Livro Textos e Contextos
Livro Textos e Contextos
Livro Textos e Contextos
TEXTOS &
CONTEXTOS
História, Educação e Diversidade
-2-
DIREÇÃO EDITORIAL
Maria Camila da Conceição
COMITÊ CIENTÍFICO EDITORIAL
Prof. Dr. José Adelson Lopes Peixoto
Universidade Estadual de Alagoas | UNEAL (Brasil)
-3-
Profª Me. Iraci Nobre da Silva
Universidade Católica de Pernambuco | UNICAP (Brasil)
Universidade Estadual de Alagoas | UNEAL (Brasil)
-4-
EDSON SILVA
JOSEILDO CAVALCANTI FERREIRA
JAELSON GOMES DE ANDRADE PEREIRA
(Orgs.)
TEXTOS &
CONTEXTOS
História, Educação e Diversidade
-5-
DIREÇÃO EDITORIAL: Maria Camila da Conceição
DIAGRAMAÇÃO: Luciele Vieira / Jeamerson de Oliveira
DESIGNER DE CAPA: Jeamerson de Oliveira
IMAGENS DE CAPA: Estátua do Cacique Arariboia, Praça Araribóa, Centro
de Niterói/RJ.
Estátua de Zumbi dos Palmares, União dos Palmares/AL.
Bandeira Cigana.
O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são
prerrogativas do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e exclusiva
responsabilidade de seu autor.
Todos os livros publicados pela Editora Olyver estão sob os direitos da Creative Commons
4.0 https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR
Textos & Contextos: História, Educação e Diversidade. [recurso digital] / Edson Silva,
Joseildo Cavalcanti Ferreira, Jaelson Gomes de Aandade Pereira (Orgs.). – Maceió,
AL: Editora Olyver, 2020.
ISBN: 978-65-87192-41-3
Disponível em: http://www.editoraolyver.org
1. Educação. 2. Relações étnico-raciais. 3. História. 4. Ensino. I. Título.
CDD: 981
-6-
SUMÁRIO
PREFÁCIO
Dimensões do fazer docente: a história e a
diversidade como desafio de pesquisa
José Adelson Lopes Peixoto................................................ 10
A instalação da escola Pe. Alfredo Dâmaso pelo SPI
para atender os Kariri-Xokó/AL
Gilberto Geraldo Ferreira.................................................... 18
O empoderamento da mulher a partir da análise do
filme “O sorriso de Monalisa” e a obra literária “Um
teto todo seu” de Virginia Wolf
Erivânia Nobre do Nascimento
Lais da Silva Coelho
Maria Jéssica Alves de Rezende
Silvya Biatriz Oliveira de Freitas Neves
Joseildo Cavalcanti Ferreira................................................ 33
Reconhecimento e identidade como pilares da
diversidade sociocultural: a comunidade quilombola
Onze Negras (Cabo de Santo Agostinho/PE)
Jairo Silva............................................................................... 54
A Educação no Brasil e os desafios do Século XXI:
um diálogo com a temática das relações étnico-raciais
Edson Silva
Ernani Nunes Ribeiro.......................................................... 72
A relevância da imagem enquanto ferramenta
didática no ensino de História: Portinari e o café
Maria Aparecida dos Santos
Jaelson Gomes de Andrade Pereira................................... 87
-7-
O método construtivista de Paulo Freire no processo
de humanização partindo de uma educação
participativa
José Émerson Alves da Silva
Helder Francisco Bezerra de Barros.................................. 108
Desenvolvimento psicomotor a partir de jogos,
brinquedos e brincadeiras da cultura popular
Ana Célia Bezerra dos Santos
Simone Salvador de Carvalho
Jaqueline Serafim de Araújo Batalha ................................
122
História e fotografia: uma análise da obra de
Sebastião Salgado e o massacre de Eldorado dos
Carajás
Talyta Araújo Souza
Jaelson Gomes de A. Pereira............................................... 144
Canudos uma forma de representação popular contra
a modernidade republicana
Diogo Brito Nascimento
Joseildo Cavalcanti Ferreira................................................ 158
Entre embates e dicotomias: a BNCC e o ensino de
História na Educação do Campo
Felipe Pedro Leite de Aragão........................................... 173
A prática do ensino de História nos anos finais do
Ensino Fundamental
Elisama cristo da Silva
Joseildo Cavalcanti Ferreira................................................ 190
Maçonaria e Educação nas décadas iniciais do Século
XX (1900-1922)
Augusto César Acioly Paz Silva......................................... 207
-8-
As mobilizações do povo Pipipã em defesa de uma
Educação Escolar Indígena com um currículo 223
intercultural
Luiz Carlos Barbosa de Sá...................................................
Ciganos em Altinho-PE: entre identidades nômades e
residências fixas
Bruno Eduardo Souza Oliveira
Benedito Bráulio Pinheiro Gomes
Eriwelton Antonio de Holanda
Maria Nathália Costa Barros
Everaldo Fernandes da Silva.............................................. 239
-9-
PREFÁCIO
- 10 -
promover a incorporação dos indígenas à sociedade nacional. A
narrativa apresenta uma discussão sobre a forma como as atividades
pedagógicas foram desenvolvidas em uma escola, situada em terra
indígena, sem considerar as demandas étnicas e os interesses dos
indígenas. Além das discussões políticas, nos deparamos com uma
experiência de pesquisa que associa o estudo bibliográfico a uma
cuidadosa pesquisa de campo realizada através de entrevistas com
estudantes de duas escolas localizadas em Postos Indígenas,
confrontando suas memórias e narrativas com a documentação
produzida nos referidos postos. Para além de descrever o
funcionamento das escolas, o capítulo busca descrever um cotidiano
marcado por tensões e contradições entre o fazer pedagógico e a vida
sociocultural dos indígenas.
O segundo capítulo, “O empoderamento da mulher a partir da
análise do filme “O sorriso de Monalisa” e a obra literária “Um teto
todo seu” de Virginia Wolf”, de autoria compartilhada por Erivânia
Nobre do Nascimento, Lais da Silva Coelho, Maria Jéssica Alves de
Rezende, Silvya Biatriz Oliveira de Freitas Neves e Joseildo Cavalcanti
Ferreira apresenta uma discussão sobre o empoderamento feminino em
uma sociedade machista e conservadora. A metodologia usada pelos
autores foi a análise de obras como o filme O sorriso de Monalisa e o
livro Um teto todo seu, de Virginia Woolf, ambos enfocando a inserção
da mulher em múltiplos espaços e contextos históricos. Além do tema
central, a discussão se encaminha para questões como educação
libertadora, participativa e transformadora, feminismo, autonomia,
matrimônio, igualdade de gênero e mobilizações, temas de importância
salutar para se pensar em construir uma sociedade plural.
De autoria de Jairo Silva, o terceiro capítulo, nomeado de
“Reconhecimento e identidade como pilares da diversidade
sociocultural: a comunidade quilombola Onze Negras (Cabo de Santo
Agostinho/PE)”, apresenta uma profícua discussão sobre o processo de
construção e reconhecimento identitário pautado na vivência
comunitária, nas relações históricas existentes e mediadas entre os
membros de determinado grupo. O capítulo é o resultado de um estudo
- 11 -
de caso em uma comunidade quilombola, onde o autor realizou
entrevistas e executou observação participante em consonância com
uma meticulosa análise bibliográfica-documental. Através do texto
etnográfico, o autor nos desafia a repensar conceitos como identidade,
pertencimento, reconhecimento étnico e diversidade cultural, temas
durante muito tempo relegados à periferia da historiografia.
De autoria dos professores e pesquisadores Edson Silva e Ernani
Nunes Ribeiro, o quarto capítulo, intitulado “A Educação no Brasil e os
desafios do Século XXI: um diálogo com a temática das relações étnico-
raciais” esboça uma discussão sobre as relações étnico-raciais
enquanto componente da Educação no Brasil, notadamente nos
primeiros anos do século XX. O texto nos remete a conceitos como
distinções socioculturais (BURKE, 2001) e acordo simbólico
(BOURDIEU, 2007) para compreender a exclusão social enquanto
barreira existente no espaço escolar. Os autores nos apresentam o tema
e nos envolvem nele, a partir das percepções construídas em uma
pesquisa qualitativa, constituída metodologicamente em referências
bibliográficas disponibilizadas por pesquisadores e teóricos que se
dedicaram a esta temática, considerando a historicidade do movimento
educacional e as contradições de um sistema que, durante séculos,
excluiu e invisibilizou alguns sujeitos em detrimento de outros.
O quinto capítulo, “A relevância da imagem enquanto
ferramenta didática no ensino de História: Portinari e o café”, escrito
por Maria Aparecida dos Santos e Jaelson Gomes de Andrade Pereira
nos remete a (re)pensar as metodologias do ensino de História a partir
do uso de imagens enquanto narrativas e testemunhos de uma época.
Nessa perspectiva, o capítulo apresenta o lugar da iconografia na
narrativa historiográfica ao passo que a apresenta como ferramenta de
elicitação das memórias históricas dos estudantes. Com isso, os autores
ao apresentar uma experiência com a obra de Portinari, sobre o café,
buscam incentivar o educador contemporâneo a utilizar tal
metodologia para a promoção de uma aprendizagem mais significativa
e dinâmica, além de enfatizarem o papel do livro didático no cotidiano
do métier do professor de História.
- 12 -
José Émerson Alves da Silva e Helder Francisco Bezerra de
Barros, no capítulo sexto, denominado “O método construtivista de
Paulo Freire no processo de humanização partindo de uma educação
participativa” apresentam a prática denominada de humanização da
educação, proposta e defendida por Paulo Freire através da aplicação
de uma pedagogia participativa, pautada em ações mediadas entre a
autoridade e a liberdade, visando a reinvenção do ser humano através
do exercício da autonomia. Os autores defendem que o processo de
humanização, baseado no método construtivista de Paulo Freire,
coloque, efetivamente, a pessoa como protagonista da sua formação,
pois enquanto método se propõe a promover a aprendizagem a partir
da realidade do aluno, fomentando a sua interação com o professor,
num diálogo constante e contextualizado com os conteúdos estudados.
O sétimo capítulo, intitulado de “Desenvolvimento psicomotor
a partir de jogos, brinquedos e brincadeiras da cultura popular”,
escrito por Ana Célia Bezerra dos Santos, Simone Salvador de Carvalho
e Jaqueline Serafim de Araújo Batalha é apresentado como o resultado
de pesquisas exploratórias realizadas em uma escola pública do interior
de Pernambuco, a partir da identificação das brincadeiras mais comuns
no município e a sua posterior aplicação como metodologia em sala de
aula, confrontando-as e assentando-as, enquanto práticas, nos
pressupostos teóricos de estudiosos como Levin (2007), Fonseca
(1995), Barbieri (2019), Lopes (2006), entre outros. As autoras
defendem a inserção de elementos da história e da cultural popular,
adaptados à realidade das infâncias, como metodologias eficazes no
desenvolvimento da psicomotricidade e a ludicidade. Trata-se de um
estudo sobre as relações entre movimento, brincadeira, aprendizagem e
mediação didática.
“História e fotografia: uma análise da obra de Sebastião
Salgado e o massacre de Eldorado dos Carajás” é o título do oitavo
capítulo, escrito por Talyta Araújo Souza e Jaelson Gomes de A. Pereira
para discutir a forma como a obra de Sebastião Salgado ilustra a
narrativa sobre o Massacre de Eldorado dos Carajás. Os autores
consideram o papel das fotografias enquanto transmissoras de discursos
- 13 -
e geradoras de interpretações sobre determinados fatos e fenômenos.
Metodologicamente, o capítulo está organizado em três partes: a
primeira apresenta um breve relato sobre a história da fotografia e sua
aceitação como fonte histórica, destacando as etapas de evolução
tecnológica e a metodologia de captura da imagem; na segunda parte,
os autores pormenorizam a história do Massacre de Eldorado dos
Carajás e o papel do fotógrafo que imortalizou o momento e através das
suas lentes e produziu imagens, das quais três são usadas, na terceira
parte do capítulo, para suscitar análises históricas e conceitos sobre a
capacidade informativa que as fotografias apresentam, destacando a sua
importância como fonte de pesquisa e de leitura históricas.
No capítulo nono, “Canudos uma forma de representação
popular contra a modernidade republicana”, Diogo Brito Nascimento
e Josenildo Cavalcanti Ferreira apresentam a Guerra de Canudos como
resultado de um caldeirão de inquietações sociais e políticas causado
pela seca, fome, violência e vulnerabilidade social que emolduraram
aquele fato histórico. Os autores destacam Canudos como importante
reação e forma de Representação Social contra a República. Para isso,
desenvolveram uma revisão bibliográfica em obras de autores
especializados na temática, através dos quais apresentam os conceitos
de representação social e analisam o contexto da Proclamação da
República como necessários para compreender e situar a Representação
Social no contexto de Canudos e no ideal de resistência que o Arraial
personificou.
No décimo capítulo “Entre embates e dicotomias: a BNCC e o
ensino de História na Educação do Campo” Felipe Pedro Leite de
Aragão parte da sua experiência adquirida ao longo de 20 anos de
atuação no ensino de História, em uma escola do campo, espaço onde
observou a realidade de uma oferta de ensino descontextualizado e
distante de significação para os alunos da referida modalidade. Apesar
da necessidade posta pela BNCC, o autor destaca uma realidade de
ensino distante do atendimento ao proposto pela legislação, pois
caracteriza-se por ser fragmentado e pautado no urbano, o que tem
contribuído, sobremaneira, para a subalternização dos sujeitos do
- 14 -
campo, pela carência de especificidades que atendam aos anseios
daqueles estudantes. Este capítulo é resultado das inquietações do
Professor Felipe Pedro sobre como fazer os links entre o cotidiano dos
estudantes do campo e a ação pedagógica desenvolvida na escola.
Apresenta algumas considerações sobre a Base Nacional Comum
Curricular enquanto norte para o Ensino Fundamental e propõe
reflexões a sua aplicabilidade no contexto do ensino de História nas
escolas do campo.
No décimo primeiro capítulo “A prática do ensino de História
nos anos finais do Ensino Fundamental” Elisama Cristo da Silva e
Joseildo Cavalcanti Ferreira apresentam o resultado de uma pesquisa
explicativa e bibliográfica sobre a Prática do Ensino de História nos
Ensino Fundamental. Inicialmente criticam a forma como o ensino de
História foi desenvolvido no Brasil, priorizando a memorização de
datas, nomes feitos, desprovida de quaisquer contextualizações. Na
sequência, apresentam o processo de refutação à visão da História
Positivista e propõem um estudo histórico mais amplo e didático,
fomentador da criticidade indispensável ao desenvolvimento social,
cultural e científico do cidadão, destacando o importante papel do
professor nesse processo. Na última parte do texto, o ensino de história
é apresentado com metodologias contemporâneas, promotoras da
interface com a atual realidade de ensino vivida por professores e alunos
nas escolas brasileiras.
A “Maçonaria e Educação nas décadas iniciais do Século XX
(1900-1922)” é o título do décimo segundo capítulo, escrito por
Augusto César Acioly Paz Silva para descrever as relações entre a
maçonaria e a educação contemporânea, destacando estudos que
indicam terem havido ações de maçons na construção de espaços de
auxílio às atividades educacionais, notadamente nas primeiras décadas
do século XX, período marcado pela carência de políticas de apoio e
fomento à instrução pública e primária. Trata-se de um estudo
bibliográfico, pautado nos textos publicados pelo Archivo Maçonico
sobre o contexto e os desdobramentos que impulsionaram ações
educacionais sob a interferência maçônica.
- 15 -
Encerrando a coletânea, o capítulo décimo terceiro traz um
estudo de Luiz Carlos Barbosa de Sá sobre “As mobilizações do povo
Pipipã em defesa de uma Educação Escolar Indígena com um currículo
intercultural”. Ao iniciar as discussões, o autor faz uma breve
retrospectiva história do processo de reivindicação indígena pelo
cumprimento da Constituição Federal de 1988, especificamente no que
se refere a implementação de uma educação escolar específica e
diferenciada para os povos indígenas, contemplando seus fazeres e
saberes socioculturais que os definem como grupo étnico. Nesse
contexto, o autor descreve o processo conflituoso e a postura
reivindicatória assumida pelos indígenas Pipipã frente à prefeitura de
Floresta e os desdobramentos posteriores que os levaram a participação
em fóruns e assembleias, culminando com a estadualização da
Educação Escolar Indígena. Para além do processo de reivindicações e
afirmação identitária, o autor aborda a elaboração do Projeto político
Pedagógico e a formação dos professores indígenas através do Curso de
licenciatura Intercultural Indígena e traz uma discussão permeada pelo
campo teórico em consonância com a realização de entrevistas com
indígenas da etnia estudada, de modo que suscita discussões sobre o
protagonismo e papel do indígena na história do Brasil.
Ao receber esta obra para escrever o prefácio, elaborei uma
pergunta e comecei a folhear os capítulos na busca de respostas a uma
pergunta que formulei sobre o contexto da produção e da aplicabilidade
dos estudos aqui reunidos; pensei em pautar esta redação na resposta da
minha pergunta inicial, mas ao me deparar com uma enorme quantidade
de autores, perspectivas e, consequentemente, de respostas, percebi que
minha ideia inicial não daria conta de apresentar uma obra que não
obedece a um padrão sequencial de recorte teórico, metodológico,
temático ou conceitual. A sensação foi desconcertante, mas a medida
em que avancei nas leituras, percebi, com agradável surpresa, o quanto
a minha pergunta estava refutada e superada, pois, assim, como são
inúmeras as possibilidades de interpretação da história, também são
inúmeras as perspectivas para o seu ensino e as experiências vividas por
cada historiador/pesquisador.
- 16 -
Essa é a proposta que vejo neste livro, não definir a área, os seus
sujeitos, os temas ou os objetos em um único ponto de vista, mas
descrevê-los a partir de relatos de memória, de práticas de ensino, de
pesquisa teórica, bibliográfica e documental para que o leitor possa
refletir a respeito da importância do ensino de História na atualidade,
em um momento delicado, quando órgãos públicos e entidades da
sociedade civil contestam sua relevância no sistema escolar e retomam
a discussão sobre a profissão do historiador.
Considero que este livro está sendo publicado e publicizado em
um momento muito oportuno, marcado pela necessidade de apresentar
saberes que dialogam no interior do processo educativo, em sala de
aula, provenientes de diversas fontes, de várias disciplinas, abordagens
e perspectivas, destacando os saberes curriculares, os profissionais, os
da experiência, os da vivência dos alunos, dos espaços de trabalho e
lazer, dos espaços étnicos, religiosos e culturais, entre outros.
Em linhas gerais, este livro é um convite para (re)pensar o
ensino como prática política, pautada na construção de identidades e
sensibilidades, onde História, Educação e Diversidade dialogam com
um contexto bem mais significativo e plural, o contexto da formação do
cidadão que edificará uma nova sociedade. Comprometido com a
dimensão do presente e com o olhar em um projeto de futuro, este livro
traz para os espaços educativos formais e informais o ensino em sua
dimensão provocadora, problematizadora, humana, pessoal e, na
medida do possível, vívida. Boa Leitura!!!
- 17 -
A INSTALAÇÃO DA ESCOLA PE. ALFREDO
DÂMASO PELO SPI PARA ATENDER OS KARIRI-
XOKÓ/AL
Introdução
1
Este texto é parte integrante das pesquisas realizadas para elaboração da Tese de
Doutorado em História na UFPE defendida em 2016.
- 18 -
Simultaneamente, contrastava com alguns dias da semana, em cada
mês, sem aulas em razão dos indígenas estarem participando no ritual
do Ouricuri.
Descrevemos as escolas e seu funcionamento relacionando com
o cotidiano escolar dos indígenas. Com a exposição de um quadro geral
das tentativas de ações do SPI para entendermos os contornos de
atuação dos PI atendendo os interesses institucionais, mas também para
se adequar aos indígenas. As memórias escolares e indígenas foram a
base para nossas reflexões, considerando as imbricações com o pensar
e o fazer pedagógicos influenciados pelos ideais desenvolvimentistas
praticados por instituições, como a Escola. O dia a dia indígena, fora do
espaço Escolar, foi fundamental para compreensão o universo
educacional Kariri-Xokó e possibilitou identificar que no processo de
formação, onde o Ouricuri assumiu um papel formador modificando a
estrutura de funcionamento do Posto no período mencionado.
Nessa perspectiva concordamos com Thompson (2001, p. 207)
quando afirmou ser necessário considerar a autonomia dos
acontecimentos políticos ou socioculturais que são, todavia, em última
análise, condicionados pelos acontecimentos “econômicos”. O autor
seguiu afirmando que uma História ou uma Sociologia ao reduzir
incessantemente os fatos da superestrutura a sua base seria falsa ou
banal. Seguindo essa perspectiva podemos sugerir que as mobilizações
dos Kariri-Xokó pelas reivindicações de direitos e a conquista da terra,
significou a reelaboração sociocultural e étnica, mas também a
sobrevivência econômica dos povos indígenas em Alagoas, no século
XX.
Consideramos as memórias ou as experiências como os
principais aspectos da expressão de resistência dos indígenas. Assim,
refletir sobre a experiência, o trabalho, a educação, as classes e os
movimentos sociais significam, portanto, pensar sobre a própria vida
humana, como dimensões históricas indissociáveis (VENDRAMINI,
2012, p. 127). E compreendemos que qualquer movimento histórico é
ao mesmo tempo resultado de processos anteriores e um índice da
direção de seu fluxo futuro (THOMPSON, 1989. V. III, p. 9). Foi no
- 19 -
contexto dos espaços habitados pelos indígenas no Século XX que as
escolas do SPI contrastaram com as experiências dos Kariri-Xokó
construindo e afirmando a indianidade, conforme o tempo e os espaços
históricos.
As entrevistas com os Kariri-Xokó como uma das formas de
dialogar com as memórias ou com as experiências dos indígenas, foram
significativas por possibilitarem ouvir as vozes dos sujeitos envolvidos
no processo, mas também por oportunizar aproximações e
interpretações dos processos históricos não registrados pela escrita,
evidenciando outras versões para além de uma história indígena
administrativa estatal. Pois,
- 20 -
As lembranças/memórias de mulheres e homens indígenas
“comuns” significaram uma possibilidade para interpretações das
lacunas deixadas pela história administrativa estatal sobre os povos
indígenas em Alagoas. Cada memória individual é um ponto de vista
sobre a memória coletiva e este ponto de vista muda conforme o lugar
que se ocupou. E o lugar muda segundo as relações mantidas com outros
meios (HALBWACHS, 1990, p. 51). Assim, nossas interpretações
foram a partir de olhares atentos para compreender os indígenas nos
contextos sociohistóricos, considerando os entrevistados como sujeitos
também rememorando as próprias histórias.
Consideramos, portanto as memórias como um aspecto central
para as nossas análises. As experiências dos indígenas expressaram uma
constante relação de elaboração de identidades étnicas, em que os rituais
do Ouricuri e o Toré foram produtores de resistências aos
conhecimentos escolarizados. As estratégias se manifestavam
principalmente pela frequência nos rituais no Ouricuri por um período
prolongado e até mesmo diminuindo o espaço de tempo entre um e outro
ritual, ou seja, aumentando a participação no Ouricuri anualmente.
As entrevistas foram realizadas para compreender o que não
seria possível por meio da documentação e assim as fontes orais foram
necessárias para dialogar com outras fontes escritas. Com esta
perspectiva procuramos diversificar as fontes documentais, para
construir possibilidades de outras versões da história Kariri-Xokó
(MEIHY, 2011, p. 24). Nossa valorização do cotidiano e das memórias
e experiências dos indígenas, foi na perspectiva da análise com uma
maior aproximação do movimento da sociedade, sem deixar de observar
de forma mais ampla, para compreender diversas formas de organização
da vida social na contemporaneidade (VENDRAMINI, 2012, p. 138).
O Posto Indígena de Alfabetização e Tratamento (PIT) foi
instalado entre os Kariri-Xokó em Porto Real do Colégio pelo SPI, em
fevereiro de 1944, e conforme a documentação consultada, foi
- 21 -
implementado na sua estrutura o Ensino Primário de quatro anos.2 Isso
ocorreu por intermédio do Padre Alfredo Damaso e assim justificava a
homenagem do PIT em nome do religioso3. O padre nasceu em São
Miguel dos Campos, no Engenho Furado em janeiro de 1881. Atuou
como sacerdote em Recife, Olinda e Boa Vista, em Pernambuco e na
Bahia. Em 1917, retornou à Pernambuco, assumindo as Paróquias de
Itambé, Surubim, Bom Conselho e Águas Belas. Com atuação entre os
povos indígenas em Pernambuco e em Alagoas, a partir da década de
1920, contribuindo com as mobilizações indígenas para o
reconhecimento étnico por parte do Estado e para a presença entre os
indígenas de pesquisadores como Carlos Estevão de Oliveira em 1935-
1937.4
2
“Ensino primário de quatro anos, com possibilidade de acréscimo de mais dois anos
para programa de artes aplicadas. Em Alagoas, a criação da primeira Escola Normal,
ocorreu em 1864 e instalada em 1869”. TANURI, Leonor Maria. História da
formação de professores. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 61-88, maio/ago.
2000. p. 64).
3
Rio de Janeiro, Museu do Índio. Relatório em 31/12/1944. SPI-IR4-072-010. Folha
2, caixa 171, planilha 10.
4
PAES, Oséas Cardoso. Padre Damaso: guerreiro do bem. Gazeta de Alagoas.
Maceió, 2 de agosto de 2014. Disponível em:
<http://gazetaweb.globo.com/gazetadeAlagoas/noticia.php?c=249328.> Acesso em:
24 de maio 2015.
- 22 -
Embora não constasse na documentação consultada informações
sobre o uso da terra pelos indígenas no período de 1872, data que
marcou a destituição oficial do aldeamento, até a implantação do PI em
1944,
5
O Centro Agrícola foi criado com o Decreto nº 1079 de 22 de outubro de 1924, pelo
estado de Alagoas que possuía cerca de seis mil hectares de terras para agricultura nos
municípios de Porto Real do Colégio e São Brás. Essas terras pertenciam às antigas
aldeias indígenas, extintas em 1872, incorporadas pelo governo estadual, e que em
acordo com o Governo Federal, resolveu implementar a cultura do algodão tendo em
vista a demanda da indústria têxtil, objetivando orientar agricultores na região. Em
1941 a área foi denominada de Campo Experimental das Sementes, popularmente
- 23 -
Uma das primeiras ações do SPI naquele local foi construir três
prédios de alvenaria no mesmo espaço onde viviam os indígenas.
Ergueram uma Casa de Farinha, uma Casa de Índios e uma Casa Sede
onde funcionava numa primeira sala a Escola, parte do projeto pensado
pelo órgão como integrador e “desenvolvimentista”. No mesmo ano,
Cícero Albuquerque elaborou outro relatório apresentando dados sobre
a situação e fundação do PIT, informando sobre os servidores, os
medicamentos, as visitas médicas, os pagamentos, as construções, as
ferramentas, as atividades escolares e os bens pertencentes ao Posto,
inclusive o orçamento para 1945.6
Esses relatórios produzidos pelos chefes de postos geralmente
expressavam o olhar do órgão estatal sobre os povos indígenas,
justificando a necessidade do PI no local como meios necessários para
a “proteção” daqueles grupos vivendo fora da vida “civilizada”. A ideia
da corporalidade era uma imagem poderosa usada de diversas maneiras
pelas agências indigenistas de países como o México e o Brasil. Por
meio de diferentes meios, como a fotografia, a produção de filmes
cinematográficos ou a organização de atos cívicos, buscava-se criar
formas de representação socioculturais, tentando apresentar tanto as
diferenças sociais quanto os processos de incorporação social
(MENDONZA, 2005, p. 4).
Os indígenas foram fotografados e filmados como parte da
proposta do órgão em registrar os “feitos” da instituição, mas também
justificar as supostas melhorias até aquele momento, assim como
apontar os avanços do suposto “desenvolvimento”, do “progresso” a
caminho da “civilização”. A produção da imagem como fotografias e
filmes fazia parte dos registros do SPI e o filme brasileiro “Guido
Marliére, um posto indígena de nacionalização” produzido em 1947
pelo SPI, apresentava a educação, o trabalho e a difusão do projeto
cívico-nacional como centrais, privilegiados para destacar e representar
conhecida como Sementeira. Ver: MATA, Vera L. C. Op. Cit. 2014; COSTA, João
Craveiro. Alagoas em 1931. Maceió, Imprensa Oficial, 1932.
6
Idem.
- 24 -
com imagens o processo de corporalização das populações indígenas
nos projetos de nação (MENDONZA, 2005, p.11).
Em fotografias produzidas pelo pesquisador Carlos Estevão de
Oliveira, que antecedeu a presença do SPI em Alagoas, foi possível
identificar uma casa de alvenaria construída na esquina da Rua dos
Índios, onde geralmente reservada para moradia do Chefe de Posto e
para atendimento aos indígenas, até mesmo a sala que comportava a
escola. Foi registrada a Rua dos Índios com imagens buscando
evidenciar o estado ou grau de civilidade dos indígenas, ao mesmo
tempo em que as casas de taipas contrastavam com a alvenaria.
O prédio onde funcionava a Escola era uma casa de alvenaria
coberta com telha de cerâmica com cinco metros de frente por 24 de
fundo. Na primeira sala da frente ocorriam as aulas; existia uma sala de
jantar, dois quartos, um corredor de acesso à sala de jantar; uma
dispensa, a cozinha, um alpendre ao fundo, um banheiro, a caixa d’água
e um aparelho sanitário. Tinha um conjunto de portas e cinco janelas,7
local com pouca ventilação para funcionar uma sala de aula numa
cidade ribeirinha, onde temperatura média sempre foi alta. A estrutura
física tentava se aproximar ao que o SPI tinha como proposta para a
nacionalização dos indígenas e a escola como parte central no processo:
“É no posto indígena que se iniciam os problemas das concorrências,
das competições, dos conflitos, das acomodações, e por fim, se inicia a
preparação para a miscigenação e para a interculturação, com todas as
suas imprevisíveis resultantes” (MENDONZA, 2005, p. 30-31).
Um relatório de 1945 para a IR4/SPI no Recife, informava que
no prédio onde funcionava a Escola havia duas carteiras escolares
novas, um banco escolar novo, três bancos escolares unidos, um
lampião de parede, uma máquina de escrever “Ramington”, certamente
para as atividades gerais do Posto e não exclusiva para a Escola.
Constava ainda um perfurador de papel, um quadro com a imagem do
Presidente Getúlio Vargas, um relógio de parede usado, uma Bandeira
Nacional de pano, um filtro de pedra com cavalete de madeira, um
7
Museu Índio. Rio de Janeiro. Relatório. 1945. Microfilme 172, fotogramas, 16-18.
- 25 -
quadro negro, um mapa do Brasil, duas prateleiras de madeira de quatro
compartimentos.8 A documentação preocupava-se em registrar e
informar o máximo de dados e detalhes possíveis. Esses materiais
pareciam oferecer as condições mínimas necessárias à escolarização
dos indígenas, mas também fazia parte da rotina dos PIs do SPI. Pois,
para o órgão,
8
Museu Índio. Rio de Janeiro. Relatório. 1945. Mf. 172, fotogs. 16-18.
9
Museu Índio. Rio de Janeiro. Relatório. 1945. Mf. 172, fotogs. 16-18.
- 26 -
constantes campanhas solicitando o máximo de empenho dos
funcionários e colaboradores, no sentido de introduzir em todos os
Postos Indígenas, notadamente naqueles destinados à nacionalização e
à educação, uma vigilância constante sobre as ações dos indígenas,
controlando e arbitrando práticas consideradas nocivas para seu
desenvolvimento (BRINGMANN, 2015, p. 26).
Na documentação consultada sobre o PI Pe. Alfredo Damaso
existia uma planta dos prédios construídos. Consultamos outros
documentos de outros PIs da IR4, porém não foi possível identificar
uma padronização na construção das estruturas físicas dos PIs, que
possivelmente tentavam adequar a situação local, conforme
disponibilidade de verbas e as configurações do terreno destinado para
a construção. O Chefe do Posto Cícero Cavalcanti de Albuquerque
informou ao IR4 em 1945, que o PIT teria funcionado com três
servidores, Wilson Gomes Feitosa, Aparecida Silva Feitosa, Auxiliares
de Ensino (AE) e próprio Chefe do PI. O autor do Relatório assinou
como Auxiliar de Sertão, mas também exercendo a função de AE
argumentado “por motivo de organização”.
O relatório sugeriu que Wilson era auxiliar de Ensino nas aulas
noturnas e Aparecida nas aulas diurnas, quando não havia aula noturna
os dois atuavam no turno diurno, embora as frequências das aulas não
indicassem o turno. Nas turmas formadas nos turnos diurnos estudavam
ambos os sexos, enquanto que no noturno, estudavam homens adultos.10
A documentação não indicou se ocorriam aulas nos turnos matutinos e
vespertinos, porém supomos que o tamanho da sala de aula, a
quantidade de bancos, cadeiras e mesas não comportaria 46 alunos,
sugerindo a existência de um turno vespertino. Ao mesmo tempo, os
relatórios indicavam uma média de frequência diária de 30 alunos,
quantidade suficiente para um turno.
10
Museu do Índio. Rio de Janeiro. Relatório. 31/12/1945. SPI-IR4-072-010f2-f3.
Caixa 171, planilha 10.
- 27 -
As informações nos relatórios do SPI possibilitaram, a princípio,
perceber que o empreendimento ordenado, regulado e organizado, com
edifícios estruturados cumpria funções bem definidas: casa para o
encarregado, casa de farinha, casa do índio e escola. Espaços de
formação em suposto funcionamento. Em ações formando um conjunto
de práticas por parte do órgão indigenista que se confrontava
constantemente com as expressões socioculturais dos indígenas, pois
foram construindo um “novo” indígena, que podemos nomear como um
“processo de indianidade”. O PI Pe. Alfredo Damaso reunia grupos
Kariri e Xokó que passaram por um processo de reconhecimento da
condição de índio por parte do SPI, enquanto grupo indígena específico
para receber do Estado “proteção” oficial. A atuação do PI acarretaria
no surgimento de determinadas relações econômicas e políticas
repetidas junto aos Kariri-Xokó, com diferenças de conteúdos derivadas
das diferentes tradições socioculturais envolvidas, formando um
conjunto de regularidades decorrendo do modo de ser característico de
grupos indígenas assistidos pelo órgão tutor (OLIVEIRA, 1988, p. 14).
Considerando as informações num relatório de 1945,
correspondente ao ano de 1944, foram matriculados 48 alunos, sendo
que 22 masculinos e 18 femininos, no turno diurno. O comparecimento
dos alunos do sexo masculino foi de 5.958 durante o ano. As faltas dos
alunos somaram aproximadamente 583 ausências. O comparecimento
das alunas foi de 3.396. As faltas somaram em torno de 907 ausências.
A Escola noturna teria funcionado com alunos adultos e masculinos, em
média de 35 matriculados. O comparecimento dos alunos adultos teria
somado 5.877. As faltas corresponderiam a 1.356 ausências11. Os
registros geralmente estavam quantificados, possivelmente servindo
como ponto relevante para contratação de servidores, principalmente no
âmbito escolar. Durante o período de atuação do SPI, não foram
encontrados registros de indígenas contratados pelo órgão como
auxiliar de ensino, porém o Cacique Cicero afirmou em entrevista que
11
Museu do Índio. Rio de Janeiro. Relatório. 31/12/1945. SPI-IR4-072-010 fls.2-3.
Cx. 171, planilha 10.
- 28 -
ensinou aos adultos sendo pago pelo Município de Porto Real do
Colégio.12
O mesmo relatório de 1945 registrou que os alunos eram
distribuídos em forma de “Grau de Instrução”, numa relação de domínio
de leitura ou codificação de determinados conteúdos ou mesmo do livro
destinado à passagem de uma etapa para outra. Em 1944, quatro alunos
estudavam História do Brasil, Aritmética Elementar e Geografia; três
estudavam o Livro Pequeno Escolar, Leitura de Manuscrito, escreviam
ditados e conheciam divisão de palavras, que correspondiam ao Curso
Primário. Seis alunos estudavam o primeiro Livro Pequena Escolar e
Aritmética. 24 estudavam a Cartilha do Povo e Tabuada ou Aritmética
Primária, sendo que 12 desses alunos sabiam assinar o seu nome
completo. Outros 12 estudavam abecedário e tabuada e faziam cópias
de manuscrito.
O mesmo relatório informou que, em 1945 na Escola noturna,
somente estudavam homens. Três alunos no livro de Gramática
Primária, Aritmética Elementar, Geografia e quarto no Livro Pequeno
Escolar para leituras. Dois alunos estudavam no segundo Livro
Pequeno Escolar e Aritmética Primária. Cinco alunos no primeiro Livro
Pequeno Escolar e Aritmética Primária. 18 alunos estudavam na
Cartilha do Povo e Aritmética. Sete alunos estudavam abecedário e a
tabuada sendo que alguns faziam soletração.13
Considerações finais
12
Cicero de Souza Santiago, Aldeia Kariri-Xokó, Município de Porto Real do Colégio,
Alagoas. Entrevistado em junho de 2014.
13
Museu do Índio. Rio de Janeiro. Relatório. 31/12/1945. SPI-IR4-072-010f2-f3.
Caixa 171, planilha 10.
- 29 -
Penedo, cidade alagoana relativamente próxima e também ribeirinha.
Existia pouca distinção entre forma de organização das disciplinas e dos
níveis que correspondiam à série ou ano estudados. O estudo de um
livro se misturava à disciplina, ao ano ou série, que por sua vez, era
utilizado para avaliar as competências dos estudantes podendo ou não
avançar para a etapa seguinte, também organizada de modo igual.
Com essa perspectiva de ensinar a “ler, escrever e contar” a
escola do PI Pe. Alfredo Damaso atuava como uma instituição que
formaria indígenas “integrados”. Mas, na visão Kariri-Xokó significava
um povo oficialmente reconhecido como um grupo étnico considerando
as circunstâncias históricas da época. Um indígena “integrado” seria
aquele que se relacionaria com um conjunto de conhecimentos
necessários à afirmação étnica, mas também com os conhecimentos
escolares “partilhados”14 e transformados em necessários pelas relações
com a sociedade local.
Essa perspectiva também correspondeu ao processo de
“escolarização”15 dos indígenas, por servir de controle por parte do
Estado, porém possibilitou a construção de uma “indianidade”
(OLIVEIRA, 1988) a partir da presença e atuação PI, especificamente
da escola, onde “novos” sujeitos foram formados, expressões
socioculturais étnicas reconhecidas pela instituição e afirmadas pelos
povos indígenas.
14
Essa ideia de índio “integrado” e índio “partilhado” foi tratada por Danuza Santos,
embora a autora não tenha abordado a educação escolar, mas sobre a religião Católica
Romana e o Ouricuri, suas reflexões foram significativas para pensarmos na ideia de
uma educação “integrada” ou “partilhada”. Ver: SANTOS, 2004. p. 169-203.
15
Ver VEIGA, 2002. Ressaltamos que a autora não tratou de escolarização indígena,
mas apenas discutiu o conceito na perspectiva teórica foucaultiana. A interpretação
que realizamos foi por entendermos o termo adequado para nossas reflexões.
- 30 -
Referências
- 31 -
SANTOS, Danuzia Tavares dos. Kariri-Xocó: aspectos católicos em
sua religiosidade. In: ALMEIDA. Luiz Sávio de; SILVA, Cristiano
Barros da. (Orgs.). Índios do Nordeste: temas e problemas 4.
Maceió: EDUFAL, 2004, p.169-203.
- 32 -
O EMPODERAMENTO DA MULHER A PARTIR DA
ANÁLISE DO FILME “O SORRISO DE MONALISA” E A
OBRA LITERÁRIA “UM TETO TODO SEU” DE VIRGINIA
WOOLF16
Introdução
16
Pesquisa realizada no ano de 2020, como parte do Trabalho de Conclusão de Curso
– TCC, no estilo de artigo, defendida para obtenção do título de Licenciatura Plena
em Letras na Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde – AESA. Centro de Ensino
Superior de Arcoverde – CESA.
17
Empoderamento é um neologismo da expressão inglesa “empowerment”,
traduzindo significa “delegar o poder” ou “fortalecimento”. Portanto, é a ação de se
tornar poderoso, de passar a possuir poder, autoridade, domínio sobre: a própria vida;
ser capaz de tomar decisões sobre o que lhe diz respeito: empoderamento das
mulheres.
- 33 -
homem. No livro de Virginia Woolf, a autora citou a forma de como o
homem descrevia a mulher ideal e não como realmente era. Diante
desse debate questionamos: como se efetiva o empoderamento da
mulher a partir da análise do filme “O sorriso de Monalisa” e livro “Um
teto todo seu”?
Portanto, nesse texto, a partir das citadas obras, refiltremos
sobre o espaço feminino, a igualdade de gênero e o empoderamento
diante de uma sociedade opressora. Discutindo como ainda no presente
a mulher encontra dificuldades por reconhecimento, destacando o
conflito entre submissão e emancipação feminina. Por intermédio do
empoderamento da mulher e das mudanças na sociedade as
mobilizações femininas vêm se intensificando ao longo dos anos, sendo
alvo de diversos estudos e pesquisas, com novos olhares e
possibilidades de questionamentos a sociedade. Como a igualdade de
gênero, o espaço da mulher na política, na cultura e em todos os
aspectos da sociedade. Com a quebra de tabus e reivindicações por
direitos. Não se tratando da superioridade da mulher em relação ao
homem, mas que ocorra igualdade de gênero e cesse o patriarcalismo
- 34 -
para cada sexo, a mulher pode ser uma engenheira, assim como homem
pode ser um recepcionista, pois, “Ninguém nasce mulher, torna-se
mulher” (BEAUVOIR, 1967, p. 9). Sendo possível estabelecer relações
dessa afirmação com a citada obra fílmica dos anos 1950. A mulher não
nasceria com papéis designados, ao contrário, a identidade da mulher é
formada no âmbito da cultura e, portanto, é histórica e social. Embora
no século XXI ainda é perceptível o espanto da sociedade ao ouvir que
uma mulher não quer ser mãe, papel que lhes são designado. Ainda em
uma sociedade onde subversivo é quem não segue preceitos
tradicionais.
Escreveu a filósofa, escritora e feminista francesa,
- 35 -
este discurso a desconstrução do casamento cabal aquilo tornando-se
uma relação irrelevante, visto assim que a produção da independência
feminina tem fixado cada vez mais o desinteresse conjugal.
A filósofa francesa também afirmou: “O destino que a
sociedade propõe tradicionalmente à mulher é o casamento”
(BEAUVOIR, 1967 p. 407). Porque desde o princípio a mulher não
casada era ignorada e julgada pela sociedade, não era inclusive
considerada uma mulher de respeito. A destinação para a mulher seria
a consumação do casamento, reprodução e criação de filhos. Aprender
a lavar, passar e cozinhar e se a família tivesse condições poderia ser
superdotada, tendo a oportunidade de conhecer as diversas literaturas,
tocar piano e falar algum outro idioma para conversa com o marido após
a volta do trabalho. O cuidar do lar e dos filhos sempre fora designado
à mulher, “Não obstante todas estas diferenças que tornam a vida de
mulher mais ou menos difícil, a responsabilidade última pela casa e
pelos filhos é imputada ao elemento feminino. Torna-se, pois, clara a
atribuição, por parte da sociedade, do espaço doméstico à mulher”
Partindo desse pressuposto e diante do contexto histórico social, o
mesmo autor comentou: “A sociedade investe muito na naturalização
deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição de espaço
doméstico à mulher decorre de sua capacidade de ser mãe” (SAFFIOTI,
1987, p. 9).
Ainda persiste a visão em que a mulher é tratada como submissa
do lar, sendo o homem o patriarca, o soberano da família, com a mulher
passiva e não ativa como o homem. Sem mostrar a representatividade e
autonomia que sempre tem direito. Porém a modernidade, o movimento
feminista e o empoderamento evidenciou outra forma de pensar a
mulher. “A mulher não se acha mais confinada na sua função
reprodutora: esta perdeu em grande parte seu caráter de servidão
natural, apresenta-se com um encargo voluntariamente assumido”
(BEAUVOIR, 1967, p. 407). Embora a mulher tenha conquistado a
liberdade do querer em relação à função reprodutora e do lar, alguns
homens veem como uma ameaça e se sentem inferiores, não aceitando
que os gêneros tenham igualdade, como o direito de cada indivíduo: “É
- 36 -
então a atitude dos homens que cria novo conflito: é com má vontade
que o homem libera a mulher. Agrada-lhe permanecer o sujeito
soberano, o superior absoluto, o ser essencial; recusa-se a considerar
concretamente a companheira como sua igual” (BEAUVOIR, 1967, p.
691).
O casamento não define o valor de uma mulher, que não está
condicionada a uma união matrimonial para a construção de uma
família. Um exemplo disso são as mães solteiras. A mulher é um ser
independente, não necessita da figura masculina para garantir seu lugar
na sociedade. A sororidade, sentimento aliado do empoderamento
feminino, consistindo na ideia de união entre as mulheres, com a
empatia e o ato de julgamento difundido pela sociedade que se
patriarcal omite, nas mobilizações contra toda a opressão, surgindo a
compreensão do que é ser mulher e criando-se uma aliança entre as
próprias mulheres (NOSSA CAUSA, 2020).18
Nisto, advém à representatividade. O quanto à mulher se sente
confortável em ser representada por tal movimento, sendo que no
feminismo e na sociedade em geral é de extrema importância a
representação, para indivíduo sentir-se convidativo em saber que não
está sozinho, pode ter direito como qualquer outro que seja diferente
dele a liberdade de ir e vir e o que quiser ser. Pelas mulheres terem sido
privadas por muitos séculos de direitos, ainda na atualidade não percebe
o próprio poder. O movimento feminista não é o contrário do
machismo, mas a busca a igualdade, tendo em vista que nas próprias
propagandas de TV e outdoors a imagem da mulher é usada, não pelo
poder que tem, mas apenas como objeto de satisfação para o homem.
Por isso é necessário enfatizar o empoderamento feminino, para que
mais mulheres descubram a força e autonomia.
18
A revista “Nossa Causa” é uma Organização da Sociedade Civil empenhada em
propagar o conhecimento através da atuação de vários colaboradores nos diversos
contextos sociais, buscando mudar o mundo e resgatar as aprendizagens e as ações
das quais fizeram parte. O Manual para roda de conversa feminista pretende inspirar
o leitor a buscar o compartilhamento coletivo e interativo do conhecimento para assim
mudar o mundo.
- 37 -
Por que as mulheres não contestam a soberania do
macho? Nenhum sujeito se coloca imediata e
espontaneamente como não essencial; não é o Outro que,
definindo-se como Outro, define o Um; ele é posto como
Outro pelo Um definindo-se como Um. Mas para que o
Outro não se transforme no Um é preciso que se sujeite a
esse ponto de vista alheio. De onde vem essa submissão
na mulher? (BEAUVOIR, 1970, p. 19)
Fundamentando o feminismo
- 38 -
dimensão de sua resistência. O Movimento Feminista ressurgiu em um
momento consagrado onde grupos de diversas autorias buscavam a
liberdade, denunciando a forma opressora estabelecida na sociedade,
marcado pelo período de fortes revoluções do século XVIII (ALVES;
PINTAGUY (1968).
Propriamente o movimento teve grande reconhecimento e
significância no século XIX na Inglaterra com fortes mobilizações e a
presença da figura feminina cessando as práticas tirânicas e
exclusivistas, ansiando veemente pelo direito ao voto, melhores
condições de trabalho e salário justo, este momento apresentou o
movimento sufragista. No Brasil o movimento ocorre nos anos 1930 e
diferente dos outros países que tinha o movimento de massas, mas com
o mesmo ensejo pelo voto feminino, iniciado pela professora Deolinda
Daltro e defendido no ano de 1919 pela sufragista Bertha Lutz liderando
a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher no país. Apesar das
mobilizações das mulheres não ser algo recente, o conceito de
feminismo ainda é visto de maneira errônea. Ao contrário do que
pensam ser feminista não é negar a feminilidade, mas evidenciar um
padrão de beleza. É poder ser livre para usar e estar no ambiente que
quiser. Com as mobilizações social, política e filosófica do movimento,
as mulheres conseguiram o direito de trabalhar, pois nos anos 1960 era
necessária a permissão do marido. Conquistaram o direito ao voto e no
século presente uma mulher foi Presidenta do Brasil.
As feministas não praticam misandria19 aos homens, apenas
apresentam a mulher tratada como submissa ao homem em todos os
aspectos, seja no lar, no trabalho e na sociedade em geral. O movimento
reivindica também que o homem mostre seus sentimentos, com um ser
sensível e educado sem ser rotulado como homossexual. Criticando a
cultura que para ser homem tem que ser grosseiro e chorar é coisa de
“mulherzinha”, novamente sendo rotulado de forma errada e o
19
Misandria é a repulsa, desprezo ou ódio contra o sexo masculino. Aversão
patológica, enquanto gênero sexual, considerada o oposto da misoginia. O termo
“misandria” surgiu do grego misosandrosia, composto pela junção das partículas
misos, “ódio” e andros que significa “homem”.
- 39 -
pejorativo das palavras. O feminismo discute questões que afeta a
mulher de forma geral. Um ponto muito importante no Brasil são as
mobilizações contra a violência e um marco foi à criação da Lei Maria
da Penha n° 11.340. O movimento feminista também diversidades com
questões de aspectos de mulheres, como: lésbicas, indígenas e negras.
A Constituição Federal no o artigo 226, condenou as violências contra
as mulheres:
- 40 -
o despertar da consciência de outras mulheres em relação ao
movimento, estudar, se aprofundar e conhecer a história do movimento
e descobrir que é possível conseguir mais (CAMARGO, 2015).
- 41 -
de um certo potencial de resistência contra a opressão (ALMEIDA,
1998, p. 19). Foi com esse discurso que a mulher garantiu o lugar na
sala de aula. “O ingresso no magistério, significou para muitas, a
oportunidade de prosseguir os estudos, ascendendo a graus mais
elevados de formação” (CARRANZA, 2009, p. 9). Essa modalidade
possibilitou as mulheres buscarem a autonomia contra as adversidades
sociais, mesmo vivendo na submissão do patriarcalismo e no vínculo
conciliativo da maternidade, a mulher conseguiu através do magistério
mostrar a intelectualidade com maestria.
Inicialmente as mobilizações pela inserção da mulher na
sociedade se popularizou através do movimento sufragista, o viés para
fortalecer o gênero na busca de melhores condições de vida e do
principal motivo que era o direito de votar assim exercendo a cidadania.
Este movimento consolidou-se na Europa chamado de sufrágio
feminino deteriorando o sufrágio universal, muitas foram às
mobilizações com a inserção de várias mulheres. O importante era
quebrar os tabus na época, um deles a exclusão da mulher no poder
público. Outro paradoxo para o fortalecimento as mobilizações pela
abolição da escravatura que fomentou uma grande massa de mulheres
negras para perceberem a própria sujeição.
As mulheres enfrentaram opressões como violência e prisão,
além de não poderem se expressar em público. As situações se
difundiram fazendo com que outros países adotassem esse modelo, no
Brasil posteriormente foi diferente, pois havia a carência das massas, a
figura feminina era pacificadora, discreta e excludente. Bertha Lutz foi
uma das pioneiras nos debates pelo sufrágio feminino, artigo
apresentado para a Constituição de 1927, possibilitando então o
exercício da cidadania do voto as mulheres a partir de 1932. Mesmo
com o direito ao voto, a mulher não podia ser votada e exercer os
direitos como era promulgado pela constituição e pelo Sufragismo.
Limitavam a mulher afirmando que não tinha competência em
administrar e fazer as coisas acontecerem e muitos delas criticaram o
movimento sufragista por não ter serventia. Em 1934 o direito de votar
e ser votada passou a fazer parte da Constituição.
- 42 -
Se o movimento sufragista não se confunde com o
feminismo ele foi, no entanto, um movimento feminista,
por denunciar a exclusão da mulher da possibilidade de
participação nas decisões públicas. Uma vez atingindo
seu objetivo – o direito ao voto esta prática de luta de
massas estava fadada a desaparecer. Há assim uma
desmobilização das mulheres. Entretanto, o
questionamento da sua discriminação prossegue,
incorporando outros aspectos que configuram a condição
social da mulher (ALVES; PITANGUY, 1985, p. 48).
- 43 -
num tanque de água suja, fedida, nojenta. Quando
retiravam a minha cabeça, eu não conseguia respirar,
porque aquele pano grudava no nariz. Um dos
torturadores ficou tantas horas em pé em cima das minhas
pernas que elas ficaram afundadas. Demorou um tempão
para se recuperarem. Meu corpo ficou todo preto de tanto
chute, de tanto ser pisada. Fui para o pau de arara várias
vezes. De tanta porrada, uma vez meu corpo ficou todo
tremendo, eu estrebuchava no chão. Eles abusavam
muito da parte sexual, com choques nos seios, na vagina
[…] passavam a mão (MERLINO, 2010, p. 100).
- 44 -
anos de 1940 e 1950 existia muito conformismo na sociedade, uma vez
que as meninas da escola onde Katherine Watson lecionava tinha essa
perspectiva de vida. Concluir os estudos e casar, por mais que fosse
infeliz, o conservadorismo e conformismo da época lhes obrigavam a
viver de aparências. Apesar da emancipação das mulheres com grande
importância no século XX, através do filme percebemos uma mulher
empoderada, contra todo conservadorismo, uma mulher muito além do
seu tempo.
A obra de não ficção "Um teto todo seu" datada em 1928 é um
comentário social de Virginia Woolf baseado em palestras nas
faculdades de Newham e Girton em 1920. No livro a autora dissertou
sobre os estudos das mulheres e a ficção. Indagando o meio em que a
mulher vivia, questionando a vida de mulheres que diferente de suas
mães poderiam se tivessem investido nos próprios negócios e ganhado
o próprio dinheiro, para dias melhores.
- 45 -
dos livros escritos por homens, onde citava as mulheres. E neste
catálogo Virginia encontrara cinco pontos dentro da temática "Mulheres
e a ficção": “Têm vocês alguma noção de quantos livros são escritos
sobre as mulheres em um ano? Têm alguma noção de quantos são
escritos por homens? Estão cientes de serem, talvez, o animal mais
discutido do universo?" (WOOLF, 1928, p. 34).
Através dessas perguntas, ficou tentada a trazer as verdades e ao
ter acesso a esses títulos encontrando um fenômeno restrito ao sexo
masculino "As mulheres não escrevem livros sobre os homens"
(WOOLF, 1928, p. 35). A autora indagava o porquê das mulheres serem
pobres, buscando responder observando as situações históricas,
analisando as condições sociais das mulheres em outros países, a vida
a que as mulheres foram submetidas. Além citar pensadores e escritores
como Samuel Buttler, Pope, La Bruyère, Shakespeare, Goethe,
Mussolini entre outros a autora percebeu que para cada homem, a visão
sobre a mulher era um disparate:
- 46 -
48). Pensando justamente sobre a vida de mulheres casadas na época,
que se quisera algo, teriam de pedir aos maridos, porque eram
dependentes dos mesmos. A autora discutiu sobre o sexo (neste caso,
referindo-se às mulheres) protegido, onde a mulher era privada de
algumas profissões. Em um comentário citou que as mulheres junto aos
padres e jardineiros viviam mais que as pessoas e acreditava que em
cem anos as mulheres participariam de atividades e esforços no passado
negados. Após a leitura de um livro sobre história da Inglaterra, citou
as comparações do professor Trevelyan sobre como a mulher era tratada
na ficção e na vida real: “Domina a vida de reis e conquistadores na
ficção; na vida real, era escrava de qualquer rapazola cujos pais lhe
enfiassem uma aliança no dedo. Algumas das mais inspiradas palavras,
alguns dos mais profundos pensamentos saem-lhe dos lábios na
literatura; na vida real, mal sabia ler e escrever e era propriedade do
marido” (WOOLF, 1928, p. 56).
Virginia, em sua obra, criou a irmã de Shakespeare chamada
Judith e comparou como seria a vida de ambos e as oportunidades que
a vida lhes poderia oferecer. Afirmando que Shakespeare
provavelmente teria ido a escola e seria muito bem admirado por sua
inteligência, casaria cedo e nasceria um primogênito antes do esperado.
Teria ido a Londres e dedicaria a vida à carreira de ator e alcançando os
objetivos neste âmbito profissional. Por outro lado, a irmã permaneceria
em casa, dotada de imaginação e sede por aprender, mas Judith,
- 47 -
E descrevendo quase o mesmo trajeto que Shakespeare
supostamente tomara. Após o casamento arranjado ter sido um fracasso,
Judith decidiu fugir de casa e tentar a vida em Londres, tinha predileção
para o teatro, assim como o irmão ficando à entrada de um e dissera a
um homem que tinha desejo de representar, porém riu dela. Virginia
relatou que viu em uma prateleira de livros a ausência de obras de
autoria feminina. Por a mulher ser considerada um ser inferior e incapaz
de produzir, muitas autoras do século XIX, escondiam-se atrás de
nomes masculinos as próprias produções. Os homens definiam as
mulheres como seres completamente inferiores, pois "havia uma
enorme maioria de opiniões masculinas no sentido de que nada se
poderia esperar das mulheres intelectualmente" (WOOLF, 1928, p. 67).
E na mesma perspectiva: "Nick Greene, pensei, lembrando a história
que criei sobre a irmã de Shakespeare, dissera que uma mulher
representando lembrava-lhe um cachorro dançando" (WOOLF, 1928,
p. 68). E Johnson, anos depois, repetiu a frase sobre as pregadoras de
saia: “É bastante evidente que mesmo no século XIX, a mulher não era
incentivada a ser artista. Pelo contrário, era tratada com arrogância,
esbofeteada, submetida a sermões e admoestada. Sua mente deve ter
sofrido tensões, e sua vitalidade foi reduzida pela necessidade de opor-
se a isso, de desmentir aquilo” (WOOLF, 1928, p. 68).
A partir deste pensamento que o movimento feminista foi
influenciado. A história evidencia o desabono da figura feminina nos
movimentos educacionais e socioculturais, predominante na literatura e
no cinema. O masculino sempre foi enaltecido, ocupando o espaço nas
diversas áreas e a mulher sem domínio intelectual para as eficiências na
sociedade, vivendo as margens do patriarcalismo. Tipicamente, o
conceito mediante da literatura era os cânones literários, referidos as
obras e os autores, liderado pelo sexo masculino. Mulheres da época
com o desejo de participarem desse conjunto era preciso adotar o
famoso pseudônimo, em escritas literárias de maneira discreta e
assinadas com outro nome, que não fosse da sua natureza. A mulher
vista inicialmente na literatura como figura peculiar em Eça de Queirós,
Machado de Assis, José de Alencar, pensada sempre a um significado
- 48 -
ou uma posição nas obras, com a efigie representada por Luísa no livro
“O primo Basílio”, Capitu na obra machadiana “Dom Casmurro” e
“Iracema” do romance indianista nacionalista. Protagonistas,
assumindo um papel na maioria das vezes era degradante a sua imagem,
excluídas sem voz, inadequadamente representadas. Em outro
momentos apresentadas como guerreiras, formosas e indomáveis,
“Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros
que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira”
(ALENCAR, 1865, p.12). O autor idealizou a figura da mulher indígena
com aspectos da Natureza, assim, formalizando a sua beleza.
Por muito tempo, as escritoras seguiam a linha pejorativa
conduzindo com personagens femininas, exclusas, frágeis, irresistentes,
como os escritos masculinos da elite burguesa. Todavia, momento
marcante foi à fase feminista na década de 1940 representada pela
escritora brasileira do Pós-Modernismo Clarice Lispector autora de
obras como “Perto do coração selvagem” com Joana, “A hora da
estrela” com Macabéa, evidenciando a mulher em busca da
expressividade, libertando os desejos e o que a aprisionava entre a
realidade e o delírio nas vivência no social, mas tendo a índole
perturbada as beiras da enseada. “O que eu escrevo é mais do que
invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares
delas. E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida.
Porque há direito ao grito. Então eu grito” (LISPECTOR, 1977, p.13).
Clarice propôs ao leitor o conhecimento da mulher que havia em si e da
personagem criada nas narrativas, suas vivências e o caráter existencial
delas.
Não só na literatura, mas também no cinema a representação da
mulher vem se tornando bastante abrangente, procurando por
igualdade, produzindo mudanças consideráveis em relação à imagem
da mulher. Sendo a mulher normalmente codificada incluindo na série
visual, como uma figura de admiração, com isso suprindo a chave para
o divertimento erótico, marcando uma peça de desejo masculino, presa
ao patriarcalismo. São apresentadas nas telas mulheres bem-sucedidas,
independentes, inteligentes bonitas vivendo sem a submissão
- 49 -
masculina, com a capacidade para arcar com todas essas atribuições.
Principalmente com a Ditadura que possibilitou a movimentação na
época, contudo as mulheres ainda têm poucas participações na
elaboração de filmes, curta-metragem, embora cada ganhando espaço,
voz e sucesso no meio. O quão longínquo e persistentes foram as
mobilizações femininas pela inclusão no cinema para participar nas
produções cinematográficas, evidenciando empoderamento e
criatividade.
Considerações finais
- 50 -
opressão. Assim concluímos que a pesquisa contribui para pensar o
empoderamento feminino. Evidenciando que a equiparidade e o de
gênero é primordial para a construção do conhecimento acadêmico.
Estabelecendo uma sociedade altruísta, igualitária e fomentada de
conhecimento e respeito para com todos.
Referências
- 51 -
Brasil. Lei Maria da Penha (2006). Lei Maria da Penha e legislação
correlata. Brasília: Senado Federal, subsecretaria de Edições
técnicas, 2011.
- 52 -
O que as mulheres ainda precisam conquistar? DNA feminino.
Disponível em: https://dnafeminino.com/o-que-as-mulheres-ainda-
precisam-conquistar/ Acesso em: 05/05/2020.
- 53 -
RECONHECIMENTO E IDENTIDADE COMO PILARES DA
DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL: A COMUNIDADE
QUILOMBOLA ONZE NEGRAS (CABO DE SANTO
AGOSTINHO/PE)
Jairo Silva
20
A pesquisa, foi realizada no ano de 2017, cumprida como parte do Trabalho de
Conclusão de Curso – TCC, em estilo de monografia, defendida para obtenção do
título de Bacharel em Ciências Sociais, pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco – UFRPE. A análise foi realizada sob a perspectiva de entender as
implicações para a construção da identidade da Comunidade Quilombola Onze
Negras, a partir do reconhecimento.
- 54 -
A pesquisa ocorreu a partir de: i) realização de entrevista
semiestruturada; ii) observação participante e; iii) análise bibliográfica-
documental, de acordo com o que Angrosino (2009) denominou de
"triangulação antropológica". Contudo, privilegiamos as narrativas das
entrevistas, onde percebemos da voz nativa, pontos para pensar os
temas elencados neste texto.
Na perspectiva teórica, os diálogos ocorreram com as teorias da
identidade e do reconhecimento, buscando contribuir para as discussões
sobre o reconhecimento e a construção da identidade quilombola,
potenciais aspectos para pensarmos a diversidade sociocultural, numa
aproximação com a situação da Comunidade Quilombola Onze Negras.
A fim de compreender as problemáticas, pensemos, inicialmente, sobre
como reconhecimento, redistribuição e identidade oferecem subsídios
para as problematizações sobre a ideia de diversidade sociocultural.
21
Título da obra de Axel Honneth, abordando as problemáticas inerentes ao
reconhecimento.
- 55 -
nacionais, bem como as relações com o Estado e as formas a partir das
quais os povos se veem no processo de reconhecimento-construção das
identidades. Deste modo, abordando o reconhecimento enquanto um
dialógico resultado dos conflitos sociais, Honneth (2003) propôs um
construto teórico contribuindo de forma decisiva para o estudo das
sociedades envolventes, indicando a intensa influência na construção
das identidades daqueles que se mobilizam para serem reconhecidos
como parte da diversidade sociocultural.
Por seu turno, Nancy Fraser também apresentou importantes
contribuições para os debates sobre o reconhecimento. Em
considerações teóricas para o alargamento crítico às propostas de
Honneth, Fraser (2001) ponderou que o final do século XX foi
caracterizado pela forte presença dos paradigmas nacional e étnico
agindo diretamente sobre o "reconhecimento das diferenças". Na
ampliação da teoria do reconhecimento apresentou questões sobre o
dilema reconhecimento-redistribuição, sugerindo dois importantes
conceitos: redistribuição e ambivalência. A citada autora entendeu que
para uma boa concepção dos desdobramentos do reconhecimento, é
necessário dispensar uma atenção especial para a percepção
considerando o acesso a direitos fundamentais (educação, saúde, renda
etc.) como algo indispensável. Significando que esse acesso somente
será garantido por uma redistribuição de direitos historicamente
denegados. Assim, existem situações em que a ambivalência é algo
fortemente presente. Nestes casos, seria necessário, portanto,
reconhecer identidades e redistribuir direitos, numa lógica ambivalente
de reconhecimento e redistribuição.
As contribuições propostas por Honneth (2003) e Fraser (2001)
são de importância ímpar para a compreensão das questões em torno do
reconhecimento e da identidade. Questiona-se, frequentemente: o que
se reconhece? Como se reconhece? Para que se reconhece? E em
últimas consequências, considera-se o reconhecimento como resultado
de propósitos vinculados à construção e afirmação de identidades. A
partir desta perspectiva, existe a necessidade das aproximações e
- 56 -
relações de dois conceitos-chaves para a diversidade sociocultural:
reconhecimento e identidade.22
Nesse sentido, pensamos a identidade a partir de três
perspectivas teóricas discutidas por Denys Cuche; Manuel Castells e
Boaventura de Sousa Santos.23 Inicialmente, reconhecemos que em
Cuche (1999) existe um “manual sobre identidade”. O autor apresentou
uma ampla abordagem sobre o conceito e considerou, por exemplo,
com o procedimento de reconhecimento e identificação, agindo de
forma ativa nos atuais arranjos sociais, operando de forma a resultar
num "fechamento em uma identidade etnocultural". No desdobramento
dessa análise do fenômeno da identidade, indicou ainda como a
construção do conceito tem percorrido caminhos diversos nos últimos
períodos. Destacando-se o nível onde a identidade assume, de forma
mais articulada, posicionamentos estratégicos numa conjuntura onde os
grupos específicos se dispõem politicamente, aproveitando-se de
determinadas situações conjunturais para afirmar e requerer o
reconhecimento das identidades características.
Esta percepção possibilita diálogos de aproximações entre
Cuche (1999) e Castells (1999), sobre a compreensão da identidade a
partir de uma concepção de estratégia política. Nesse sentido, Castells
(1999) propôs a identidade eivada de poder que, posicionando-se
estrategicamente, interfere diretamente nos rumos de uma sociedade,
exercendo "força para dentro e para fora".
Por fim, se a identidade é entendida como um complexo
fenômeno da modernidade cabe, portanto, questionar sobre a
necessidade de sabermos quem pergunta pela identidade, em que
condições, contra quem, com que propósitos e com que resultados.
22
Ressaltando que quando da realização da pesquisa, em 2017, o conceito de
identidade foi tratado a partir de “abordagens gerais”. Em tempo: no texto ora
apresentado, buscaremos aproximações com as especificidades da identidade
quilombola.
23
A aproximação possibilitou uma análise realizada de forma mais minuciosa,
conforme texto publicado recentemente, in SILVA, Jairo Hely. Identidade em debate:
contribuições e nuances de Boaventura, Castells e Cuche. Alamedas, v. 8, n. 1, p. 13-
34, 2020.
- 57 -
Nessa perspectiva, ao olhar para o conceito, Santos (1994) sugeriu a
existência de uma "identidade fictícia", num estágio onde a própria
identidade responde às demandas internas e externas de forma a
inventar-se e reinventar-se no conjunto das situações sociais.
As perspectivas teóricas resumidamente apresentadas acima,
possibilitaram nossas reflexões sobre como reconhecimento e
redistribuição tencionam e podem tencionar a construção da identidade
quilombola. Contudo, é necessário reconhecer que essas abordagens
tendem às generalizações, nos obrigando a, se quisermos entender como
operam tais perspectivas na diversidade sociocultural, discutir
especificidades e materialidades particularizadas do reconhecimento
das identidades. Para isso, no que diz respeito às questões quilombolas,
é necessária uma rápida abordagem sobre como o reconhecimento
quilombola tem se apresentado na conjuntura histórica brasileira, bem
como um breve olhar antropológico sobre a questão.24
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 e os
desdobramentos jurídicos que passaram a operar sobre o
reconhecimento das identidades étnicas, os “remanescentes dos
quilombos” conquistaram um novo status social junto ao Estado.
Assim, os processos do reconhecimento passaram a exercer influências
sobre a constituição da identidade quilombola, indicando um novo
patamar no complexo jogo das identidades. A partir de então, criou-se
uma demanda pelo reconhecimento da identidade quilombola,
identidade esta passou a definir, de maneira mais intensa, rumos e
sentidos no conjunto da sociedade brasileira, especificamente no final
do século XX, constituindo-se como um relevante problema para a ideia
de diversidade sociocultural.
A literatura das Ciências Humanas, destacando-se a área da
Antropologia, tem apontado, especialmente nas últimas décadas, um
sem número de complexos fenômenos sociais evidenciando de maneira
24
Uma proposta de debate para pensar a questão foi realizada anteriormente in:
SILVA, Jairo Hely. A questão quilombola no Brasil: apontamentos para um debate
histórico. Revista Ouricuri, v. 9, n. 1, p. 067-090, 2019.
- 58 -
problemática o reconhecimento de comunidades quilombolas no Brasil
e a construção da identidade destes grupos. Um conjunto de abordagens
teóricas e estudos de casos disponíveis a partir de pesquisas e métodos
mais variados como, por exemplo, os apontados por O’Dwyer (2002),
evidenciaram o quão complexas são as questões envolvendo o
reconhecimento dessas comunidades. As questões discutidas pela
autora indicaram desdobramentos operando diretamente sobre a
construção das identidades de comunidades quilombolas no Brasil,
corroborando que as mobilizações por reconhecimento, bem como os
seus processos, estão diretamente imbricadas em problemáticas e
complexas relações em torno da construção da identidade.
Além disso, para entender como o reconhecimento é um
instrumento fundamental na construção e afirmação da identidade
quilombola, é preciso perceber que esses grupos estão eivados de
particularidades, constituindo um mosaico de especificidades. Nesse
sentido, os estudos etnográficos buscam compreender sobre quais são
as influências para a afirmação e respeito à diversidade sociocultural, a
partir dos processos de reconhecimento e construção da identidade
quilombola. Por esse ângulo, o ponto de partida proposto para essa
compreensão, percebe na Comunidade Quilombola Onze Negras
possibilidades de respostas a questão.
- 59 -
posteriormente25, em um exercício de transcrição, conforme técnicas da
Antropologia, considerando que: “O tamanho de uma amostra depende
das características do grupo que você está estudando, de seus próprios
recursos (isto é, suas limitações legítimas de tempo, mobilidade, acesso
e equipamento, etc.) e dos objetivos do seu estudo.” (ANGROSINO,
2009, p. 68).
Um olhar sobre as narrativas dos/as entrevistados e
entrevistadas, evidenciou que a análise dos aspectos presentes nos
relatos possibilitou perceber importantes subsídios para pensar as ideias
apresentadas acima, a partir de um estudo de caso etnográfico,
conforme será exposto abaixo.
25
Foram realizadas 20 entrevistas, divididas nas possibilidades encontradas no campo
de pesquisa, num sentido de aproximar a representação numérica com uma ideia de
igualdade entre: homens (8) e mulheres (12); pessoas mais idosas (13) e pessoas mais
jovens (7) e; lideranças (10) e liderados (10). Para não fomentar disputas locais,
conforme procedimentos éticos das Ciências Sociais, optamos por não identificar as
pessoas nas entrevistas.
- 60 -
Para perceber essas questões, o ponto de partida foi buscar
compreender as indicações mais peculiares das manifestações das
identidades, segundo um entendimento mais geral, percebendo como o
reconhecimento pode ter, a partir das propostas de Castells (1999) e
Santos (1994), influenciado nessa identidade. Nesse sentido, o primeiro
questionamento foi com a seguinte provocação: Como eram as festas,
comidas e costumes da comunidade antes do reconhecimento? As
respostas abaixo indicam uma diversidade de entendimentos que serão
explorados em seguida:
- 61 -
Os relatos dos entrevistados/a 1, 2 e 3, indicam que o
reconhecimento não influenciou decisivamente na construção da
identidade, ao menos se considerarmos apenas um olhar sob os aspectos
mais gerais e simbólicos, vinculados à algumas questões materiais,
compreendidas como peculiares e fundamentais expressões e
manifestações das identidades de grupos étnicos, atuando na afirmação
da diversidade sociocultural (festas, alimentações, costumes gerais).
Além disso, aprofundando um pouco mais, observamos, num trecho do
relato do entrevistado 3, que o reconhecimento foi decisivo para um
posicionamento político da identidade, um posicionamento estratégico
manifestado mesmo nas questões mais primordiais: [...] “só que a gente
não sabia que a gente era quilombola” [...] (Entrevistado 3). Essa
comprovação também pode ser evidenciada em outras falas:
- 62 -
Algo que possibilitou uma mobilização em torno de uma identidade
estratégica, política. Confrontando os autores Castells (1999) e Santos
(1994) e retomando as suas contribuições teóricas, afastando-as e
aproximando-as para fins analíticos, foi possível questionar sobre onde
estaria o limite entre uma estratégia política da identidade e uma
elevação fictícia dela mesma. As ponderações a essa questão estão em
entender que ambas as possibilidades somente poderiam ser pensadas
numa relação dialógica, onde a resposta/resultado do posicionamento
de quem pergunta e da relação com quem responde sobre a identidade
é dada: tanto no entendimento que parte de uma estratégia da identidade
as adesões à aspectos fictícios ou inventados; como na compreensão
que a ficção é parte da própria estratégia da construção e defesa de certa
identidade, no complexo da diversidade sociocultural. Certamente, com
a percepção de identidade dinâmica, presente na ampla abordagem de
Cuche (1999), compreendemos que se houveram estratégias e elevações
fictícias, é necessário considerar estas como aspectos próprios dos
dinâmicos processos de construção das identidades, bem como da
diversidade sociocultural.
Logo, o reconhecimento influenciou, modificou, interferiu e
agiu diretamente sobre a identidade da Comunidade Quilombola Onze
Negras, atuando por vezes totalmente e por vezes parcialmente neste
processo. As implicações destas influências são notórias e percebidas
num conjunto de realidades modificadas nas relações do grupo consigo
mesmo e com a sociedade envolvente. Talvez, tenha ocorrido um
"tornar-se quilombola". Em caso afirmativo, fomos inclinados a
perceber o quanto os processos do reconhecimento implicam numa
percepção sobre a forma como são apreendidas, historicamente, as
relações com os grupos étnicos e a diversidade sociocultural no Brasil,
conforme ponderou Arruti (2006).
O reconhecimento parece ser assim, a descoberta de um
instrumento de combate ao anonimato histórico, provocado pelas
“razões” do Estado e da sociedade envolvente, onde a resposta é dada,
todos os dias, pelos membros da comunidade, a si mesmos. Portanto,
estamos deparados, mais uma vez, com o próprio "jogo da identidade e
- 63 -
da diversidade sociocultural" que, eivado de implicações, ocorrem em
elevado e complexo nível. Cabendo, portanto, questionar como
podemos entender o reconhecimento enquanto influência, dialogando
com as próprias possibilidades da construção da identidade e
relacionando-a com uma mobilização contínua: uma mobilização pelo
reconhecimento dinâmico e a afirmação dialógica.
Conforme vimos em Honneth (2003), os processos do
reconhecimento ocorrem num contínuo contexto de conflitos. Para
Fraser (2001), se materializando na constatação que apenas o
reconhecimento não garantiria direitos fundamentais: eis porque a ideia
de redistribuição. Como compreender, então, quais as relações da
Comunidade Quilombola Onze Negras com o reconhecimento, nas
mobilizações pela afirmação da identidade na complexidade da
diversidade sociocultural? Buscamos respostas questionando sobre se o
reconhecimento não serviu apenas como um "despertar temporal", algo
como um "boom identitário", uma "ficção pontual" onde apenas
houvesse mobilização e estratégia política para o simples ato de ser
reconhecido, não restando depois disso nenhum sentido a posteriori no
reconhecimento. Perguntamos então: depois do reconhecimento vocês
continuaram mobilizados em torno de alguma causa ou interesse?
- 64 -
das conferência, pra lutar pra gente trazer nossa [...] nossa
política diferenciada. Porque a gente também tem o
direito igual. Que não tenha questão de diferença porque
fulano é branco e eu sou preta, não. A gente quer direito
igual, que todos nós somos filhos do mesmo Deus.”
(Entrevistada 16).
- 65 -
sociedade? As respostas indicam nuances ainda mais complexos para a
análise:
- 66 -
Finalmente, se compreendermos que o reconhecimento interfere
na construção da identidade e se percebemos que é peça do próprio
tabuleiro onde se assenta a diversidade sociocultural, foi necessário
indagar sobre o “benefício real” que traria para a Comunidade
Quilombola Onze Negras e, nesse sentido, entender como esses
benefícios poderiam contribuir, a partir de duas provocações: i) ainda
para a afirmação da identidade ou; ii) para a superação no artifício
histórico de uma relação de mobilizações contínuas do processo
identitário. Partindo destas possibilidades, indagamos: qual foi o efeito
real ou o benefício para a comunidade com o reconhecimento?
- 67 -
Considerações finais: como reconhecimento e identidade
influenciam na diversidade sociocultural (?)
- 68 -
estejam numa relação de livre escolha dos envolvidos no "jogo político
da identidade e da diversidade cultural". Pois correspondem, muito
mais, ao posicionamento histórico que os autores construíram, ao longo
do tempo, no "tabuleiro".
Sendo possível afirmar ainda, que as identidades de grupos
específicos estão vinculadas, necessariamente, à posição histórica que
os grupos ocupam no grande mosaico da diversidade sociocultural,
existente nas sociedades envolventes. Assim, o grupo onde a pesquisa
foi realizada pode ter, em algum momento, "elevado-se" à uma postura
fictícia, no sentido de cumprir uma etapa do processo de
reconhecimento, necessário como parte de uma estratégia. Com efeito,
e a partir dos dados da análise, percebemos que a identidade da
Comunidade Quilombola Onze Negras se manifesta, estrategicamente,
a partir de uma mobilização pelo reconhecimento contínuo, se
posicionando num longo contexto histórico, por sua vez, recebendo
influências diretas deste próprio reconhecimento, forçando aquela
identidade (dinâmica) a disputar e a disputar-se no "jogo" realizado com
poucas perspectivas de conquistas e muitas de adequação à própria ideia
de diversidade sociocultural e as contingências.
ii) Todo reconhecimento é resultado de um conflituoso
processo, onde uma identidade rebaixada participa de uma mobilização
contínua. No mesmo sentido, o reconhecimento destas identidades
possibilita a garantia de melhor condição de mobilização para a sua
afirmação, bem como para acesso aos direitos ligados à redistribuição.
Todavia, o reconhecimento de uma identidade ocorre apenas numa
perspectiva conflituosa, materializando uma disputa com as tantas
outras identidades e compondo a diversidade sociocultural. Cabendo
entender como se processam as influências e possibilidades do
reconhecimento sobre uma identidade em construção e/ou em
afirmação.
Na pesquisa, observamos que a Comunidade Quilombola Onze
Negras esteve e está diretamente relacionada com o fenômeno da tensão
dialética da identidade, entre tradição (reminiscente) e as emergentes
oportunidades suscitadas por atualizados cenários políticos. De tal
- 69 -
modo, a análise evidenciou que não se pode separar reconhecimento de
identidade. É necessário compreender a relação ética existente entre o
reconhecimento, a comunidade, os membros e a afirmação das
identidades e da identidade do grupo. Obrigando o pesquisador e a
própria sociedade a não escamotearem as questões de conflito,
rebaixamento e reconciliação. Ainda com base nos resultados de nossas
análises, concluímos que são necessários estudos mais aprofundados
sobre as situações vivenciadas pelas comunidades quilombolas, bem
como sobre as possibilidades dinâmicas da afirmação das identidades,
a partir do reconhecimento, respeitando, entendendo e dialogando com
o posicionamento histórico destes grupos e as suas especificidades, a
fim de compreendermos uma ideia tão significativa e relevante para a
Ciências Sociais e seus estudos: a ideia de diversidade sociocultural.
Referências
- 70 -
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos
conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.
- 71 -
A EDUCAÇÃO NO BRASIL E OS DESAFIOS DO
SÉCULO XXI: UM DIÁLOGO COM A TEMÁTICA
DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Edson Silva
Ernani Nunes Ribeiro
Introdução
- 72 -
compreensão e análises para nosso estudo (ALVES-MAZZOTTI,
1999). No procedimento de análise, realizamos a leitura crítica, pois
procurando desvelar as interconexões entre os fenômenos, bem como
as relações das partes com a totalidade, a historicidade dos fenômenos
e as suas contradições.
O movimento histórico da educação evidencia que por séculos
ocorreu uma distinção de privilégios de alguns sujeitos em detrimento
da exclusão de muitos outros do meio formativo de capitais simbólicos
(BOURDIEU, 2017). Este movimento trazendo consigo e
simultaneamente outro movimento: o de resistência. Por conseguinte, a
educação tende a ser a estrutura social de maior impacto no quesito de
difundir capitais simbólicos na formação de sujeitos, reabastecendo e
ressignificando as gerações para serem pertencentes da concepção de
realidade herdada pela comunidade a qual o sujeito é legatário. Ao
passo que estudamos as bases estruturantes da educação, entendemos
que essa é composta por diversos elementos fundados por conceitos.
Entre os quais estão o fator histórico, as questões políticas, o modelo
curricular de conteúdo, os métodos avaliativos, entre tantos outros
elementos.
Os sujeitos que por não terem acesso a bens culturais refinados
promovidos pela formação escolar, tende a ter uma formação
fragmentada e consequentemente, são marginaliza-dos dos espaços de
ascensão social (BOURDIEU, 2017). O usufruto dos direitos e bens
sociais são reconhecidos e vivenciados de maneira parcial ou com
impedimentos. Compreendemos que os esforços para resistir na escola,
muitas vezes, foi traduzido como uma necessidade constante de
resiliência. Ademais, o processo de ensino e aprendizagem foi
culturalmente construído pela herança iluminista como uma forma de
traduzir a realidade para educandos, e assim, esses possam se
apropriar de instrumentos para se relacionar com o mundo (SAVIANI,
2007). Os aspectos que constroem as teias das relações sociais
consideradas naturais são, na verdade, conjecturas sociais
(BOURDIEU, 2003). Aparentemente, esta afirmação é apresentada
como óbvia, mas é justamente na obviedade dos aspectos factuais das
- 73 -
experiências limitadas das situações vividas no empirismo que
naturalizamos ações sociais em uma métrica de normalidade.
Nessa perspectiva, os aspectos que constroem as teias das
relações sociais são processos de legitimação de um poder simbólico,
regulamentando uma sistemática social em detrimento a outra. Os
dominantes26 constroem símbolos aceitáveis para os próprios pares.
Esses símbolos perpassam por um conjunto de disposições para agir,
socialmente explicáveis, socialmente construídos e que não passa pela
consciência de quem age (BOURDIEU, 2013). Em suma, ao
pensarmos sobre as estruturas entrelaçadas na concepção da educação,
entendemos que o legado apresentou uma
tendência historicamente construída de privilegiar uns em detrimento
de outros. O ponto em questão que abordamos neste texto está na
perspectiva que muitos dos enquadrados no modelo educacional
lapidado para um grupo hegemônico tiveram e tem que se mobilizarem
para serem reconhecidos pelas suas habilidades e competências.
No primeiro momento deste estudo dialogaremos brevemente
com a história da educação no Brasil e como o modelo educacional
apresenta estratégias de estruturas de manutenção de segregação
escolar. Buscando revisitar os elementos estruturantes da educação e o
impacto desta para a atuação social nos entraves que estão modelando
o Século XXI. Em seguida, abordaremos as estruturas epistêmicas das
relações étnico-raciais frente aos desafios apresentados no século que
se desdobra em um caleidoscópio de mutações entre as relações
humana; espaços de atuação entre o real e o virtual e a própria
abordagem da crise de sentido decorrente na identidade do mundo pós-
moderno. Nos encadeamentos vinculando a formação humana e a
26
Cada campo carrega consigo valores culturais necessários e exclusivos da classe
que o domina (BOURDIEU, 2007a). Tais valores são classificados internamente no
campo, como padrão para atuação neste espaço social. Os sujeitos melhores
posicionados no campo são preparados desde sua infância com instrumentos sociais
para melhor atuarem no campo e essa somática de elementos se caracteriza em capital,
neste caso, cultural, entranhados em habitus (BOURDIEU, 2007a). A bagagem
familiar tem significativo impacto na definição do destino escolar (BOURDIEU,
2013).
- 74 -
educação formal, compreendemos que a resistência se caracterizou em
um conceito plural, resinificando-se em um despertar social para que a
própria estrutura educacional fosse obrigada a se reestruturar,
constantemente, para atender as singularidades de sujeitos em seu seio.
- 75 -
perspectivas para a Educação. Queriam mudanças na escola, saindo de
uma tradição religiosa para um movimento crítico-científico
(SAVIANI, 2007). O Marques de Pombal por ter vivenciado
experiências de aprendizado a partir das expectativas iluministas da
Europa, conjecturava novas posturas para a formação educacional por
orientação da Coroa portuguesa. A legislação pombalina no Brasil,
determinou o fechamento das escolas dos jesuítas e aboliu o ensino do
movimento religioso. O enfoque seria de modernizar a Portugal para a
uma Europa que se descortinava ao século das luzes (SAVIANI, 2007).
Os indivíduos e as instituições que representam as formas
predominantes de sistemas de ideias, categorizam os sujeitos a partir
de capitais culturais e as estruturas da educação regular, buscando
manter sua posição privilegiada, naturalizando os bens culturais
(BOURDIEU, 1992). Neste sentido, tornava-se evidente a ação do
Marquês de Pombal ao manter a Educação distante dos critérios de
universalização, continuando a legitimar no sujeito a sorte da herança
de nascimento. E dependendo exclusivamente do espaço social onde
foi inserido, o sistema de ideias condizente com os interesses de
permanência e status sociais que lhes pertencem.
No fim do Brasil Império no emprenho para a modernização do
Estado foi concebido um novo pensar para a Educação. A compreensão
liberal buscava o afastamento do Estado (SAVIANI, 2007). A
universalização do ensino foi propagada em muitos países, porém não
houve investimento para essa perspectiva no Brasil, deixando até a
atualidade uma lacuna estruturante entre formação culta da população
e igualdade de oportunidade. Entre os anos de 1932 a 1969, uma breve
transformação educacional ocorreu no país. Destacando-se o
predomínio da pedagogia nova enquanto tentativa de ruptura com a
educação tradicional. Com o impulso capitalista e os avanços da
indústria após 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde
Pública. É nesse período ocorreu o fortalecimento do movimento
escolanovista (SAVIANI, 2007).
- 76 -
O movimento escolanovista caracteriza-se por se fundamentar
no entendimento da prioridade aos processos formativos característicos
da educação escolar. Defendia os princípios da Educação gratuita,
obrigatória e laica. Foi o registro oficial da defesa da universalização da
educação. Além disso, a necessidade da continuidade na formação
escolar: infantil, primeiro, secundário e superior; destacando para a
educação do secundário que seria para a formação intelectual ou manual
(SAVIANI, 2007). Neste contexto surgiu Paulo Freire enfatizando a
educação popular. Freire discutiu o oprimido e as estruturas bancárias
do ensino. Valorizando a cultura popular com o olhar crítico para a ação
libertária. A formação com o enfoque nos sujeitos agentes e atuantes
nas relações de poder, ressinificando em possibilidades democráticas.
Nos anos 1960 o Brasil era vivenciado uma reestruturação
econômica, com a capitalização por empréstimos dos Estados Unidos,
bem como, uma significativa expansão da indústria, ocorrendo um forte
impacto na formação educacional na sociedade brasileira. As ideias
escolanovistas chegaram ao fim. Surgindo e com vigor mais latente as
ideias produtivistas em no plano nacional. No Brasil nas décadas de
1970 e 1980 ocorreram várias transformações que mudariam toda a
estrutura sócio-política. O General João Baptista Figueiredo (1979-
1985) então Presidente, decretou a Lei da Anistia, concedendo o direito
de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais brasileiros
exilados e condenados por crimes políticos. Estes intelectuais
trouxeram grandes contribuições para este novo cenário brasileiro
(SAVIANI, 2007).
Com os anos 2000, caminhamos para um novo milênio. A
realidade pós-moderna herdava uma complexa trama de paradoxos
incompreensíveis nos termos das categorias tradicionais. Porém, as
respostas simples do passado não são mais suficientes para definir uma
orientação político-educacional respondendo aos objetivos de
democracia e equidade na distribuição do conhecimento (TEDESCO,
1995). Uma vez que a Educação não apresenta-se como fenômeno do
cumprimento de demandas relativamente estabelecidas, mas como uma
expressão particular da crise do conjunto das instâncias da estrutura
- 77 -
social: desde o mercado de trabalho e o sistema administrativo até o
sistema político, a família e o sistema de valores e crenças.
- 78 -
(BOURDIEU, 1992). A baixa expectativa de investimentos em capital
cultural pode ser exemplificada com o entendimento de muitos
estudantes, que, ao terminarem a Educação Básica, projetem buscar
um emprego, por não vê sentido, muitas vezes, em continuar estudando
por mais 4 ou 5 anos na formação universitária.
O modelo, tal qual apresentado na atualidade, obriga aqueles
não pertencentes ao grupo de maior influência social a sentirem
dificuldades para a adequação à cultura de elite via amoldamento de
seus bens culturais. Concomitantemente, esses sujeitos por não se
adaptarem são marginalizados. O olhar para o passado não tem
nenhuma pretensão de análise histórica. Tenta ser um instrumento para
entender aquilo em mudança. O olhar para o futuro tampouco pretende
ser um anúncio, mas chamar atenção sobre para onde deveríamos
orientar nossas ações. Com o novo milênio reascendeu a crença no
Século XXI onde cada pessoa séria única, cada pessoa deveria ser livre,
cada um de nós tem ou deveria ter o direito de criar ou construir uma
forma de vida para si, e de fazê-lo por meio de uma escolha livre, aberta
e sem restrições. A socialização atual enfrenta a perda de ideais, a
ausência de utopia, a falta de sentido (TEDESCO, 1995). A perda de
finalidades faz desaparecer a promessa social ou política de um “futuro
melhor”.
Existem algumas características centrais prefigurando a
sociedade do futuro. A competição exacerbada pela conquista de
mercados está modificando os padrões de produção e organização do
trabalho. As novas condições de produção, baseadas no uso intensivo
de conhecimentos, têm um potencial de exclusão muito significativo,
garantindo inclusão de poucos (TEDESCO, 1995). O modelo
tradicional de Educação atribuindo ao sujeito social a responsabilidade
do processo de ensino e aprendizagem, ressaltando que cabe ao próprio
a tarefa de todas as demandas. Além disso, perpetua-se a compreensão
acerca da meritocracia, com a ilusão que a origem social e a herança de
capital cultural não seriam fatores determinantes para o agente ser um
candidato aos melhores espaços de poder (BOURDIEU, 2007). Ilusão
propagada sobre a ideia que qualquer um pode chegar a estes espaços.
- 79 -
A tentar se afastar de uma concepção materialista estreita de
poder e desigualdade, o citado sociólogo francês introduziu na
discussão os conceitos de capital cultural, social e simbólico
(BOURDIEU, 1989). Afirmando que todo o indivíduo tem um
portfólio de capital, validado como escalas de apropriação destes
elementos. Onde os capitais totais construídos em habitus e dispostos
em campos sociais, possibilitam ao agente condições de melhor
disputar posições nas relações de interesses em espaços de poder.
Chamando a atenção para as estruturas da métrica de normalização de
capitais totais. Os sujeitos herdeiros dos elementos componentes do
habitus corroboram com a incorporação destes nas suas habilidades e
competências e se destacam em espaços de disputas por legitimação
do espaço social. Nesse sentido, ampliamos nossa reflexão com a
critica as relações do senhor (dominante) com o escravizado
(dominado) no processo histórico de passagem para o estado de
liberdade produziu a perspectiva o peso explicativo da variável “raça”,
na estrutura de classes sociais e no sistema de estratificação social em
nosso país.
A exploração de classe e a opressão racial se articularam como
mecanismos de exploração do povo negro, alijando-o de bens materiais
e simbólicos`: “[Uma] forma de ligar o passado escravista ao presente
consiste em interpretar as relações sociais contemporâneas como área
residual de fenômenos sociais resultantes da sobrevivência de padrões
"arcaicos" ou "tradicionais" de relações intergrupais. (HASENBALG
1979, 85). O autor afirmou ainda que os negros foram, ao longo dos
tempos, explorados economicamente e que esta exploração foi
praticada por classes ou frações de classes dominantes brancas. Pois, a
abertura da estrutura social em direção à mobilidade está diretamente
ligada à cor da pele, e, nesse âmbito, a raça constitui um critério seletivo
no acesso à educação e ao trabalho.
Historicamente percebemos, desde o período colonial o início
da escravidão negra em nosso país, mobilizações de resistência por
parte dos africanos e descendentes nascidos aqui no Brasil, buscando o
fim da escravidão, o acesso a direitos básicos e o reconhecimento
- 80 -
enquanto participante nos processos políticos e socioculturais na
construção do Brasil. Em fins do século XIX, as pressões externas como
as tentativas dos ingleses em acabar com a escravidão e internas como
as rebeliões de afro-brasileiros e campanhas abolicionista, culminam
em 1888 com o instrumento legal intitulado por Lei Áurea,
determinando o “fim” da escravidão negra no Brasil.
Mesmo entendendo que na prática, em muitos casos a atividade
escravocrata continuara e com os direitos negados a população negra,
percebemos no início do Século XX, sobretudo na década de 1930 e no
desenrolar de todo esse século uma forte presença de movimentos
negros – a exemplos da Frente Negra Brasileira - atuando no país, e
dentre as reivindicações a necessidade de garantir o direito, o acesso, a
alfabetização e ao processo educativo/escolarização - que durante
séculos foi negado para a população negra.
A partir das reinvindicações dos movimentos sociais negros no
Brasil, como também os de fora do país, no início do século XXI, a
discussão a respeito dos descendentes de africanos, sobre suas
expressões socioculturais e a relações com Educação foi a maior
evidencia na pauta da educação brasileira. E um dos determinantes foi
a aprovação da Lei nº 10.639/2003, elaborada por membros do
movimento negro e por políticos defensores dessa causa.
Posteriormente reformulada pela Lei nº 11.645/2008 tornando
obrigatório em todas as escolas do Brasil o ensino da História da África,
dos afro-brasileiros e dos povos indígenas, bem como sobre suas
respectivas expressões socioculturais. Esse marco legal ocorreu, como
resultado da resistência dos movimentos sociais durante o século XX,
para reverter a invisibilidade afro e indígena nos conteúdos vivenciados
durante a toda a Educação Básica.
A constituição dos sujeitos ocorre a partir de múltiplas
identidades, contudo para a construção e fortalecimento dessas
identidades se faz necessário pesquisar como as instituições, nesse
contexto a escola, tem tratado a respeito da pluralidade sociocultural,
ação esta que reverbera no conhecimento e na formação de si próprio
(GOMES, 2005; HALL, 2011). Sobre como ocorre a construção da
- 81 -
identidade negra no Brasil e o comportamento da escola, uma
pesquisadora escreveu:
- 82 -
nos estudantes, proporcionar discussões envolvendo teoria e prática. E
com ações semelhantes a essas, combatendo preconceitos, promovendo
respeito entre os educandos de diversas origens. Ainda que com a
constituição de legislações, como as citadas, faz-se necessário, além
delas, que o poder público, com outros setores da sociedade, como a
família, o Ministério Público, os movimentos sociais e as universidades,
por exemplo, acompanhem as unidades de ensino, para observar o
cumprimento das legislações, pois a existência de regulamentos legais
não assegura a aplicabilidade deles.
Embora os movimentos sociais tenham alcançado visibilidade
na busca de seguridade dos direitos educacionais com melhores
condições de acesso e permanência, ainda se faz necessária constante
vigilância para que essa seguridade social continue a ser garantida com
qualidade. É mister compreender que a humanidade é plural. Todavia
há uma tendência em mascarar essa pluralidade e defender que somos
homogêneos. Uma vez que o reconhecimento de singularidades
obrigaria a educação a ser ressignificada nas bases mais estruturais e
não apenas adaptada (TEDESCO,1995). Movimentos sociais de
resistência por melhores condições de existência tiveram e tem grande
impacto transformador em políticas para abrir espaços aos diálogos e
assim criar ações afirmativas para o acesso de sujeitos, que outrora não
eram respeitados. Pois somente sentindo na pele perceber-se as reais
artimanhas que as relações sociais atribuem ao processo de
sociabilidade.
A partir dessas premissas compreendemos que as mobilizações
sociais, muitas vezes, quebram naturalizações das ações eximindo da
sociedade a responsabilidade pelos seus atos. Neste contexto,
defendemos a proposta da educação para todos, enquanto
resistência, como uma das características na formação de sujeitos para
ocuparem espaços específicos de legitimação de poder. A resistência
para contrariar as regras postas e apresentar novas formas de pensar as
normas. O acesso à educação de qualidade como significativas
contribuições e estratégias para que o sujeito tenha empoderamento e
ocupe espaços que sem a formação adequada não teria acesso.
- 83 -
Considerações finais
Referências
- 84 -
BOURDIEU, P. F. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1992.
- 85 -
BRASIL. Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008. Determina a inclusão
no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11
mar. 2008, Seção 1, p. 1. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: 10 junho 2019.
- 86 -
A RELEVÂNCIA DA IMAGEM ENQUANTO
FERRAMENTA DIDÁTICA NO ENSINO DE
HISTÓRIA: PORTINARI E O CAFÉ
Introdução
- 87 -
Para se chegar as respostas pretendidas começarmos tratando da
iconografia e sua importância para o ensino de história mostrando que
esta tem a função de estimular a construção da aprendizagem por meio
de vestígios do passado que se fixam nessas imagens, alimentando as
narrações históricas e suas diversas análises, bem como, função de
atribuir interatividade as aulas gerando dinamicidade quando analisada
devidamente pelo educador. Para depois considerar a utilização da
imagem no ensino de história sabendo ser esta uma ferramenta
indispensável no processo de ensino e aprendizagem destacando-se
como documento histórico indispensável, pois possibilita projetar na
mente daqueles que a veem a perspectiva imaginativa, investigativa e
representativa de fatos. Nesse ínterim analisar pinturas e imagens na
história, destacando duas obras: O café e O lavrador de café, de Cândido
Portinari. O artista nos faz refletir acerca da importância dos
trabalhadores de café para a época do Brasil dos barões do café, destaca
de maneira crítica a exploração e escravidão sofrida por pessoas para o
aumento da produção do mesmo.
- 88 -
A imagem apresenta-se ainda como uma forma de despertar no
educando o interesse pelo livro didático, pois quando o educando
perceber que na História, a leitura de textos escritos complementada
com as iconografias presentes no livro didático serão de auxilio em sua
aprendizagem, estes buscarão não apenas observar as iconografias
como meras ilustrações do conteúdo, mas como objeto de pesquisa e
investigação, mas é preciso que o educador saiba explorar as suas
múltiplas dimensões, traçando-se justificativas e finalidades em sua
utilização. Segundo Paiva em sua obra “História e Imagens” estas
deverão ser analisadas da seguinte maneira:
- 89 -
fora contratado pelo imperador, executando alguns
quadros com temática histórica, a tela intitulada A
Primeira Missa no Brasil é um exemplo. Na tela
Meirelles retrata aspectos que acreditava estarem
presentes naquele acontecimento, contudo há
incoerências, como algumas das árvores retratadas que
não eram nativas do país. Tanto Américo com suas obras
Grito do Ipiranga e Batalha do Avaí, quanto Meireles
com A Primeira Missa no Brasil e A Batalha dos
Guararapes são responsáveis por uma versão
romantizada da história nacional, criada durante o século
XIX. (COELHO, 2012, p. 191-192).27
27
Independência ou Morte [O Grito do Ipiranga]. (1888). In: ENCICLOPÉDIA Itaú
Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1431/independencia-ou-morte-o-grito-
do-ipiranga-o-grito-do-ipiranga>. Acesso em: 27 de Mai. 2019. Batalha do Avaí.
(1872 | data de fim: 1877). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1146/batalha-do-avai>. Acesso em: 27 de
Mai. 2019. A Primeira Missa no Brasil (1860), de Victor Meirelles. Disponível em:
PRIMEIRA Missa no Brasil. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1260/primeira-missa-no-brasil>. Acesso
em: 27 de Mai. 2019; A Batalha dos Guararapes (1875-1879), de Victor Meirelles.
Arte e Contexto: Victor Meirelles e a Batalha dos Guararapes. Disponível em:
<https://museuvictormeirelles.museus.gov.br/exposicoes/longa-
duracao/arquivo/victor-meirelles-construcao/obra-em-perspectiva/arte-e-contexto-
victor-meirelles-e-a-batalha-dos-guararapes/>. Acesso em: 27 de mai. 2019.
- 90 -
A História passou por um longo processo para que se ampliasse
o ensino através de uma perspectiva de documentação, registrando o
passado. Neste sentido, o escritor Cecatto em sua obra A iconografia e
o ensino de História: Potencialidades e possibilidades discorre:
- 91 -
tornaram-se indispensáveis no ensino de História nos mostrando a
importância de suas respectivas utilizações para o ensino.
Compreende-se assim que a imagem ocupa um espaço de
fundamental importância dentro do contexto histórico enquanto
ferramenta. Pode-se dizer que esta visa uma melhor aprendizagem, mais
criativa e dinamizada facilitando a compreensão dos temas a partir da
materialização do que fora abordado.
- 92 -
Na segunda metade do séc. XIX merecem destaque a
utilização das pinturas de Pedro Américo, Victor
Meireles, Benedito Calisto, ao retratarem a história do
Brasil. São fontes ricas em informações, mas que não
eram contextualizadas em relação aos seus produtores.
Nesse mesmo século, a iconografia foi muito utilizada
no ensino de História no Brasil com o intuito de ilustrar
os discursos dos livros didáticos, enfatizando-se
personagens considerados relevantes para a
constituição de uma história nação. Eram gravuras
geralmente encomendadas, como o caso de Tiradentes,
Independência, Proclamação da República, entre outros
(CECATTO. 2011 p. 4-5).
- 93 -
No passado, com a utilização dos registros, provas e
artefatos, havia a preocupação dos autores em retratar o
momento vivido. Os elementos econômicos, políticos,
sociais e culturais eram marcados por pinturas e
desenhos. Os pintores eram movidos pelas emoções e
situações, além de tentar conduzir, pelo próprio olhar,
o desenho que seria transmitido para a tela, no qual,
posteriormente, passaria a ser interpretado de diferentes
maneiras em cada época vivida. (2016, p, 3).
- 94 -
Tendo-se em vista que o professor precisa compreender os
acontecimentos que marcaram e que são discutidos na História deste
documento icônico, interpretando-o adequadamente com a veracidade
histórica do conteúdo que está atribuído à esta ferramenta, sendo este,
indispensável para a compreensão do registro visual. É necessário que
o educador saiba utilizá-la não somente como ilustração, mas como
um objeto que irá gerar um debate na aula e assim, compreenderão o
significado de sua explanação. Bloch (2002) analisa em sua obra
Apologia da História sobre a importância de imaginar-se o momento
histórico vivido e de abordar outros fragmentos de representação para
o conteúdo de História:
- 95 -
As imagens construídas historicamente que, associadas
a outros registros, informações, usos e interpretações,
se transformaram, em um determinado momento, em
verdadeiras certidões visuais do acontecido, do
passado. Essas imagens são, geralmente e não
necessariamente de maneira explícita, plenas de
representações do vivenciado e do visto e, também, do
sentido, do imaginado, do sonhado, do projetado. São,
portanto, representações que se produzem nas e sobre
as variadas dimensões da vida no tempo e no espaço.
(PAIVA, 2006, p.13-14).
- 96 -
momentos históricos representados de maneiras lúdicas, trazendo
recortes de períodos passados, sendo estes, relembrados e revividos na
memória através da imagem.
Assim, vistas de um ângulo atrativo e em aspecto que propicie
aos educandos sentirem a História em si por meio da reflexão que as
imagens proporcionam, há inúmeras probabilidades para se trabalhar no
processo de ensino-aprendizagem, utilizando-as e trazendo diversas
indagações mexendo-se com sentidos diversos que visam conhecê-la e
interpretá-la. São assim, os recursos visuais, múltiplos recortes de
realidade, nos interligando com o passado e com o momento vivido ali
parado no tempo. Com base na ligação entre imagens e textos Martine
em sua obra Introdução à análise da imagem reflete:
- 97 -
se que a iconografia nos transmite imaginação, informação e emoções
acerca do que foi vivido. Para Burke (2004, p.12) “Imagens nos
permitem imaginar o passado de forma mais vivida [...] Embora os
textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no
melhor guia para o poder de representações visuais nas vidas religiosa
e política de culturas passadas”.
Compreende-se assim que, as imagens nos fornecem indícios de
representações de culturas passadas retratando fatos históricos através
da contemplação da iconografia, desenvolvendo-se possibilidades de
imaginar o acontecimento através do registro visual retratando uma
representação do real através de algo material que deverá ser objeto de
investigação. Martine analisa a importância que a imagem traz para a
imaginação e assevera que:
- 98 -
Análise de pinturas e imagens no livro didático de História: o
café, de Cândido Portinari:
- 99 -
Desta maneira, percebe-se um notável vínculo entre Portinari e
suas pinturas, onde o mesmo representava através de seus desenhos
pincelados, sua própria experiência com a vida retratada mediante o
pincel. No estudo de História sobre o ciclo do café no Brasil, utilizando-
se esta iconografia como documento, pode-se obter riquíssima fonte de
aprendizado, quando buscar-se analisar esta pintura em sua amplitude,
sua história, as técnicas utilizadas, o momento histórico a ela atribuída,
entre outras análises significativas.
- 100 -
A história mostra que o ciclo do café perdurou por várias
décadas e foi de grande valia para a industrialização do Brasil no
período imperial e da primeira República, a qual esteve submetida ao
café como forma de garantir seu progresso. Em Itaú Cultural analisa-se
a pintura de Portinari: “Café (1934), a figura humana adquire formas
escultóricas robustas, com o agigantamento das mãos e pés, recurso que
reforça a ligação dos personagens com o mundo do trabalho e da terra.”
(Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo.
2019. SP)28. Desta forma, nota-se a propriedade destacada por Cândido
em sua pintura para fazer uma ligação entre o trabalhador e a terra e os
pontos utilizados por ele para a sua elaboração.
As primeiras mudas de café chegaram ao Brasil no século
XVIII, quando a esposa do governador da Guiana Francesa presentou o
Sargento paraense Francisco de Mello Palheta com uma muda de café,
que posteriormente foi ganhando o gosto da população brasileira, mas
as plantações começaram a se espalhar em são Paulo e Rio de Janeiro
no século XIX. Sendo assim, mercados internacionais, como Estados
Unidos e Europa começaram a importar este produto do Brasil,
alavancando a exportação brasileira.
Neste sentido, na segunda metade do século dezenove, o café
tornou-se o principal produto de exportação brasileiro, onde boa parte
dos lucros obtidos com estas exportações foram de grande valia para o
processo de industrialização, pois investiu-se em indústrias para o
Brasil, porém quando a economia brasileira mostrou-se muito
dependente do café alavancando os preços, enquanto competia com
outros países que estavam vendendo o mesmo, o país ver a necessidade
de outras perspectivas de exportação. O ciclo de café apresenta-se nos
livros didáticos como forma de compreender como fora o processo de
industrialização do Brasil na referente época.
Na prática do ensino de História, pode-se analisar esta imagem
referindo-a à época destacada, utilizando-a como parte do estudo, onde
a analisaremos como maneira de imaginarmos o acontecimento
28
Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1951/cafe>.
- 101 -
destacado através dos olhos do pintor, onde o mesmo anexou nos
contornos de sua pintura, traços referentes ao período e que serão
analisados pelos educandos, os quais poderão imaginar os fatos da
história através da imagem, onde buscaremos estudar a finalidade de
sua produção, qual sua importância para a sociedade que a fez, o
contexto produzido, discutir quem são as pessoas retratadas na imagem,
sua relação com o período destacado, sua finalidade, entre outras
analises indispensáveis revestindo-a de caráter didático visando
despertar a sensibilidade dos educandos.
- 102 -
Nesta pintura, pode-se ver um trabalhador negro em uma
fazenda de café, portando uma enxada em suas mãos e uma vasta
plantação de cafezal ao fundo da imagem. As mãos e os pés grandes
destacadas na pintura de Portinari, demonstram a sua ligação com o
expressionismo, característico de suas pinturas, onde o mesmo buscava
expressar através de tais contornos, o trabalho árduo do brasileiro neste
período, bem como analisar ao mesmo tempo o drama ocupado pelo
negro em seu âmbito de função árdua nas fazendas. Com base em um
artigo da Obvious magazine, interpreta-se esta pintura da seguinte
maneira:
- 103 -
Considerações finais
Referências
- 104 -
morte-o-grito-do-ipiranga-o-grito-do-ipiranga>. 1888. Acesso em: 27
de Mai. 2019.
- 105 -
<https://acervodigital.unesp.br/handle/unesp/378642>. Acesso em: 27
de Mai. 2019.
- 106 -
PORTINARI, Candido. O lavrador de café de Candido Portinari.
Revista Obvious Magazine, SP, 2003. Disponível em:
<http://obviousmag.org/pintores-brasileiros/candido_portinari/o-
lavrador-de-cafe-de-candido-portinari.html>.
- 107 -
O MÉTODO CONSTRUTIVISTA DE PAULO
FREIRE NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO
PARTINDO DE UMA EDUCAÇÃO
PARTICIPATIVA
Introdução
- 108 -
O legado de Freire contribui para a análise pessoal dos docentes
em suas práticas educativas. Assim, Freire parte de ideias originais,
embasadas nas práticas frequentes de sala de aula. O autor é direto em
suas colocações, embora venha a aborda o mesmo tema diversas vezes,
sua objetividade é clara a qual nos possibilita a uma reflexão do
ambiente abordado, ou seja, a uma análise da sala de aula, e da prática
educativa dos docentes.
- 109 -
do papel do professor e do aluno neste processo. Tal pesquisa
bibliográfica se presta a perceber a problemática do papel do aluno e do
professor nesta busca dinâmica do saber, que na verdade se dá por uma
verdadeira troca de experiências.
Perceber o que há em comum entre o aluno e o professor nesta
busca do saber, que no fim das contas ambos estão no processo de
aprendizagem, porém cada um com o seu papel. É neste sentido que se
apresenta a educação participativa de Paulo Freire em seu livro
Pedagogia do oprimido.
Procura-se colocar em pauta o processo de humanização a partir
de uma educação participativa, ou seja, a partir da realidade na qual
estão inseridos educador e educando, são convidados com este processo
de aprendizagem a levar o homem, o educando a uma verdadeira
libertação que se dá em todos os níveis da educação, inclusive a
aplicada no campo do ensino superior.
Diante das dificuldades que vemos serem travadas no ensino e
aprendizagem no processo educativo, fica perceptível que o uso de um
método participativo no processo educacional, muitas vezes não é
compreendido nem pelo aluno nem pelo próprio professor, o que traz
sérios problemas, visto que, tal incompreensão gera um processo de
morbidez, dificultando desta forma a libertação da pessoa que se anseia
atingir.
Está certo que o método educativo usado em terras brasileiras
foi baseado em uma educação de métodos tradicionais. O aluno sempre
se comportou como mero espectador diante do mestre que tudo sabia e
estava ali, justamente para transferir o saber aos seus alunos. Tal saber
baseado na visão dos dominadores, ou seja, num único ponto de vista,
dos dominadores, dos patrões e nunca dos pobres ou dominados.
Neste processo não importa a participação do aluno nem o meio
de onde vinha, visto que, na grande maioria das vezes as suas origens
eram as famílias mais ricas, o que nivelava tal grupo. O seu papel era
adquirir novos conhecimentos de quem estava ali para ensinar, e ele
para aprender quando não para decorar.
- 110 -
Muitas vezes na escola, na universidade se apresenta para
trabalhar a educação participativa como mero passa tempo em sala de
aula, sendo inclusive criticada pelo aluno, uma vez que o mesmo é
levado a preparar os seminários e o professor se comporta como mero
espectador, não interagindo.
Da parte do professor fica claro que ou não entendeu o que
significa educação participativa, ou por ser fruto desta educação onde o
aluno é mero espectador, reproduz no processo participativo o que
sempre aconteceu na educação, um fala e todos escutam.
A busca do saber que já se encontra na própria pessoa, sendo o
papel do educador simplesmente despertar o saber a partir do meio do
qual faz parte. Daí o processo do aprender consiste em buscar na pessoa
e a partir do seu ambiente o despertar o interesse por novos
conhecimentos. A expectativa do professor está sempre em fazer
perguntas e aprofundando cada vez mais este diálogo se chega à
sabedoria. Neste processo Freire vê a libertação da pessoa, visto que, a
partir do conhecimento o homem se ver em frente a uma nova realidade
de mundo, despertando para novas perspectivas, o que o faz despertar
para os seus direitos. Só por esta libertação o ser humano consegue
chegar à luz que o fará perceber que o mundo em que está inserido deve
ser mudado a partir das suas necessidades e daí o fim da dependência.
O grande educador Paulo Freire, coloca a educação participativa
como um processo que partindo da própria vida cotidiana se chega à
sala de aula com uma carga de saber, que sendo trabalhada de forma
dinâmica, em uma construção diária, com a participação ativa do aluno
e do professor, se chega à libertação no que diz respeito ao campo
social, pois a educação leva o homem a ser conhecedor dos seus direitos
e deveres.
Direito de participar das decisões que vão necessariamente
mexer com a sua vida, uma vez que são sujeitos de deveres que deverá
objetivar bem comum e não privilegiar um grupo seleto da sociedade.
Aqui fica claro que este processo não visa simplesmente uma educação
teórica, mas uma educação que visa, sobretudo à prática daquilo que se
- 111 -
aprendeu, levando o homem a se perceber como sujeito ativo do mundo
em que vive.
A universidade se apresenta como este lugar privilegiado deste
processo participativo, onde aluno e professor são construtores de
novos saberes, no entanto cada um com seu papel próprio. Papéis
definidos no sentido de que o professor na sua área de atuação tem papel
primordial como apontador para o saber mais, gerando no aluno
inclusive o interesse pela pesquisa.
A pesquisa que é um bem comum, visto que, esta deve
necessariamente estar a serviço da comunidade, ou seja, a serviço do
processo de humanização. Fica claro que o método participativo quando
aplicado realmente levando em conta a participação de todos, inclusive
da universidade como um todo, no que diz respeito à
interdisciplinaridade, gerará um maior aprendizado de todos a bem da
própria comunidade.
A isso se pode chamar de processo de humanização, que tira o
homem do marasmo da falta de conhecimento dos seus direitos e
deveres em vista da construção do meio em que vive.
- 112 -
Na década de 1950, o renomado autor fundou na cidade do
Recife, com outros educadores, o Instituto Capibaribe, instituição
privada que primava pelo ensino da ética e da moral, bem como voltado
para uma formação de consciências democráticas. No final desta
década, em 1959, obteve o título de doutor em Filosofia e História da
Educação, na defesa da tese da Educação e atualidade brasileira.
Em 1960 foi nomeado professor efetivo de Filosofia e História
da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade do Recife (atual UFPE/Universidade Federal de
Pernambuco). Além de ministrar aulas na Universidade participa
também de um movimento popular em prol da educação.
No dizer de Beisiegel (2010, p. 39):
- 113 -
Ao falar da sua permanência no Chile nos afirma Beisiegel
(2010, p. 77):
- 114 -
Criticando a ideia de que ensinar seria a transmissão de saber,
dizia que o professor é aquele que deve facilitar ou possibilitar a
produção de conhecimentos sem, no entanto, prescindir da sua
autoridade. Na sala de aula os dois lados, professor e aluno devem
através de uma relação democrática e afetiva garantir a possibilidade de
expressão das partes sempre livre e a partir do meio em que se vive.
Nos afirma o nosso autor (1997, p. 103):
- 115 -
Como se apresenta o processo de educação depende
necessariamente de humanização do ambiente, bem como que este seja
democrático, que possibilite aos agentes interagirem na condição de
aprendizes, não gerando uma educação massificadora em que todos são
educados de modo uniformizados, mas uma educação onde cada pessoa
é escutada, ouvida, sendo agente da sua educação.
O processo deve dar oportunidade a uma população que ficou as
margens do desenvolvimento sócio econômico, gerando assim um
distanciamento entre aqueles que se dizem portadores do saber e
aqueles que não conseguem aprender o ditado por um mundo que
muitas vezes não procura falar a sua linguagem. Desta forma, se ver
claramente uma educação marcada pela discrepância entre o educador
e o educando.
Visando tal educação participativa, se faz necessário uma
inserção na vida da comunidade que se visa alfabetizar. Freire acredita
no potencial humano de alto superação. É preciso simplesmente de
alguém que o motive, que mostre que é possível fazer esta passagem de
um mundo totalmente alheio a realidade opressora. A libertação da
pedagogia do oprimido é justamente a possibilidade de devolver a este
ser cidadão a sua liberdade de lutar por seus direitos a partir de uma
tomada de consciência que acontece não de fora para dentro, mas de
dentro para fora.
A esta tomada de consciência no processo de educação se pode
chamar de libertação, pois uma vez alfabetizados, passarão a ter uma
nova compreensão do mundo, das coisas que os cercam. Por isso que se
fala de uma educação que gera a libertação das estruturas opressoras,
inclusive no campo político social visto que visa uma reviravolta sócia
econômica.
Só há uma educação comprometida com a ética e com os valores
humanos quando esta se propõe a libertar o homem de tudo aquilo que
o oprime, é desta educação que se fala ao trata de uma educação
libertadora. Libertadora no sentido amplo da palavra, ou seja, sócio,
político e econômico, visto que o homem é um ser integral. Não se pode
falar em Paulo Freire sem aludir a sua grandeza no que diz respeito ao
- 116 -
método participativo usado na alfabetização de jovens e adultos. Tal
modo de pensar a educação revolucionou a pedagogia e não se pode
mais falar em educação sem mencionar o método em que o aluno é
também agente da sua própria formação.
Tal experiência se dá no meio do povo humilde a partir de uma
metodologia aplicada visando contemplar a sua situação de vida. Seu
método visa tornar acessível o aprendizado não simplesmente por meio
do aprender o que os livros ensinam, mas aprender a ler o mundo ao seu
redor. Aprender a ler a realidade a partir do seu mundo para em seguida
poder reescrevê-la e transformá-la. A alfabetização faz com que os
desfavorecidos rompam com uma cultura do silêncio, fazendo-os
sujeitos da sua própria história. Falando sobre isto nos afirma o próprio
Freire (1997, p. 29) que “Pelo contrário, nas condições de verdadeira
aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da
construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo”.
Ora, a libertação tão pretendida a partir do ser alfabetizado não
vem de fora, mas de dentro da própria pessoa que agora se encontra
diante de uma nova realidade. O mesmo se percebe diante de um novo
mundo que acaba por descobrir não fora dele, mas como ser participante
deste, o que o outorga o direito e até o dever de mudar a sua realidade
em uma realidade melhor. Passa de um mundo onde é pensado pelos
outros para pensar a si mesmo.
Afirmou Beisiegel (2010, p. 29):
- 117 -
libertadora. A sua experiência se dá de forma que jovens e adultos
conseguem, a partir do conhecimento, sair de um marasmo, em que se
encontravam, alheios as suas próprias realidades.
Em seu livro Pedagogia da Autonomia, afirmou Freire (1997, p.
25):
Considerações finais
- 118 -
do aluno, como aquele que traz todo o saber pronto para simplesmente
ser passado.
Neste sentido o educando não é visto como simples ouvinte, mas
como sujeito ativo das suas novas descobertas, o que o faz protagonista
da sua história, não sendo mais feita a partir de quem ensina, ou seja,
de uma figura superior, mas, num processo onde quem facilita a
aprendizagem também está inserido neste processo de novas
descobertas.
Aqui há que se colocar a importância da interação do professor
na vida da comunidade onde está inserido o seu educando, pois só
conhecendo o meio sociocultural poderá entender melhor e tratar
melhor a partir de um processo humanizante o seu educando, visto que,
partirá a educação da sua própria realidade. Não havendo esta interação
entre educador e educando, haverá um grande abismo entre as
realidades que se apresentam, uma vez que a educação apresentada será
alicerçada num saber pré-ordenado descartando todo um saber já
inerente a vida do próprio educando. Vale salientar que tal educação se
fará de forma impositiva, não possibilitando o uso da experiência da
pessoa para maior compreensão do que se quer realmente passar.
Ademais, não havendo interação entre educador e educando,
não irá acontecer um respeito pela cultura do outro, e o professor se
apresentará como uma máquina que passa conteúdo sem levar em conta
o próprio educando e a possibilidade de uma educação que respeita a
pessoa e seus valores morais e éticos. A universidade é este lugar
privilegiado da busca constante do saber, onde professor e aluno se
completam cada um no seu papel, no entanto, ambos com a sede de
saber sempre mais. O professor sendo aquele que incentiva e
acompanha o aluno neste caminho da busca por novos conhecimentos
e o aluno imbuído deste interesse curioso chega ao dado elemento que
se busca na pesquisa.
Destarte que não se coloca a universidade como mero lugar de
pesquisa, mas como lugar de interação entre os próprios educadores e
entre os próprios educandos. Nisto se dá ainda mais claro este lugar de
humanização. Ao que se percebe a universidade não é um mero lugar
- 119 -
de busca de saber, mas o lugar privilegiado onde várias culturas e
formas de viver se encontram em vista de uma maior interação que visa
novas descobertas a partir das pessoas e suas experiências, gerando
assim indiscutíveis progressos e contribuindo para o progresso da
pessoa humana.
Há que se salientar as dificuldades encontradas nesta pesquisa,
que se dão no campo, sobretudo no que diz respeito a dados objetivos
sobre as atitudes do professor e do aluno na sala de aula, visto ser um
ambiente restrito ao próprio professor. A questão seria mais no âmbito
do próprio uso do método participativo, visto ser usado por muitos, no
entanto, criticado por muitos alunos, com colocações de que o professor
não preparou aula ou até mesmo está enrolando. Penso que para uma
futura pesquisa, se poderia buscar mais dados no próprio ambiente
universitário.
Seria a universidade este lugar de interação, onde a pessoa é
colocada em ênfase na sua humanidade, sendo vista como um
contribuinte salutar em novas descobertas que vão se colocando a partir
da sua própria vida diária. Como se percebe, desde o início foi colocado
que a pesquisa seria restrita a uma bibliografia determinada. Desta
forma, fica claro que os objetivos vislumbrados desde o início foram
seguidos.
E seguindo o itinerário proposto no projeto, fica também claro
as dificuldades dos professores no sentido da aplicação do método
participativo, bem como por parte do aluno na aceitação de um método
que o faz participante ativo do processo de aprendizagem. Ademais não
se pode falar em método participativo sem colocar como fonte deste
processo a própria pessoa. Participar significando fazer parte, interagir,
a partir da sua forma de ver as coisas, de ver o mundo que o cerca. No
entanto, não se trata simplesmente de ficar no mundo delimitado pelo
que se pretende com a pesquisa que se faz, mas o simples fato da
curiosidade o faz lançar-se em vista de novas visões do próprio mundo
que o cerca e de novas situações que se apresentam.
- 120 -
Trata-se de uma mudança na forma de pensar, não simplesmente
fechada em uma visão daquilo que o cerca, mas de lançar-se a novas
descobertas, sentir-se protagonista da sua própria história, não deixando
ser pensada, mas pensando o mundo de forma geral, pois a partir do
processo em que está inserido a contribuição, não será somente para a
sua comunidade, mas de modo geral para todos.
Referências
- 121 -
DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR A PARTIR DE
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DA
CULTURA POPULAR
Introdução
- 122 -
cognitivo em detrimento ao motor. Esse fato merece atenção e
cuidados, uma vez que, poderá comprometer o desenvolvimento do
sujeito. Para Campos (et al, 2008): motricidade e inteligência
desenvolvem-se a partir de fatores genéticos, culturais, ambientais e
psicossociais. Dessa forma, estudos que possam contribuir para
identificação de instrumentos e estratégias a serem utilizadas na
educação, seja ela formal ou informal, capazes de viabilizar essa ação
conjunta, poderão contribuir de forma positiva para o desenvolvimento
infantil.
Para Lima (1998) o desenvolvimento infantil está estritamente
ligado a atividade, pois, por meio de jogos, brincadeiras, faz de conta,
a criança desenvolverá boa parte de suas habilidades motoras e
cognitivas, mobilizando o corpo e a mente, mexendo com as emoções
e despertando diferentes sentimentos e reações. Nesse sentido, a
presente pesquisa busca responder: Quais as contribuições do trabalho
com jogos, brinquedos e brincadeiras populares para o
desenvolvimento psicomotor das crianças? O objetivo geral é:
Identificar a relação entre psicomotricidade e ludicidade enquanto
ferramentas para o desenvolvimento da criança, a partir do uso de jogos
e brincadeiras da cultura popular.
Como objetivos específicos pretende-se: Compreender a
psicomotricidade enquanto ferramenta para o desenvolvimento de
habilidades cognitivas, afetivas e motoras durante a infância; Investigar
como a ludicidade pode contribuir para despertar o interesse das
crianças para novas aprendizagens, de forma prazerosa e significativa;
Analisar as possibilidades do uso de jogos, brinquedos e brincadeiras
da cultura popular enquanto estratégia para valorização de práticas
cotidianas que envolvam ações motoras, afetivas e cognitivas.
O trabalho foi construído a partir de pesquisas exploratória e
bibliográficas. Em relação à pesquisa exploratória, Deslauriers e Kérisit
(2010, p. 130) afirmam que “[...] a pesquisa qualitativa de natureza
exploratória possibilita familiarizar-se com as pessoas e suas
preocupações”. Nesse sentido, a mesma foi realizada junto a sujeitos de
uma escola pública do município de Venturosa-PE para descobrir quais
- 123 -
as brincadeiras populares eram mais comuns naquela comunidade. Em
relação à pesquisa bibliográfica, Boccato (2006, p. 266) esclarece que
ela busca a resolução de um problema (hipótese) por meio de
referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias
contribuições científicas.
O interesse pelo tema surgiu a partir de nossas vivências, tanto
na educação básica, utilizando estas brincadeiras e percebendo o quanto
as crianças se interessam por elas, quanto observando projetos de
intervenção sobre o tema. Daí veio a curiosidade em investigar como
elementos da história e cultural popular, de origens indígena, africana e
europeia, adaptados à realidade de nossas infâncias tão diversas,
poderiam dialogar com temas atuais para a educação como a
psicomotricidade e a ludicidade. Nesse sentido, este trabalho busca um
resgate e valorização da cultura popular, desde a infância, bem como,
da valorização do movimento, do brincar, do aprender com prazer e
interesse, algo que pode ser facilitado com o uso da ludicidade.
- 124 -
uma concepção unificada da pessoa, que inclui as interações cognitivas,
sensório motoras e psíquicas na compreensão das capacidades de ser e
de expressar-se, a partir do movimento, em um contexto psicossocial.
Constitui-se, portanto, num conjunto de conhecimentos psicológicos,
fisiológicos, antropológicos e relacionais que permitem, utilizando o
corpo como mediador, abordar o ato motor humano com o intento de
favorecer a integração deste sujeito consigo e com o mundo dos objetos
e outros sujeitos.
Esse processo de interação é iniciado desde os primeiros anos
de vida e fortalecido na escola. Assim, a Educação Infantil é uma etapa
na qual as experiências iniciais são fundamentais para o
desenvolvimento pleno da criança. Os jogos, brincadeiras e exercícios
corporais, quando planejados de forma correta, contribuem para a
aquisição do domínio psicomotor, a percepção e domínio do corpo,
ajuste dos gestos e movimentos, a adequação da representação corporal,
aumento das diferenças perceptivas, adaptação de espaço e noção de
tempo.
Santos e Cavalari (2010) apud Barbiere (2019) afirmam que é
fundamental aos profissionais que atuam nesta etapa de escolarização a
consciência sobre a importância da psicomotricidade, pois, o
movimento permite a criança a exploração do mundo exterior, a
construção do esquema corporal e a organização das sensações relativas
ao próprio corpo. Assim, desde que sejam exploradas de forma
adequada, as atividades irão contribuir para o desenvolvimento da
aprendizagem das crianças, a lateralidade, o corpo, o espaço, a noção
de tempo, entre outros. Para Vayer apud Barbieri (2019, p. 03):
- 125 -
Movimentar-se é algo diretamente ligado a mente. Dessa forma,
para que uma criança tenha uma boa aprendizagem, faz-se necessário
trabalhar os movimentos do corpo de forma lúdica e prazerosa. De
acordo com Alves (2003) apud Barbieri (2019, p. 03) ela “envolve toda
a ação realizada pelo indivíduo, que represente suas necessidades e
permita a relação com os demais. É a integração psiquismo-
motricidade”. Nesse sentido, esse é também um trabalho de inclusão,
que precisa levar em consideração as possibilidades e limitações das
crianças, bem como, as oportunidades para o desenvolvimento de suas
capacidades, sempre respeitando as condições cognitivas, afetivas,
psíquico-emocionais e sociais.
Permite ainda relacionar os conhecimentos de todas as áreas,
para facilitar o aprendizado. Nesse sentido, as disciplinas colaboram e
complementam-se, por meio da integração de conhecimentos, surgem
novos dados articulados a novas ideias e conceitos renovados, além de
estimular a criatividade.
Velasco (1996) afirmou o significado que o brincar tem no
desenvolvimento infantil, além de representar, desde a idealização da
concepção humana, do desejo, da estrutura de base, corrobora no
surgimento de todas as expressões psicomotoras de maneira
harmoniosa e prazerosa. O autor destaca ainda, que o desenvolvimento
psicomotor obedece à estruturação de três condutas, que são elas: a)
condutas motoras de base: que envolvem o equilíbrio, a coordenação
dinâmica geral, a respiração consciente e a coordenação motora fina; b)
condutas neuro motoras: que trabalham o esquema corporal, o controle
psicomotor e a lateralidade; e c) condutas perceptivo motoras:
incluindo a orientação corporal, orientação espacial e a orientação
temporal.
Percebe-se a necessidade de formações específicas que
permitam aos professores(as) aprofundar seus conhecimentos na área e
implementarem um planejamento direcionado no sentido de assegurar
a utilização de brincadeiras adequadas a faixa-etária, aos objetivos de
aprendizagem e a valorização de aspectos da cultura local, para que a
inclusão ocorra tanto na dimensão física, quanto na sociocultural.
- 126 -
Ludicidade e Educação: articulação entre prazer e aprendizado
- 127 -
Brincando, a criança se relaciona com pessoas e objetos ao seu
redor, aprendendo o tempo todo com as experiências. “São essas
vivências, na interação com as pessoas de seu grupo social, que
possibilitam a apropriação da realidade, da vida e toda sua plenitude”
(KISHIMOTO, 1996, p.146). Portanto, cada atividade “assume
características peculiares no contexto social, histórico e cultural”
(MARINHO, 2007, p. 33).
Em relação aos recursos, apesar da dificuldade enfrentada por
muitas escolas, a possibilidade de utilizar-se de materiais diversos,
disponíveis no próprio ambiente, bem como, de criar situações lúdicas
para as quais não haja necessidade de muitos materiais, é algo positivo
e que dependerá unicamente da criatividade do(a) professor(a).
Sobre os brinquedos, Amado (2008) classifica-os brinquedos
em três categorias: artesanais, industrializados e populares.
- 128 -
na realidade, aproveitar os espaços livres como um pátio, etc. Ele deve
usar a sua imaginação e criatividade, o que estimulará a criança a fazer
o mesmo.
A escola é um dos principais espaços de mudança da sociedade.
O trabalho desta deve considerar as crianças como sujeitos em
formação, respeitando seus saberes, conhecimentos e capacidades.
Pois,
- 129 -
Atividades lúdicas da cultura popular mais comuns na
comunidade escolar
Cantigas de roda
Passa anel
- 130 -
jogo inglês: Botão, botão. Quem pegou meu botão? Os relatos sobre
essa brincadeira vão desde 1800 na Inglaterra e Estados Unidos.
Para brincar, forma-se uma roda com as crianças uma ao lado da
outra. Uma criança, no centro dessa roda, coloca um anel ou outro
objeto pequeno, Escondido entre as duas mãos, que estarão unidas. Ela
será “o passador do anel”. Os outros jogadores ficam um ao lado do
outro, com as palmas das mãos encostadas como as do passador de anel.
O passador passa as suas mãos no meio das mãos de cada um dos
jogadores, deixando cair o anel na mão de um deles sem que ninguém
perceba. Quando tiver passado por todos os jogadores, o passador
pergunta a um deles: - Quem ficou com o anel? Se acertar é o novo
passador.
Bola de gude
Cinco Marias
- 131 -
lado do ossinho tinha um nome e um valor, e a resposta divina às
perguntas humanas era interpretada a partir da soma desses números. O
lado mais liso era chamado kyon (valia 1 ponto), o menos liso, coos (6
pontos); o côncavo, yption (3 pontos), e o convexo, pranes (4 pontos).
Com o tempo, os ossinhos foram substituídos por pedrinhas, sementes
e pedaços de telha até chegar aos saquinhos de tecido recheados com
areia, grãos ou sementes.
O jogo também é conhecido como Cinco saquinhos, Cinco
pedrinhas, Pipoquinha, Porquinho, Cinco pedras e/ou Saquinhos. Para
jogar, é preciso ter cinco pedrinhas ou saquinhos com areia dentro.
Depois de agitar as pedrinhas dentro de suas mãos fechadas, jogue-as
para cima, tendo cuidado para elas não se espalharem muito quando
caírem no chão. Pegue uma pedra e atire para cima. Você tem de
apanhar outra pedra do chão antes de agarrar a que jogou para cima. E,
assim você vai fazendo, até que todas estejam em sua mão.
Amarelinha
- 132 -
céu, não há fronteiras, separações ou descansos (GONZÁLEZ;
SCHWENBERG, 2012).
Uma terceira versão é apresentada por Santos (2012) e relata
que, possivelmente, o jogo originou-se no Antigo Egito. O autor baseia-
se no Livro dos Mortos onde é anunciado um ritual de passagem dos
mortos para a eternidade por meio de uma atividade semelhante a esse
jogo.
Atualmente, a brincadeira consiste em desenhar a amarelinha no
chão, indo do número 1 ao 09, a casa 10 é o céu. As crianças decidem
que irá começar. O escolhido jogará a pedra – ou o saquinho de areia –
no número 1. A seguir, deverá pular de casa em casa, apenas com um
pé, até chegar ao céu. Na volta, repete o trajeto, só que pegando a
pedrinha. O mesmo deverá ser repetido até chegar à última casa. Perde
a vez quem pisar na casa em que está a pedra, pisar na risca, não pegar
a pedra ou errar a casinha na hora de jogar a pedrinha.
Esconde-esconde
- 133 -
se livram de serem a próxima. Então a mesma tem de fazer o papel de
quem irá procurar novamente.
Pula corda
A-do-le-tá
Peteca
- 134 -
esporte. Foi criada pelos índios que a confeccionavam com palha de
milho, recheadas de folhas ou capim. Em cima do pequeno saco,
amarravam penas coloridas. A brincadeira consiste em não deixar a
peteca cair, por meio de tapas que a mantem no ar. Os portugueses
ficaram tão maravilhados com o jogo, que se mantém até a atualidade,
ganhando o mundo. O jogo de peteca tornou-se um esporte
internacional.
Cabra-cega
Bambolê
- 135 -
ele em torno da cintura ou bambolear andando, sem deixar o brinquedo
cair.
- 136 -
Atividades que desenvolvem a coordenação motora fina
- 137 -
e saídas. Há nos espaços as mais diferentes ações que os constitui como
tal. Quanto menor a criança, maior a necessidade de desenvolver
segurança e autoconfiança na apropriação e uso dos espaços. Portanto,
“a escola tem que propiciar esta condição primeiramente em suas
próprias atividades” (ALMEIDA, 2014, p. 87). Inicialmente,
trabalhando os elementos vizinhos para poder integrá-los em um
mesmo conjunto, depois a vizinhança poderá estender-se a áreas mais
afastadas.
A separação é a segunda relação espacial elementar: dois
elementos vizinhos podem interpenetrar-se, confundindo-se em parte.
A possibilidade de considerá-los como distintos possibilita estabelecer
uma relação de separação. Das atividades lúdicas da cultura popular
identificadas na pesquisa, a percepção espacial é trabalhada na
brincadeira com peteca, pular corda, brincadeiras de roda, morto-vivo,
cinco Marias, cabra cega, A-do-le-tá e amarelinha.
- 138 -
Para Alves et al (2011) quando isso acontece a criança estará
sendo preparada para uma vida adulta próspera, pois a coordenação
psicomotora está diretamente relacionada à expressão corporal. Os
movimentos expressão sentimentos positivos e negativos. Além de
extravasar a energia que lhe é peculiar. Crianças estimuladas
positivamente a se movimentar e interagir com outras pessoas, tornam-
se mais seguras em suas relações. O trabalho com estas e outras
atividades, desde que intencionalmente planejado poderá contribuir
tanto para a construção de habilidades psicomotoras, quanto para a
valorização dos conhecimentos e saberes da comunidade, estimulando
a valorização da cultura, dos sujeitos e de sua história.
Considerações finais
- 139 -
brinquedos, jogos e brincadeiras da cultura popular, como
possibilidades de intervenção positiva, contribuindo de forma eficaz
para o desenvolvimento da aprendizagem infantil.
Referências
- 140 -
DEBORTOLI, J. A. O.; MARTINS, M. F. A.; MARTINS, S. (Orgs.).
Infâncias na metrópole. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008, p. 71-86.
- 141 -
REVISTA SUPER INTERESSANTE. Como surgiu o bambolê? E
a bicicleta? 2017. Disponível em
https://super.abril.com.br/tecnologia/como-surgiuo-bambolee-a-
bicicleta/ Acesso em 10 de jun/2020.
- 142 -
SEARA, E. C. R.; ZAGO, E. O brincar no contexto da
psicomotricidade. 2010. Disponível em:
<http://www.efdeportes.com/efd148/o-brincar-no-contexto-da-
psicomotricidade.htm>. Acesso em: 20 de mai/2020.
- 143 -
HISTÓRIA E FOTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DA
OBRA DE SEBASTIÃO SALGADO E O
MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS
Introdução
- 144 -
discorreremos sobre a história da fotografia e seu processo de aceitação
como fonte histórica, destacando os principais embates e evolução ao
ritmo do desenvolvimento tecnológico, além, do surgimento do
movimento fotográfico que irá modificar o modo de fazer e ver
fotografia. Já na segunda parte, iremos abordar a história do Massacre
de Eldorado dos Carajás, concomitante à biografia de Sebastião
Salgado, buscando destacar a relação do personagem ao acontecimento
histórico, que leva a fotografia a um patamar de resistência. Diante do
trabalho feito por Salgado, a terceira e última parte procura analisar
esse trabalho a partir de três fotos marcantes, tendo a consciência que
“A imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam
feitas.” (KOSSOY, 2014, p.10), o texto discorre sobre análises
históricas e conceitos pessoais sobre a capacidade informativa que as
fotografias apresentam. Diante disso, buscamos constatar a
importância da imagem fotográfica como fonte de pesquisa histórica.
- 145 -
Em 1826, em compasso com o contexto social da época, onde
se vivia a Revolução Industrial e o grande avanço cientifico, surge a
primeira fotografia. Louis Daguerre, com seu daguerreótipo29
apresenta ao mundo em 1839 uma imagem mais nítida, avanço que
atrai grande interesse comercial. Com isso, no mundo irão aparecer
outros nomes com tentativas parecidas em busca do mesmo objetivo,
“a fotografia perfeita”. Cabe ressaltar que o francês radicado no Brasil,
Antoine Hercule Romuald, já desenvolvia pesquisas sobre reprodução
de imagens e seus processos químicos, ainda em 1832, não estávamos
à mercê. Com o advento da tecnologia, as câmeras fotográficas se
aperfeiçoaram e tornaram-se mais acessível à população a partir de
1880, deixando o mundo “portátil e ilustrado” (KOSSOY, 2014, p. 31).
Inicia-se um processo por aceitação, onde a sociedade
oitocentista será resistente quanto à legitimação do fotógrafo como
artista, e da fotografia como arte. Os critérios aceitos eram norteados
pelo cenário da pintura, ou seja, os fotógrafos estavam a viver sobre as
sombras da arte das telas. “Dialogar com a tradição era, talvez, o
caminho mais seguro para validar a nova forma de olhar e dar a ver o
mundo.” (BORGES, 2003, p.42). Os pioneiros da fotografia eram
homens comuns, que não tinham ligação com as ideias e normas das
Academias de vertente positivista, nesse caso, fotografar era visto
como técnica, eis outro fator que exprimia a sua dificuldade de
individualização.
Adentrando o século XX, a fotografia acompanhará os passos
da industrialização, onde a vida e seus costumes urbanos, a arquitetura
das cidades, fatores ligados a religião e política - além das paisagens
naturais - serão os registros mais frequentes feitos pelos fotógrafos do
início desse século. Na medida em que a sociedade mudava devido às
transformações que o mundo estava sofrendo, as máquinas
fotográficas se moldavam a essa sociedade, apresentando novas
formas e maior requinte. O que chama a atenção nessa época, e que é
29
O Daguerreótipo era um equipamento de capturarão de imagem criado por Louis
Jacques em 1837. Mais detalhes em Corrêa (2013 p.15-33).
- 146 -
importante para nossa discussão, é o poder da elite aristocrata e
burguesa, financiando e ditando as regras de como e o que se
fotografar. Entretanto, com a redução dos custos da fotografia,
alterações ocorreram e novos consumidores, com novos olhares se
alastraram, criando novos embates. Estando então, “longe de ser um
documento neutro, a fotografia cria novas formas de documentar a vida
em sociedade.” (BORGES, 2003, p.69). Fotografar passou a ter
sentidos, e não fórmulas. Talvez seja essa a maior recusa dos
praticantes da historiografia metódica, aceitar a fotografia como fonte
de pesquisa e se dispor a “educar o olhar”, levando em conta, o estudo
a partir de interpretações de aspectos variados, bem como, um material
cultual.
Com a popularização da fotografia, agora existiam estúdios e
fotógrafos amadores espalhados pelo mundo. Cartões postais, cartões
de visita, álbuns de família ou qualquer outro tipo de imagem que
alimentasse a memória individual e/ou coletiva da sociedade da época.
Todavia, ao mesmo tempo em que se torna popular, torna-se mais
humano, torna-se linguagem, eis que a fotografia dá seus primeiros
passos para a “análise iconográfica” (KOSSOY, 2014, p. 109).
Nessa conjuntura, abre-se espaço para um processo de
“derrubada” à historiografia metódica. Ideias de intelectuais como as
de Giambattista Vico30, que defendia uma análise de evidências
históricas diferentes, a partir da soma de diferentes metodologias
(BORGES, 2003, p.33-35), se fortaleceram no século XX. Eram ideias
baseadas na busca de conhecimento histórico com análise em
anônimos, e não apenas pelos “protagonistas” e/ou privilegiados da
história. Max Weber31 seguiu essa linha de pensamento, e, sua tese
natureza compreensiva e interpretativa das ciências da cultura, é uma
30
Giambattista Vico (1668 – 1744) foi um filósofo italiano, que se diferenciava de
pensadores iluministas. Ele acreditava que a história não podia ser feita a partir da
exaltação de personalidades ou de fatos. A história deveria ter uma relação real como
o homem, senão, ela não sustenta nem cria tradição.
31
Max Weber (1864-1920) foi um dos fundadores da Sociologia e inaugurador do
método da sociologia compreensiva.
- 147 -
complementação de Vico, portanto:
32
Jacob August Riis (1849-1914) foi um repórter de jornal e fotógrafo documentalista
social.
33
Cornell Capa (1918-2008), fotojornalista húngaro-americano, que fotografava a fim
de combater injustiças sociais, sintetiza essas questões em seu livro “The Concerned
Photographer”. Irmão do também fotojornalista Robert Capa, o “fotógrafo da paz”.
- 148 -
A fotografia resiste: Sebastião Salgado e o massacre de
Eldorado dos Carajás
34
Cf. BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. 2. Ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.
- 149 -
políticos do país. Como militante, fez parte da Ação Popular35 e lutou
contra a ditadura militar. Salgado (2014) lembra que ele e Lélia foram
morar na Europa, não por medo do regime instalado no país, mas como
estratégia de defesa das ideias opositoras, continuando a agirem onde
estivessem.
Por influência da esposa – que era arquiteta – adentrou no
mundo da fotografia, tentou de tudo um pouco, mas foi no social que
ele se encontrou. “Graças a meu trabalho de economista, descobri a
África. Nesse continente, reencontrei meu paraíso.” (SALGADO,
2014, p. 31). Apaixonado pelo continente africano, seu trabalho foi
direcionado a denúncia da fome e miséria daquele povo10. Passado
muitos anos se dedicando a fotografia do outro lado do oceano, retorna
ao continente americano, graças a Lei da Anistia36. Irá trabalhar com
o misticismo no sertão Nordestino, com os indígenas, camponeses e
movimentos sociais. Como um fotógrafo revolucionário, acompanhou
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) por cerca
de quinze anos, dando apoio através das suas fotografias, conseguiu
criar material documental que resultou na obra Terra, lançado no ano
de 1996.
É de se saber que polêmicas envolvendo terras transpassam
décadas. O MST nasceu no século XX com o objetivo de lutar pela
reforma agrária e pela justiça social. Carregando uma herança
latifundiária colonial, o país contém uma enorme desigualdade de
acesso a terra. Tendo como instrumento de resistência a ocupação de
terra, criou força como movimento social a partir de 1980, e apesar de
importantes conquistas, ao longo da sua história foram travadas
algumas lutas sangrentas. No dia 17 de Abril de 1996, ocorreu um
episódio vergonhoso na história do Brasil, “o massacre de Eldorado
35
Organização da esquerda revolucionária, de inspiração Marxista. Onde também,
defendia a luta armada. Em 1986 Sebastião Salgada lança a obra “Sahel: O Homem
em Pânico”, onde fala da seca e fome do povo que mora na região do Sahel, situada
na África Subsaariana.
36
Lei promulgada no governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985), que
“perdoava” muitos presos políticos. Sendo um dos importantes marcos do fim do
regime militar no Brasil.
- 150 -
dos Carajás” no estado do Pará, deixando um saldo de 21 mortos e
mais de 50 feridos.
Policiais militares sem identificação nos seus uniformes
cercam e atiraram em militantes Sem Terra que estavam a caminho de
Belém; viajavam até a capital do estado para protestar junto ao governo
estadual pelo não cumprimento de promessas como o envio de
alimentos, remédios e o andamento no processo de legalidade para a
ocupação de um complexo de terras daquela região, dadas como
improdutivas. Em um laudo feito pelo INCRA12, que segundo os Sem
Terra foi manipulado, dizia que as terras eram produtivas – nesse caso,
tornaria ilegal a ocupação-. Cerca de 3.500 famílias estavam
acampadas a margem da rodovia PA-275, e aproximadamente 1.500
iniciaram a caminhada até a capital, que resultou em uma chacina.
Desse infeliz acontecimento, quase ninguém foi responsabilizado.
Entretanto, foi um marco na luta deste movimento social:
- 151 -
(MUAD, 2008, p. 44). É nessa perspectiva de entendimento de cada
fator que compõe uma imagem, que iremos ao próximo passo, torná-
las vivas como ideias de reflexão e conhecimento.
37
Kossoy, Boris. “Fotografia & História”, p. 109, 2014. A análise iconográfica tem o
intuito de detalhar sistematicamente e inventariar o conteúdo da imagem em seus
elementos icônicos formativos; o aspecto literal e descritivo prevalece, o assunto
registrado é perfeitamente situado no espaço e no tempo, além de corretamente
identificado.
- 152 -
FOTO 1. SALGADO, Sebastião. Foto tirada no cortejo dos corpos dos militantes
Sem Terra, mortos na chacina do Eldorado dos Carajás. Sebastião seguiu em
cima do caminhão para capturar essas imagens. Pará, 1996.
- 153 -
A relação entre Sebastião Salgado e o Massacre de Eldorado
Carajás é eminente, ali não estava apenas o fotógrafo, mas também o
cidadão, prestando apoio à luta daqueles militantes. Suas imagens
naquele dia já assumiam o valor de denuncia, aonde, conscientemente,
sabia-se que essas fotos serviriam como forma de reflexão. Estava ele,
documentando o dado momento histórico, visando à repercussão,
mantendo vivo o movimento, resistindo junto. Dessa forma, confirma-
se a premissa onde “Toda fotografia tem atrás de si uma história”
(KOSSOY, 2014, p.48), tendo essa história, uma relação direta com o
fotógrafo.
- 154 -
FOTO 3. SALGADO, Sebastião. Foto tirada momentos antes do enterro
dos corpos dos Militantes Sem Terra, comovidas, as pessoas ao redor com
bandeiras do MST Pará, 1996.
38
Segundo Mauad (1996), a abordagem transdisciplinar estrutura a mensagem
fotográfica, isso devido a aproximação entre aspectos históricos, antropológicos e
sociológicos. A fotografia é resultado de um trabalho social, que se processo através
do tempo. Mais detalhes em Mauad (1996 p.6-7).
- 155 -
essas, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
abrangeu-se. Sebastião Salgado cumpriu seu papel, mostrou que a
força da fotografia muda percursos, e como Mauad (1996) chega a
dizer, “Do ponto de vista temporal, a imagem fotográfica permite a
presentificação do passado, como uma mensagem que se processa
através do tempo,” e essa mensagem, Salgado transmite através de suas
imagens fotográficas, tornando-as símbolos de luta e memória
histórica.
Considerações finais
- 156 -
Referências
- 157 -
CANUDOS UMA FORMA DE REPRESENTAÇÃO
POPULAR CONTRA A MODERNIDADE
REPUBLICANA39
Introdução
39
Pesquisa realizada no ano de 2020, como parte do Trabalho de Conclusão de Curso
– TCC, defendida para obtenção do título de Especialização em História e Ensino de
História pela Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde – AESA. Centro de Ensino
Superior de Arcoverde – CESA.
40
Sigla para Representação social.
- 158 -
comprovação e caracterização de Canudos como uma representação
social de resistência as elites locais e republicanas.
O trabalho foi desenvolvido por meio de uma revisão
bibliográfica com pesquisas em artigo e livros tendo a participação de
autores que contribuíram para a reflexões sobre o tema dessa pesquisa.
O artigo divide-se em três sessões, na primeira realizaremos a
conceituação da representação social e uma análise na Proclamação da
República, em seguida é apresentado o embate de pensamentos que
caracteriza e teoriza a representação social, junto com as análises para
demonstração da relação com Canudos. E concluindo com os fatores
que sinalizam a resistência que o Arraial de Canudos personificou.
- 159 -
que teoricamente deveriam estar unidas na defesa da
nação. Além de abrigar monarquistas, a Marinha de
Guerra se via desprestigiada na política, pelo excessivo
protagonismo do exército.
- 160 -
disputava o poder no Rio-Grande, agravando-se a partir da proclamação
da república, em 1893 conseguindo invadir o estado, mas nos anos
seguintes às duas revoltas foram caladas por tropas fiéis a Floriano
Peixoto. Macedo e Maestri complementam (2011, p. 52).
- 161 -
situação, tendo como foco a dinâmica das relações
estabelecidas em um dado momento; intergrupal – são
analisadas as diferentes inserções sociais do sujeito em
interação, considerando-se como variável independente
sua posição ou status social.[...].
- 162 -
Negrão (2001) apresenta algumas características dos
movimentos messiânicos que abrange e classifica o Arraial de Canudos,
e nos ajuda a identificar conceitos da teoria da representação social
quando o autor falar em típico-ideais, na realidade dos sertões que
normalmente continha a seca, abandono e fome. Propiciando a
construção de um ideal de sociedade mais justa sendo complementada
pela caracterização do movimento messiânico defendida por Negrão. A
partir dessa argumentação percebemos que é aprofundado a ideia de
teoria da representação social com Canudos, já que existe uma ligação
entre esses dois objetos a partir das relações sociais-culturais com cada
indivíduo, afirmando-se em forma de compartilhamento de conceitos
religiosos.
A representação social como ideia é encontrada no imaginário
do grupo se tornando fundamental, já que por meio desse é constituído
o pensar social do grupo. O imaginário é construído a partir da relação
com as instituições sociais, ou seja toda a experiência social que tenha
a contribuição ou relação com o indivíduo está ligado socialmente a
uma rede simbólica sendo que estes símbolos podem ser manifestados
na linguagem como nas instituições, tornado possível a conexão entre a
representação social e o imaginário do grupo (CARVALHO, 2020).
Bertoni e Galinkin acrescentou (2017, p. 103).
- 163 -
de movimentos messiânicos no Brasil desde a colonização
(Negrão,2001). Macedo e Maestri complementam (2011, p. 87).
- 164 -
Ser beato ou conselheiro era também uma forma de
subsistir, de inserir-se na comunidade, de construir uma
vida, de ascender socialmente. Na passagem do século,
os membros desse clero laico participavam – direta e
indiretamente – da orientação social, política e ideológica
da massa sertaneja nordestina. Alguns, como Antônio
Maciel, alcançaram um real poder político social.
- 165 -
realidade para os sertanejos era repleta de adversidades, rebanhos eram
consumidos pela seca favorecendo a fome, existia a presença das
doenças infectocontagiosas que aliada com a fome ceifava a vida no
sertão. Carneiro e Menezes (2013, p. 23-24).
- 166 -
coronel sendo assim envolvendo e conectando as três esferas de poder;
municipal, estadual e federal (ARRUDA, 2013).
No sertão até mesmo pela característica geopolítica da região,
essas relações políticas eram mais acentuadas já que o distanciamento
dos centros urbanos persistia na necessidade aos coronéis por parte dos
habitantes da região criando assim a permanência do Fenómeno
político-popular da parentela41. Os sertanejos eram oprimidos pelo
sistema social que se baseava no coronelismo e na parentela, sendo
financiado pelo o estado que cobrava impostos dos sertanejos sem
nenhuma forma de retorno. Alcântara afirma que (1996, p. 14)
41
Esse conceito é oriundo da teoria do Mandonismo tendo seu apogeu na colonização
do Brasil caracterizando-se de forma patriarcal permitindo aos senhores de terra a
chefiar uma grande extensão de pessoas as quais buscava reconhecimento social e
pertencimento (ARRUDA, 2013).
- 167 -
A proclamação da república não teve participação popular
durante o processo de mudança de regime apenas a elite assumiu a
direção desse processo causando assim a falta de pertencimento,
afirmam Macedo e Maestri (2011, p. 47) “[...] interpretou o ato
abolicionista como consequência da vontade da família imperial,
fortalecendo-se a visão popular do imperador como “pai” dos
desvalidos[...].
Percebemos com a colaboração de Macedo e Maestri o
fortalecimento dos laços entre a família imperial e os populares, sendo
que na perspectiva do império a lei Áurea se tratava apenas de jogadas
políticas. Mas na realidade dos menos favorecidos construía-se o
pertencimento e o ideário de estado governável para o povo, explicando
assim a quebra de realidade que acontece quando a república é
instaurada.
Causando assim um choque de mundos, aonde em um lado
existia prosperidade e modernização, no outro a decadência social se
aliava ao atraso cultivado pela elite dominante. Napolitano acrescenta
(2018, p. 23) “[...] a Guerra de Canudos foi o resultado de tensões
sociais e políticas causadas pela extrema miséria e exploração do
homem do campo como mão de obra barata e massa agregada aos
“coronéis” locais.”. Além desse choque de mundos e as tensões sociais
que causaram conflitos existiam o preconceito com os sertanejos.
Alcântara complementa (1996, p. 16) “[...] a empreitada do Conselheiro
integra a extensa galeria de movimentos de insurreição e resistência
popular. contra os quais a tradição ensina que prevalece a solução
radical da sufocação e do extermínio”.
Canudos resistiu a quatro investidas da república a qual não
mediu esforços utilizando-se os aparatos de guerra mais moderno
possível, sendo vencido na quarta expedição restando apenas três
membros, mostrando-se a ligação entre os participantes e a comunidade
popular, evidentemente essa ligação é resultado dos conflitos
apresentados por Napolitano (2018) causando a feros defesa desse
Arraial e dos ideais, mas Canudos não conseguiu apresentar o real
- 168 -
motivo da existência daquele povoado, sendo confundido com um
movimento restaurador da monarquia.
Considerações finais
42
Apresentado no recorte histórico da seção 2.
43
Está citando na terceira seção na página três dessa pesquisa: Bertoni e Galinkin
(2017, p. 109).
44
A contribuição está na terceira seção na página três dessa pesquisa: Negrão (2001,
p. 119).
45
As participações estão citadas na quarta seção dessa pesquisa :Carneiro e Menezes
(2013, p. 24) e Napolitano (2018, p. 23).
- 169 -
presenças de outros teóricos que foram crucial para chegamos a esse
entendimento.
Canudos é um universo de possibilidade de escrita, sendo assim
esta pesquisa deixa algumas perguntas no ar: Qual foi a participação da
impressa nesse cenário de guerra civil? Quais são as lições que Canudos
nos ensina? Qual foi a participação do Arraial de Canudos na História
Brasileira?
Referências
- 170 -
CARNEIRO, L. L. V.; BEZERRA DE MENEZES, E. D. Belo Monte
religiosidade e luta no Sertão Semiárido. 103 f. Dissertação
(Mestrado em sociologia). Universidade federal do Ceará (UFC),
Fortaleza. 2013. Disponível em < http://www.repositorio.ufc.br/
handle/riufc/7738 > Acesso em 29/07/2020.
- 171 -
NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da
Monarquia ao fim do Estado Novo. 1.ed. São Paulo. 2018.
- 172 -
ENTRE EMBATES E DICOTOMIAS: A BNCC E O
ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO DO
CAMPO
- 173 -
região, estado, município e escola. Assim, como garantia da ampliação
do direito a uma educação pautada na equidade, a Base Nacional
Comum Curricular vem para garantir uma educação que, sendo também
diversa, tenha por lastro a equiparação de conteúdo a serem discutidos
em cada ano na Educação Básica.
A proposta de conteúdos mínimos (ou comuns) vem sendo
criticada em decorrência do modelo apresentado, com conteúdos
comuns, o desenvolvimento de habilidades e competências, uma
formulação que não atenderia às diversas demandas sociais existentes
num país continental como Brasil. A diversidade de leituras desse
conjunto de conteúdos comuns, ou mínimos, é apontada como uma
fraqueza da BNCC, transformando-a num manual ou cânone da
educação que não dialogaria com as situações sociais existentes no país.
Os diferentes e mesmo divergentes posicionamentos sobre a existência
de uma BNCC postulando a existência de uma política curricular
comum são enfáticos. Para “(...) os argumentos de quem se posicionou
contrariamente à existência de uma Base revela, a nosso ver, o mais
completo desconhecimento do cotidiano de uma sala de aula na
educação básica, restringindo suas análises nas políticas públicas e/ou
no campo institucional/formal” (OLIVEIRA et al. 2018, p. 09),
Havendo nesta questão uma observação a qual não devemos nos
furtar, tendo em vista o tempo de docência em uma escola do campo. O
que denominamos de “coitadismo pedagógico”, as ações docentes
caminhando ora para a ideia que os estudantes não aprendem, ora sobre
o pouco conteúdo visto pelos discentes como muito, diante das
condições socioeconômicas desses estudantes. A elaboração de uma
Base Nacional Comum Curricular para História desconstrói, mas não
elimina, essas barreiras pedagógicas baseadas em preconceitos e na
subalternização de sujeitos.
Mesmo como defensores de uma Base Nacional Comum, não
esquecemos dos debates acalorados ainda suscitados pelo tema. Talvez
menos em relação à necessidade da sua existência e mais sobre o
resultado, pois para o bem e para o mal, na atualidade lidamos, na nossa
cotidianidade docente, com embates a nosso ver mais ideológicos e por
- 174 -
vezes menos técnico. Surgiram questionamentos desse a primeira
versão do documento:
- 175 -
de História, observarmos que “(...) na ausência de um projeto curricular
nacional, são os livros didáticos e os sistemas apostilados (e, portanto,
o mercado editorial) que têm estabelecido os programas referentes ao
conhecimento histórico escolar” (CAIMI, 2016, p. 86).
Assim, percebemos o interesse das instituições e institutos
privados de educação com a elaboração da BNCC. A ausência do
Estado evidencia que delegar às instituições privadas de educação, às
editoras ou aos representantes de programas escolares as decisões
curriculares e pedagógicas, agrava as disparidades entre sistemas de
ensino e perpetua dívidas tendo por paradigma a distinção entre escolas
e estudantes. Contribuindo para o aprofundamento das desigualdades
sociais existentes e resistentes no país, a partir da manutenção de
condições desiguais de acesso e investimentos, incidindo diretamente
na qualidade e nos resultados da educação pública (CAIMI, 2016).
As discussões, concernentes a primeira versão da Base Nacional
Comum Curricular, ocorreram num contexto de profunda divisão
política no país, logo após as eleições presidenciais de 2014, onde as
forças políticas derrotadas na eleição presidencial se mobilizaram para
buscarem o impedimento do governo reeleito. Os debates para a
construção do texto inicial da BNCC aconteceram no âmbito desse
processo e das mobilizações a favor e contra o impeachment, ocorrido
em 2016. Portanto,
- 176 -
A primeira versão apontava para a superação de um ensino de
História linear e eurocêntrico, propondo a pesquisa e a problematização
histórica como suportes à construção de um ensino de História
dialogando com a as situações vivenciadas pelos estudantes, fugindo
das aulas expositivas, nas quais o professor detém todo o saber, o que
foi suprimido na versão final, em 2017. Com as mudanças no poder
ocorridas após o impeachment de um governo democraticamente eleito
em 2016, ocorreram profundas mudanças no processo de elaboração da
BNCC:
- 177 -
sobre bases conservadoras. E dessa forma, ocorreu o retorno a um
ensino de História proposto nos pressupostos da linearidade e do
conservadorismo, sendo representativo do posicionamento político e
ideológico assumido no Brasil no pós-impeachment. A versão final da
BNCC para o ensino fundamental apresenta como característica
principal ser o documento orientador do ensino e da aprendizagem no
Brasil, a partir das denominadas aprendizagens essenciais. Na
perspectiva do desenvolvimento de competências e habilidades,
diferenciando-as do currículo, chamamos a atenção que além de
conteúdos mínimos, o documento foi ampliando o termo aprendizagens
essenciais.
Quando observamos a parte de História, os conteúdos ou as
aprendizagens mínimas estão distribuídos em unidades temáticas,
divididas entre os anos finais do Ensino Fundamental. A distribuição
dessas unidades, evidencia a permanência de um paradigma de ensino
de História pautado numa cronologia histórica tradicional (CAIMI,
2016; OLIVEIRA et al. 2018). Apesar do texto buscar relacionar o
ensino das aprendizagens ao cotidiano dos estudantes, o documento ao
seguir uma dinâmica de organização tradicional dos conteúdos,
dificulta essa abordagem. Na primeira versão, foi apresentada ao MEC
a proposta de um ensino de História que não se pautasse na linearidade
tradicional, mas que partisse
- 178 -
Na BNCC, os quadros das unidades temáticas indicam uma
construção das habilidades em que não vemos de forma explícita o
cotidiano do estudante como ponto de partida à sua efetivação. Os
verbos de ação utilizados não inferem a orientação do documento sobre
o vivenciado pelos estudantes seja diretamente relacionada ao
conteúdo, tornando-os desvinculados do cotidiano, dificultando uma
prática pedagógica que dialogue com essa cotidianidade. Ao definir
competências e habilidades, no documento foi explicitado: “Na BNCC,
competência é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e sócio
emocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da
vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”
(BRASIL, MEC, 2018, p. 08). Nesse ponto, a BNCC dialoga com a
proposta de uma educação do campo partindo do cotidiano e retornando
ao mesmo, num movimento de reconhecimento de demandas sociais e
a sua superação por meio de diálogos entre os conhecimentos
sistematizados pela escola e os conhecimentos dos estudantes. Todavia,
a estrutura do documento impossibilita esse movimento, pela
linearidade dos conteúdos e o trato verbal às competências. As
competências não inferem a ação do estudante como participante na
construção dos conhecimentos.
Considerando as possibilidades do estudante do campo dialogar
e intervir na situação vivenciada, é necessário que as competências
sejam ampliadas de forma a cotidianidade do campo atravessá-las, num
movimento continuo de enriquecimento do apresentado na BNCC.
Assim, dialogando com o documento propondo estratégias pedagógicas
no ensino de História gestadas no ambiente escolar, cuja fonte seja a
cotidianidade dos educandos, com vistas à superação das demandas
percebidas pelos estudantes por meio do seu olhar sobre as situações
sociais vivenciadas.
A BNCC apresenta três níveis de competências, que vão se
tornando específicas enquanto o documento avança, mas mantendo a
articulação e o diálogo entre os objetivos propostos. Com a organização
das competências:
- 179 -
Organograma 1 – Níveis das competências na BNCC para o
ensino de História
Fonte: Autor
- 180 -
aprendendo e colaborar para a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL,
MEC, 2018, p. 09).
- 181 -
Nessa competência, encontramos dois aspectos constituintes do
universo desta pesquisa, os conhecimentos e as culturas em suas
diversidades. Compreendemos que a BNCC ao considerar a existência
de uma diversidade de modos e visões de mundo, corrobora para
superação de uma História eurocêntrica em suas competências. No
entanto, a ação não se concretiza, como citado, nas habilidades que são
propostas no âmbito do ensino de História.
Sendo um conjunto de sete, as competências específicas de
Ciências Humanas para o Ensino Fundamental preconizam a formação
e o respeito às identidades dos estudantes, apontando estas como objeto
a ser estudado, de modo que os estudantes analisem o mundo a partir
das sociedades, culturas e das relações destas com a tecnologia e
ciência. Nesse sentido, a terceira competência apresenta: “Identificar,
comparar e explicar a intervenção do ser humano na natureza e na
sociedade, exercitando a curiosidade e propondo ideias e ações que
contribuam para a transformação espacial, social e cultural, de modo a
participar efetivamente das dinâmicas da vida social (BRASIL, MEC,
2018, p. 357).
Observamos que a referida competência tem por ordenamento o
reconhecimento das ações humanas, como fomentadoras de
modificações sociais e ambientais que moldam a vida e os espaços de
atuação social dos sujeitos. Tema de relevância, essa atuação dos
sujeitos no seu entorno é alvo das nossas discussões quando
defendemos essas atuações como um suporte às aulas de História.
Servindo para as escolas do campo, ou de outros nichos sociais, tornar
as discussões sobre a realidade em suportes à superação, por parte dos
estudantes, dos desafios enfrentados nas situações vivenciadas.
Na quarta competência, vemos a orientação para o mergulho na
diversidade das sociedades e culturas, mas partindo do próprio
estudante em um movimento do micro ao macro.
- 182 -
E assim:
Interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas
com relação a si mesmo, aos outros e às diferentes
culturas, com base nos instrumentos de investigação das
Ciências Humanas, promovendo o acolhimento e a
valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e
potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza
(BRASIL, MEC, 2018, p. 357).
- 183 -
Iniciemos a discussão pela primeira competência:
- 184 -
diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo, a
resolução de conflitos, a cooperação e o respeito (BRASIL, MEC, 2018,
p. 402). Essa competência, dialoga diretamente com nossa proposta
fundamentada no questionamento sobre as vivências sociais como item
fundamental de uma prática pedagógica, utilizando da pesquisa como
eixo norteador e considerando o entorno da escola como fonte de uma
intencionalidade educativa, balizada na contextualização e significação
de conhecimento, de modo a possibilitar nos estudantes aprendizagens
interagindo com os mesmos suas construções sociais.
Na competência supracitada, vemos a referência à utilização de
uma diversidade de mídias e linguagens na busca das interpretações dos
contextos históricos. Assim, a utilização da fotografia, produzida pelos
estudantes, por meio de aparelhos celulares, a qual denominamos de
extensão do olhar, encontra-se fundamentada nessa competência.
Utilizar esses olhares de maneira pedagógica no ensino de História,
apresentando as impressões dos estudantes, sobre si e o meio, à sala de
aula.
Proporcionar as condições para construção da autonomia dos
estudantes, na busca de respostas às questões suscitadas em sala, em
pleno meio social, apontando para uma prática aberta familiar aos
discentes, atribuindo sentidos ao ensinado na escola e contribuindo para
o protagonismo estudantil, desde a pesquisa e discussão da situação
social até a criação de possibilidades de intervenção, como forma de
sedimentar o protagonismo no jovem do campo. Pois, somente
defendemos aquilo que conhecemos bem e somos efetivamente
participantes.
A quarta competência expressa: “Identificar interpretações que
expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a
um mesmo contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base
em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários
(BRASIL, MEC, 2018, p. 402). Propor em tempos de polarização
ideológica e de crescente apologia ao ódio contra as diferenças, que os
estudantes considerem as distintas visões de mundo, dos diferentes
sujeitos, na construção da própria compreensão da situação social, é
- 185 -
imprescindível em momentos como o atravessado. Compreendemos
que essa competência democratiza o ensino, com espaço para que
olhares cerceados sobre determinado acontecimento histórico ou
situação social, contribuindo também com o debate e a formação
humana dos estudantes, seja do campo ou da cidade.
A quinta competência alude ao estudo do deslocamento de
pessoas e mercadorias, para compreensão como esses movimentos
contribuíram e contribuem na formatação das diferentes sociedades na
contemporaneidade. Para tanto: “Analisar e compreender o movimento
de populações e mercadorias no tempo e no espaço e seus significados
históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as
diferentes populações” (BRASIL, MEC, 2018, p. 402). A competência
fundamentou outra intencionalidade da nossa pesquisa que evidenciou
os contextos de produção e consumo, bem como as relações entre o
campo e a cidade, demonstrando que nessa aproximação existe a
absorção de códigos e elementos mutuamente, numa relação de mão
dupla, provocando mudanças e releituras nos dois ambientes.
Ao propormos a pesquisa das realidades econômicas presentes
no ambiente escolar das escolas do campo, sinalizamos a importância
de um tema fortemente presente em nosso cotidiano, mas de certo ponto
negligenciado, sendo pouco evidenciado como um dos pilares
fundantes dos modelos de sociedade e os variados aspectos sociais e de
consumo que tanto contribuíram e contribuem para as edificações
sociais ora existentes.
Na sétima e última competência, temos: “Produzir, avaliar e
utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação de modo
crítico, ético e responsável, compreendendo seus significados para os
diferentes grupos ou estratos sociais” (BRASIL, MEC, 2018, p. 402).
A escolha feita pela fotografia como suporte ao trabalho pedagógico
com as especificidades do campo, assim como na terceira competência,
dialogam com aspectos importantes apresentados na BNCC.
Possibilitando a utilização das tecnologias à disposição dos estudantes
do campo, como os celulares, na realização de uma prática pedagógica
dialogando com os discentes e com os espaços sociais de modo a serem
- 186 -
também protagonistas nos processos de ensino e aprendizagem por
meio da visão da situação social apresentadas em suas pesquisas, é
ponto chave para um ensino perpassado pela ressignificação de
conteúdos e práticas.
Para que tenhamos o acesso às tecnologias, é necessário que
exista a democratização delas, bem como a democratização do
conhecimento que produzem, pois do contrário temos a ampliação do
abismo social em vigor no Brasil. Nesse ponto, percebemos as
dificuldades de acesso às tecnologias, à internet como um ponto
nevrálgico das relações nos processos de ensino e aprendizagem. Pensá-
lo nos remete à educação como aspecto fomentador da desigualdade
social, quando malconduzida, formulada e estruturada para
determinado nicho social em detrimento de outros.
Ao nos debruçarmos sobre a legislação respaldando a educação
do campo no Brasil, observamos como ocorreu uma construção
histórica em quais embates, avanços e, lamentavelmente, retrocessos
recentes, estão presentes, norteando a mobilizações para uma educação
do campo gratuita e de qualidade. Compreendemos esta legislação
como a estrutura legal atendendo aos interesses de milhares de pessoas
direta ou indiretamente em relações com o campo e as propostas de
educação voltadas à diversidade de realidades no campo brasileiro.
Os estudantes do campo são sujeitos de direito. Essa diretriz está
presente no texto constitucional de 1988, na LDB nº 9394/96, nas
Diretrizes operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo e
no Decreto nº 7352/10, dentre outros aparatos existentes no
ordenamento jurídico brasileiro. Nesse universo legal existem garantias
ao acesso e à permanência dos estudantes do campo em escolas cujo
espaço pedagógico promova diálogos entre as especificidades do
campo e o currículo escolar oficial.
Diante do exposto, evidenciamos a existência de um lastro legal
balizando uma atuação pedagógica voltada às situações sociais do
campo, de maneira que as identidades, modos de vida, dizeres e fazeres
sejam utilizados como ferramenta didático-pedagógica. Em um
processo de construção do conhecimento aliando os conhecimentos
- 187 -
acadêmicos ao produzido no cotidiano social dos estudantes do campo,
promovendo uma rica interação entre esses conhecimentos, tornando o
ensino e a aprendizagem mais significativos e com resultados
acadêmicos e sociais mais amplos e efetivos.
Reiteramos que embora os diálogos com as competências tenha
sido possível para pensar diferentes práticas e perspectivas de ensinar
História, a proposição da organização dos conteúdos e o enfoque numa
leitura histórica pautada pela linearidade temporal e pela história
europeia como centro cultural, político e econômico do mundo,
restringe a continuidade de diálogo com esse documento e impulsiona
para outras direções.
Na perspectiva da superação do eurocentrismo contido na BNCC
e denunciado por pesquisadores aos quais nos associamos, sugerimos
que a ação pedagógica dos professores do campo seja pautada por
enxertos das várias competências acima mencionadas e pela
compreensão de discutir História a partir do olhar do presente
problematizando o passado, o mesmo tendo direito, mas como ponto de
partida, para questionamentos do tipo: “o quê?”, “por que?”, “como?”,
“onde?” e “para quê?”. Esses questionamentos situam-se no universo
dos jovens, sendo inquietudes que podemos mobilizar neles, em
particular para aqueles e aquelas habitantes no campo, tendo como eixo
as especificidades e vivências, para a concretização de um ensino de
História respaldando os jovens na compreensão das situações sociais
vivenciadas e as intervenções nela.
Referências
- 188 -
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular: educação é a base. Brasília: 2018. Disponível em
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em 20/02/2020.
- 189 -
A PRÁTICA DO ENSINO DE HISTÓRIA NOS
ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL46
Introdução
46
Pesquisa realizada no ano de 2020, como parte do Trabalho de Conclusão de Curso
– TCC, defendida para obtenção do título de Especialização em História e Ensino de
História pela Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde – AESA. Centro de Ensino
Superior de Arcoverde – CESA.
- 190 -
Vidotte, (2018) em sua pesquisa afirma à transformação dos
procedimentos de ensino utilizados nesse campo do conhecimento, que
as aulas de história eram baseadas na memorização, e repetição oral de
textos escritos. A existência de materiais didáticos era muito rara e a
transmissão dos conteúdos ficava unicamente ao professor. O papel da
disciplina de história no ensino regular ficou marcado durante quase
todo o século XX por um ensino de fatos históricos pontuais e
centralizados em personagens e símbolos nacionalistas, algumas vezes
com forte caráter de formação ideológica.
Segundo Dorotéio, (2016). A escola hoje não está preparada
para lidar com as mudanças sociais, atualmente a escola vive em uma
demanda emergencial de desafios dos acontecimentos em toda escala
global. No entanto, quais são as dificuldades encontradas na atualidade
no ensino de história nos anos finais do ensino fundamental?
O presente artigo busca refletir sobre o processo da prática usada
no ensino de história nos anos finais do fundamental, identificar a
prática de ensino e as mudanças ocorridas no decorrer dos anos,
também a formação dos professores e sua forma de atuação em sala de
aula. Esses motivos despertaram o interesse por esse tema, na tentativa
de uma melhor reflexão sobre essa prática de ensino.
O trabalho se divide em três partes: na primeira parte destaca-se
o processo histórico do ensino de história no Brasil, mencionando sua
trajetória no decorrer dos anos. Na segunda trata-se do professor e seu
papel no ensino de história, destacando sua metodologia norteadora de
ensino e adaptação entre as mudanças do ensino. Na terceira parte
ressalta o ensino de história em sua prática atual nos anos finais do
fundamental, enfatizando a atual realidade de ensino vivida pelos
professores e alunos das escolas brasileiras.
O estudo a ser exposto é uma pesquisa formulada de caráter
explicativa e de cunho bibliográfico, onde é feito um estudo
aprofundado em cima de diversos conteúdos bibliográficos como fonte
de pesquisas, sobre a temática da Prática do Ensino de História nos anos
Finais do Ensino Fundamental. Onde se analisa a prática de ensino de
história atualmente. Nas quais foram feitas leituras integras das
- 191 -
produções acadêmicas, pesquisadas no Google acadêmico,
identificando suas metodologias e os processos metodológicos, que
proporcionou a produção deste artigo.
- 192 -
No entanto os PCNs trabalham com a perspectiva de que a
História deve adequar-se ao novo movimento sociocultural, enfatizando
o significado da cidadania, compartilhando a ideia de que a história
moderna se constituiu pela ampliação dos direitos a serem garantidos
(civis, políticos, sociais e culturais). Para tanto, o ensino da história é
um processo de transformação contínua e adaptação à realidade dos
alunos e da sociedade como um todo. (VIDOTTE, 2018).
Em 1930, Getulio Vargas, subiu ao poder, ficando nele até
meados de 1954, complicando ainda mais o cenário do ensino, nesse
meio tempo, surgiram os primeiros cursos superiores de história, que
nasciam compactuando com a visão tradicional dos estudos de Jean
Piaget (1896-1980) e Lev Vygotstky (1896-1934), contudo, começaram
a ser divulgados, trazendo teorias influenciadoras para a Educação no
geral, ao considerar as hipóteses prévias das crianças sobre os
conteúdos abordados na escola. As aulas puramente expositivas não
funcionariam mais e a ideia de que o aprender é decorar começou a
mostrar sinais de fragilidade. (BRASIL, 2008).
O fim da ditadura militar e a redemocratização do país, na
década de 1980, marcou a retomada do ensino de História como campo
específico do saber escolar. Os debates e as discussões dos professores
de todos os níveis colocaram novos problemas, e a necessidade da
reestruturação dos conteúdos e metodologias objetivava um ensino de
história mais crítico, dinâmico, participativo, que superasse a
linearidade, o mecanicismo, o factualismo e o ufanismo nacional. Brasil
(2008),
A cronologia do ensino de história foi marcada por embates
envolvendo reformulações curriculares, projetos que continuavam a
defender o currículo humanístico, com ênfase nas disciplinas literárias,
tidas como formadoras do espírito. Outros desejavam introduzir um
currículo mais científico, mais técnico e prático, adequado à
modernização a que se propunha ao país. Tanto no currículo
humanístico como no científico a História, entendida como disciplina
escolar, mantinha sua importância para a formação da nacionalidade.
(BRASIL, 2008).
- 193 -
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
9394/96), o ensino tradicional cedeu lugar a uma perspectiva não linear,
articulada e vinculada à realidade do aluno. Mas em diversas escolas
essa mudança não ocorreu ficando apenas na teoria, pois poucos
professores valorizam a experiência do seu aluno, embora esta devesse
ser uma ferramenta norteadora do seu trabalho. Em 2005, entra em
vigor a referida Lei nº 11.114/05 que alterou apenas a idade de
matrícula, mantendo a exigência de duração mínima do ensino
fundamental em oito anos letivos. Em 2006 foi criada a Lei nº 11.274,
de 7 de fevereiro de 2006, que manteve a idade de matrícula, seis anos,
mas ampliou a duração do ensino fundamental para nove anos.
E por meio da Lei nº 11.274/06, o art. 32 da LBD, que
determinou a obrigatoriedade do ensino fundamental com duração de
nove anos, devendo dar-se inicio aos seis anos de idade. Ao determinar
que a duração do ensino passe para nove anos inicia-se,
obrigatoriamente, aos seis anos de idade, o dispositivo passou a vincular
esses dois aspectos. A matrícula aos seis anos e a duração de nove anos
para o ensino fundamental. Nesse sentido resulta na hipótese de uma
vinculação entre esses dois aspectos, os alunos de seis anos de idade
devem ser matriculados no ensino fundamental com duração de nove
anos.
Seguindo as novas normas de redação dada pela lei de nº 11.274
(2006 p. s/n). Segue suas obrigatoriedades:
- 194 -
III – o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e
valores;
V– o fortalecimento dos vínculos de família, dos
laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca
em que se assenta a vida social.
- 195 -
historicamente reafirmadas que se refletem no campo educacional, vive
um presente marcado por um intenso avanço tecnológico e com
estudantes com dificuldades na leitura e compreensão dos tempos
históricos.
O alunado de hoje tem acesso a inúmeras informações que chega
até ele através de diferentes mídias, mas informação por si só não
significa conhecimento. A informação só se transforma em
conhecimento quando organizada, sistematizada. Nesse sentido cabe ao
professor fazer a intermediação entre informação e conhecimento, entre
mundo real e aos novos tempos, adequando ao alunado os novos
desafios da prática atual do ensino de história. É uma tarefa bastante
árdua e complexa, entendendo o aluno necessita despertar, olhar o
ensino de História como fundamental para estabelecer relações mais
justas e conscientes com o mundo em que vive e, finalmente, entender-
se como um sujeito de uma sociedade do século XXI. (ALVES, ROSA,
2016).
Vale ressaltar que o ensino de história hoje ainda sofre com esse
problema de informação versos conhecimento, para ter um resultado, o
trabalho do professor deve ser pautado numa abordagem metodológica
voltada para a delimitação e seleção de conteúdos considerados
fundamentais para a formação da consciência histórica do aluno e, que
o educador deve estabelecer parâmetros claros e objetivos, tendo a
preocupação com a problematização dos conteúdos, com a elaboração
e/ou reelaboração de conceitos, procurando superar a ideia de História
como verdade absoluta, tendo clareza no que está sendo elaborado e
ensinado. (DOROTÉIO, 2016).
O professor deve criar situações que estimule o aluno a pensar,
analisar e relacionar os aspectos estudados com a realidade que vive
essa realização consciente das tarefas de ensino e aprendizagem é uma
fonte de convicções, princípios e ações que irão relacionar as práticas
educativas dos alunos, propondo situações reais que faça com que o
aluno reflita e análise de acordo com sua realidade. O professor também
tem o papel de planejar a aula, organizar os conteúdos, programar as
atividades, criar condições favoráveis de estudo dentro da sala de aula
- 196 -
e estimular a curiosidade e a criatividade dos alunos. Mais para isso é
necessário que haja a interação mútua entre o professor e o aluno, pois
não há ensino se os alunos não desenvolverem suas capacidades e
habilidades mentais.
Diante de toda a prática de ensino, o professor exerce função
primordial no processo de ensino-aprendizagem do conteúdo histórico,
pois tem a possibilidade de apresentar as diversas leituras dos
acontecimentos que marcaram a história revelando a estes que também
são agentes construtores.
- 197 -
professor tem a função não apenas educativa, mas cidadã, uma vez que,
a história tem como papel central a formação da consciência histórica
dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação
do vivido, a intervenção social e praxes individual e coletiva, como
também, assume papel central na condução do conhecimento histórico
através de uma prática pedagógica própria dentro das salas de aula
elucidando relações histórico-sociais ao mundo do aluno.
Segundo Brasil 2008. Vivemos em uma sociedade rápida, hiper
conectada, na qual grandes mudanças sociais e estruturais ocorrem em
velocidade acelerada. Tais mudanças eventualmente colidem com o
universo da educação, que precisa processar e repensar a maneira como
o ensino é realizado.
As Escolas seguem as tendências em seu tempo. Atualmente se
vive em uma sociedade dinâmica e rápida que exige novas
competências e, para conseguirmos compreendê-las e conviver, o papel
da escola é cada vez mais importante. É muitas vezes, o único local de
convívio social dos jovens. As salas de aula, hoje, integram pessoas
com as mais variadas histórias de vida, históricos familiares,
conhecimentos, desejos e sonhos próprios.
Nesse sentindo cabe ao professor que lida dia a dia com essa
variável junção cultura, compreender essa nova realidade e utilizar seus
conhecimentos para potencializar os pontos positivos de suas aulas e
proporcionar aos alunos ajuda corrigir seus pontos fracos diante o
desenvolvimento educacional quanto social.
As mudanças que ocorreram nas escolas mudaram, também, o
papel do professor. No passado, eles eram a principal fonte de
conhecimento, os líderes e educadores da vida escolar de seus alunos.
Eles eram a autoridade máxima na classe e muitas vezes adotavam o
papel de pais. Já atualmente o professor apresenta informação e mostra
aos seus alunos como lidar com elas, o professor se torna o líder na sala
de aula. (BRASIL, 2008).
É necessário destacar a relação do professor com seus alunos
que é fundamental para se ter um resultado educacional positivo, a
partir da forma de agir do mestre é que o aprendiz se sentirá mais
- 198 -
receptivo à matéria. A reciprocidade, simpatia e respeito entre professor
e aluno proporcionam um trabalho construtivo, em que o educando é
tratado como pessoa e não como número. Além do mais, o professor
tem que estar sempre aberto às novas experiências, aos sentimentos e
aos problemas de seus alunos. É claro que a responsabilidade da
aprendizagem está ligada ao aluno, mas essa deve ser facilitada pelo
professor (VIDOTTE, 2018).
Como também o professor é o mediador para ensinar a construir
o próprio ponto de vista, colaborar para que o aluno construa conceitos
e aplique-os nas situações do cotidiano, ensinar a solucionar, relacionar,
interpretar as informações sobre o momento estudado para se chegar ao
entendimento do mundo, por fim, dar-lhes condições para que possam
perceber-se cidadãos detentores de direitos e deveres membros de uma
sociedade.
- 199 -
uma sucessão de fatos que não aceitavam interpretação. Ele dizia que
pesquisadores e educadores deveriam se manter neutros e se ater a
passar os conhecimentos sem discuti-los, usando para isso a exposição
cronológica e as avaliações eram provas orais e escritas, com perguntas
objetivas e respostas diretas. (ALVES; ROSA, 2016).
Segundo Dorotéio (2016). Hoje não se planeja o estudo histórico
sem que o professor apresente diferentes abordagens do mesmo tema,
fato ou conceito, isso é uma iniciativa importante para que o aluno
perceba que, dependendo da visão e da intenção de quem conta a
história, tudo muda. Basta pensar, como entender o processo de
formação de um lugar, pode-se vê-lo sob a ótica dos trabalhadores da
região e das relações estabelecidas pelos modos de produção, dos que
estiveram no poder, dos grupos minoritários que habitam no local ou
das manifestações culturais, entre outras possibilidades. Diante disso
mostra-se que durante as aulas, é impossível apresentar todas as
maneiras de ver a história, mas é fundamental mostrar que ela não é
constituída de uma única vertente, e sim, que pode haver várias
interpretações.
O alunado de hoje enfrentar maiores desafios, sendo um deles a
autonomia do estudante no processo de ensino e aprendizagem. Para os
alunos do fundamental representa certa confusão tendo em vista que
alguns costumes anteriores deixam de ser adotados. Agora os
estudantes precisam lidar com uma maior autonomia e tomada de
decisões próprias, além de precisarem se adaptar a intensa rotina de
estudos a quantidade de disciplinas aumentou, não há mais a presença
de um só professor e os conteúdos, precisa ser estudada com maior
antecedência, lidando agora com prazos pré-estabelecidos para
atividades e provas.
Contudo se faz necessário destacar aqui a importância do livro
didático como ferramentas fundamentais para o desenvolvimento da
função docente e discente. Observando o ensino de História na atual a
dinâmica da educação escolar, ainda se prioriza o livro didático, que
continua sendo o referencial prioritário e básico para estudos, tanto para
o aluno quanto como material para o professor.
- 200 -
É necessário enfatizar que o livro didático possui vários
sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela
intervenção de professores e alunos que realizam práticas
diferentes de leituras e de trabalho escolar. Os usos que
os professores e os alunos fazem do livro didático são
variados e podem transformar esse veículo ideológico e
fonte de lucro das editoras em instrumento de trabalho
mais eficiente e adequado às necessidades de um ensino
autônomo. (BRODBECK, 2012, p. 73).
- 201 -
Houve mudanças significativas nas últimas décadas em relação
à prática docente, mas o livro didático persiste como sendo uma muleta
para muitos professores, mas o saber não deixou de estar fundamentado
no conteúdo, na memorização e na história verdadeira. Assim, é
necessário que se tome cuidado para que a escola não trate os alunos
como máquinas que guardam e arquivam uma grande quantidade de
informação, pois não é a quantidade de informação e sim a qualidade
do processo de ensino aprendizagem que importam.
Nessa prática, o professor deve favorecer o acesso a documentos
oficiais, além do livro didático, reportagens de jornais e revistas e entre
outras fontes. O contato com essa diversidade leva o estudante a ter uma
visão ampla e integrada da história. Além de textos, é recomendável
que a turma consulte sites confiáveis, assista e, visite museus e
entreviste os atores que vivenciaram os acontecimentos estudados. No
entanto, tudo com planejamento e registro para que seja possível fazer
uma avaliação minuciosa do processo.
Esse deve ser feito de modo que o aluno entenda as
transformações no decorrer do tempo, é uma forma de aproximar o
conteúdo à vida do aluno, o que era impossível quando o conteúdo era
transmitido cronologicamente, esse procedimento passava a ideia de
que a história é uma evolução, o que não é verdade. O professor hoje
pode explorar as diferentes formas de lidar com a temporalidade
estimulando a reflexão, trazendo um resultado que, em vez de decorar
informações sem sentido, os jovens são estimulados a analisar o que
aprendem e a memorizar conscientemente. (DOROTÉIO, 2016).
Destaca-se que deve fazer parte do dia a dia do professor
planejar suas aulas com antecedência, priorizando conteúdos
significativos e necessários para a formação histórica do seu aluno, bem
como, selecionando metodologias que motivem o aluno para a
aprendizagem. E, ainda, deve fazer parte da vida do professor ler,
pesquisar, estudar, conhecer os aspectos relevantes do mundo
globalizado em que se vive para que possa articular e contextualizar os
conteúdos de História trabalhados.
- 202 -
Atualmente o professor pode contar com uso de tecnologias e
objetos para despertar o interesse dos alunos, a motivação como parte
essencial para uma aula produtiva, e transformar uma metodologia
tradicional como as aulas expositivas em algo realmente interessante e
prazeroso, fazer a junção às práticas de ensino tradicional a elementos
que promovam o desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo dos
alunos, permitindo através de uma visão real do mundo, detectar os
problemas que o assolam e ao mesmo tempo, dotá-los de ferramentas
capazes de compreender a realidade histórico-social (OLIVEIRA,
2012)
O trabalho com a disciplina de História no Ensino Fundamental
ainda é motivo de preocupação, há queixas e reclamações por parte
tanto dos professores, quanto dos alunos. A maior queixa tem sido a
falta de interesse, de motivação do aluno pelo aprender conteúdos de
História. Do outro lado, os alunos reclamam que História é uma
“disciplina chata”, que somente estuda o passado e a disciplina de
História não é valorizada pelo aluno como parte importante na sua
formação humana e acadêmica, principalmente, se comparada com
algumas disciplinas consideradas, por ele, como “mais importantes”.
Hoje essa prática é um desafio e tanto para os professores (ALVES,
ROSA, 2016).
Para suprir esse desafio é preciso pensar no ensino de História e
usar sua prática na integração com a tecnologia, para conciliar o
desenvolvimento social, visando à formação histórica do aluno, pois
essa máquina não podem ser vistas na concepção tecnicista, na qual se
resume a técnica pela técnica, uma vez que o mundo tecnológico de
hoje não é uma máquina absurda, que está aí para escravizar a mente.
Este mundo precisa ser entendido e interpretado de acordo com as
visões extraídas do homem para ler a História (OLIVEIRA, 2012)
Para que se tenha um melhor ensino hoje, é necessário que o
professor na sua prática educacional faça a junção do ensino tradicional
com as novas tecnologias, usando o que o aluno traz de prefácio, com
o ensino tradicional e com a nova tecnologia, fazendo a relação com o
que o aluno sabe, exemplificando como é no tradicional e destacando
- 203 -
como se faz o ensino na prática atual, através da tecnologia mostrando
toda a informação existente no mundo literalmente, esclarecendo que
não é mais preciso desprender longos períodos de tempo em busca de
uma informação, esta podem ser acessada num abrir e fechar de olhos,
basta digitar uma instrução do que quer saber independente da distância
a resposta poderá surgir impressa ou falada pelo computador, obtendo
assim a instrução instantânea, trazendo melhor resultado no ensino
aprendizagem do ensino fundamental para o alunado de hoje.
Considerações finais
- 204 -
Destacamos que mesmo com todas as novas tecnologias e meios
de ensino aprendizagens, ainda hoje o livro didático é o principal
recurso didático, entre docente e discente, é a base principal do
desenvolvimento na aprendizagem do aluno e no planejamento das
sequências didáticas do professor em sala de aula.
A disciplina de História se apresenta como uma das disciplinas
fundamentais no processo de formação dos sujeitos, considerando a
necessidade de conhecer os processos históricos de desenvolvimento da
sociedade, possibilitando a compreensão do atual cenário. Cabe ao
professor de História refletir a respeito dos objetivos dessa disciplina
para o Ensino Fundamental e, para isso, ele deve ter claro que a função
do professor de História não é somente ensinar os conteúdos de
História, mas relacioná-los com a realidade social do aluno e da
comunidade em que está inserido.
Refletir sobre o ensino de História é se enveredar por diversos
desafios, um deles é a busca por uma reflexão acerca da prática do
ensino de história, que no âmbito escolar ainda é desvalorizado nos dias
de hoje. Com tudo isso, pode-se dizer que estudar História é de
fundamental importância para tornar as crianças cidadãs, mais
conscientes e formadores de opiniões e aqui se evidencia as crianças,
pois este trabalho priorizou as séries do Ensino Fundamental II.
Referências
- 205 -
_______. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº
11.274/06.
- 206 -
MAÇONARIA E EDUCAÇÃO NAS DÉCADAS
INICIAIS DO SÉCULO XX (1900-1922)
- 207 -
clero, que não deixavam de conceber o espaço educacional enquanto
local privilegiado na formação moral e orientação dos segmentos
sociais, sejam eles as elites ou classes médias.
Por vezes, esse encontro entre o ideário educacional maçônico
e o relacionado à influência da Igreja ou dos seus representantes
intelectuais ganhou, em muitos momentos, “ares de polêmica” e forte
antagonismo. Nesse sentido, exploraremos tal perspectiva páginas
seguintes, quando discutiremos os embates travados a esse respeito nas
páginas do Archivo Maçônico.
Um dos momentos em que encontraremos essa imprensa
maçônica foi quando ela voltava suas atenções para a atuação
educacional comparada à ação da Igreja Católica ou sob a sua
influência, a qual tende a compreendê-la a partir de um ideário
modernizante, em contraposição ao caráter obscuro e supostamente
retrógado representado pela modelo que se vinculava à Igreja Católica.
Tal característica encontrou na historiografia essa dimensão, a qual vem
se voltando para a relação entre maçonaria e educação.
Os estudos de Magalhães (2013), Egito (2011) e Amaral (2017)
traçam questões que se relacionam diretamente com o papel
desempenhado pela maçonaria, apontando ações de maçons no que
tange à educação e aos seus projetos concretização. Tais atitudes se
materializavam desde o patrocínio de estudantes, fossem eles filhos de
maçons falecidos, ou estruturação de espaços escolares noturnos,
voltados para grupos sociais ligados ao mundo do trabalho que, por
meio dessas ações, poderiam “alimentar a sua alma, através da chama
do conhecimento”. Muitos deles compreendiam o processo educacional
enquanto meio pelo qual seria possível empreender possibilidades de
modernização e desenvolvimento, não somente para os segmentos
sociais, que se encontravam privados de acesso à escola, mas também
o entendimento do conhecimento como alavanca importante para o
desenvolvimento da sociedade e da nação.
Pensar tais aspectos revestia-se de uma perspectiva política que
transpunha a compreensão de relacionar, de maneira mais direta, a
ligação maçônica a determinado ideário político ou, mesmo, grupo
- 208 -
partidário. Em outras pesquisas, foi possível analisarmos que a
maçonaria das décadas iniciais do século XX passaria a ser menos
percebida como integrante de um grupo político A ou B, e começou a
se identificar com demandas políticas que possuíam um escopo mais
progressista, o que não significa dizer que essa tendência fosse
hegemônica no seio da maçonaria brasileira. E, como ainda acontece na
contemporaneidade, é possível pensar em maçonarias, no plural, e não
em maçonaria, no singular (MOREL; SOUZA, 2008; RELA, 2004).
No interior do ambiente maçônico, como já pontuamos, a
educação ganhou lugar de destaque, além de espaço de defesa e embate.
Sob tal perspectiva procuraremos, no próximo tópico deste capítulo,
discutir como tal temática foi abordada nas páginas de um periódico
que, na década inicial do século XX, desempenhava a função de
apresentar a concepção de alguns corpos maçônicos com relação a
debates mobilizadores de segmentos que poderiam, num recorte
político, identificarem-se com demandas tidas como “progressistas” e
que estavam antenadas com as concepções ilustradas e liberais,
advogadas pela maçonaria ao longo da modernidade. (BARATA,
2006).
- 209 -
A preocupação com a questão educacional materializa-se, desta
forma, por meio da luta e defesa por um ensino leigo, democratizado e
preocupado com a formação da cidadania. O alvo da maçonaria, no que
tange à instrução, tem nas décadas iniciais do século XX – período
sobre o qual nos debruçamos – uma preocupação prioritária no
atendimento às classes menos favorecidas, ou trabalhadoras, que
acessavam as iniciativas maçônicas através de classes noturnas ou,
mesmo, patrocínio de escolas em locais de escassez. Compartilhando
dessa orientação, que ocorria em lojas maçônicas localizadas em outros
estados da federação, algumas oficinas pernambucanas esforçaram-se
na empreitada de patrocinar ações educacionais com uma concepção
assentada em referências sacralizadas pelos debates e ações maçônicas.
Estes se comprometiam na difusão e discussão do lugar privilegiado
que o ensino laico e público deveria desfrutar em nossa sociedade,
contrapondo-se, principalmente, às aspirações dos religiosos do Estado,
críticos vorazes a este sistema de ensino, o qual era qualificado, por
eles, de “ateu, materialista e libertino” (TRIBUNA, 1906-1915).
Tal conflito inseriu-se no choque entre as posturas liberais e
conservadoras. A primeira era representada por segmentos maçônicos,
e a segunda, por expoentes da Igreja Católica, que compreendiam o
ensino enquanto espaço central na formação de sensibilidades. O campo
de combate desses dois grupos, além da política, era a educação, em
especial primária, base essencial para formação do “novo homem”
almejado pela Maçonaria (BARATA, 1999; MAGALHÃES, 2013;
AMARAL, 2017).
Acerca dos embates e ideias produzidos por parte desta
inteligência maçônica – que se identificava com uma educação laica e
moderna – utilizaremos o Arquivo Maçônico, entendido enquanto
espaço privilegiado de socialização provocado pelo debate a respeito do
ensino e a maneira como a maçonaria local era articulada a uma
discussão nacional. Nesse sentido, é importante observar que um dos
temas recorrentes na imprensa maçônica, e que era assunto de intensas
discussões entre o período anteriormente citado e a Tribuna Religiosa
(órgão oficial da Diocese de Olinda e Recife), era a disputa a respeito
- 210 -
da obrigatoriedade ou não do ensino religioso nas escolas públicas,
assunto polêmico que gerava conflitos de interesses entre a Maçonaria
e a Igreja. A folha maçônica, baseada em concepções científicas e
constitucionais, condenava expressamente as práticas, qualificadas de
preconceituosas e “irracionais”, provocadas pelo ensino religioso, que
poderiam deixar marcas profundas na formação e atuação dos
indivíduos na sociedade (VICENTE, 2015; SILVA, 2007).
Ao procurar demonstrar os supostos malefícios causados pelo
ensino religioso, o Archivo Maçônico reproduzia, num dos seus artigos,
as reflexões promovidas – segundo o periódico maçônico – pelo
renomado erudito alemão, da cidade Leipzig, o professor Bremen.
Dando publicidade às pesquisas do referido professor, a folha maçônica
argumentava que o ensino religioso fazia aflorar um caráter nocivo
quando ministrado nas escolas públicas, pois ele desenvolvia um:
- 211 -
De maneira reiterada, a causa de uma educação desvencilhada
de forte influência religiosa esteve na pauta das discussões da
maçonaria pernambucana. Os artigos encontrados no Archivo
Maçônico possibilitam que localizemos tal preocupação com a
formação de um ensino livre das amarras religiosas, assentado na livre
discussão de temas e pensamentos. Outro ponto que justificou a
preocupação com as influências religiosas no ensino foi proporcionar o
cultivo da intolerância, aspecto sempre criticado pela maçonaria como
sendo fator de atraso para o estabelecimento de uma sociedade moderna
e democrática.
Por parte da maçonaria pernambucana, os argumentos fixados
na defesa da não influência religiosa e nos assuntos ligados ao campo
educacional baseavam-se no princípio da tolerância religiosa, expressa
no sistema republicano brasileiro a partir da Constituição de 1891. Pelo
que foi possível observar, os maçons sempre acusavam que os
pressupostos contidos nessa lei quase sempre eram infringidos.
Os redatores do Archivo Maçônico assinalavam que a não
observância e respeito aos dispositivos da Carta Constitucional
ocorriam no Estado de Pernambuco, principalmente na cidade do
Recife – segundo alguns dos colaboradores do periódico maçônico –,
devido à proliferação na cidade das chamadas escolas paroquiais. Boa
parte delas era constituída por intermédio de subvenção estatal, que se
materializava na locação de prédios religiosos ou, até mesmo, no
financiamento de ações propostas por clérigos que possuíam redes de
relação junto ao executivo ou outros poderes do Estado. Tal prática,
considerada pelos analistas maçons como ilegais, não era aceita pela
constituição em vigor. E, segundo o Archivo Maçônico, esses espaços
eram locais onde tinham lugar, na maioria das vezes, as práticas
pedagógicas retrógradas mescladas a atos de violência aos alunos.
Um caso dessa relação entre pedagogia e violência, reproduzido
pelo periódico maçom, relatava o cotidiano dessas escolas paroquiais.
O caso que nos chamou a atenção foi o reproduzido na seção Á toa, do
Archivo Maçônico, e descrevia o episódio ocorrido na escola paroquial
de São José, localizada na cidade do Recife. As personagens da história
- 212 -
eram o padre Augusto Álvaro e uma criança chamada Eduardo, que,
segundo informações do periódico maçônico, era filho do tenente
coronel honorário do exército Antônio Gracindo de Gusmão Lobo. A
denúncia feita ressaltava a atitude do padre em punir a criança com uma
série de “vinte e quatro palmatoadas” (ARCHIVO MAÇÔNICO, 1908,
p. 42-44).
O autor do artigo chamava a atenção para o caso e solicitava
punição para a prática por meio de repreensão por parte do diretor da
instrução pública do Estado, que devia fazer cumprir o regimento de
ensino. Segundo o regimento, na seção referente a punições de alunos,
o autor do artigo observava que não havia referência à prática de
punições baseada em violência e tortura na sala de aula, situação que
havia sido relatada pelo articulista da seção mencionada. Tal evento,
por parte da imprensa católica, servia como exemplo que assegurava a
ineficiência de uma educação ministrada por religiosos e que se
encontrava, ainda, exercendo práticas medievais, utilizando este termo
no seu sentido restrito, e que endossava uma representação de
negatividade. As escolas paroquiais, na sua visão, constituíam um
regresso ao desenvolvimento de uma educação moderna e civilizada,
proposta pela maçonaria.
Destacando histórias de práticas pedagógicas pouco eficientes,
é possível localizar no mesmo periódico o relato de mais um conjunto
de práticas intolerantes, desta vez numa escola de orientação religiosa
na cidade do Recife. A instituição, chamada Colégio Santa Margarida,
foi onde uma aluna tinha sido expulsa porque seu pai não permitia a
participação dela em certas reuniões religiosas, eventos que não foram
muito bem explorados pelo autor do artigo. O redator cobrava, em tom
de indignação, um processo de maior fiscalização dos poderes públicos
com relação às práticas e punições tomadas por esses colégios, em
especial o Santa Margarida, que, apesar de ser privado, não era de
ordem religiosa. O autor do artigo defendia, no desfecho do seu texto,
que a educação religiosa não devia ser vivenciada, ministrada ou servir
de ocupação por parte dos colégios, pois era parte íntima da formação
do indivíduo, atribuindo à família a incumbência da sua administração.
- 213 -
Diante dessa concepção, é possível vislumbrarmos o ideário sobre
educação, assentado numa perspectiva filosófica moderna (ARCHIVO
MAÇÔNICO, 1912, p. 5-6; MAGALHÃES, 2013).
As escolas paroquiais assumiam um papel importante para a
Igreja Católica nesse período, pois simbolizavam um contraponto ao
ensino público laico, em que a educação religiosa não podia ser
ministrada com maior liberdade. Durante as primeiras décadas do
século XX, o movimento de escolas paroquiais tomou corpo. Muitas
delas se valiam, como destacamos, de subvenções públicas para
funcionar, o que veio a ser criticado pelos setores maçônicos.
Influenciado por esse espírito de crítica, um artigo do Archivo
preocupando-se exclusivamente com realização de uma análise dessas
escolas verificava que tais estabelecimentos prestavam-se à difusão do
mais forte grau de fanatismo e superstição, preocupando-se em ensinar
coisas como a importância do papa, sendo a segunda pessoa depois de
Cristo, o papel da Igreja como sustentáculo da verdade e do melhor
modelo de governo. O autor do artigo pondera que coisas importantes,
como o amor ao próximo, o respeito às leis e à pátria não eram
ensinados. O artigo finaliza demonstrando que semelhantes espaços
devem ser alvos de crítica, única forma de barrar o fanatismo e a
superstição (ARCHIVO MAÇÔNICO, 1907, p. 17-18).
O tema da educação agitava a intelectualidade pernambucana,
de modo que é possível observar tal realidade por meio de um ciclo de
conferências realizadas pelo maçom Alfredo Freire47 no Teatro Santa
Isabel. A escolha do Teatro de Santa Isabel como local das conferências
realizadas por Alfredo Freire tinha uma forte simbologia, pois esse
47
Alfredo Freire (1874-1961), que foi pai do sociólogo Gilberto Freyre, desempenhou
várias funções administrativas, como a de delegado, promotor público, juiz e
secretário da repartição de segurança do Estado. No campo educacional, atuou nos
colégios Americano Batista, Escola Normal Pinto Júnior, além de ter sido professor
catedrático de Economia Política na Faculdade de Direito do Recife. Foi iniciado na
loja Conciliação na cidade do Recife no ano de 1896 por influência da família Agra,
que teve papel fundamental no desenvolvimento da oficina durante as primeiras
décadas do século XX.
- 214 -
teatro corporificava um espaço de destaque da cultura pernambucana
desde a sua fundação, na segunda metade do século XIX.
As conferências do membro da loja maçônica Conciliação da
cidade do Recife, que foram transformadas pelo Archivo Maçônico
numa série de artigos, além de fornecer visibilidade a um conhecido
educador recifense, destacou a sua identidade maçônica. É possível
percebermos, assim, que muitas das discussões propiciadas pelo
professo Freire faziam parte das preocupações maçônicas que já foram
relatadas no texto. Na sua conferência, ele ocupou-se do tema da escola
primária, realizando uma composição que procurava traçar o seu
desenvolvimento histórico em Pernambuco e as condições apresentadas
por esse ciclo de ensino nos primeiros anos do século XX.
Elaborando uma análise sumária sobre a condição do ensino
primário na sociedade brasileira e pernambucana, o autor observava e
asseverava aquilo que, para ele, era a única forma possível de
desenvolvimento e construção da democracia na nossa sociedade.
Dentre os temas analisados, estava a qualificação dos professores e do
material didático utilizado, de modo que ele apresentou propostas no
sentido de torná-los mais eficientes. Ainda falando da realidade
educacional do estado, Alfredo Freire demonstra a falta de
compromisso do governo municipal e estadual para com a educação,
compondo um quadro do analfabetismo no estado. Baseado em dados
de trinta anos antes de 1912, Alfredo chegava a um percentual de mais
de 77%, média que, segundo ele, poderia ter se expandido por falta do
comprometimento dos poderes públicos com a educação (ARCHIVO
MAÇONICO, abril a junho de 1912).
Esse conjunto de textos demonstrava as preocupações da
maçonaria pernambucana quanto à educação. Na visão de Alfredo
Freyre, semelhante questão não poderia ficar única e exclusivamente no
campo do discurso, mas no da ação, pois se tornava um ponto
importante na construção de um país desenvolvido. A ação proposta
pelo autor se efetivava por meio da fundação de escolas e bibliotecas
locais de importante significado para a maçonaria. Os maçons
acreditavam que, a cada escola e biblioteca abertas, eles estariam
- 215 -
ajudando na difusão e construção de uma sociedade mais desenvolvida,
livre de preconceitos e intolerância. Ressaltando o trabalho importante
feito pelos maçons brasileiros e sua preocupação com a construção de
escolas, Alexandre Mansur Barata informava que:
- 216 -
educação e a cultura desempenhavam. É possível observar tal realidade
com base nas lojas existentes no estado. Das dezenove oficinas
maçônicas existentes em Pernambuco no fim da primeira década do
século XX, mais precisamente no ano de 1912, cinco delas mantinham
bibliotecas franqueadas ao público.
Esse número parecia pequeno para a dimensão organizacional
da maçonaria em Pernambuco, mas é importante salientar que, das
dezenove, pelo menos nove delas – as que se localizavam na cidade do
Recife – compartilhavam do mesmo espaço físico, funcionando muitas
vezes num mesmo prédio e em mais de uma oficina, como é o caso, por
exemplo, da Segredo e Amor da Ordem, que contava com excelente
biblioteca. Além desta, funcionava no mesmo espaço a Philotimia e a
Luzeiro da Verdade (ARCHIVO MAÇONICO, 1912, p. 17-27).
A oficina maçônica Segredo e Amor da Ordem não era um caso
isolado dessa realidade. Outras lojas, como a Conciliação e Cavaleiros
da Cruz, compartilhavam da mesma situação de ver no mesmo endereço
funcionar mais de uma oficina. Além das escolas, tema sobre o qual
trataremos nesta seção, outro equipamento patrocinado pelas lojas eram
as bibliotecas. Demos o exemplo há pouco mencionado a loja Segredo
e Amor da Ordem, mas outras lojas pernambucanas patrocinavam a
constituição de tal espaço. Uma delas, aliás, chamava a atenção pela
estrutura: a da Loja Fraternidade e Progresso, da cidade de Goiana, que
contava em 1910 com mais de 6.000 títulos, todos disponíveis à
população (ARCHIVO MAÇONICO, 1910, p. 17-18). Outras cidades
do interior, por meio de suas lojas – como Obreiros do Norte, em
Timbaúba, e Instrução e Beneficência, na cidade de Paudalho –,
mantinham franqueadas as portas de suas bibliotecas para a população
da cidade e da região. Mesmo os locais que não tivessem vínculos
maçônicos junto às escolas as bibliotecas eram espaços importantes, na
leitura da intelectualidade maçônica, para propiciar o desenvolvimento
do espírito (SILVA, IN: SILVA; FERREIRA, 2019, p. 13-26).
A fundação destes centros de ensino pela maçonaria
pernambucana contou pelo que pudemos observar, com duas fases de
organização, sob as quais nos ocuparemos: uma primeira, iniciando-se
- 217 -
na primeira década do século XX até o ano de 1912 e a segunda, desta
data até o ano 1922. Traçamos este perfil por percebermos o
desaparecimento e surgimento de novas escolas sob a guarda da
maçonaria do estado. Os dados que dispomos para construir essa
segunda fase foram encontrados no livro do Centenário, publicação
realizada pela maçonaria, no ano de comemoração do Centenário da
Independência. (BASTOS; CAJURU, 1922).
Ainda sobre a ação cultural e educativa maçônica realizada pelas
lojas, nesse primeiro recorte até 1912, foi verificado que pelo menos
três delas patrocinavam escolas primárias, inserindo-se na proposta de
desenvolvimento de instrução pública, tantas vezes frisado nos artigos
do Archivo Maçônico e que encontrava incentivo na maçonaria
brasileira e pernambucana. Uma dimensão possível de ser constatada é
que essas escolas localizavam-se principalmente no interior do estado,
onde a assistência ao ensino encontrava-se mais deficitária, caso a
comparássemos à realidade do Recife. As lojas Fraternidade e
Progresso, da cidade de Goiana, Instrução e Beneficência, localizada
em Paudalho, e Dever Humanidade, em Caruaru, mantinham, com
recursos próprios dos seus obreiros, as despesas das escolas e suas salas
abertas ao público que tinha dificuldade de acesso ao ensino.
Pensando tal ação no campo educacional até o ano de 1922, há
um gráfico da situação em que se encontrava o patrocínio maçônico
para a educação no país. Na parte referente a Pernambuco, o número de
escolas mantidas era quatro, perfazendo um total de 270 alunos. Porém,
quando passamos do gráfico para o texto escrito, só encontramos
citadas três escolas, uma na cidade Limoeiro, mantida pela Loja Frei
Caneca, e as outras duas na cidade do Recife, sustentadas,
respectivamente, pela Loja Cavaleiros da Cruz e a Restauração
Pernambucana, tendo sido fundadas no ano de 1919 e chamadas de
Manoel Arão e Saldanha Marinho. A escola da cidade de Limoeiro não
trazia a data da fundação e nem a denominação, mas contava com maior
número de alunos, chegando a um total de cem (BASTOS; CAJURU,
1922).
- 218 -
Quando consideramos a segunda fase de investimentos da
maçonaria pernambucana no campo da educação, uma das
possibilidades de análise que se apresenta foi uma mudança no
estabelecimento de centros de ensino. Se na primeira fase todas as
escolas foram organizadas nas cidades do interior, no segundo
momento apenas uma delas localizava-se fora da cidade do Recife.
Independentemente de semelhante diagnóstico, a permanência tanto
num recorte temporal quanto em outro ajuda-nos a compreender que a
educação foi um tema marcante na compreensão política dos maçons
brasileiros e pernambucanos. E, em torno deles, esforços foram
mobilizados não somente do ponto de vista discursivo, mas, sobretudo,
prático, com o estabelecimento de escolas e a difusão da compreensão
da educação na qualidade de demanda central para a sociedade
brasileira e pernambucana.
Considerações finais
- 219 -
permanecia como espaço de discussão e enfrentamentos políticos, os
quais tinham como foco a sociedade brasileira e pernambucana.
Referências
- 220 -
_______. Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência do
Brasil (1790-1822). São Paulo-Juiz de Fora: Annablume-EDUFJF-
FAPESP, 2006. 338p.
LUCCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos.
In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2005, p.111-153.
- 221 -
______. Maçonaria e República em Pernambuco: algumas
considerações (1889-1912). In: MACEDO, Helder Alexandre. (Org.).
Capítulos de História do Norte-Nordeste: poder, cultura e
sociedade. Florianópolis; Carnaúba dantas: Bookess Editora; Edição
do Autor, 2011, v. 1, p. 3-189.
- 222 -
AS MOBILIZAÇÕES DO POVO PIPIPÃ EM
DEFESA DE UMA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA COM UM CURRÍCULO
INTERCULTURAL
- 223 -
ocorreram encontros de preparação até o mês de junho. No mês seguinte
as aulas foram iniciadas” (SANTOS, 2004, p. 125).
O Centro de Cultura Luís Freire/CCLF, Organização não
Governamental sediada em Olinda-PE, realizou a partir de 1999 até
meados dos anos 2000 o PEI/Projeto Escola de Índios, para o apoio e
assessoria aos povos indígenas no Estado, e seus sistemas educacionais
escolares. De acordo com o pesquisador Cunha Júnior (2016), na época
havia poucas escolas nos territórios onde professores não índios,
contratados pelos municípios, “demonstravam falta de conhecimento
das especificidades, [...] já era possível observar as demandas por
escolas nos territórios indígenas” (CUNHA JÚNIOR, 2016, p. 67-68).
No estado de Pernambuco a Educação Escolar Indígena passou
por diferentes processos até à estadualização, o principal deles é a
questão da concepção de educação do ensino baseada no desafio de
colocar em prática um currículo intercultural. Para Espar (2014), nesse
processo de mobilizações “a escola também é retomada e
ressignificada, transformando-se num espaço de afirmação cultural e
identitária” (p. 90). Fruto da ação indigenista que contribuiu para o
surgimento de organizações indígenas regionais, as quais viabilizaram
a criação de uma rede de articulação entre os povos e uma intensa troca
de experiências sobre as mobilizações pelas terras e pela Educação.
As pressões dos povos indígenas e dos aliados indigenistas em
Pernambuco culminou, em 1989, na criação do Grupo de Educação
Indígena (GREI), dirigido pela Secretaria Estadual de Educação. O
grupo denunciava a “precariedade das escolas. Além disso, apesar de
parte das professoras dessas escolas serem indígenas, as escolas
funcionavam completamente alienadas da cultura onde estavam
inseridas” (SANTOS, 2004, p. 95).
Em 1991 foram criados núcleos, conselhos e comitês para tratar
da sobre a Educação e os povos indígenas. O NEEI (Núcleo de
Educação Escolar Indígena), composto por organizações não-
governamentais, o movimento indígena e a Universidade Federal de
Pernambuco, substituiu o GREI. No ano de 1994 ocorreu o primeiro
- 224 -
Seminário de Educação Escolar Indígena, onde os índios tiveram a
oportunidade de denunciar e apresentar propostas para a Educação.
- 225 -
“sete representantes dos órgãos internos da Secretaria de Educação de
Pernambuco e por nove representantes de cada uma das etnias indígenas
no estado” (OLIVEIRA, 2016, p. 40).
As questões apresentadas evidenciam avanços nas normas,
graças à articulação de indígenas e indigenistas contra a colonialidade
imposta no controle do conhecimento e da subjetividade sociocultural
de povos colonizados, algo que reforça o dualismo entre o
“primitivo/civilizado” (QUIJANO, 2009). A Educação Escolar
Indígena deve legitimar conhecimentos outros que não aparecem no
currículo descritivo redutor dos diálogos com os conhecimentos
específicos dos povos.
- 226 -
Xavier passou a ensinar na escola no dia 02 de maio de 1985” (PPP da
Escola Antônio Francisco da Silva, 2003, p. 1).
Mas, não demorou muito tempo, depois de alguns anos a
Prefeitura de Floresta passou a exigir que os professores do município
tivessem o curso de magistério (depois transformado em Normal
Médio) para poder lecionar, então, a professora Antônia que continuava
ensinando desde a inauguração foi afastada. “Veio outra professora não-
índia, Fernanda, que morava em Floresta, depois ela foi embora e
vieram a professora Luciana e o professor Ivanildo “(idem, 2003, p. 1).
Insatisfeitos, cerca de dois mil indígenas habitantes em sete
aldeias, Travessão do Ouro, Faveleira, Capoeira do Barro, Caraíbas,
Serra Negra, Jiquirí, Caldeirão do Periquito e Barra do Juá, iniciaram
uma nova mobilização interna através da organização social coletiva.
“Começamos pela associação que foi fundada em cima da Serra Negra
no ano de 1999, em volta do pau-ferro, o nome da associação foi
escolhido pelas lideranças: Associação Indígena Pau Ferro Grande dos
Índios” (Paulo Laurentino, coordenador das escolas Pipipã,
agosto/2018). Ocorrendo as primeiras reivindicações por uma educação
específica e diferenciada, com a criação da escola Joaquim Roseno dos
Santos, na Aldeia Travessão do Ouro, sede do povo Pipipã.
As discussões foram aprofundadas em um encontro realizado
em Porto Seguro/BA, simbolicamente onde 500 anos antes a esquadra
de Pedro Álvares Cabral aportou para “invadir” o Brasil e iniciar o
processo de colonização portuguesa. Na ocasião, um grupo de índios
Pipipã teve o primeiro contato com os coordenadores do Projeto Escola
de Índios. A partir daí resolveram convidar estes coordenadores afim
de realizarem um trabalho de orientação para que o povo Pipipã
obtivesse mais informações sobre o tema. Após vários encontros com a
comunidade, as lideranças chegaram à conclusão que deveriam “tomar
algumas decisões em relação à educação do nosso povo, foi então que
resolvemos mudar o quadro de professores não-índios” (Paulo
Laurentino, coordenador das escolas Pipipã, agosto/2018).
- 227 -
Procuramos no nosso Povo pessoas capacitadas para
assumir o cargo de professor das crianças Pipipã, então
juntamente com o nosso Pajé e Cacique visitamos as
outras aldeias e encontramos 11 pessoas capazes de
assumir uma sala de aula, onde seis pessoas eram da
Aldeia Caraíbas e cinco pessoas da Aldeia Travessão do
Ouro, resolvemos participar do Projeto Escola de Índio
para que no início de 2003 essas pessoas pudessem
assumir a sala de aula e que nós, Pipipã, tivéssemos uma
educação específica e diferenciada, voltada para nossa
realidade para que nossas crianças pudessem ser
conhecedoras dos nosso direitos e deveres. (Projeto
Político Pedagógico da Escola Antônio Francisco da
Silva, 2003, p. 1).
- 228 -
confrontando o município e rompendo os laços com este” (Cacique
Valdemir Lisboa, agosto/2017).
Naquele momento iniciava a construção de um currículo
especifico para o povo Pipipã. Para Moreira (2008), afirmar a
historicidade não significa negar o seu papel crucial e estratégico no
processo de ensino de aprendizagem em uma perspectiva
emancipatória. “Esse reconhecimento abre a possibilidade de trazer
para o debate acerca dos discursos sobre currículo, conhecimento e
cultura, o papel desempenhado pelas condições onde eles são
formulados” (p. 119). Apesar da superioridade imposta pela ciência
moderna, a mobilizações dos indígenas no município de Floresta, para
reaver territórios e culturas usurpadas, representa a conquista do
paradigma da regulação/emancipação presente no pensamento pós-
abissal que representa a chamada luta de classes, ou raças, subalternas
por justiça social (SANTOS, 2010, p. 29).
Uma mobilização isolada que perpassou a coletiva,
considerando que o povo Pipipã quando participou da primeira reunião
da Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco (Copipe) em
199948, questionou a ausência de professores indígenas com
capacitação específica. Em 2000, no terceiro encontro da Copipe,
reivindicou com as demais etnias a estadualização da Educação Escolar
Indígena em Pernambuco. No ano seguinte, construiu entre os demais
11 povos os primeiros calendários étnicos, pensados a partir de um
currículo cultural e diferenciado. Em 2003 “há um consenso entre os
membros da Copipe em optar pela estadualização, ao invés da
municipalização, pois entre outras coisas, eliminaria muitos patrões
(Prefeituras)”. (BARBALHO, 2007. p. 264).
48
Em novembro de 1999 foi formada a Copipe representada por 27 indígenas, sendo
três integrantes de cada um dos nove povos indígenas em Pernambuco, dois
professores e uma liderança. Na ocasião ocorreu o primeiro encontro na Aldeia Pé de
Serra no território do povo Xukuru do Ororubá, desde então ocorrem cerca de dois
encontrões por ano realizados alternadamente nos territórios de todos os povos
indígena no estado. O objetivo é identificar os problemas educacionais comuns a todos
os povos promover discussões coletivas para solucioná-los.
- 229 -
O ano de 2003 representou um marco para o povo Pipipã, além
da aprovação da estadualização da Educação Escolar Indígena, no
mesmo ano houve o reconhecimento oficial do povo pela Fundação
Nacional do Índio – FUNAI. Diante do protagonismo, o nono encontro
da Copipe aconteceu na Aldeia Travessão do Ouro (sede), onde os
anfitriões discutiram com as demais etnias que o processo histórico não
poderia acontecer à revelia, sem intervenção dos educadores, que
“embora os índios lutem por autonomia, compreendem que a educação
hoje executada está subordinada a um sistema, então não se tem total
autonomia”, (BARBALHO, 2007. p. 266).
Ficando evidente que as conquistas até então não cessaram as
demais bandeiras de mobilizações que encontram na educação uma
forte aliada. Na atualidade, o tema demarcação está presente de forma
interdisciplinar nas mais variadas disciplinas, já a organização de
mulheres do povo Pipipã tem a finalidade de reivindicar os direitos de
igualdade diante da sociedade machista. O Toré, a Jurema e o Aricurí
têm o objetivo de “resgatar jovens e adolescentes, trazendo para o ritual
e a escola, desenvolvendo trabalhos comunitários no povo, diminuindo
as más influências que atuam dentro e fora da aldeia” (PPP, Escola
Joaquim Rosendo, 2013, p. 02).
O processo de construção coletiva do Projeto Político
Pedagógico (PPP) começou no início dos anos 2000 e concluído em
2013. O PPP para a Educação de Jovens e Adultos/EJA só foi
normatizado pela Secretaria Estadual de Educação em 2017. Na terra
indígena Pipipã atualmente existem quatro escolas: Joaquim Rosendo
dos Santos, Antônio Francisco da Silva, Tibúrcio Lima e Menino Jesus,
regularizadas recentemente na categoria Escola Estadual Indígena. A
publicação no Diário Oficial do Estado ocorreu em 31/07/2018.
- 230 -
A formação docente específica como principal desafio para a
consolidação do currículo intercultural Pipipã
49
Relato de liderança da APOINME: “Uma coisa é falar das condições do professor
realizar seu trabalho [...] outra é oferecer com continuidade, uma formação que leve a
professora aprimorar cada vez mais seu trabalho de acordo com os interesses do seu
povo. Aí já abrimos espaço para outra briga. Educação com autonomia”. (Citado por
BARBALHO, 2007)
- 231 -
conhecimento especializado, não correspondem, ou pelo menos muito
pouco, aos conhecimentos teóricos obtidos na universidade.
Ainda segundo Zeichner (1993), os programas de formação
continuada têm fraca intervenção na formação para a diversidade como
idealizam os bons professores e formadores para aperfeiçoar a formação
no intuito de ensinar alunos oriundos de minorias étnicas e linguísticas
e o que acontece na prática. Eis as estratégias apontadas pela mesma:
- 232 -
do Agreste (UFPE/CAA). Até agora oito professores de todas escolas
do povo Pipipã cursaram a formação intercultural indígena.
Durante o curso traçaram o perfil do professor da escola Pipipã.
Como forma de contribuir com o trabalho de autoria do povo, citaremos
alguns trechos presentes em relatórios, artigos e TCC’s, produzidos
pelos discentes na Licenciatura Intercultural Indígena e que tenham
vinculações com nosso estudo. Os relatos representam as vivencias
destes como docentes nas escolas Pipipã, como referência de como os
princípios decoloniais se materializam.
Para a professora Jéssica Alves de Lima, atuando na Escola
Menino Jesus, o professor Pipipã não deve perder a essência indígena
depois de formado, “deve ter primeiro a formação tradicional do povo
sobre a história, lutas, tradições e também uma licenciatura para
fortalecer o repasse para os estudantes dos conhecimentos próprios e
outros para que possam se auto afirmar enquanto povo Pipipã diante da
sociedade”.50
Em um artigo de Willianny Alves, ressaltou que o educador
Pipipã deve considerar a produção do conhecimento do educando, as
dinâmicas e suas especificidades históricas e culturais “descartando a
reprodução do conhecimento imposto pelos currículos que não
considera a interculturalidade da educação diferenciada” (ALVES,
2018, p. 8).
O licenciando Ariston Cláudio evidenciou também que muito
além da formação, o docente precisa está adequado ao perfil de
educador solicitado dentro da educação do povo Pipipã. “Os mais
velhos fazem a formação dos professores e os docentes introduzem,
aprofundam e consolidam esses conhecimentos dentro da diversidade
50
Relatório de estágio supervisionado III: Formação do Professor Indígena.
Licenciatura Intercultural Indígena. Centro Acadêmico do Agreste – CAA/UFPE,
2017, p.10.
- 233 -
cultural Pipipã. Sejam histórias, toantes, território, sagrado, espiritual,
cultural, dentro e fora da sala de aula” 51.
O estudo de Wilma Cleminda da Silva reforçou que a função do
professor indígena não é apenas repassar os conhecimentos tradicionais
do povo, o professor Pipipã deve participar dos movimentos, dentro ou
fora do território, dos rituais existentes no povo e das formações
continuadas. “Primeiro tem que ser indígena, morar na aldeia, respeitar
as lideranças e a comunidade em geral, a cultura, tradição e
religiosidade do povo, participar das reuniões, ter uma formação inicial
e respeitar todas as leis que regem a educação escolar indígena Pipipã”
52
.
Para os professores de profissão, a experiência no campo de
trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar, segundo
Tardif, a partir de conhecimentos sociais partilhados,
51
Relatório de estágio supervisionado: Perfil do Professor Indígena Pipipã.
Licenciatura Intercultural Indígena. Centro Acadêmico do Agreste – CAA/UFPE,
2017, p.14.
52
Relatório de estágio supervisionado: Perfil do Professor Indígena Pipipã.
Licenciatura Intercultural Indígena. Centro Acadêmico do Agreste – CAA/UFPE,
2017, p. 09.
- 234 -
Pipipã, o “Aricuri” é o espaço de maior importância para a construção
da Educação Escolar Indígena. É o espaço de autoafirmação e
aprendizagem, onde os estudantes conversam com professores e
lideranças que repassam os conhecimentos tradicionais no espaço
sagrado.
Observamos que o ritual representa uma oportunidade dos
jovens e crianças ouvirem coletivamente o Pajé, a maior liderança
espiritual, das curas e das expressões socioculturais. Logo no início do
“Aricuri”, dezenas de crianças se reúnem para ouvirem e observarem
com olhinhos atentos aos ensinamentos narrados pelo principal detentor
dos conhecimentos Pipipã:
- 235 -
de ser, mas não é. (Pajé Espedito Rosendo,
outubro/2019).
Referências
- 236 -
BRASIL. MEC. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 2018.
Disponível em: <http://historiadabncc.mec.gov.br/documentos/BNCC-
APRESENTACAO.pdf >. Acesso em: 01 nov. 2018.
- 237 -
PERNAMBUCO. Decreto nº 27.854. Regimento Escolar
Unificado: Escolas Estaduais Indígenas Pipipã, 25 de abril de 2005
– DOU 26/04/2005.
- 238 -
CIGANOS EM ALTINHO-PE: IDENTIDADES
ENTRE NÔMADES E RESIDÊNCIAS FIXAS
Introdução
- 239 -
Em seguida, apresentaremos brevemente, a trajetória histórica dos
povos ciganos no Brasil e no Agreste pernambucano. Traremos
narrativas de ciganas jovens e de uma idosa acerca dos seus olhares nos
embates forçosos dos preconceitos dentro e fora da escola. Por fim,
discutiresmos as questões relativas aos desafios educacionais que a
presença cigana tem produzido nos liames do currículo e da formação
docente.
53
Música: “é pra rir ou pra chorar?”, álbum: “seja você mesmo (mas não seja sempre
o mesmo)”, 2001.
54
Essa série coordenada de ataques deixaram 112 mortos, segundo a prefeitura de
Paris. Dezenas de pessoas ficaram feridas em outros pontos da cidade, segundo a
- 240 -
novembro de 2015, grande parte dos brasileiros sentiu-se ferida,
chorava, não apenas porque vidas inocentes foram perdidas, mas,
sobremaneira, por se sentir afetivamente parte integrante da Europa.
Em pouco tempo após, outro atentado terrorista aconteceu numa
universidade no Quênia, país da África Oriental55, tão brutal quanto o
de Paris, porém não teve uma repercussão midiática, muito menos uma
comoção social, assim como ocorreu no atentado aos franceses.
Tratamos de dois atentados terroristas, envolvendo pessoas inocentes
perante a ideologia extremista do estado islâmico, porém o da Europa o
mundo sentiu na pele; o ocorrido na África tratou como algo comum,
em meio as tantas desgraças neste continente. Nossa sensibilidade,
nossos sentimentos perante o terror foram sequestrados, importando
vidas humanas europeias em detrimento do apreço da vida estendido
aos africanos.
Alguns movimentos literários como o Modernismo, Pós-
Modernismo, buscaram uma identidade nacional, numa perspectiva
burguesa e não a partir das experiências de povos que tiveram os
conhecimentos de mundo inferiorizados e subalternizados pela
monocultura européia. Com isso, os estudos pós-coloniais latino
americanos preconizam a proposta de pensar a América Latina não
exclusivamente a partir da visão européia, mas com um reconhecimento
e valorização das culturas locais silenciadas secularmente e que na
atualidade, reverberam, conclamam autonomia e dialogicidade.
Noutras palavras, conforme Santos:
- 241 -
extremamente desigual de saber-poder que conduziu à
supressão de muitas formas de saber próprias de povos
e/ou nações colonizados. As epistemologias do Sul são o
conjunto de intervenções epistemológicas que
denunciam essa supressão, valorizam os saberes que
resistiram com êxito e investigam as condições de um
diálogo horizontal entre os conhecimentos (2009, p.13).
56
A colonização não promove somente um assassinato em massa da resistência nativa,
mas também a supressão dos conhecimentos locais perpetrada por um conhecimento
alienígena (Santos: 1998, p. 208).
57
“Tomo como ponto de partida a metáfora sistema-mundo moderno proposta por
Wallerstein (1974). A metáfora tem a vantagem de convocar um quadro histórico e
relacional de reflexões que escapam à ideologia nacional sob a qual foi forjado o
imaginário continental e subcontinental, tanto na Europa quanto nas Américas, nos
últimos duzentos anos.” (Mignolo, 2005, p.36)
58
A colonialidade está atrelada à dominação subjetiva, que vai além da territorial, ou
seja, ela diz que produz/não produz conhecimento, quem tem/não poder, quem é/não
- 242 -
apontada por Quijano (2005), Mignolo (1996), Cajigas-Rotundo (2007)
e Walsh (2005) em quatro eixos que os processos de dominação
instalaram-se nas terras tidas como dependentes e inferiores: a
colonialidade do poder, colonialidade do ser, colonialidade do saber e
a colonialidade da mãe-Natureza.
A colonialidade do poder expressou-se pela voz de mando
erigida pelos poderes constituídos e expressos pelas autoridades, pelo
varão, pelo branco, pelo cristão e pela razão. Esses processos e
estratégias de dominação foram sendo instalados e, com o passar do
tempo, adquirindo grande alcance de credibilidade, de ausências de
suspeitas e, portanto, de parcas resistências das gerações que se
sucederam. Neste processo de dominação, os ideais da razão, do
controle sexual e o horizonte do progresso linear, desenvolvimentista,
tiveram prevalência e exerceram fascínios aos olhos também dos
colonizados.
Este esquema idealizado de poder, de possível controle sobre os
“não-capazes”, as mulheres e indígenas, foi alcançando as
subjetividades coletivas, mediante os estilhaços da naturalização, do
prestígio de alguns e dos discursos conformistas para aqueles/as que por
“sorte”, a biologia limitou-os e os impediu. Trata-se da colonialidade
do ser, isto é, dos mecanismos de subalternização dos sujeitos nativos,
tentando imobilizá-los, convencê-los das suas “incapacidades” e
insuficiências perante as exigências do padrão da
modernidade/colonialidade.
A construção dos saberes foi fortemente atingida por esses
esquemas de dominação dos brancos europeus que, com bases racionais
coligadas à ideia de raça, elegeram a ciência moderna como o único
conhecimento credível, confiável, mediante a imponência da retórica, a
promessa de exatidão dos cálculos e dos meandros da empiria. Tudo
isto produzindo certezas, constituindo-se num paradigma ocidental nas
formas de pensar, de conhecer e de produzir avanços. Essa culminância
- 243 -
foi alcançada pela tecnociência e pela depreciação histórica dos saberes
populares, ancestrais indígenas, quilombolas e espirituais.
Soma-se a tudo isto, o domínio da natureza que associado à
noção patriarcal estipulou como racional e responsável o
desenvolvimento desvinculado da preservação ambiental, dos cuidados
com as gerações futuras. Em nome do progresso justificou-se o
desmatamento, a poluição dos mares, dos rios e a desconsideração da
memória coletiva de povos nativos que têm suas lembranças e
afetividades atreladas aos territórios que ultrapassam a noção de mera
espacialidade dos racionalistas citadinos e universitários. A
colonialidade da mãe-natureza estrutura-se nesses segmentos de
compreensão, de atitudes e práticas que constituem um modus vivendi
e todo o aparato ideológico que subalterniza sujeitos, saberes, cultura
local e hierarquiza as relações, produzindo um apartheid mental, social,
econômico, político e entre povos.
Enfim, o pensamento decolonial caracteriza-se pelo
entendimento crítico e autocrítico dos mecanismos sutis e expressos de
dominação sob diferentes formatos, bem como evidencia manejos
internos e materiais de resistência, produzidos pelos sujeitos sociais
desfavorecidos, na busca incessante de superação dos esquemas de
subserviência, de descrença, de humilhação e de inibições recursivas.
- 244 -
pelo nomadismo, pela moralidade da sobrevivência e pela força das
suas tradições.
Suas antigas histórias misturam-se aos relatos produzindo
múltiplas narrativas e cartografias sobre as origens, acrescentando-se
ainda aos limites dos registros históricos produzidos pelos brancos
dominadores que os classificam pela estranheza, pelo exotismo e pela
quebra dos padrões morais. Em geral, passaram a ser vistos pelos
estereótipos da vadiagem, do roubo, da frouxidão moral e do
nomadismo que dificultava o controle social do modelo citadino,
urbano. Segundo Teixeira, nos registros históricos os ciganos eram
descritos, em 1726, em São Paulo, como “aqueles que apareceram na
cidade e que eram prejudiciais, [pois,] andavam com jogos e outras
formas de perturbações” (2008, p.19). Além do mais, “as crianças
andavam nuas, homens expunham barrigas e peitos cabeludos,
enquanto as mulheres não se constrangiam em amamentar
publicamente seus filhos; a nudez cigana era indecente…” (idem, p 68).
Estas posturas contradiziam os costumes e moralidades dos
nobres marcados pela cobertura do corpo feminino como expressão de
decência e pelo rigor do trabalho enquanto ideologia apregoada para os
escravos e pobres sinalizando obediência a Deus, civilidade e
responsabilidade. Aspectos úteis à ordenação social e cultural que a
Coroa Portuguesa impunha sob o bastião da ordem e da segurança.
Há quem defenda que os ciganos originalmente eram
conhecidos como: rom, roma e romani.59 E divididos em três grupos
distintos: o primeiro grupo Rom ou Roma, são predominantes nos
países balcânicos e no Leste europeu, que a partir do século XIX
migraram para outros países da Europa e para as Américas e também
59
Há vários historiadores que situam as origens espanhola e portuguesa dos ciganos
que chegaram ao Brasil, porém, quanto às nascentes culturais e geográficas, há
controvérsias. Ver Henry Koster. Viagens ao Nordeste do Brasil, 2ed. Recife:
Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, 1978; Panish Daniel Kidder.
Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil:
compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias.
Belo Horizonte: Itatiaia. São Paulo: EDUSP, 1980 (Tradução da primeira parte do
original de: 1845).
- 245 -
eram divididos em outros sub-grupos: (Kalderash, Matchuaia, Lovara,
Curara, Horahanei etc.) A língua predominante dessa ramificação era o
Romani; o segundo grupo era conhecido como Sinti, com a língua
predominante Sintó e foram encontrados em países como Alemanha,
Itália e França a depender do país e a localização era também conhecida
como Manouch; e, por fim, o terceiro grupo e com maior influência no
Brasil, conhecidos como Calon ou Kalé, tendo como língua
predominante o Caló. Essas populações são conhecidas como ciganos
ibéricos que migraram da Espanha, de Portugal para a América do Sul
a partir do século XVI.
Nas entrevistas com a população cigana residente, atualmente,
em Altinho-PE60, esses sujeitos sociais identificaram-se como sendo da
tradição Kalón e se orgulhando de manterem ainda resistente a língua
materna, exibindo-a como forma de defesa da execração social e como
estratégia de sobrevivência sociocultural para garantirem-se como povo
vivo e resistente.
60
Município pernambucano distante de Recife em média de 190 km, atualmente, com
35 mil habitantes e entre esses, encontram-se um grupo cigano que, apesar de mais de
uma década nessa cidade, ainda são bastante desconhecidos pelos habitantes locais.
Trataremos melhor sobre o assunto nos próximos itens desse texto.
61
Todos a pesquisa e mais alguns estudantes, temos um grupo de estudo/pesquisa,
que faz parte do programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal de
Pernambuco-UFPE, sobre os estudos pós-coloniais latino-americanos. Encontramo-
nos quinzenalmente para discutir textos, analisar dados da nossa pesquisa, etc.
- 246 -
resistência à monocultura dominante. Em um dos relatos percebemos a
dor da invisibilização: “Se chegar ao hospital e o povo souber que você
é cigano eles deixam você morrer na fila, deixa pra lá: é cigano”
(liderança cigana de Altinho).
A chegada e fixação desse povo na cidade não foi diferente de
outros grupos ciganos atualmente residentes em algumas cidades de
Pernambuco. Segundo esses narradores, os mesmos percorreram
grandes distâncias, passando por Recife, Rio doce-PE, Bezerros-PE,
por último em Bonito-PE. Quando saiam de uma cidade pra outra,
recebiam do delegado um documento por escrito significando que
aquele grupo tinha boa conduta, ficha limpa na delegacia. Sobre quando
chegaram em Bonito, na década de noventa, Sr. Abel, liderança local,
afirmou: “O delegado de Bonito não gostava de cigano! Ele pegou,
rasgou o papel e falou: vocês têm vinte e quatro horas pra saírem daqui”
(entrevista em 09/05/16).
Há mais de duas décadas, esse grupo cigano fixou residência na
cidade de Altinho, alegando a hospitalidade dos habitantes locais e a
não perseguição policial do delegado de então. Com o passar dos anos,
esse grupo foi se instalando, comercializando pássaros e produtos
agrícolas. No entanto, escondendo as identidades ciganas para os
moradores locais, como estratégia de sobrevivência física e simbólica.
Comunicando-se entre si por meio da língua Kalón, principalmente, em
situações de vulnerabilidade dos membros nos contatos sociais diários.
Nos relatos da cigana mais idosa dessa população, a mesma
destacou aspectos vivenciais do grupo, aventuras e desventuras, como:
“Era uma vida solta, livre… A gente andava pelas estradas afora,
montadas em burros, parando nas cidades e armava as tendas… Lá a
gente ficava por uns dias: comida, sanfona, repartia a comida, andando
e brincando…”; “os brasileiros ficavam olhando a gente e
admirando…”. Os aspectos da liberdade, da vida comunitária, da
repartição dos alimentos adquirem relevo na descrição dessa cigana
idosa, bastante experiente nas estradas no Agreste e Sertão de
Pernambuco.
- 247 -
Ademais, salientou, também, os modos de vida e a cultura:
- 248 -
lideranças, mas não por meio de escritos, de memória escrita desse
povo.
Percebemos que os moradores das ruas vizinhas em Altinho, não
reconhecem esses sujeitos sociais em suas identidades originárias. Os
processos de invisibilização dessa população são notórios: ora por
esconderem-se na convivência; ora pela autonegação, especialmente, os
jovens estudantes por medo de exclusões nos espaços escolares.
Percebemos essa situação nos contatos com a direção da escola de
referência62 na cidade, focando, sobremaneira, os modos de presença
dessa população no espaço escolar, alunos/as matriculados/as e sobre
as possíveis influências nesse mesmo currículo. Em diálogo com a
coordenação dessa escola de referência, foi notável que as atividades
curriculares perfaziam nas atenções sobre as questões dos direitos
humanos, dos povos indígenas, afro-brasileiros, de gênero entre outras,
mas nada relacionado ao povo cigano, habitando na própria cidade.
Na conversa com o gestor, quando perguntado sobre como esse
tema era explorado na escola, respondeu:
62
A Educação Integral em Pernambuco tornou-se Política Pública de Estado em 2008.
O modelo fundamenta-se na concepção da educação interdimensional, como espaço
privilegiado do exercício da cidadania e o protagonismo juvenil como estratégia
imprescindível para a formação do jovem autônomo, competente, solidário e
produtivo. Saiba mais em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&men=70
- 249 -
fixação permanente desse povo. (Entrevista em
09/05/16).
- 250 -
A escola não tem essa informação. É muito importante
essa pesquisa de vocês porque vocês estão buscando
informações, irão relatar algo sobre a vida desse povo e
vai servir até para as escolas, para que tomem
conhecimento disso, se apropriem dessas informações e
a partir daí possamos inserir esse povo dentro do contexto
racial que deve ser trabalhado, abordado, para a gente
desmitificar um monte de questão que prejudicam esse
povo. (Entrevista em 09/05/16).
63
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, considerando as mobilizações de
vários movimentos sociais marcadamente etnicorraciais, sancionou a Lei nº 10.
639/2003 como uma medida afirmativa determinando o ensino da História da África
e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos da rede pública e das escolas particulares
da educação básica. Ver esse estudo em: Antonio Flávio Moreira e Vera Maria Candau
(Orgs.) Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Vozes:
- 251 -
entanto, percebemos que estas discussões estão no currículo, na maioria
das vezes, de modo transversal ou, até mesmo, pontual, no
cumprimento de uma data festiva. Outra questão são as relações entre
currículo e contextualização; ou ainda: as implicações epistemológicas
para a formação docente.
Compreendemos currículo como “um texto que representa e
apresenta aspirações, interesses, ideais e formas de entender sua missão
e um contexto histórico muito concreto sobre o qual são tomadas
decisões e escolhidos caminhos que são afetados pelas opções políticas
gerais, as econômicas, o pertencimento a diferentes meios culturais,
etc.” (Sacristán, 2013, p. 12). Consoante esse entendimento sobre
currículo, tratando-se de um terreno de disputas, de constantes escolhas
e tensões.
Por este viés conceitual, os aspectos legal e vivencial das
intencionalidades do ensino-aprendizagem coincidem e dialogam em
vez de colidir e intransigir. A prescrição do MEC de incluir as questões
étnicas e raciais na Educação Básica não é suficiente para a
materialização. Os aspectos socioculturais e a força dos estereótipos
produzem uma certa cegueira contextual e o não convencimento que
essas situações humanas rejeitadas podem ser elevadas ao patamar de
conteúdo de sala de aula.
Nos posicionamentos do referido gestor, salientamos o seu
espanto tanto em saber da existência de ciganos ao redor da escola, bem
como do interesse dos graduandos em Física por essas questões
“estranhas” aos seus objetos de estudo em se tratando, particularmente,
de pessoas e situações quase invisíveis e pouco prestigiosas. Tornando-
se notável o abismo entre a situação cigana e o cotidiano sociocultural
da escola. Muito mais por se tratar de uma unidade educativa de tempo
integral, permanecendo ainda desatenta ao entorno, contexto e função
social em relação à situação cigana, diferenciada e local. Mesmo se
vislumbrando a possibilidade da presença de alguns estudantes ciganos
- 252 -
nessa escola, a sua existência é autonegada e a sua etnia passa ao largo
de ser considerada. Segundo uma estudante cigana, “Comecei a estudar
e todo mundo me excluía. Eu me levantei lá na frente da sala de aula e
expus quem eu era, que eu era igual a todo mundo…” (entrevista em
30/03/17).
Essa situação evoca o desafio da multiculturalidade e da
transculturalidade nas práticas educativas, uma vez que “a educação é
instância propícia e espaço privilegiado para a realização da
convivência e das trocas entre as diferentes culturas, o que torna
possível com a criação de espaços interculturais em que a
multiculturalidade se fará presente” (PADILHA, 2004, p. 78).
Em sendo assim, a vivência curricular é dinâmica,
continuadamente aberta às vicissitudes e às lógicas outras por demais
enfatizadas pela abordagem decolonial elegendo a autonarração dos
subalternizados e a relação horizontal entre os saberes produzidos nas
escolas e os de matriz ancestral e extraescolar. Para tanto, o caminho da
aproximação e abertura da escola é fundamental, buscando vias de troca
de experiências, de valorização dos conhecimentos ciganos
ultrapassando a retórica para se configurar como práticas educativas,
conforme um desenho curricular de evidentes e decididas escolhas. Um
dos diálogos de Paulo Freire é bem ilustrativo: “o conteúdo estava lá,
embora não tão fácil de ver, às vezes. Por causa disso, foi possível
desafiar o grupo a pensar de uma maneira diferente e também a entender
a necessidade de obter um novo caminho” (2003, p.171).
Para os estudantes de Física, participantes da pesquisa, estes
impactos do tamanho desconhecimento da presença cigana, tanto na
cidade como na escola de referência, tem suscitado curiosidades e,
simultaneamente, senso crítico em relação à formação docente, ao
currículo do curso que esses licenciandos estavam vivenciado. Essas
questões foram trazidas para as discussões nas disciplinas ministradas,
especificamente, aquelas de natureza pedagógica, por se tratar de uma
licenciatura.
Esse movimento de entusiasmo e questionamentos dos
estudantes resultou em algumas atividades de extensão que começaram
- 253 -
a ser pensadas, como exemplo: a realização de uma roda de diálogo com
os ciganos na escola de referência; e em outra iniciativa, inserir os
ciganos na universidade pelo viés do observatório social e das
atividades de extensão. A roda de diálogos foi vivenciada no interior da
referida escola de referência. Não obstante, não foi possível a
participação das lideranças ciganas, mas a apresentação e as discussões,
na ocasião, despertaram a participação e interesses de docentes,
especificamente, das disciplinas História, Direitos Humanos e
Geografia. Bem como os estudantes nos últimos anos do Ensino Médio.
As questões sobre a presença os ciganos, em Altinho, revelaram
espantos, admiração e curiosidades. Não foram observados
questionamentos que ressoassem intolerâncias, rechaços ou ostracismo
social. Em nossas reflexões emergiram as inquietações que este estudo
sobre os ciganos tem despertado na população altinense, na escola de
referência da cidade e nos participantes do presente estudo. Esse ensaio
de aproximação entre a universidade, a escola de referência e a
comunidade local tem gestado questões pertinentes às epistemologias
outras e às práticas educativas de alcance omnilateral, humanizador e
decolonial.
Referências
- 254 -
MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério
ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER,
Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: Eurocentrismo e ciências
sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Consejo
Latinoamericano de Ciências Sociales – CLASCO, 2005, p. 71-103.
- 255 -
AUTORES
Edson Silva
Professor Titular de História da UFPE. Doutor em História Social
(UNICAMP). Mestre em História (UFPE). Professor no Centro de
Educação/Colégio de Aplicação-UFPE; docente no Mestrado
Profissional em Ensino de História/PROFHISTORIA-UFPE e no
Programa de Pós-Graduação em História na UFCG (Campina
Grande/PB).
- 256 -
Elisama Cristo da silva
Licenciada em História (AESA-CESA). Com Especialização em
História e Ensino de História (AESA-CESA).
- 257 -
Helder Francisco Bezerra de Barros
Mestrando em Filosofia (UFPE). Bacharel em Direito (Faculdade de
Direito de Garanhuns). Com Especialização em Ensino de Língua
Portuguesa e suas Literaturas pela Universidade (UPE). Licenciado em
Filosofia pela Faculdade de Filosofia (FAFICA).
Jairo Silva
Mestrando em Antropologia (UFPE). Bacharel em Ciências Sociais
(UFRPE). Pesquisador da temática negra na área da Antropologia
- 258 -
Processo Civil (Faculdade de Direito de Garanhuns), Especialização em
Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília (2012),
Especialização em Docência Superior (Faculdade Integrada da Grande
Fortaleza), Especialização em Direito Matrimonial Canônico
(Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro). Mestrando em Filosofia
(PROF-FILO/UFPE). Professor na Autarquia do Ensino Superior de
Garanhuns.
- 259 -
Maria Jéssica Alves de Rezende
Licenciada em Letras- Português/Inglês (AESA-CESA).
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QUER SABER MAIS SOBRE A EDITORA OLYVER?
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editoraolyver@gmail.com
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