Lustosa Da Costa - No Aprés-Midi de Nossas Vidas
Lustosa Da Costa - No Aprés-Midi de Nossas Vidas
Lustosa Da Costa - No Aprés-Midi de Nossas Vidas
COORDENADOR
Antônio Martins Filho
CONSELHO EDITORIAL
Francisco Carvalho
Italo Gurgel
Geraldo J esuino da Costa
CAPA
Assis Martins
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Carlos Alberto Dantas
de
Nossss WDAs
Lustosa da Costa
UFC
CASA DE JOSÉ DE ALENCAR
PROGRAMA EDITORIAL
1997
OBRAS DO AUTOR
Maria Dulce
e
Hélio Barros.
UM MESTRE DA CRÔNICA
Edmílson Caminha
Eu de novo.
Nunca foi minha ambição construir catedrais que de-
safiem o tempo. Nem semear carvalhos que são duradouros
mas demandam tempo, muito tempo. Preferi plantar as COu-
ves para o almoço de amanhã. Talvez nem preferisse. Foi o
que soube fazer. Estas páginas são obras perecíveis, conversa
fiada, ourivesaria do nada que aqui se reunem em livro e
tentam assim resistir ao olvido. No fundo, são louvações de
Fortaleza, a cidade amada e dos amigos que nela habitam.
Algumas são recentes. Outras saíram em forma de cartas, as
"Cartas do Beco" que publiquei no extinto "Unitário", há muito
tempo. O que as aproxima e identifica é a constância do
querer bem a Fortaleza e aos amigos. É o que não muda em
mim.
Esta tentativa de imortalidade se deve ao mecenato
deste jovem empreendedor, mais que nonagenário, Mar-
tins Filho. O prestante Edmilson Caminha me ajudou na
primeira revisão das páginas que se seguem. Assim nasceu
"No apres-midi de nossas vidas que entrego a vocês.
SUMÁRIO
UM MESTRE DA CRÔNICA
PREFÁCIO
CARTAS DO BEC0-125
Mo Aprs.lili de Mossas 'is
NO APRÊSMIDIDE NOSSAS VIDAS
16 A LUSTOSA DA COSTA
Almoço no La Bécasse cujo proprietário é Jorge Cals
Coelho. Digo a Raquel que era eu empregado do Náutico
Atlético Cearense quando fiz o vestibular para Direito. Ele,
para Engenharia. Ambos passamos. Seu Pedro, pai dele,
fundador e um dos donos do clube, veio me cumprimen-
tar. Eu, com falsa humildade, disse-lhe que quem merecia
os parabéns era apenas o Jorge que entraria numa Facul-
dade séria. Isto é, que formava para uma profissão que
parecia de mais futuro financeiro. Porquanto mais rara. E
porque lidava com coisas materiais. Ele não aceitou o ar-
gumento e me parabenizou calorosamene. Minha filha,
cruel, repara:
"Pai, isso faz bem quarenta anos."
Não faz, mas tá perto.
18 A LUSTOSA DA COSTA
NASCI BRASILEIRO E VIBRO COM ISSO!
20 A LUSTOSA DA COSTA
à pátria a fim de usufruir do produto do saque. Um ente
lotérico. Trabalho pesado era para o negro, que o índio, por
sua vez, a ele não se acostumava.
O primeiro governador geral, Tomé de Sousa, de-
sembarcou na Bahia trazendo o Estado brasileiro pronto e
acabado. Sem falar numa Constituição escrita para reger o
povo. Que ainda não tinha aparecido.
22 A LUSTOSA DA COSTA
BANALIZAÇÃO DA AMIZADE
24 A LUSTOSA DA COSTA
com o editor. Você usa de seus serviços, a qualquer hora
do dia e da noite, e, às vezes, é tão amigo que nunca se
lembra de lhe mandar aquela caixa de uísque que enviaria
a profissional de menor intimidade. Ou então você encon-
tra o autor e vai logo cobrando: "Você ainda não me man-
dou seu último livro!" Não foi ao lançamento da obra. Não
a procurou na livraria. Quer que ela lhe chegue de graça,
a domicílio. Autor amigo é pra essas coisas.
Quem tem projetos, vira imortal
Um dia desses, o ex-Reitor Martins Filho conversa-
va, do alto da juventude dos 92 anos, com Francisco Car-
valho Martins sobre projetos para os próximos dez anos. A
certa altura do empolgado papo, parou e indagou do filho,
o nosso querido "seu" Chiquinho: "Você acha que estou
sendo muito otimista?"
Quando o revejo, me informa que espera lançar o
centésimo volume da Coleção Alagadiço Novo a 13 de
dezembro, que será o livro de Rachel de Queiroz: "As três
Marias". E ainda quer saber de minha opinião sobre a (ex-
celente) qualidade das obras que edita: "Tens prestado aten-
ção às capas do Assis Martins?"
DOIS JOVENS
26 A LUSTOSA DA COSTA
Apesar de jamais haver sido lacerdista, tenho de re-
conhecer que a Tribuna abrigava também alguns profissio-
nais de elevada qualificação que, depois, tomaram outros
rumos, geralmente democráticos, felizmente. Nem todos vi-
raram golpistas como seu fundador, que ajudou a implantar
e defendeu a ditadura militar até verificar que ela o destrui-
ria. Cumpre atentar para o nível da revisão daquele tempo
(acho que o Graciliano Ramos integrava o quadro de revi-
sores do "Correio da Manhã"), era tal que um de seus inte-
grantes de então é um colega da velha guarda do jornalismo
político de Brasília, Rubem Azevedo Lima. Dele diz Baciu:
"O nosso Rubem respondeu e ganhou um bom prê-
mio sobre História de Portugal. Nosso colega ficou tão famo-
so que, quando eu e Mira entrávamos em lojas onde já éramos
conhecidos, os vendedores perguntavam sempre alguma coi-
sa sobre o colega que respondia na televisão". Por mim, ain-
da sexta-feira, almocei com Rubem Azevedo Lima. Baciu, se
não voltou ao Brasil, mora no Havaí, em Honolulu.
TCS
Encontro com Temístocles de Castro e Silva e Dorian
Sampaio num dos restaurantes do Marina, quando
relembramos o ex-governador Parsifal Barroso, de quem o
primeiro foi auxiliar e cuja biografia tinha o dever de es-
crever. Foi papo ameno, divertido, por felizmente só con-
versarmos sobre o que nos une, nos identifica e não sobre
o que eventualmente nos pode dividir.
Relembro a campanha eleitoral de Parsifal ao gover-
no do Estado. Os Diários Associados "Unitário" e "Correio
do Ceará" mais a "Ceará Rádio Clube") não se metiam na
disputa. Publicavam, com eqüidade, matéria paga, como
CANETA BIC
28 A LUSTOSA DA COSTA
Em matéria de caneta, prefiro a BJC preta. Ah! Se
fosse um Manuel Bandeira, não celebraria as três moças
do sabonete. Araxá, não. Cantaria as virtudes da BIC. Com
ela, geralmente escrevo macio. Ela desliza sobre o papel.
Macia, obediente, dócil, quase voluptuosa, bom adjutório
da inspiração. Tem mais: a BJC desinventou o sexto man-
damento: "Não roubarás". Sim porque nos aliviou do peca-
do. Você rouba uma BJC e ela custa tão barato, vale tão
pouco que você está inocente, de alma branca, leve, sem
pecados, pode até comungar. Ruim é quando você leva
uma dessas canetas que se dão de presente ao chefe ou ao
patrão, que valem uma fortuna e cujo surripiar pode levar
a ferros, ao calabouço. A BIC, não. Lembro-me de quando
era conselheiro do Banco do Nordeste, (banco rico nos
bons tempos inflacionários!) e saía das reuniões com uma,
duas, até três canetas, (dessas de trinta centavos a unida-
de) colocadas sobre a mesa de reunião, que, por descui-
do, (seria descuido ou roubalheira?) guardava
automaticamente no bolso interno do paletó. O pessoal
deve de ter pensado: como é que um cara fala de vida tão
boa e tão luxuosa em sua coluna e está rapinando uma ou
duas míseras bics? Se o Tribunal de Contas descobre isso,
me chama à colação, vai-me exigir a restituição do que
afanei. Sem remorsos. Porque o roubo da BIC não está
proibido nas tábuas da lei que Moisés recebeu. Não há
nada ali que se refira à apropriação indébita de tal instru-
mento de escrever.
O PRAZER DE LER
O DESRESPEITO AO LIVRO
30 A LUSTOSA DA COSTA
PROJETO DE FARTAR O BANDULHO
32 A LUSTOSA DA COSTA
ODIAR É BOBAGEM
34 A LUSTOSA DA COSTA
Já eu, nunca tive tal disciplina. Nunca poupei cigar-
ro quando fumava. Também jamais economizei as mulhe-
res quando amava. Nunca corri feito besta. Nem andei
quilômetros sem motivo.
Hoje em dia cresço pros lados. É triste, mas verda-
deiro. Pior, com o tempo, os apetites vão subindo e con-
verti-me num glutão. Sem falar em que o vinho francês
anda tão acessível, barato, que jamais me privo dele. Cultuo
Baco, todos os dias. Fui ao médico e ele me recomendou
bateria de exames. Obedeci no ato. Sabem o resultado?
Tirei dez. Aprovado com distinção. Suma cum laude. Ele
me disse que a pressão arterial está normal. Minha função
hepática é boa. Normal, apesar dos tonéis de uísque, vi-
nho e champã que já sorvi aqui e alhures. O ácido úrico
está normal. E completou: "Coitada de tua mulher. Não
fica viúva tão cedo."
Pois é, essa pelo menos, a conversa do esculápio.
A conversa do médico foi consoladora para quem
não tem vontade de viver pela metade. Meia vida. Andar
trafegando pelaí cheio de limitações. Andar correndo sem
saber pra onde feito um babaca. Deixar para amanhã o
uísque que pode consumir hoje.
Já estou chegando à idade canônica. Quando as mu-
lheres nos olham com respeito, não mais com desejo. Ou a
esperança do desejo. Já não fumo. Se me despeço de Baco,
o que vai ser da vida? O que vou continuar fazendo aqui
em baixo?
Resisti.
Na fila do banco, o rapaz diz que não preciso espe-
rar tanto. Tenho prioridade no guichê dos deficientes físi-
cos, das grávidas e dos idosos. Como não estou grávido
nem sou deficiente físico, continuo, pacientemente, espe-
rando que a fila ande. Até que chegue minha vez.
NO APRES-MIDI DE NOSSAS VIDAS A 35
O caixa me pergunta a idade. Esclareço: "58 anos,
sem reclamações". Ele, pessimista, baixo astral, atalha: "Até
agora, né?" Agora e sempre, se Deus quiser.
Menti, sim
Porque vou confessar crime de falsidade ideológica.
Logo que larguei o serviço público, não tive coragem de
declinar que era aposentado. Menti, em parte. Escrevi, ao
fazer o crediário, que era "funcionário público". Não reve-
lei que já estava aposentado.
36 A LUSTOSA DA COSTA
QUEM NOS ELOGIA, É SEMPRE MUITO LÚCIDO
38 A LUSTOSA DA COSTA
"Ora, Chico, o goleiro, que é treinado, que é pago
pra evitar o gol, não pegou a bola, quanto mais eu que
não sou goleiro".
Naquela segunda, a Tribuna saiu sem a foto do fu-
tebol. O folclore da imprensa cearense não registra, po-
rém, para que profissional o amigo Gumercindo foi
mandado.
Mudam os juízos. O caráter da gente é frágil. Ao me
ouvir, domingo, citado pelo Faustão, esqueci, de logo, as
críticas que já enderecei ao bem nutrido animador de tevê.
Fui reler os elogios que lhe pagou Jorge Amado em Nave-
gação de Cabotagem para lastrear minha mudança de opi-
nião. E disse a meus botões: "Se o autor de Gabriela gosta,
por que, eu, homem do beco da Piedade, não gosto?" E
me acudiu episódio de vinte e tantos anos atrás, ocorrido
nas ruas de Fortaleza. Ia, com Dorian Sampaio, colher da-
dos e informações para mais uma edição do Anuário do
Ceará quando avistamos, ao longe, dois comerciantes, ir-
mãos entre si, chatos pra todos. Tremendamente prolixos.
Já nos haviam avistado. Não havia como fugir. Como o
estupro era inevitável, relaxamos e fomos em frente, o
melhor sorriso afivelado no rosto. Um deles se virou pra
mim e disse: "ontem, vendo na televisão, o doutor Lustosa
falar, disse, aqui, pro maninho: um homem destes é que
devia ser governador do Ceará".
Agradeci, comovido. Quando saímos, observei pro
Dorian:
"Viu, Dorian, eles não são tão chatos, como pensá-
vamos, não". Por isso, hoje em dia fecho com o Jorge
Amado, em relação ao gordo.
40 A LUSTOSA DA COSTA
Deixei de ir ao Piantella como fazia, há anos, em
tantos crepúsculos, e onde vivi tão bons momentos e tra-
vei relações com pessoas tão estimáveis.
E pude ver que minha presença não era importante
pra casa.
PALAVRÓRIO
Já FUI RICO
42 A LUSTOSA DA COSTA
SE ARREPENDIMENTO MATASSE...
44 A LUSTOSA DA COSTA
SE BEBER É PRA ENCHER A PANEI.A..
46 A LUSTOSA DA COSTA
de Lisboa. Na pérgola do Copacabana Palace, no Bistrô,
no Le Chateau, naquele mimoso restaurante da Floresta da
Tijuca. Na casa do falecido Hélio Rodrigues, na rua Sena-
dor Paula, em Sobral, tomei o primeiro porre. Cachaça pura.
Por continentes, países, cidades, hei prestado meu caloro-
so preito a Baco, Deus de minha devoção que nunca pre-
tendo abandonar.
Marcelo Unhares, uma vez, me ensinou que, numa
festa, você pode consumir uma dose, a cada meia hora.
Respondi-lhe que, em tal espaço de tempo, já encaçapei
umas seis. É que não há termos de comparação entre nós
dois. Ele é um gentleman, cuja família amanha a terra e
cria bois nas ribeiras do Acaraú desde 1600. Nasceu filho
de deputado, sobrinho de Presidente da República. Eu,
homem do Beco da Piedade, já me dou muito feliz por
haver conhecido meus avós. O velho Chico Bento, um deles,
era matador de porco num morro acho que ali perto da
Estação da RVC quando chegou à Fortaleza, depois da seca
do 15. Já que, com raízes tão proletárias, progredi muito
porque tenho horror a quem fica mexendo, com o dedo, o
gelo do copo do uísque. Considero que foi alguma evolu-
ção, embora esteja longe, muito longe de amigo de raízes
tão aristocráticas.
Quando fumava, também era fumante sem controle.
Uma verdadeira chaminé. Logo três a quatro maços por
dia. E como ainda sinto saudades do cigarro! Também em
matéria de alimentação, meu prato é o cheio, como dizia
aquele retirante nordestino. Não sou um gourmet. Sou um
gourmand. Tanto assim que já enchi o bandulho no
Kremlin, no Palácio de Westminster, no La Tour d'Argent,
no Maxim's, no Pavillon Montsouris, no Tavares, no Avis
e nem me lembro direito do que comi. Nunca vou esque-
cer, porém, o resto da sobremesa que o frade, que coman-
48 A LUSTOSA DA COSTA
DE VOLTA A BACO
50 A LUSTOSA DA COSTA
diante dele, sem que me pedisse, meu turíbulo queimando
incenso e mirra em sua homenagem? Sei lá. Se eu o igno-
rava, quanto mais o Recena, apenas testemunha do pape-
lao. Todavia, estou pronto a proclamar que prefiro ser
excessivo na ternura a ser lembrado por grossura.
52 A LUSTOSA DA COSTA
Em verdade, em verdade vos digo. O marido possui
muitas utilidades. É facilmente transportável. Dependendo
do seu humor, pode ser levado a festas, batizados, velóri-
os, terreiros de macumba, casa de cartomante. Serve para
comprar o pão quentinho e leite, se acorda cedo. Sem fa-
lar em que é confortável entrar nos clubes e nas festas a
bordo de um marido. No mínimo, diminui o número de
cantadas que a casada recebe em comparação com as des-
casadas, o que facilita o relacionamento com outras mu-
lheres. A não ser, advirto, que o marido seja do time dos
que se embriagam cedo e se descuidam da vigilância so-
bre o patrimônio.
54 A LUSTOSA DA COSTA
É FUNDAMENTAL MANTER O CASAMENTO
56 A LUSTOSA DA COSTA
PARA QUE GANHAR NA SENA
58 A LUSTOSA DA COSTA
O HÁBITO FAZ O MONGE
60 A LUSTOSA DA COSTA
Abro, aqui, um parênteses. Houve um tempo em
que só andava de branco. Camisa branca, calça, cueca bran-
ca, meia, sapato branco. Vestido assim, feito bicheiro, fui
ver Régis Jucá, na São Raimundo, pra meu gosto e provei-
to. Uma enfermeira me convocou, de repente, a atender
um paciente que não passava bem. Fecho o parênteses.
Só viajo de paleto. Pelos mesmos motivos. Há uns
vinte e tantos anos atrás, solteiro de segunda mão, embora
em excelente estado de conservação, pensava que voltara a
ser jovem. Subi ao avião de chinela de rabicho, feito o Ney
Maranhão, bolsa de couro às costas, quase um hippie. Por
azar, faltou lugar no avião e tive de descer em Salvador.
Tomei outro. Um pinga-pinga danado que me fez até aterrisar
em Nanuque. Pra que Nanuque, por que Nanuque? No sei.
No hotel, então, nem se fala. Olharam-me suspeitosamente.
Era o tempo da ação direta. Da guerrilha urbana. Fui pro
apartamento, me emperiquitei todo, com o bem cortado temo
do Domenico e desci. Quando deixei o elevador, o pessoal
da portaria me dispensou outro tratamento. Tudo mudou.
Como que diziam: "Ah, sim" Agora, sim!"
Na Pátria Velha, um deputado caiu na besteira de ir
à sessão da Câmara de terno claro. Não sei qual dos
Gilbertos o conta, se o Freyre ou o Amado. O certo é que
foi advertido pelo presidente quanto ao decoro no vestir.
Não trajava aquele fraque ou mesmo terno de pesada casi-
mira inglesa da época.
Dom Pedro II curtia muito concursos para provi-
mento de cadeiras no colégio que tinha (tem) seu nome.
Num deles, disputava o lugar o grande Capistrano de Abreu
que, além de pobre, era desleixadíssimo no vestir. Quase
não o deixaram entrar na sala do concurso, tão maltrapi-
lho estava. Sua erudição, porém, estava anos-luz acima
dos concorrentes, o que deixou basbaque o imperador.
62 A LUSTOSA DA COSTA
~
MEDO E FE
64 A LUSTOSA DA COSTA
Quero ser (também nisso) como o Barão, o Guilher-
me Neto que teve mãe, dona Neuza (também nome de sua
primeira mulher), até um dia desses, na boquinha de che-
gar a uma idade redonda, mais de uma década adiante de
mim, tão pressuroso foi ele de chegar a este mundo de
meu Deus. Claro que sei de sua dor. Prefiro pensar nele
como um felizardo que desfrutou dessa riqueza por tanto
tempo.
66 A LUSTOSA DA COSTA
Perboyre e Silva. Hoje há árvores gigantescas. O Pedro
garante que são seus cuidados e a técnica de nossos agrô-
nomos. Outro assegura que isso são artes tucanas. Um ter-
ceiro que tudo é obra do Cambraia. Não sei se, no caso, o
progresso é municipal ou estadual, se pessedebista ou
pemedebista. Não ignoro que a imagem do Ceará se acha
tão bem polida no mundo, que, todo santo dia, encalham
nas nossas praias cetáceos querendo conhecer tais maravi-
lhas. São baleias que viram aquele trocador de ônibus de
S. Paulo falando, na tevê, do Éden em que nos convertem
e querem conhecer do milagre. Everardo comenta: "En-
quanto isso a Recife chegam, no máximo, tubarões!" Vejam
a nossa superioridade, e ainda tem não queira acreditar no
milagre cabeça-chata! Falo do senador Carlos Wilson, que
tem mais medo de avião do que eu. Vi, no último vôo que
fizemos juntos, céu de brigadeiro, total tranqüilidade, que
suas mãos estavam alagadas, suaram mais que as minhas.
Falamos de fé, que fica mais intensa ante o perigo. Da
mesma maneira (e uma coisa nada tem a ver com a outra),
nossa generosidade (aliás, melhor dizendo, nossas inten-
ções generosas) fica mais larga na véspera do sorteio da
loteria em que apostamos.
68 A LUSTOSA DA COSTA
COISAS QUE O TEMPO LEVOU
ALVARO
70 A LUSTOSA DA COSTA
nha bons cozinheiros, o que é o raro no Ceará. Queixo-me
do preço de seu scotch. É que estou ficando pobre mesmo.
IDEAL
Ü ÚLTIMO UÍSQUE
72 A LUSTOSA DA COSTA
Freqüentei, também, o restaurante e o bar do San
Pedro Hotel. Certa noite de 1966, drincava, ali, despreocu-
padamente, com amigo quando chegaram o proprietário,
Pedro Lazar, e o médico Francisco Pinheiro. Conhecedores
da minha pobreza franciscana, tomaram a iniciativa de me
assinar cheque, para ajudar na campanha eleitoral. Podia
não ser soma elevada, era dada de coração e
espontâneamente. Dizem alguns amigos que alguns des-
ses cruzeiros, em vez de tocar o coração dos eleitores,
ficaram ali mesmo no consumo do scotch.
Em festa realizada no seu roof, quando pensava ha-
ver voltado a ser jovem, porquanto revertido à condição
de solteiro, dancei, noite inteira, com moça de madeixas
negras e perfumadas que, na fria madrugada, fui deixar a
casa. Gutinho que o diga. Ficamos só nisso.
Eugênio Carlos ainda não era o famoso internacio-
nalmente entalhador Batista. Vendia quadros do pintor
amazonense Raimundo Andrade. Encontrou, na adega do
hotel, perdidas e empoeiradas, garrafas de precioso Saint
Emillion que resgatou para nosso desfrute. Decidiu bebê-
las, irrigando perdizes, em minha companhia e na de Lú-
cio Brasileiro. Não havia perdizes. Avoantes nos bastaram.
À certa altura da madrugada, ele, que fora ator em
Hollywood, desandou a declamar trechos de Shakespeare,
atroando o silêncio da madrugada com o ribombar de seu
sotaque californiano, falando de reis adúlteros, assassinos
e derrotados.
Quando ainda não tinha carro ou me faltava tempo
para ir ao Ideal, almoçava no restaurante do Savanah,
lendo os jornais do Rio. Todas as noites, a esse tempo, ia
lá tomar meu drink. Dali disparava telefonema para a
amada, que era oásis no deserto afetivo em que, então,
me consumia.
74 A LUSTOSA DA COSTA
PEDRO PHILOMENO
'TORRE
VIRGINDADE DEFENDIDA
76 A LUSTOSA DA COSTA
riência de administração, cultura humanista, freqüentador,
quando estudante, da casa de Manuel Bandeira e Rachel
de Queiroz, inventa de se aposentar quando ainda tem
tanto a oferecer à sociedade, ao Estado. É o caso de Gui-
lherme Neto, tão lúcido e válido. Como se pode entender
já queira encostar as chuteiras
É outro menino.
78 A LUSTOSA DA COSTA
Foi o que aconteceu com Rangel Cavalcante, outro
que já tem os cabelos totalmente brancos. Com ele não
houve, sequer, palavras. Só o gesto. A ação. Mudos. Quan-
do entrou no ônibus executivo totalmente lotado, um re-
cruta, imediatamente, se levantou. Respeitosamente, lhe
cedeu o lugar.
80 A LUSTOSA DA COSTA
Certa noite, em Fortaleza fui à casa de um conheci-
do com a patota que freqüentava. Lá ele serviu scotch no-
toriamente fraudado. Não sei se foi o Cláudio Martins ou o
Otacílio Colares que o advertira para o fato. Pois bem. Ele
não entortou caminho. Foi em frente. A princípio, fez que
não ouvira. Depois se limitou a negar a evidência. Bate-
mos em retirada.
Outra vez, fomos conhecer a adega de um milionário
- havia, ali, toda espécie de uísque importado. Pois bem,
quando ele terminou de exibir seu rico estoque, tentou ser-
vir-nos um Mansion House. Lúcio Brasileiro protestou no
ato. O novo rico, meio encabulado, foi buscar a bebida de
primeiro mundo que nos exibira.
Outro rico nos convidou para um uísque em sua
nova casa. Literalmente e não o percebemos logo. Quando
lá chegou, estava ao telefone. Interrompeu a ligação para
nos receber, apontar o bar e pedir que escolhêssemos o
uísque de nossa preferência. Ficamos com o Old Parr que
estava na garrafeira de cima, próxima ao teto. Ele veio,
sorridente, e nos perguntou:
- "Qual uísque vocês escolheram"
- "Old Parr, esclarecemos.
Ele tirou o maravilhoso licor, destilado nas pradarias
da Escócia, de seu esconderijo no alto, serviu-nos e o le-
vou de volta.
Olhamos uns pros outros, dizendo-nos sem palavras:
"Quer dizer que é um só mesmo!" Consumimos nossa dose,
alegamos outro compromisso e fomos continuar os traba-
lhos no Ideal.
Gosto de copos baixos, amplos e pesados que te-
nham, como devem ser as mulheres, algo em que se segu-
rar, se pegar. Tenho balde de gelo enorme que dá pra
82 A LUSTOSA DA COSTA
NASCEU!
84 A LUSTOSA DA COSTA
LANÇAMENTO NO IDEAL
ATÉ AGORA
86 A LUSTOSA DA COSTA
ESTES ADORÁVEIS MENTIROSOS
88 A LUSTOSA DA COSTA
daria os originais da obra, já compostos. Passei a viver os
terrores da véspera. Tornei-me prisioneiro do prazo. Eu,
que há dias, semanas, meses, aguardo o desenrolar da
novela de minha novela, fiquei a sofrer a angústia da espe-
ra. E, depois, muito mais, a frustração da espera sem che-
gada, sem encontro. Muito mais que antes, quando não
havia um marco, uma previsão delimitando minhas sofri-
das expectativas. Ah, que parto mais demorado, que parto
de mula!
Se vocês encontrarem "Gente feliz com lágrimas,
deste açoriano João Melo, comprem-no. E vão logo para
casa, sem perder um minuto. Para conhecê-lo. Na hora.
Não deixem para depois. O romance vale, como Paris, uma
missa. Seu "Dicionário de Emoções poderia chamá-lo li-
vro de crônicas talvez - também me tocou. A ponto de
copiar a mão, tal como fazia nos tempos de adolescente
no Seminário, todo um capítulo edipiano sobre a mãe. Para
ver se aprendo a escrever. Se melhoro minha escritura.
Talvez não consiga - vocês não poderão, porém, dizer que
nem tentei. Ontem à noite, lia e copiava "Dicionário de
Emoções" e ouvia músicas de seresta na voz de Francisco
Petrônio e Dilermando Reis e lembrava Guilherme Neto
cantando na velha PRE -9, no programa "Um Seresteiro
canta em surdina". Vivi um instante de prazer. Um mo-
mento feliz. Para ser completo, só me faltou mesmo o
melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado de que
falava Vinícius, o scotch. Um dia ele volta. Aí, então, esta-
rei a um passo do Paraíso.
90 A LUSTOSA DA COSTA
parte é verdade. Mas se todos os amigos que tenho e que
estão ricos, cada vez mais ricos, tivessem tais gestos, eu estaria
viajando à Europa mais que comissário de vôo internacional.
SAUDADE
No restaurante me ofereceram um Bairrada Sãojoão.
Não posso recusá-lo. Afinal, quem me tornou familiar des-
se vinho foi meu saudoso amigo Manuel Dias Branco, que
o tinha como preferido na garrafeira de sua casa solarenga
em Aveiro. Sorvo o líquido, lembrando as nossas Conver-
sas dantanho, suas estórias do Ceará e da Fortaleza dos
anos 30 e seu sense of humour que tanto apreciava.
BOM LIVRO
92 A LUSTOSA DA COSTA
ARI, SETENTÃO
QUE CALOR
94 A LUSTOSA DA COSTA
ticoncepcional. Não havia ar condicionado. Aliás, aqui para
nós, um dia desses, Raquel me repreendeu porque não fui
politicamente correto, ao dizer que seria muito mais feliz
se no Brasil não fizesse tanto calor. Devia ter dito que
minha ventura seria total quando não houvesse mais mas-
sacres da PM, morte violenta de índio, prostituição infantil,
crianças sem escolas. Aliás, tudo isso era bom que desapa-
recesse e esta canícula também, não vou negar. Insisto em
que o mundo seria muito melhor se tivesse, todo ele, ar
condicionado. Principalmente aqui na América e na África.
O deputado Alberto Silva, candidato a prefeito de Teresina,
propôs colocar ar condicionado na capital piauiense e foi,
por isso, injustamente ridicularizado. Devia ter proposto a
ampliação de tal melhoramento ao continente e estaría-
mos todos com ele. Tempo bom é o de hoje.
96 A LUSTOSA DA COSTA
diploma sem necessidade de aprender, sequer de compa-
recer às aulas. Para que serve este Cooper De que vale o
expediente do "barnabé" Que utilidade real tem o curso
assim porcamente feito
Isso me traz de volta a velha questão: a quem quer
enganar o mentiroso Pra mim, mentiroso é um cara a quem
a realidade não agrada. Como não aceita o mundo real,
cria um irreal só para ele. Refugia-se na fantasia que en-
gendra, nas fábulas que cria. E ali vive feliz. Muitos de nós
pregamos tais mentiras, sem que saibamos, ao certo, se
elas são proferidas para autoludibrio, para nos enganar a
nós mesmo ou se pra enrolar a terceiros.
É o caso do sujeito que nega a idade, que a diminui,
contra toda a evidência. Como ficam seus colegas de infân-
cia, de curso primário, dos que viveram, com ele, várias
etapas da existência Também encurtam o número de seus
anos, imitando a mentir, ou desmascaram o falso jovem
Tem ainda o que pinta o cabelo de negro para se
dar e dar aos outros a ilusão do rejuvenescimento. A quem
engana? Às mulheres? Aos contemporâneos? Aos velhos?
Aos moços? Vai-se ver: a ninguém. Esses milagres da tinta
não diminuem idade de ninguém. No entanto, muitos a
eles recorrem e se sentem bem com a desaparição das cãs,
com a subtração de décadas que lhes pareciam excessivas.
A gente mente pra autocontentamento. (1997).
98 A LUSTOSA DA COSTA
MEU QUERIDO DIÁRIO
AR-CONDICIONADO
16/04/95).
11.07.1973)
(1970).
19.02.1971).
29.12.1970).
(1970)
(1970)
1970)
(1970)
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1970)
(1970)
(1970)
(28.10.1970)
(10.11.1970)
01.11.1970)
(1970)
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1970)
1970)
03.12.1970)
14.01.1971)
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11.01.1972)
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01.03.72)
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02.12.1970)
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