Artigo Intertextualidade
Artigo Intertextualidade
Artigo Intertextualidade
Introdução
A realização desta pesquisa partiu da observação de que mesmo estando em
alta os estudos sobre gêneros, ainda há muitas lacunas ao que diz respeito à
competência metagenérica e à intergenerecidade no ensino de língua.
Essa observação se deve à reflexão sobre os objetivos apresentados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN), que evidenciam o
ensino de gêneros textuais, além disso, constata-se, de acordo com exames
realizados pelo SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo) e pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que a competência
leitora em nosso país está em baixa,
Isto posto, é objetivo deste trabalho analisar três grupos de textos
constituídos por diferentes gêneros, que apresentam intertextualidade
intergenérica, a fim de verificar como a competência metagenérica propicia a
interação entre texto e leitor. Consequentemente, a reflexão sobre a importância
da intervenção do professor no ensino de leitura se configura como fator de
destaque para a realização dessa pesquisa.
Ressalta-se que o objetivo desse trabalho não é prescrever estratégias
eficazes de leitura para os diferentes gêneros intertextuais. Antes, visa-se
investigar a importância de um ensino de leitura em que predomine a articulação
entre a teoria e a prática, ou melhor, a relevância da intertextualidade genérica
transposta na prática docente, levando os alunos a compreender a relativa
estabilidade presente nos gêneros textuais e consequentemente, ampliando sua
capacidade leitora.
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Atualmente é grande a quantidade de livros e estudos sobre os gêneros
textuais. Trata-se de um tema muito debatido por estudiosos que enfatizam a
importância de o ensino de língua centrar-se em gêneros.1
[...] os gêneros não podem nunca ser objeto de uma classificação racional, estável e
definitiva. Primeiro, porque, do mesmo modo que as atividades de linguagem de que
procedem, eles são tendencialmente ilimitados; segundo porque os parâmetros que
podem servir de critério de classificação (finalidade humana geral, questão social
especifica, conteúdo temático, processos cognitivos mobilizados, suporte mediático,
etc.) são, ao mesmo tempo, pouco delimitáveis e em constante interação; enfim, e
sobretudo, porque uma tal classificação não pode se basear no único critério
facilmente objetivável, a saber nas unidades linguísticas que neles são empiricamente
1
Convém destacar que existem teorias que abordam os gêneros de formas distintas – gêneros textuais
e gêneros do discurso. Segundo Lajolo (2005) as teorias sobre os gêneros textuais centram-se na
descrição da materialidade textual e as teorias sobre os gêneros do discurso nos estudos das condições
de produção dos enunciados/textos e seus aspectos sócio-históricos. Porém, vale ressaltar que, para a
realização desta pesquisa, será adotada a denominação gêneros textuais, uma vez que ambas as
perspectivas sobre gênero advêm das teorias bakhtinianas e, mesmo havendo via metodológicas
diversas, todas recaem sobre a observação de enunciados e textos pertencentes a um gênero. Torna-se,
portanto, irrelevante diferenciar aqui gêneros textuais de gêneros do discurso. Portanto, será assumido
o termo gêneros textuais, mantendo a nomeação de alguns autores referenciados neste trabalho como,
por exemplo, Scheuwly (2004).
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observáveis. Qualquer que seja o gênero a que pertençam, os textos, de fato, são
constituídos, segundo modalidades muito variáveis, por segmentos de estatutos
diferentes (segmentos de exposição teórica, de relato, de diálogo, etc.). E é
unicamente no nível desses segmentos que podem ser identificadas regularidades de
A questão da intertextualidade
O surgimento da intertextualidade se deu, segundo Fiorin (2006), devido à
obra de Julia Kristeva ao realizar uma notável discussão acerca das teorias
bakhtinianas. Para ela, seus estudos demonstram que o discurso literário seria um
cruzamento de superfícies textuais, revelando que a noção de intersubjetividade
encontra-se atrelada à intertextualidade.
Concomitantemente, Koch, Bentes e Cavalcante (2007, p.17) afirmam que a
intertextualidade ocorre quando ―em um texto está inserido outro texto (intertexto)
anteriormente produzido, que faz parte da memória social ou de uma coletividade
ou da memória discursiva dos interlocutores‖, ou seja, é quando um texto se
remete a outros ou a fragmentos de textos, estabelecendo certo tipo de relação.
Desse modo, as autoras ressaltam que diversos tipos de intertextualidade têm
sido apresentados: temática, estilística, explícita, implícita, autotextualidade,
intertextualidade intergenérica e intertextualidade tipológica. Sendo assim,
brevemente, seguem as definições de cada uma delas, conforme as concepções das
autoras.
A intertextualidade temática pode ser entendida como a comunhão de temas
em textos distintos, ou seja, textos que apresentam a mesma área de
conhecimento ou saber, por exemplo, matéria da mídia em geral, que durante certo
período trata o mesmo assunto, textos científicos que abordam a mesma área de
saber, entre outros.
Já a intertextualidade estilística está ligada a imitação, paródia de certos
estilos e variedades linguísticas – de acordo com os propósitos do produtor do
texto. Entre eles destacam-se: um dialeto, reprodução da linguagem bíblica, jargão
profissional etc.
No que diz respeito à intertextualidade explícita, as autoras afirmam que ela
ocorre quando encontra-se no texto menção à fonte do intertexto, isto é, quando
outro texto ou fragmento é citado diretamente. Exemplo disso são referências,
menções, resumos, resenhas, discurso de autoridade em textos argumentativos.
Observa-se intertextualidade implícita quando é introduzido, no próprio texto,
um intertexto alheio sem qualquer menção da fonte. Neste caso, o produtor espera
que o leitor/ouvinte seja capaz de identificar ou reconhecer o intertexto. O
intertexto torna-se indispensável para a construção de sentidos. Um exemplo de
intertextualidade implícita são as paráfrases.
A intertextualidade tipológica é entendida como a possibilidade de observação
de determinadas sequências ou tipos textuais, em um conjunto de características
comuns ao que se refere à estruturação, seleção lexical, uso de tempos verbais,
advérbios e outros elementos dêiticos.
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Deste modo, ao retomar as afirmações de Van Dijk (1983), as autoras
afirmam que é possível a construção de modelos mentais tipológicos específicos
que o estudioso denomina de superestruturas.
A intertextualidade intergenérica
Bazerman (2007), ao discorrer sobre intertextualidade, enfatiza que os textos
não surgem isoladamente, mas sempre em relação a outros. Sendo assim, a
compreensão de como se utiliza a intertextualidade – como leitores e escritores –
possibilita um aperfeiçoamento das práticas sociais, sejam elas individuais ou
coletivas.
Essas práticas, segundo as autoras, determinam os gêneros textuais em sua
forma composicional, conteúdo temático, estilo, circunstâncias de uso e estilos
próprios. As autoras também afirmam que:
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gêneros. São estes: forma estrutural; propósito comunicativo; conteúdo; meio de
transmissão; papéis dos interlocutores e contexto situacional.
Vale ressaltar que esses critérios atuam em conjunto, visto que os nomes
Contextualizando a pesquisa
4106
O traço comum, presente nos textos que constituem o grupo A, se
caracteriza pelo fato de o poema ser um gênero literário estruturado, geralmente,
por versos e estrofes. Além disso, a forma de expressão linguística se encarrega de
(1)texto: poema
Receita
Ingredientes
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
4107
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos Beatles
Modo de preparar
2
BEHR, Nicolas. ―Receita‖. Disponível em <http://www.tanto.com.br/nicolasbehr-livrinhos.htm>. Acesso
em: 08 dezembro 2008.
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CARTA-POEMA
Um poeta já sexagenário,
Que não tem outra aspiração
Senão viver de seu salário
Indiferentes ao capricho
Das posturas municipais,
A ele jogam todo o seu lixo
Os moradores sem quintais.
Excelentíssimo Prefeito
Hildebrando Araújo de Góis
A quem humilde rendo preito,
Por serdes vós, senhor, quem sois!
3
Poema extraído do livro "Manuel Bandeira - Antologia Poética", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro,
2001, pág. 221.
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No grupo B a intertextualidade entre os gêneros pode ser encontrada no
texto 3, justamente por constatar que é a competência metagenérica que orienta a
interação do pressuposto leitor com o texto.
Comportamento do turista
Recomendações
4
NOVAES, Carlos Eduardo. A cadeira do dentista & outras crônicas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
Para gostar de ler, v. 15.
4110
coletânea de crônicas – entretanto, sua constituição se apresenta sob a forma de
lista de sugestões.
Neste caso é preciso considerar o evento comunicativo para visualizar a
(5)Texto: crônica
5
CONY, Carlos Heitor. Receita para tirar o cavalo da chuva. Folha On-Line, 09 set. 2003. Disponível em:
<http: //www.folha.uol.com.br/folha/pensata/Cony.shtm> Acesso em: 24 agost. 2003.
4111
No texto 5 a competência metagenérica permite que se verifique a utilização
do gênero anúncio sentimental para a realização da propaganda do cartão Visa.
Pressupondo que o leitor não conheça anúncios sentimentais, esse texto não
será significativo, pois sua intergenerecidade ocorre por meio da relação entre a
função da propaganda – persuadir seu consumidor – e do anúncio sentimental –
procurar um parceiro para relacionamento. O primeiro gênero se apropria do
segundo para evidenciar o produto.
Já no texto 6 o conhecimento sobre os gêneros publicitários também se faz
necessário, visto que a propaganda do condomínio Riviera se mescla ao gênero
carta. Nesse texto, é a carta destinada a um casal que possibilita ao
interlocutor/consumidor conhecer as vantagens de se morar nesse condomínio.
6
Esse texto foi retirado do livro Introdução ao Pensamento de Bakhtin, de José Luiz Fiorin, 2008, p.71.
7
Anúncio: Condomínio Riviera de São Lourenço. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 01 fev. 2008.
Internacional, Caderno A, p. 15.
4112
Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Curitiba 2011
Figura 1. Suporte textual: jornal
Considerações finais
No trabalho desenvolvido procurou-se enfatizar a importância da competência
metagenérica, buscando uma forma de contribuir com o ensino de leitura através
de estudos e compreensão sobre as teorias para apresentar possíveis estratégias
no ensino de leitura.
A partir das considerações teóricas a respeito dos gêneros textuais entende-
se que a compreensão do texto depende da identificação de sua função sócio-
comunicativa e das relações de interação entre os leitores em busca de elementos
que lhe auxiliem na construção de sentidos, visto que a vivência cultural humana
está alicerçada na linguagem, e todos os textos situam-se nessas vivências
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solidificados em gêneros, isto é, na materialização de textos nas mais diversas
situações comunicativas.
Consequentemente, a compreensão do gênero exige do leitor competências
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In. BAKHTIN, M. Estética da criação
verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 277-326.
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BAZERMAN, C. Escrita, gênero e interação social. Organização: Angela Paiva
Dionísio; Judith Chambliss Hoffnagel.São Paulo: Cortez, 2007.
______ Gêneros textuais, tipificação e interação. Organização: Angela Paiva
______ Como lemos: Uma Concepção Não Escolar do Processo. In. KLEIMAN, A.
Oficina de Leitura: Teoria e Prática. 6. ed. Campinas-SP: Pontes, 1998. p. 31-46.
ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais. In. MEURER, J. L.; BONINI, A.;
MOTTA-ROTH, D. (orgs.) Gêneros, teorias, métodos e debates. 2. ed. São
Paulo: Parábola Editorial, 2005. p. 184-207.
4115
SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2004. Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís Sales
Cordeiro.
4116