
No vídeo produzido pelo professor Éderson Gaike da Rosa, o professor Bussunda, com
o título de “Era Vargas – Resumo ENEM – Mundo História”, e postado no dia 22 de outubro
de 2013. Possui 3:07 minutos de duração, 237,2 mil visualizações, 142 comentários, 6,7 mil
curtidas e 108 descurtidas. O vídeo foi pensado, produzido e postado para o YouTube. A
videoaula possui um fluxo narrativo contínuo, com o professor se integrando a exposição do
conteúdo, configurando-o, assim, como professor analista.
O professor Walter Solla tem o título de “ERA VARGAS (Revolução de 1930) #1”,
9:56 minutos de duração, sendo postado na plataforma no dia 17/10/2016. Possui mais de 1,3
milhão de visualizações, com 1217 comentários, 61 mil curtidas e 731 descurtidas. O vídeo foi
feito originalmente para o YouTube, apresentando organização em fluxo contínuo e
apresentador analista.
O ritmo do vídeo é mais lento se comparado aos demais vídeos analisados, mas conta
com edição e entrecortes que seccionam a narrativa e compartimentam explicações de acordo
com a periodização do tema.
O vídeo não possui cenário, apenas fundo branco. Há uso de imagens, vinhetas, memes,
legendas e ilustrações para compor a narrativa apresentada. A linguagem é pautada na
explicação de contextos, dicas de conceitos históricos para o vestibular, propondo uma
elucidação desses conceitos.
87
A videoaula da professora Anelize não foi produzida por uma empresa, companhia ou
grupo editorial. O material foi circulado apenas na plataforma do YouTube. Contou com edição
profissional para a inserção dos elementos audiovisuais e também com o engajamento do
público através de comentários que sugerem apoio, avaliações positivas, dúvidas, sugestões de
conteúdo.
O engajamento foi positivo, muito bem avaliado nos comentários, ressaltando o humor
do vídeo, passagens específicas relacionadas a momentos lúdicos, a facilidade no aprendizado,
no bom aproveitamento do tempo de estudo, além de outros.
Após o enquadramento descritivo feito através das categorias sugeridas por Napolitano,
podemos explorar algumas características importantes destacadas nas três videoaulas analisadas
do YouTube em relação a suas narrativas históricas. Pretendemos aqui demonstrar que a
composição dessas narrativas é resultado de um conjunto de saberes e práticas, métodos,
princípios e atitudes que circulam as trajetórias dos Professores Youtubers, antes, durante e
depois da produção audiovisual em questão.
Para isso, devemos levar em conta ao menos três áreas que demarcam a atuação do
Professor Youtuber de História: os saberes e práticas que são levados ao YouTube; os métodos
de ensino e procedimentos delimitados pelo ensino audiovisual no YouTube; e as narrativas
históricas compostas dentro do YouTube.
cultura escolar de nossa contemporaneidade. Esse ensino de natureza não formal, mas criado
majoritariamente por profissionais formados, é concebido a partir de uma demanda instrucional
de alunos que buscaram expandir os limites físicos, metodológicos ou institucionais do espaço
escolar. Em outras palavras, constatamos que a utilização do YouTube como uma plataforma
de conteúdos pedagógicos surge através de uma crescente necessidade por esses conteúdos
como parte da cultura digital, da qual integra boa parte da vida de jovens estudantes do Ensino
Médio.
Podemos evidenciar este trabalho através da disposição curricular dos vídeos analisados,
onde encontramos três diferentes formas de pensar a divisão expositiva da Era Vargas. O
conhecimento científico sobre o tema sofre reelaborações que permitem novas arquiteturas
instrucionais, seja em uma série de dois ou seis vídeos (como no caso dos canais Profa Anelize
e Se Liga) ou um resumo curto de um aspecto geral do tema (vídeo do MundoEdu).
novo texto em relação ao saber acadêmico, pois foi repensado através de procedimentos
didáticos; despersonalização, pois o saber ensinado não apresenta referências de autoria;
programabilidade, ocorre a divisão racional das sequências didáticas para organizar o ensino;
publicidade, com a definição explícita do saber a ser ensinado; controle social das
aprendizagens, pois ocorre a avaliação regulada dos saberes aprendidos.
Dessa forma, acreditamos que todos esses processos, excluindo o controle social das
aprendizagens, ocorrem também no campo do YouTube. As três videoaulas analisadas são
formadas através de roteiros originais, isto é, peças que transformaram o saber acadêmico em
um novo texto do saber a ser ensinado. Da mesma forma, não há, nos vídeos da professora
Anelize e do professor Bussunda, fontes ou referências informativas, configurando o processo
da despersonalização. A programabilidade está explícita nas sequências organizadas por cada
professor, como acima dissemos em relação ao currículo pensado para cada canal, suas etapas
e divisões. E a publicidade é definida pela explicitação do conteúdo abordado através da
instrução docente, título do vídeo, descrição etc.
(Anelize, Bussunda e Walter) foram perguntados sobre a escolha pela docência e pela História,
onde obtivemos os seguintes relatos:
[...] era sempre uma vontade de saber um pouco mais daquilo que a professora
estava falando. Principalmente essa parte de Inquisição, Idade Média, sabe?
Eu via ela falando, mas eu sentia que tinha coisa mais ali, que não dava tempo
de falar. Então eu fiquei muito curiosa, foi muito por curiosidade. [...] Eu
queria fazer o curso, eu queria entender melhor ali, foi meio que no impulso,
sabe? (ANELIZE, 2021).
Foi uma escolha complexa e simples ao mesmo tempo. Visto que eu era um
jovem de uma cidade muito pequena, onde minha família ninguém tinha
ensino superior até aquele momento. E eu realmente não tinha uma orientação
de que curso seguir, que carreira seguir. E acabei por afinidade visto que era
uma disciplina que eu sempre gostei muito na escola, decidindo fazer História.
Eu tive bons professores a nível de escola. Tive um professor, que faleceu
agora há pouco tempo, que foi um grande apoiador (ROSA, 2021).
[...] no ensino médio eu não me identificava com nada, não tinha um amor por
nenhuma tarefa, até que um professor pediu para eu fazer um seminário, e
nesse seminário era sobre Revolução Cubana, olha que suspeito, né?E nesse
seminário sobre Revolução Cubana eu e meu grupo fomos bem, e meu próprio
grupo falou para mim ‘caramba, você realmente apresenta de um jeito
diferente’. Acho que para um adolescente escutar que você faz bem algo mexe
com a nossa cabeça. E desde então eu tento realmente fazer bem para ocupar
esse lugar, ocupar bem esse espaço (SOLLA, 2021)
Tardiff, Lessard e Lahaye (1991, p. 219) colocam o saber de formação profissional como
responsável por criar a base ideológica e outros princípios que guiam a prática pedagógica,
além de cultivar outros saberes que advém do conhecimento acadêmico ou institucional.
Portanto, a formação profissional é também uma formação científica da disciplina a ser
ensinada e da educação.
pois é a experiência que avalia criticamente os saberes de formação, filtra, adapta e seleciona
os demais saberes.
Destarte, é válido afirmar que as experiências didáticas foram trazidas para a cultura
digital, através da produção audiovisual, que foi adaptada a partir de uma nova experiência: a
do ensino não formal dentro da plataforma. Portanto, o Professor Youtuber, carrega um saber
da prática em duas esferas de ensino.
Eu sempre fui muito preocupada com isso de ser muito clickbait, sabe? A
pessoa vai clicar lá ‘Segunda Guerra em cinco minutos’, sabe assim? [...] Eu
vejo ali muito mais como uma forma de consumo da educação do que de
pensar e analisar tudo mais. Então a minha ideia foi sempre assim: vamos
estruturar, vamos ter referência? Então pensar o professor... não é a mesma
coisa do presencial, não pretendo ser também, não tem nem como. Mas e se
eu pudesse levar um pouco dessa qualidade, desse desenvolvimento dessas
ideias para o online. O que eu via no online era sempre muito para o vestibular,
para decorar e depois você esquecer. Então eu pensei um pouco nessa estrutura
que eu tenho na sala de aula para passar isso para o virtual. Posso falar no meu
caso que o YouTube serve como um espaço de formação (VERGARA, 2021).
Eu entendo que talvez para a imensa maioria dos meus alunos eu seja o último
contato que eles têm com as humanidades. Só que isso eu consigo
principalmente na escola, onde eu tenho tempo e espaço. Eu tenho mais
tempo, mais vezes com os alunos. [...]Eu tenho o equivalente a dez aulas do
YouTube em uma semana em uma turma do Ensino Médio. Então eu tenho
tempo, tenho espaço e tenho interação. Então enquanto professor de sala de
aula, eu entendo esse último link dos alunos talvez com as humanidades. Então
procuro motivá-los a questionarem, a analisarem a História com olhos críticos
e o presente, portanto, com isso também. Agora no YouTube, por todas as
questões que hoje estão nas redes, eu não discuto no YouTube. Eu lanço uma
informação. [...] Lá eu não consigo estar gerando essa reflexão, esse diálogo
para estar tentando chegar em um entendimento. Aí eu enxergo que meu papel
dentro do YouTube ele é mais de informação para quem procura informação.
Ou de aula gratuita, que a gente realmente tem assim 30% aulas do MundoEdu
94
Eu acho que o professor de YouTube tem que estar atento para não banalizar
o trabalho. Então não é porque está no YouTube que é para falar o que você
pensa, sua opinião pessoal. Então respeitar o que é a História. O fato de eu
falar de um jeito despojado, trazer um personagem, falar uma gíria, não quer
dizer que eu não estou respeitando o trabalho de todos os historiadores. Fico
muito triste quando qualquer pessoa, historiador ou não, banaliza esse trabalho
e vai para o lado da opinião. Então eu acho que o professor do YouTube, mais
do que outras plataformas, precisa ter respeito a isso porque o YouTube está
sendo questionado com razão. Muita informação questionável vem dessa
plataforma. Então é ótimo que duvidem dos professores de YouTube. E vai
ficar muito feio para os professores de YouTube se eles não derem conta dessa
dúvida, se não estiverem bem respaldados (SOLLA, 2021).
Podemos perceber que, através dos relatos acima, há uma preocupação geral entre o
paralelo da sala de aula e do YouTube. Por ser uma mídia social digital, há uma forte atenção
para a intervenção do público, sua opinião, demanda e diferenças para o ambiente da sala de
aula. Enquanto na sala de aula há momentos para aprofundamento dos saberes disciplinares, o
YouTube seria uma plataforma voltada para a instrução imediata ou revisão dos conteúdos.
Enxergamos também que há uma consciência geral de que, por se tratar de uma
plataforma relativamente aberta, as videoaulas de História concorrem com outras formas de
conteúdo histórico imbuídos de revisionismos, negacionismos e partidarismos. Portanto,
também existe uma preocupação de didatizar o conteúdo, mas também de respaldá-lo através
de uma prática docente consciente dos saberes que mobiliza. De todo modo, os três apresentam
uma concepção de que esses saberes docentes, tanto em sala quanto online, “são saberes
estratégicos que contribuem para mudar vidas, fazer escolhas, ascender socialmente, revelando
aqui outro aspecto da dimensão educativa do trabalho docente” (MONTEIRO, 2010, p. 187).
Segundo Shulman (2014), que também é citado por Monteiro (2010), os saberes
docentes podem ser divididos a partir de três áreas: o conhecimento do conteúdo da matéria
ensinada; o conhecimento dos conteúdos pedagogizados; o conhecimento curricular.
95
seja um assunto que as pessoas estão procurando? ’. [...] Eu fiquei muito mais
pensando em fazer vídeos de temas tanto que eu não falei ainda, mas ou que
eu falei, ou mais aprofundado, e temas que vão muito mais no sentido de uma
educação crítica, uma educação libertária. Eu estou lendo muito a respeito
disso, de uma educação antirracista, feminista. [...] A minha escolha dependia
do meu objetivo ali, né? [...] Uma coisa importante que eu acho legal falar é
que vem sempre no sentido de ter sempre um documento e fazer uma análise
desse documento. Então eu penso na aula e penso de colocar alguma coisa ali
para ilustrar aquele momento histórico, sabe? Sempre penso como se fosse
uma aula minha, normal mesmo, né? Ter algo ali para problematizar, não só
ficar falando do conteúdo em si (VERGARA, 2021).
fui para o vídeo, a ideia foi sempre ultrapassar, transcender o livro didático,
com todo o respeito a ele e a função que ele tem. Mas eu me permitia. Eu tinha
como, diferentemente de vários professores, eu tive esse privilégio de ter
tempo para estudar. Então eu começo lendo alguns livros mais clássicos
universitários. Hoje nós temos também uma área de pesquisa, que nos permite
fazer não só o estudo dos conhecimentos tradicionais, mas também algumas
teses mais novas. Só que, por enquanto, nós preferimos colocar essas
referências na descrição do vídeo, e eu falo essa salada de informações para o
aluno. Porque eu ainda entendo que esse trabalho não é um trabalho
acadêmico, é um trabalho professoral, ele é um trabalho que tem que ser
popular e didático e mais pedagógico possível para a galera toda poder ouvir
e entender. É claro que se eu fosse fazer uma tese para cada vídeo, em cada
momento que eu faço uma citação deveria vir uma nota de rodapé em vídeo,
mostrar o ‘linkezinho’ lá da onde eu tirei a informação. A gente não faz isso
porque a nossa prioridade nesse momento é não perder a galera. É que a galera
nos assista. Aí depois de um tempo, se a gente tiver um grande público
aprendendo História na internet, aí a gente faz de formas mais acadêmicas ou
menos. Por enquanto a gente fica nesse meio termo, de tem a referência
bibliográfica, mas eu não faço a nota de rodapé simultânea (SOLLA, 2021).
Encontramos nas três falas acima noções fundamentais do trabalho docente enquanto
um profissional que domina os saberes descritos por Shulman. Eles enxergam a disciplina de
História em sua dimensão acadêmica, isto é, um saber de referência, mas que deve passar por
princípios e estratégias didáticas que filtram, selecionam, recortam e condicionam os métodos
para seu ensino.
Outro ponto de importante destaque diz respeito a como os currículos são montados por
esses professores. Há uma consciência de que um critério relevante para a montagem curricular
seja a demanda do público, no caso, os alunos que consomem as videoaulas no YouTube. A
procura por certos temas moveu o trabalho dos canais da professora Anelize e do professor
Bussunda. No caso da fala do professor Walter, enxergamos uma predominância de referências
de formação profissional na seleção temática dos vídeos.
Afirmamos também que há uma rápida integração entre o conhecimento dos conteúdos
pedagogizados e o conhecimento curricular, sobretudo na disposição dos vídeos da professora
98
Anelize e do professor Walter que tratam do eixo temático analisado por nosso trabalho, a Era
Vargas. Vemos um planejamento que recorta parte da narrativa em dois ou seis vídeos de acordo
com critérios conceituais ou didáticos. A professora Anelize dedica um vídeo a parte para tratar
do período do Estado Novo (1937-1945), enquanto o professor Walter distingue a Revolução
de 1930; Revolução Constitucionalista de 1932; Intentona Comunista; Segunda Guerra
Mundial, Estado Novo e Intentona Integralista; Governo Dutra; Segundo governo de Vargas.
Os princípios básicos dos métodos de ensino orientam que o trabalho docente deve: ter
caráter científico e sistemático; ser compreensível e possível de ser assimilado; assegurar a
relação conhecimento-prática; assentar-se na unidade ensino-aprendizagem; garantir a solidez
dos conhecimentos; levar à vinculação trabalho coletivo-particularidades individuais. Libâneo
também define que eles precisam ser pensados de acordo com os objetivos propostos, mas
condicionados pelas realidades prévias dos alunos, seus conhecimentos e representações
sociais.
Schmidt e Cainelli (2004, p. 32) afirmam que o professor de História deve realizar a
transposição didática, a tradução do conhecimento científico para o campo escolar, verificando
como o saber científico e social afeta os objetos de estudo escolares. Para isso, o professor deve
dominar certos conceitos básicos, entre eles o método, que pode ser definido como os meios
99
30
O produto de nossa invesrigação é a videoaula de História gravada, produzida e disponibilizada no YouTube.
Portanto, excluiremos de nossa análise a transmissão de vídeos ao vivo.
100
Pereira e Torelly (2014) tentam dar novos contornos para a aula expositiva, que vem
sendo criticada como método desde a década de 1970, apontada como enfadonha, cansativa e
passiva. Os autores afirmam que:
31
Em nosso caso, fora da sala de aula e fora da plataforma do YouTube.
101
Os autores, no entanto, afirmam que a aula expositiva tem como ponto de partida a
exposição de um problema investigativo que posiciona um argumento disparador e perguntas
que serão verificadas através da narrativa histórica. A aula, segundo Pereira e Torelly, deve
orbitar sempre ao argumento motivador, direcionando as reflexões e demais argumentos para o
questionamento inicial. “Uma exposição didática é um pequeno movimento de problematização
da realidade histórica. Um movimento que se dá por meio de uma série de elementos
constitutivos, mais que se inicia sempre por perguntas provocativas” (PERFEIRA; TORELLY,
2014, p. 291). No caso dos alunos, estes não utilizarão os saberes e conceitos do trabalho do
professor ou do historiador, mas utilizarão eles na produção de sentidos e leituras de mundo,
análise de contextos, transformar e reconhecer diversas realidades sociais.
O professor Bussunda, por sua vez, compreende que seu papel é estritamente
informativo, focando em um método mais lúdico, utilizando ferramentas do humor e da
descontração para propor atributos narrativos. Sua exposição no YouTube deve ser pensada de
102
uma maneira mais dinâmica, veloz, de caráter revisional ou generalizador, oferecendo ao aluno
um conteúdo de fácil absorção.
Compreendemos, como alertado por Bittencourt sobre as aulas expositivas, que há uma
limitação nos questionamentos direcionados nas videoaulas de História da plataforma do
YouTube. Não há possibilidades de interação instantânea entre um material audiovisual já feito,
sendo apenas acessado e assistido pelo público. Separados por diferentes temporalidades,
professor e aluno podem interagir através dos comentários do vídeo, mas não há uma resposta
concreta ou métodos avaliativos sobre aquilo que foi apreendido.
Para superar este entrave metodológico, o Professor Youtuber canaliza seus elementos
comunicativos, que edificam a oralidade e viabilizam a exposição didática, para servir de
suporte na construção das narrativas históricas. Assim, no YouTube, a aula de História é uma
exposição oral repleta de elementos narrativos, que fazem saltar imagens, personagens,
símbolos, conflitos, ideias e conceitos, que podem também ser reforçados com a edição
posterior do vídeo, entrecortando passagens dessa narrativa, enfatizando aspectos da linguagem
audiovisual.
103
A narrativa deve ser explicativa, mas questionadora, que destrincha conceitos e ideias;
costura personagens e fatos históricos; introduz falas e imagina situações; sem, no entanto, abrir
mão de colocar o aluno como um crítico do discurso historiográfico, inclusive de sua videoaula,
ainda que não se possa de fato avaliar aquilo que foi aprendido.
Acreditamos que todos os pontos levantados são relevantes, inclusive para a realidade
do YouTube. Eles extrapolam a lógica da didática para se ensinar História, pois também
funcionam como elementos comunicativos importantes para a captação da atenção do público,
algo primordial na cultura digital e em uma mídia audiovisual como é o site em questão. Os
recursos narrativos que insiram o consumidor na exposição do criador de conteúdo para o
YouTube32 de fato são fundamentais, assim como vídeos curtos normalmente são mais vistos
32
Nome que pode ser definido genericamente para youtuber.
104
do que os com duração acima dos 15 minutos33. Pensar a produção de vídeos através de
perguntas e investigações mobiliza a interação entre público e mídia, da mesma forma que
multiplicar contextos evidencia essa mobilização.
Aos três professores entrevistados foi feita a pergunta “Como você definiria a linguagem
do YouTube vinculada ao seu trabalho? Ela é determinante para o contato com seu público?”.
Tivemos como respostas:
[...] eu vejo pelos comentários, pela recepção que os alunos gostam de ver o
esquema, então no começo eu fazia bastante mapa mental. Ou então colocar
um mapa para mostrar uma ilustração do político, do presidente. Esse tipo de
coisa deixa mais dinâmico, não fica só eu parada ali falando, então eu acho
que ajuda bastante. E eu ouvi muito dos meus próprios alunos, dizendo para
eu fazer assim, assado, ‘ah, por que você não faz isso aqui? ’. Aí eu fui
pegando essas dicas, então essa parte da linguagem ajuda bastante, da
linguagem, com certeza. Coisas que durante uma aula normal eu não
conseguiria fazer, daí eu aproveito para jogar aquela ideia num vídeo
(VERGARA, 2021).
33
A duração média de vídeos do YouTube é de 15 minutos, enquanto o tempo ideal, segundo algumas empresas
de marketing digital e publicidade, é de 2 minutos. Disponível em: https://rockcontent.com/br/blog/duracao-de-
videos/. Acessado em: 28/03/2021.
105
Bittencourt (2005), ao tratar do método dialético para o ensino de História, nos auxilia
na reflexão sobre a construção da narrativa histórica nas videoaulas do YouTube. Ela demonstra
a necessidade de valorização de teses, ideias e visões opostas, pois são inerentes a vida humana,
socialmente construídas e que fomentam diferentes percepções dos fenômenos investigados.
Afastando-se das verdades lógicas e integrais, o Professor Youtuber deve privilegiar a
historicidade dos conceitos e das narrativas, suscitando problemas que devem ser refletidos ao
longo da videoaula expositiva.
106
Assim como na sala de aula, o Professor Youtuber tem possibilidade de construir esses
sentidos e significados através de sua produção audiovisual, embora a interlocução entre as
partes seja feita em tempos diferentes.
Para que sua narrativa possa ser construída, primeiramente ele compreende a quem ele
se dirige, isto é, seu público. Para isto, o conceito de representações sociais fundamenta a
linguagem, metodologia e estratégias de ensino que vão se desenvolver através da narrativa:
Cunha (2006) define a narrativa histórica como uma delimitação do saber histórico
escolar, uma unidade discursiva que possui significado e coesão interna. Ou seja, pensamos na
narrativa histórica como um produto do trabalho docente que reúne parte dos seus saberes,
escolhas e princípios, fabricando um texto que será executado no momento da aula. Esse texto
possui formas múltiplas de tratar o conhecimento histórico e historiográfico, ora direcionando
a aula sob um tipo de viés, ora mesclando interpretações paralelas da escrita da História. O autor
acima formula os conceitos de narrativas híbridas e narrativas ecléticas para exemplificar a
condução das aulas do professor de História. Acreditamos que o Professor Youtuber também
se utiliza desses dois campos narrativos para produzir suas videoaulas.
Segundo Cunha, as narrativas híbridas são produtos da junção de dois outros modelos
narrativos, isto é, uma terceira via. “Nas narrativas híbridas, vemos uma espécie de fusão
107
Chartier (1998), citada por Cunha, afirma que há coerência pragmática nas aulas dos
professores que integram modelos opostos ou antagônicos. São os procedimentos didáticos-
pedagógicos que viabilização a acomodação de visões diferentes de um mesmo objeto:
Para definir o Professor Youtuber como um modelo docente que também trabalha com
a construção de narrativas híbridas e ecléticas em suas videoaulas digitais, vamos recorrer
novamente a análise dos vídeos sobre Era Vargas dos três professores entrevistados, Anelize,
Bussunda e Walter. Descreveremos trechos dos vídeos que podem apontar algumas
aproximações entre as ideias aqui trabalhadas sobre os saberes, métodos e narrativas desses
profissionais.
No terceiro minuto da videoaula, vemos o uso de uma charge para ilustrar o conceito de
Acordo Café com Leite. A professora apresenta os personagens, faz uma leitura da imagem,
seus sentidos e significados. Ela complementa a explicação conectando o documento histórico
com a narrativa por ela apresentada.
108
[...] Mesmo com essa revolta toda, acaba que a classe média, os tenentistas, a
burguesia industrial, não vão tentar ali se opor durante muito tempo. O
problema é que acontece o estopim para a mudança, que é o assassinato do
João Pessoa, o vice do Getúlio Vargas. Esse crime acontece por motivos
políticos, e obviamente que essas pessoas já insatisfeitas com o governo vão
culpar as oligarquias paulistas pelo assassinato dele. É aí então que que as
tropas do Rio Grande do Sul, da Paraíba e de Minas Gerais vão se unir numa
tentativa de tomar o poder e depor o Júlio Prestes. Acontece então que em
outubro de 1930, o Getúlio Vargas depõe o Júlio Prestes, toma o poder no seu
lugar e torna então o presidente provisório do Brasil. Esse momento é
conhecido como Revolução de 1930 (VERGARA, 2019).
Em resumo, a professora Anelize integra em um mesmo texto narrativo pelo menos três
modelos historiográficos: a escrita tradicional, ou positivista; a marxista e a dos Annales. Neste
caso, podemos estabelecer uma proximidade com as chamadas narrativas híbridas.
Para o vídeo do professor Bussunda (Era Vargas - Resumo ENEM - Mundo História), a
interpretação socioeconômica é bastante proeminente, estabelecendo conexões entre a
109
um universo particular dos fatos históricos, encaixados e imaginados dentro de uma linguagem
que extrapola a possibilidade do concreto, mas sabe que inclui liberdades à sua narrativa como
um atributo facilitador:
Enxergamos aqui, mais uma vez, a tendência do modelo positivista como narrativa
histórica, privilegiando aspectos políticos, sequenciamento de eventos e datas, revelando um
certo determinismo. Não houve, no entanto, sinais de hibridismo ou de ecletismo na narrativa
apresentada.
Dessa forma, percebemos que os três professores de História que produzem vídeos para
o YouTube adaptam as narrativas conforme os modelos explicativos, integrando-os aos
métodos de ensino, a videoaula expositiva.
4.5 O Professor Youtuber de História: o que é, o que faz, como faz e como ser? Uma
proposta de eBook
Estratégias de ensino: este capítulo conta com reflexões propostas aos professores,
convidando-os ao planejamento pedagógico que entre em consonância com os aspectos técnicos
e comunicativos do YouTube, concebendo a plataforma como um espaço para a educação não
formal.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, acreditamos ter conseguido demonstrar que o ensino de História pode
se dar através das mídias digitais, por vias formais ou informais da educação. O conhecimento
histórico tem circulado de várias maneiras na cultura digital, seja na forma de memória,
entretenimento ou videoaulas. Certamente é um movimento que vem sendo percebido
diariamente por jovens estudantes e professores brasileiros, dado o alto investimento de tempo
para o uso das mídias e o consumo audiovisual que a internet tem proporcionado, além do
crescimento de canais e produção de vídeos com propósitos educacionais.
Ao longo deste trabalho, tratamos de lidar com dois universos didáticos relacionados ao
YouTube e o ensino de História: usá-lo como recurso e produzir conteúdo para ele. São formas
distintas de manusear a plataforma, o que compete um olhar aguçado sobre os métodos, as
formas e as linguagens que essa mídia veicula ou pode oferecer.
Em primeiro lugar, vimos que, seja por sua base documental, pela dialética entre aulas
de História ou a oficina de produção de vídeos por parte dos alunos, o YouTube é uma esfera a
ser explorada dentro do cotidiano escolar, levando em conta sua multiplicidade de sentidos e
possibilidades de atuação na sala de aula.
No YouTube, ensinar e aprender História ganha sentidos que são viabilizados por
técnicas específicas de edição, entrecortando discursos, reestruturando sentidos e imaginando
o passado através de uma narração que conduz e adiciona elementos. Portanto, entendemos
113
essas narrativas históricas como um discurso didático expositivo, instrucional, porém dotado
desse conteúdo fabulatório que lhe dá unidade.
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APÊNDICE A - ROTEIRO-ENTREVISTA
124
INTRODUÇÃO
Este presente roteiro tem como objetivo coletar informações e dados referentes aos professores
de História que produzem conteúdo audiovisual para a plataforma do YouTube. Desejamos
conhecer as histórias de vida, formação acadêmica, metodologias aplicadas, escolhas e
descartes na elaboração dos materiais, estratégias, composição de narrativas e outros pontos
que cercam o trabalho dos professores youtubers.
1) QUESTÕES BIOGRÁFICAS
- Quais experiências de vida levaram a decisão de ser professor? Por que a escolha pela
História?
- Quais foram suas referências profissionais, professores marcantes, que ajudaram a construir
seu próprio perfil como docente?
- Quais elementos técnicos são fundamentais para a produção audiovisual do seu conteúdo?
Você produz esses elementos ou conta com alguma assessoria?
- Como você definiria a linguagem do YouTube vinculada ao seu trabalho? Ela é determinante
para o contato com seu público?
- Você se consideraria um influenciador digital? Se sim, como isso impacta seu trabalho?
125
3) QUESTÕES HISTORIOGRÁFICAS
- Como ocorre a divisão e seleção dos conteúdos? Quais são os critérios escolhidos?
- De que maneira você definiria o trabalho do professor de História no YouTube? Qual o seu
papel nessa plataforma midiática?