Disserta O. Alisson Soares 2009. Sociologia e Sociobiologia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Alisson Magalhães Soares

SOCIOLOGIA E SOCIOBIOLOGIA:
AUTONOMIA VS. (SOCIO)BIOLOGIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA

Belo Horizonte
2009
Alisson Magalhães Soares

SOCIOLOGIA E SOCIOBIOLOGIA:
AUTONOMIA VS. (SOCIO)BIOLOGIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia do Departamento de
Sociologia e Antropologia da Universidade
Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de
Mestre em Sociologia.

Linha de Pesquisa: Teoria e Métodos em Ciências


Humanas
Orientador: Prof. Renan Springer de Freitas
Universidade Federal de Minas
Gerais
Soares, Alisson Magalhães
Sociologia e Sociobiologia: Autonomia vs. (Sócio)Biologização da
Sociologia [manuscrito] / Alisson Magalhães Soares. - 2009.
177 f. enc.

Orientador : Renan Springer de Freitas.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais,


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

Bibliografia : f. 173-182

1. Sociobiologia. 2. Psicologia Evolucionista. 3. Sociologia. 4.


Modelo Padrão das Ciências Sociais. 5. Fundamentação das Ciências
Sociais. I. Freitas, Renan Spinger de. II. Universidade Federal de
Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
Agradecimentos

Diferentes pessoas contribuíram de diferentes maneiras para a realização


deste trabalho.
Ao meu orientador, Renan Springer de Freitas, pela paciência,
disponibilidade, por entender o propósito e por acreditar na possibilidade deste trabalho.
Aos membros da banca, Renarde Freire Nobre e Raul Magalhães por gentilmente
aceitarem participar e contribuir com esta empreitada.
À Flávia e à minha família pela paciência durante todo este processo.
Ao pessoal da sala de estudos da pós em Sociologia e Antropologia, aos
membros do Grupo de Estudos em Filosofia da Biologia (em especial ao Celso Neto) e
do Grupo de Estudos em Weber (Bruno Caixeta, Cássio Benjamin e Kirlian Siquara),
que muitas vezes através mesmo de conversas informais ajudaram a apontar problemas
e possibilidades no tema aqui proposto.
À John P. Jackson, Jr, da Universidade do Colorado e à Alexander
Rosenberg da Universidade de Duke que gentilmente cederam alguns de seus trabalhos,
apesar de não tê-los utilizados diretamente aqui.
Ao CNPq pela bolsa de estudos que tornou possível grande parte do
trabalho aqui desenvolvido.
„Das Schicksal einer Kulturepoche, die vom Baum der
Erkenntnis gegessen hat, ist es,[...]daß
»Weltanschauungen« niemals Produkt fortschreitenden
Erfahrungswissens sein können“
O Destino de uma época cultural que já comeu da árvore
do conhecimento, é que... ‘visões de mundo’ não mais
podem ser produtos do avanço do conhecimento empírico.
(WEBER, 1904, p.154).

“a hierarquia das ciências de Comte nada mais é do que o


esquema de um caturra ou escrupuloso, que não entendeu
que há disciplinas que tem fins cognoscitivos totalmente
diversos, a partir dos quais cada ciência, partindo de
determinadas experiências cotidianas imediatas, deve
sublimar e elaborar o conteúdo deste conhecimento “não-
científico” de pontos de vista que são diferentes e que
possuem total autonomia”. (WEBER, 2001b, p.302).

“embora... não recomende falar de dois tipos de


substâncias interatuantes... penso ser útil distinguir dois
tipos de estados (ou eventos) interatuantes, os físico-
químicos e os mentais... deveríamos distinguir também
aqueles artefatos que são produtos de organismos... temos
de ser não simplesmente dualistas, mas pluralistas.
(POPPER, 1999 [1972], p.231).
Resumo: Desde meados da década de 1970, a Sociobiologia - disciplina
nascida de um novo enfoque na Biologia (o gene como objeto por excelência da seleção
natural, e não mais o organismo, grupo ou espécie) - se ocupa de estudar o
comportamento social de todos os animais, inclusive o homem, e de como os
comportamentos sociais teriam se originado evolutivamente. Por acreditar ser a mais
geral das disciplinas referente aos animais, acredita então ser natural fornecer um
fundamento biológico às ciências humanas e às humanidades, bem como à ética e à
epistemologia. Tal intento tem sido hoje levado adiante em alguns desses pontos pela
Psicologia Evolucionista, disciplina assumidamente filha da Sociobiologia. Nesta
dissertação me ocupo de tentar estimar o quão bem ambas as disciplinas entenderam as
ciências sociais que criticam, e tentar avaliar em que medida uma abordagem
sociobiológica seria útil ou mesmo crucial para as ciências sociais.

Palavras chave: Sociobiologia, Psicologia Evolucionista, Modelo Padrão


das Ciências Sociais, Fundamentação das Ciências Sociais.
Abstract. Since the 1970’s the Sociobiology, a discipline borned from a new
focus in Biology (i.e. the gene as the main focus of natural selection, instead of group or
species) engage in the study of social behavior of all animals, Humans included, and
engage too in the study of how certain behaviors aroused evolutionarily. How it is the
more general discipline about animals, sociobiology believes that can and must furnish
a biological basis to the human sciences, humanities, ethics and epistemology. Such aim
is followed today by the Evolutionary Psychology, an assumed daughter discipline of
Sociobiology. This dissertation try to evaluate how well both disciplines understood the
social sciences so criticized by themselves, and how well a sociobiological approach
can be useful or even crucial to the social sciences.

Key Words: Sociobiology, Evolutionary Psychology, Standard Social


Sciences Model, Fundament of Social Sciences.
Zusammenfassung. Seit dem 1970 Jahrzehnt, Soziobiologie – ein
Fachgebiet, die aus einer neuen Auffassung in Biologie geboren hat: die Gene als
Hauptgegenstand der natürlichen Zuchtwahl, und nicht mehr die Organismus, Gruppe
oder Art – beschäftige sich mit der Betrachtung des soziale Handeln der allen Tiere,
einschließlich der Mensch, und wie der soziale Handeln durch die Evolution entsteht
hat. Weil sie glaubt, dass sie das allgemeinste Fachgebiet der allen Tiere ist, glaubt sie
auch, dass sie Biologische Grundlage für die Ethik, Wissenschaftslehre, Sozial- und
Geisteswissenschaften geben muss. Diese Versuch geht weiter heute mit der
Evolutionspsychologie, ein tochteres Fachgebiet von Soziobiologie. In diese
Dissertation, versuche ich festzustellen, wie gut hat beiden Fachgebiete die
Geisteswissenschaften gut verstanden, die sie so viel kritisiert haben, und versuche ich
auch zu bewerten, wie eine Soziobiologische Auffassung nutzbar oder entscheidbarfür
die Sozialwissenschaft sein können.

Schlüsselwörter: Soziobiologie, Evolutionspsychologie,


sozialwissenschaftliches Standardmodell, Grundlagen der Sozialwissenschaften.
Índice
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................12
1.1. REPERCUSSÕES DA SOCIOBIOLOGIA- J USTIFICAÇÃO DO TEMA ..................................................... 13
1.2. EVITANDO ALGUNS ERROS COMUNS ............................................................................................. 15

2. SOCIOBIOLOGIA, SOCIOBIOLOGIA HUMANA E CIÊNCIAS SOCIAIS............................18


2.1. BREVE HISTÓRIA DA SOCIOBIOLOGIA .......................................................................................... 18
2.2. CRÍTICAS À SOCIOBIOLOGIA ......................................................................................................... 23
2.2.1. Nascimento da Psicologia Evolucionista .................................................................. 26
2.3. A REAÇÃO NAS C IÊNCIAS SOCIAIS................................................................................................ 29
2.3.1. Antropologia.............................................................................................................. 29
2.3.2. Sociologia.................................................................................................................. 32
2.4. DIAGNÓSTICO E CURA DAS C IÊNCIAS SOCIAIS SEGUNDO A SOCIOBIOLOGIA ................................ 35
2.4.1. O Diagnóstico: Ciências Sociais estão atrasadas, não têm leis científicas .............. 35
2.4.2. Motivo do atraso: Falta de Biologia......................................................................... 36
2.4.3. Ciências sociais negariam a biologia ao defender sua autonomia acadêmica......... 39
2.4.4. A cura. Fiat Lux nas Ciências Sociais....................................................................... 41
2.5. MODELO PADRÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS: UM INIMIGO REAL?.................................................... 46
2.5.1. Durkheim, o grande satã da Sociobiologia............................................................... 48
2.5.2. Organicismo vitalista, superorganismo, e a suposta negação do indivíduo ............. 52
2.5.3. A suposta negação da universalidade humana ......................................................... 56
2.5.4. A suposta negação de aspectos inatos....................................................................... 58
2.5.5. As supostas negações do evolucionismo e da conexão homem com o reino animal . 62
2.5.6. Conclusão do capítulo 2.5: como a Sociobiologia fracassou na compreensão das ciências
sociais .................................................................................................................... 69
2.6 DISTINÇÃO: RELAÇÃO ONTOLÓGICA VS. EPISTEMOLÓGICA .......................................................... 72
2.6.1. Sobre o reconhecimento de problemas específicos ................................................... 76

3. POSSÍVEIS VIAS PARA A (SÓCIO)BIOLOGIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS...............78


3.1. 1ª VIA: MONISTA .......................................................................................................................... 78
3.2. 2ª VIA: CONSILIENTE .................................................................................................................... 83
3.2.1. A sociobiologia não foi a única a tentar fundar as Ciências Sociais nas Ciências Naturais86
3.2.2. A sociobiologia não é a única a representar as Ciências Naturais nem a Biologia evolutiva
............................................................................................................................... 89
3.2.3. Diversidades de Sociobiologia ....................................................................................... 93
3.2.4. Disparidade de objetivos................................................................................................ 93
3.2.5. Disparidade nos fundamentos ........................................................................................ 94
3.2.6. Discutindo o princípio Consiliente................................................................................. 97
3.3. 3ª VIA. SUBSTITUIÇÃO DOS PROBLEMAS DAS C IÊNCIAS SOCIAIS .................................................. 99
3.4. 4ª VIA: PSICÓLOGICA. ................................................................................................................. 103

10
3.4.1. Estudo de casos: Paradoxo do Voto, Dilema do Prisioneiro, Ação Coletiva, e Sistemas
Matrimoniais........................................................................................................ 104
3.4.2. Universais..................................................................................................................... 110
3.4.2. Ambigüidade dos universais psicológicos............................................................... 110
3.4.3. Universais não são tão rígidos, há desvios ............................................................. 112
3.4.5. Possíveis Respostas da Sociobiologia .......................................................................... 114
3.4.6. O Papel de Universais nas Ciências Sociais................................................................ 116
3.5. 5ª VIA: CIÊNCIAS SOCIAIS COMO SOCIOBIOLOGIA APLICADA ..................................................... 122
3.5.1. Efeito Westermarck - Tabu do Incesto .................................................................... 123
3.5.2. Infanticídio .............................................................................................................. 127
3.5.3. Efeito Cinderela - Maus-tratos à crianças.............................................................. 130
3.5.4. Ciúmes conforme o sexo.......................................................................................... 134
3.5.5. Apreciação .............................................................................................................. 135
3.6. 6ª VIA: IMPOSIÇÃO DE LIMITES À VARIAÇÃO SÓCIO-CULTURAL.................................................. 136
3.6.1. Tabu do incesto ............................................................................................................ 138
3.6.2. Papéis de gênero .......................................................................................................... 141
3.6.3.Comunismo e estratificação social................................................................................ 144
3.7. 7ª VIA: ANALOGIA ...................................................................................................................... 152
3.8. 8ª VIA. RACIONALIDADE SOCIOBIOLÓGICA INCONSCIENTE ......................................................... 155
3.9. O RECUO – A SOCIOLOGIA NÃO BIOLÓGICA DA SOCIOBIOLOGIA................................................ 162

CONCLUSÃO.........................................................................................................................................165
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................169

11
1. Introdução

Hodiernamente a biologia tem se tornado para muitos “o modelo” por excelência


de ciência e de cientificidade. Ciências desta área e de áreas afins como as neurociências têm
recebido cada vez mais destaque no espaço público e biólogos têm participado cada vez mais
de debates sobre os rumos que nossas sociedades devem tomar. Freqüentemente anunciam-se
novas descobertas de genes ligados a algum tipo de comportamento, como homossexualidade,
depressão e agressividade, ou através de mapeamento cerebral tem-se anunciado descoberta
de diferenças inatas entre homens e mulheres. Questões que pareciam enterradas como
“eugenia”, “origem inata de comportamentos” têm voltado à tona, e livros de auto-ajuda
embasados nestes novos conhecimentos explicam as diferenças entre homens e mulheres,
figuram entre os mais vendidos. Outras discussões mais novas, como a questão dos
transgênicos, vêm recebendo cada vez mais atenção. Mas tais descobertas não deixam de
levantar reações e controvérsias em seus próprios campos de origem, onde muitos cientistas
naturais contestam tais estudos, seja contestando tais teorias na sua formulação e
pressupostos, seja empiricamente. Em meio a este interesse crescente na biologia vem
crescendo também a Sociobiologia e a Psicologia Evolucionista.
A Sociobiologia e a Psicologia Evolucionista são duas disciplinas aparentadas,
mas não idênticas, que não têm por objetivo identificar como genes específicos estão
vinculados a certos tipos de comportamento, como nos casos citados anteriormente, apesar de
pressupor este tipo de relação. Isto seria função da genética comportamental. A sociobiologia
procura sim explicar como certos tipos de comportamentos emergiram ao longo da evolução,
ou como certos tipos de comportamento foram moldados pela seleção natural. A primeira, em
sua definição “clássica” é entendida como “estudo das bases biológicas de todo
comportamento social” de formigas à seres humanos, e a segunda é sua disciplina filha e tenta
corrigir os erros de sua disciplina mãe. Ambas acreditam poder trazer mudanças profundas
para as ciências sociais e têm obtido certa repercussão. Dificilmente encontraremos livros de
sociobiologia e psicologia evolucionista, inclusive aqueles voltados ao grande público, que
não contenham críticas abertas às ciências sociais, propondo que a sociobiologia e a
psicologia evolucionista seriam de grande valia para uma nova ciência social. Se conseguiram
êxito real, ou se podem conseguir algum êxito, e até que ponto, é algo que pretendo discutir
nesta dissertação.

12
Por questão de praticidade, chamarei de “sociobiólogos” – com letra minúscula,
com conotação mais ampla – tanto Sociobiólogos – com letra maiúscula, denotando nome
próprio – quanto Psicólogos Evolucionistas.

1.1. Repercussões da Sociobiologia- Justificação do Tema

Uma recente pesquisa realizada pela Prospect e Foreign Policy sobre qual o
intelectual vivo mais influente no mundo, mostrou um fenômeno novo e interessante.
Biólogos têm aparecido não somente como cientistas, mas também como “intelectuais”. Atrás
de Noam Chomsky (1º lugar) e Humberto Eco (2º lugar) apareceram diversos sociobiólogos
como o zoólogo Richard Dawkins em terceiro lugar, Jared Diamond em nono, o filósofo
Daniel Denett em vigésimo quarto, Steven Pinker em vigésimo sexto e Eduard O. Wilson em
trigésimo primeiro. Outro dado interessante refere-se ao fato que sociólogos renomados
ficaram atrás desses sociobiólogos. Por exemplo, Jürgen Habermas ficou em sétimo, Eric
Hobsbawn em décimo oitavo, Samuel Huntington em vigésimo oitavo, Giddens em trigésimo
quinto, Fernando Henrique Cardoso em quadragésimo terceiro e Geertz em qüinquagésimo -
quinto (FOLHA DE SÃO PAULO, 2005). Apesar de não podermos atribuir o sucesso de
Dawkins e Wilson exclusivamente à sociobiologia (Dawkins é conhecido pela sua cruzada
pró-ateísmo e Wilson tem defendido temas ligados à ecologia), esta não deixa de ter
importância. Talvez haja uma sobre-representação nesta pesquisa, e sociobiólogos não sejam
tão influentes assim, mas sua influência existe, e não é nada desprezível. Steven Pinker já
figurou numa lista das cem pessoas mais influentes do mundo segundo a Times e por pouco
não ganhou um Pulitzer com o seu livro Tábula Rasa. Já Wilson ganhou dois Pulitzers, sendo
um dos livros dedicados à sociobiologia humana, e o prêmio na categoria não-ficção1 e seu
livro “Consilience” figurou na lista dos livros mais vendidos da New York Times.
A sociobiologia parece ganhar cada vez mais espaço no terreno extra-acadêmico.
A literatura de auto-ajuda de inspiração sociobiológica tem se mostrado altamente lucrativa.
Entre os livros mais vendidos, não é raro encontrar algum que explique as diferenças entre os
sexos conforme os últimos avanços das ciências naturais, isto é, sociobiologia. O livro Why
Men Don’t Listen & Women Can’t Read Maps traduzido no português por Por que os
Homens Fazem Sexo e as mulheres fazem amor? vendeu mais de 12 milhões de cópias e foi

1
“reconheço que era um prêmio literário, e não validação científica” disse (WILSON, 1994, p. 336).
13
traduzido para 31 línguas segundo o site dos autores2. Outro best-seller, “Homens são de
Marte, Mulheres de Vênus” foi o livro mais vendido da década e 90, só perdendo para a
Bíblia. Virou até Musical após vender mais de 40 milhões de cópias em 45 idiomas3. Outros
livros de divulgação direta da sociobiologia, como O Animal Moral do jornalista Robert
Wright e Good-Natured de Franz de Waal figuraram na lista dos best-sellers da New York
Times por dois anos. (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 308 e 396).
Mas a sociobiologia tem chegado também às Ciências Sociais. Enciclopédias e
dicionários de Ciências Sociais como a Encyclopedia of Sociology de Macmillan Reference
têm alguns artigos sobre sociobiologia 4. Alguns livros-texto têm aceitado artigos de
sociobiologia 5, ou mesmo adotado a leitura que a sociobiologia faz das ciências sociais
(ERIKSEN & NIELSEN, 2001. p. 166, 169)6; associações de ciências sociais têm
reconhecido a sociobiologia, como a American Sociological Association que premiou a tese
de Jeremy Freese (2000) sobre a potencialidade da sociobiologia à sociologia e a American
Anthropological Association que aceitou em 2006 a Evolutionary Anthropology Society como
uma de suas seções. Diversas revistas foram criadas, como Politics and the Life Sciences;
Ethology & Sociobiology; Human Nature; Behavioral and Brain Sciences, Journal of Social
and Evolutionary Systems (anteriormente Journal of Social and Biological Structures);
Evolutionary Anthropology. Foram criadas também associações interdisciplinares Human
Behavior and Evolution Society (HBES) e a European Sociobiological Society (ESS).
Os Estados Unidos e, talvez um pouco menos, a Grã-Bretanha, parecem ser os
locais onde a sociobiologia encontra maior repercussão. No Brasil não tem sido radicalmente
diferente, apesar de aparentemente com uma intensidade muito menor. Héctor Leis (2000)
reclamava do desdém dos sociólogos com relação à sociobiologia, Ricardo Waizbort (2005,
2009) tem ecoado e tentado divulgar teorias sociobiológicas nas ciências sociais. Além disso,
já não é nada incomum nos depararmos com sociobiologia e psicologia evolucionista em
revistas e jornais de grande circulação, seja de divulgação científica, seja de conteúdo mais
geral.

2
Conforme site oficial dos autores, em http://www.peaseinternational.com/shopexd.asp?id=35
3
Conforme site oficial do autor, em http://www.askmarsvenus.com/dr-john-gray.php
4
Como os verbetes “Ethnicity”, “Evolution: Biological, Social and Cultural”, “Genocide”, “Human Nature”,
“Aggression”, “Altruism”, etc.
5
Ver por exemplo os capítulos 20 e 21 de “Handbook of Social Theory” de Stephen Turner onde há artigos dos
sociólogos sociobiólogos Joseph Lopreato e Stephen Sanderson.
6
Há uma versão em português desse livro pela Editora Vozes, sob o título “História da Antropologia”.
14
1.2. Evitando alguns erros comuns

Antes de começarmos o debate, vale à pena destacar alguns pontos importantes


para evitar discursos prontos recorrentes nestes debates.
Primeiro ponto. Há nas ciências sociais e na biologia definições opostas quanto ao
conceito de “evolução” no que tange à noção de “progresso”. Na biologia, “evolução” não
tem nada a ver com “progresso”, por dois motivos: é extremamente problemática a noção de
se dizer que um ser é “mais evoluído” do que outro, e segundo, por não haver nenhuma
“tendência” para que formas “mais evoluídas” apareçam no processo evolutivo.
Um camelo não é “mais evoluído” que um peixe ou vice-versa, uma vez que cada
um está adaptado a meios completamente diferentes. Existe somente adaptação a condições
locais, bem específicas. Mesmo adaptações que propiciam adaptabilidade a uma maior gama
de ambientes não podem ser considerados “mais evoluídos”. O homem não pode ser
considerado “mais evoluído” pela enorme capacidade de adaptação a diferentes ambientes
proporcionada por um cérebro grande. Ter cérebros grandes não é garantia de adaptação:
coalas tiveram seus cérebros diminuídos como estratégia adaptativa para consumir menos
energia, certos tipos de esponja absorvem seu próprio cérebro após se fixarem em um local,
não necessitando mais desse dispendioso órgão, e por fim, bactérias se adaptam a ambientes
muito mais diversos e inóspitos do que o homem (deveríamos então dar às bactérias o título
de mais evoluídas?).
Além disso, a evolução biológica darwiniana é um processo não-linear, radicular,
sem nenhuma forma nem fins pré-estabelecidos, sem télos, e fortemente sujeita a fatores não
previstos. O homem é fruto de acidentes, não havendo necessidade evolutiva alguma para que
surgisse. Por outro lado, nas ciências sociais a menção ao termo “evolução” freqüentemente,
mas não sempre, evoca a idéia de “tendência ao progresso”. Portanto, ao se falar em
“evolução” não se diz necessariamente “tendência ao progresso”. É bem verdade que para
muitos nas Ciências Sociais o único significado para o termo “evolução” seria sinônimo de
progresso, mas não para todos. Como veremos mais tarde, muitos dos mais eminentes
sociólogos e antropólogos trabalharam com evolução, num sentido senão idêntico, ao menos
bastante próximo ao darwinismo.
Segundo ponto. O debate a seguir não se trata do debate natureza x cultura, nature
x nurture; também não se trata de disputa entre moderados e deterministas. Ambos os lados
gostam de se ver como “moderados” e seus opositores como os deterministas, sejam culturais

15
ou biológicos. Acredito que não há nenhum caso “puro” de determinismo neste sentido. Nem
mesmo Sócrates, para o qual até mesmo idéias específicas da geometria como o triângulo de
Pitágoras seriam inatas, poderia ser considerado um nativista puro, uma vez que um fator
ambiental, no caso seu método de parir idéias (a maiêutica), deveria desencadear o fenômeno
de rememoramento. Mesmo declarações como a do Nobel Walter Gilbert, que na década de
1980 afirmou de que dado um computador potente e o genoma humano, seria possível
calcular o indivíduo em sua totalidade: sua anatomia, fisiologia e comportamento, ainda assim
poderíamos interpretar que declarações deste tipo mais pretendem seduzir financiadores de
pesquisa do que expressar uma crença real ou convencer a comunidade científica. Segundo
Leite (2005), tal tipo de afirmação apareceu “quando o Projeto Genoma Humano ainda era
uma idéia em busca de patrocinadores” (2006, p. 423), e, por outro lado, como bem destacou
Tisdale (1939), nem o mais extremo relativista cultural negaria que a fome e o sexo são
fatores importantes no desencadeamento da ação. Afasto-me, portanto de leituras que vêm o
debate sociobiológico como cindido principalmente sobre a questão da presença ou ausência
de fatores inatos no homem. Também voltaremos a este ponto mais tarde. Não há defensores
do determinismo biológico estrito, e a sociobiologia não é exceção. Como bem destacaram
Boudon e Bourricard em seu Dicionário Crítico de Sociologia:

“... a sociobiologia humana não pode ser reduzida sem exagero nem ao darwinismo
social, que aparece com Spencer no século XIX, nem a um biologismo sumário. Não
se trata para os socobiologistas de reduzir o homem a seus aspectos biológicos e
menos ainda de fundar “cientificamente” uma ética que favoreça a “sobrevivência
do mais apto” (survival of the fittest). Também não se trata de negar a complexidade
da interação complexa entre natureza e cultura. O objetivo deles, tanto quanto se
possa percebê-lo, é antes tentar integrar o biológico à ciência do homem. (BOUDON
e BOURRICARD, 1993, p. 533, grifos no original).

Partirei aqui do princípio de que o debate se dá em termos mui diversos. Nem


mesmo a sociobiologia parte do determinismo biológico, nem seus críticos defendem o
determinismo cultural. De todo modo, voltaremos a este ponto mais tarde.
Também não acredito que a Sociobiologia seja inerentemente sexista. Se é
verdade que podemos encontrar declarações pessoais de sociobiólogos neste sentido, bem
como teorias que também vão neste sentido, vale lembrar que também podemos encontrar
teorias no sentido contrário.
Esta dissertação não se trata de uma crítica à sociobiologia como um todo, não se
trata de tentar defender a inaplicabilidade de teorias biológicas ao homem, nem mesmo a
inaplicabilidade de teorias sociobiológicas ao homem, ou de proclamar um abismo

16
instransponível entre homens e outros animais. Ater-me-ei à discussão sobre a necessidade de
teorias sociobiológicas nas ciências sociais. Discutirei aqui não a cientificidade da
sociobiologia, mas sim os ganhos teóricos de sua aplicabilidade a certa classe de problemas
típicos das ciências sociais, o que é bem diferente. Para tal, vou supor aqui uma sociobiologia
ideal, que não tenha problemas. Mas se mesmo assim puderem ser identificadas aqui críticas à
sociobiologia enquanto ciência, estas críticas aparecerão na medida em que auxiliarem nosso
problema de pesquisa.

17
2. Sociobiologia, Sociobiologia Humana e Ciências Sociais

2.1. Breve História da Sociobiologia

Existe certa controvérsia sobre aonde colocar o início da Sociobiologia.


Dependendo da versão, pode remontar aos livros populares em etologia7 humana das décadas
de 1960 e 19708, ou ainda aos pioneiros da matemática de populações como R.A.Fisher,
Sewall Wright e J.B.S.Haldane na década de 19309. Interessa-nos aqui somente a
Sociobiologia mais recente, por ser esta que pretende refundar as ciências sociais, e esta só
repercutiu na segunda metade da década de 1970. Tratarei, portanto, para usar os termos de
10
Sahlins (1976), da “sociobiologia científica”, e não da “sociobiologia vulgar” . Hamilton,
um dos mais importantes teóricos da sociobiologia, afirmou que três livros que defendiam
posturas mais ou menos comuns, mas escritos independentemente uns dos outros, poderiam
ser tidos como debut da disciplina: Sociobiology: The New Synthesis do entomologista
especialista em formigas Edward Osborne Wilson; O Gene Egoísta do zoólogo Richard
Dawkins e Biosocial Anthropology de Robin Fox (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 86). Em
comum, estes autores partiam de certa tradição da etologia no estudo do comportamento,
utilizando-se para isto do cenário evolutivo de onde o homo sapiens surgiu, mas
diferenciavam-se de seus predecessores pela defesa de uma nova perspectiva que então
emergia: a predominância do gene como principal foco da seleção natural, e não mais o
indivíduo ou o grupo ou a espécie, perspectiva essa que surgia com George C. Williams em
seu hoje clássico Adaption and Natural Selection de 1966. Tal perspectiva é tornada bem
clara no “gene’s eye view” numa definição repetida à exaustão “Somos máquinas de
sobrevivência – veículos robôs – programados cegamente para preservar as moléculas
egoístas conhecidas como genes” (DAWKINS, 2001 [1976], p. 17). No jogo evolucionário,
ganha quem fizer mais cópias de si mesmo. Comportamentos que não atendessem a este

7
Etologia é a disciplina da biologia que estuda o comportamento de animais.
8
como The Naked Ape de Desmond Morris, Men in Groups do antropólogo Lionel Tiger, Imperial Animal dos
antropólogos Tiger e Robin Fox, mas detacaram-se em popularidade On Agression do etólogo Konrad Lorenz e
The Territorial Imperative do antropólogo Robert Adrey. Este grupo por vezes foi chamado de “etologia pop”.
9
Para uma discussão mais detalhada ver capítulo 4 de Segerstråle (2000).
10
Distinguia Sahlins essas duas disciplinas do seguinte modo: “Scientific sociobiology is distinguished by a
more rigorous and comprehensive attempt to place social behavior on sound evolutionary principles, notably the
principle of the self-maximisation of the individual genotype” (1976, p. 4), já a sociobiologia vulgar seria a
etologia do tipo da praticada por Konrad Lorenz.
18
princípio maximizador, resultariam cada vez mais em menos proles, e assim tenderiam a se
extinguir. Assim, é de se esperar que organismos ajam visando à maximização deste princípio
de tentar espalhar ao máximo seus genes. Poderíamos ver então nosso corpo e comportamento
como resultado desta mesma lógica, e a raison d’etre destes mesmos comportamentos e
estruturas corporais deveria então ser explicada com base neste mesmo princípio evolutivo, ou
para usar um jargão, de maximização de ‘adaptação inclusiva’ (inclusive fitness). Wilson
descreveu esta mesma lógica do seguinte modo:

In a Darwinian sense the organism does not live for itself. Its primary function is not
even to reproduce other organisms; it reproduce genes, and it serves as their
temporary carrier [...]the organism is only DNA’s way of making more DNA [...]the
hypothalamus and limbic system are engineered to perpetuate DNA.” (WILSON,
1975, p. 3).

Um pouco antes, Wilson explicava o porquê da importância do hipotálamo e do


sistema límbico: “These centers flood our consciousness with all the emotions – hate, love,
guilt, fear, and others – that are consulted by ethical philosophers who whish to intuit the
standards of good and evil...They evolved by natural selection”. (WILSON, 1975, p. 3).
Assim, ao se estudar comportamentos como agressão, atração sexual, altruísmo,
homossexualidade, diferenças de gênero, religiosidade, rancor, agressão, xenofobia,
territorialidade, conformismo, dominância masculina, etc. dever-se-ia levar em consideração
como estes comportamentos ajudam genes a produzir mais genes, e não mais como ajudariam
o indivíduo ou a espécie a sobreviver. Esse é o chamado “princípio da maximização”
(maximization principle), ou “princípio de otimização” (optimality principle):

this central proposition of sociobiology, otherwise known as the optimality


principle, specifies the principle of natural selection as a behavioral key
approximately as follows: to the extent that organisms are under the influence of
natural selection, they tend to behave so as to maximize this inclusive fitness.
(LOPREATO, 1985 apud GOVE, 1987, p. 271).
“Se a teoria da seleção natural estiver correta, então, essencialmente, tudo que se
refere à mente humana deve ser inteligível em seus termos. Os sentimentos e
pensamentos básicos que temos um pelo outro e confessamos um ao outro acham-se
hoje presentes em nós em virtude de sua contribuição passada à aptidão genética.”
(WRIGHT, 2006, p. 11).

O chamado “princípio da aptidão inclusiva” (Inclusive fitness) foi um termo


criado por Hamilton para explicar o surgimento do altruísmo via seleção natural. Para Wilson,
o problema do altruísmo era a “central question” da sociobiologia e o princípio da aptidão
inclusiva tornou-se a principal teoria que embasa a sociobiologia.
19
É importante salientar que o grau de importância dado ao gene varia conforme o
autor. Alguns sociobiólogos o tomam como único foco possível (por acreditar que tal
processo é real), outros, como Dawkins e Maynard Smith, por motivos epistemológico-
pragmáticos. Para eles, seleção de grupo confunde o pensamento e torna a explicação mais
complicada. (ver SEGERSTRÅLE, 2000, p. 384). Outros, como Wilson, tomam o nível
gênico como mais um foco dentro de um modelo de seleção multi-níveis.
Destes livros inaugurais, o de Robin Fox não recebeu tanta atenção, ao contrário
dos livros de Dawkins e de Wilson. Inicialmente o livro de Wilson parece ter sido o que mais
recebeu atenção. E críticas. Hoje em dia as coisas parecem que se inverteram, sendo Dawkins
reverenciado como o “herói” da sociobiologia e não mais E.O.Wilson (Val DUSEK, 1999).
O filósofo Philip Kitcher (1987, p. 14-16) chamou a atenção para uma distinção
importante dentro da sociobiologia. Haveria sociobiologia enquanto campo, ou “broad
sociobiology” que poderia ser dividido em dois grupos. Por um lado, há aqueles que
provavelmente são a maioria e se dedicam a explicar o comportamento de outros animais de
acordo com teorias sociobiológicas. Estes são, segundo Kitcher, geralmente bem cuidadosos
em suas afirmações e conclusões, reconhecem freqüentemente as lacunas e dificuldades, e se
sentem constrangidos com o uso destas teorias nos seres humanos e principalmente pela
repercussão do debate, a ponto de muitas vezes negarem para si o rótulo “sociobiologia”. O
grande exemplo seria Maynard Smith, talvez o principal responsável pela introdução da teoria
dos jogos na biologia e, por isso, um importantíssimo autor para a sociobiologia, mas que
rejeita a versão “pop” da sociobiologia11.
Mas há outro grupo, o chamado “Pop Sociobiology”, que são menos cuidadosos e
cautelosos, e extremamente confiantes que podem retirar grandes ensinamentos sobre a
natureza humana e sobre instituições sociais através da sociobiologia12. É justamente este o
grupo que nos interessa nesta dissertação. Na avaliação de Kitcher, seria característico deste
grupo que “Speculation that would be rejected in the attempt to understand the behavior of

11
O que não deixou de gerar críticas de sociobiólogos “pop” como Chagnon (KITCHER, 1987, p. 120) e
(RUSE, 1983, p. 168-9), que viam essa atitude de Maynard Smith como um acanhamento injustificável. Se teoria
dos jogos é aplicável a outros animais, então o conhecimento de outros animais é igualmente aplicável ao
homem “Se A é igual a B, então B é igual a A” dizia Ruse (ibid, p. 169).
12
Kitcher justifica o uso do termo “pop” da seguinte forma: “Sociobiology has two faces. One looks toward the
social behavior of nonhuman animals. The eyes are carefully focused, the lips pursed judiciously. Utterances are
made only with caution. The other face [a sociobiologia pop] is almost hidden behind a megaphone. With great
excitement, pronouncements about human nature blare forth.” (KITCHER, 1987, p. 435)
20
ants flourishes freely when the animal under study is Homo Sapiens.” (1987, p. 124 e
KITCHER, 1990:97) 13.
Apesar das idéias sociobiológicas já existirem anteriormente, foi o livro de Wilson
que divulgou o termo “Sociobiology”, ou como destacou Segerstråle, “fundou o campo”.
Wilson definia assim a disciplina: “Sociobiologia, [é] definida como estudo sistemático das
bases biológicas de todas as formas de comportamento social, em todos os tipos de
organismos, inclusive o homem” (WILSON, 1981, p. 16), e destacava assim o diferencial da
sociobiologia:

“O que é verdadeiramente novo acerca da Sociobiologia é a maneira pela qual ela


extraiu os fatos mais importantes sobre organização social de sua matriz tradicional
– a etologia e a Psicologia – e os reordenou com base na Ecologia e na Genética,
estudadas ao nível de populações, no intuito de mostrar como os grupos sociais se
adaptam ao ambiente através da evolução. Somente há poucos anos a Ecologia e a
Genética tornaram-se suficientemente fortes e sofisticadas para proporcionar essa
base.” (WILSON, 1981, p. 16-17).

Em suas quase 700 páginas, Wilson fez um grande esforço de síntese de todo um
campo de estudos do comportamento. Devido a este esforço, em 1989 a International Animal
Behavior Society declarou o livro como o mais importante livro sobre comportamento animal
de todas as épocas, acima até do clássico de Darwin, The Expression of Emotions in Man and
Animals (WILSON, 1994, p. 327). No entanto, o livro de Wilson continha dois capítulos
extremamente polêmicos, o introdutório The morality of gene e principalmente o último
“Man: From Sociobiology to Sociology”, onde Wilson fez afirmações como:

“...all the emotions – hate, love, guilt, fear, and others – that are consulted by ethical
philosophers who whish to intuit the standards of good and evil...They evolved by
natural selection. That simple biological statement must be pursued to explain ethics
and ethical philosophers, if not epistemology and epistemologists, at all depths.”
(WILSON, 1975, p. 3).

Sobre a ética dizia ainda “Scientists and humanists should consider together the
possibility that the time has come for ethics to be removed temporarily from the hands of the
philosophers and biologicized” (p. 562), ou ainda “Human beings are absurdly easy to
indocrinate - they seek it” (p. 562), ou mesmo que o homem seria naturalmente xenofóbico. A
idéia de que a biologia seria essencial para entendermos a ética, epistemologia e livre arbítrio
reaparecem em várias obras posteriores de Wilson (1981 e 1998). No campo epistemológico
Wilson chegou a afirmar posteriormente que “Logical positivism was the most valiant

13
Para uma comparação mais detalhada sobre a diferença da Sociobiologia humana da não humana quanto à
parcimônia nas conclusões dos estudos, ver capítulos 4 e 5 de Kitcher (1987[1985]).
21
concerted effort ever mounted by modern philosophers… its shortcoming was caused by
ignorance of how the brain works” (1998. p. 63-64). Mas apesar de afirmações contundentes
como estas, que geraram grande controvérsia na época, Wilson somente insinua, mas não
mostra como a biologia seria decisiva para estes assuntos14. Na New York Times Magazine de
12/10/1975, Wilson fez uma afirmação que seus críticos não cansaram de se utilizar. Ele disse
que em sociedades de caça e coleta, homens caçam e as mulheres ficam em casa,
permanecendo esta tendência nas sociedades agrícolas e industriais, e prossegue:

“e apenas com base nisso parece ter origem genética [...] Ainda que recebam
educação idêntica e tenham oportunidades iguais de acesso a todas as profissões, os
homens provavelmente continuarão desempenhando um papel desproporcional na
vida política, empresarial e científica.” (apud GOULD, 1992:257).15

Graças a afirmações como estas, o debate Sociobiológico foi inaugurado com


calor 16. O termo “sociobiologia” sofreu resistências mesmo entre autores como Dawkins e
etólogos britânicos que não queriam se verem associados às declarações de Wilson sobre o
papel da seleção de grupo na evolução, mas talvez principalmente pelas posições de Wilson
quanto à ética 17. Há muitos que afirmam, talvez com certo exagero, que o uso do termo
“Psicologia Evolucionista” deveu-se exclusivamente à má reputação política que o termo
“sociobiology” ganhou 18. Wilson foi o centro das atenções “Boa parte da controvérsia,
independentemente de seu real vigor, poderia ser evitada e devo assumir a responsabilidade se
isso não ocorreu. Escrevi Sociobiology como dois livros diferentes num só” (WILSON, 1994.
p. 328). Mas ele não foi o único responsável pelo acaloramento do debate. Outros
sociobiólogos como David Barash e Pierre Van den Berghe foram até mais radicais nas suas
afirmações (KITCHER, 1987, p. 5-6), mas receberam menos atenção que Wilson.

14
Sobre este mesmo ponto, alguns autores comentaram “Despite the frequency of assertions, there is no vestige
or argument for any such conclusion” (KITCHER, 1987, p. 417, grifos no original); e “I can’t imagine what
kinds of fact about the brain would have saved the Positivist philosophy of science, and Wilson doesn’t say”
(FODOR, 1998). Para uma tentativa de decifrar as questões éticas de Wilson, bem como algumas de suas
implicações, ver (KITCHER, 1987, p. 417-434) e sobre livre-arbítrio ver Kitcher, (ibid, p. 406-417).
15
Para uma defesa da posição de Wilson, ver (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 211-2).
16
Sociobiólogos não cansam de repetir como Wilson foi perseguido politica e incessantemente pela esquerda
acadêmica, não só no plano intelectual, mas no plano pessoal. Wilson era impedido de dar aulas devido aos
protestos dos estudantes. Mas o caso preferido dos sociobiólogos foi o que um grupo jogou literalmente uma
jarra de água fria em Wilson. (WILSON, 1994, p. 344-345; PINKER, 2004, p. 160; SEGERSTRÅLE, 2000, p.
23-4). Para uma versão em que Wilson não é o cientista herói defensor da neutralidade, ver Val Dusek (1999).
Gostam desses casos para exemplificar como a resistência à sociobiologia é na sua grande parte política e não
científica. Voltaremos a esta questão posteriormente.
17
Para mais detalhes sobre resistências à Wilson por parte de cientistas como Robert Trivers e Richard Dawkins,
ver capítulo 5 de Segerstråle (2000).
18
Nielsen relata que os nomes como behavioral ecology, evolutionary ecology; biocultural science, biosocial
science, darwinianian psychology e por fim evolutionary psychology foram usados para se afastarem da
sociobiologia de Wilson:
22
2.2. Críticas à Sociobiologia

Logo quando surgiu, a sociobiologia levantou polêmicas. Podemos dividir estas


críticas em dois grandes grupos: 1) crítica às credencias científicas: sociobiologia seria “má
ciência”. Mas alguns críticos acreditam que estas críticas estão corretíssimas, mas não são
suficientes, sendo preciso acrescentar ainda: 2) críticas políticas. Aqui, há mais dois grupos:
2.1) aqueles que acreditam que a sociobiologia faz má ciência intencionalmente,
procurando no fundo justificar certos tipos de políticas reacionárias. Assim é como percebem
os sociobiólogos a crítica política que recebem e respondem dizendo “essa não é nossa
opinião política”.
2.2) Mas há outros que acreditam que a sociobiologia é perigosa, e pode ter
efeitos danosos, independentemente dos desejos e intenções dos seus proponentes. Para
autores como Sahlins a última coisa que interessaria seria a real intenção dos autores: “one of
my main criticisms [...], that there is no necessary relation between the cultural character of a
given act, institution or belief and the motivations of people.” (SAHLINS, 1976, p.xii).
Outros como Gould e Alper manifestaram opiniões muito semelhantes19. Este segundo ponto
tem sido freqüentemente negligenciado pelos sociobiólogos que respondem ao
questionamento da sociobiologia ser reacionária simplesmente citando as preferências
políticas de seus autores20, dizendo “essa não é nossa opinião política”. Críticos ressaltaram
que por ser sua disciplina ainda altamente especulativa, sociobiólogos deveriam pisar no freio
nas suas declarações sobre as “últimas descobertas” sobre a “natureza humana” em assuntos
polêmicos como a xenofobia e sexismo. E tiveram pelo menos certa razão. Em 79 a Nature
relatou no artigo Sociobiology Critics Claim Fears Come True que grupos de extrema direita,
Nouvelle Droite na França, e o National Front na Grã Bretanha, com títulos como
“Nationalism, racialism: products of our selfish genes” e “Science is championing our selfish
genes” defendiam que racismo e anti-semitismo eram naturais e, portanto inerradicáveis,

19
“In stating that there is politics in sociobiology, I do not critics the scientists involved in it by claiming that an
unconscious politics has intruded into a supposedly objective enterprise. For they are behaving like all good
scientists – as human beings in a cultural context” (GOULD, 1978, p. 532) e Alper “some members of the
group[de críticos da sociobiologia] felt he need to state publicly that SSG[Sociobiology Study Group] did not
believe that sociobiologists are racists” (apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 182).
20
Ver (PINKER, 2004, p. 160) e (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 206). Van den Berghe relata que a sociobiologia,
ao invés de ser vista como reacionária, poderia muito bem ser vista como “conspiração comunista”, uma vez que
sociobiólogos como J.B.S. Haldane e Maynard Smith foram membros do Partido Comunista Britânico,
E.O.Wilson e outros sociobiólogos são de centro-esquerda ou social-democratas, ‘Racist’ Trivers, como alguns o
chamaram, se casou com uma jamaicana e está engajado em políticas para negros (SEGERSTRÅLE, 2000, p.
206). TYBUR; MILLER; GANGESTAND, (2007) chegaram a supor que estava “finalmente testando a
controvérsia” ao fazer um survey com sociobiólogos acerca de suas posições políticas pessoais.
23
usando E.O.Wilson, Dawkins e Maynard Smith como autoridade para se justificarem
(SEGERSTRÅLE, 2000, p. 21, 179-80 e LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1984, p. 27) 21. Por
outro lado, sociobiólogos acusam alguns de seus críticos de rejeitarem a sociobiologia por
motivos meramente ideológicos, por a sociobiologia conter verdades inconvenientes que iriam
contra os ideais socialistas destes críticos, críticos teriam “fear of facts” na expressão de
Wilson. Defendem ainda, baseando-se em idéias de Chomsky e Marcuse, que a idéia de uma
plasticidade infinita, supostamente defendida pelos seus críticos, seria tão ou mais perniciosa
quanto o determinismo biológico, por acreditar que o homem pode ser infinitamente moldado
pelo ambiente, sendo um “prato cheio” para regimes totalitários (SEGERSTRÅLE, 2000, p.
204).
Apesar da grande importância dos aspectos políticos no debate, ele não nos
ajudaria a responder à pergunta desta dissertação, isto é, sobre qual a pertinência
epistemológica de teorias sociobiológicas para as ciências sociais. Aqui nos interessa somente
as críticas quanto às credenciais científicas da sociobiologia, e mesmo assim somente na
medida em que nos ajude a tratar da sua relevância para as ciências sociais. Não pretendo uma
exploração exaustiva dos supostos erros da sociobiologia, mas vejamos agora algumas destas
críticas epistemológicas.
A postulação de uma sociobiologia humana levantou grande parte da controvérsia
em torno da sociobiologia, mas não sua totalidade. Vale ressaltar que muitas dessas críticas
são aplicáveis também à sociobiologia não humana, não podendo a crítica feita à
sociobiologia, portanto, ser reduzida ao mero medo da aplicação da teoria da evolução aos
seres humanos. Além disso, como destacou Ghiselin, críticas por parte dele próprio e de
Lewontin contra Wilson e sua escola já haviam aparecido um no antes da publicação de
Sociobiology22. Ataques incisivos partiram também da biologia, mais precisamente do mesmo
departamento de Wilson em Harvard. A Sociobiologia foi acusada, dentre outras coisas, de
determinista, reducionista, adaptacionista, de caricaturizar a seleção natural e o darwinismo, e
de ser irrefutável. No balanço geral, foi acusada de “má ciência”, tendo a crítica como ponto
de partida o artigo apresentado à Royal Society em 1979 pelos colegas de departamento de
Wilson em Havard: o paleontólogo Stephen Jay Gould e o geneticista de populações Richard
Lewontin intitulado “The Spandrels of San Marcos and the Paglossian Paradigm: A Critique

21
Para uma crítica mais detalhada dos aspectos políticos da sociobiologia ver (KITCHER, 1987, p. 1-35), e o
controverso Lewontin; Rose; Kamin, (1984). Para uma versão pró sociobiologia, ver Segerstråle (2000).
22
Os livros relatados são Ghiselin, M. T. 1974. “The economy of nature and the evolution of sex.” University of
California Press. e Lewontin, R. C. 1974. The genetic basis of evolutiunary change. Columbia University Press.
24
of the Adaptationist Programme” que ainda hoje rende discussão23. Neste artigo, os autores
atacavam não só, mas principalmente a sociobiologia. Contestavam nela o adaptacionismo ou
panglossianismo, isto é, o procedimento de proporem histórias evolutivas prováveis para cada
parte do organismo em separado, mas: 1) sem levar em consideração a história evolutiva real
do organismo como um todo, afinal, há estruturas presentes nos organismos que não
desempenham função alguma, não sendo, portanto, adaptações como por exemplo, o apêndice
ou os mamilos nos mamíferos machos. Apesar de sociobiólogos não acreditarem que mamilos
sejam adaptações, critica-se que os critérios adotados pela sociobiologia não são capazes de
explicar porque não seriam adaptações; 2) e de uma explicação possível e plausível (mas nem
sempre a mais plausível) inferir um processo real; 3) criticavam também a premissa de verem
adaptações em tudo, 4) desprezo por teorias rivais, se contentando com teorias afins com a
teoria evolutiva; 5) com base em tudo isto, questionaram bem a testabilidade das teorias
sociobiológicas. Concluíam que a sociobiologia era “art of storytelling” ou no termo que se
consagrou, “just-so-stories” arbitrárias, onde qualquer resultado empírico seria “predito” pela
teoria, isto é, ela seria vaga. A Sociobiologia explicaria de menos porque explicava de mais.
Outras críticas apareceram desenvolvendo melhor estes pontos, ou acrescentando outros. Um
dos principais livros neste sentido foram o Not in our Genes de Lewontin, Rose e Kamin
(1984), que mesclava críticas políticas e epistemológicas, e que gerou forte reação negativa
dos próprios sociobiólogos24. Mayr via nestas críticas uma continuidade de suas próprias
críticas à “genética saco de feijão”, onde qualquer traço seria passível de seleção. Mas mais
interessante do ponto de vista de críticas epistemológicas foi o livro do filósofo Philip
25
Kitcher, Vaulting Ambitions (1987[1985]) , co-ganhador do prêmio Lakatos Award em
Filosofia da Ciência pela London School of Economics and Political Science em 198826.

23
Para um guia mais detalhado do debate envolvendo este artigo e seus desdobramentos, ver o capítulo 6 de
Segertråle, 2000.
24
Ver a mordaz resenha de Dawkins (1985) onde respondia usando termos como “idiotic travesty”, “pathetic
little misunderstanding” ou “Do Rose et al sincerely think that anybody could be that silly?”, ou ainda “The
reader may have gained an impression of a silly, pretentious, obscurantist and mendacious book”, mas no
entanto, constatava decepcionado que “Not in Our Genes has mysteriously attracted some favourable reviews,
including one from a scientist whom I have always admired”.
25
Sobre este livro, disse Maynard Smith na Nature. “Does we really need another critic of sociobiology? In
general, probably not, but perhaps we need this one... He does understand the idea he is criticizing... he presents
sociobiology in its strongest and most coherent form and avoids the easy option of attacking only its more idiotic
manifestations” e Gould disse. “The best dissection ever published on the logic and illogic (mostly the latter) of
sociobiology. (apud Kitcher, contracapa).
26
Num extremo, Martin Daly disse sobre este livro “The motivating forces behind Kitcher’s critique are politics”
(p. 627). Já o sociobiólogo mais moderado Maynard Smith disse “Does we really need another critic of
sociobiology? In general, probably not, but perhaps we need this one... He does understand the idea he is
criticizing... he presents sociobiology in its strongest and most coherent form and avoids the easy option of
attacking only its more idiotic manifestations” (apud KITCHER, 1987, contra capa) e por fim Gould dizia “The
25
Kitcher não defendia a impossibilidade da sociobiologia como um todo, mas
criticava uma vertente específica da sociobiologia, a sociobiologia “pop”, onde “Speculation
that would be rejected in the attempt to understand the behavior of ants flourishes freely when
the animal under study is Homo Sapiens.” (KITCHER, 1987, p. 124). Kitcher mostra como a
sociobiologia pop era altamente especulativa, fugindo aos padrões da própria sociobiologia
animal. Kitcher mostra então como alguns dos estudos badalados da sociobiologia podem ser
explicados de forma mais satisfatória, utilizando folk psychology, e não as “motivações
profundas” do gene’s eye view.

2.2.1. Nascimento da Psicologia Evolucionista

Na segunda metade da década de 1980 surge a Psicologia Evolucionista tentando


resolver os problemas da sociobiologia. Em 1992 surge o que alguns chamaram de
“Manifesto” da Psicologia Evolucionista, o livro Adapted Mind, sendo considerados como os
“pais” dessa disciplina o casal Leda Cosmides e John Tooby, além de contar com o
antropólogo Jerome Barkow na organização deste livro. Em comum com a sociobiologia, a
psicologia evolucionista compartilha o gene’s eye view, mas sem hipotetisar (explicitamente
pelo menos) sobre a genética subjacente, e principalmente, compartilhando o desejo de
servirem de fundamento às ciências sociais. Se na Sociobiologia deveríamos prestar atenção
em como comportamentos estão voltados para repassar genes, na Psicologia Evolucionista o
foco passa a ser em entender como a mente foi moldada no Ambiente da Adaptação
Evolucionária (Environment of Evolutionary Adaptedness, ou EEA), nas savanas africanas
durante o Pleistoceno, onde o homo sapiens passou cerca de 95% de sua história evolutiva.
Assim, não se pergunta mais como “comportamentos podem espalhar mais genes”, mas sim
“como certos comportamentos foram selecionados no passado, para espalhar mais genes”. Isto
é, para a psicologia evolucionista, teríamos então uma “mente da idade da pedra”, adaptada a
viver no pleistoceno, e não necessariamente ao ambiente atual. O exemplo mais recorrente é
talvez o caso de nossa preferência inata por açúcar e alimentos gordurosos, que teriam
evoluído como solução de um problema de sobrevivência no ambiente ancestral onde a má-
nutrição e a inanição eram prevalentes. Tal preferência, apesar de bem adaptada ao
Pleistoceno, no entanto, leva hoje em dia com toda a abundância de alimentos gordurosos e

best dissection ever published on the logic and illogic (mostly the latter) of sociobiology” (ibid). Para um resumo
das idéias de Kitcher e para o debate deste com outros autores, ver (KITCHER, et al. 1987).
26
doces, à situação em que essa mesma preferência deixa de ser adaptativa, uma vez que leva à
obesidade, um dos grandes problemas de saúde hoje em dia. Portanto, comportamentos que
estavam bem adaptados à vida passada, não necessariamente estão bem adaptados à vida
moderna.
A Psicologia Evolucionista reduz seu campo de atuação à explicação dos seres
humanos e outros primatas, mais os primeiros que os segundos, além de introduzir a variável
“mente” entre os genes e o comportamento “to understand the relationship between biology
and culture one must first understand the architecture of our evolved psychology”
(COSMIDES, TOOBY e BARKOW, 1992, p. 3). Talvez uma outra diferença poderia ser
destacada, a de que a Psicologia Evolucionista está mais preocupada em testar suas teorias do
que a sociobiologia. Sociobiólogos como Barash, e ele não foi o único, baseava suas
especulações em anedotas, como a inferência de que o homem seja inatamente xenofóbico
com base em acampamentos de férias americanos (KITCHER, 1987, p. 252-256), ao passo
que a Psicologia Evolucionista tem realizado pesquisas empíricas.
No entanto, poder-se-ia objetar que Wilson destacava essas mesmas
características na sociobiologia “Foi a comunalidade da natureza humana, e não as diferenças
culturais, que enfoquei em Sociobiology.” (WILSON, 1994, p. 329. ver também WILSON,
1981, cap. 1).
“as respostas emocionais humanas e as práticas éticas mais gerais nelas baseadas [no
cérebro] foram programadas, em grande parte, pela seleção natural... o desafio para a
Ciência é medir a inflexibilidade das restrições causadas pela programação, achar
sua fonte no cérebro, e decodificar seu significado através da reconstrução da
história evolutiva da mente.” (WILSON, 1981, p. 5).

Sociobiologia foca principalmente na maximização da aptidão inclusiva, enquanto


a Psicologia Evolucionista foca nas adaptações mentais ao ambiente ancestral. Ambas
acreditam que uma teoria sobre a Natureza humana é necessária, composta de vários
universais culturais, e estes universais existem por que são produtos mais ou menos direta de
uma natureza humana moldada pela seleção natural.
Wilson chamou a Psicologia Evolucionista de “sociobiologia praticada por
psicólogos” (apud LEITE, 1998), e Dawkins de “rebranded sociobiology” (apud
RICHARDSON, 2007, p. 26). A principal continuidade entre as duas disciplinas que
justificaria tais leituras de Dawkins e Wilson seriam, como destacou Val Dusek (1999) que
“The genetic theories appealed to by evolutionary psychologists are the theories developed in
the early 60s by Hamilton (kin selection) and in the 70s by Trivers (reciprocal altruism and
parental investment)”, isto é, as mesmas teorias que deram base à sociobiologia.
27
Alas, poor Darwin foi de certa forma o “Not in our genes” da Psicologia
Evolucionista, mas sem tanta repercussão. Mas a Psicologia Evolucionista também teve seu
Philip Kitcher. O também filósofo da ciência David Buller criticou as credenciais psicológicas
da Psicologia Evolucionista em seu Adapting Minds – cujo nome faz referência ao ‘manifesto’
da psicologia evolucionista, o Adapted Mind - onde concluía sobre esta disciplina “The
problem isn’t that it rests on ‘one big mistake,’ but that it makes little mistakes at nearly every
theoretical and empirical turn.”. Dando seguimento a estas críticas de Kitcher e Buller, o
também filósofo Robert C. Richardson critica as credenciais evolucionárias da Psicologia
Evolucionista. Kitcher recentemente considerou a Psicologia Evolucionista uma nova variante
da Sociobiologia Pop. Em comum, esses três autores tentam mostrar como a sociobiologia
foge ao padrão das teorias evolutivas. Não dizem que o empreendimento da sociobiologia
como um todo esteja condenado ao fracasso, mas ressaltam que há alternativas melhores,
como o caso do “Human Behavioral Ecology” que seria mais próspera do que a sociobiologia
pop e a psicologia evolucionista pop.
Interessa-nos saber até que ponto tem razão nestas demandas. Esta dissertação não
trata, portanto, de uma crítica à sociobiologia como um todo, mas apenas a algumas de suas
ambições com relação à “canibalização” das ciências sociais.
Apesar de alguns críticos terem previsto o rápido declínio da sociobiologia
(SAHLINS, 1976; GOULD, 1978, p. 533; LEWONTIN, 1978, p. 148)27, tal disciplina, na
visão de alguns “triunfou”, seus “críticos sofreram metástase” (WILSON, 1994, p. 328;
(SEGERSTRÅLE, 2000, cap. 6). Por outro lado, alguns sociobiólogos também previram o
breve declínio da sociologia não-sociobiológica, como Lee Ellis (1977) que previa o declínio
da sociologia não sociobiologizada por volta do ano 2000. Ambas as previsões falharam. Nem
a sociobiologia revelou-se moda passageira, nem a sociologia ou outras ciências sociais foram
incorporadas à biologia.
Dirk Richter (2005), em seu artigo Das Scheitern der Biologiesierung der
Soziologie [O Fracasso da Biologização da Sociologia] acredita que o que fracassou realmente
foi o projeto de (sócio)biologização da sociologia. Acredito que Richter tenha razão na sua
conclusão, mas não completamente na via que utilizou. Para ele, a história do projeto de
biologização da sociologia parte da idéia de relações mais diretas entre genes e instituições
sociais, tendendo cada vez mais ao alargamento da cadeia de elementos entre genes e
instituições sociais. Acredito que este ponto seja verdadeiro, e também muitos sociobiólogos

27
“I agree that sociobiology does not, ultimately, have much of a future in biology because it is not really a
fruitful scientific theory.” (LEWONTIN, 1978, p. 148).
28
concordariam que novos elementos foram acrescentados, mas não acredito que este ponto seja
suficiente para explicar a não-biologização da sociologia. Richter chama a atenção para o
aspecto ontológico da relação biologia e social, tendo o número de intermediários
reconhecidos nesta relação aumentado. Mas uma análise dos aspectos epistemológicos desta
relação talvez seja interessante. Este é o caminho que seguiremos. Mas antes passaremos
pelas reações despertadas pela sociobiologia nas Ciências Sociais e pelas propostas de
correção das ciências sociais feita pela sociobiologia.

2.3. A reação nas Ciências Sociais

Em grande parte de livros e revistas sobre sociobiologia humana e psicologia


evolucionista é comum o destaque da superioridade destas disciplinas em relação às chamadas
ciências sociais padrão. Este tipo de ciência social “atrasada”, ou incompatível com os
recentes avanços das ciências naturais, deu-se o nome de Modelo Padrão das Ciências Sociais
[Standard Social Science Model, ou SSSM]
No lado das ciências sociais, houve toda uma gama de posições, desde a idéia
defendida por uma minoria de que algumas ciências sociais deveriam ser substituídas pela
sociobiologia, bem como a posição hegemônica da rejeição total da sociobiologia nas ciências
sociais. Para alguns sociobiólogos, a Antropologia seria a primeira disciplina a ser
biologizada e a sociologia, a última (WILSON, 1981[1978], p. 35; e RUSE, 1983, p. 195 e
220). Vejamos a seguir as reações nestas duas disciplinas.

2.3.1. Antropologia

Para alguns sociobiólogos como Wilson (1981, p. 35) e Ruse (1983, p. 195), a
antropologia seria a primeira disciplina a ser biologizada e foi dali que surgiram as primeiras
reações contrárias nas ciências sociais. O australiano Dereck Freeman, que ficou famoso em
sua pretensa refutação do trabalho de Margareth Mead sobre os Samoas, apesar de acreditar
que a Antropologia ganharia muito com a Biologia e com a evolução, concluiu que a
Sociobiologia não representava nenhuma ameaça à antropologia (FREEMAN, 1982).
Freeman (2001) gosta de destacar como a capacidade de fazer escolhas, existente até em
microorganismos, vai sendo ampliada ao longo da evolução, sendo bastante aumentada nos

29
seres humanos. O embate Freeman vs. Mead foi pintado por muitos, inclusive pelo próprio
Freeman, como uma reedição do clássico embate natureza x cultura, onde Freeman seria o
“herético” que estaria pondo fim nas bases do determinismo cultural reinante na
Antropologia 28.
O antropólogo Marvin Harris (1980) – figura quase onipresente no debate, usado
em suporte tanto nos argumentos pró como contra a sociobiologia humana – tentou defender
que sua perspectiva do “materialismo cultural” era superior à sociobiologia, uma vez que a
esta última faltava “economia explicativa” (ou Navalha de Occam, ou princípio da
parcimônia) ao ter de recorrer freqüentemente a genes hipotéticos para sustentar sua lógica de
otimização genética. Para Harris poder-se-ia explicar os mesmos fenômenos pretendidos pela
sociobiologia sem ter de recorrer a esses genes hipotéticos. Mas a culpa do crescimento da
sociobiologia não deveria, segundo este, ser creditada aos próprios sociobiólogos, mas sim a:

“los antropólogos que operan con estrategias de investigación sincrónicas,


idealistas, estructuralistas y ecléticas, incapaces de producir conjuntos
interpenetrantes de teorías sobre las trayectorias divergentes y convergentes de la
evolución sociocultural, solo pueden culparse a si mismos si los sociobiólogos
incursionan en la que parece ser una zona de desastre intelectual... La respuesta a la
sociobiología no reside en lanzar contra ella más insultos, sino en la elaboración de
un cuerpo de teoría sociocultural coherente, de mayor poder explicativo... Como dijo
Imre Lakatos... ‘Una crítica puramente negativa no aniquila un programa de
investigación.” (HARRIS, 1980, p. 179).

Ruse (1983, p. 204-206), Wilson (1981), Pinker (2004, p. 97) utilizam os


exemplos de Harris a favor da sociobiologia, Gould (1992, p. 254) e o próprio Harris (1980)
utilizam seus exemplos contra a sociobiologia. Freeman também é citado (PINKER, 2004, p.
87, TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 44) na sua pretensa refutação à Margareth Mead e,
conseqüentemente, acreditam, mais um duro golpe no determinismo cultural.
Wilson relata em sua autobiografia que a antropóloga Margareth Mead o teria
convidado para um jantar onde, segundo Wilson:

“[a] intenção [de Mead] foi deixar claro que ela também já havia publicado idéias
sobre a base biológica do comportamento social. Uma delas era que a sociedade
contém uma série de pessoas geneticamente predispostas a diferentes tarefas, de
artista ou de soldado, digamos, e que essa diferenciação cria uma divisão de tarefas
mais eficiente.” (WILSON, 1994, p. 341).29

28
Para um breve resumo do embate, ver Hellman (1998, cap. 10).
29
Não encontrei, no entanto, nenhuma outra referência sobre este assunto, nem nenhuma declaração da própria
Mead sobre o assunto.
30
Em novembro de 1976, a Associação Antropológica Americana quase aprovou
uma moção formal de censura à sociobiologia, onde Mead teria protestado contra tal ação
como “queima de livros”. Segerstråle destaca também (p. 170-176) que Edmund Leach via
muitas refutações à aplicação da teoria sociobiológica na literatura etnográfica.
Mas a reação das ciências sociais que recebeu maior destaque foi sem dúvida a de
Marshall Sahlins com seu The Use and abuse of Biology de 1976. O livro é dividido em duas
partes. Na primeira, há a crítica epistemológica, na segunda, as críticas políticas, onde a
sociobiologia seria uma variante de utilitarismo sociológico, e idéias da economia como
“otimização” e “maximização” teriam sido transpostas da economia ao cálculo biológico,
substituindo “reprodução diferencial” como mecanismo evolutivo, numa espécie de versão
neo-liberal do lisenkoísmo30. As críticas políticas não nos interessam aqui, mas sim algumas
das críticas epistemológicas.
Wilson e outros muitos sociobiólogos diziam freqüentemente que, num futuro
breve, as ciências sociais seriam ramos da Sociobiologia. Mas, dizia Sahlins, isto não seria
possível, “because biology, while it is an absolutely necessary condition for culture, is equally
and absolutely insufficient: it is completely unable to specify the cultural properties of human
behavior or their variation from one group to another” (1976, p. xi). Sahlins contestava a tese
do isomorfismo entre cultura e indivíduo, “one of my main criticisms of the theory itself [a
sociobiologia]; namely, that there is no necessary relation between the cultural character of a
given act, institution or belief and the motivations of people.” (1976, p. xii). Não se explicaria
que uma nação se encontra em guerra com outra porque seus membros são agressivos.
Agressão não precisa estar presente num homem que detona uma bomba num alvo invisível.
As pessoas podem se engajar na guerra por uma multidão de motivos, como amor à pátria,
amor à humanidade, em vista da brutalidade do inimigo, por honra, culpa, para salvar a
democracia, etc. “that the reasons people fight are not the reasons wars take place... war is not
a relation between individuals but between states” (1976, p. 8).
Mas a Sociobiologia contou desde cedo com entusiastas na Antropologia, como
Irven DeVore, professor emérito de Harvard University, Napoleon Chagnon, ex-aluno de

30
“biology is not practiced in a social vacuum... Especially as it turned to the study of society itself, it would not
be immune to the ideology of the marketplace. All of Western science ridiculed the biology of Lisenko. Could
something like that happen here?” (SAHLINS, 1977, p. 78). Lisenko foi o biólogo oficial da União Soviética no
período Stalinista, e defendia que a genética mendeliana, por ser uma genética pequeno-burguesa, deveria ser
substituída por uma genética revolucionária afim com os interesses do proletariado, e tomou medidas drásticas
para isso: quem quisesse defender a genética mendeliana era mandado para exílio na Sibéria ou para o
fuzilamento. Até que ponto tal história é verídica não nos interessa aqui. Interessa somente que Lisenko tornou-
se um dos símbolos por excelência de rebaixamento do valor científico da verdade à motivos meramente
ideológicos.
31
Leslie White e hoje professor aposentado e emérito da Universidade da Califórnia - Santa
Barbara, Lionel Tiger professor da Rutgers University, e Robin Fox, autor (a) do já citado
Biosocial Anthropology.
Além desses, outros antropólogos tem papel importantíssimo dentro da
sociobiologia, especialmente da Psicologia Evolucionista, sendo alguns destes autores alguns
dos nomes principais da disciplina, como Jerome Barkow e John Tooby.

2.3.2. Sociologia

Na sociologia, a reação à sociobiologia pode ser dividida em uma minoria de


pequenos entusiastas, e uma grande maioria distante do debate. “Sociologists have probably
been more antisociobiological than any other social scientists.” (SANDERSON, 2001 b, p.
135). E Van den Berghe declarou que “Most sociologists share their combinations of hostility
to and ignorance of behavioral ecology with many other social scientists, but perhaps in a
slightly more acute form” (1990, p. 173). E conclui com vigor “Blessed be the biological
ignorant for they shall see the Kingdom of Sociology” (ibid, p. 177. ver também LEIS, 2000).
Há um consenso quase geral na sociobiologia de que a sociologia foi a disciplina mais isolada
da biologia.
Talcott Parsons, que inicialmente teve formação em medicina e filosofia,
tornando-se posteriormente o sociólogo mais importante de sua época, chegou a organizar
encontros sobre a sociobiologia, mas não parece ter publicado nada sobre o assunto31. Seu ex-
aluno George C. Homans parece ter sido, dentre os sociólogos mais tradicionais, aquele mais
presente no debate. Parecia ter alguma simpatia pela sociobiologia, e advertia “Se os
sociólogos continuarem a rejeitar os achados desses campos [da sociobiologia], provocarão
exatamente o resultado que desejam evitar” (HOMANS, 1999, p. 101), isto é, a incursão da
biologia nas Ciências Sociais. Homans, no entanto, não deixou de tecer críticas a algumas das
proposições de alguns sociólogos sociobiólogos que segundo ele negligenciariam a
importância do fator “aprendizado”, dando destaque excessivo aos componentes inatos32.

31
Bonner (1983) diz no Prefácio de seu livro que a inspiração para escrevê-lo veio das conferências em
Daedalus, organizada por Parsons e Duprée sobre sociobiologia, onde Bonner havia sido convidado para
palestrar. Não encontrei nenhuma outra referência sobre a relação Parsons e Sociobiologia. Acredito que Parsons
tenha organizado tais conferências, não para divulgar a sociobiologia, mas para aprender um dos assuntos mais
debatidos na biologia ao final da década de 1970.
32
Diz Homans sobre o sociobiólogo Lopreato: “Although he does mention learning theory from time to time,
and favorably... He had not paid enough attention to modern psychology and especially to learning theory.
32
Talvez Homans tenha razão. O silêncio dos sociólogos talvez só tenha contribuído para o
crescimento da sociobiologia.
Randall Collins (1983) vislumbrava algum futuro comum entre sociobiologia e
sociologia, mas somente na medida em que a sociobiologia incorporasse o “paradigm shift”
na teoria da evolução levada por Stephen Gould, Niles Elredge e Elizabeth Vrba, onde fatores
genéticos perderiam a importância para fatores ambientais na explicação da evolução. Para
Collins, a “sociobiologia do futuro” ressaltaria padrões estruturais e sociais em espécies não-
humanas, ao invés do foco na genética. Neste sentido, afirma Collins, “Current biology and
sociology may indeed be coming into greater congruence, but the convergence seems to be
largely in the direction of the biologists finding a ‘sociological’ pattern in the world of
plants and animals.” (1983, p. 313). Mas também ressaltava Collins que a sociobiologia
poderia reiterar os processos que os humanos compartilham com outros animais, mostrando
as motivações da ação mais profundos (deeper levels) que a linguagem humana e a
racionalidade consciente, podendo a sociobiologia ser “strikingly reinforced” pela
etnometodologia, uma vez que esta teria mostrado que a cognição humana é limitada e que o
conhecimento tácito é sempre operativo (ibid). Collins recentemente publicou um livro onde
trata de micro questões relacionadas à violência, onde contrapõe teorias micro-sociológicas
alternativas a alguns dos problemas ligados à violência tratados pela Psicologia Evolucionista
(COLLINS, 2008).
O sociólogo Raymond Boudon, em seu dicionário crítico de sociologia dizia ser
“prematuro emitir qualquer juízo” sobre a sociobiologia humana (BOUDON e
BOURRICARD, 1993, p. 534). Mas, mais recentemente, Boudon começou a tratar da
sociobiologia um pouco mais detalhadamente, não vendo possibilidades de ganhos para a
sociologia com a sua incorporação (BOUDON, 2003). Boudon tem ressaltado que a via de
imputar racionalidade instrumental (qual o melhor meio para determinados fins) a níveis mais
profundos, como faz a sociobiologia com o nível gênico, mas também o marxismo com a
idéia de “interesse de classe”, o freudismo com o “inconsciente” e Nietzsche com a idéia de
“resignação”; todas estas vias compartilhariam para Boudon do mesmo problema, isto é, da
idéia da “falsa consciência”, problema este que não incorreriam autores como Durkheim e
Weber. Boudon, a meu ver, possui a resposta mais sofisticada e sensata ao chamado “desafio
da sociobiologia”. Voltaremos a Boudon no capítulo 3.8.

(HOMANS, 1985, p. 77-8). Anos antes, Homans havia levantado pontos semelhantes contra Ellis (HOMANS,
1977).
33
Mas não só apatia à sociobiologia ocorreu na Sociologia. Alguns sociólogos
menos conhecidos viram as teorias da sociobiologia como ‘a boa nova’ para a salvação da
crise na sociologia. Além dos já citados Chagnon, Fox e Irons, a “velha guarda” dos
defensores da (sócio)biologia nas ciências sociais (isto é, cientistas sociais profissionais que já
tinham trabalhos antes do nascimento da sociobiologia) é completada por Pierre van den
Berghe. Ele é professor emérito de sociologia e antropologia da Universidade de Washington,
tendo sido aluno de Parsons e Homans. Trabalhou com a aplicação da sociobiologia à
antropologia nas questões parentesco e casamento, e raça e etnicidade em sociologia. Jospeh
Lopreato está entre os mais famosos sociólogos defensores da sociobiologia na Sociologia,
assim como Lee Ellis. Lopreato defende a chamada “Evolutionary Sociology”, e aposta numa
reedição de Pareto via sociobiologia. Stephen Sanderson, da Universidade da Pensilvânia
trabalha com a evolução social, mas também defende a aplicação da sociobiologia nas
ciências sociais. Como dito anteriormente, Jeremy Freese (2000) chegou a ganhar um prêmio
da American Sociological Association devido à sua tese de doutoramento sobre o potencial da
sociobiologia e da psicologia evolucionista para a sociologia. Há ainda autores como Timothy
Crippen, Richard Nielsen, François Nielsen, Alan Mazur, J. Shepher, Anthony Walsh,
J.Richard. Udry, dentre outros. Ellis nos apresenta uma lista de sociólogos sociobiólogos e
respectivas áreas, como Demografia e fertilidade, altruísmo e moralidade, criminalidade,
delinqüência, agressão humana, uso e abuso de drogas, longevidade, inteligência e habilidade
acadêmica, relações internacionais, Religião e religiosidade, orientação sexual, estratificação
social, dentre outros (ELLIS, 1996). Atualmente, talvez o mais ativo defensor da
sociobiologia na sociologia seja Satoshi Kanazawa, da London School of Economics. Este
autor trabalhava inicialmente com teoria da escolha racional, tendo participado de coletâneas
sobre este assunto organizadas por James Coleman, passou a tentar integrar psicologia
evolucionista à teoria da escolha racional para tentar resolver problemas importantes da teoria
da escolha racional. Ele defende abertamente que “Social Sciences are branches of biology”.
Trataremos nesta dissertação de alguns desses autores, e de alguns de seus trabalhos. Mesmo
assim, acredito que isto seja suficiente para nos dar uma visão mais ou menos acurada do
campo.
Vejamos a seguir mais detalhadamente como a sociobiologia vê as ciências
sociais, dando especial atenção à sociologia, e como a sociobiologia acredita poder melhorá-
la.

34
2.4. Diagnóstico e cura das Ciências Sociais segundo a
Sociobiologia

Na história da ciência social contada pelos sociobiólogos podemos identificar no


geral três tipos de ciência social, que correspondem de certo a modo a diferentes épocas
históricas. O primeiro tipo é o “Darwinismo Social” do século XIX e início do XX,
caracterizado como mera defesa do racismo, sexismo e imperialismo através de teorias
científicas biológicas. Contra esta “ideologia” disfarçada de ciência, surgiu o segundo tipo de
ciência social, que predominaria até hoje, que havia corretamente defendido a igualdade entre
raças, sexos e povos e que teria sido “an important element in combating a multitude of
searing horrors and oppressions” (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 34), e “Franz Boas, aided
by his famous students Ruth Benedict and Margaret Mead, led a crusade against what they
perceived (correctly) to be the eugenics and racism implicit in Social Darwinism” (WILSON,
1998, p. 184).
Mas esta ciência social teria ido longe demais ao negar todo aspecto biológico no
homem e com isto defender que a cultura é inteiramente autônoma, sem nenhuma influência
da biologia ou psicologia. Por isso agora sofrem com um grande atraso em seu
desenvolvimento em comparação com as ciências naturais.
Mas, recentemente, teria surgido um novo tipo de ciência social, nem partidária
do determinismo biológico da primeira fase, nem do determinismo cultural da segunda, mas
uma perspectiva que finalmente procura integrar biologia e cultura, e esta nova perspectiva
chama-se sociobiologia. A grande vantagem desta nova perspectiva seria seu poder de colocar
as ciências sociais finalmente em conexão com o restante das ciências naturais, e isso traria
grandes avanços para as ciências sociais. Vejamos em detalhes esta narrativa.

2.4.1. O Diagnóstico: Ciências Sociais estão atrasadas, não têm


leis científicas

Para Wilson, a Sociologia estaria ainda muito atrasada enquanto ciência. Dizia ele
ao final de seu livro Sociobiology:

Consider the prospects for sociology. This science is now in the natural history stage
of its development. There have been attempts at system building but, just as

35
psychology, they were premature and came too little. Much of what passes for
theory of sociology today is really labeling phenomena and concepts, in the
expected manner of natural history. Process is difficult to analyze because the
fundamental units are elusive, perhaps nonexistent. (WILSON, 1975, p. 574).

Rosenberg (1980) também se questionava por que as ciências sociais não


conseguiram alcançar o mesmo grau de sucesso explicativo das ciências naturais. E o
diagnóstico das ciências sociais não mudou com a psicologia evolucionista.

“After more than a century, the social sciences are still adrift, with an enormous
mass of half-digested observations, a not inconsiderable body of empirical
generalizations, and a contradictory stew of ungrounded, middle-level theories
expressed in a babel of incommensurate technical lexicons. (COSMIDES;
TOOBY e BARKOW, 1992, p. 23).
“Yet uncomfortable facts were already appearing. Anthropologists had failed to find
the diversity Mead had promised. Freudians had explained very little and altered
even less by their appeals to early influences. Behaviorism could not account for the
innate preferences of different species of animal to learn different things: Rats are
better at running mazes than pigeons. Sociology's inability to explain or rectify the
causes of delinquency was an embarrassment.” (RIDLEY, 1993, p. 319).

2.4.2. Motivo do atraso: Falta de Biologia

O motivo para tais problemas? Para a sociobiologia o motivo seria a falta de


biologia nas ciências sociais. Haveria uma suposta negação sistemática da existência de
componentes inatos no comportamento humano por grande parte das ciências sociais, que,
com isto, estariam perdendo o “bonde” do desenvolvimento científico. Wilson dizia que seu
livro Sociobiology:

“Contribuía para reavivar o prolongado debate sobre natureza versus criação 33, num
momento em que a criação aparentemente já havia ganho. As ciências sociais
estavam sendo construídas sobre essa vitória.” (WILSON, 1994, p. 330).

E explicava o motivo do fracasso das ciências humanas:

“Um dos grandes sonhos dos teóricos sociais - Vico, Marx, Spencer, Spengler,
Teggart, e Toynbee, dentre os mais inovadores - foi idealizar leis de história que
pudessem prever algo do futuro da humanidade. Seus desígnios resultaram

33
O debate natureza x criação vem do inglês nature x nurture. “Nurture” foi por vezes traduzido como “criação”,
“cultura” e “educação”.
36
modestos, porque sua compreensão da natureza humana não tinha qualquer base
científica.” (WILSON, 1981, p. 205).
Social scientist are expected to tell us how to moderate ethnic conflict, convert
developing countries into prosperous democracies, and optimize world trade. In both
spheres the problems have been intractably complex, partly because the root causes
are poorly understood. (WILSON, 1998, p. 181).

Dizia Robert Trivers em 1976 “Verdadeiras Indústrias se desenvolveram nas


ciências sociais dedicadas à construção de uma visão pré-darwiniana e pré-mendeliana do
mundo social e psicológico” (in DAWKINS, 2001, p. 15), e em 1977 dizia Trivers na Times
“Sooner or later, political science, law, economics, psychology, psychiatry, and anthropology
will all be branches of sociobiology” (apud GOULD, 1978). Que as ciências sociais tornar-se-
iam ramos da biologia foi algo defendido também por Rosenberg (1980), Wilson (1975 e
1980), Kanazawa (2004).
Psicólogos evolucionistas expressaram opinião semelhante.

“Not only have the social sciences been unusual in their self-conscious stance of
intellectual autarky but, significantly they have also been relatively unsuccessful as
sciences. Although they were founded in the 18th and 19th centuries amid every
expectation that they would soon produce intellectual discoveries, grand “laws” and
valid theories to rival those of the rest of science, such success has remained elusive.
...We suggest that this lack of progress, this ‘failure to thrive,’ has been caused by
the failure of the social sciences to explore or accept their logical connections to the
rest of body of science.” (COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 23).
“....the study of human nature must have profound implications for the study of
history, sociology, psychology, anthropology, and politics. Each of those disciplines
is an attempt to understand human behavior, and if the underlying universals of
human behavior are the product of evolution, then it is vitally important to
understand what the evolutionary pressures were. Yet I have gradually come to
realize that almost all of social science proceeds as if 1859, the year of the
publication of the Origin of Species, had never happened; it does so quite
deliberately, for it insists that human culture is a product of our own free will and
invention. Society is not the product of human psychology, it asserts, but vice
versa.” (RIDLEY, 1993, p. 7).

Pinker relatava que “[t]anto a psicologia como as outras ciências sociais...


negavam que a mente das pessoas individuais fosse importante, mas a partir daí seguiram
caminhos diferentes” (2004, p. 46) A psicologia dominante no século XX, o behaviorismo,
teria descartado totalmente entidades mentais como crenças e desejos, os substituindo por
estímulos e resposta. As outras ciências sociais haveriam situado crenças e desejos em
culturas e sociedades, ao invés de colocá-la na cabeça das pessoas individuais.
Para a sociobiologia, as ciências sociais, parte da biologia e o senso comum,
relutam em admitir a idéia de que haja aspectos inatos no homem, uma natureza humana

37
fundamentada [sócio]biologicamente, devido à aceitação da falsa doutrina da Tábula Rasa –
isto é, a doutrina que diz que o homem é produto unicamente de sua socialização, sem
nenhuma influência de fatores biológicos. Na metáfora de Pinker, indivíduos seriam massinha
de modelar (Silly Putty) moldados inteiramente pela cultura.

“... todas elas [ciências sociais e Psicologia] tinham em comum a aversão pelos
instintos e pela evolução. Eminentes cientistas sociais repetidamente declaravam que
a tabula era rasa... Durkheim falara em ‘material indeterminado’, algum tipo de
coisa amorfa que era moldada ou batida pela cultura até assumir forma. Talvez a
melhor metáfora seja a Silly Putty, uma massinha borrachuda que as crianças usam.”
(ibid, p. 47).

Tooby e Cosmides destacam três erros do chamado Modelo Padrão das Ciências
Sociais (1992 p. 33-4). O primeiro diz que a lógica central do Modelo Padrão repousa sobre
modelos ingênuos e antiquados do desenvolvimento, ao acreditar que características ausentes
num bebê e presentes num adulto só poderiam ser produto do social. Mas, dizem, dentes e
seios fartos também estão ausentes no bebê, e nem por isso seriam produtos da cultura.
Assim, certas predisposições inatas poderiam surgir em fases avançadas do desenvolvimento
do indivíduo. O segundo diz que o modelo repousa sobre uma análise defeituosa da oposição
natureza e cultura, onde fatores biológicos e ambientais seriam mutuamente excludentes,
como num jogo de soma zero. Mas na verdade só pode haver Cultura se houver biologia que a
embase. E, por último, o modelo padrão requereria uma psicologia impossível, ao supor que a
mente seria livre de conteúdo inato (content-independent), com propósitos gerais (general
purpose) e mecanismos de conteúdo livre (content-free mechanisms), isto é, a teoria da tábula
rasa.
Há um consenso geral na sociobiologia de que as ciências sociais sejam
partidárias da teoria da tabula rasa. Mas Pinker acrescenta ainda mais dois erros: O primeiro
trata-se do “fantasma na máquina”, isto é, a crença de que uma alma imaterial dotada de livre
arbítrio é a única responsável pelas ações humanas (fantasma), e que ela causaria a ação no
corpo (máquina); e o segundo erro trata-se do mito do bom selvagem, onde o homem em seu
estado primitivo seria bom e pacífico, sendo a sociedade que o corromperia. A crença no
Fantasma da Máquina seria o modo de desvincular vontade humana da causação mecânica.
Segundo Pinker, aqueles que acreditavam na separação absoluta entre cultura e biologia
usaram freqüentemente a analogia da diferença entre matéria viva e não viva, como o teriam
feito Robert Lowie e Kroeber. No entanto, diz Pinker, “Na época, Kroeber e Lowie tinham a

38
biologia a seu lado, com a idéia de um élan vital, e não podiam ser reduzidos a matéria
inanimada.” (PINKER, 2004, p. 52, grifo no original).
Van den Berghe (1990) também dizia que a sociologia estava na “intellectual
bankruptcy” justamente por dar as costas à Biologia. E Ellis dizia contundentemente:

“It is time for sociology to stop resuscitating the views of Durkheim, Weber, and
Marx (except as historical landmarks). This is not because their ideas were not
innovative and important for their time. Rather, sociology's niche within the greater
scientific community is being undercut by the continued failure of sociologists to
incorporate modern evolutionary, genetics, and neurochemical concepts into their
theories.” (ELLIS, 1996, p. 32-3).

Alguns autores disseram que as ciências sociais sofreriam de certas fobias. Wilson
sugeriu dizer em “antropocentrismo”, isto é, o ímpeto de colocar o ser humano num pedestal
num reino à parte de toda a criação, sendo a sociobiologia a disciplina que ao ver o homem
por um “telescópio invertido” estaria mais apta a colocar o homem “em seu devido lugar”.
Martin Daly e Margo Wilson chegaram a dizer que cientistas sociais têm “biofobia”, isto é,
medo da biologia em suas disciplinas (ELLIS, 1996, p. 23).

2.4.3. Ciências sociais negariam a biologia ao defender sua


autonomia acadêmica

Por que os sociobiólogos insistem que as ciências sociais estão em contradição


com os achados das ciências naturais, entendendo-se os “achados das ciências naturais” os
“achados da sociobiologia”? Resposta: Porque as últimas se dizem autônomas com relação às
primeiras, e isso é tido como sinônimo de isolacionismo em relação ao resto das ciências,
sinônimo de defesa da inexistência de aspectos biológicos, propensões, instintos, etc. nos
seres humanos.

We suggest that this lack of progress [das ciências sociais], this ‘failure to thrive,’
has been caused by the failure of the social sciences to explore or accept their logical
connections to the rest of body of science...Instead of the scientific enterprise, what
should be jettisoned is what we will call the Standard Social Science Model
(SSSM):The Consensus view of the nature of social and cultural phenomena that has
served for a century as the intellectual framework for the organization of psychology
and the social sciences and the intellectual justification for their claims of autonomy
from the rest of science. (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 23).

E um pouco antes nos explicavam:


39
“Culture is not causeless and disembodied. It is generated in rich and intricate ways
by information-processing mechanisms situated in human minds. These mechanisms
are, in turn, the elaborately sculpted product of the evolutionary process.” (TOOBY
e COSMIDES, 1992, p. 3).

Alguns acreditam que a autonomia das ciências sociais se basearia também na


negação dos parâmetros mais básicos da lógica, como o princípio da não-contradição, que diz
que havendo duas afirmações que se contradizem, ambas não podem ser verdadeiras; ou uma
é falsa ou ambas o são. Tal rejeição da lógica também embasaria o suposto isolacionismo das
ciências sociais.

“The idea that two statements cannot contradict each other and both be true was old
when Aristotle formalized it, and it is only a small step from that to the
commonplace idea that claims from different scientific disciplines should not
contradict each other either, without at least one of them being suspected of being in
error. Such a notion would seem too obvious to discuss were it not for the bold
claims of autonomy made for the social sciences, accompanied by the
institutionalized neglect of neighboring disciplines... It is, perhaps, one of the
astonishing features of intellectual life in our century that cross-disciplinary
consistency should be treated as a radical claim in need of defense, rather than as a
routine tool of inference. (BARKOW, COSMIDES e TOOBY, 1992, p. 13, nota 1).

Alguns concluíram que tal defesa da autonomia levaria à pressuposição de que


Cultura e Sociedade seriam como organismos, com suas próprias vontades, e que tal
organismo causaria a ação dos indivíduos sem ser causada por nada. Sociedade e Cultura
seriam então superorganismos (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 27-8).

Kroeber não só negou que o comportamento social pudesse ser explicado por
propriedades inatas da mente; negou que pudesse ser explicado por quaisquer
propriedades da mente Uma cultura é superorgânica, ele escreveu – flutua em seu
próprio universo, livre da carne e do sangue dos homens e mulheres reais.”
(PINKER, 2004, p. 46, grifo original).

E ao comentar sobre os rumos das ciências socias no século XX, comentou-se:

“... todas elas [ciências sociais e Psicologia] tinham em comum a aversão pelos
instintos e pela evolução. Eminentes cientistas sociais repetidamente declaravam que
a tabula era rasa... Durkheim falara em “material indeterminado”, algum tipo de
coisa amorfa que era moldada ou batida pela cultura até assumir forma. Talvez a
melhor metáfora seja a Silly Putty, uma massinha borrachuda que as crianças
usam...” (ibid, p. 47).

40
2.4.4. A cura. Fiat Lux nas Ciências Sociais

Mas não há motivos para desespero. De tal diagnóstico não se deve concluir que
todo o empreendimento das ciências sociais esteja fadado ao fracasso. Uma nova ciência
social seria possível e já estaria surgindo, e esta seria melhor porque incorporava os avanços
recentes das ciências naturais. Tooby e Cosmides propuseram o termo ICM ou Integrated
Causal Model para designar esta nova ciência social, outros falaram mais especificamente em
Neo-Darwinian Sociology, Evolutionary Sociology, ou Evolutionary Anthropology.

Sociology sensu strictu, the study of human societies at all levels of complexity, still
stands apart from sociobiology because of its largely structuralist and nongenetic
approach. It attains to explain human behavior primarily by empirical description of
the outermost phenotypes and by unaided intuition, without reference to
evolutionary explanations in the true genetic sense... One of the functions of
sociobiology, then, is to reformulate the foundations of the social sciences in a way
that draws these subjects into the Modern Synthesis. (WILSON, 1975, p. 4).

Wilson inicialmente acreditava que a ciência social avançada porque embasada


biologicamente, só poderia aparecer em um futuro, uma vez que eram necessários maiores
avanços nas ciências do cérebro. “The transition from purely phenomenological to
fundamental theory in sociology must await a full, neuronal explanation of the human brain”
E projetava: “Having canibalized psychology, the new neurobiology will yield an enduring set
of first principles for sociology. (WILSON, 1975, p. 575). Mas apenas três anos mais tarde,
em seu livro dedicado exclusivamente aos seres humanos, Da Natureza Humana, dizia ele já
bem mais confiante:

“... a única maneira de [as Ciências Humanas]... progredir[em] é estudar a natureza


humana como parte das Ciências Naturais... o desenvolvimento inicial importantes
nesta análise [sociobiológica] será a conjunção da Biologia com as várias Ciências
Sociais – Psicologia, Antropologia, Sociologia e Economia... Na história inicial de
uma disciplina é típico seus praticantes acreditarem na novidade e singularidade de
sua matéria.... Sugiro que estamos a ponto de repetir esse ciclo com a mistura da
Biologia com as Ciências Sociais, e que, como conseqüência, as duas culturas da
vida intelectual ocidental finalmente se reunirão.... A Biologia é a chave para a
natureza humana, e os cientistas sociais não podem se dar ao luxo de ignorar seus
princípios em rápida estruturação. Mas as Ciências Sociais são potencialmente mais
ricas em conteúdo. Acabarão por absorver as idéias relevantes da Biologia e
passarão a implorá-las.” (WILSON, 1981, p. 6-13).

Wilson acreditava que as Ciências Sociais deveriam ser reduzidas à biologia, uma
vez que “A essência do método científico é a redução dos fenômenos percebidos a princípios
fundamentais, testáveis” (WILSON, 1980, p. 10), mas ponderava sobre este princípio.
41
“A redução é o instrumento tradicional da análise científica, mas é temida e
hostilizada. Se o comportamento humano pudesse ser reduzido e determinado em
qualquer grau considerável pelas leis da Biologia, então a humanidade poderia
parecer estar longe de ser única e, nesse sentido, seria desumanizada.” (ibid, p. 12).

Wilson defendia que um certo reducionismo seria necessário, uma vez que boa
ciência seria ciência reducionista, e explica um pouco melhor o que entende pelo termo
“reducionismo”:

“Mas esta abordagem, que equipara o método da redução com a filosofia da


diminuição, está inteiramente errada. As leis de um assunto são necessárias para
uma disciplina acima dela; elas desafiam e forçam uma reestruturação mentalmente
mais eficiente, mas não são suficientes para os propósitos da disciplina.” (ibid, p.
13).

Isto é, redução não implicaria em substituição das ciências sociais pela


sociobiologia, mas forçaria a uma reestruturação nas ciências sociais. Wilson destaca ainda
que este processo de redução fosse somente numa primeira fase, numa segunda fase surgiriam
fenômenos emergentes.

“... a redução não trabalhada constitui apenas metade do processo científico. O


restante constitui na reconstrução da complexidade através de uma síntese crescente
sob o controle de leis novas demonstradas pela análise. Essa reconstituição revela a
existência de fenômenos novos, emergentes... [pode-se esperar] encontrar
obediência a todas as leis dos níveis inferiores. Mas reconstruir os níveis superiores
de organização exige a especificação das unidades inferiores, e isto como
conseqüência, gera riqueza e a base de princípios novos e inesperados.” (ibid, p. 11).

Qualquer acusação de “reducionismo” à sociobiologia seria, portanto, descabida.


Psicólogos evolucionistas também foram no mesmo sentido e destacaram seu apreço pela
idéia de emergência e rejeição da idéia de assimilar um campo do conhecimento.

“by calling for conceptual integration in the behavioral and sciences we are neither
calling for reductionism nor for the conquest and assimilation of one field by
another...In fact, not only the principles of one field not reduce to those another, but
by tracing the relationships between fields, additional principles often appear.”
(COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 12).
“each field ‘higher’ up in the structure requires additional principles special to its
more restricted domain (e.g., living things, humans) that are not easily reduced to
the principles found in the other fields (e.g. .natural selection is not derivable from
chemistry).” (ibid, p. 13, nota 1).
“What evolutionists are asking is only that sociology and social-cultural
anthropological accounts be compatible with what we think we know of human
evolution and psychology: that is all. Incompatibles indicate errors at one level or
the other and must drive research. The aim is never to replace sociology or

42
anthropology with psychology and biology.” (BARKOW, 2006, p. 29 apud
JACKSON s.d., p. 9).

Outros sociobiólogos também admitiram a existência de propriedades emergentes


(PINKER, 2004, p. 215), (KANAZAWA, 2004, p. 377-8), e provavelmente muitos outros
admitirão, mas, diziam, faz-se urgente substituir as ciências sociais feitas até o momento. Mas
o que significaria isto? Psicólogos evolucionistas defenderam a integração não com o termo
“redução”, mas com termos como “integração conceitual” ou “integração vertical”, num
sentido muito próximo ao de Wilson, apesar de usar termos diferentes. Barkow explica
melhor o que quer dizer com isto:

“What then is to replace that standard social science model? Following Tooby and
Cosmides is Symons, who in his chapter demolishes facile efforts to account for
culturally patterned behavior with a psychology-free evolutionary biology. How,
then, are we to apply an evolutionary perspective to modem culture and society?
The present chapter provides a single answer to both of those questions: We replace
unexamined psychological assumptions not with pure biology but with an
evolutionary psychology (or at least, for those who dislike labels, with an
evolutionarily-informed psychology).” (BARKOW, 1992, p. 635, itálicos no
original).

Muitos destacavam, a revolução nas ciências sociais já estaria ocorrendo. Robert


Wright falava em “mudança de paradigma” para descrever tal mudança. É certo para a
sociobiologia que muitos cientistas sociais continuavam trabalhando com o caduco Modelo
Padrão das Ciências Sociais, mas alguns bravos hereges começaram a questionar os dogmas
vigentes.

“In the 1970s a few brave sociobiologists began to ask why, if other animals had
evolved natures, humans would be exempt. They were vilified by the social science
establishment and told to go back to ant-watching: Yet the question they had asked
has not gone away.” (RIDLEY, 1993, p. 319).
“Advances in recent decades in a number of different disciplines, including
evolutionary biology, cognitive science, behavioral ecology, psychology, hunter-
gatherer studies, social anthropology, biological anthropology, primathology, and
neurobiology have made clear for the first time the nature of the phenomena studied
by social scientists and the connections of those phenomena to the principle and
findings in the rest of science. (COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 23,
itálicos adicionados).
No estudo dos humanos, há esferas importantes da experiência humana – beleza,
maternidade, parentesco, moralidade, cooperação, sexualidade, violência – nas quais
a psicologia evolucionista forneceu a única teoria coerente e gerou novas e vibrantes
áreas de estudo empírico. (PINKER, 2004, p. 191).

Wilson acreditava que a integração seria do seguinte modo:

43
“Se de fato os genes renunciaram a seu controle nalgum tempo remoto durante a
evolução humana, e se o cérebro se assemelha a um computador para todas as
finalidades, a biologia não pode desempenhar um papel coadjuvante nas ciências
sociais. O domínio apropriado da sociologia seria então a variação dentro das
culturas, interpretadas como um produto do ambiente. Já a antropologia cultural
deveria concentrar-se no detalhado estudo interno das sociedades estranhas aceitas
em seus próprios termos, com o mínimo de referência aos esquemas extrínsecos
ocidentalizados, inclusive os provindos da biologia.” (WILSON, 1994, p. 331).

As promessas são audaciosas. Se tiverem razão, então as ciências sociais devem


prestar bastante atenção aos desenvolvimentos da sociobiologia. Alguns sociólogos
sociobiólogos acreditam que a sociobiologia pode ajudar muito em alguns problemas
importantes da sociologia. Nielsen acredita que a sociobiologia poderia resolver o problema
da ação coletiva, Lopreato acreditava que sociobiologia pode reeditar a teoria dos sentimentos
de Pareto para assim explicar o comportamento não-racional; Kanazawa (2001) acredita que a
sociobiologia pode ajudar a solucionar problemas da Teoria da Escolha Racional como o
paradoxo do voto, o dilema da ação coletiva, ou mesmo explicar por que as pessoas cooperam
no dilema do prisioneiro uma vez que opção mais “racional” (no nível individual) seria que
não cooperassem, além de tentar explicar aprendizado, normas, e identidade. Sanderson
(2001a) e Barkow (1992) acreditam que a Sociobiologia pode ajudar bastante na compreensão
de fenômenos como estratificação social e Ellis é um dos que apostam na área do crime.
Alguns acreditam que problemas como o Tabu do Incesto, sistemas de parentescos, sistemas
matrimoniais, guerras entre Yanomamis, canibalismo entre os Astecas, etc. só poderiam ser
explicados pela união da Antropologia com a sociobiologia. Dickemann acreditava poder
explicar o infanticídio na China e Índia. Bradley A. Thayer acredita na frutividade da
sociobiologia para explicar as relações internacionais. Barkow (1978) defendia que a
sociobiologia não daria fundamentos, mas os antropólogos podiam apenas achá-la útil ou não.
No geral, há empolgação geral na aplicação da sociobiologia nas ciências sociais.
Maynard Smith, apesar de rejeitar grande parte da sociobiologia humana, afirmou ter achado
interessante o trabalho de Dickemann, tendo este trabalho o convencido da aplicabilidade da
sociobiologia a humanos (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 164).
A confiança de que as ciências sociais que incorporassem a (sócio)biologia seriam
muito mais progressivas era tal, que alguns sociobiólogos chegaram a profetizar o rápido
declínio da sociologia não sociobiologizada. Ellis (1977) dizia ao final da década de 1970 que
o declínio ocorreria por volta do ano 2000. Van den Berghe (1990) acreditava que a

44
sociologia teria ainda algumas poucas décadas34, e cerca de vinte e quatro anos mais tarde da
primeira previsão de Ellis, Stephen Sanderson reatualizou o cálculo do declínio da sociologia
35
não sociobiologizada para mais vinte anos e também Lopreato expressou opinião
semelhantes (2001, p. 430).
Acredito que o argumento do projeto de sociobiologização das ciências sociais
pode ser esquematizado da seguinte forma.

Quadro 1. Principais pressupostos do argumento dos sociobiólogos com relação às


Ciências Sociais

Tese 1: As ciências sociais feitas até o momento se embasam em certas teorias contraditas
pelas ciências naturais atuais.
Subtese 1.1: Uma crença que embasa as ciências sociais é a idéia de que o
homem é uma tábula rasa ao nascer, isto é, as ciências sociais
negam a existência de aspectos inatos no homem.
Subtese 1.2: Outra crença errônea que embasaria as ciências sociais trata-
se do mau entendimento da evolução darwiniana, associando-a
erroneamente à noção de progresso.
Tese 2: Tal descompasso com as ciências naturais leva ao atraso nas ciências sociais, isto é,
sua incapacidade em gerar conhecimento científico válido (leis).
Tese 3: Para curar tal atraso, as ciências devem se fazer consistentes com as ciências
naturais, pois é assim que a ciência progride.
Tese 4: A sociobiologia seria “a” representante das ciências naturais,
Tese 5: A sociobiologia seria a única ciência no momento capaz de integrar as ciências
sociais às naturais e fazer com que as primeiras consigam progressos científicos
reais.

34
“Sociology is safe for at least a few more decades.” (Van den BERGHE, 1991, p. 185).
35
“If sociologists continue to deny the importance of biology, within twenty years or so, by which time the
evidence for biology will have become much more massive, they are going to look increasingly foolish both
within the academy and to the larger educated public. They will risk becoming seriously marginalized, if not
destroyed, as a discipline.” (SANDERSON, 2001b, p. 137).
45
Tais leituras não têm se restringindo ao âmbito sociobiológico. Runciman
compartilha desta leitura (RUNCIMAN, 2001, p. 15), e pelo menos um manual de
Antropologia corrobora esta visão36. Alguns chegam ao ponto de igualar a recusa da biologia
pelas ciências sociais com “neocriacionismo”, como fizeram Barbara Ehrenreich e Janet
MacIntosh (apud Dusek), Frank Salter (1996), Bernard Baldus (apud RICHTER, 2005, p.
538) e Allan Mazur. Diz este último: “Conventional social scientists treat humans as sui
generis, a species apart from the rest of the animal kingdom. Ignoring evolution, sociologists
explain our behavior and institutions as if we were created afresh by God, without roots in our
simian ancestry” (MAZUR apud NIELSEN, p. 29).
Apesar de tudo que foi dito até então, defenderei aqui que algumas destas teses
são absolutamente falsas, outras parcialmente falsas ou bastante questionáveis. No capítulo
seguinte discutiremos quão bem as ciências sociais foram entendidas por sociobiólogos e, no
posterior, as possíveis vias de sociobiologização das ciências sociais.

2.5. Modelo Padrão das Ciências Sociais: um inimigo real?

Passemos agora à apreciação do diagnóstico e da cura propostos pela


sociobiologia. O objetivo deste capítulo é avaliar o quão bem sociobiólogos entenderam as
ciências sociais que criticam. Como vimos anteriormente, a Sociobiologia criticava as
ciências sociais feitas até o momento, e a psicologia evolucionista deu um nome a esta ciência
social: SSSM (Standard Social Science Model), ou Modelo Padrão das Ciências Sociais. Este
modelo é supostamente caracterizado pela negação de aspectos inatos no homem, negação da
existência de aspectos universais em todas as culturas humanas, negação do evolucionismo e
a suposição de que a ação individual é causada não pelos próprios indivíduos, mas por
“superorganismos” como sociedade e cultura. Os principais “culpados” por este tipo de visão
seriam Franz Boas e seus discípulos Margareth Mead e Alfred Kroeber 37, na psicologia James
Watson e B.F.Skinner, e na sociologia Emile Durkheim, sendo Durkheim o principal culpado.

36
“O contato entre biólogos e antropólogos nos anos 90 foi produtiva. Biólogos compreenderam que linguagem,
autotconsciência, mito e ritual não é simplesmente ‘elaborações sobre comportamento primata genérico’ e
antropólogos “por sua vez admitiram, que em grande parte a teoria da tabula rasa da socialização humana é
insustentável, e muitos começaram pelo menos a questionar a separação a priori das ciências naturais e sociais”
(ERIKSEN e NIELSEN, 2007. p. 201-202).
37
Segundo (PINKER, 2004, p. 45), Kroeber seria um “monstro” criado por Boas.
46
Enquanto muitos críticos enfatizaram a inexistência de adeptos deste suposto
Modelo Padrão, desconheço quem tenha procurado demonstrar um pouco mais
extensivamente a inexistência de adeptos reais, talvez por acreditarem que isto fosse óbvio
demais para merecer perder tempo38. Espero contribuir para o debate mostrando um pouco
mais extensamente como tal modelo jamais existiu.
Um modo de conhecer uma disciplina, dizia Kuhn, é olhar seus manuais ou livros-
texto. Em língua inglesa um manual bastante influente em sua época foi o livro de Sorokin
(1928) Contemporary Sociological Theories. Nele, Sorokin traça um retrato bastante extenso
sobre as principais escolas sociológicas da época e suas principais influências, além de traçar
em alguns casos suas origens remotas. Fica evidente as inúmeras influências das mais
diversos campos na sociologia, como física, biologia, e geografia. Quanto às influências da
biologia, Sorokin identificava as seguintes tendências típicas:
1 . interpretação bioorganicista dos fenômenos sociais, ou como ficou conhecida
posteriormente, simplesmente “organicismo”. A sociedade pode ser entendida como
um organismo. Teve como principais representantes René Worms, criador do
Instituto Internacional de Sociologia, Albert Schäffle, Paul Lilienfeld, Glumpowicz
e Alfred Espinas.
2 . Escola antroporracial. Examinava fenômenos sociais em função da herança, seleção
e variação mediante a seleção de raças. Teve como principal representante
Gabineau. Defenderam teorias da degeneração racial, onde o declínio de civilizações
ocorriam devido à miscigenação racial.
3 . escola darwinista da luta pela existência. Influenciou a sociologia da guerra e teve
como principais defensores J.Novicow, E.Ferri.
4 . escola instintivista. Teve como principais representantes Conwy Lloyd Morgan,
James Mark Baldwin, William James e William McDougall Processos e instituições
sociais poderiam ser manifestações das várias tendências herdadas e instintivas.
Segundo alguns autores, tais instintos foram moldados pela seleção natural.

Na história das ciências sociais descrita pela sociobiologia apenas a chamada


escola antroporracial aparece, onde as ciências sociais teriam tido o importante papel de
desacreditar tais perspectivas opressivas que defendiam o genocídio e a esterilização de

38
Há o trabalho de Jackson (no prelo) que comenta a má leitura que psicólogos evolucionistas fizeram de
Kroeber. Já Schmaus (2003) contesta que a sociologia de Durkheim seja incompatível com a psicologia
evolucionista. No entanto, Schmaus não menciona os pontos que destacarei aqui.
47
pobres e inaptos (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 34-5). Mas afora isto, nem mesmo a escola
instintivista recebe atenção39. Na nossa discussão, não nos interessa discutir a escola
antroporacial. As outras escolas serão discutidas ao longo deste capítulo. A simples existência
destas escolas, como veremos a seguir, questiona a variação da história das ciências sociais
que diz que as ciências sociais nasceram e cresceram desconhecendo as ciências naturais e/ou
a evolução darwiniana.

2.5.1. Durkheim, o grande satã da Sociobiologia

Durkheim seria o principal “culpado”, uma vez que ele teria cunhado uma
separação intransponível entre ciências sociais e ciências naturais, entre cultura de um lado e
psicologia e biologia de outro, onde sociedade seria um ente independente da psicologia
individual, sendo pessoas meras tabulas rasas. Tal discurso é onipresente nos livros de
psicologia evolucionista.
No entanto, é usado como único suporte a estas interpretações o livro As Regras
do Método Sociológico, tido como o manual canônico de toda a sociologia, além de servir de
inspiração para a antropologia cultural. Durkheim é tido como “o” fundador da sociologia.
Geralmente, além da afirmação de que fatos sociais são fenômenos sui generis, as seguintes
passagens da obra de Durkheim são utilizadas em apoio a esta leitura, sendo repetidas à
exaustão.
1) “Um fato social só pode ser explicado por outro fato social” (DURKHEIM,
1995 [1895], p. 149), e:
2) “toda vez que um fenômeno social é diretamente explicado por um fenômeno
psíquico, pode-se ter a certeza de que a explicação é falsa” (DURKHEIM, 1995 [1895], p.
106)
Ellis (1996) considerou a segunda “dead wrong... assumption” (1996, p. 25).
Outros tiraram as seguintes conclusões:

“E Durkheim formulou uma lei para as ciências sociais que seria citada com
freqüência no século seguinte: ‘A causa determinante de um fato social deve ser

39
Hampton (2006) trabalha este ponto da negligência da psicologia evolucionista para com a escola instintivista.
Tal negligência, segundo Hampton, tem levado a psicologia evolucionista a alguns dos mesmos erros da escola
instintivista, e, acrescenta “However, the weakness of the SSSM as a thesis is that it overlooks ‘the instinct
debate’ – by which I mean the attempt to establish instinct as the foundational concept in psychology and social
science.” (p. 58).
48
buscada entre os fatos sociais que o precederam, e não entre os estados de
consciência individual’. Tanto a psicologia como as ciências sociais, portanto,
negavam que a mente da pessoas individuais fosse importante...” (PINKER, 2004 p.
46, grifo adicionado).
“Durkheim like Boas in anthropology, did subsequent generations of social
scientists a great disservice with his (1895) argument that social facts can be
explained only by other social facts - that social facts are phenomena sui generis and
thus endogenously explicable and autonomous from the realms of psychology and
biology.” (LOPREATO e CRIPPEN, 1999, p. 13-4).

Ridley disse “Emil Durkheim, the founder of sociology, set out in 1895 [As
Regras do Método Sociológico] his assertion that social science must assume people are blank
slates on which culture writes” (RIDLEY, 1993, p. 318, grifo meu). Outro autor disse,
“sociobiology violates Durkheim’s injunction—which is bedrock in the training of social
scientists in this country—that social phenomena can only be explained in terms of social
variables.”(HOLTON apud FREESE, 2000, p. 18, itálico adicionado). Freese concluiu que As
Regras do Método Sociológico foi escrito unicamente como tática para defender uma cadeira
de sociologia em Sorbonne contra os psicólogos (p. 44240). E Barkow afirmou:

Social scientists influenced by Emile Durkheim (e.g., Radcliffe-Brown, Leslie


White) would disagree strongly with the assertion that there is always a relevant
psychological level of explanation underlying social behavior. Though there are
historical reasons for this position, it is difficult to take seriously today because it
would seem to be obvious that social action necessarily involves individual actors
who behave in a manner generated by their individual psychologies. (BARKOW,
1992, p. 636, itálico adicionado).

Mas Durkheim não diz que o objeto da sociologia seja “fenômeno social”, nem
“comportamento social”, “comportamento humano”, muito menos “mente individual”.
Durkheim diz que são objeto da sociologia os “fatos sociais”, conceito cuja definição e
aplicação é bem delimitada em capítulos próprios e no prefácio à segunda edição, para evitar
o tipo de confusão que ocorria na época e que sociobiólogos repetem sem nenhum pudor. Em
nenhum momento os sociobiólogos procuram o sentido que Durkheim deu a “fato social”,
mas se sentem à vontade em inferir seu significado como sinônimo de “social” simplesmente.
Além disto, o que legitima Durkheim dizer que um fato social só pode ser explicado por outro
fato social que o preceda e nunca pela psicologia, é, segundo o próprio, por puramente se ater
ao princípio da causalidade (eficiente). Trata-se, portanto, de um enunciado metodológico,
não um enunciado empírico ou um simples dogma que diz que não há influência da biologia

40
E usa em apoio uma passagem de (ROSE, 2000, p. 144). Rose, apesar de fazer uma defesa de Durkheim,
parece acreditar que este tenha sido realmente o motivo de Durkheim escrever tal livro.
49
no comportamento social. Podemos pensar que a psicologia pode ser a causa material dos
fatos sociais, mas não sua causa eficiente 41.
Por exemplo, se desejamos saber o motivo de João estar nervoso agora, de nada
adianta recorrer ao enunciado “humanos ficam nervosos quando a taxa de hormônios X
aumenta n%” uma vez que não queremos saber os processos envolvidos quando pessoas
ficam nervosas, mas por que uma pessoa específica, João, está nervosa neste momento e não
em outro. A explicação só surge quando utilizamos um elemento presente numa situação e
não em outra, como “bateu o carro”. O enunciado “Pessoas ficam nervosas quando a taxa de
hormônios X aumenta n%” é simplesmente condição de existência, e é exatamente isso que
Durkheim diz da psicologia: ela é meramente condição de existência, mas não condição
suficiente para explicar fatos sociais. Para Durkheim seria igualmente legítimo dizer que fatos
psíquicos só se explicam por outros fatos psíquicos, e que toda vez que se explicar fatos
psíquicos diretamente por fatos sociais, pode-se saber que tal explicação é falsa. Dizia
Durkheim sobre isto:

“Quanto às suas manifestações privadas [dos fenômenos sociais], elas têm


claramente algo de social, já que reproduzem em parte um modelo coletivo; mas
cada uma delas depende também, e em larga medida, da constituição orgânico-
psíquica do indivíduo, das circunstâncias particulares nas quais ele está situado.
Portanto elas não são fenômenos propriamente sociológicos. Pertencem
simultaneamente a dois reinos; poderíamos chamá-las de sóciopsíquicas.”
(DURKHEIM, 1995 [1895], p. 8-9, grifos adicionados).

Além disso, é totalmente inapropriada a atribuição à Durkheim da separação


radical entre ciências naturais e sociais. Para Durkheim só havia um tipo de ciência, e a
sociologia não seria diferente. A separação entre Ciências Sociais, Geisteswissenschaften
(ciências do espírito), Ciências Culturais, Ciências Socioculturais, Ciências Sócio-históricas
de um lado, e Ciências Naturais do outro é característica do contexto alemão, e não há
nenhuma menção às diferentes separações tentadas entre esses campos por parte da
sociobiologia, como Dilthey, Rickert (e Weber), e Windelband.
Para Durkheim o princípio que definia a autonomia da sociologia em relação à
psicologia e biologia – e não das ciências humanas com relação às ciências naturais – era o
mesmo que daria autonomia à biologia. Para Pinker (2004, p. 52) tal analogia era com o

41
A distinção entre tipos de causa vem de Aristóteles. Se uma escultura foi feita, então a causa material dela
seria o mármore, enquanto a causa eficiente seria a atividade pela qual o resultado foi produzido. Haveria ainda
para Aristóteles as causas formal e final, que não nos interessa aqui. Durkheim utiliza apenas o termo “causa
eficiente”. Mas apesar de não utilizar o termo “causa material”, acredito que possa ser utilizado para descrever o
papel da psiquê na explicação de fatos sociais.
50
vitalismo. Cientistas que acreditavam na separação absoluta entre cultura e biologia usaram a
analogia da diferença entre matéria viva e não viva. Löwie dizia que a Cultura era sui generis,
afinal uma célula só pode vir de outra célula. “Na época em que escreveram, Kroeber e Lowie
tinham a biologia a seu lado. Muitos biólogos ainda julgavam que os seres vivos eram
animados por uma essência especial, um élan vital, e não podiam ser reduzidos a matéria
inanimada.” (PINKER, 2004, p. 52).
Mas Durkheim não recorre a nenhuma analogia com o vitalismo, como sugeriu
Pinker.

“Mas, dirão, visto que os únicos elementos de que é formada a sociedade são
indivíduos, a origem primeira dos fenômenos sociológicos só pode ser psicológica.
Raciocinando deste modo, pode-se também facilmente estabelecer que os
fenômenos biológicos se explicam analiticamente pelos fenômenos inorgânicos.
Com efeito, é bastante certo que na célula viva há apenas moléculas de matéria
bruta. Só que estas se encontram ali associadas, e essa associação é que é a causa
dos fenômenos novos que caracterizam a vida e cujo germe é impossível descobrir
em qualquer um dos elementos associados... Que diferenças existem entre os
organismos inferiores e os demais, entre o ser vivo organizado e o simples plastídio,
entre este e as moléculas inorgânicas que o compõem, senão diferenças de
associação? Todos esses seres, em última análise, decompõem-se em elementos da
mesma natureza.” (DURKHEIM, 1995 [1895], p. 104).

Durkheim foi aluno do “pai da psicologia experimental”, Wilhelm Wundt, e dizia


que queria fazer na sociologia, a mesma revolução que Wundt fez na psicologia Não há anti-
psicologia em Durkheim e também não há bom selvagem em Durkheim. Para Durkheim o
crime é punido diferentemente conforme o tipo de sociedade, conforme o grau em que
sentimentos coletivos são exacerbados. Em sociedades onde os valores coletivos são muito
fortes, como nas sociedades tradicionais ou primitivas, a transgressão aos valores coletivos
leva à indignação igualmente forte, a ponto de a punição ser extremamente violenta, como
numa “vingança coletiva” ocorrendo em “praça pública”, onde todos ou quase todos
participam do ritual punitivo. Além disso, Durkheim destacava que o número de homicídios
diminui progressivamente com a civilização (DURKHEIM, 2002, p. 158)42. Tal
caracterização de sociedades mais primitivas não se assemelha em nada à imagem do
selvagem “bom”. Além disso, para Durkheim, existem características universais a todos os
povos. Para Durkheim, o crime é um fenômeno normal, uma vez que não há sociedades que a

42
Além de Durkheim, vários outros autores do século XIX como Spencer, Morgan e Comte dentre outros,
destacavam como característica das sociedades européias seu menor uso da violência em relação às sociedades
tradicionais, como na passagem “sociedades militares” para “sociedades industriais”, ou entre selvageria,
civilização e barbárie.
51
desconheçam. Além do crime, formas mais específicas de crime, como a interpretação de
assassinato e roubo como crimes também seriam universais.
A impressão que se tem, ao analisarmos a leitura de Durkheim feita pela
sociobiologia, é a de que não leram bem sequer a obra que criticam como a pedra fundante do
Modelo Padrão das Ciências Sociais, mas selecionaram (alguém, há algum tempo atrás) as
partes que consideraram interessante para sua narrativa, repetindo tais passagens em leituras
de segunda e terceira mão.
Mas deve-se fazer justiça às exceções. Certos sociobiólogos fogem um pouco a
tal interpretação tendenciosa de Durkheim. Wilson (1975, p. 560) concordava com Durkheim
quanto ao papel do ritual na reafirmação dos valores coletivos; Rosenberg (1980) criticou
Durkheim, mas em termos muito diferentes da psicologia evolucionista. Já Sanderson e
Lopreato compartilham de certa visão defeituosa, mas chamam a atenção para o não-anti-
evolucionismo darwiniano em Durkheim. Mas tais casos, como disse, fazem parte das
exceções.

2.5.2. Organicismo vitalista, superorganismo, e a suposta negação


do indivíduo

“Na tradição sociológica, sociedade é uma entidade orgânica coesa, e seus cidadãos
individuais são meras partes. As pessoas são consideradas sociais por sua própria
natureza, funcionando como constituintes de um superorganismo maior. Essa é a
tradição de Platão, Hegel, Marx, Durkheim, Weber, Kroeber, do sociólogo Talcott
Parsons, do antropólogo Claude Lévi Strauss e do pós-modernismo nas
humanidades e ciências sociais.” (PINKER, 2004, p. 389).

As ciências sociais seriam caracterizadas pelo apego à noção de sociedade como


organismo vivo dotado de vontades e necessidades próprias que causaria a ação dos
indivíduos, sem ser causada por nada. Tal visão é característica de psicólogos evolucionistas,
mas nem tanto dos Sociobiólogos.
A metáfora da sociedade como um organismo é encontrada desde a Grécia antiga,
passando pela China e Hinduísmo antigo (SOROKIN, 1928, p. 197). Com a ciência moderna,
foram os Organicistas que disseram que a sociedade podia ser entendida como um organismo,
e talvez o único organicista que tenha defendido que este organismo era “vivo” foi Espinas43,

43
Dizia ele “In order to finally place political doctrine upon the soil of reality, it would be necessary to take the
position of admitting that sociology is simply the continuation and the development of biology, that human
52
e mesmo o termo “vivo” não tem sentido vitalista. Era vivo, tinha suas próprias necessidades,
mas não existia fora dos indivíduos que o compõem (BARBERIS, 2003, p. 55). Organicistas
se opunham ao darwinismo social uma vez que a natureza também exibia harmonia e
cooperação.
O principal problema dos organicistas era a questão da organização (GUILLO,
2002, p. 146). Os organicistas defendiam tal analogia para defender a complexidade do social,
onde formava-se um todo complexo, onde não poderíamos retirar nenhuma de suas partes sem
com isso comprometer o funcionamento do todo, e conseqüentemente, das outras partes.
Alguns diziam que o anarquismo seria impossível, uma vez que seria impossível remover
certas instituições cruciais para o funcionamento da sociedade. Eliminar o governo seria como
eliminar o sistema nervoso (BARBERIS, 2003, p. 59). No organicismo, defende Guillo, a
idéia de “Organismo” não tem nenhuma oposição a “mecânico”, no sentido de escapar às leis
da mecânica para afirmar “vida”. Guillo chama a atenção que os organicistas inclusive se
opunham à Naturphilosophie alemã, talvez essa sim de tendências vitalistas, e suas noções de
força vital (élan vital) na biologia, ou seus correlatos sociológicos Volkgeist (“espírito do
povo” em tradução literal) ou de Sozialspyche (“psique social” em tradução livre) enquanto
forças misteriosas. Nem no organicismo há a noção vitalista de élan vital ou seus correlatos
(GUILLO, 2002, p. 126). Durkheim também ressaltou este ponto quanto à suas próprias
teorias e conceitos:

“É preciso deixar claro que, ao nos servirmos dessa expressão, de modo algum
pretendemos hipostasiar a consciência coletiva. Não podemos admitir a existência
de uma alma substancial, seja ela na sociedade como no indivíduo.” (DURKEIM,
2003, p. 23).

O termo “superorganismo”, ao que tudo indica, surgiu com Spencer em seu


Principles of Sociology de 1885, ao se perguntar “o que é a Sociedade”, responde, “A
sociedade é um superorganismo”. Alfred Kroeber é tido por alguns como consagrador do
termo, e biólogos como Dobzhansky e mesmo Wilson acreditam que podemos falar de
sociedade como superorganismo44. Apesar da crítica veementemente à noção de

society is a concrete living thing, of the same order as animal societies.” (ESPINAS, 1882, p. 566–7 apud
BARBERIS, 2003, p. 59).
44
Wilson ao falar sobre diferenças entre humanos e símios, dizia que até os mais fervorosos ambientalistas
“estão inclinados a concordar com o grande geneticista Theodosius Dobzhansky que ‘num sentido, os genes
humanos cederam sua primazia na evolução humana a um agente inteiramente novo, não-biológico ou
superorgânico, a cultura. Contudo, não se deve esquecer que esse agente é inteiramente dependente do genótipo
humano”. (WILSON, 1980, p. 21). Wilson aplica o termo “superorganismo” para descrever também
formigueiros (ver WILSON, 2005).
53
superorganismo de Kroeber, assim como na noção de fato social, psicólogos evolucionistas
fazem exegeses e mais exegeses sobre o termo, mas ninguém em momento algum se dá ao
trabalho de examinar o que Kroeber quis dizer com isto. Kroeber postulava quatro níveis de
realidade, ou “gêneros de fenômenos”.

“... crença na realidade de quatro gêneros de fenômenos: os da matéria e da força


como tais, os da vida como tal, os da consciência e os da vida social ou cultural.
Estas quatro variedades de factos da experiência também podem se denominadas o
inorgânico, o directamente orgânico ou vital, o mentalmente orgânico ou psíquico e
o civilizacional ou superorgânico ou, melhor, super-psíquico.” (KOREBER, 1993,
[1918], p. 84).

Assim, “superorgânico” para Kroeber não tem nada a ver com “organismo” como
entendido pelo organicismo, nem quer dizer que a cultura e a sociedade sejam um organismo
“super” ou um organismo vivo, mas tão somente denota um tipo de fenômeno acima dos
fenômenos da vida, ou melhor, dos psíquicos, assim como havia fenômenos infraorgânico45.
“Que existem necessidades – impulsos” dizia Kroeber, “é indubitável”, e acrescenta: “A
fome pode ser satisfeita; mas como ela é satisfeita pelos seres humanos nunca pode ser
deduzido do facto de terem fome, nem da constituição física específica. Além disso, certos
segmentos da cultura só passam a existir depois que as necessidades primordiais terem sido
satisfeitas” (KROEBER, 1993 [1949], p. 205-6). E dá como exemplos a religião, a arte e a
ciência.
Se é legítimo falar que os interesses dos genes são diferentes dos interesses dos
indivíduos, se é legítimo falar em “genes egoístas”, genes tramando, ponto de vista do gene,
em “memes devem ser considerados como estruturas vivas” (DAWKINS, 2001 [1976], p.
214), etc. por que não podemos falar que grupos, sociedades com suas necessidades e
interesses particulares? E em que sentido se diz que a sociedade tem suas próprias
necessidades? Realmente, em sociologia se diz que o grupo tenha necessidades especiais,
diferentes das dos indivíduos. Mas disso não devemos concluir, como faz Pinker, que isto é
hipostasiar um organismo vivo na sociedade. Afirma-se coisa bem mais simples. Indivíduos
em grupos criam regras para que o grupo se mantenha funcionando e controlam o
funcionamento do grupo através de incentivos e punições aos indivíduos a ele associados. Nas
forças armadas, por exemplo, o problema pessoal pode ser sobreviver ou morrer, ganhar
dinheiro, ascender na hierarquia, defender a liberdade, vingança, etc., já as necessidades do
grupo para se manter funcionando, ou melhor, as necessidades estruturais são saber que tipos

45
Para uma discussão mais extensa da noção de “superorganismo” em Kroeber, ver Jackson (no prelo).
54
de pessoas devem ascender a que cargo, como selecioná-los, e como mantê-las agindo de
forma a não comprometer o funcionamento da instituição. Se estou na linha de frente durante
uma guerra, tenho que manter a formação, apesar dos meus amigos estarem morrendo, mesmo
sendo grande a possibilidade de eu ser o próximo. Tenho a liberdade (livre-arbítrio) de
desertar, mas o sistema tem meios para tentar coibir este tipo de ação, como, por exemplo,
fazendo com que minha morte seja mais certa se eu desertar do que se permanecer no front.
As necessidades do exército não são as mesmas das necessidades dos soldados. Não se diz
que isto seja correto ou errado; que o indivíduo não vale nada, sendo o que importa na
verdade é o grupo. Trata-se simplesmente de uma constatação: Grupos, para funcionar, podem
ter necessidades diferentes das dos indivíduos. Uma empresa tem que dar lucro e o indivíduo
tem que manter seu emprego, e, muitas vezes, para atender à necessidade do grupo (a
empresa), demite-se indivíduos, e os indivíduos vão agir de modo a evitar tal demissão. E,
como dizia Kroeber:
“Em resumo, a ciência social... não nega a individualidade, tal como não nega o
indivíduo. Recusa-se, sim, a ocupar-se quer da individualidade quer do individuo
enquanto tais. E baseia esta recusa unicamente na rejeição da validade de ambos os
factores para a consecução dos seus próprios objectivos.” (KROEBER, 1993, p. 75).

Mas Pinker chegou a outras conclusões sobre Kroeber. Além de incorreta,


também seria politicamente perigoso dizer sobre coletividades com seus próprios interesses.

“A doutrina de que uma coletividade (uma cultura, uma sociedade, uma classe, um
sexo) é um ser vivo com seus próprios interesses e sistema de crenças está por trás
das filosofias políticas marxistas e da tradição da ciência social iniciada por
Durkheim. [George] Orwell [o autor de “1984” e “A Revolução dos Bichos”] está
mostrando o lado sombrio dessa doutrina: o descarte do indivíduo.” (PINKER, 2004,
p. 577).

Interessantemente, quando questionados sobre se a sociobiologia seria sexista,


sociobiólogos evocam a falácia naturalista, isto é, lembram que há um salto entre descrever o
mundo de um lado e justificá-lo de outro. Não podemos saltar do que é para o que deve ser.
Ao a teoria sociobiológica dizer que homens sejam naturalmente promíscuos isto não seria
uma legitimação do machismo, mas apenas uma constatação empírica. Se quisermos mudar a
realidade, temos de levar este conhecimento em consideração. Somente através da constatação
acurada da realidade pode-se ter meios mais eficazes para mudá-la. No entanto, ao tratar das
“necessidades do grupo” não. Aqui a falácia naturalista não é falácia, e a sociologia é tão
perigosa quanto o socialismo e regimes totalitários.

55
A sociobiologia bate o pé que a cultura não é independente ao mostrar sua origem
psicológica. Mas mostrar a origem de algo, não é mostrar sua dependência, nem é explicar
seus detalhes. Como destacou Jeffrey Alexander, quase todo teórico da micro sociologia disse
que o nível individual havia sido deixado de lado pela tradição sociológica, e que suas
próprias abordagens, ao levar isto em conta, revolucionariam a sociologia (ALEXANDER,
1988, p. 304-6), e dá como exemplo de tais perspectivas Sartre (e Touraine e Bourdieu se
basearam nele), Schutz, Garfinkel, Giddens, Habermas, Blumer, Goffman, George Homans e
Randall Collins. A sociobiologia é só mais uma tentativa entre outras. Portanto, se a
sociobiologia quiser revolucionar as ciências sociais, devem mostrar bem mais do que a
origem psicológica de certos fenômenos sociais.

2.5.3. A suposta negação da universalidade humana

Muitos psicólogos evolucionistas (mas não os Sociobiólogos) acreditam que uma


das características do Modelo Padrão seria, senão a da negação, pelo menos a negligência da
existência de aspectos universais, isto é, aspectos presentes em todas as culturas. Ao final do
livro “Tabula Rasa” Pinker anexou uma extensa lista com universais culturais do antropólogo
Donald E Brown, catalogados a partir de 1989; isto é, características presentes em todas as
culturas, como brincadeira, fala infantilizada, dança, mexericos, música de crianças, cópula
normalmente praticada na privacidade, piadas, planejamento para o futuro, tabu do incesto,
etc. Seu objetivo era “causar calafrios” naqueles que acreditam na Tabula rasa, e acreditariam
em conseqüência que a cultura pode variar sem limites, para demonstrar que tais
características estão na natureza humana. Tooby e Cosmides afirmaram que o maior aspecto
cientificamente danoso do Modelo Padrão foi que:

“The most scientifically damaging aspect of this value system [adotado pelo Modelo
Padrão] has been that it leads anthropologists to actively reject conceptual
frameworks that indentify meaningful dimensions of cross-cultural uniformity in
favor of alternative vantage points from which cultures appear maximally
differentiated.” (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 44).

Mas Pinker afirmava que a mudanças recentes ocorriam em setores das ciências
humanas:

56
Pesquisadores das ciências humanas começaram a dar corpo à hipótese de que a
mente evoluiu com uma estrutura universal complexa. Alguns antropólogos
reexaminaram registros etnográficos que alardeavam diferenças entre culturas e
descobriram um conjunto espantosamente detalhado de aptidões e gostos que todas
as culturas têm em comum. (PINKER, 2004, p. 86).

Pinker cita como exemplo desta mudança recente uma lista compilada por Donald
E Brown com universais culturais catalogados a partir de 1989, anexando-a ao final de seu
livro (2004). Também a socióloga da ciência Segerstråle parece acreditar que o estudo de
universais é novidade da década de 1990 (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 307). Pinker e Tooby &
Cosmides criticaram um antropólogo chamado George Peter Murdock por fazer parte do
Modelo Padrão. No entanto, em sua história da ciência, nenhum desses reconhece que o
mesmo Murdock foi o responsável na década de 1940 por um inventário de universais
culturais, num artigo intitulado “The common denominator of cultures” no livro Science of
man in the world crisis, Antes dele C.Wissler em Man and culture de 1923, e mesmo Spencer
e Morgan no século XIX já haviam se dedicado ao tema. E Wilhelm Dilthey – muito mais
“culpado” do que Durkheim da separação absoluta entre ciências naturais e sociais, ao
postular a dicotomia explicação vs. entendimento (verstehen) – segundo Cohn, este defendia a
impossibilidade da sociologia (entendida na sua vertente positivista comteana), mas defendia
a pertinência da antropologia e da psicologia, “entendidas, ambas, como ciências que buscam
os invariantes da ‘natureza humana’ por trás de todas suas manifestações históricas
particulares” (COHN, 1979, p. 24). Kroeber e Kluckhohn procuraram definição mais geral
para cultura, onde Kluckhon escreveu “Universal Categories of Culture” no livro editado por
Kroeber Anthropology today: an encyclopedic inventory de 1953. Já em 1976, Murdock
lançou o World Etnhographic Atlas, livro usado muitas vezes contra a sociobiologia (como
em HARRIS, 1980 e SAHLINS, 1976), e mesmo pela Sociobiologia (ver E.O.Wilson, 1980 e
1998, p. 147).
Além disto, ao se dizer sobre universais culturais, nada é dito sobre o
estruturalismo. Nem Lévi-Strauss e sua oposição binária universal (mas “distinção cognitiva
binária” aparece na lista de universais). E muito menos sobre a explicação de Lévi-Strauss
para o universal tabu do incesto. Ou melhor, como destacou Evans (2002) sobre Pinker, mas
podemos generalizar à sociobiologia em geral, não há Antropologia, mas apenas etnografia.
Assim, a suposta grande novidade contra o maior “aspecto cientificamente danoso”, isto é,
que existem aspectos universais em todas as culturas, já estava contido nas ciências sociais
tradicionais, e foram usados pela e contra a Sociobiologia, fato ignorado pelos psicólogos
evolucionistas. Dizer que as ciências sociais se caracterizaram pela negação de aspectos
57
universais nas mais diferentes culturas é simplesmente assinar, mais uma vez, um atestado de
ignorância.

2.5.4. A suposta negação de aspectos inatos

Se o chamado Modelo Padrão é realmente caracterizado pela rejeição, pelo horror


a aspectos inatos, como explicar então que autores que defenderam a existência de aspectos
inatos como Hume, Kant, Chomsky e principalmente Freud tenham ou tiveram prestígio nas
ciências humanas, ao contrário da Sociobiologia? Além disto, não é de forma alguma correto
que os cientistas sociais “culpados” da suposta divisão intransponível entre homens e outros
animais defendessem realmente um determinismo cultural.
Pinker e Tooby & Cosmides citam uma passagem de Watson tida como “one of
the century's most famous pronouncements of the Blank Slate” e “usual implicit conflation of
idiotypic and panspecific naitivism.” (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 35).

“Dêem-me uma dúzia de crianças sadias, bem constituídas e a espécie do mundo que
preciso para as educar, e eu garanto que, tomando qualquer uma delas ao acaso,
prepará-la-ei para se tornar num especialista que eu selecione: um médico, um
comerciante, um advogado e sim, até um pedinte ou ladrão, independentemente dos
seus talentos, inclinações, tendências, aptidões, assim como da profissão e da raça
dos seus ancestrais.” (apud PINKER, 2004, p. 40).

Tal passagem também foi interpretada como declaração da crença de que para o
behaviorismo “talento e capacidade eram coisas que não existiam” (PINKER, 2004, p. 40,
grifo no original). Mas note que Pinker e Tooby & Cosmides negligenciaram que Watson
afirma ser possível tal engenharia social “independentemente dos seus talentos, inclinações,
tendências, aptidões”. Não nega, portanto, a existência de tais fatores, apenas minimiza seu
papel, como bem ressaltou Schliger (2002) “Worst of all, Pinker is simply wrong about the
positions of many of those he accuses as blank slate advocates, especially John B. Watson and
B. F. Skinner”. Schliger ressalta que Watson em seu livro “Behaviorism” tem um capítulo
inteiro dedicado aos instintos, mas isto é negligenciado por Pinker. Erros semelhantes são
cometidos com Skinner 46. Segundo este, Watson:

46
ver Schliger (2002) para uma crítica mais detalhada das diversas falhas com relação ao behaviorismo feitas por
Pinker, e que provavelmente podemos encontrar em outros autores. Segerstråle relata que a defesa da Tabula
rasa como apresentada, não foi defendida por ninguém, nem mesmo por Skinner, como o mesmo relatou em
58
“is probably responsible for the persistent myth of what has been called
‘behaviorism's counterfactual dogma.’ And it is a myth. No reputable student of
animal behavior has ever taken the position ‘hat the animal comes into the
laboratory as a virtual tabula rasa, that species differences are insignificant, and that
all responses are about equally conditionable to all stimuli.” (SKINNER, 1966/1969,
p. 173 apud GAYNOR).

Pinker chega ao ponto de afirmar que o behaviorismo estaria “morto” nos Estados
Unidos. E sobre Kroeber dizia Pinker:

“Kroeber não só negou que o comportamento social pudesse ser explicado por
propriedades inatas da mente; negou que pudesse ser explicado por quaisquer
propriedades da mente Uma cultura é superorgânica, ele escreveu – flutua em seu
próprio universo, livre da carne e do sangue dos homens e mulheres reais.”
(PINKER, 2004, p. 46).

Mas Kroeber não cansou de ressaltar a existência de aspectos inatos:

“É altamente improvável que Beethoven, posto no berço de Newton, tivesse dado à


sinfonia a sua forma final. Podemos e, evidentemente, devemos reconhecer
faculdades congênitas que são bastante especializadas. Tudo aponta para o facto de
as faculdades mentais elementares como memória, o interesse e a abstração serem
naturalmente desiguais em indivíduos de habilidade equivalente, mas inclinação
distinta, e isto apesar da cultura. (KROEBER, 1993 [1917], p. 71, grifos
adicionados).
“esta correlação é um axioma indiscutível dos que se ocupam da ciência: todo o
equipamento mental e toda actividade mental têm uma base orgânica. E isto basta
para já... Não há razão lógica, nem existe nada na observação do quotidiano, que vá
contra a crença de que um temperamento irascível é tão herdável como o cabelo
ruivo... e de certas formas de aptidão musical podem ser tão congénitas como ter
olhos azuis.” (KROEBER, 1993, p. 62).

E no caso de Boas, como destacou Marvin Harris:

“Que os principais departamentos de antropologia nos Estados Unidos ofereçam


vários cursos em antropologia física, primatologia, antropologia médica,
paleodemografia, biologia humana, genética humana e paleontologia humana (todos
eles com fortes componentes neodarwinistas) é um fato que existe principalmente
por causa de Boas, não a despeito dele.” (HARRIS apud HELLMAN, 1998, p. 237).

O mesmo pode ser dito sobre Durkheim. Durkheim, em A Divisão do Trabalho


Social, defendia embasado na medição de crânios de Gustave Le Bon, que este autor “pôde
estabelecer diretamente e com precisão matemática” que há diferenças significativas na
“massa do cérebro e, por conseguinte, da inteligência” de homens e mulheres por um lado, e

entrevista para a própria Segerstråle, e como teria afirmado em Skinner (1981) Selection by consequences.
Science, 213, 501-4 (SEGERTRÅLE, 2000, p. 303), ver também Gaynor (2004).
59
de civilizados e povos primitivos por outro lado (DURKHEIM, 2008 [1893], p. 23).
Durkheim também afirmou que os instintos no homem não perdem poder por que adquirimos
consciência, mas “a consciência invade apenas os terrenos que o instinto deixou de ocupar ou,
então, aqueles em que ele não pode se estabelecer” (ibid, p. 360).
Em Durkheim não há indivíduos tabula rasa moldados totalmente pela sociedade
e nem pode haver. Caso Durkheim acreditasse nisso, como poderia explicar o crime ou a
mudança social? A explicação que Durkheim dá para esses dois eventos não funcionaria de
forma alguma se pressupusesse conformismo total à sociedade, isto é, sem pressupor que haja
variação individual. Durkheim dizia da “consciência coletiva”, entendida como conjunto das
crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade.
Justamente por não ser a mesma em todos os indivíduos, estas crenças e sentimentos
compartilhados recebem outro nome. Sendo assim, é de se esperar que existam indivíduos que
se afastem mais desses valores compartilhados do que outros, a ponto de transgredi-los.
Ocorrendo isto, há então a sanção, seja em forma de punição severa, seja em forma de leve
desaprovação, como escárnio. E isto, diz Durkheim, ocorreria mesmo em uma “sociedade de
santos”:

“Imaginem uma sociedade de santos, um claustro exemplar e perfeito. Os crimes


propriamente ditos nela serão desconhecidos; as faltas que parecem veniais ao vulgo
causarão o mesmo escândalo que produz o delito ordinário nas consciências
ordinárias. Portanto, se essa sociedade estiver armada do poder de julgar e de punir,
ela qualificará esses atos de criminosos e os tratará como tais.” (DURKHEIM, 1995
[1895], p. 69-70).

Assim, para explicar o crime, Durkheim pressupõe a existência de variações


individuais, uma vez que há diferenças nas constituições orgânico-psíquicas dos indivíduos.
Tais crimes são necessários à mudança social, como no caso de Sócrates, tido como herético
em seu tempo, mas sendo tido posteriormente como símbolo da liberdade de pensamento
(DURKHEIM, 1995 [1895], p. 72-3).
Além de Durkheim, outro caso dentre os mais emblemáticos foi do embate
Dereck Freeman vs. Margareth Mead, que teria sido uma reedição do embate natureza vs.
cultura, ou melhor, segundo Freeman, a biologia e cultura defendida por ele vs. determinismo
cultural representado por Margareth Mead. Mead fez uma etnografia em 1928 de garotas
adolescentes entre o povo Samoano entitulada The Coming Age of Samoa – A Psychological
Study of Primitive Youth for Western Civilization, segundo a própria, com o seguinte intuito:
“I have tried to answer the question which sent me to Samoa: Are the disturbances which vex

60
our adolescents due to the nature of adolescence itself or to the civilization?” (MEAD, 1928,
p. 11). Apesar de haverem estudos que diziam que os distúrbios da adolescência era algo
natural.

“With such an attitude towards human nature the anthropologist listened to the
current comment upon adolescence. He heard attitudes which seemed to him
dependent upon social environment--such as rebellion against authority,
philosophical perplexities, the flowering of idealism, conflict and struggle --ascribed
to a period of physical development. And on the basis of his knowledge of the
determinism of culture, of the plasticity of human beings, he doubted. Were these
difficulties due to being adolescent or to being adolescent in America?” (MEAD,
1928, p. 5).

O estudo de Mead descrevia os adolescentes samoanos como adeptos de grande


liberdade sexual, sendo adeptos do sexo casual, em contraste com o forte ambiente repressor
dos EUA. Tais estudos teriam mostrado a vitória do peso de aspectos culturais sobre os
aspectos biológicos na formação do comportamento humano, focando no comportamento de
adolescentes.
Mas Freeman defendeu que seu livro Margareth Mead and the Samoa: The
Making and the Unmaking of an Anthropological Myth de 1983, lançado cinco anos após a
morte de Mead, minou as bases do trabalho desta antropóloga, que teria dado até então
sustentação para o determinismo cultural da antropologia. Segundo Freeman, o livro de Mead
“contêm erros fundamentais, e algumas delas [são] ridiculamente falsas” (apud HELLMAN,
1998, p. 233), como, por exemplo, “she tells Boas that in Samoa there is no ‘curb’ on sexual
behaviour during adolescence... In fact, in Samoa in those days there was a virginity cult with
ritual defloration at marriage” (FREEMAN, 2001, p. 87), ou mais do que isto “o culto da
virgindade é provavelmente mais extremado que em qualquer outro local” (apud HELLMAN,
1998, p. 233). Segundo Freeman, o aspecto biológico teria um papel muito mais forte no
comportamento humano, ao contrário do que defendeu Mead.
Mas ele não só acusou Mead, mas toda a tradição antropológica de negar a
existência de componentes inatos, tendo seu livro o mesmo papel que Galileu e Darwin
tiveram: ser herético e questionar os dogmas vigentes, afinal “science advances by shaking
the foundations of knowledge; by showing that the relevant facts are at variance with accepted
dogma” (FREEMAN, 2001, p. 82), e por dogma aqui entenda-se a tradição antropológica que
teria, “In 1917, two of Boas’ students, Alfred Kroeber and Robert Lowie, without presenting
any kind of empirical evidence, proclaimed that between cultural anthropology and biology
there was an ‘abyss’, an ‘eternal chasm’, that could not be bridged” (ibid, p. 83). Desconfio

61
que tenha sido Freeman quem forneceu à grande parte da sociobiologia esta leitura das
ciências sociais como predominantemente negadoras de aspectos biológicos (e talvez, até
mesmo as citações utilizadas por sociobiólogos como evidência da negação da biologia).
Freeman foi submetido a uma bateria de críticas, e uma das mais freqüentes, e também a
crítica que nos interessa aqui, é a do suposto “determinismo cultural absoluto”. Críticos de
Freeman, e mesmo críticos de Mead como Marvin Harris e Lowell Holmes, rechaçaram
totalmente esta visão, acusando-a de simplista (cf. HELLMAN, 1998, p. 236-237). Holmes
também escreveu um livro para contestar Mead, mas não teve a mesma publicidade que
Freeman, nem fez acusações de determinismo cultural. Segundo Hellman “Os defensores de
Mead afirmam, contudo, que nem ela nem Boas mantiveram essa posição extrema que
Freeman lhes atribui” (HELLMAN, 1998 p. 237).
Como então os “culpados” pelo atraso das ciências sociais puderam defender
posições inatistas e ao mesmo tempo a autonomia de suas disciplinas? Pinker diz que
Margareth Mead paradoxalmente dizia que sua inteligência vinha dos genes, apesar de
defender a tabula rasa, e ressaltava que casos como este seriam casos “de personalidade
dividida... comuns entre os acadêmicos” (PINKER, 2004, p. 571). Seria este o caso?
Defenderei que não. Mas tratarei do assunto em breve no capítulo 2.6.

2.5.5. As supostas negações do evolucionismo e da conexão


homem com o reino animal

É muito comum nas ciências sociais a associação evolucionismo-igual-progresso,


e talvez muitos cientistas sociais rejeitem apressadamente a idéia da evolução por associá-la
erroneamente a progresso. Evolução pode ser sinônimo de progresso, mas não é seu único
significado. Na evolução darwiniana – um dos tipos de evolução – por exemplo, a noção de
progresso é abandonada, como se disse na introdução. Além disto, a “evolução darwiniana”
em muitos meios se transformou praticamente em sinônimo de “evolução” simplesmente, e é
muito comum sua não distinção, mesmo entre biólogos. Acredito que muitos cientistas sociais
desprezem a simples idéia de evolução por acreditar erroneamente que só possa significar
progresso. Mas nem todos cientistas sociais quiseram abandonar a idéia de progresso.
No entanto, devemos ter cuidado para não generalizarmos em demasia. Nem toda
ciência social age ou agiu assim. Destacarei que parte considerável dos mais eminentes
cientistas sociais trabalharam com a idéia de evolução inspirada no darwinismo. Assim, o
62
melhor seria dizer que há nas ciências sociais tanto “esclarecidos” quanto ignorantes com
relação à teoria da evolução darwiniana. Argumentarei, portanto, que a suposta negação
universal do darwinismo nas ciências sociais, tal como suposto pela sociobiologia, está longe
de ser verdadeira.
Ridley afirma que as ciências sociais agiram até o momento como se o livro A
Origem das Espécies jamais tivesse existido, mas Ridley não apresenta qualquer referência.
Pinker e outros psicólogos evolucionistas também acreditam nisto, como vimos no capítulo
2.4. Mas isto está longe de ser verdade, como avaliou Sorokin há um bom tempo atrás:

“Though the theories of the ‘struggle for existence’, ‘survival of the fittest’ and of
‘adaptation’ were set forth long before Darwin, nevertheless his hypothesis has
greatly influenced the sociological thought of the post-Darwinian period, and has
been one of the principal factors in causing the appearance of numerous divergent
theories interpreting the struggle for existence within human societies. These
theories are either a mere application of the ‘biological law’ of the struggle for
existence to human society, or of its variation. For this reason, the majority of them
may be regarded as a branch of biological sociology.” (SOROKIN, 1928, p. 309-
10).

Segundo Sorokin, a empolgação com a teoria de Darwin era tal que até mesmo
planetas e átomos eram vistos como em “luta pela existência”. E o uso do termo parece ter
chagado a níveis absurdos, como expressou o biólogo Alfred Mathieu:

“Owing to a careless use of the term, ‘Struggle for Existence’, a crowd of the
superficial followers of Darwinism began to ascribe magical power to the words.
They are used now as the term “affinity” was once used, - in all cases when it was
necessary to get out of difficulty. Society men, especially journalists who talk of all
this without serious training and knowledge, philosophers, metaphysicians, men who
fetishize words, even some of the scientists, think all problems are solved as soon as
they succeeded in indicating, especially in English, the factor of the ‘Struggle for
Existence’” Struggle for Existence! Nothing can resist that ‘Open sesame’ which is
supposed to unravel for us all the secrets of biology and sociology.” (apud
SOROKIN, 1928. p. 311-2).

A empolgação com a aplicação da teoria de Darwin à sociologia foi relatada assim


por Pareto em 1909:

“Recentemente, deu-se uma solução a esse problema [da possibilidade da sociologia


como ciência] que, se pudesse ser aceita, seria perfeita e de um golpe faria da
Sociologia uma das ciências mais avançadas. Obtêm-se essa solução estendendo aos
fatos sociais a teoria de Darwin.” (PARETO, 1996 [1909], p. 92).

O organicismo era uma das escolas influenciadas por Darwin. Apesar dos
trabalhos de Spencer precederem os de Darwin, sua influência, bem como a de Lamarck era
63
bastante explícita no Organicismo. Segundo uma resenha de Les Principes Biologiques de
l'Evolution Sociale de 1910 de René Worms – o criador do Instituto Internacional de
Sociologia – para este autor “The fundamental principles of biology are the basis for a
description of social evolution. Static as well as dynamic sociology depends upon biology,
especially upon the laws of adaptation, heredity and selection. In this respect the evolutionary
system of Darwin suffices as the skeleton of the science of sociology”. (PARSONS, Philip A.
1913, p. 322). E Albert Schäffle, o “mais extremo organicista de nossa escola [organicista]”
segundo Worms, deixa claro em seus escritos as influências lamarckista e darwinista.
Schäffle, por exemplo, dizia “O desenvolvimento social sucede verdadeiramente devido à
incessante modificação, adaptação e hereditariedade através da decisão poderosa da luta pela
existência. Nesse ponto estão unidas as teorias do desenvolvimento sociológica e
zoológica.” 47.
Espinas escreveu o primeiro trabalho acadêmico em sociologia da França
intitulado Des Sociétés Animales de 1877, onde procurava descrever a continuidade de todos
os fenômenos sociais partindo de sociedades animais para chegar às sociedades humanas48.
Em 1884, Durkheim declarava-se “evolucionista” e admirador do seu trabalho (BARBERIS,
2003, p. 65), e tal referência é explícita em A Divisão do Trabalho Social, onde Durkheim, ao
descrever o processo de divisão do trabalho social, faz referência à Espinas e explicita como
este mesmo processo da divisão do trabalho ocorre no reino animal. Por exemplo, no cap. VI
do livro I, subitem III Durkheim comenta a analogia entre a solidariedade orgânica e a divisão
do trabalho no reino animal, e diz “A mesma lei preside o desenvolvimento biológico” (2008,
p. 175), ou ao falar sobre divisão do trabalho “palavra que a ciência social emprestou à
biologia”, teve início na economia, mas “sabe-se, com efeito, desde os trabalhos de Wolff,
von Baer, Milne-Edwards, que a lei da divisão do trabalho se aplica tanto aos organismos
como às sociedades” e tal lei: “não é apenas mais uma instituição social que tem sua fonte na
inteligência e na vontade dos homens, mas um fenômeno da biologia geral, cujas condições,

47
„Die sociale Entwickelung erfolg wirklich auf Grund unaufhörliche Veränderung, Anpassungen und
Vererbungen durch die Machtentscheidung des Daseinskampfs. Diese Boden ist der sociologischen und der
zoologische Entwicklungslehre gemein.“ (SCHÄFFLE, 1885, p. 2).
48
Dizia ele “Il n'y a pas de science du particulier, ces deux (7) groupes de faits [sociedades humanas e não-
humanas] au moins analogues, désignés par le même mot, ne seront expliqués que quand ils arount été ramenés à
une même loi pal la découverte de leurs caractèrs communs. C'est une tentative aussi vaine que fréquemment
renouvelée que celle de découvrir les lois de la vie sociale dans l'homme indépendamment de toute comparaison
avec les autres manifestations de la vie sociale dans le reste de la nature.” (ESPINAS, 1878, p. 7-8). E sobre as
possíveis contribuições da biologia, dizia que seriam: 1) que o indivíduo é uma sociedade; 2) a individualidade
do composto, longe de excluir os elementos que os compõe, os supõe; 3) A composição orgânica comporta um
número indeterminado de graus superpostos. (ibid, p. 83). Não há aqui nenhum indício de vitalismo, de
suposição de “alma coletiva”, como discutimos no item 2.
64
ao que parece, precisam ser buscadas nas propriedades essenciais da matéria organizada”
(DURKHEIM, 2008 [1893], p. 3-4, grifo meu). O que Durkheim chama aqui de
“Propriedades gerais da matéria organizada” tem sentido muito semelhante ao que hoje
chamamos de “sistemismo” ou “teoria dos sistemas”. Acreditava também Durkheim que
Darwin havia descoberto uma “lei” que dizia que quanto mais homólogos são os animais,
maior será sua oposição, uma vez que disputam os mesmos recursos, e o mesmo ocorreria na
divisão do trabalho social (humano), tal princípio ficou conhecido posteriormente em ecologia
como “Lei de Gaule”. Assim, digamos, um padeiro se opõe mais a um biscoiteiro do que a um
açougueiro uma vez que têm necessidades mais semelhantes. E ao dizer sobre o que
diferencia o homem dos outros animais, Durkheim reafirma sua crença na existência de
instintos não dissipáveis para identificar o que diferenciaria realmente os homens de outros
animais:

“o instinto, produto das experiências acumuladas durante gerações, tem uma força
de resistência grande demais para se dissipar devido ao simples fato de se tornar
consciente. A verdade é que a consciência invade apenas os terrenos que o instinto
deixou de ocupar ou, então, aqueles em que ele não pode se estabelecer. Por outro
lado, se ele regride, em vez de se estender, à medida que a vida geral se estende, a
causa está na maior importância do fator social. Assim, a grande diferença que
separa o homem do animal, a saber, o maior desenvolvimento da sua vida psíquica,
reduz-se a isto: sua maior sociabilidade.” (DURKHEIM, 2008 [1893], p. 360).

Vejamos o caso do marxismo. A primeira edição de Origem das Espécies teve


1.250 exemplares, todos vendidos em um só dia. Engels, que vivia então em Manchester, foi
um dos que obtiveram uma cópia e após três semanas escreveu para Marx dizendo que esta
obra seria “absolutamente esplêndida” ao que Marx respondeu “este livro contém na história
natural as bases de nossa visão [materialista]”. Em 1872, Marx enviou o primeiro volume de
O Capital à Darwin com a inscrição “de seu sincero admirador”. Marx e Engels acreditavam
que a teoria de Darwin seria não apenas interessante, mas a confirmação em história natural
da filosofia materialista da qual eram adeptos. O último bastião da teleologia, a evolução em
biologia, havia sido enfim demolida por Darwin. Dizia Engels naquela primeira carta “havia
um aspecto da teleologia que deveria ainda ser demolida, e isso foi feito agora” e Marx
escreveu à Lassale em 1861 “One does, of course, have to put up with the clumsy English
style of argument. Despite all shortcomings, it is here that, for the first time, ‘teleology’ in
natural science is not only dealt a mortal blow but its rational meaning is empirically
explained”. Engels acreditava que assim como Darwin havia descoberto as leis do
desenvolvimento dos organismos naturais, Marx havia descoberto a leis do desenvolvimento

65
da História humana (ENGELS, 1883). A lei da mudança histórica estariam no plano que dava
sustento a todos os outros planos, o plano que gerava os meios de subsistência: o trabalho, e
por conseqüência a economia. O trabalho era o aspecto central na filosofia marxista, era o
aspecto “material” em contraposição ao idealismo hegeliano que via as mudanças como fruto
do devir teleológico do “espírito absoluto”. O trabalho, e por conseqüencia a economia, eram
os aspectos que dariam a base a todas as outras instâncias da vida (religião, cultura, ideologia,
política, etc). Mas o trabalho no marxismo tinha um sentindo ainda mais forte:

“Pode-se distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião e por tudo
o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que
começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria
conseqüência de sua organização corporal.” (MARX, 1989, p. 13, grifo no original).

Pode-se sugerir que o que Marx chama de “esse passo à frente é a própria
conseqüência de sua organização corporal” seja o que Engels tratou mais detalhadamente em
“O papel do trabalho na transformação do símio em homem” de 1876 onde defende que
graças à presença do polegar opositor, pode o homem trabalhar, e assim se humanizar ao criar
a demanda evolutiva por um cérebro maior 49. Engels inclusive defende Darwin no livro Anti-
Dühring da acusação do socialista Dühring – cuja posição é freqüentemente atribuída
erroneamente aos próprios Engels e Marx – de que Darwinismo não seria nada mais do que a
aplicação de uma ideologia burguesa ao reino natural. A inspiração darwiniana não se referia
à legitimar a “luta de classes” através da “luta pela existência”, e apesar de acreditarem que as
ciências naturais e humanas só seriam uma só ciência quando chegasse uma sociedade
socialista “haverá uma única ciência”(MARX, 1932, grifo no original), isso não implicaria
explicar diferentes eventos com os mesmos princípios, uma vez que outros animais apenas
coletam, o homem produz, ele agrega valor aos produtos através de seu trabalho. Isto, dizia
Engels,

“fez com que toda transferência desqualificada das leis da vida de sociedades
animais sobre as humanas seja impossível... Assim, a concepção da história como
uma série de lutas de classe é mais rica em conteúdo e mais profunda do que a mera
redução de diferentes fases fracas da luta pela existência.”50

49
Gould (1999, p. 209) desconfiava que tais idéias haviam sido originadas em Haeckel, do qual Engels as teria
“surrupiado”.
50
“Damit jede Übertragung von Lebensgesetzen der tierischen Gesellschaften so ohne weiteres auf menschliche
unmöglich gemacht... Schon die Auffassung der Geschichte als einer Reihe von Klassenkämpfen viel
inhaltsvoller und tiefer als die bloße Reduktion auf schwach verschiedne Phasen des Kampfs ums Dasein.”
(ENGELS, 1886).
66
E Kroeber, segundo JACKSON (no prelo), não só era um darwinista ferrenho,
mas, vale ressaltar, darwinista weismanniano, numa época em que o lamarckismo era ainda
muito presente. Para Kroeber, Darwin continha ainda “older pseudo-process of Lamarck”
(apud JACKSON, p. 24), o que não acontecia com Weismann, que havia “limpado” o
darwinismo de suas influências lamarckistas, como a lei do uso e desuso.
Muitos foram os que acreditaram na analogia entre processos sociais e a teoria
darwiniana. Georg Simmel foi um dos pioneiros da aplicação da teoria da evolução ao
conhecimento com o seu “Sobre algumas relações da teoria da seleção à teoria do
conhecimento” (Über einer Beziehung der Selektionslehre zur Erkenntnistheorie) de 1885.
Segundo Sztompka o evolucionismo sofreu uma baixa, retornando então na década de 1950,
permanecendo até hoje como influente escola (SZTOMPKA, 1998 p. 201). Marshall Sahlins
e Elman E. Service em Evolution and Culture (1960) traçam semelhanças e diferenças entre
evolução inorgânica, evolução cultural e biológica. A evolução inorgânica é especificada pela
segunda lei da termodinâmica, através do decréscimo de organização culminando na
homogeneidade, e evolução biológica e cultural operariam no sentido oposto, envolvendo
tanto “avanço” (maior adaptabilidade) quanto divergência (surgimento de maior variedade).
Haveria evolução específica (adaptativa) e evolução geral (progressiva) (SAHLINS e
SERVICE, 1960) e ressaltam haver entre evolução cultural e social “It may be said that as a
continuation of the evolutionary process, culture shows more than analogous resemblances to
life, it shows homologous resemblances” (ibid, p.9). Leslie White no prefácio deste livro
destacava que “The return to evolutionism was, of course, inevitable if ... science was to
embrace cultural anthropology. The concept of evolution has proved itself to be too
fundamental and fruitful to be ignored indefinitely by anything calling itself a science”
(apud FRACCHIA e LEWONTIN, 1999, p. 54) e White trabalhou a noção de evolução em
Science of Culture de 1949 e The Evolution of Culture 1959. Margareth Mead também traçou
semelhanças entre evolução cultural e evolução darwiniana e lançou em 1964 com
Continuities in Cultural Evolution. Sztompka comenta que o neo-evolucionismo se
apresentou tanto como reação contra o funcionalismo como ajuste no funcionalismo (1998, p.
208). Gerhard Lenki e Jean Lenski em Human Societies: An introduction to Macrosociology
de 1974 comentam as diferentes formas de processamento de informação, desde a genética até
os sistemas simbólicos, estes últimos característicos da humanidade. Elster lembra que
Stinchcombe em Constructing Social Theories comenta a debilidade do funcionalismo e
admitia a seleção natural como um possível remédio. (Elster, 1984, p. 61). Parsons começou a
trabalhar na década de 1960 numa perspectiva evolucionária de inspiração darwiniana. Dizia
67
que uma nova perspectiva estava surgindo, “Os desenvolvimentos da teoria biológica e das
ciências sociais criaram terreno firme para a aceitação da continuidade fundamental da
sociedade e da cultura como parte de uma teoria mais geral da evolução dos sistemas vivos”
(PARSONS, 1971, p. 2 apud SZTOMPKA, p. 202). Em 1969, Parsons trabalha melhor a
analogia com Sociedades. Perspectivas Evolutivas e Comparativas, e seu discípulo Niklas
Luhmann trabalha em diversos trabalhos esta analogia, como em El Derecho de La Sociedad:

Utilizaremos el concepto de evolución de Darwin que, a pesar de que puede ser


mejorado, cuenta como una de las conquistas más importantes del pensamiento
moderno. Sin embargo esta denominación etimológica no la emplearemos como un
argumento analógico, sino como referencia a una teoría general de la evolución que
puede encontrar aplicaciones en muy diversos campos. Preferimos esta teoría porque
parte de un concepto teórico de la diferencia. Su tema no es la unidad de la historia
como desarrollo de un principio hasta nuestros días, sino, más restringidamente, las
condiciones de posibilidad de los cambios estructurales no planificados y la
explicación de la diversidad (o la gradación de la complejidad). (LUHMANN, 2002
[1995], p. 302).

Mas se seria endêmico nas ciências sociais a negação da aplicação de princípios


das ciências naturais em seus domínios, por acreditar na separação absoluta do homem de
outros animais, como explicar então a repercussão que teve a teoria dos sistemas na
sociologia, que teve como representantes ninguém menos do que Parsons e Luhmann? Até
onde sei, apesar de todo o estardalhaço no discurso de unificação da ciência, nenhum dos
sociobiólogos estudados aqui sequer tocou no assunto “teoria dos sistemas”, ou se o fez, não o
fez de forma extensiva, nem teve maiores repercussões na sociobiologia.
Não pretendi defender que tais abordagens sejam sustentáveis ou não. Apenas
contesto a afirmação de que as ciências sociais surgiram e permaneceram de todo ignorantes e
negligentes quanto à teoria da evolução darwiniana. Não há certamente empolgação
hegemônica com a teoria darwiniana da evolução nas ciências sociais, mas é certo que as
ciências sociais não permaneceram de forma alguma ignorantes quanto à evolução darwiniana
e muitos dos mais eminentes cientistas sociais desenvolveram perspectivas claramente
inspiradas na evolução darwiniana.

68
2.5.6. Conclusão do capítulo 2.5: como a Sociobiologia fracassou
na compreensão das ciências sociais

Concluímos então que a sociobiologia fracassou completamente na compreensão


das ciências sociais, uma vez que aqueles postulados tidos pela sociobiologia como
característicos das ciências sociais não são verdadeiros. Não há, nem nunca houve o Modelo
Padrão das Ciências Sociais, tal como caracterizado pela sociobiologia. Dizer que houve algo
parecido só é possível mediante várias e injustificadas negligências e seletividade de autores,
obras e trechos. As ciências sociais não se caracterizam por biofobia, bem como não nasceram
da negação da biologia; no caso da sociologia, muito pelo contrário, podemos dizer que a
sociologia nasceu biologizada, com Comte e com o Organicismo.
São inúmeras as negligências. A começar pelo próprio Comte que provavelmente
não recebeu nenhuma menção pela sociobiologia ao falar sobre história das ciências sociais e
nem ao seu projeto de fundar a sociologia embasando-a na biologia. Os “últimos ancestrais
comuns” entre ciências sociais e biologia, como Lewis Morgan e Herbert Spencer também
não são apresentados. Edvard Westermarck se inspirou em Darwin para tentar explicar o tabu
do incesto, e a sociobiologia apesar de remodelar sua teoria, não menciona que este era um
sociólogo e filósofo que ajudou a estabelecer a sociologia na Grã-Bretanha. Evans (2002) em
resenha à Pinker (2004) dizia que ao se ler o que Pinker diz sobre antropologia se tinha a
impressão de que Pinker citava os autores com base em leitura de terceira mão. Acredito que
isto não só é verdadeiro como pode ser generalizado a pelo menos alguns dos mais
importantes psicólogos evolucionistas, senão muitos, senão todos; e não só quanto à leitura da
antropologia, mas quanto às ciências sociais como um todo. Fazem exegeses sobre termos
cujo significado jamais nos é apresentado. Criticam Murdock, mas não citam sua coletânea de
universais; criticam Leslie White e Sahlins, mas não citam seus trabalhos sobre
evolucionismo e concluem que as ciências sociais até o momento permaneceram totalmente
ignorantes quanto à evolução darwiniana e quanto a tudo que se passou nas ciências naturais.
Pretendem encontrar explicações comuns para ciências biológicas e sociais, reclamam da
recusa das ciências sociais de aceitarem uma explicação comum com as ciências naturais, mas
em momento algum discutem a teoria dos sistemas, que já tentava algo semelhante antes da
sociobiologia.
Principalmente Pinker tem uma narrativa repleta de retórica e um tom arrogante.
Ele diz que a sociobiologia vai desmascarar “lorotas”, vai derrubar muros que separam o

69
biológico do cultural, diz que aqueles que pensam como ele fazem revoluções, descobrem
fatos, ao passo que seus opositores seguem dogmas e doutrinas, seguem teorias mortas (como
51
no behaviorismo) . Pinker critica Sahlins (1976) por chamar a sociobiologia de “vulgar”,
mas uma breve olhada no índice do livro seria suficiente para Pinker notar que Sahlins
diferencia “Sociobiologia Vulgar” de “Sociobiologia Científica”, sendo a vertente de Wilson
considerada “científica”, ao passo que a etologia “pop” – também criticada por Pinker – é que
seria considerada vulgar. Sahlins ficou marcado na literatura sociobiológica não pelos pontos
que afirmava ser suas “main critics”, mas por um suposto deslize na interpretação da teoria
sociobiológica da seleção de parentes, a ponto de Maynard Smith sugerir o termo “Sahlins
falacy” e que Dawkins (1985) afirmou ser “pathetic little misunderstanding”. O erro
consistiria em pressupor erroneamente que a seleção de parentes só pudesse ocorrer
conscientemente, e isto não seria possível, segundo Sahlins, uma vez que para tal fenômeno
ocorrer, seria necessário o conhecimento de frações, e isto é algo que poucos povos o têm.
Pinker desdenha de tal interpretação, dizendo que isto seria como exigir que pessoas saibam
geometria espacial para poder ver em três dimensões. Não há necessidade alguma de tal
cálculo ser consciente. Entretanto, diz Sahlins “Presumably, the algebra of kin selection also
will be unconscious. Thus, it does not matter what people - including ethnographers – may
say or think.” (SAHLINS, 1976, p. 23), mas acrescenta, “Wilson, however, is at least
equivocal about the degree of consciousness people have of kin selection. He speaks, on one
hand, of the human ‘intuitive calculus of blood tie’...and on the other hand, of people’s keen
awareness of such ties” (ibid, p. 24), e exemplifica com uma crítica de Wilson à Hamilton:
“human beings are keenly aware of their own blood lines and have the intelligence to plot
intrigues” (WILSON, 1975, p. 119 apud SAHLINS, 1976, p. 25). Sahlins perguntava pelos
mecanismos pelo qual se poderia identificar o grau de parentesco, mas estes não pareciam
estar claros na literatura sociobiológica, e na falta de tal mecanismo, dizia Sahlins, isto
introduzia um forte elemento de misticismo na sociobiologia. Se Sahlins errou, errou devido à
dubiedade de Wilson. De qualquer modo, ainda que tenham errado na compreensão de um
ponto específico da biologia, isto não compromete o argumento principal de Sahlins, que
versa sobre a relação entre biologia e cultura, ainda que a sociobiologia esteja certa, e não
sobre a impossibilidade da sociobiologia, ponto este a ser discutido no capítulo 3.
Lévi-Strauss e Weber são quase completamente negligenciados, aparecendo
somente quando mencionados dentro do “pacotão” de adeptos do superorganismo. Piaget é

51
Para opiniões semelhantes sobre o tom de Pinker, ver Fodor (1998). Evans (2002) chega a dizer que Pinker
“he struts his stuff like Mick Jagger, grabbing the attention of review editors in search of sensationalism”.
70
também outro negligenciado52. Como destacou Evans (2002), para Pinker (e muitos outros
psicólogos evolucionistas) não há antropologia, somente etnografia. Podemos acrescentar que
também não há micro-sociologia nem individualismo metodológico, só macro-sociologia, e
macro-sociologia bem macro. Sociologia é tomada como sinônimo de teoria da socialização.
A sociologia que apresentam é uma proto-sociologia ou pré-sociologia. Ainda não chegaram
ao âmago do que é sociologia e as demais ciências sociais, e quais são seus problemas
específicos. Dizem que para a sociologia o homem seria um recipiente passivo da cultura, mas
em nenhum momento se discute a noção de “agência”. Bereczkei (2000) chega ao ponto de
recomendar “individualismo metodológico” como boa nova para as ciências sociais, mas não
comenta nada sobre a posição de cientistas sociais adeptos de tal perspectiva, nem menciona a
existência de tais autores. Já Rosenberg fez uma leitura mais acurada de Durkheim e Lévi-
Strauss, mas mesmo ele não toca em Weber, e apesar de um assunto crítico para seu
argumento tenha sido dos tipos de conceitos das ciências sociais, em nenhum momento
comenta sobre “tipos-ideais”. Rosenberg comenta sobre a Escola Austríaca de economia – ou
escola marginalista – e seu apreço pela psicologia como base para as ciências sociais, mas não
comenta sobre o methodenstreit (debate metodológico) e as objeções da escola histórica
alemã, ou as objeções de Weber a esta escola, principalmente quanto à suposta base
psicológica para teorias das ciências sociais. Outro autor negligenciado é Marcel Mauss e sua
discussão sobre o papel da dádiva na construção e manutenção das relações sociais. Não me
parece que tenha havido alguém que tenha traçado algum paralelo entre a “dádiva” de Mauss
e o “altruísmo recíproco” da sociobiologia.
Somente mediante tais negligências é possível pintar um quadro onde o mundo se
divide em nativistas pró-ciência e deterministas culturais obscurantistas, onde a sociobiologia
surge como boa nova e salvação ecumênica. Pinker (2004) faz isto o tempo todo, com um tom
quase conspiratório, tudo é dividido entre defensores e não-defensores da tabula rasa. Desde
as ciências sociais dominantes, até a passagem para a arte moderna adviriam da aceitação da
Tábula rasa. E quem duvidar deles, duvida de Darwin e da aplicação da ciência ao homem.
Muitos destacaram esta retórica da sociobiologia: ou você está conosco, ou está contra
Darwin, contra a evolução, contra a ciência, e a favor do criacionismo. O melhor exemplo
talvez seja Daniel Dennett, herói de muitos sociobiólogos, que apesar de também criticar as
ciências sociais por serem criacionistas, afirmou:

52
Para uma crítica da falta de Piaget no debate, ver Eichler (2006). Maynard Smith criticou Lumsden e Wilson
por terem desprezado fácil demais Chomsky, Levi-Strauss e Piaget. (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 164).
71
“I consider Cosmides and Tooby to be doing some of the best work in Darwinian
psychology today,... they, too, tend to caricature the opposition, and are sometimes
too hasty in dismissing skepticism about their arguments as flowing from nothing
more presentable than the defensive territoriality of old-fashioned social scientists
who still haven't got the word about evolution...This, of course, is wrong, wrong,
wrong.” (DENNETT, 1995, p. 490-1)53.

Vale lembrar que esta leitura das ciências sociais é mais característica da
psicologia evolucionista do que dos sociobiólogos da velha guarda, o que não implica que
estes últimos tenham feito leituras satisfatórias. Apesar de alguns sociobiólogos não caírem
em alguns os problemas apontados anteriormente, desconheço algum que tenha escapado a
todos. Mesmo os cientistas sociais convertidos à sociobiologia caem em alguns destes erros.
Com este capítulo tentei mostrar que chegou a hora da sociobiologia levar a
história da ciência a sério, principalmente história das ciências sociais. Pinker dizia que as
ciências sociais estão atrasadas em 30 anos com relação às ciências naturais. Procurei mostrar
que tal afirmação só é possível por que Pinker e outros sociobiólogos estão atrasado em cem,
cento e cinqüenta anos com relação às ciências sociais. Ou talvez nem isso, uma vez que
nunca existiram as ciências sociais tal como caracterizado pela sociobiologia.

2.6 Distinção: relação ontológica vs. epistemológica

Vimos que muitos dos autores criticados pela sociobiologia como defensores da
inexistência de aspectos inatos no homem não defenderam realmente tal posição, e muitos
desses também defenderam a autonomia das ciências humanas. Como isso é possível? Seriam
casos de “personalidade dividida”? O objetivo do presente capítulo é dizer que não, e por que
não, além de tentar explicar o porquê das más leituras feitas pela sociobiologia.
O motivo da má interpretação das ciências humanas pela sociobiologia, defendo
aqui, se deve a uma não distinção entre duas questões: 1) questão ontológica, a pertinência
dos aspectos biológicos para os aspectos sociais e culturais, isto é, como os aspectos

53
Outros exemplos foram “Whoever is not for the program is against Darwin”. (KITCHER, 1987, p. 14);
Lewontin “they declare those who dispute them to be anti-Darwinians and even anti evolutionists. And all the
while creationists smile and take notes” (apud SEGERSTRÅLE, p. 195), “He [Wilson] suspects that if we resist
consilience, that’s because we’re suffering from pluralism, nihilism, solipsism, relativism, idealism,
desconstrucionism and other symptoms of the French disease” (FODOR, 1998), “dividing people into two
distinct and distinguishable categories: scientists and charlatans. (DUPRÉ).

72
biológicos interferem e tornam possível o comportamento social e a cultura, e; 2) questão
epistemológica, a pertinência da Biologia para as teorias das ciências sociais, isto é, como
teorias da biologia poderiam ser acopladas às teorias das ciências humanas, e quais seriam os
avanços decorrentes desta junção. Que o biológico dá as bases para o social e para a cultura,
poucos negam (se é que alguém o negue), nem mesmo os autores citados pela sociobiologia
como defensores de tal idéia, como exposto brevemente anteriormente54. Se nossa biologia
fosse outra – se fizéssemos fotossíntese, por exemplo – poucos negariam que os rumos da
humanidade seriam outros, se é que alguém o negaria. É certo que muitos defenderam a
autonomia das ciências humanas em termos ontológicos, utilizando-se de aspectos presentes
em um tipo de ciência e ausentes em outros, como a idéia de maior complexidade ou livre-
arbítrio, mas é um erro pensar que o único modo de defender a “autonomia” foi postulando
um abismo entre processos naturais e sócio-culturais. O que autores como Durkheim, Weber,
Rickert, Windelband, Kroeber, e talvez Dilthey55, etc. fizeram não foi defender a autonomia
ontológica, mas sim epistemológica. Não negaram a existência de fatores biológicos – e por
vezes até os pressupuseram – mas negaram sim sua relevância explanatória para os seus
problemas específicos. Também não é necessário pressupor diferenças metodológicas entre as
duas ciências para se falar em autonomia. Basta nos atermos à questão da relevância
explanatória para problemas específicos, e não à presença de “fatores importantes” em
“fenômenos sociais”.
Dessa não distinção decorre que, toda vez que alguém afirmou a independência
epistemológica das ciências humanas em relação à biologia, entendem os sociobiólogos que
se tratava de defesa de uma independência ontológica. Uma vez constatado então o suposto
erro, sociobiólogos em seguida tentam mostrar as inúmeras provas de como aspectos
biológicos inatos afetam o comportamento social, acreditando que isto seja suficiente para
mostrar a pertinência de teorias da biologia para teorias das ciências sociais. Assim, listas com
achados empíricos e listas com a descrição de como elementos químicos e bioquímicos
afetam o comportamento humano são mostrados, referências às inúmeras semelhanças entre
humanos e outros animais são destacados, isto para ressaltar que o homem não está totalmente
isolado do reino animal, e por isso, portanto, estaria submetido e seria explicado pelas

54
Como disse Segerstråle “Of course Biology constructed human mind (what else?) must originally had created
culture, and continue to construct Culture. Nobody disputes that.” (2000, p. 170).
55
Há certa controvérsia sobre se a defesa da autonomia das ciências sóciohistóricas feita por Dilthey seria
ontológica ou epistemológica. Reis (2003) defende que é epistemológica, mas ressalta que muitos o criticaram
duramente por acreditarem que tal defesa era ontológica, como Windelband, Rickert e Weber (ibid, p. 34).
73
mesmas leis utilizadas em outros animais (ver, por exemplo, ELLIS, 1977, p. 60-61; ELLIS,
1996, p. 26; WAIZBORT, 2008, p. 258).
Esse foi o caso, por exemplo, tanto de Durkheim como de Kroeber. Como vimos
no capítulo anterior, ao Durkheim pronunciar o enunciado metodológico de que um fato social
só pode ser explicado por outro fato social, sociobiólogos entenderam se tratar de uma
afirmação empírica ou ontológica: não há nada de biológico no comportamento social, e o
mesmo pode ser dito sobre Sahlins e sua defesa do não-isomorfismo entre biologia e cultura
Ao Durkheim afirmar que fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais e não
pela psicologia, entendem os sociobiólogos que o que se está afirmando é que não há
psicologia individual, sendo as pessoas totalmente moldadas pela cultura, sem nenhum papel
da biologia. Entendem isto ao invés de entenderem como um enunciado meramente
epistemológico “teorias da psicologia não explicam fatos sociais”: enunciado este tão legítimo
como defender, baseado nos mesmos princípios que “teorias da física não explicam eventos
biológicos”. Isto é, entendem como rejeição à psicologia, o que é na verdade rejeição ao
psicologismo (tese de que unicamente a psicologia explicaria instituições sociais).
Mas demonstrar que algo está presente em algum processo não é demonstrar que
deva estar presente em todas as explicações. Se digo “Nesta sala atua a força da gravidade, e
há transformação de energia”, apesar de correta, se quisermos saber sobre questões como “por
que fulano defende x?”, ou “por que fulano saiu repentinamente da sala”, tais afirmações não
ajudariam em nada a compreensão de tais questões. A sociobiologia crê que o objetivo das
ciências sociais seria explicar “o comportamento humano”, “comportamento social”,
“fenômeno social”, “comportamento humano”, etc., e o problema seria que as ciências sociais
teriam feito isso sem levar em conta “fatores importantes”, isto é, deixaram de lado a biologia,
e por isso não deram certo. Por exemplo, Pinker apresenta diversas citações de diversos
cientistas sociais como Kroeber, Durkheim, George Murdock, José Ortega y Gasset, Ashley
Montagu, Ruth Benedict, Margareth Mead, Leslie White e Geertz, para concluir:

“Em outras palavras, [segunda as ciências sociais] devemos desconsiderar a mente


de uma pessoa individual como você, leitor, essa parte ínfima e insignificante de um
vasto sistema sociocultural. A mente que importa é aquela pertencente ao grupo, o
qual é capaz de pensar, agir e sentir por conta própria.” (PINKER, 2004, p. 49,
grifos no original).

Permitam me responder com uma pergunta, imaginando uma situação hipotética.


O que afinal é “realmente importante”, ou o que é “mais importante”, uma bicicleta, uma
canivete suíço, ou uma garrafa d’água? A dúvida que logo se seguiria desta pergunta seria
74
“importante para o quê?”, ou “depende para que fim”. Esta simples pergunta não foi feita pela
sociobiologia ao criticar a autonomia das ciências sociais. A mente individual ou o indivíduo
podem ser ou não importantes, bem como cultura e instintos, bem como transformação de
energia ou força da gravidade, bem como uma bicicleta, ou um canivete ou uma garrafa
d’água; tudo depende do problema em mãos.
Cientistas sociais não ficam polvorosos quando, por exemplo, engenheiros de
tráfego explicam um engarrafamento numa grande avenida – que pressupõe a ação de pessoas
– utilizando basicamente as leis da física. Mas certamente responderiam duramente se estes
engenheiros e físicos defendessem que o único modo científico defensável para abordar o
comportamento humano fosse aquele e, além disso, afirmassem que quem negasse este tipo de
conhecimento “integrador” como único modo científico, estaria negando Newton ou tentando
apartar o homem do reino físico56. Para este tipo de problema talvez não seja necessário
especular sobre quais os instintos do homem, e talvez o mesmo possa ser dito sobre alguns
aspectos culturais. Para outros talvez se façam importante, mas isto não é dado a priori só
porque estamos lidando com certo tipo de objeto. Novamente, tudo depende do problema em
mãos.
Água é muito importante para a vida, e não haveria vida, pelo menos a que
conhecemos, sem água. A vida veio da água. A falta de água afeta o comportamento e o
excesso de seu consumo pode levar à morte. A água impõe limites à vida. Estes dados são
“muito importantes”. No entanto, se quisermos saber sobre como morcegos se orientam ou
como cooperam entre si, tais informações sobre a água não contribuem em nada para nossa
compreensão do evento.
Se partirmos do ponto de que é impossível representar o real em sua totalidade, ou
mesmo de resumi-la, e aceitarmos que o conhecimento é sempre parcial, envolvendo sempre
seleção de fatores que se mostrem relevantes para certos problemas, mas não para outros,
então, quem pretender inserir teorias biológicas nas ciências sociais, deve mostrar então sua
relevância explanatória para os problemas específicos das ciências sociais, e não meramente a
enumeração de fatores biológicos e bioquímicos presentes nos fenômenos sociais. Para tal, é
necessário, primeiramente identificar tais problemas específicos primeiramente, e depois de
identificados, apresentar soluções mais satisfatórias que as teorias vigentes. Defendo que a
maioria dos sociobiólogos falhou em identificar os problemas específicos das ciências
humanas, e mesmo aqueles que identificaram tais problemas específicos, ao discutirem a

56
Veremos no próximo capítulo que posição bem parecida já foi defendida por alguns entusiastas pela física.
75
autonomia das ciências sociais, evocam o mesmo discurso do restante da sociobiologia, de
que simplesmente há muita biologia no comportamento social.

2.6.1. Sobre o reconhecimento de problemas específicos

„ [...] Jede muß eine grundelegende Fragestellung


aufweisen, die nicht schon bei anderen diziplinen besteht; sonst ist sie
überflüssig“.
“Toda [disciplina científica] deve mostrar um problema
fundante, do qual outras disciplinas estejam desprovidas; do contrário
ela é supérflua.”
(Leopold Von Wiese. 1931. p. 5).

Muitos sociobiólogos acreditam que o objetivo das ciências humanas é explicar “o


comportamento social humano”. Assim, basta mostrar que processos biológicos estão
presentes em um fenômeno como “crime”, para concluir que devem aparecer nas ciências
humanas que abordam o tema, mas sem mostrarem os avanços teóricos para os problemas
específicos de diferentes disciplinas. Além disto, como dito anteriormente, quando se
questionou a pertinência de aspectos biológicos para resolver problemas específicos de
diferentes disciplinas, concluíram os sociobiólogos que se tratava de recusa da biologia in
toto. Acreditam que como as ciências sociais supostamente se baseiam em premissas
biológicas hoje refutadas, seria suficiente então para revolucionar estas áreas, a mudança
destas mesmas premissas refutadas pelas da sociobiologia.
Assim, os sociobiólogos recorrem à distinção causas próximas e causas últimas,
argumentando que causas últimas têm prioridade sobre as primeiras. Assim, deveríamos partir
da sociobiologia para explicar certos fenômenos típicos das ciências sociais.
Muitas disciplinas estudam o comportamento humano, cada uma com suas
especificidades. Talvez o único caso em que se tentou algo próximo como “explicar o
comportamento humano” foi a “teoria geral da ação” do sociólogo Talcott Parsons. Mas tal
teoria, de tão ampla deixou de ser uma teoria meramente sociológica, colocando a sociologia
como mais um item em seu grande sistema, junto aos sistemas psicológico e biológico.
Mesmo neste caso não há biofobia, uma vez que Parsons incluiu a biologia e psicologia como
um dos quatro itens de sua teoria geral da ação. Não me parece também que tal teoria geral da
ação, à exceção de Luhmann, tenha gerado continuidades nas ciências sociais provavelmente
por ser geral demais, e, portanto, vaga para lidar com problemas específicos.

76
Mesmo se falarmos em um assunto mais específico, como “crime”, “religião” ou
“relações de gênero”, estudar as causas de tais fenômenos é algo que ainda permanece vago.
Como os Romanos lidavam com o crime? Como o crime é tratado em ambientes mais
tradicionais, em ambientes comunitários e como é tratado em ambientes urbanos mais
societários? Quais as diferentes noções de crime conforme nos aproximamos da
modernidade? Como o Direito tratou o crime ao longo de sua evolução? Como os criminosos
vivenciam certos tipos de delito? Sentem prazer, culpa ou indiferença? Por que houve
variação na taxa de criminalidade em determinado período e época? Cada questionamento
desses exige procedimentos bem distintos uns dos outros. Mais do que isto, exige disciplinas
diferentes entre si. Em alguns casos usamos investigação histórica, noutros direito comparado,
noutros política comparada, noutros psicologia, noutros sociologia e assim por diante.
Mas a sociobiologia freqüentemente não identifica tal variedade, simplesmente
insiste na presença de fatores biológicos nos fenômenos estudados pelas ciências humanas, e
isto bastaria. Uma vez que a biologia estudaria as “motivações profundas” e “causas últimas”,
ela teria prioridade na explicação da ação.
Por outro lado, não estou com isto dizendo que não existam diferenças
ontológicas entre homens e outros animais, como as das funções da linguagem57, ou entre
cultura simbólica vs. cultura como mera transmissão do conhecimento. Apenas afirmo que
não precisamos pressupor uma descontinuidade brusca da realidade de diferentes fenômenos,
isto é, diferenças ontológicas, para afirmar a independência de uma disciplina.
É verdade, como já dito, que alguns sociobiólogos identificam problemas
específicos das ciências sociais e acreditam que a sociobiologia possa dar soluções para estes
problemas, como os sociólogos e antropólogos sociobiólogos. Mas, apesar dito, estes mesmos
autores, ao discutirem a autonomia das ciências sociais, evocam o mesmo discurso do restante
da sociobiologia.

57
Por exemplo, (POPPER, 1983 [1963], p. 172-3) comenta uma hierarquia de funções da linguagem estabelecida
por Karl Bühler onde poderíamos encontrar traços de linguagem característica dos seres humanos. Nos animais a
linguagem pode ter função sinalizadora, mas na linguagem humana podemos encontrar função descritiva (idéia
reguladora: verdade) e a função argumentativa (idéia reguladora: validez). Destaco com exemplo apenas a
possibilidade de uma distinção ontológica. Não afirmo que tal distinção seja verdadeira.
77
3. Possíveis vias para a (Sócio)biologização das Ciências
Sociais

Mas, supondo uma Sociobiologia ideal e/ou melhorada; supondo que ela nos
convencesse que existem no Homo Sapiens muitos aspectos inatos frutos da seleção natural, a
despeito do mau entendimento que têm das ciências sociais; poderia este tipo de
conhecimento ainda assim trazer grandes avanços para as ciências sociais? A sociobiologia
tentou diferentes vias para sociobiologizar as ciências sociais, e estas vias serão discutidas a
seguir. Diversos autores tentaram mais de uma destas, mas para fins argumentativos
dividimos estas tentativas em “vias típicas”. Não pretendo com estas vias esgotar todas as vias
possíveis, mas procurei identificar aqui as principais.
A primeira via diz que por o homem ser um ser biológico, está então submetido
aos mesmos imperativos dos outros animais, e, portanto, deveria ser explicado nos mesmos
termos; chamei esta via de monista. A segunda via que se tivermos algum tipo de
conhecimento que una diferentes campos, então este conhecimento é preferível, é a via
consiliente. A terceira via diz que as ciências sociais devem abandonar seus problemas e
adotar a sociobiologia para só assim conseguir gerar conhecimento científico. A quarta via diz
que as ciências sociais devem admitir em sua base os pressupostos psicológicos fornecidos
pela sociobiologia. A quinta via vê as ciências sociais como sociobiologia aplicada, a sexta
diz que a sociobiologia não especifica os detalhes, mas dá os limites da variação cultural e
social, a sétima apostaria na analogia entre evolução cultural e evolução biológica, e por fim,
a oitava acredita que a sociobiologia pode fornecer teorias sobre modos de agir inconscientes.

3.1. 1ª via: Monista

A defesa de que a biologia é crucial para as ciências humanas porque o homem é


um ser biológico, ou por usar o argumento de que não há um abismo que separe o homem dos
outros animais, cairiam neste caso. Não contestarei estas idéias de que o homem é um ser
biológico, ou de que não há abismo que separe o homem de outros animais – e duvido que
alguém realmente as conteste. Questionarei sim o argumento que fez uso destas idéias. Chamo
aqui de via monista aquela onde se destaca que por a realidade ser uma só, então a ciência
também deveria ser uma só, ou por o homem ser um ser biológico, então a explicação de seu
78
comportamento cairia inevitavelmente no domínio da biologia. O argumento não parece ser lá
muito novo. Como disse Sorokin ao final da década de 1920: “The human being is an
organism and, as such, is subject to what are known as biological laws. This is the reason why
many theories of both the past and the present have tried to interpret social phenomena as a
variety of life phenomena” (1928, p. 195). Mais recentemente, disse um sociobiólogo “In the
1970s a few brave “sociobiologists” began to ask why, if other animals had evolved natures,
humans would be exempt.” (RIDLEY, 1993, p. 319). Pinker foi em sentido semelhante.

“The geneticist Theodosius Dobzhansky famously wrote that nothing in biology


makes sense except in the light of evolution. We can add that nothing in culture
makes sense except in the light of psychology. Evolution created psychology, and
that is how it explains culture.” (PINKER, 1998, p. 210).

Os sociobiólogos destacam inúmeras provas de como aspectos biológicos inatos


afetam o comportamento social, acreditando que isto seja suficiente para mostrar a pertinência
de teorias da biologia para as ciências sociais. Assim, alguns diziam que os cientistas sociais
rejeitam a sociobiologia por “biofobia” e E.O.Wilson dizia que o motivo era o
“antropocentrismo”. Ora, dizem os sociobiólogos, se o homem é um animal, então está sujeito
às mesmas condições, imperativos, e fatores explicativos que outros animais, e deve, portanto,
ser explicado pelos mesmos princípios que aplicamos em outros animais. Por que dar ao
homem um privilégio infundado, separando-o de todo o reino animal, construindo um abismo
entre ele e o “resto da criação” se tal separação absoluta não existe na realidade? Se
quisermos sermos coerentes, afirmam os sociobiólogos, devemos aceitar que o homem é mais
um animal entre tantos, que tem sim suas particularidades, mas que não é único em ter
particularidades. Rejeitar tal aplicação de princípios biológicos seria equivalente a colocar o
homem em um pedestal distante de outros animais. O sociólogo sociobiólogo Kanazawa foi
bem explícito quanto a esta posição, dizendo que falar em uma ciência humana que não fosse
um ramo (branch) da biologia seria tão absurdo quanto falar da hidrogenologia, isto é, uma
ciência do hidrogênio totalmente à parte do restante do conhecimento que se tem da química.
Dizia ele no artigo intitulado “Social Sciences are are Branches of Biology”:

“since Biology is the study of living organisms, their behavior and social systems,
and since humans are living organisms, it is possible to suggest that social sciences
(the study of human behavior and social systems) are branches of biology and all
social scientific theories should be consistent with known biological principles. To
claim otherwise and to establishment of 'hydrogenology’, the study of hydrogen
separate from and inconsistent with the rest of physics. Evolutionary psychology is
the application of evolutionary biology to humans, and provides the most general

79
(panspecific) explanations of human behavior, cognitions, emotions and human
social systems.” (KANAZAWA, 2004, p. 371).

Mas se dizer que ciências humanas são independentes da biologia é o mesmo que
fazer uma hidrogenologia, poderíamos igualmente questionar então se defender uma ciência
biológica que não for um ramo da química orgânica não seria cair no mesmo erro. Mesmo se
aceitarmos o princípio do monismo, não é de modo algum evidente que devemos aceitar
teorias sociobiológicas nas ciências sociais. Se quisermos então seguir tal princípio, de que as
ciências sociais devem se fazer como ramos das ciências naturais, surge uma primeira
questão: qual das ciências naturais devemos seguir, ou de qual ciência devem as ciências
humanas serem ramos? Se da afirmação incontroversa de que o homem é um ser biológico,
concluirmos que devemos explicar sua ação sempre remetendo à sua base biológica, por que
então não poderíamos partir da afirmação igualmente incontroversa de que o homem é um
complexo físico-químico e daí concluirmos que as leis da física é que deveriam explicar o
comportamento, e não a biologia? Afinal, as leis da física são muito mais implacáveis que as
da biologia e poderiam gerar conhecimento bem mais preciso e aplicável a um maior número
de casos.
Um caso ilustrativo é o de Henry Charles Carey (1793-1879) em seu Principles of
Social Sciences de 1858. Nesta obra, dizia o autor que uma vez que leis da física também se
aplicam ao ser humano, podemos explicar muito de seu comportamento com base nestas
mesmas leis: “The laws which govern matter in all given are those which govern matter in all
its forms, whether that of coal, clay, iron, pebble stones, trees, oxen, horses, or men’ are the
same” (apud SOROKIN, 1928, p. 13). Diz ainda que “man is the molecule of society”, que a
associação é somente uma variedade da “great law of molecular gravitation” e que “man tends
of necessity to gravitate towards his fellow man... that gravitation is here (in human
societies), as everywhere else in the material world, in the direct ratio of the mass (of cities),
and in the inverse ratio of the distance” (idem) e centralização e descentralização nada mais
seriam que casos de forças centrípetas e centrífugas agindo conforme as leis da mecânica
física; e quanto maior a diferença de temperatura de dois corpos, mais intenso é o processo de
transmissão de calor na forma de movimento de um corpo a outro; e num modo similar,
quanto maior a diferença entre indivíduos e grupos, maior o poder de associação e comércio
entre eles. Progresso seria um caso de movimento, e “motion comes with heat, and heat
results from association” e “Economic value is nothing but a kind of inertia; utility, an
equivalent of mechanical momentum” (apud SOROKIN, 1928, p. 14).

80
Assim, se da incontroversa afirmação de que o homem é um ser biológico
devemos concluir que ciências humanas deve ser um ramo da biologia, explicando assim
qualquer comportamento humano pela biologia, por que não concluir como Henry Charles
Carey que devemos explicar o comportamento humano como casos da física?
Uma reposta dada seria a de que “Não é isso que pensamos/queremos”, como fez
Pinker (2004, p. 105). Pinker está mais ou menos ciente do problema e responde a esta
indagação postulando uma distinção entre dois tipos de reducionismo: de um lado o
reducionismo voraz ou destrutivo e de outro lado o reducionismo “bom” ou hierárquico58. O
reducionismo voraz seria aquele que tentaria reduzir tudo ao máximo, até o ponto em que
teria que explicar, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial como simples movimento de
elétrons e quarks. Já o reducionismo “bom” ou hierárquico “consiste não em substituir um
campo de conhecimento por outro, mas em conectá-los ou unificá-los. As unidades
constitutivas usadas por um campo são postas ao microscópio por outro campo” (PINKER,
2004, p. 106, grifos no original).
Mas tal diferença não é de todo claro. Se reducionismo bom significa “conectar” e
“unificar”, podemos pensar que Carey também tentou uma unificação, mas não uma
explicação pelas menores partículas, bem como George Berkeley, que em The principles of
Moral Atraction defendia que forças centrífugas são manifestas na forma de egoísmo,
enquanto os instintos sociais seriam manifestações de forças centrípetas (apud SOROKIN,
1928, p. 11). Quem sabe W. Ostwald também não seria outro bom candidato ao defender que
“energetics can give to social sciences (Kulturwissenscahften) several fundamental principles,
but it cannot give all the principles needed by social sciences” (apud SOROKIN, 1928, p. 20).
Dito isto, vemos que Ostwald não pretendeu substituir, mas sim conectar campos. Para ele,
uma vez que qualquer mudança social ou histórica é transformação de energia, podemos
colocar a Cultura no microscópio e perceber que a criação da cultura não é nada mais que a
transformação de energia bruta (rohe) em energia útil (Nutzenergy). E a biologia não ficaria
de fora. Poderíamos também conectá-la e unificá-la, uma vez que adaptação para Ostwald
seria a melhor utilização possível de energia bruta em energia útil. Muitos outros exemplos de
tentativa de “unificação” de teorias sociais a eventos físico-químicos ou biológicos podem ser
vistos em Sorokin (1928). Se bom reducionismo não é a tentativa de reduzir ao máximo, mas
sim tentar “unificar” e “conectar”, acredito que estes exemplos de tentativa de unificação com

58
Tal distinção foi inspirada na distinção de (DENNETT, 1995, p. 80-82), que por sua vez foi inspirada em
Steven Weinberg. Também em Dennett o bom reducionismo seria aquele que unificaria campos.
81
a física são igualmente válidos. Por que parar a unificação na Biologia? A sociobiologia não
parece responder a isto.
E se integração com as ciências naturais é garantia de sucesso científico, por que
as inúmeras tentativas do passado de integrar ciências sociais e ciências naturais malograram
até o momento, mas a junção com a sociobiologia seria finalmente o momento que as ciências
sociais “seriam iluminadas pela primeira vez” 59? Dizer que “só agora temos conhecimento de
X” não responderia a este questionamento uma vez que é igualmente aplicável a qualquer
teoria em qualquer momento histórico60.
Vale lembrar que se o objetivo é unir o homem ao restante do reino animal,
usando um mesmo pano de fundo teórico para explicar tanto o comportamento de homens
como de outros animais, a sociobiologia está longe de ser a única opção. Tivemos alternativas
sofisticadas que fizeram um esforço real de integrar a importância de conhecimentos inatos e
conhecimentos aprendidos numa explicação evolutiva (filogenética) de diferentes tipos de
cognição. Me refiro aqui à epistemologia evolutiva. Konrad Lorenz, por exemplo, trabalhou
em como as categorias kantianas de percepção da realidade vão aparecendo filogeneticamente
(ao longo da evolução), desde organismos mais simples como protozoários, até o homem,
integrando em seu esquema o fator aprendizado, pensamento abstrato e linguagem sintática 61.
Apesar de sociobiólogos admitirem a existência de aprendizado e de crenças conscientes na
determinação da ação, não me parece que a sociobiologia tenha conseguido integrar bem em
sua teoria estes fatores, nem mesmo que tenham tentado62 63.
Dizer que o homem é um ser biológico, e que ele não está separado por um
abismo de outros animais, está, portanto, longe de ser suficiente para convencer sobre a
pertinência de teorias sociobiológicas em teorias das ciências sociais, assim como saber que
organismos são complexos químicos organismos não faz com que a química revolucione
teorias das ciências sociais, bem como teorias biológicas como variação, seleção e reprodução
diferencial. Apelar para a continuidade da realidade não nos diz aonde parar com a unificação.

59
Muitas outras tentativas de ancorar as ciências sociais às ciências naturais podem ser vistas em Sorokin (1928)
e Domingues (1991).
60
Neste sentido diz Robin Dunbar que as ciências sociais se basearam na biologia do século 18 e 19 para se
separarem da biologia, mas que a biologia atual teria muito a oferecer (2007). Mas qual o critério, ele também
não nos fornece.
61
Para um resumo destas idéias de Lorenz, ver Garcia (2005).
62
Não se deve confundir esta afirmação com as tentativas de estabelecer a coevolução de genes e cultura. A
indagação aqui foca na ausência da incorporação do fator aprendizado nas teorias da sociobiologia.
63
Esta falta de uma teoria do aprendizado foi uma das críticas constantes de George Homans a alguns
sociobiólogos. Ver Homans (1977) e (1985).
82
3.2. 2ª via: Consiliente

As ciências sociais terão sucesso quando canibalizadas pela sociobiologia


(WILSON, 1981 [1978]), as ciências sociais precisam ser um ramo da biologia diziam
Rosenberg (1981) e Kanazawa (2004), ou, mais modestamente, só terão sucesso substancial
se postas em “integração conceitual”, “integração vertical” e se fizerem consistentes com as
ciências naturais. Este tem sido o discurso hegemônico da sociobiologia e dificilmente
encontraremos livros de sociobiologia humana que não critique, ainda que brevemente, as
ciências sociais dominantes e proponha a estas mais sociobiologia. Wilson buscou em
William Whewell um termo para expressar tal intento: “consiliência”, entendida como colocar
diferentes conhecimentos em conexão, em busca de unidade da ciência e do conhecimento de
forma geral. O termo seria parecido, mas diferente de “coerência”. Segundo Wilson,
consiliência seria “literally ‘jumping together’ of knowledge by the linking of facts and fact-
based theory across disciplines to create a common groundwork of explanation” (1998, p. 8).
Muitos sociobiólogos e simpatizantes ressaltam que a disciplina não é reducionista, se
pensarmos reducionismo (ganancioso) como tentativa de subsumir um campo do
conhecimento em outro, mas seria reducionista (bom ou moderado) ao tentar unir diferentes
campos (DENNETT, 1995, p. 80-1; PINKER, 2004, p. 105-6).
O movimento consiliente se iniciaria com Newton e a queda da divisão entre
mundo sublunar e supra lunar, e sua unificação em um só mundo; passa por Charles Lyell e a
queda da divisão passado criativo e presente estático; por William Harvey que, em 1628,
mostrou que o corpo humano é uma máquina que funciona segundo princípios da hidráulica e
da mecânica; por Friederich Wöhler, que em 1628 mostrou que a vida é feita de compostos
que seguem as leis da química; por Darwin que mostrou que a diversidade emergia do
processo físico; por Mendel e, posteriormente, por Watson e Crick que mostraram que a
replicação tem também bases físicas. Chegou agora o momento de “conectar” biologia e
ciências sociais (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 19-20; PINKER, 2004, p. 53-5).
Wilson deu um sentido muito mais forte à consiliência. Para ele, seria necessário
retomar o projeto Iluminista de colocar todo tipo de conhecimento sob o jugo da “Razão”
científica, sendo esta entendida como biologia evolutiva. Até mesmo as artes, a música, a
literatura e a ética deveriam estar em conexão com as ciências naturais. Além disto, acreditava
que com a consiliência seria possível chegar à verdade absoluta, à medida que descobríssemos
como o cérebro funciona (WILSON, 1998, p. 60). Talvez a principal crítica feita a este livro

83
de Wilson foi a de ser “philosophical silly”. Não discutirei este sentido forte da consiliência,
uma vez que não parece ter tido grandes adesões na sociobiologia. Aqui reterei um sentido
mais fraco: colocar os diferentes conhecimentos em conexão e sob uma mesma explicação, e
sem contradizer um ou outro, estabelecer pontes entre diferentes conhecimentos.
Defenderei aqui que o principal discurso da sociobiologia em relação às ciências
sociais, este da consiliência não é o modo como a ciência avança, e ao invés de ser um
princípio que promove o progresso científico, como pensam muitos sociobiólogos, é na
verdade um princípio que se posto realmente em prática levaria ao resultado oposto, isto é, ele
esterilizaria o progresso científico. A consiliência não é o modo como a ciência opera, e negá-
lo não é o mesmo que negar o princípio da não-contradição, como sugerido por Tooby e
Cosmides. Não digo que devamos abrir mão do princípio da não-contradição – que caso
encontradas certas disparidades entre diferentes teorias, não devemos nos preocupar em
absoluto com tal problema – defendo inicialmente que encontrada tal disparidade não há
como saber a priori quem está errado, e que por isso não podemos levar o princípio à ferro e à
fogo.
A insuficiência do princípio consiliente é fácil de demonstrar. A História da
ciência e da tecnologia está repleta de casos onde, caso realmente se aceitasse os princípios
científicos vigentes em determinado período histórico como absolutos, certas inovações
tecnológicas e teóricas jamais poderiam ter surgido. Avanços científicos ocorrem muitas vezes
porque desafiam o conhecimento vigente, e não porque o aceita.
Quando se propôs que, segundo a teoria copernicana, Vênus deveria mudar de
tamanho ao longo do ano, tal proposição foi logo ridicularizada por Oislander, uma vez que
tal previsão seria “um resultado contradito pela experiência de todas as épocas” (apud
CHALMERS, 1993, p. 57). Deveria então a teoria de Copérnico ter sido deixada de lado? E
Galileu não teve de ir contra o conhecimento predominantemente aristotélico de sua época,
que por sinal, se aplicava a um número muito maior de casos do que a teorias de Galileu?
Exaltamos Galileu como um dos grandes heróis da ciência por sua ousadia, e não o Frei
Belarmino por sua defesa do então vigente sistema ptolomaico. Guglielmo Marconi, um outro
exemplo, desafiou a física de sua época (início do século XX) ao inventar do telégrafo sem
fio, recebendo um sinal pelo ar à 3.600Km de distância. A física da época assumia que sinais
de rádio se espalhavam em linha reta até desaparecerem no espaço, e, portanto, não poderiam
alcançar as distâncias alcançadas pelo aparelho de Marconi. Mas o aparelho de Marconi
parecia sugerir, contra a física de sua época, que algumas ondas seguiriam a curvatura da
Terra. Só posteriormente descobriu-se que as ondas não seguiam a curvatura, mas refletiam na
84
ionosfera. De todo modo, se Marconi seguisse a física de sua época, não teria inventado o
telégrafo sem fio.
O exemplo mais interessante aqui é o embate no caso do cálculo da Idade da Terra
calculado por William Thompson, ou Lorde Kelvin, que foi tida como séria refutação ao
darwinismo. Kelvin calculou, com base nas leis da termodinâmica, e supondo que a Terra
estaria se resfriando, que a idade da Terra seria de cerca de 100 milhões de anos (entre 20 e
400 milhões), e isto, dizia Kelvin, era muito pouco tempo para que uma evolução gradual tal
como concebida pelo darwinismo fosse possível. A esta objeção, Lorde Salisbury, presidente
da Associação Britânica para o Avanço da Ciência em 1894, disse que os números de Kelvin
ainda eram uma das “maiores objeções” à teoria da evolução de Darwin, e que aqueles
biólogos e geólogos contrários à Kelvin estariam “esbanjado seus milhões de anos com a mão
aberta do herdeiro pródigo que compensa, com a extravagância presente, a contenção forçada
de sua juventude” (apud HELLMAN, 1998, p. 153). James Prescott Joule, famoso por suas
duas leis de Joule, disse em uma carta à Kelvin em 1861 que:

“Estou contente por você ter-se disposto a desmascarar algumas das tolices que têm
sido lançadas ao público ultimamente. Não que Darwin tenha tanta culpa, porque
acredito que ele não tencionava publicar nenhuma teoria acabada, mas apenas
[queria] apontar dificuldades a serem resolvidas. Parece que hoje em dia o público
não se interessa por nada que não seja chocante. Nada os agrada mais... filósofos que
encaram uma ligação entre a humanidade e um macaco ou gorila.” (apud
HELLMAN, 1998, p. 149).

Se os darwinistas tivessem seguido o princípio consiliente, deveriam ter


abandonado o darwinismo enquanto o cálculo de Kelvin se manteve. Por outro lado, como o
cálculo de Kelvin se mostrou posteriormente errôneo, não deveríamos talvez concluir que o
melhor a ser feito teria sido ignorar o cálculo de Kelvin, como fizeram os darwinistas contra o
princípio consiliente? Se tivessem agindo consilientemente, não teriam os darwinistas aberto
mão de sua teoria inutilmente?
Os Psicólogos Evolucionistas não desconhecem este caso. Cosmides et al, em
referência a este episódio dizem “This case demonstrates that when physics and biology
conflict, it is certainly possible that physics is in error” (COSMIDES; TOOBY; BARKOW,
1992, p. 13, nota 1) e acrescentam sua aceitação da possibilidade de teorias emergentes:

“By the same token, however, each field ‘higher’ up in the structure requires
additional principles special to its more restricted domain (e.g., living things,
humans) that are not easily reduced to the principles found in the other fields (e.g.
natural selection is not derivable from chemistry).” (idem).

85
Como vimos no capítulo 2.4, muitos sociobiólogos aceitam, ao menos em tese, o
princípio da emergência. Um exemplo de propriedade emergente nas ciências sociais seria a
lei da oferta e da procura, que segundo Cosmides: “A lei da oferta e da procura é uma
propriedade emergente da interação de muitas mentes. Não dá para reduzir história e
economia à psicologia, mas há um elo causal importante aí.” (COSMIDES, 2006).
No entanto, a aceitação da emergência se dá só em princípio. Tais passagens são
lapsos entre sociobiólogos. Apesar de admitirem a possibilidade de propriedades emergentes,
todo seu discurso é de que as ciências sociais estão erradas e estas, e não a sociobiologia, uma
vez em desacordo, devem ser reformuladas. Por exemplo, dizer que “sociedade” e “cultura”
não são redutíveis à psicologia ou à biologia seria para os sociobiólogos equivalente a
defender um organicismo vitalista, hipostasiar entidades como sociedade e cultura como
“almas” que causam os indivíduos não sendo causados por nada – não se discute que ao se
defender a autonomia das ciências sociais, isto era feito defendendo-se que cultura e
sociedade fossem propriedades emergentes. Desconheço se há em algum lugar na
sociobiologia onde haja discussão do que sejam propriedades emergentes, e qual o critério
para identificá-las.

3.2.1. A sociobiologia não foi a única a tentar fundar as Ciências


Sociais nas Ciências Naturais

Já houve inúmeras tentativas de fundar as Ciências sociais nas ciências naturais.


Neste ponto, a sociobiologia não nos apresenta novidade alguma. Espinoza e Descartes
tentaram se basear na ciência mais avançada de sua época, a geometria. Pareto trouxe da
engenharia a idéia de equilíbrio. Quando Newton se tornou sinônimo de ciência a ser seguida,
também houve quem quisesse copiá-lo. O mesmo se poderia dizer de Darwin, como vimos
anteriormente. Os exemplos seriam inúmeros64, foquemos portanto na biologia evolutiva.
Instrutiva foi a crítica feita à sociologia por Henry Ford em 1909, num discurso
muito parecido com o da sociobiologia: “Sociology has not yet established any claim to be
accepted as a science” tendo conseguido somente “merely a heap of vague empirical
observations” (p. 98). E diagnosticava, assim como a sociobiologia, que “I finally concluded

64
Para mais detalhes das inúmeras inspirações das ciências sociais nas ciências naturais ver Domingues (1991) e
Sorokin (1928).
86
that if Darwin was on the right track, sociology was on the wrong track” (p. 102). No
entanto, o motivo do erro seria o oposto da sociobiologia “Political and social phenomena
can never be fully interpreted as results of individual activities” (p. 102). Ford avaliou
mais detalhadamente:

“Darwin has offered a solution of this problem [da natureza da sociedade],


namely, that human society was evolved from brute society by stresses
resulting from the group incident of natural selection, so that human society
was shaped by the life of the community precisely as bee nature has been
shaped by the life of the hive, certain distinctive organs and capacities being
developed in the individual, not primarily for individual advantage, but for the
advantage of the community.” (p. 9).

Isto é, para a Sociobiologia, com base no conhecimento científico de sua época a


correção para a sociologia adviria da aceitação que o foco da seleção natural é nos genes, ao
passo que para Ford, com base no conhecimento científico de sua época, a solução seria
aceitar o conhecimento de sua época de que o foco deveria ser no grupo.
Interessante também é o caso da chamada Escola Instintivista do início do século
XIX, que tinha como representantes William McDougall, E.Westermarck e W.I.Thomas.
Assim como os sociobiólogos, os instintivistas acreditavam na existência de muitos, muitos
instintos, e que estes foram moldados pela seleção natural, e que poderiam explicar as
diferenças entre os sexos com base nestes instintos. Assim como os sociobiólogos, eles
acreditavam que o ciúme e o recato feminino (female coyness) advinham de processos mais
básicos (instinto de reprodução, no caso da escola instintivista), que um instinto parental
poderia levar, dependendo das condições, desde o auto-sacrifício até ao infanticídio
(SOROKIN, 1928, p. 600-617).
O “sábio” italiano Cézar Gregario Lombroso baseou-se na biologia de sua época
para estudar o crime na virada do século XIX para o século XX. Descobriu, com base na
medição de crânios (craniometria), e no estudo das aparências físicas (a caracteriologia), que
o criminoso mostrava em seu físico os sinais de uma regressão evolutiva a um tipo mais
simiesco, como maxilar inferior protuberante e abundância de pêlos. O criminoso estaria
adaptado a viver no belicoso mundo selvagem, mas não no pacificado mundo moderno.
Muitos duvidavam de Lombroso, mas ele detinha orgulhoso quarenta anos de experiência e
cerca de 50.000 observações contra seus adversários “obscurantistas” (DARMON, 1991, p.
108).
Com o surgimento da endocrinologia na década de 1920, pensou-se que poder-se-
ia explicar certos tipos de comportamento com base no equilíbrio hormonal. Um médico
87
brasileiro adepto desta teoria, forjou um bordão muito próximo ao de Dawkins “somos
veículos robôs programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como
genes”, dizia o médico “somos ambulantes armários de glândulas”. O homossexualismo, a
menopausa, a libido excessiva que causava o adultério, o criminoso, etc. podiam ser
identificados e corrigidos sem muitos traumas mediante o reequilíbrio hormonal, sem muito
dispêndio de trabalho e dinheiro. Um médico chegou a afirmar que “Não temos acordo social,
porque discordamos harmonicamente, ‘hormonicamente” (apud FERLA, 2005, p. 186).
Tais casos nos permitem pensar a questão, de que se as ciências sociais poderiam
avançar se levassem em conta o conhecimento das ciências naturais, por que as inúmeras
tentativas do passado malograram? Qual seria o diferencial da sociobiologia que faria com
que ela “finalmente” seria capaz de fazer avançar as ciências sociais? Como já foi dito, dizer
que só agora temos conhecimento acurado sobre qualquer coisa é um tanto arbitrário, afinal
qualquer um pode usar em sua defesa que finalmente temos conhecimento acurado de
qualquer coisa. H.C.Carey poderia dizer em sua defesa que só “agora” temos conhecimento
da lei da atração, e Ostwald poderia dizer que o mesmo da “energética”, Ford o mesmo da
seleção de grupos e a sociobiologia da seleção a nível gênico.
Estes casos também nos sugerem que seguir o princípio consiliente não parece ser
um procedimento tão seguro, uma vez que as próprias ciências naturais estão em constante
mudança. No século XIX, a nascente sociologia de Comte e do Organicismo se inspirou na
biologia para se dizer independente da psicologia.

“In order to finally place political doctrine upon the soil of reality, it would be
necessary to take the position of admitting that sociology is simply the continuation
and the development of biology, that human society is a concrete living thing, of the
same order as animal societies.” (ESPINAS 1882, p. 566–7 apud BARBERIS, 2003,
p. 59, itálicos adicionados).

Se a conexão com a biologia é garantia de sucesso, por que esta sociologia afim
com a biologia do século XIX não vingou? Se se disser que seria por que a biologia da época
era deficiente, então por que pensar que a biologia de hoje irá conseguir tal intento, e não a
biologia do ano 2.125? Se se admitir que não conseguiu progresso por que a biologia da época
era deficiente, então não há garantia a priori de que a conexão com a biologia de hoje seja
garantia se sucesso científico, e sendo assim, a sociobiologia teria de mostrar mais do que
“conexão”.

88
3.2.2. A sociobiologia não é a única a representar as Ciências
Naturais nem a Biologia evolutiva

Supondo que os cientistas sociais finalmente “aceitassem” que sua disciplina


devesse “se fazer consistente com as ciências naturais”. Estes cientistas sociais olhariam então
para o estado da arte das ciências naturais e tentariam agregar estes conhecimentos à suas
disciplinas na expectativa de grandes avanços teóricos, como prometido. Estes cientistas
sociais incorporariam inexoravelmente então a sociobiologia à sua disciplinas? Não. Não é de
forma alguma claro que a Sociobiologia seja “a” representante das ciências naturais, uma vez
que grande parte das críticas a ela enquanto ciência surgiram das próprias ciências naturais.
Cientistas sociais ávidos por fazerem sua disciplina “consistente” com as ciências naturais
encontrarão nas ciências naturais as posições das mais diversas e contrárias umas às outras,
não lhe sendo possível saber qual dessas representa “a” ciência natural.
Enquanto os sociobiólogos defenderam que estavam simplesmente aplicando um
tipo de conhecimento bem estabelecido em biologia evolutiva a outras áreas, o que muitos dos
críticos da sociobiologia se esforçaram em mostrar foi que a sociobiologia justamente não
fazia isto, não atendendo aos próprios padrões científicos de sua disciplina. O importante
geneticista de populações Richard Lewontin (1978) chamou a sociobiologia de “Caricatura da
teoria da seleção”. Destacava que falta à sociobiologia se fazer consistente com a biologia
evolutiva atual, e levar em conta a evolução não adaptativa 65. Philip Kitcher defendeu que
enquanto havia uma sociobiologia mais “dura” que tratava de animais não-humanos e tiravam
conclusões de forma cuidadosa e freqüentemente reconheciam as limitações de suas
pesquisas, haveria uma outra vertente “pop” (esta sim criticada aqui nesta dissertação) adepta
de especulações fáceis sobre seres humanos. Dizia Kitcher que “Speculation that would be
rejected in the attempt to understand the behavior of ants flourishes freely when the animal
under study is Homo Sapiens.” (1987, p. 124, itálico no original) e conclui “In the case of pop
sociobiology, commonly accepted standards are ignored” (1987, p. 435). David Buller

65
“sociobiology completely ignores the kinds of nonadaptive explanations that are common in modern
evolutionary genetics” (LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1987, p. 262). Não levavam em conta os fatores
contingenciais (por exemplo, rinocerontes africanos tem 2 chifres e indianos tem 1. Tal diferença é
provavelmente devido à contingência, e não à adaptabilidade), o tamanho da população pode fixar traços não
adaptativos, há o fenômeno da pleiotropia (certas características são conseqüência do múltiplo efeito de genes
simples. Por exemplo, o fato de o sangue ser vermelho não se trata de uma adaptação per se. Um caso específico
é o da pleiotropia alométrica, onde partes do corpo mudam de proporção à medida que o corpo aumenta) e por
fim há os barulhos aleatórios (random noises). Por fim, o fenótipo não é resultado só da interação genótipo e
ambiente, mas está sujeito a processos aleatórios no nível celular e molecular (ibid, p. 262-3).
89
sustenta que a idéia de Natureza Humana defendida pela Psicologia Evolucionista “are
inconsistent with contemporary theory and practice within biology” (2005, p. 432) e que o
foco em produtos (natureza humana) a ser explicada pela seleção natural, ao invés de foco no
processo que lhe deu origem, seria reter o problema do design, típico de criacionistas, mas
substituindo Deus pela Seleção Natural. E Buller carrega na crítica:

“this exclusive focus on adaptations in Evolutionary Psychology’s theory of human


nature does not derive from evolutionary theory itself, and it receives no justification
from evolutionary theory. Rather, this focus is a preevolutionary interpretation of the
human organism; it is a theoretical vestige of natural theology. Consequently,
Evolutionary Psychology’s adaptation-centered theory of human nature is in no true
sense evolutionary. (BULLER, 2005, p. 476, itálico no original).

Sober & Lewontin (1982) criticam a idéia de tomar o foco da seleção nos genes,
por ser mais parcimoniosa. Para eles, “The selfish gene fails to do justice to standard textbook
examples of Darwinian selection”.
Um outro pressuposto caro à Psicologia Evolutionista trata-se da teoria
computacional da mente, que assume que podemos tratar processos mentais como processos
computacionais. É uma tese controversa no campo da filosofia da mente que tem rendido
inúmeras discussões ao longo do século XX. Poderíamos tratar processos semânticos como
sintáticos? Há quem, como John Searle, que acredita que não. Mas há quem acredite que sim.
Jerry Fodor é talvez o principal defensor da teoria computacional da mente, que segundo ele
seria “by far the best theory of cognition that we’ve got” (1998b), além de ser o introdutor da
idéia de “modularidade”, adotada pela psicologia evolucionsita. No entanto, Fodor escreveu
um livro contra o que ele vê como abusos feitos por psicólogos evolucionistas dessas teorias,
ao tratar a mente como composta somente por processos computacionais, sem dar espaço à
consciência, e como massivamente modular. Segundo Fodor não sabemos se a maioria do que
está na mente é modular, e não sabemos como a cognição não modular trabalha (FODOR,
2001).
Panksepp e Panksepp (2000) destacaram alguns “pecados” cometidos pela
psicologia evolucionista, a maioria relacionada ao desconhecimento desta disciplina para com
os estudos sobre os vários sistemas motivacionais e emocionais básicos da mente dos
mamíferos. Destacaria entre os erros apontados, “specie-centrism” onde “human proclivities
are commonly discussed indepedently of what we share with other creatures” (p. 114), como
as capacidades cognitivas gerais de perceber objetos e eventos, computar passagem de tempo
entre eventos, deslocar entre objetos. Outro erro refere-se à modularização massiva adotada

90
pela psicologia evolucionista. Segundo os dois críticos, sem referência aos sistemas
subcorticais de medo, raiva, lascívia (lust), pânico e cuidado (care), poderia levar a erros: “the
simplest postulation of genetically-dictated modules, especially in higher areas of the human
brain, may end up being a regressive ‘phrenological’ strategy rathen than a progressive
paradigm based on real brain circuit analyses” (p. 116). Outro pecado refere-se à ausência de
perspectivas neurais confiáveis na postulação dos módulos, onde “none of the proposed
sociobiological modules have coalesced with established neural realities... it is remarkable
that evolutionary psychology continues to neglect evidence concerning the basic socio-
emotional systems of the mammalian brain” (p. 117), e concluíram “...we are disappointed by
the fact that current evolutionary psychological thought... is not guided by what we already
know about neurobiology of emotional and motivational processes in the brains or related
animals” (p. 126).
Outra crítica recorrente se refere ao chamado problema da otimização (cf.
SEGERSTRÅLE, 2000, p. 105 e KITCHER, 1987, cap. 7). Ao chegar a esta formulação
“ótima” do decurso da ação conforme a intenção inconsciente de maximização de aptidão
inclusiva, diversos críticos tem ressaltado a confusão que fazem os sociobiólogos entre
formulação ótima e realidade, pressupondo erroneamente que uma vez feito o cálculo ótimo, a
realidade será da mesma forma. Da mesma forma, tentam explicar a realidade fazendo alusão
a alguma formulação ótima genérica, que nos diz somente sobre a possibilidade do evento
ocorrer como descrito, mas sem nos informar de modo algum por que no caso específico usa-
se uma formulação e não outra. É como se alguém tentasse explicar a variação do preço da
carne no mês de maio do ano passado apenas fazendo alusão à lei da oferta e da procura, mas
sem mostrar que os pressupostos da lei da oferta e procura foram satisfeitos.
Os sociobiólogos apelam à complexidade (complexity of features) para inferir de
que se trata de uma adaptação, e Richardson (2007, p. 19) destaca que há explicações
alternativas. Alguns, como Stuart Kaufmann, apostam nas ciências da complexidade e
propõem que através de diferentes domínios, simples princípios gerais sugeririam haver uma
ordem espontânea em sistemas complexos, ao lado e antes da adaptação. Tal alternativa
também é controversa (inclusive o próprio Richardson a critica), mas é ainda uma alternativa.
Ainda nas ciências da complexidade, Humberto Maturana e Francisco Varela em sua teoria
autopoiética apostam na noção de que não podemos falar em organismos mais ou menos

91
adaptados, mas somente em organismo adaptado/não adaptado66. O erro do adaptacionismo é
não levar em conta que mudanças nos organismos estão condicionadas e limitadas pela
estrutura do organismo, isto é.
Como ressalta Segerstråle (2000, p. 73 e 331) as quatro questões do etólogo
Tinbergen têm sido usadas freqüentemente como antídoto contra a sociobiologia. Tinbergen
postulava que haviam quatro dimensões no comportamento. Destacam que para entendermos
o comportamento devemos focar nas quatro questões, e não apenas nas causas últimas. Parte
da etologia tem fortes resistências à sociobiologia por causa disto (cf. o etólogo Patrick
Bateson em SEGERSTRÅLE, 2000, p. 174 e BATESON, 2000). O sociólogo Randall Collins
(COLLINS, 1983 e; RÖSSEL e COLLINS, 2001), por exemplo, defende que a teoria do
conflito parte não da sociobiologia, mas da etologia em junção com a etnometodologia, onde
processos da ação no nível micro não poderiam ser explicados por normas e regras sociais:

“Empirically grounded in the concept of microtranslation, microconflict theory takes


a naturalistic perspective on human action resembling animal ethology. It starts with
the assumption that social organization is not specific to human beings, but exists on
the sub-human level as well. Hence, the higher cognitive capacities of humans
cannot be the basis of their social life (COLLINS, 1975, pp. 91-92). This thesis is
supported by a number of micro-sociological studies showing that human beings in
natural interaction situations have only a limited capacity for rational decision
making, have cognitive restrictions, and show ritualistic or routinized types of
behavior.” (COLLINS, 2001, p. 511-2).

Há certamente mais críticas quanto à sua conexão com as ciências naturais, mas
estes exemplos já são suficientes para a discussão presente. Há muita controvérsia rondando a
sociobiologia. Pode ser que os críticos estejam certos, e pode ser que estejam errados. Estas
objeções à sociobiologia como ciência não ficaram sem resposta, e também não ficaram sem
tréplica e assim por diante. Mas o simples fato de haver críticos implica que não há consenso
nas ciências naturais em vários pontos levantados pela sociobiologia. Como um cientista
social ávido por consiliência poderia decidir com qual versão ficar? Talvez, só apostando em
uma das versões. Mas apostar não é um procedimento de todo seguro.
Mas concedendo que os críticos estejam completamente equivocados em suas
críticas, e a sociobiologia humana pudesse ser considerada como atividade “normal” da
biologia evolutiva. Supondo isto, poderiam os cientistas sociais então finalmente adotar a

66
Diz ele “What we propose here is that evolution occurs as a phenomenon of structural drift under ongoing
phylogenic selection. In that phenomenon there is no progress or optimization of the use of the environment, but
only conservation of adaptation and autopoiesis. It is a process in which organism and environment remain in a
continuous structural coupling”.
92
sociobiologia como fundamento? Defenderei a seguir que não há resposta satisfatória a esta
questão.

3.2.3. Diversidades de Sociobiologia

A própria sociobiologia não poderia fornecer uma base segura para outros
conhecimentos, uma vez que não há consenso hegemônico sobre seus objetivos e suas bases.
A Sociobiologia não deve ser considerada uma teoria, mas um campo onde diversas teorias
habitam. Não há consenso na própria sociobiologia sobre quais os objetivos a serem seguidos
(o que deveria explicar?) e sobre suas bases (qual o foco da seleção natural?). Assim, mesmo
que aceitássemos que as ciências sociais devem se basear na sociobiologia, não é de todo
claro o que isso significa e como isso deve ser feito.

3.2.4. Disparidade de objetivos

Kitcher (1987) destacava que haviam três tipos de sociobiologia humana. A


primeira seria o programa de Wilson em Sociobiology e Human Nature. O segundo seria o
programa da coevolução genes-cultura (a ser discutida mais à frente), e o terceiro seria o
programa de Richard Alexander que procurava explicar como comportamento moderno está
adaptado às condições atuais. Alguns chamam este programa de “Human Behavior Ecology”
que teria como adeptos Irons e Chagnon. Já a Psicologia Evolucionista não corrobora esta
posição. Destacam que o comportamento do homem está adaptado ao Pleistoceno, e não às
condições modernas. O exemplo mais recorrente é talvez o caso de nossa preferência inata por
açúcar e alimentos gordurosos, que teriam evoluído como solução de um problema de
sobrevivência no ambiente ancestral onde a má-nutrição e a inanição eram prevalentes. Tal
preferência, apesar de bem adaptada ao Pleistoceno, no entanto, leva hoje em dia com toda a
abundância de alimentos gordurosos e doces, à situação em que essa mesma preferência deixa
de ser adaptativa, uma vez que leva à obesidade, um dos grandes problemas de saúde hoje em
dia. Portanto, comportamentos que estavam bem adaptados à vida passada, não
necessariamente estão bem adaptados à vida moderna.
Richard Alexander e seguidores do que veio a se chamar Human Behavioral
Ecology viam que o objetivo da sociobiologia seria outro. Eles compartilham a crença que a

93
biologia é a chave para entender a natureza humana e a cultura humana, mas não se detêm na
questão dos limites que genes impõem à cultura. Segundo Alexander:

“If there is one thing that natural selection has given to every species, it is the ability
to adjust in different fashions to different developmental environments... If there is
an organism most elaborately endowed with flexibility in the face of environmental
variation, it is the human organism.” (apud KITCHER, 1987, p. 282).

Jeffrey Kurland foi o mais explícito quanto aos objetivos do programa.


“Evolutionary biologists who study the evolution of sociality are concerned with the
prediction or explanation of how behavior maps onto environment, not how genes map onto
behavior” (apud KITCHER, 1987, p. 282, itálico no original). Desse modo, dada a
flexibilidade dos seres humanos, explicar-se-ia seu comportamento ao revelar como em
diferentes situações atuais pessoas modificam suas atitudes, práticas e instituições para
maximizar aptidão inclusiva. Podemos ser inatamente “nepotistas” e adorar nossos filhos, mas
dependendo das condições ambientais, podemos ser levados a cometer infanticídio. A
antropóloga Dickemann procurou explicar tal situação tentando mostrar como mesmo estes
casos de infanticídio seriam casos onde, dadas certas condições ambientais, seria de se esperar
tais casos pelo mesmo princípio da maximização inclusiva. Para esta vertente da
sociobiologia, devemos procurar saber como certos comportamentos estão adaptados às
condições atuais, já para a psicologia evolucionista, devemos procurar como comportamentos
estão adaptados às condições do pleistoceno. Com qual ficar e segundo que critério?

3.2.5. Disparidade nos fundamentos

Desde seu nascimento, como qualquer outra ciência, a sociobiologia não teve
consenso sobre seus fundamentos. Dawkins acreditavam que bastava a seleção a nível gênico
e que a seleção de grupos poderia ser abandonada por motivos pragmáticos. E.O.Wilson
acreditava que não se poderia abandonar a seleção de grupo. A adesão de Wilson à seleção de
grupo fez com que muitos etólogos resistissem ao rótulo de “sociobiólogos”, Dawkins
chamou o programa de Wilson de “pre-revolutionary”, enquanto Wilson ao defender que o
foco seria no genótipo e não nos genes, disse que ele, Wilson “did not make the same
mistakes as Dawkins.” (apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 127). Muitos sociobiólogos

94
passaram a considerar a seleção de grupo como “great heresy”, “non-darwinianian”, ou
mesmo “morta”.
E.O.Wilson ultimamente tem destacado cada vez mais a importância da
malfadada seleção de grupos, integrada numa perspectiva multiníveis. Tal perspectiva tem
recebido atenção renovada em setores da biologia externos à sociobiologia. No interessante
artigo intitulado “Rethinking the Theoretical Foundation of Sociobiology” escrito por
E.O.Wilson e David Sloan Wilson (2007) chamam a seu favor não menos que Charles Darwin
e mesmo o famoso Adaptation and Natural Selection de George C. Williams, tido
regularmente como inauguração da perspectiva do gene como único ou principal foco da
seleção. Wilson & Wilson ressaltam com citações destes autores de que estes não só não
fecharam as portas para a seleção de grupo, bem como as aceitavam (desde que numa
perspectiva multiníveis). Destacavam ainda que “The rejection of group selection in the 1960s
was not based upon a distinguished body of empirical evidence” (p. 332), mas sim por
questões metodológicas (por ser mais parcimoniosa) e que uma questão central à
sociobiologia, a da evolução do altruísmo deveria ser revista, já que teorias que tentaram
“explain the evolution of apparent altruism without invoking group selection... have failed”
(p. 331) 67. E isso vale para a evolução de colônias de insetos, antes explicada pela seleção de
parentes68. Assim, Wilson chama a atenção para a necessidade de revisão substancial nos
fundamentos da teoria sociobiológica. A seleção de parentes “ergueu e caiu”, a seleção de
grupo “nasceu, morreu e ressurgiu”. David Sloan Wilson e o principal advogado da
sociobiologia, E.O.Wilson, chamam a atenção de que a sociobiologia não está consistente
com o resto do conhecimento em biologia. Diziam eles, que apesar do ressurgimento da
seleção de grupo:

“Instead, sociobiology proceeded along a seemingly triumphant path based entirely


on the calculus of individual and genetic self-interest, under the assumption that
group selection can be categorically ignored.” (WILSON e WILSON, 2007, p. 331).

67
Quanto a este mesmo ponto, ver também o artigo “Kin Selection as the key to Altruism: Its Rise and Fall” de
Wilson (2005).
68
“a growing body of research has disclosed that colonies of social ants and wasps are often founded by
unrelated queens; that workers do not show preference for their own mothers in multiple-queen colonies, only
occasionally for their sisters; and that colonies remain well organized and stable even in the extreme cases when
the workers composing them are only very distantly related or not at all... In short, the critical binding force of
colony evolution appears to be ecological natural selection operating at the level of the colony, a level that
comprises both colonies versus individuals, and colonies versus other colonies” (WILSON, 2005, p. 163, itálicos
adicionados).
95
Posto o dissenso, em qual sociobiologia deveriam as ciências sociais se basear?
Na sociobiologia fortemente baseada no gene como foco da seleção ou na perspectiva
multiníveis e sua ecological natural selection? Certos comportamentos humanos existem para
o bem do grupo, do indivíduo ou de seus genes, ou de uma mistura destes elementos? Deveria
confiar na ciência mais extensamente aceita no momento, ou deveria apostar em alguma
vanguarda científica, que poderia tanto se tornar a próxima verdade aceita, como também
poderia malograr?
Estes exemplos reforçam a idéia de que as ciências naturais estão em constante
mudança, e qualquer tentativa de se embasar o conhecimento em teorias científicas, mesmo
nas teorias das Hard sciences, corre o risco de em poucos anos ver sua base se desmanchar.
Quanto menos se tiver de tomar partido em certas questões, melhor. E acredito que as ciências
sociais podem se desenvolver independentemente de tais disputas.
Como foi dito anteriormente, a sociobiologia não é uma teoria, mas um campo.
Um de seus maiores problemas é a questão do altruísmo, e a sociobiologia tem algumas
diferentes teorias básicas para explicá-lo. A primeira teoria na ordem de preferência dos
sociobiólogos é a “seleção de parentes” (kin selection), que diz que quanto mais próximos
geneticamente os indivíduos, maior será sua cooperação, e quanto mais distantes
geneticamente, maior será sua oposição. A segunda seria o “altruísmo recíproco”: eu ajudo
você agora, e você me ajuda quando eu tiver dificuldades. Haveria ainda a “reciprocidade
indireta” proposta por Richard Alexander, onde o altruísmo ocorreria na presença de um
público interessado, podendo assim aumentar a reputação do indivíduo enquanto “bom
cooperador”, e com isto aumentando as chances de receber benefícios posteriores. Haveria
ainda formas mais gerais. Kanazawa (2001, p.1146) evoca ainda “Troca Generalizada”
(“generalized exchange”) – expressão que talvez tenha sentido muito próximo, senão idêntico,
ao que alguns chamaram de “reciprocidade generalizada” ou “reciprocidade forte” – que
procura descrever, por exemplo, a ajuda que um motorista dá outro que nem o conhece. Neste
caso, o motorista que auxilia agora pode receber ajuda de outro motorista anônimo em uma
ocasião futura. Segundo Kanazawa, “The norms prescribing mutual help, when strictly
enforced, clearly result in Pareto-optimal outcomes, because everybody benefits from such
generalized exchange” (2001, p. 1146).
Diante de tal diversidade de teorias base, fica difícil a sociobiologia deixar de
“prever” qualquer evento. Ajudou alguém mais próximo geneticamente? Graças à seleção de
parentes, óbvio! Não ajudou alguém mais próximo geneticamente, mas sim alguém mais
distante? Não se preocupe, foi altruísmo recíproco, e se mesmo assim não der certo, tente
96
“reciprocidade indireta”. De qualquer modo a sociobiologia “sai ganhando”. Qual o critério
para sabermos a priori qual altruísmo acontecerá no caso específico? Não me parece que
tenham tal critério69. Por que não explicar os casos de ajuda aos parentes como casos de
altruísmo recíproco? Afinal, não se tem a consiliência como modelo científico? Tal recurso
foi chamado por Dunbar de “relutância super-kuhniana” (KITCHER, 1987, p. 107).
A sociobiologia não representa a Biologia Evolutiva como um todo, e a
Sociobiologia Humana não representa a Sociobiologia como um todo. Não temos, portanto,
motivos para, aderindo ao princípio consiliente, adotar justamente alguma das vertentes da
sociobiologia.

3.2.6. Discutindo o princípio Consiliente

É bem provável que Wilson tenha buscado no filósofo Michael Ruse (1979) o
princípio consiliente e Ruse o buscou em Whewell, o criador tanto da noção e expressão
“consiliência” quanto do termo “ciência”. Não iremos discutir aqui o princípio de Whewell,
mas o sentido adotado pela sociobiologia.
A sociobiologia estabelece o princípio da consiliência sem discutir outras teorias
que também pretendem explicar como a ciência avança. À exceção de Ruse, no geral já se
parte do princípio que a ciência avança consilientemente, e mostra-se alguns exemplos de
história da ciência que confirmariam ou exemplificariam o princípio. Mesmo Wilson (1998)
que dedica um livro sobre o assunto, não discute como a consiliência seria uma teoria melhor
do que outras teorias que tentam explicar o avanço do conhecimento.
Apesar da sociobiologia não discutir teorias rivais à consiliente, há toda uma
discussão em história e filosofia da ciência acerca da questão de ter de se fazer consistente
com outras teorias, e em que medida, seria um imperativo para o avanço da ciência.
Feyerabend e seu anarquismo metodológico talvez seja o grande nome da oposição a este tipo
de concepção. Os exemplos de história da ciência citados anteriormente nos sugerem, no
mínimo, que tal princípio tem sérios problemas. Não temos garantias de que teorias
científicas, uma vez estabelecidas, permanecerão em voga, ou mesmo que teorias podem ser
definitivamente refutadas. E na medida em que as ciências naturais estão em constante

69
Críticos como (LEWONTIN, 1978, p. 146-7), (CAPLAN, 1978, p. 288 apud KITCHER, 1987, p. 107)
levantaram este mesmo ponto.
97
mudança, talvez seja uma boa esperar para ver se surgem teorias “compatíveis”, como
mostrou o caso do embate entre os darwinistas e Lorde Kelvin.
Ruse acredita que o falsificacionismo é falho, uma vez que muitas teorias
científicas foram aceitas, apesar de haver anomalias conhecidas. Assim, o falsificacionismo
precisaria ser superado, e “go beyond is consilience”; isto é “good scientific theory explain in
many different areas, drawing all together and unifying under one single hypothesis” (p. 532)
e dá como exemplo Newton ao integrar diferentes áreas do conhecimento. Já mencionamos
como a sociobiologia acredita estar participando deste movimento ao “finalmente” integrar a
biologia e as humanidades. Vimos alguns exemplos de tentativas integração. Vou apresentar
alguns exemplos mais famosos.
Spencer formulou uma lei da evolução aplicável a todo universo. Tudo tende a
passar do homogêneo ao heterogêneo. Desde o universo físico, passando por espécies
biológicas, até chegarmos às sociedades humanas. Todas partiram de um ponto de maior
homogeneidade de formas e foram adquirindo cada vez mais, maior diversidade. Ou vejamos
o caso do aristotelismo, com sua noção de que tudo tende ao repouso a não ser que uma força
externa intervenha. Ele pode explicar que a borracha que lancei ao ar e cai no chão, uma vez
que a borracha estava parada e só quando uma força externa, no caso minha mão, aplicou-lhe
movimento. Também pode explicar sob o mesmo princípio o comportamento de alunos que
não lêem os textos dados pelo professor (tendem ao repouso) a não ser que o professor cobre
pontos de participação (força externa). Poderíamos pensar numa infinidade de outras teorias
científicas e não científicas que “unificavam” todo o universo, como o grego pré-socrático
Tales de Mileto, em Ionia, que dizia tudo é água, e que serviu de inspiração para Wilson ao
proclamar o “Ionian Enchantment” como símbolo do princípio consiliente.
Podemos então questionar se a ciência opera por consiliência, por que a teoria
aristotélica que se aplicava à maior número de casos foi abandonada? Por que os biólogos
preferiram a teoria da evolução de Darwin à de Spencer, se a teoria de Spencer era mais
ampla e se aplicava a um número maior de casos? A resposta é a mesma dada a mais de cem
anos atrás: tais teorias são vagas. Não explicam a variedade de formas demandadas pelas
diferentes disciplinas. Esse também foi um dos motivos pelo qual a teoria organicista foi
abandonada. Não foi por ser falsa, ou por aplicar o mesmo princípio a seres humanos
princípios antes aplicados para explicar o comportamento de outros animais. Como explicou
Barberis o declínio do Organicismo:

98
After the 1897 International Congress, the consensus seemed to be that sociologists
no longer found the organic metaphor useful. Célestin Bouglé, a member of the
Durkheimian group that gathered around the journal Année sociologique, took this
event as an occasion to try to deliver the final blow to ‘biological sociology’, as he
called it. He pointed out that the debates about the organic analogy had prolonged
themselves over the years and that they seemed to be unable to arrive at any
consensual conclusion. After the ‘interminable combats’, each contestant held fast to
his initial position, according to his ‘previously determined metaphysical
preferences’. Organicism, he argued, was incapable of offering specific solutions to
particular sociological problems. It could offer only vague formulas, and should be
relegated to the museum of the history of the sciences, placed ‘between the useless
hypotheses and the dangerous metaphors.’ (BARBERIS, 2003, p. 64, itálicos
adicionados).

Ruse, ao dizer que consiliência vai além do falsificacionismo o faz criticando uma
versão simplificada do falsificacionismo, o chamado falsificacionismo dogmático, que talvez
Popper jamais o tenha defendido. Na versão mais sofisticada do falsificacionismo, avaliamos
teorias na sua relação com a realidade, mas também na sua relação com outras teorias, e
decorre disto, que teorias mais audaciosas e com mais potenciais instâncias refutadoras seriam
preferíveis (desde que também resistissem aos testes). Assim, a teoria de Newton, segundo o
falsificacionismo, seria superior à teoria de Galileu por prever com maior precisão o
movimento de planetas (e portanto, se prestando mais à falsificação), mas também o
movimento de marés; tendo mais casos de potenciais falsificadores. Portanto, a suposta
vantagem da consiliência, ao contrário do que Ruse apresenta, está contida no
falsificacionismo. Além disso, o falsificacionismo vai além: ao dizer que teorias com maior
conteúdo empírico são preferíveis, pode explicar por que a teoria da evolução spenceriana e o
organicismo foram abandonados, ao passo que a consiliência não: Tais teorias, apesar de
aplicarem a um número maior de casos e de poderem ser verdadeiras, são vagas, e como
apareceram teorias concorrentes capazes de explicar melhor casos específicos, tais teorias
perderam a razão de ser.
Não pretendo com isto dizer que o falsificacionismo é a melhor teoria do
conhecimento que temos, mas tão somente dizer que 1) a deficiência apontado por Ruse
contra o falsificacionismo trata-se de mau entendimento de Ruse do falsificacionismo, e; 2) o
falsificacionismo é melhor do que a consiliência, e não o contrário, uma vez que ela explica
casos que a consiliência é incapaz de explicar.

3.3. 3ª via. Substituição dos problemas das Ciências Sociais

99
Sim, há quem pense que os problemas tratados pelas ciências sociais devem ser
abandonados por não poderem alcançar os padrões científicos normais, devendo então ser
substituídos pelos problemas da sociobiologia. Entrariam neste caso todos aqueles que
defendem que as ciências sociais não conseguiram estabelecer leis porque olharam para o
local errado, isto é, olharam para diferenças culturais, ao invés de olharem para as
semelhanças, pois assim conseguiriam estabelecer leis.
O filósofo da Economia e Biologia Alexander Rosenberg foi o principal defensor
de tal perspectiva. Apesar da agudeza de sua afirmação, Rosenberg apresentou um dos
argumentos mais bem detalhados sobre a unificação dos campos, apesar de não o fazer
sempre de forma clara. Digo isto porque Rosenberg parece ter sido o único que dedicou um
livro inteiro só para defender a necessidade da sociobiologia nas ciências sociais, fazendo um
esforço real de entender os argumentos de cientistas sociais que critica (como Durkheim e
Lévi-Strauss), mantendo diálogo com a filosofia da ciência, ao passo que outros o fazem
sempre em rápidas estruturações. Mas isto não implica que não tenha falhas. Além disto, seu
argumento não parece ter rendido seguidores na própria sociobiologia e, isso, infelizmente,
uma vez que teria elevado o nível filosófico do debate. Vale lembrar ainda que o próprio autor
afirma ter mudado substancialmente de opinião mais recentemente70. Mas talvez valha a pena
nos determos um pouco em sua interessante defesa da sociobiologização das ciências
humanas, pois outros sociobiólogos seguem argumento semelhante, apesar de não com o
mesmo grau de sofisticação, nem nos mesmos detalhes. Matt Ridley, por exemplo, afirma que
“the essential difference between anthropology and Darwinism” seria o foco em estruturas
universais ao invés das diferenças culturais: “The Martian is much more interested in the
typical wheat plant: It is the human universals, not the differences, that are truly intriguing”
(RIDLEY, 1993, p. 275).
Rosenberg (1980) se pergunta por que as Ciências Sociais não alcançaram o
mesmo nível de refinamento nomológico de teorias como as das ciências naturais, isto é, não
conseguiram gerar leis. Rosenberg parte do pressuposto do empirismo como melhor filosofia
da ciência, e que as únicas ciências possíveis são aquelas que chegam a leis. Não é porque o
objeto das ciências sociais seja mais complexo, ou porque seus pressupostos são irrealistas
(Rosenberg na p.128 tenta mostrar que a biologia também tem seus pressupostos irrealistas).
Mas as ciências sociais não conseguiram e nem conseguiriam chegar a gerar leis, uma vez que

70
“What I now think is rather different from what I and other exponents of biology’s bearing on the human
sciences supposed back in the 1970s.” (ROSENBERG, 2005, p. 3).
100
seus conceitos são nomes próprios (proper names) e não classes naturais (natural kinds),
restritos ao espaço-tempo, e portanto, nada de leis.

“‘Homo Sapiens’ does not name a natural kind, and is not a predicate at all, let alone
a qualitative predicate. Rather it is name, a proper name a discrete, spatiotemporally
bounded particular thing. As such, it is no more likely to figure in a general law than
‘Napoleon Bonaparte’ or ‘Kalamazoo, Michigan’ or ‘Mona Lisa a Gioconda.” (p.
120, itálico no original).

Uma verdadeira ciência deveria abrir mão de conceitos como crenças, desejos,
ações. Não que tais expressões não possam ser usadas ou que não possam expressar
avaliações verdadeiras, mas tais expressões não designam classe de eventos, estados e
condições homogêneas, isto é, também não são classes naturais. Algumas teorias das ciências
sociais, como de Durkheim e Lévi-Strauss pressuporiam implicitamente crenças e desejos, e
estariam também condenadas a não gerar leis.
Para o autor, se quisermos ser consistentes com a ciência biológica, então
deveríamos admitir que espécies particulares, como o Homo Sapiens, não são classes (kind):
“we cannot embrace the truth of the theory of natural selection, in its present character at
least, and continue to treat particular species as kinds” (ibid, p. 129). Mas os conceitos da
biologia, por serem mais gerais, poderiam fornecer tal generalidade necessária para a
construção de leis. Assim, diz Rosenberg, “The premises of my explanation of the failures of
the social sciences are at the same time premises in a argument that they be replaced,
superseded, preempted, by sociobiology” (1980, p. ix-x).
Rosenberg admitia que a sociobiologia não explicava certos fenômenos sociais e
culturais no nível de detalhamento exigido pelas ciências sociais (ROSENBERG, 1980, p.
186). E Wilson também. Mas dizia: “But to say that sociobiological theory cannot account for
these differences among societies is to say that nothing can.” (ibid. p.187). Assim, as objeções
de Sahlins à incapacidade da teoria sociobiológica de explicar o parentesco não faria tanto
sentido. “Sociobiology offers no direct explanation for ethnographic kinship; the claim that it
does so as special case of its theory of kin selection is false” (ibid. p. 193).
Apesar do não ser possível acompanhar em todos os detalhes os argumentos de
Rosenberg, alguns problemas gerais desta perspectiva podem ser destacados. Não precisamos
discutir as conseqüências dos pressupostos, podemos questionar os pressupostos mesmos, e
tais pressupostos são compartilhados com outros defensores da sociobiologia nas ciências
sociais, ainda que o argumento não. A principal deficiência desta concepção seria se ater a
uma definição muito estrita de ciência enquanto sistema de leis que talvez nem a metereologia
101
ou ecologia consigam alcançar. Além disso, não é de todo claro que a única demanda das
ciências sociais seja gerar leis. Pode-se sim buscá-las, como no caso da lei que diz que taxas
de suicídio decrescem em períodos de crise política. Mas também demanda-se das ciências
sociais explicar semelhanças, diferenças, e aspectos universais (BOUDON, 1999, p. xiii).
Diferenças como no caso estudado por Tocqueville, do porquê na França do século XVIII o
apelo à noção de “Razão” se tornou tão popular, mas o mesmo não aconteceu na Inglaterra do
mesmo período. Semelhanças como o caso de civilizações que não tiveram contato entre si,
como as originárias da Mesopotâmia, América e China, que desenvolveram
independentemente uma das outras elementos como burocracia, escrita e economia monetária.
Por fim também traços universais, como a explicação do porquê todas religiões tem a noção
de alma, como estudado por Durkheim em Formas Elementares da Vida Religiosa71. Mas
para Rosenberg e outros sociobiólogos, a única ciência possível é que busca leis: “Bretano’s
science of intention will be a science without laws, and therefore no science at all”
(ROSENBERG, 1980, p. 147 também LOPREATO 2001, p. 429-30).
Assim, se a única ciência possível é aquela capaz de estabelecer leis, surgem
problemas. Deveríamos então retirar o status de ciência da metereologia e da ecologia? Diante
da incapacidade de gerar leis, deveríamos abandonar tais intentos? Um segundo problema
seria que, mesmo se sociólogos atendessem ao chamado dos sociobiólogos e mudassem sua
agenda de pesquisa, haveria toda uma série de problemas que exigiriam respostas, e esta
classe de problemas distintos é que acredito ser mais apropriado definir uma ciência. Em que
medida a economia (capitalista) é dependente do Estado (Moderno)? Quais as chances de
eleição de determinado perfil de candidato a um cargo político? Como fatores como religião,
burocracia, educação, economia, política interagem entre si em determinado momento? Quais
os possíveis rumos da economia ou da política, ou de quais as mudanças no mundo do
trabalho? As variações nas taxas de criminalidade ocorreram devido ao aumento da repressão,
à melhora na repressão, à melhora nas condições de vida, a alguma variação na religiosidade
das pessoas, à influência da televisão? Ainda que tais problemas não levem a leis, alguém tem
de respondê-los, e é necessário critérios para decidir entre diferentes teorias. Ainda que não se
queira chamar isto de “ciência” por não gerar leis, é preciso ter em mente que se trata de um
conhecimento diferenciado que se utiliza de método sistemático para escolher entre diversas

71
Aspectos universais difeririam de leis na medida em que leis estabelecem relações entre variáveis, como por
exemplo, “quanto mais A menos B”, ou “quanto mais A, mais B” ao passo que aspectos universais apenas
destacam a universalidade de um traço, sem estabelecer sua relação com outras variáveis, como na afirmação
“todos os corvos são negros” ou “países democráticos não entram em guerra entre si”.
102
teorias que difere do senso comum. As demandas sociais por estes tipos de conhecimento
impediriam o simples abandono destes problemas.
Rosenberg não especifica os detalhes de sua mudança de opinião. Ao que tudo
indica, não acredita mais que ciências sociais devam se tornar sociobiologia, mas acredita
agora no compartilhamento de problemas com a biologia, como da adaptação e da otimização,
apostando na biologização via analogia, a ser discutida mais adiante, e, além disto, já não se
opõe tanto mais ao uso da noção de intencionalidade. Diz ele “The social sciences must be
biological ones” (ROSENBERG, 2005, p. 3), mas num sentido diverso.

3.4. 4ª via: Psicólogica.

A discussão sobre qual o papel deve desempenhar a psicologia para as ciências


sociais não é nada nova. O organicismo recorreu à metáfora biológica para evitar teorias
psicológicas como fundamento. A escola austríaca ou marginalista de economia acreditava
que as ciências sociais tinham fundamento psicológico, enquanto outros como Weber e
Durkheim negaram tal fundamento psicológico. E tal assunto não deixou de gerar discussões
ao longo do século XX, como Denis Wrong e sua crítica à suposta concepção sociológica
supersocializada do homem, ou como defendeu George Homans. Alguns sociobiólogos
acreditam que as ciências sociais cresceram negando aspectos biológicos e psicológicos, e que
a aceitação desses pressupostos levaria à revolução nas ciências sociais. Outros sociobiólogos
acreditam que apesar das ciências sociais negarem aspectos biológicos e psicológicos, as
ciências sociais têm sim pressupostos psicológicos, e estes pressupostos deveriam ser
substituídos por teorias psicológicas fornecidas pela psicologia evolucionista.
A idéia de que as ciências sociais devem aceitar teorias biológicas e psicológicas é
bem expressa em Ruse que dizia que “para uma Antropologia puramente descritiva, o êxito da
Sociobiologia irá significar a utilização de suas descobertas e uma substituição da teoria
biológica pela teoria de que não existe teoria nenhuma!” (1983, p. 196). Também parece
bastante afim com aquilo que Pinker defende, ao dizer que as ciências sociais feitas até o
momento acreditaram que a sociedade seria um organismo vivo, um superorganismo, que
causaria a ação dos indivíduos sem ser causada por nada, devendo tal visão ser substituída por
uma que integrasse fatores psicológicos. Outros psicólogos evolucionistas expressaram
opinião parecida. “Culture is not causeless and disembodied” como suporiam as ciências
sociais, mas sim “It is generated in rich and intricate ways by information-processing
103
mechanisms situated in human minds. These mechanisms are, in turn, the elaborately sculpted
product of the evolutionary process” (COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 3).
A outra posição, mais sofisticada, defende que ciências sociais como a sociologia
têm sim pressupostos psicológicos, mas que estes não foram explicitados. Cientistas sociais
como George Homans já defenderam este tipo de posição. Mas sociobiólogos como Jeremy
Freese e Jeromy Barkow acrescentam que estes pressupostos psicológicos tem de estar afins
com o conhecimento das ciências naturais, isto é, como entendem, afim com a psicologia
evolucionista.
De qualquer modo, seja inserindo, seja alterando as teorias psicológicas
subjacentes, acredita-se que a inserção de teorias psicológicas sociobiologicamente inspiradas
alterariam substancialmente o conhecimento das ciências sociais, mas como vimos no caso do
embate entre Lorde Kelvin e os darwinistas, abandonar alguma de suas teorias por que alguma
ciência mais básica a desmente não só não é garantia de sucesso, como também pode gerar
atrasos. Mas ainda que aceitássemos os princípios da sociobiologia, restariam alguns
problemas, como veremos à seguir.

3.4.1. Estudo de casos: Paradoxo do Voto, Dilema do Prisioneiro,


Ação Coletiva, e Sistemas Matrimoniais

Mas se a mudança em teorias psicológicas levaria a mudanças substanciais nas


teorias sociológicas, então dever-se-ia mostrar como tais mudanças mudam teorias
sociológicas, a ponto de predizer tão bem ou melhor fenômenos não preditos por teorias não
sociobiologizadas. Não me parece que isto tenha sido feito. Barkow (1992) ao examinar a
estratificação social festeja a substituição de teorias psicológicas anteriores pelas teorias
psicológicas da psicologia evolucionista, que seriam: perseguição por alto ranque social,
nepotismo, e capacidade para trocas sociais. Mesmo se supormos que estratificação se explica
com estes três elementos, não precisamos supor que estes tenham origem sociobiológica, e
supor que estes três elementos tenham origem sociobiológica não parecem aumentar o poder
preditivo da teoria. Barkow também não mostra quais os avanços, quais novas predições
decorreram de tal mudança, não previstas pela teoria anterior. Apenas mostra que a
estratificação é possível, coisa que já sabíamos. Além disso, utiliza como fatores explicativos
para seu surgimento “Stratification requires a sufficiently large-scale society to produce
surplus with to support som degree of political and economic specialization” (BARKOW,
1992, p. 631), isto é, uma teoria não biológica. Sanderson (2001a) ao também tentar explicar a
104
estratificação, também incorre nos mesmos equívocos. Ao explicar a estratificação, diz que o
homem tem “natural status desire”, mas explica a inexistência de classes em certos contextos
da seguinte forma:

“where societies are small, simple in scale, technologically rudimentary, and


incapable of producing economic surpluses, hierarchies are minimally developed
because there is no real wealth that can be contested, and thus no basis for the
formation of classes.” (SANDERSON, 2001a, p. 448).

Aí também o fator explicativo é um fator não biológico. Podemos supor que


desejo por status seja um dos fatores importantes, mas não precisamos supor que assim o seja
sempre. Já François Nielsen acredita que a sociobiologia pode afetar as áreas sobre sexo &
gênero, ação coletiva, além de elaborar um modelo mais complexo de natureza humana.
Quanto à área de sexo e gênero, apenas diz que com a sociobiologia pode a sociologia se
afastar das concepções supersocializadas (oversocialized). Sobre a ação coletiva diz que:

“A genuine solution to the collective action problem may necessitate an overhaul of


the psychological assumptions about individuals that are used to explain such
macrolevel phenomena...What sociobiological models of the evolution or reciprocal
altruism suggest, instead, is that the Prisoner’s Dilemma has been played over and
over in evolutionary time, resulting in the evolution as an ESS72 of an entire set of
emotional propensities specifically related to this kind of social interactions,
including a sense of guilt, of outrage at the defection of culture, a capacity for
friendship, and a sense of justice... ‘look for cheaters’ mental algorithm that may be
part...to explain collective action need to assume actors with much richer and more
complex motivations.” (NIELSEN, 1994, p. 292).

Mas aqui só há sugestão dos elementos que podem ajudar a solucionar, não há
solução do problema da ação coletiva; não nos diz em que situações a ação coletiva ocorrerá.
E como Nielsen sabe que a solução vai necessitar de tais elementos se ele não tem a solução?
Além disto, as assunções psicológicas fornecidas pela sociobiologia como “detecção de
trapaceiros”, “sentimento de culpa”, “capacidade para amizades” não acrescentam nada de
substantivo, uma vez que já sabíamos que tínhamos tais capacidades, e o acréscimo teórico de
que tais assunções possam ter origem sociobiológica, ou seja lá qual for, não parece ajudar em
nada no entendimento. E quanto à natureza humana, Nielsen deposita esperanças, assim como
Lopreato, que uma atualização de Pareto via sociobiologia também seria produtivo. Pareto
tentou elaborar uma teoria dos sentimentos para explicar a ação não-lógica, e a sociobiologia

72
ESS ou Evolutionary Stable Strategy, que significa um padrão de comportamento que é estável
evolutivamente, inevitável. Uma vez que certo comportamento se torna dominante, não é mais possível que
outros comportamentos venham a predominar. Seu cálculo envolve teoria dos jogos.
105
poderia fornecer uma versão atualizada desta teoria dos sentimentos. E conclui “The new
influx of evolutionary thinking in sociology may finally usher in the realization of Pareto’s
venerable project” (ibid. 294). Mas aqui também só há sugestão de que pode ser produtivo,
nada de substantivo.
Para Kanazawa a psicologia evolucionista pode fornecer uma teoria dos valores
para as ciências sociais e resolver alguns dos mais importantes problemas das ciências sociais:

“The incorporation of evolutionary psychology into rational choice theory can also
solve some of the persistent puzzles of rational choice theory: Why do so many
players in Prisoner’s Dilemma games make the irrational choice to cooperate? Why
do people participate in collective action? Why do people sometimes behave
“irrationally” by acting on their emotions? Why does rational choice theory appear
to be more applicable to men than to women?” (KANAZAWA, 2001, p. 1131).

Vejamos alguns dos estudos de caso engendrados por Kanazawa.


Paradoxo do voto: Um problema persistente da ciência política adepta da teoria da
escolha racional é o chamado paradoxo do voto: por que as pessoas votam em eleições
(pressupondo que o voto seja facultativo), principalmente eleições com grande número de
votantes, se seu voto individual não interferirá no resultado final das eleições? A solução de
Kanazawa é a seguinte: pessoas votam por que suas mentes estão propensas a achar que estão
ainda no ambiente ancestral onde o homem evoluiu, onde grupos eram de cerca de 50-100
indivíduos, e por isso acreditam (inconscientemente) que seu voto teria resultado no resultado
da decisão coletiva. Por exemplo, quando o grupo tinha de decidir “Vamos caçar porcos?” ou
“vamos caçar Mamutes?”, o voto individual podia ser decisivo. Mas a solução de Kanazawa
só inverte o problema: a solução dada diz agora que todos irão votar, mas não diz por que
outros não irão. Temos agora o problema de explicar por que algumas pessoas não votam. Nas
eleições em dois turnos para a presidência da França em 2002 na França do ano de 2002 o
primeiro turno foi caracterizado por um grande número de abstenções, ao passo que o
segundo turno teve presença maciça da população, ou o caso da Suíça, onde após a introdução
do voto por correio houve um grande aumento nas abstenções (FUNK, 2008, p.). A “solução”
de Kanazawa não dá conta deste tipo de problema. Temos de recorrer a variáveis contingentes
para poder explicar tal variação, e o acréscimo teórico de Kanazawa não nos ajudou a avançar
no problema, apenas o inverteu.
Dilema do prisioneiro. No dilema do prisioneiro, pressupondo que o jogador A
não possa retaliar o jogador B, a opção mais racional individualmente seria a não cooperação,
pois caso contrário, poder-se-ia agir como trouxa (sucker), uma vez que se um jogador

106
cooperar e outro não, aquele que cooperar teria agido como trouxa ao ser punido e o outro
teria escapado ileso. Mas Kanazawa relata que testes de laboratório mostram que cerca de
metade dos jogadores preferem a opção “irracional” de cooperar. Por quê? Segundo o autor,
nossa mente opera como se ainda estivéssemos no ambiente ancestral onde o homem evoluiu,
o Environment of Evolutionary Adaptedness ou EEA, termo que designa, segundo o psicólogo
evolucionista, “environments to which ancestral populations were exposed for sufficient
lengths of time to become adapted to them.” (apud BULLER, 2005, p. 434), e anonimato
completo era algo que não havia no EEA. Assim, mesmo quando o anonimato é completo, a
mente processa a informação como se não o fosse, e assim o indivíduo coopera. Segundo
Kanazawa isto também explicaria por que um dos fatos que mais aumenta a cooperação é a
comunicação pré-jogo, mesmo quando isto não leva a nenhum comprometimento de punição,
coisa que segundo ele, “nobody seems to know why”. Comunicação pré-jogo funcionaria
como reforço do não-anonimato, fazendo com que o ator “pensasse” (inconscientemente) que
poderia sofrer retaliação. Além disto, comunicação pré-jogo feita através de computadores
não obteria o mesmo efeito, “probably because communication via computers (which did not
exist in the EEA) does not unconsciously reinforce subjects’ perception that other subjects are
people they know” (KANAZAWA, 2001, p. 1150). Mas tal explicação, admite ele, só dá
conta de metade dos casos. E a outra metade? “I believe this is because these subjects are able
to overcome the innate bias to perceive and respond to the world as if it were still the EEA,
which is difficult but not impossible to do.”(p. 1150). Ou seja, aqui tem-se de se recorrer às
crenças conscientes. Mas por que neste último caso crenças conscientes estão presentes e nos
casos anteriores não, isto é algo que o autor não nos conta. Consciência aqui aparece como
mero estratagema ad hoc, isto é, como uma teoria usada para salvar a teoria anterior somente
no caso específico, mas sem nos dar os critérios para que saibamos quando utilizar a teoria
“salvadora”.
Desse modo, poderíamos então partir do suposto oposto ao de Kanazawa, de que
o modo inato de agir seja não-cooperar – afinal, segundo alguns sociobiólogos, somos
inatamente egoístas, e o altruísmo é algo aprendido. Posto isto, podemos inserir a variável
“able to overcome the innate bias” não cooperativa quando a teoria assim necessitar e assim
explicar tão bem quanto Kanazawa, mas partindo de um pressuposto contrário. Ou ainda
poderíamos recorrer a uma terceira explicação, como em metade dos casos há cooperação e
nos outros não, talvez as pessoas, por não saber o que fazer, apostam aleatoriamente em uma
das opções, e assim o resultado é metade cooperam, metade não cooperam.

107
Nesta explicação o autor aqui toma um elemento que não existia no EEA, o
computador, através do qual a interação entre pessoas é interpretada inconscientemente por
estas como irreal, uma vez que não havia computadores no EEA. Mas se os computadores não
alterassem o resultado, poder-se-ia sem problemas interpretá-lo como fator que reforça a
percepção de não-anonimato. Além disto, aqui interpreta-se que a interação via computador
não é tida inconscientemente como real, mas em outra parte Kanazawa diz que homens tem
ereção ao ver fotos e vídeos de mulheres nuas porque seus cérebros interpretam a situação
como real, uma vez que não haviam fotos e vídeos no EEA (KANAZAWA, 2001, p. 1157)73.
Em um caso o fator inexistente no EEA leva as pessoas a interpretarem a situação como irreal,
em outra, como real. Isto mostra que estes fatores podem ser facilmente interpretados
conforme demande a teoria.
Ação coletiva. Participar de protestos políticos envolvem o problema do carona
(free-rider). Se todos podem se beneficiar dos resultados da ação coletiva, isto é, se o objetivo
da luta política é um bem público, algo que por definição é não-excludente, por que ter o custo
de participar de uma ação coletiva (pode-se apanhar, ser preso, torturado, morto, perder o
emprego, etc.) se todos, mesmo os que não participarem, ao final ganham? Kanazawa explica
assim. Jovens de ambos os sexos podem participar de protestos políticos ou movimentos
sociais “because they are unconsciously motivated to seek reproductive opportunities”, e
protestos são boas oportunidades para encontrar parceiros sexuais, como indicariam algumas
pesquisas apontadas por ele. Como mulheres preferem homens de maior status, diz o autor,
“The only way for young men to gain access to women’s reproductive resources is to change
the system” (ibid, p. 1152, grifos no original), pois seria interessante para os jovens machos
mudar o status quo onde homens mais velhos monopolizam os recursos materiais e
reprodutivos. Homens mais velhos têm interesse em manter o status quo, e talvez por isto,
jovens tenham tendência a serem mais liberais e rebeldes, ao passo que os mais velhos tendem
a ser mais conservadores. Além disto, movimentos sociais seriam oportunidades para as
jovens mulheres verem quem poderão ser os novos líderes. Conclui ele então:

If young men and women participate in social movement activities because they are
unconsciously motivated to seek reproductive opportunities, then the theoretical
paradox of the collective action problem can be solved. For men and women
themselves serve as costless selective incentives to each other, which are
unavailable to freeriders. Of course, seeking reproductive opportunities only serves

73
Seria interessante saber em que medida havia roupa no EEA. Caso houvesse pouco uso de roupa, seria
interessante saber se os homens tinham ereção quando viam algo provavelmente tão banal e comum em seu
ambiente como mulheres nuas.
108
as the ultimate (evolutionary) cause of social movement participation, of which the
participants themselves are largely unaware. The proximate (psychological) causes
of participation include genuine commitment to the movement’s political cause and
a strong desire to bring about social change. (p. 1154, itálico no original).

Kanazawa afirma que o único modo para jovens machos terem acesso às mulheres
seria mudando o sistema. Mas podemos imaginar muitos outros meios. Psicólogos
Evolucionistas como Thornhill e Palmer em A Natural History of Rape acreditam que o modo
evolutivamente mais vantajoso de jovens machos desprovidos de recursos repassarem seus
genes é estuprando as fêmeas. Talvez seja mais interessante para os jovens ao invés de mudar
o sistema, simplesmente tomar o poder, pois além de garantir para si o monopólio de recursos
produtivos e reprodutivos, também garantiria que outros machos não tenham acesso fácil a
estes mesmos recursos. Tal estratégia maximizaria mais a aptidão inclusiva dos participantes
do que “mudar o sistema”. Além disso, não temos garantia de que seja mais vantajoso para as
fêmeas arriscarem possíveis futuros líderes. Talvez fosse melhor manterem relações com
líderes de fato, e não com incertos, e caso surjam novos líderes, estas podem passar a ser parte
do harém. Qual destas duas opções seria a mais vantajosa não parece que temos os meios de
saber no momento, sendo ambas igualmente especulativas.
Sistemas Matrimoniais. Kanazawa quer ainda explicar por que o casamento em
algumas sociedades é monogâmico, ao passo que em outras é poligínico. Parte da assunção
sociobiológica que homens preferem mulheres mais jovens e atraentes fisicamente, ao passo
que mulheres preferem homens com bens e status, o que segundo ele, - baseando-se nos
estudos do psicólogo evolucionista David Buss – haveria larga evidência de não variação
histórica e entre sociedades. Pressupõe também, mas contra outras teorias sociobiológicas,
que é a mulher quem escolhe os parceiros, e não o contrário, uma vez que é a fêmea quem
escolhe o parceiro naquelas espécies onde a fêmea realiza maior investimento parental nas
crias do que os machos, como é o caso humano. Assim, diz o autor, inexistindo a instituição
do casamento, e havendo grande desigualdade de recursos entre homens, e uma vez que
mulheres preferem homens com mais recursos, mulheres preferirão casar poliginicamente,
uma vez que é mais vantajoso dividir um macho com recursos do que ter acesso exclusivo a
um pobre. Por outro lado, se a diferença de recursos entre os homens é pouca, então é melhor
casar monogamicamente. Assim, em sociedades onde há grande desigualdade entre homens
deverá haver instituições poligínicas. Kanazawa afirma ainda que dados de 127 nações
suportam tais afirmações.

109
Mas vejamos, Kanazawa quer explicar instituições sociais: monogamia e
poliginia. E o faz pressupondo que tais instituições têm de ser adaptativas: dadas certas
condições (grau de concentração de recursos) o resultado será formas de casamento que levam
à maior adaptação inclusiva. Mas pressupões (assumidamente) que o argumento funciona
porque o casamento enquanto instituição não existe. Mas por que uma instituição (poliandria
ou monogamia) é fruto da sociobiologia, mas na outra (casamento) não? Por que uma
instituição social foi mudada pelo imperativo biológico da aptidão inclusiva e outra instituição
não só não foi alterada como também serviu de parâmetro? Meu palpite é de que tais variáveis
são interpretadas livremente conforme demande a teoria sociobiológica.

3.4.2. Universais

A sociobiologia tem clamado que tendências, ou instintos, ou predisposições


universais biológicas inatas existem e que estes foram frutos da seleção natural. Além disto,
defendem que estes devem ser usados pelas ciências sociais. Mas podemos ter sérias dúvidas
quanto ao poder explicativo destes universais psicológicos para os problemas das ciências
sociais, mesmo pressupondo sua real existência. Não parecem dar conta de explicar toda
diversidade de comportamentos humanos. Por vezes supostamente teríamos instintos tão
variados que poderíamos ter instintos opostos, e por vezes, temos instintos que com a
interação com o ambiente, podem levar ao comportamento oposto do prescrito pelo instinto.
Discutirei aqui não a existência de tais instintos, mas sim seu poder explicativo para os
problemas das ciências sociais.

3.4.2. Ambigüidade dos universais psicológicos

Se há um algoritmo darwiniano para inibir o incesto que diria “quanto mais


próximo geneticamente, evite relações sexuais” como nos caso do kibbutzim em Israel,
podemos encontrar casos onde o incesto entre irmão-irmã era permitido, ou mesmo
estimulado, como no antigo Egito entre faraós74. Quanto ao sexo, dizem “Humans are highly
sexed and are oriented mostly toward heterosexual sex” (SANDERSON, 2001a, p. 443), no

74
Este exemplo será discutido mais adiante ao tratarmos da via “ciências sociais como sociobiologia aplicada”.
110
entanto, as pessoas usam contraceptivos, fazem abstinência sexual, homens não fazem filas
em clínicas de doação de esperma, e muitos são homossexuais, sendo que este último caso
também não deixou de ter explicação sociobiológica: homossexuais desempenhariam uma
função análoga à de formigas operárias. Ao deixarem de reproduzir, auxiliariam no cuidado
das crianças de seus irmãos75. Apesar de sermos naturalmente egoístas, “dar presentes” e
“cooperação” perfilam na lista de universais. “A troca de bens e favores é um universal
humano” (PINKER, 2004, p. 321). O caso mais emblemático é certamente a explicação do
altruísmo, tido por Wilson como o “problema principal da Sociobiologia”, apesar de que a
idéia de este seja o problema mor da sociobiologia não é compartilhado por alguns de seus
pares.
Se ajudamos nossos parentes próximos ou agimos em benefício próprio, nada
mais óbvio para um sociobiólogo do que explicar este comportamento via a teoria seleção de
parentes, seria mais uma confirmação da teoria, dentre as inúmeras outras. Se por outro lado,
ajudamos não parentes, então a teoria do altruísmo recíproco pode dar conta do problema:
ajudo você agora e você me ajuda no futuro quando eu estiver em dificuldades, e assim
sucessivamente76. Mas se eu ajudar alguém do qual eu não receba retribuição, também não há
grandes problemas, a teoria da reciprocidade indireta diz que ajudar pessoas pode melhorar
sua reputação no grupo, passando a imagem de bom cooperador, aumentando assim suas
próprias chances de ser beneficiado num momento posterior. Se mesmo assim, não
conseguirmos explicar a situação, pode-se recorrer à teoria da troca generalizada (generalized
exchange): posso auxiliar desconhecidos mesmo na ausência de platéia, como no exemplo de
Kanazawa sobre a ajuda a motoristas desconhecidos com problemas em seus carros. Um
anônimo me auxilia agora, e eu auxilio um outro anônimo posteriormente, e assim o sistema
se mantém. Com isto, não há exceção que não possa ser “predita” pela sociobiologia. Por
diversas vezes, críticos da sociobiologia ressaltaram este mesmo ponto.
Mas que estas possibilidades de comportamento eram possíveis, era algo que já
sabíamos, a questão que cientistas sociais se esforçam em responder e que a sociobiologia
também não parece fornecer, é saber em que situações ocorrem certos casos e não em outros.
A sociobiologia fornece toda uma diversidade de universais, por vezes opostos, que dada tal

75
Ver (KITCHER, 1987, p. 243-52).
76
Lopreato, por exemplo dizia, “the brain's roots were stuck in the clan, and in consequence the imperative
orientation to humanity leaned heavily on the side of clannishness” (LOPREATO, 2001, p. 421), mas também
dizia “At least in the small ancestral communities that survived until recent times, it is probably true also that
genes favoring reciprocal altruism were at an evolutionary advantage” (ibid. p.419). Ruse após comentar
algumas objeções de Sahlins quanto à capacidade da sociobiologia de predizer fenômenos sócio-culturais, diz
que Sahlins falhou ao negligenciar a teoria do altruísmo recíproco (1983).
111
diversidade, nos deixam inseguros quanto a que universais psicológicos utilizar e em que
ocasião. Existem critérios a priori para sabermos quais deles devemos utilizar?

3.4.3. Universais não são tão rígidos, há desvios

Mesmo se pressupormos certos impulsos biológicos universais e inatos, estes não


serão capazes de prever toda a gama de comportamentos, uma vez que provavelmente sempre
encontramos “desvios” desses instintos. Se há um algoritmo para a xenofobia, agressividade,
ou belicosidade, “The use of coercion and the scale of violence can be expected to vary
inversely with coefficients of genetic relationships” (Van den Berghe 1988, p. 48 apud KOPP,
1992, p. 498), também encontramos episódios contrários a esta lógica, como na II Guerra
Mundial, onde alemães se aliaram com japoneses (mais distantes geneticamente) contra
ingleses (mais próximos geneticamente), e não o contrário, como previsto pela teoria
sociobiológica. O conquistador espanhol Cortez foi recebido pelos Astecas como um deus,
mas depois foi expulso pelo mesmo povo que o acolheu, e ameríndios nativos americanos
subjugados pelos Astecas se aliaram à Cortez contra os Astecas. Encontramos também casos
bastante recorrentes de traição à pátria e talvez um dos grandes problemas do exército seja
tentar evitar a deserção. Se temos algo como um instinto de auto-preservação, podemos
encontrar casos como o de homens que se lançaram sobre granadas para proteger seus
companheiros nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais e nas guerras da Coréia e do
Vietnam (WILSON, 1981, p. 149), ou, como no caso dos kamikazes, Barash arriscou uma
explicação sociobiológica para os Kamikazes. Aqueles que se suicidavam aumentavam o
prestígio de seus parentes próximos, e assim poderiam repassar mais genes através do maior
número de parceiros conseguidos por seus parentes (KITCHER, p. 405). Se pessoas evitam de
comer fezes e urina, então podemos explicar como Cosmides segundo o princípio “coma
excrementos e morra” (“eat dung and die” principle) (COSMIDES e TOOBY, 2000), e
como Pinker, através de uma biologia intuitiva que “pode impedir de pessoas adoecerem por
entrarem em contato coisas como fezes, pessoas doentes, carne putrefata” (PINKER, 2004, p.
317), mas há um tratamento medicinal – se efetivo ou não pouco importa – conhecido como
urinoterapia onde bebe-se a própria urina, e na Índia há quem beba urina de vaca (há,
inclusive, uma bebida industrializada cujo principal componente é a urina de vaca). No Japão
há várias iguarias de alimentos putrefatos, como por exemplo, o “ovo de mil anos” onde
enterra-se um ovo de pata por um tempo (cerca de cem dias) até que apodreça, e depois este é
112
consumido com a adição de algumas ervas. Na Alemanha há um fenômeno recente, onde
jovens se reúnem para fazer sexo em grupo, sem preservativos, tendo sabidamente um
aidético no grupo, como numa “roleta russa”, ou mesmo combinam encontros diretos pela
internet entre aidéticos e não aidéticos. Os adeptos são conhecidos como “Pozzer”, de
“pozzen”, isto é “tornar alguém [soro]positivo” . Apesar de termos tendências a amar nossos
filhos biológicos, podemos em certas situações praticar infanticídio.
Além disto, num nível psicológico, um dado impulso biológico pode ser expresso
de formas bem diversas. Sahlins ressaltava que violência não necessariamente é um sinal de
agressão e generosidade não é necessariamente um sinal de altruísmo. Etnógrafos da
Melanésia e psicanalistas americanos poderiam testemunhar que, para um esquimó “presentes
fazem escravos, como chicotes fazem cachorros” (“Gift makes slaves, as whips make dogs”).
Por outro lado, uma pessoa pode agredir a outra para o bem desta: “dói mais em mim do que
em você”. Podemos expressar sexualidade pintando. É impossível dizer que disposições
psicológicas serão satisfeitas segundo que atividade social (SAHLINS, 1976, p. 10). E
princípios psicológicos podem ser “expressos” no nível sócio-cultural também de formas
diversas. Por exemplo, os motivos que guerras acontecem não são os mesmos motivos pelos
quais as pessoas engajam nas guerras. Guerra não é uma relação entre indivíduos, mas entre
grupos. Pessoas engajam na guerra por multidão de motivos como amor à pátria, à
humanidade (em vista da brutalidade do inimigo), por honra, culpa, para conseguir um status
mais elevado na hierarquia militar, para conseguir um emprego melhor, para salvar a
democracia, etc. Agressão não precisa estar presente num homem que bombardeia um alvo
não-visível. A guerra pode acontecer não por que seus indivíduos estejam agressivos, mas por
outros motivos como tentar mudar a balança de poder no cenário internacional, acabar com o
comunismo ou contra o nazismo, para melhorar a distribuição de petróleo, etc. Além disto, se
há um forte impulso biológico em favor da territorialidade e da xenofobia, então deve-se
explicar por que os exércitos têm tantos problemas com a deserção.
Como vimos no exemplo de Kanazawa sobre o dilema do prisioneiro, e nos caso
do infanticídio, fatores sócio-culturais podem ser livremente escolhidos e interpretados de
diversas formas de modo a fazer com que a teoria sociobiológica preveja o fenômeno em
questão. Mais um exemplo se segue. Sanderson (2001a, p. 450) comenta que chineses das
altas classes usavam unhas grandes para indicar sua posição social, mostrando com isto que
não precisavam trabalhar. Sanderson também diz, como exemplo da “biologia agindo nos
bastidores” e “rindo das intenções declaradas das pessoas”, baseado em estudos feitos com
presidentes dos EUA que os candidatos vencedores eram em média mais altos que seus
113
opositores. No entanto, o tipo “não trabalhador” é o oposto do tipo “macho alfa”, agressivo.
Temos aqui um problema. Sinais como cicatrizes, músculos bem desenvolvidos, mãos
calejadas podem ser sinal de força, agressividade e, portanto, alto status num caso, mas os
mesmos sinais em outro contexto podem denunciar um trabalhador de baixo status.

3.4.5. Possíveis Respostas da Sociobiologia

A resposta da sociobiologia seria algo assim: “Temos predisposições inatas. Mas


estas predisposições interagem com o ambiente. Ao interagir com o ambiente, tais
predisposições podem seguir realmente caminhos muito diversos. Nós sociobiólogos não
somos deterministas biológicos, acreditamos sim que existe interação de fatores biológicos
com o ambiente, e utilizamos tais variáveis ambientais na explicação. Biologia não é destino”.
Após listar algumas das principais predisposições biológicas, nos alerta:

None of the tendencies identified above are rigid. Rather, they are behavioral
predispositions that move along certain lines rather than others but that interact in
various ways with the total physical and sociocultural environment. The behavioral
predispositions tend to win out in the long run, but they can be diminished or even
negated by certain environmental arrangements. At the same time, other
environments can amplify these tendencies, pushing them to increasingly higher
levels. (SANDERSON, 2001a, p. 444).
Em algumas condições sócio-culturais, como disse Sanderson, a natureza humana
pode ser ampliada, em outras condições, a natureza humana pode ser até totalmente inibida.
Em condições onde a natureza humana se expõe “tal como é”, tal condição não se dá num
vazio ambiental: existem fatores ambientais presentes também aí, que podem “não inibir”, ou
mesmo “ampliar” o efeito dos instintos. Por exemplo, o homem é naturalmente belicoso, mas
fatores sócio-histórico-culturais podem intervir para desviar tais instintos, até mesmo para
direções opostas. Sanderson diz exatamente isto. Podemos pressupor que homens são
inatamente xenofóbicos, mas fatores ambientais podem inibir tal intento. Mas se esta
argumentação é válida, também podemos pressupor que homens são inatamente não-
xenofóbicos, mas fatores ambientais o incitam a sê-lo e chegamos assim a resultados
semelhantes, mas partindo de princípios diferentes. A literatura sociobiológica nos fornece
ambos os casos. Wilson, por exemplo, dizia que o homem era naturalmente xenofóbico, e
Barash dizia que pessoas agrupadas pela primeira vez, sempre utilizavam como critérios os
“ethnic marks” (KITCHER, 1987, p. 252-6). Mas Cosmides nos garante que o contrário é
verdadeiro, sendo a xenofobia um subproduto da evolução. Não poderíamos ser naturalmente
xenofóbicos, uma vez que no Pleistoceno não tínhamos contato com outras etnias muito
114
diferentes. “Como é que a seleção natural poderia criar um mecanismo para codificar um
aspecto do mundo que não existia para os nossos ancestrais caçadores-coletores?” e conclui
“Eu acredito firmemente que não existe nenhum mecanismo na mente diretamente adaptado
para a percepção de raça.” (COSMIDES, 2001). Como saber então qual a situação onde a
natureza humana aparece “tal como é” se sempre há interação com o ambiente, e este pode
fazer com que a natureza humana se expresse das mais variadas formas? Mas se em todas as
situações há interação entre fatores ambientais e os biológicos, como saber quais são as
situações em que a natureza humana se mostra, e quais aquelas em que é encoberta?
Um recurso seria apelar à universalidade do traço. Se certa característica é a mais
difundida, então foi fruto de adaptação. No entanto, poderíamos imaginar que seria
perfeitamente possível que certos fatores sociais atuais inibam o aparecimento de fatores da
natureza humana “tal como ela é”, e que estes fatores são mais predominantes do que aqueles
que permitem sua aparição, fazendo com que certa expressão da natureza humana aconteça na
minoria dos casos atuais. E fatores sociais mudam muito rapidamente.
No entanto, apelar para a universalidade do traço pode implicar em circularidade
no argumento. Já se pressupõe que certas características, por serem difundidas, são produto da
seleção natural, caso não fossem fruto da seleção natural não seriam predominantes. Monta-se
uma explicação evolutiva para a existência do traço, e conclui-se que foi fruto da seleção. E
ao examinar a realidade, bingo! Assim, demonstra-se justamente o que se já estava
pressuposto.
Como o ambiente ancestral onde o homem evoliuiu era formado por pequenos
grupos, altruísmo recíproco e/ou reciprocidade indireta tinham de ser comuns, do contrário o
grupo não existiria. Assim, humanos se adaptaram a viver solidariamente uns com os outros.
Sendo o ataque de outros grupos mais infreqüente do que a cooperação entre pares, então
poderíamos pensar que o altruísmo seria natural, ao passo que “egoísmo” existiria por
questões ambientais. Dadas duas explicações o homem é naturalmente egoísta, ou
naturalmente altruísta. Alguma consegue prever mais do que a outra? Se há interação gene-
ambiente, e pode-se ser tanto agressivo quanto solidário, seja com parentes, seja com
estranhos, então, qual a legitimidade de dizer que um e não o outro seria “natural?”
Dado que a tendência inata prescreve uma conduta específica, mas que dada certas
circunstâncias pode levar ao comportamento oposto, não seria então para as situações
específicas que deveríamos voltar nossa atenção, e não tanto para os universais?

115
3.4.6. O Papel de Universais nas Ciências Sociais

A Sociobiologia defende que as ciências sociais deveriam olhar mais para as


semelhanças entre os humanos, do que para suas disparidades, e assim constatar a Natureza
Humana. Vimos que o discurso sobre universais psicológicos, ao contrário do discurso de
alguns sociobiólogos, sempre esteve presente nas ciências sociais. Mas qual o papel de
universais nas ciências sociais? Se as ciências sociais se utilizam de universais, seriam estes
necessariamente psicológicos?
Na discussão presente, vale ressaltar uma distinção entre universais lógicos e
universais psicológicos. Não se deve confundir aqui universal no sentido de características
pertencentes a toda humanidade (universal psicológico ou cultural) com universais lógicos,
que podem ser exemplificados pela fórmula “Todo A é B”, como por exemplo “Todos os
corvos são negros” ou “todas as religiões têm a noção de alma”. Todo universal psicológico é
um universal lógico, mas nem todo universal lógico é psicológico. Podemos defender que
mesmo conhecimentos específicos, históricos, individuais pressupõem enunciados universais.
Max Weber, Windelband e Carl Hempel, por exemplo, defenderam esta idéia. Se se explica
um evento específico como “João fugiu de sua terra devido à forte seca”, tal argumento só faz
sentido porque se pressupõe um universal tal como “Todos expostos à seca, saem de sua
terra”, e o caso de João seria apenas um caso deste princípio mais geral. Mas se encontramos
casos onde há seca, mas não emigração, então devemos reformular a teoria, ou pressupor
outros fatores presentes em um caso, mas não em outro. Este fator presente em um e não em
outro caso, pode ser também um universal lógico, tal como “Todos os jovens expostos à seca,
emigram de sua terra”. Assim, as ciências sociais que se ocupam de explicar eventos mais
específicos se utilizam de universais lógicos, assim como qualquer outra ciência. Não há fatos
sem teoria, e a própria descrição de um evento singular pressupõe enunciados universais.
Mas dizer que conhecimentos sociais se utilizem de enunciados universais é uma
coisa, no entanto, concluir disto que tais universais lógicos sejam universais psicológicos, isto
é, encontrados em todas as épocas e locais, é um passo a mais que não é necessário ser dado,
se supusermos o princípio da parcimônia, ou navalha de Occam como valor científico a ser
seguido. Tal princípio diz que devemos reter o mínimo de pressupostos possíveis, isto é,
devemos pressupor somente aqueles pressupostos que sejam estritamente essenciais para
explicar o fenômeno em questão, e nenhum pressuposto à mais. Assim, teorias das ciências
sociais, apesar de pressuporem certas tendências, certos universais, não precisam supor que

116
tais pressupostos sejam válidos para todas as épocas e todos os locais, muito menos que
tenham tido origem via seleção natural, uso e desuso ou criação divina. Apenas é necessário
supor que dadas certas condições, o resultado esperado será ‘x’, e o preenchimento de tais
condições pode dar-se somente em condições sócio-históricas bem específicas.
Um exemplo da economia seria interessante, uma vez que a economia é talvez o
lugar onde o egoísmo é mais legítimo. Um dentre os vários atritos da chamada “Briga
Metodológica em Economia” (Methodenstreit) entre a Escola Austríaca Marginalista de
Economia e a Escola Histórica Alemã referia-se ao papel que teorias psicológicas podiam ter
nas ciências sociais. Rosenberg (1980) apresentou somente um lado da questão, o das
supostas bases psicológicas das ciências sociais defendida pelos marginalistas. Vale lembrar o
outro lado da questão.
Já se afirmou que as leis da economia são simplesmente as leis do capitalismo
moderno, não sendo válidas para outras épocas e locais. O argumento poderia ser resumido
mais ou menos assim. A lei da oferta e da procura se utiliza de universais lógicos,
pressupondo um certo tipo de racionalidade para funcionar. Dada uma situação X, com uma
racionalidade perfeita e motivação Y, então o resultado será Z. Mas as condições para que
esta racionalidade necessária para a teoria aconteça efetivamente são dadas somente em certas
condições históricas específicas. Como dizia Weber, de nada adiantaria recorrer a um suposto
“impulso de aquisição” (Erwerbstrieb) para explicar o Capitalismo, uma vez que Capitalismo
teria mais a ver com “domesticação”, uma vez que exige muito mais dos atores a ação
estratégica (isto é, deixar de ganhar no momento, para poder ganhar mais, mais tarde. E isto
exige saber a “oportunidade” certa para agir) que outros sistemas econômicos. Aquisição
desenfreada, fome pelo lucro, e ganância não foram invenções do Capitalismo Moderno; isto
sempre existiu nas mais diversas épocas e locais, nas mais diversas culturas, e nas mais
diversas classes profissionais, como entre cocheiros, prostitutas, apostadores, conquistadores,
etc. Um suposto impulso desenfreado de aquisição teria mais a ver com conquistadores como
Cortez e Pizarro do que com o capitalismo moderno e sua Empresa permanente, voltada a
lucros racionalmente calculados e guiado para oportunidade de mercados com o intuito de
fornecer suprimentos para as necessidades cotidianas da população. Parte importante da obra
de Weber consistiu em tentar identificar porque só no Ocidente Moderno surgiu a
racionalidade própria do capitalismo moderno. O homo economicus é um pressuposto
necessário em teorias econômicas, mas não podemos confundir o “tipo” com a realidade. Não
é por que tivemos de pressupor o homo economicus em nossa teoria, que devemos concluir
que este seria “o homem” como tal, em todas as épocas e situações. Não é por que, para
117
certos problemas, teve-se de construir um indivíduo típico – isto é, onde certas características,
mas não todas, foram destacadas na construção do conceito “homem” – que devemos concluir
que este seria o homem por completo. Para outros tipos de problemas, poderíamos destacar
outros tipos de homo, e tais também seriam construções.
Mas supondo que ganhássemos bastante se os supostos das ciências sociais
fossem sociobiológicos, o que esperar destas explicações? Inicialmente, temos um problema:
quais teorias sociobiológicas usar e em que situações? A Psicologia Evolucionista tem
advogado como seu diferencial, que ela foca na explicação evolucionária de comportamentos
universais em seres humanos, ao invés de diferenças entre grupos, como fazia a antiga
Sociobiologia. Mas, que relevância explanatória pode ter tal tipo de conhecimento universal
para as ciências sociais? Pouca, apesar não ser totalmente e inteiramente dispensável. Por
exemplo, se desejamos saber o motivo de João estar nervoso agora, de nada adianta recorrer
ao enunciado “humanos ficam nervosos quando a taxa de hormônios X aumenta n%”. Sendo
tal teoria verdadeira ou falsa, não altera em nada o motivo para o nervosismo de João: bateu o
carro. Tal afirmação seria igualmente compatível com outras teorias que explicassem os
mecanismos que levam seres humanos a ficarem nervosos, como a ativação de certas áreas
cerebrais. Tais teorias, se verdadeiras ou falsas, não alteram a verdade do enunciado “João
está nervoso porque bateu o carro”.
Da mesma forma ocorre a relação entre universais psicológicos e explicações
sociológicas: uma vez que ciências sociais pretendem explicar em sua maior parte eventos
específicos, tem de recorrer à causas igualmente específicas. Se a ânsia por lucro é universal,
dizia Weber, então pergunta-se em que situações se torna legítima. Na Índia, bramanes não
podiam, como radjputas, fazer empréstimo com juros, mas entre comerciantes a fome por
lucro seria exacerbada como “nenhum outro lugar do mundo” (WEBER, 1968 [1923], p. 172-
3). Como explicar tais diferenças? Como explicar instituições tais como o capitalismo? Qual o
fator explicativo? Se o problema é específico espaço-temporalmente, então a solução também
só pode ser específica espaço-temporalmente, e a biologia com suas propensões válidas para
todos os tempos e épocas do homem não podem fornecer tal solução. Como notou Weber, de
nada adianta recorrer a um suposto “impulso de aquisição” para explicar o capitalismo
moderno, uma vez que o capitalismo moderno é uma formação histórico-social específica,
com características particulares e idiossincráticas, como a empresa permanente voltada ao
lucro por meios pacíficos (se comparado aos antigos empreendimentos militares da
antiguidade) mediante oportunidades de mercado, atuando numa época tipicamente capitalista
(quando empresas capitalistas são responsáveis por gerar e suprir as necessidades básicas e
118
cotidianas da população). O empreendimento capitalista passa ser o regime econômico
dominante no cotidiano, e não o esporádico, como em outros locais e épocas. Este exemplo
ilustra o peso que teorias psicológicas podem ter em teorias sociológicas. Ainda que
admitíssemos que por trás destas ações há um impulso egoísta de qualquer natureza, tal
“impulso” representa uma parte ínfima no trabalho dos cientistas sociais.
Não se diz com isto de forma alguma que egoísmo seja novidade trazida pelo
Capitalismo. Egoísmo sempre existiu, bem como a ânsia por bens materiais, mas as formas
pelas quais se expressou, foram as mais diversas. Um dos maiores entraves ao capitalismo foi
o tradicionalismo – onde interesses materiais podem contribuir para sua manutenção. A
introdução de novas técnicas e novas máquinas podem por a perigo a renda e o emprego de
várias pessoas, e assim, por egoísmo pode-se ser tanto pró como contra o Capitalismo. Além
disto, foram necessárias mudanças num setor onde tradicionalmente dominaram teorias
econômicas hostis ao Capitalismo, fazendo com que a busca pelo lucro, antes tolerada,
passasse a ser não só permitida, como também estimulada, e este fator, o ideal protestante de
salvação dentro do mundo, foi um fator sócio-histórico único. Assim, foi possível quebrar a
divisão mais rígida entre moral [econômica] relativa ao grupo e moral econômica com
referência a estranhos, perdendo assim o caráter piedoso e comunitário. O homo economicus é
uma produto histórico. Desse modo, leis em ciências sociais não tem de ser válidas para todas
as épocas e locais. Como disse Weber, pressupostos das ciências sociais são pragmáticos, e
não psicológicos.
Mas sociólogos de inclinação sociobiológica não levaram isto em conta.
Sanderson diz que Randall Collins em Conflict Sociology: Toward an Explanatory Science
defendia que há conflito porque coerção é sempre um recurso potencial do tipo soma zero, e
concluía Collins: “This does not imply anything about the inherence of drives to dominate”
(SANDERSON, 2001b, p. 88). Mas tal conclusão seria absurda para Sanderson: “But why not
such drives?”. A recusa de Collins em não dar um passo adiante e pressupor “drives to
dominate” seria explicada então pela socialização:

“Collins only refuses to take that step because he has been inoculated against any
sort of biological argument during his training and tenure as a sociologists and
conitioned to accept Durkheim's dictum...that social facts can only be explained in
terms of other social facts.” (SANDERSON, 2001b, p. 89).

Poderíamos questionar se Sanderson também não chegou à conclusão de tais


“drives” devido à sua “socialização”, mas discutir isto não ajudaria a avançar o debate.

119
Poderíamos questionar também se Sanderson não estaria tratando Collins como uma Tábula
Rasa, sendo as opiniões de Collins mero reflexo da cultura e sociedade que o moldou, ao
passo que as suas próprias seriam resultado da razão. Mas foquemos na necessidade de
pressupor impulsos, instintos, predisposições inatas, drives, Triebe, etc. Collins pode dizer
que tais impulsos não são necessários pelo princípio da navalha de Occam, ou princípio da
parcimônia: Devemos pressupor somente o mínimo de fatores necessários para explicar o
evento. No caso, fatores biológicos são desnecessários. Se “impulso para dominar” for
verdadeiro, a explicação de Collins funciona, e se não for, ela também funciona. A inserção
de tal pressuposto não leva a nenhum outro ganho teórico. Melhor então não entrar no mérito
da questão de assumir certos impulsos. Explicações meramente biológicas não dão conta
sozinhas de certos fenômenos sociais, tendo de recorrer à fatores como crenças, valores e
motivações. Mas o contrário não parece ser verdadeiro. Se conseguirmos elaborar explicações
que não façam menção à quais seriam esses impulsos biológicos, melhor.
Não é de forma alguma clara que teorias sociológicas se embasam em teorias
psicológicas. Como dizia Weber, as ciências sociais têm pressupostos pragmáticos, não
psicológicos “Ainda hoje [1904] não desapareceu completamente a opinião de que é tarefa da
psicologia desempenhar para as Geisteswissenschaften, um papel comparável ao das
matemáticas para as ciências da natureza” (WEBER, 2001, p. 126)”. Teorias econômicas
usam certa suposição de maximização, mas não precisamos assumir que este pressuposto seja
psicológico, no sentido de ser válido em todos os tempos e lugares da humanidade. Pode-se
pressupor pragmaticamente o homo economicus, para fins de construção de certas teorias,
mas não de todas. Não precisamos supor que seja da natureza do homem ser egoísta e
maximizador a todo momento e em todas as épocas, mas apenas precisamos supor que agindo
desta forma, quais seriam as conseqüências dados certos contextos sociais, e supor que em
certos contextos socio-históricos pessoas agem conforme este imperativo egoísta. Não
devemos ser ingênuos de pensar que este pressuposto almeje descrever o homem “em sua
totalidade”.
Com isto não se quis dizer que teorias psicológicas e teorias biológicas não
possam ter nenhum papel nas ciências sociais, apenas contesta-se seu suposto papel
revolucionário. E a sociobiologia ainda não mostrou como revolucionaria as ciências sociais
por esta via, e acredito que nunca o fará, não porque não haja psicologia e biologia em
aspectos sociais, mas porque devido à natureza dos problemas das ciências sociais a
psicologia não responde aos seus problemas específicos, tendo então papel auxiliar, não papel

120
principal. Sociobiólogos não conseguiram nos convencer do contrário daquilo que Weber e
Durkheim postularam sobre o papel da psicologia e da biologia nas ciências sociais:
“[ciência sociais] são tão independentes que não seriam atingidos por nenhuma, nem
pelas maiores modificações nas hipóteses básicas na área da biologia ou da
psicologia, como também é para ela sem interesse se, eventualmente, a teoria de
Copérnico ou Ptolomeu está certa...” (WEBER, 2001 [1908], p. 289).

Durkheim:
“Mesmo que a psicologia individual já não tivesse segredos para nós, ela não
poderia nos dar a solução de nenhum destes problemas [da sociologia], já que eles se
relacionam a ordens de fatos que ela ignora.” (DURKHEIM, 1995 [1895], p. 22).

Seres Humanos vivem em um mundo social, onde minha ação depende da


expectativa que tenho da ação dos demais (como na ação social de Weber). Se acredito que
todos acionistas do banco onde tenho minha conta irão tentar sacar todo seu dinheiro, minha
ação pode ser de tentar sacar o meu dinheiro o quanto antes. Mas se acredito que ninguém
fará isto, o melhor é continuar com meu dinheiro depositado no banco. Para entender isto, não
precisamos recorrer à teorias da psicologia. Mesmo que supuséssemos uma psicologia ideal,
esta não diria quais as normas sociais presentes em certos contextos, isto é, não resolveria os
problemas das ciências sociais. Ou como destacarm críticos da sociobiologia: “Suppose that a
developmental biology were to reach the point where the developmental response to
environment of specific human genotypes could be specified with respect to behavior.”
(LEWONTIN; ROSE; KAMIN, p. 257), assim, o comportamento do indivíduo poderia ser
predito pelo ambiente. “But the environment is a social environment. What is it that
determines the social environment?” (ibid). Características individuais são importantes, mas
não determinantes do comportamento social.

“The Theory of this dialectical relation, in which individuals both make and are
made by society, is a social theory, not a biological one. The laws of relation of
individual genotype to individual phenotype cannot by themselves provide the laws
of the development of society... This problem of social theory disappears in a
reductionist world view [como da sociobiologia], because to a reductionist, society
is determined by individuals with no reciprocal path of causation. (ibid, p. 257-8).

Acredito que Weber resumiu bem o possível papel que podem ter teorias
psicológicas nas ciências sociais:

“Suponhamos que alguma vez seria possível... [estabelecer] determinados impulsos


que são relevantes do ponto de vista sociológico... [isto é] a capacidade de orientar
racionalmente a ação... Em tal caso, obviamente, a sociologia compreensiva deveria,

121
no seu trabalho, levar em consideração estes fatos específicos da mesma maneira
como o faria, por exemplo, com a sucessão de idades típicas do homem ou, de
maneira geral, com o fato da mortalidade dos homens. Mas sua tarefa específica
teria início precisamente no momento em que procurasse explicar, de modo
interpretativo: 1) mediante que ação, provida de sentido... procuram os homens...
realizar o conteúdo de sua aspiração, de tal modo co-deteminada...2) que
conseqüências compreensivas teve esta aspiração (condicionada hereditariamente)
no seu comportamento, com referência ao comportamento de outros homens, o qual
também era provido de sentido.” (WEBER, 2001b [1913], p. 316, itálicos
adicionados).

Não interessa às ciências sociais descobrir a origem de certas motivações, se são


fruto da seleção natural, do uso e desuso ou fruto da intervenção divina. Não se interessa pelas
motivações em si mesmas, mas pelas conseqüências de ações em diferentes contextos sociais
e conseqüentemente com diferentes normas sociais. Apesar de impulsos sexuais serem
impulsos universais, o modo para se conseguir copular é extremamente variável conforme
diferentes normas sociais.

3.5. 5ª via: Ciências Sociais como Sociobiologia Aplicada

Muitos sociobiólogos acreditam – pelo menos em discurso – no princípio da


emergência. Muitos dizem que não há a intenção de subsumir o campo das ciências sociais na
biologia. Querem colocar as ciências sociais como ramos da biologia, e alguns autores falam
até numa certa redução, mas não assimilação de um campo pelo outro: as ciências sociais
continuariam existindo. Veja o caso de Wilson. Dizia que a sociobiologia não explicaria a
variação entre sociedades, um dos objetos por excelência das ciências sociais:

Antecipando uma objeção recorrente levantada por muitos cientistas sociais e outras
pessoas, desejo admitir desde já que a forma e a intensidade dos atos altruísticos são,
em grande parte, determinados culturalmente. A evolução social humana é,
obviamente, mais cultural que genética. A questão é que a emoção subjacente,
poderosamente manifestada em virtualmente todas as sociedades humanas, é o que
consideramos evoluir através dos genes. A hipótese sociobiológica, portanto, não
explica as diferenças entre as sociedades, mas pode explicar por que os seres
humanos diferem dos outros mamíferos, e por que, num aspecto limitado,
assemelham-se bem mais aos insetos sociais. (WILSON, 1980, p. 153, grifos meus).

Apesar da humildade quanto às pretensões da sociobiologia em explicar


diferenças culturais, Wilson dubiamente aplaudia estudos de caso onde se explicava
sociobiologicamente diferenças entre sociedades. E isso não lhe é exclusivo. Apesar de
muitos sociobiólogos acreditarem no princípio da emergência, e de não se considerarem de
122
forma alguma como deterministas biológicos, parecem ficar bastante satisfeitos quando
encontram teorias sociobiológicas para explicar variação cultural mediante a sociobiologia
unicamente ou primordialmente. Muitos dos estudos mais badalados pela sociobiologia são
sociobiologia aplicada tentando explicar variações culturais. Por sociobiologia aplicada
entendo a explicação de variações culturais utilizando primordialmente teorias
sociobiológicas. Por vezes, usa-se teorias sociobiológicas e variáveis ambientais como
disponibilidade de recursos, por outras, acresce-se instituições sociais nas explicações.
Um exemplo rápido refere-se ao canibalismo entre os Astecas. Segundo a
explicação dada por Wilson (1981, p. 94), os Astecas e outros povos não conseguiram
domesticar animais que constituíssem fontes significativas de carne. De início havia
abundância, mas houve então um período de escassez, que só foi aliviada então pelo
canibalismo humano. Quando o conquistador Espanhol Cortez ali chegou, cerca de quinze mil
pessoas eram consumidas por ano no Vale do México. Haviam meticulosos rituais nesse
processo.

“Essa encenação, contudo, não deve nos afastar do fato de que, imediatamente após
seus corações terem sido removidos, as vítimas eram sistematicamente esquartejadas
como animais e deus pedaços distribuídos e consumidos. Entre os favorecidos com
os banquetes estavam a nobreza, seus seguidores e a soldadesca; em outras palavras,
os grupos com maior poder político.” (ibid).

No entanto, tal exemplo é facilmente refutado. Os estudos de Ortiz de Montellano


(1978) defendiam que os períodos em que o canibalismo era praticado não correspondiam aos
períodos de escassez de alimentos, e somente os membros eram consumidos, e mesmo assim
parcialmente. Isso não parece ser um modo eficiente de consumir proteína quando esta está
em falta. Este exemplo é refutado empiricamente, outros precisarão de atenção mais
demorada.
Apresentarei resumidamente alguns dos estudos de casos mais badalados da
sociobiologia e da psicologia evolucionista (mas não todos), bem como algumas das
controvérsias suscitadas por estes. Alguns destes debates continuam.

3.5.1. Efeito Westermarck - Tabu do Incesto

No século XIX, o antropólogo, filósofo e sociólogo finlandês Edvard


Westermarck se inspirou em Darwin para combater a tese de uma suposta promiscuidade
123
primitiva. Westermarck propôs uma teoria para explicar o incesto que recebeu o nome de
“efeito Westermarck”: haveria uma aversão instintiva ao incesto. O tabu do incesto recebeu
diversos estudos sociobiológicos, e é um dos casos mais badalados. Por vezes é tido como
manifestação da natureza humana, por outras, como resultado de sanções culturais, ou às
vezes como resultado de ambas. Segundo Wilson (1980, p.36), a proibição de relações sexuais
entre irmãos e irmãs e entre pais e sua prole seria garantida por sanções culturais “em toda
parte”. E considera que o tabu do incesto pode ser resultado de uma regra mais geral,
assinalada pelos antropólogos sociobiólogos Lionel Tiger e Robin Fox, que versa sobre o
impedimento da formulação de laços. Quando duas pessoas formam entre si um vínculo forte,
dificilmente elas irão se unir por outros tipos de vínculos. Por exemplo, estudantes e
professores demoram em tornar-se colegas, mesmo depois de os estudantes terem
“ultrapassado” seus tutores.
Mas pelo menos no caso do tabu irmão-irmã, diz Wilson, existiria “uma forma de
imposição muito mais profunda, menos racional”. Segundo a teoria sociobiológica, deveria
haver maior repulsa sexual quanto maior a proximidade genética, uma vez que filhos de
irmãos geram proles deficientes, podendo ter retardo mental, nanismo, deformações no
coração, dentre outros. Seria então vantajoso biologicamente haver algum mecanismo que
inibisse esse tipo de relação. Um candidato a esse mecanismo seria que a aversão sexual
desenvolve-se automaticamente entre pessoas que cresceram juntas por longo tempo a partir
de tenra idade. Entre os kibbutzim77 de Israel nos estudos de Joseph Shepher, da Universidade
de Haifa – diz Wilson – mostraram que a aversão sexual entre pessoas da mesma idade não
dependeria de uma relação real de consangüinidade, mas sim de terem sido criados juntos.
Wilson comenta a teoria de Claude Lévi-Strauss de que o tabu do incesto facilitaria a troca de
mulheres durante barganhas entre grupos sociais. Nessa perspectiva, irmãs e filhas não são
usadas para o casamento, mas sim para obter poder em trocas. Mas a afasta afirmando que
“[a] explicação sociobiológica dominante, ao contrário, considera a integração da família e os
acordos nupciais subprodutos ou, quando muito, fatores contribuintes secundários. Ela
identifica uma causa mais profunda, mais premente, a pesada punição fisiológica imposta pelo
endocruzamento” (WILSON, 1980, p. 37).

77
Kibbutz (kibbutzim no plural) são comunidades predominantemente agrícolas mais ou menos independentes
do mundo exterior, criadas ao longo do século XX inicialmente com valores comunistas (alguns assumidamente
marxistas-seculares) e sionistas na região da Palestina, mas também houve kibbutzim de cunho religioso. As
crianças eram criadas todas juntas entre si e relativamente separadas de seus pais. Os kibbutzim atualmente estão
desaparecendo ou privatizando grande parte dos serviços, e inserindo cada vez mais valores capitalistas. Mais
informações em http://www.kibbutz.org.il/eng/
124
“A exclusão de vínculo do tipo existente entre as crianças israelenses é um exemplo
daquilo que os biólogos chamam de uma causa próxima; neste exemplo, a exclusão
psicológica direta é a causa próxima do tabu do incesto. A causa última, sugerida
pela hipótese biológica, é a perda da aptidão genética resultante do incesto.” (ibid. p.
39).

Kitcher (1987) comenta que outro sociobiólogo, Van den Berghe se dedicou mais
extensamente ao mesmo problema. Além do exemplo dos kibbutzim haveria ainda o exemplo
dos “casamentos entre menores” (minor marriages): em muitas partes da China, adota-se uma
filha bem jovem legalmente, mas com o objetivo de que esta se case com seu filho de mesma
idade. Este caso seria mais uma confirmação da teoria sociobiológica, uma vez que haveria
evidências de resistências ao casamento, grande número de adultério e divórcio, e o sucesso
de tais casamentos seria um terço dos convencionais.
No entanto, Kitcher levanta algumas dificuldades enfrentadas por estes exemplos,
onde haveriam outros fatores não discutidos por Van den Berghe. No caso dos kibbutzim,
Kaffman, o diretor médico de um kibbutz em Tel Aviv, afirmou que o período estudado por
Shepher – estudo que embasa as afirmações dos sociobiólogos – foi o chamado “the
puritanical era in the kibbutz” (KAFFMAN, 1977, p. 208 apud KITCHER, 1987, p. 273) onde
o ambiente externo ao kibbutz era extremamente conservador, sendo reforçados
constantemente os ideais de pureza nas crianças. Um estudo teria mostrado a falha estatística
de Shepher ao não formular corretamente as hipóteses nulas (in KICHTER, 1990, p. 104). Já
no caso dos casamentos entre menores, Kitcher argumenta que no estudo de casos de Wolf e
Huang que embasa as conclusões sociobiológicas haveria um caso onde casamento foi bem
sucedido e três casos onde relação sexual pré-nupcial adiantou o casamento. Afora isto,
haveria outras complicações que também sugeririam explicações alternativas. Os casamentos
entre menores eram muito desprezados pelos outros habitantes, tomando tal instituição como
adoção de esposa para um incompetente. O marido e a esposa adotiva eram zombados
rejeitarem
constantemente a ponto de desaprovarem tal situação matrimonial, bem como um ao
outro. Estes fatores que suscitam explicações alternativas, também foram negligenciados por
sociobiólogos.
Há casos bem conhecidos onde o incesto irmão-irmã ocorre, tal como no antigo
Egito, nas elites governantes do Havaí, entre os Incas e primeiros imperadores chineses. Van
den Berghe tenta dar uma resposta sociobiológica a estas possíveis refutações. Onde mesmo
nestes casos de incesto haveria maximização de aptidão inclusiva. Para o plebeu monogâmico
ou um poligâmico em baixa escala seria vantajoso evitar o incesto, mas para um rei
125
poligâmico seria uma boa além de ter filhos com suas muitas mulheres, ter também com sua
irmã, uma vez que poderia produzir herdeiros com um grau de parentesco genético maior que
o normal (r=0.75 contra r=0.5 do normal), que seriam poligâmico e produzindo muitas crias.
E por ter várias esposas, o custo de ter crias defeituosas seria irrelevante uma vez que já teria
garantido os herdeiros com as outras esposas. Se repetido o incesto várias vezes, haveria a
possibilidade do rei clonar a si mesmo.
No entanto, a solução do autor apenas inverte o problema: agora se tem de
explicar a inexistência de incesto em outras famílias reais. Além disto, não explica por que
haveria proibição do incesto entre pais e filhas, uma vez que o grau de parentesco entre pais e
filhas é o mesmo que o entre irmão e irmã: 0,5. E há muitos casos onde o incesto pai-filha é
bastante freqüente, às vezes até institucionalizados. Em certos locais da Índia, por exemplo,
homens se casam com a filha da irmã (LEACH in SEGERSTRÅLE, 2000, p. 172). Aqui não
nos interessa tanto refutações empíricas à sociobiologia, mas sim como explicam instituições
sociais.
Se a proibição do incesto é o caso, então “incesto” seria um afloramento da
natureza humana. Mas quando o incesto é estimulado (como entre reis poligâmicos), seria a
interação da instituição social (poligamia do rei) com natureza humana num processo
evolucionário que resultaria em outras instituições sociais (incesto real sancionado). Mas por
que a instituição social “poligamia real” seria o caso, e não a instituição “proibição do
incesto”? Por que em alguns casos as instituições são frágeis, sendo reflexos da natureza
humana, e em outros seriam rígidas a ponto de impor desvio à natureza humana? Também a
explicação implica certa arbitrariedade. A explicação para o incesto do rei, no entanto, explica
como tal procedimento iria aumentar a aptidão inclusiva do irmão, mas não explica como tal
solução iria aumentar a aptidão inclusiva da irmã.
Algumas das explicações alternativas ressaltam que incesto tem a ver com poder
político e econômico, e são tais configurações que explicam tais instituições (HARRIS, 1982;
KITCHER, 1987, p. 269-79).
Além do mais, Sahlins (1976) se esforçou em mostrar que a teoria sociobiológica
não explica os sistemas de parentesco existentes:

“My aims is to support the assertion that there is not a single system of marriage,
postmarital residence, family organization, interpersonal kinship or common descent
in human societies that does not set up a different calculus of relationship and social
action than is indicated by the principles of kin selection.” (SAHLINS, 1976, p. 26).

126
A idéia de que quanto maior a proximidade genética entre indivíduos, maior a
solidariedade, e quanto maior a distância genética, maior a hostilidade não explicaria a
diversidade de sistemas de parentesco. Neste sentido, destacava Sahlins, há casos de
“casamento fantasma” onde é o tio (irmão da mãe), e não o pai biológico quem cuida das
crianças, e há o caso de polinésios que por vezes praticam o infanticídio, mas costumam
adotar o filho do inimigo de guerra 78. Também entre os polinésios, o filho do irmão homem
faz parte do clã, e o filho de sua irmã é um outsider, talvez um inimigo. Se a linhagem
matrilinear for posta saliente, tudo pode mudar, e o filho da irmã passa a ser um membro (ibid
p.12). O ceticismo de Sahlins não era tanto com a aplicação de teorias biológicas à seres
humanos, mas sim com a esperança que tal aplicação explique componentes culturais e
instituições sociais, isto é, a tese do isomorfismo entre biologia e instituições sociais. O
motivo que indivíduos engajam na guerra não é o mesmo que o que a guerra acontece.

3.5.2. Infanticídio

Uma das teorias da sociobiologia diz que temos maior afinidade por indivíduos
mais próximos geneticamente (homologous affiliation) e maior repulsa pelos mais distantes
geneticamente (hetereologous contraposition), e que, além disso, podemos nos sacrificar para
salvar nossos parentes de modo a garantir que nossos genes sejam repassados.
Resumidamente, o homem seria “naturalmente nepotista”. No entanto, encontramos vários
casos como o do infanticídio feminino sistemático nas altas classes na China, Índia e Europa
medieval. Seria uma refutação à sociobiologia? Segundo um estudo feito pela antropóloga
Mildred Dickemann, não. Também seria possível explicar sociobiologicamene tal
fenômeno79. Segundo Wilson, esta antropóloga:

“... procurou saber se a proporção entre os sexos é alterada após o nascimento pelo
infanticídio, de uma maneira que se ajuste à melhor estratégia reprodutiva [repassar
os genes]. Parece que sim. Na Índia pré-colonial e britânica a ascensão social das

78
Sociobiólogos como Richard Alexander tentaram dar respostas a estas “anomalias” da teoria sociobiológica.
Para uma resposta a ele, ver (KITCHER, 1987, p. 299-307).
79
Tal estudo de caso seria interessante uma vez que, segundo Segerstråle (2000, p. 164) tal caso finalmente teria
convencido o então reticente Maynard Smith da aplicabilidade da sociobiologia a humanos. Kitcher tem outra
versão. Maynard Smith preferiria os estudos de casos como feito por Dickemann à grande parte da sociobiologia
humana, mas não saberia bem o que no final das contas estariam dizendo (1987, p. 283-4). Esta última
interpretação parece ser preferível, uma vez que Maynard Smith declarou concordar com as conclusões dos
sociólogos de que rejeitar a sociobiologia humana, apesar de não concordar com os meios utilizados por estes
para tal (LEWONTIN e MAYNARD SMITH, 1990).
127
filhas pelo casamento com homens de posição superior era santificada pelos rígidos
costumes e pela religião, enquanto o infanticídio feminino era praticado
rotineiramente pelas castas superiores. Os Bedi-Sikhs, a subcasta sacerdotal mais
alta de Punjab, eram conhecidos como Kuri-Mar, os matadores de filhas. Destruíram
virtualmente todas as crianças do sexo feminino e investiam tudo na criação de
filhos que se casariam com mulheres de castas inferiores. Na China pré-
revolucionária o infanticídio feminino era comumente praticado por muitas das
classes sociais.” (WILSON, 1978, p. 40-1).

Donde Wilson concluiu que “A hipergamia [outro estudo de caso descrito por
Wilson] e infanticídio feminino não se apresentam como processos racionais. É difícil
explicá-los, exceto como uma predisposição herdada para maximizar o número de
descendentes em competição com outros membros da sociedade” (ibid).
Harris (1978) e Kitcher (1987) não acharam tão difícil e propuseram explicações
alternativas que acreditam explicar o mesmo fenômeno de forma mais econômica, isto é,
fariam menos suposições. Harris o fez de maneira bem rápida e Kitcher de modo mais
extenso. Ambos acreditam, ao contrário de Wilson e outros sociobiólogos, que devemos nos
basear no que alguns chamam de Folk psychology ou “psicologia de senso comum”, que
supõe que pessoas agem conforme suas crenças e valores conscientes, de forma a obter coisas
que elas percebem conscientemente como valiosas. Na psicologia de senso comum não se
supõe que haja um cálculo biológico inconsciente agindo nos bastidores e zombando das
declarações públicas; são crenças e valores conscientes que motivam e explicam a ação dos
indivíduos. Não implica que todas as ações dos indivíduos sejam conscientes em suas últimas
conseqüências. As pessoas podem avaliar mal certas situações, e suas ações podem ter
conseqüências imprevistas, mas a motivação da ação é consciente. Tal “psicologia” é usada
no senso-comum e cientistas sociais muito freqüentemente a acham bastante útil em utilizá-
las também em suas explicações. Alguns sociobiólogos não parecem rejeitar em princípio a
idéia que pessoas podem agir conforme sua consciência, mas parecem preferir explicações em
que se utilizem as motivações profundas do gene’s eye view, uma vez que estas últimas teriam
prioridade por serem as causas últimas.
Entre as classes altas, a família da noiva paga um dote para a do noivo, enquanto
nas classes baixas o noivo é quem paga para obter a noiva. Partindo do pressuposto que para
as elites as filhas eram menos valiosas que os filhos – uma vez que homens dominavam a
fonte de riqueza e poder político, militar, comercial e agrícola – filhos poderiam aumentar a
riqueza e o status da família. Já as filhas nestas elites só poderiam ter acesso a fontes de
riqueza e poder através dos homens, mas só podendo ser casada através de um dote (que é
caro), sendo, portanto, um custo para as famílias. Há, portanto, incentivos para o infanticídio

128
feminino se se quiser aumentar a riqueza e o prestígio da família. Nas classes baixas, o
infanticídio não ocorreria porque as mulheres campesinas podem ganhar a vida facilmente
trabalhando na terra e indústrias caseiras.
Kitcher procura mostrar que partindo de algumas proposições básicas e não de
outras, os mais diferentes resultados podem ser obtidos. Por exemplo, uma outra solução
possível para um rei seria manter suas filhas vivas, mas casá-las com noivos da classe média,
uma vez que não haveria a obrigação do pagamento do dote. Assim, tal estratégia levaria à
maior aptidão inclusiva do que o infanticídio. Mas Dickemann, segundo Kitcher, diz
simplesmente que tal opção não está disponível.
Atendo-nos aos custos da criação dos filhos: se considerarmos o custo da criação
como negligenciável (especialmente para as altas classes), então o infanticídio feminino não
incrementará adaptação inclusiva para patriarcas. Melhor deixar as mulheres viverem para
deixar mais filhos e assim maximizar a aptidão inclusiva. Mas se os custos da criação não são
negligenciáveis, e mais do que isto, representem um alto custo, então, haverá pressão por
infanticídio nas classes altas, e pressão ainda maior por infanticídio nas classes baixas e
médias. Um modo de escapar a essa conclusão seria supor que custos da criação são
diferentes conforme a classe, onde seria necessário que filhas das classes mais altas tivessem
educação especial para se casarem. Mas se supomos que mulheres das classes médias e das
altas competem pelos mesmos maridos das classes altas, então a pressão será maior nas
classes médias, e não nas altas como predito pela teoria sociobiológica. Por fim, conclui
Kitcher sobre o estudo sociobiológico do infanticídio, que “There is no model that resolves
the issue in the way Dickemann suggests...it seems a little premature to claim that the case
provides a ‘striking fit’ of predictions to findings” (KITCHER, 1987, p. 326),
Kitcher propõe então uma explicação alternativa baseada na Folk-psychology.
Famílias se esforçam em obter riquezas e poder, e a sociedade indiana tem o costume onde
famílias de classe média esforçam-se em assegurar alianças com famílias de altas classes,
fornecendo esposas aos filhos da classe alta. Homens das classes altas aproveitam-se da classe
média obtendo esposas e dotes. Dado isto, mulheres das classes altas são prejuízo econômico.
Há quem dissesse que criar garotas seria como “aguar a grama do vizinho” (“watering your
neighbor's lawn”). Os pertencentes da baixa hierarquia ganham proteção e influência, e a
competição para ser “amigo do poderoso” leva à instituição do dote. Uma vez instituído,
levaria também as classes altas a pagá-lo, mas tais classes não precisariam de filhas para a
promoção social, e racionalizam sua ganância construindo regras sobre o casamento e
destruindo filhas no nascimento. O filósofo destaca que tal explicação alternativa é levantada
129
por Dickemann. Por que então, pergunta ele, recorrer à aptidão inclusiva se não traz nenhum
avanço na explicação80? E conclui:

“In order to understand the high frequency of infanticide in the societies of northern
India and China, we need to trace the history of cultural institutions, recognizing
how institutions affect the dispositions of those who grow up in societies dominated
by them and how, in turn, those dispositions modify existing institutions...
Ultimately we shall want an evolutionary explanation of basic human propensities.
The point is that the evolutionary questions arise relatively late in the inquiry. Only
after we have traced a complex social arrangement to the fundamental proximate
mechanisms that have been at work in its historical development does it become
relevant to inquire how the inclusive fitness of our ancestors might been maximized
by their having those proximate mechanisms. (KITCHER, 1987, p. 329, itálicos
adicionados).

A conclusão de Kitcher sobre o caso é de que ele não está errado, mas sim que
não temos motivos para pensar que esteja correto. A inserção de teorias sociobiológicas é
totalmente dispensável para entender a situação, e sua inserção não acrescenta nada em nosso
entendimento. Se a análise de Kitcher é válida, então mais uma vez a teoria sociobiológica só
aparece após a situação social já estar definida, e algumas variáveis são inseridas e outras são
negadas sem muitas explicações, algumas instituições sociais são fruto da sociobiologia,
outras interagem com ela.
Uma outra sugestão de explicação para o infanticídio pode nos ser dada por
Darwin. O grande mestre destacava que haviam instintos nos homens, mas não deixava de
salientar causas conscientes “Acresce lembrar outros problemas que a criação dos filhos
acarreta para as mulheres, como o da subseqüente perda de beleza, de sossego e de
tranqüilidade” (DARWIN, 2004 [1871], p. 522). Obviamente tal formulação de Darwin não
explica por si só as variações culturais, mas sugere que o apelo às explicações sociobiológicas
como sinônimo de darwinianas não é algo sem problemas, uma vez que o próprio considera
causas próximas como fator de peso na explicação.

3.5.3. Efeito Cinderela - Maus-tratos à crianças

Há um estudo mais recente da psicologia evolucionista que está entre os mais


badalados no campo atualmente. Não se trata necessariamente de infanticídio, mas de maus

80
Ridley (1993, p. 126) comenta este caso dizendo que explicações alternativas, como esta de Kitcher falharam
por não conseguirem explicar a correlação com ranque, o que não é verdade, como acabamos de viver.
130
tratos a filhos, principalmente os não biológicos, nos estudos feitos pelos psicólogos
evolucionistas Martin Daly e Margo Wilson ao longo de cerca de vinte anos. Segundo estes,
“current [evolutionary] theory implies that natural selection shapes social motives and
behavior to function nepotistically on behalf of blood kin... Parental care is costly, and
animals usually avoid expending it in behalf of young other than their own” (DALY e
WILSON, 1996. p. 79). Pinker nos explica tal estudo:

“O amor pelos filhos é selecionado ao longo do tempo evolutivo porque impele os


pais a proteger e criar seus rebentos, os quais provavelmente possuem os genes
conducentes ao amor pelos filhos. Em qualquer espécie na qual filhos de terceiros
têm probabilidade de ingressar no círculo familiar, a seleção favorecerá uma
tendência a preferir a própria prole, pois segundo o frio raciocínio da seleção natural,
investir em filhos dos outros seria um desperdício. A paciência de pais adotivos
tenderá a esgotar-se mais rapidamente com os enteados do que com os filhos
biológicos e, em casos extremos, isso pode conduzir a maus tratos.” (PINKER,
2004, p. 231).

Isto é, segundo a teoria sociobiológica, filhos não biológicos tenderiam a sofrer


mais maus tratos do que filhos biológicos, e isto, segundo Daly e Wilson, seria “the most
obvious prediction from a Darwinian view of parental motives” (DALY e WILSON, 1988, p.
83 apud BULLER, 2009). O amor pelos filhos (parental love) teria evoluído para ser
disparado pelos filhos biológicos durante uma fase crítica da vida, servindo para inibir o uso
de violência no conflito com crianças, mas não contra filhos adotivos. Daly e Wilson citam
vários casos que supostamente confirmariam suas predições, mas há um caso em especial: o
estudo feito em 1985 de 99 casos de maus-tratos no município de Hamilton-Wentworth em
Ontário, Canadá, compreendendo o período de 1982 e 1983, que teria vantagem por conter as
variáveis de que se pais são biológicos ou não. O estudo teria mostrado que crianças com
menos de 5 anos de idade e que viviam com um dos pais biológicos e outro não-biológico
tinham a chance de 40,1 vezes mais de serem vítimas de maus-tratos do que as outras crianças
que viviam com ambos pais biológicos. E apesar do percentual de maus tratos diminuir
conforme aumente a idade da criança, em qualquer idade, crianças que vivem com um dos
pais biológicos estão mais propensos a sofrerem maus tratos do que os que vivem só com os
pais biológicos.
Mas, destaca Buller, há deficiências neste estudo. Nos 99 casos, há também casos
de abuso sexual, que envolvem diferentes mecanismos (até pelas próprias teorias

131
sociobiológicas), além do que, abuso sexual intra-familiar raramente envolve abuso físico81.
Buller e Elliot Smith – o diretor associado do Arquivo Nacional de Dados sobre Abuso e
Negligência Infantil dos EUA – resolveram testar a teoria com uma amostra maior, e
descobriram que tal propensão é de 8,2 vezes – bem menos que os 40,1, mas ainda assim um
número expressivo e condizente com a teoria sociobiológica. No entanto, com tais números
não se levou em conta o perpetrador do abuso. A segunda pesquisa tem esta informação, e
levando-a em consideração, constatou-se surpreendentemente que pais biológicos solteiros
tem 1,7 vezes mais chances de praticar abuso físico do que em casa onde moram mãe
biológica e pai não-biológico – uma anomalia para a teoria sociobiológica. Há ainda outras
controvérsias sobre a confiabilidade dos dados utilizados, e o debate entre Buller de um lado e
Daly e Wilson de outro continua82. Mas aqui não nos interessa tanto as confirmações ou
refutações empíricas, mas sim a estrutura da explicação sociobiológica. Podemos aceitar
plenamente que o “efeito cinderela” não é só conto de fadas, podemos aceitar a realidade dos
dados fornecidos por Daly e Wilson, mas isto não implica aceitação automática da explicação
sociobiológica que fazem destes fenômenos. Não é de modo algum claro que tais predições de
Daly e Wilson sejam as únicas possíveis dada a teoria sociobiológica. Podemos pensar que,
assim como em outros casos, qualquer resultado pode ser “predito” pela teoria.
Se mulheres com filhos evitassem de engajar em outros relacionamentos, poder-
se-ia dizer que a teoria sociobiológica preveria isso, uma vez que o padrasto representaria um
risco potencial para seus filhos e melhor seria evitar possíveis futuros problemas para as
crianças. Se fosse isto que acontecesse, estaria “previsto” pela teoria. Mas como este não é o
caso, perguntam os pesquisadores “But then why is the human animal so willing to enter into
step-relationships that may entail prolonged, costly pseudoparental investment?” (DALY e
WILSON, 1996, p. 79). Uma primeira hipótese seria a de que arrumar pais “adotivos”
(stepparenthood) não era um problema recorrente para nossos ancestrais, não havendo,
portanto, adaptações psicológicas para isto. Daly e Wilson descartam tal alternativa apelando
para estudos feitos com tribos de coletores contemporâneas, onde tal tipo de relacionamento é
algo mais ou menos recorrente. Para fins argumentativos, deixemos de lado a questão de que
se seria legítimo pegar grupos coletores atuais como evidência de coletores do passado
pleistocênico. Daly e Wilson não dizem que esta última explicação não preveja o conflito,
mas sim que ele é refutada empiricamente, e recorre-se então a uma segunda hipótese, “more

81
Buller cita em suporte desta afirmação o estudo de Parker, Hilda, and Seymour Parker. 1986. “Father-
Daughter Sexual Abuse: An Emerging Perspective.” American Journal of Orthopsychiatry 56: 531–549.
82
Ver por exemplo Daly e Wilson (2009).
132
plausible”, que dizia que assim como alguns animais, o investimento de pais não biológicos
em mulheres com filhos é interpretado como um esforço conjugal (mating effort), isto é, uma
parte do custo do cortejo masculino. Assim, “in this light” dizem os pesquisadores “the
existence of stepparental investiment is not so surprising” (p. 80). Tal formulação pode
“prever” que o abuso de filhos biológicos e não-biológicos seria o mesmo, afinal o macho
estaria mostrando à fêmea que é um “bom pai” e poderá cuidar das futuras crianças, afinal,
melhor ter um novo parceiro que ajuda as crianças, do que aquele que pode causar danos à
estas. Se fosse este o caso, também a teoria poderia prevê-la. Mas advertem que tal não seria o
caso, e que ainda assim haveria perferência por filhos biológicos: “But the fact of such
investment cannot be taken to imply that stepparents ordinarily (or indeed ever) come to feel
the sort of commitment commonly felt by genetic parents” (ibid). Mas que vantagem na
aptidão inclusiva pode haver nesta ligeira preferência por filhos biológicos? Pais que
maltratam mais filhos não-biológicos deixam mais descendentes do que os que não
maltratam? Podemos imaginar ainda que caso a violência fosse maior entre os filhos
biológicos, tal fato também poderia ser predito pela sociobiologia. Alguns pesquisadores
dizem que quanto mais cedo a violência seja perpetrada contra crianças, maior a tendência
destas de se comportarem agressivamente83. Tal comportamento seria adaptativo por que
“pedagógico”: ensinaria desde cedo às suas crianças a “lei da selva”, isto é, a agir
agressivamente mais prontamente, algo vantajoso no ambiente ancestral. Já os casos de morte
podem ser explicados como as vezes que o pai biológico “errava a mão” e mataria a criança, e
isto seria um subproduto (by-product) da adaptação; ou então poderíamos explicá-la
adaptativamente: a violência paterna seria um tipo de pré-seleção: os sobreviventes da
agressão estariam mais aptos a sobreviverem e evitariam que pais gastassem recurso com um
filho que não suportaria a pressão e rapidamente morreria.
Numa réplica à Buller, Frank Miele contesta a suposta anomalia da teoria de Daly
e Wilson, de que pais biológicos solteiros abusariam 1,7 mais do que pais adotivos que
moram com mães biológicas. Segundo Miele, Daly e Wilson já haviam tratado disto em um
artigo de 1981 e que provavelmente estes teriam sido os primeiros a documentar isto. Mas
Miele não nos apresenta o argumento. Se é verdade que “In this 1981 article, Figure 24–1
clearly shows that ‘Father-only is much the riskiest situation’”, por que a convivência com pai
somente seria a situação mais perigosa que mãe-filhos se a correlação genética mãe-filhos e
pai-filhos é a mesma?

83
Dobrianskyj Weber; Viezzer; Brandenburg, Zocche, 2002.
133
Daly e Wilson propõem explicações alternativas evolutivas dado o problema da
morte do pai biológico da criança. Um seria recasar com o irmão do marido morto, uma vez
que o grau de parentesco do novo marido seria próximo do das crianças. Outra alternativa
seria deixar as crianças serem cuidadas por um parente fêmea pós-menopausa 84. Mas
descartam tais hipóteses simplesmente dizendo que na ausência de tais práticas, a alternativa
será outra, mas não nos dizem quando e por que a opção será outra – no caso, a teoria
sociobiológica que defendem. Acrescentam que por vezes tem a mulher de escolher entre o
novo parceiro e a criança, e com isto pode tornar-se cúmplice do abuso do parceiro. Assim,
“prevê-se” também que a mãe cometerá a violência contra seus rebentos. No final das contas,
a teoria parece só predizer as possibilidades, mas não em que condições tais possibilidades
ocorrerão ou não.
Se minhas reconstruções forem legítimas, então a sociobiologia mais uma vez
parece estar “acomodando aos fatos” e não os “prevendo”.

3.5.4. Ciúmes conforme o sexo

Buss realizou um estudo em 6 culturas (EUA, Alemanha, Países Baixos, China,


Japão e Coréia) onde mostrava que universalmente homens se preocupam com “infidelidade
sexual” e mulheres com “infidelidade emocional”, conforme previsto pela sociobiologia. A
lógica é a mesma do exemplo anterior. Homens inconscientemente se preocupariam em não
manter filhos de terceiros, pois isto seria um “desperdício de recursos” do ponto de vista da
aptidão inclusiva, e para tal, homens não tolerariam infidelidade sexual. Já mulheres se
preocupam inconscientemente em não perder os recursos e provimentos do homem, e assim,
mulheres não tolerariam infidelidade emocional, que seria um indicativo de que o homem
esteja querendo abandoná-la e destinar seus recursos à outra parceira. Os estudos de Buss
teriam então confirmado tal previsão.
No entanto, há problemas, destaca Buller (2009). Há diferenças culturais que o
estudo de Buss mostra, mas não apresenta solução. Por exemplo, entre homens, o percentual
daqueles que dizem “infidelidade sexual” ser mais desagradável que “infidelidade emocional”
é de 76% nos EUA, mas 28% na Alemanha, 21% na China. Buss admite que a cultura da

84
Daly e Wilson, dentre outros sociobiólogos, recorrem à categoria de mulheres pós-menopausa, mas não
parecem considerar que a expectativa de vida no pleistoceno não parecia ser suficiente para que mulheres
chegassem à menopausa. De qualquer modo, desconsideraremos esta possível objeção à Daly e Wilson para fins
argumentativos.
134
Alemanha e Países Baixos “tem atitudes mais relaxadas sobre sexualidade, inclusive sexo
extraconjugal, que a Cultura Americana” 85, o que é uma concessão a valores e crenças como
fatores explicativos. Buller propõe uma explicação alternativa, utilizando consciência e
excluindo diferenças inatas entre os sexos como fatores explicativos. Ambos os sexos têm as
mesmas capacidades, e ambos querem manter o relacionamento, mas diferem na crença que
têm um do outro sobre a relação “traição” vs. “ameaça ao relacionamento”. Mulheres
acreditam que para o homem, sexo e amor são coisas distintas, e, portanto, traição sexual do
homem não significaria desejo de abandonar o relacionamento, mas a traição emocional sim.
Assim, mulheres tolerariam traição sexual, mas não a emocional. Já os homens acreditam que
para mulheres, sexo e amor são inseparáveis, e, portanto, a traição sexual feminina significaria
desejo de abandonar o relacionamento, e logo, traição sexual não seria tolerada pelo homem.
Além de explicar o mesmo fenômeno sem recorrer a diferenças inatas, Buller explica as
diferenças culturais entre os países. Como admitido por Buss, Alemanha e Países Baixos
seriam mais “liberais” quanto à sexualidade, e assim seriam menos propensos que americanos
à associar “infidelidade sexual feminina” com “desejo de deserção”. Portanto, seriam menos
preocupados com infidelidade sexual feminina que os americanos. Alguns estudos mostrariam
ainda que homossexuais masculinos se preocupam muito pouco com infidelidade sexual,
conforme previsto pela teoria alternativa.
Assim, Buller fornece uma explicação alternativa aparentemente capaz de explicar
o mesmo fenômeno. Tanto a explicação de Buller como a de Buss recorrem à variável cultural
“atitudes mais relaxadas sobre sexualidade”, o que implica recorrer à crenças, mas Buss
recorre a mais um novo tipo de variável, diferenças inatas entre os sexos.

3.5.5. Apreciação

As soluções tentadas por Chagnon e Kanazawa de tentar explicar variações


culturais estavam fadadas ao fracasso por tentarem utilizar de universais psicológicos para
explicar fatores específicos. Tal tentativa de solução através de universais psicológicos não
resolve e nem podeira resolver o problema proposto, uma vez que apenas inverte o problema.
E não poderia ser diferente.

85
“cultures have more relaxed attitudes about sexuality, including extramarital sex, than does the American
culture,” (Buunk, Bram P., Alois Angleitner, Viktor Oubaid, and David M. Buss. 1996. p. 359–363. apud
BULLER, 2009).
135
Ao explicarem certos fenômenos, partem de teorias puramente sóciobiológicas e
proclamam orgulhosos o papel importante da biologia agindo nos bastidores rindo das
declarações públicas. Se tiverem dificuldades, recorrem à consciência como estratagema ad
hoc, e proclamam orgulhosos que não são deterministas biológicos. Mas o que muitos críticos
da sociobiologia como Kitcher, Buller e, Richardson têm feito, como procurei mostrar, que
teorias alternativas baseadas na nossa psicologia de senso comum são igualmente possíveis,
sem recorrer aos jogos de genes hipotéticos. Se a sociobiologia tem de recorrer às crenças
conscientes para explicar o desvio nas tendências inatas, não seria muito prudente assumir,
ainda que pragmaticamente, que haja situações onde não haja influências ambientais e
conscientes, ou que tais influências sejam poucas, situações essas onde a natureza humana se
mostraria tal como é. Se conseguirmos explicações que evoquem menos tipos de variáveis, e
com o mesmo poder explicativo, melhor; e teorias puramente biológicas não são capazes de
explicar por si só a variedade de formas culturais que encontramos na realidade, tendo de
recorrer à variáveis não-biológicas. Mas o contrário não é igualmente válido. Teorias que
recorrem à fatores não-biológicos não necessariamente têm de recorrer à fatores biológicos,
estando assim em vantagem na medida em que consiga explicar o mesmo evento. A
sociobiologia não gera teorias com maior poder de predição do que as teorias baseadas em
folk psychology. Assim, podemos concluir que tanto os aspectos inatos quanto sua provável
explicação darwiniana neste tipo de explicação são vãos, ou como afirmou Lewontin, são
idles darwinizations, ou como disse ainda Stuart Mill em seu Princípios da Economia Política
“De todas as maneiras vulgares de furtar-se à consideração do efeito de influências sociais e
morais sobre o espírito humano a mais vulgar é atribuir as diversidades de conduta e de
caráter a diferenças naturais intrínsecas”

3.6. 6ª via: Imposição de Limites à variação sócio-cultural

Um outro programa sociobiológico versa sobre o estabelecimento de limites para


a variação cultural. Enquanto o sociobiólogo Richard Alexander via a imposição de limites
como empreendimento vão, ou mais do que isto, como armadilha intelectual (KITCHER,
1987, p.282), Wilson acreditava em sua possibilidade, e começa a focar a partir do início da
década de 1980 na idéia de que “genes seguram a cultura numa correia”, posta anteriormente,
mas até então pouco desenvolvida. Neste programa, a Sociobiologia teria admitido que certas
críticas faziam sentido, principalmente a da falta do elemento “cultura” e tentou dar-lhes
136
resposta. Não há controle genético direto do comportamento, mas também a cultura não
poderia variar indefinidamente. Wilson desenvolveu melhor o argumento junto ao matemático
Lumsden em Genes, Mind and Culture e em Promethean Fire tentando estabelecer equações
matemáticas para tentar identificar como genes e cultura coevoluíram86. Seria o caso das
“regras epigenéticas”, isto é, como genes e ambiente interagem para formar o fenótipo. Isto,
segundo Wilson, seria “the central problem of the social sciences and humanities” (WILSON,
1998, p. 126):

Culture is created by the communal mind, and each mind in turn is the
product of the genetically structured human brain. Genes and culture are
therefore inseverably linked. But the linkage is flexible, to a degree still mostly
unmeasured. The linkage is also tortuous: Genes prescribe epigenetic rules,
which are the neural pathways and regularities in cognitive development by
which the individual mind assembles itself. The mind grows from birth to death
by absorbing parts of the existing culture available to it, with selections guided
through epigenetic rules inherited by the individual brain. (WILSON, 1998, p.
127).

E se relaciona com a cultura segundo o chamado “princípio da correia” (leash


principle):
“The epigenetic rules will...tend to channel cognitive development toward certain
culturgenes as opposed to others. We refer to this relation informally as the ‘leash
principle’ in order to make it metaphorically more vivid: genetic natural selection
operates in such a way to keep cultures on a leash.” (LUMSDEN e WILSON, 1981,
p. 13. apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 159).

Assim, cultura seria gerada e moldada por imperativos biológicos, ao passo que a
biologia seria alterada simultaneamente pela evolução genética em resposta à inovação
cultural. Cultura seria aprendida através de pacotes de informação cultural (os “culturgenes”)
que seriam adotados conforme imperativos biológicos. Tal processo levaria à preferência por
certos comportamentos a outros, onde vieses genéticos (genetic biases) informariam que
informação cultural seria adotada em detrimento de outras. Assim, mesmo pequenos vieses
genéticos poderiam ser amplificados e ter uma maior influência na cultura, que retroagiria
aumentando a velocidade da mudança genética.
Um dos exemplos dados por Wilson foi de que partindo do suposto medo inato
por cobras – medo este compartilhado entre os primatas – desenvolve-se toda uma gama de
efeitos psicológicos e culturais, outro exemplo foi o do tabu do incesto. Agora não se falaria
mais de tendências gerais como territorialidade e incesto, mas sim que pode-se esperar certos

86
Na impossibilidade de recorrer diretamente a tais obras, recorri a outras, como Kitcher (1987), Segerstråle
(2000) e Wilson (1998).
137
padrões culturais específicos ao invés de outros. “When oral tradition is supplemented by
writing and art, culture can grow indefinitely large and it can even skip generations. But the
fundamental biasing influence of the epigenetic rules, being genetic and ineradicable, stays
constant” (WILSON, 1998, p. 127). Um exemplo disto seria a explicação da proeminência de
serpentes nas lendas e artes dos xamãs da Amazônia, que enriquece sua cultura através das
gerações sob a guia das “serpentine genetic rule”, isto é, do medo inato por cobras. Cobras
venenosas seriam fontes importantes de mortalidade em quase todas as sociedades através da
evolução humana. “Close attention to them, enhanced by dream serpents and the symbols
of culture, undoubtedly improves the chances of survival” (ibid), e acrescenta:

The nature of the genetic leash and the role of culture can now be better
understood, as follows. Certain cultural norms also survive and reproduce
better than competing norms, causing culture to evolve in a track parallel to and
usually much faster than genetic evolution. The quicker the pace of cultural
evolution, the looser the connection between genes and culture, although the
connection is never completely broken. Culture allows a rapid adjustment to
changes in the environment through finely tuned adaptations invented and
transmitted without correspondingly precise genetic prescription. ln this respect
human beings differ fundamentally from all other animal species. Finally, to
complete the example of gene-culture coevolution, the frequency with which
dream serpents and serpent symbols inhabit a culture is seen to be adjusted to
the abundance of real poisonous snakes in the environment. (ibid, p. 128, itálicos
no original).
Primeiramente, várias objeções contra este suposto medo inato por cobras foram
levantadas. Além do medo inato por cobras, sociobiólogos destacam, também teríamos medo
inato por aranhas, pessoas estranhas e de altura. Richardson (2007, p. 16) destaca que a
distribuição de cobras e aranhas venenosas não parece dar suporte à suposição sociobiológica.
Aranhas não apresentam grandes perigos para humanos, e a maioria nem é venenosa: talvez
oito espécies de um total de 37 mil espécies, localizados na Austrália e Américas, sem ter
ancestralidade na África. O risco das aranhas é, portanto, exagerado. Já cobras na África são
realmente venenosas, um quarto das cobras de Uganda representam realmente ameaça a
humanos. Só na Austrália que a maioria das cobras são realmente venenosas. Também quanto
à cobras o medo parece ser exagerado. Kitcher (1987, p.352) questionava se o medo por
riachos, lugares fechados, multidões, por ratos (e poderíamos acrescentar, por baratas), teriam
alguma vantagem reprodutiva.

3.6.1. Tabu do incesto

138
O outro exemplo dado por Wilson é o do tabu do incesto. “The taboos, being
conscious inventions and not simple instinctive responses, vary enormously in detail from
one society to the next.” (ibid, p. 177). Mas qual seria a relação entre o efeito Westermarck,
que é biológico, e o tabu do incesto, que é cultural? Se pergunta Wilson. Se a aversão ao
incesto é inata, por que a proibição cultural? Wilson responde da seguinte forma:

"Westermarck's response to Frazer was simple, equally logical, and supported


by growing amounts of evidence, but ignored in the triumphant onrush of
psychoanalytic theory. Individual humans, Westermarck said, reason as follows:
I am sexually indifferent to my parents and siblings. Yet occasionally I wonder
what it would be like to have sex with them. The thought is repugnant! Incest is
forced and unnatural. lt would alter or break other bonds I have formed with
them and must maintain on a day-to-day basis for my own welfare. Incest by
others is by extension also repugnant to my mind, and evidently to that of others
too, and so the rare cases in which it occurs should be condemned as immoral.
(ibid, p. 178-9, itálicos no original)

E conclui logo na seqüência “Reasonable as that explanation may be, and


supported by evidence, it is nevertheless easy to see why Freud and a host of other
influential social theorists reacted so vehemently to the Westermarck effect”87 (ibid). Mas tal
solução de Wilson está longe de ser “reasonable”. Segundo a Psicologia Evolucionista, temos
preferência inata por alimentos gordurosos, mas muitos hoje em dia sentem forte repugnância
para si ou para outros ao verem carnes com gordura saliente, ou mesmo em ver carne.
Sentimos repugnância ao vermos cachorros sendo expostos em açougues na China, mas o
mesmo não acontece com os apreciadores de tal iguaria, e provavelmente indianos sentem
igual repugnância quando vêem ocidentais se deliciando com carne bovina. Muitos são os que
sentem como “natural” a vergonha de ser visto pelado, ou que sentem como natural a
repugnância ao verem um beijo homossexual. Um dos universais culturais listados por Pinker
(2004) é o etnocentrismo: tenderíamos a ver nossa cultura, valores e culturas como os valores
naturais, válidos, verdadeiros, únicos logicamente consistentes. Darwin documentava no
capítulo XIX de A Origem do Homem vários relatos etnográficos de diferentes padrões de
beleza, onde padrões estéticos que para uns é totalmente aceitável, para outros são totalmente
repugnantes. Por exemplo, negros zombavam dos brancos como “horrorosas aberrações”, e na
África Central, entre os macalolos, as mulheres tinham o lábio superior perfurado e tinham
um brinco de bambu ou metal inserido no orifício fazendo com que o lábio dessas mulheres se

87
Se para Westermarck a aversão aos parentes mais próximos era algo inato, para Freud o contrário seria
verdadeiro, crianças tem atração sexual inata por seus pais, sendo educados para evitar tal tipo de relação.
139
projetasse 5 cm além da ponta do nariz. Quando perguntaram ao Chefe o porquê das mulheres
usarem tal adereço:

“Evidentemente surpreso ante aquela pergunta tão idiota, ele respondeu: ‘Para
ficarem bonitas! Que fariam elas se não fosse isso? Os homens têm duas barbas; elas
não.Que tipo de pessoas seriam elas se não fosse o pelelé [nome do referido
adereço]? Imagine a pobrezinha com uma boca igual à do homem, mas sem barba
alguma para enfeitá-la’. ” (DARWIN, 2004 [1871], p. 507).

Devemos concluir que estes casos de repugnância sejam suficientes para concluir
que sejam inatos? Acredito que não. E no caso específico do homossexualismo, a
sociobiologia tem uma explicação para sua existência. Sendo a resposta “não”, então a
conclusão de Wilson já não é tão razoável.
A formulação de Wilson e Lusmden da coevolução foi tida por muitos como
confusa e pouco instrutiva88. O sociobiólogo Maynard Smith, mesmo após trocar diversas
cartas com Lumsden para tentar entender o argumento, teria chegado à conclusão de que:

“Our conclusion, then, is that little that is no self-evident emerges from the models,
and that the results which LW [Lumsden e Wilson] regard as important... do not
depend on the cultural components of the model...the models in LW do not much to
illuminate the interaction [entre cultura e genes].” (MAYNARD SMITH e
WARREN, 1982, p. 625 apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 164).

Maynard Smith pontuou ainda que os motivos para eliminar Lévi-Strauss, Piaget e
Chomsky do debate utilizados por Wilson e Lumsden como extremamente suspeitos; seria por
que seus modelos não eram baseados empiricamente, mas, destaca ele, se isto é verdade,
então isto desqualifica também quase todo o trabalho de Lumsden e Wilson (ibid). Kitcher,
seguindo Lewontin, diz que não haveria genes no trabalho deles, pois a tradução genes em
cultura seria independente das bases genéticas conhecidas, e os autores não oferecem
informação nova sobre a genética. Também não haveria nem mentes nem cultura (causas
próximas), uma vez que o comportamento humano não seria determinado por crenças e
culturas. E conclui sarcasticamente: “So indeed there are no genes, no mind, no culture. But
there are lots of equations” (KITCHER, 1987, p. 394).
Mas que instituições sociais afinal de contas seriam proibidas pela sociobiologia?
É difícil entender quais são afinal os limites para a variação cultural de tais explicações.
Haveria aversão natural ao incesto, mas pode haver, em casos específicos, tais ocorrências.

88
Ver Kitcher (1987), cap. 10; e para diversas opiniões (ver SEGERSTRÅLE, 2000, cap. 8).
140
Haveria o amor parental, mas também seria possível haver casos de infanticídio, Apesar de
biologicamente existirem certas predisposições, podemos encontrar comportamentos opostos
ao supostamente prescrito pela genética.. Contra a acusação de que as formulações
sociobiológicas fossem irrefutáveis, Wilson dizia que se havia reversão no incesto irmão-
irmã, então a teoria seria testável (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 161), mas, no entanto, os casos
de reversão são explicados por Wilson citando o trabalho de Dickemann, que vimos no
capítulo anterior. Há casos de incesto irmão-irmão onde há poligamia por parte do homem,
então também esta instituição não seria “proibida” pela teoria.

3.6.2. Papéis de gênero

Mas não só os adeptos do programa de coevolução gene-cultura de Wilson e


Lumsden defenderam que a sociobiologia poderia estabelecer os limites da variação sócio-
cultural. O sociólogo sociobiólogo Tom Acaro defende que a democracia não seria natural,
uma vez que no ambiente onde o homem evoluiu os grupos eram formados por 50 a 150
pessoas, e neste caso seria possível estabelecer obrigações recíprocas, mas não no caso de
grupos muito maiores como os habitantes de cidades: “A good deal of research in
sociobiology indicates that humans have been built by evolution to prefer authoritarian forms
of government—that is parent-like leadership as opposed to a democratic form of
government” e conclui “This reality has direct implications for current political movement by
our own government, where we seem to ethnocentrically assume that democracy is the
preferred system of political organization. We need to examine the premise that democracy is
the best system for all and in fact even a natural system” (ACARO, 2002).
Mas os estudos mais freqüentes da sociobiologia versam sobre as diferenças de
gênero. Alguns dizem sobre a impossibilidade da inversão total de papéis de gênero,
afirmando que homens nunca serão tão bons na limpeza quanto mulheres, e mulheres nunca
serão tão boas em áreas “tipicamente masculinas” como política, economia, ciência,
matemática, engenharia, etc. Wilson dizia que “Ainda que recebam educação idêntica e
tenham oportunidades iguais de acesso a todas as profissões, os homens provavelmente
continuarão desempenhando um papel desproporcional na vida política, empresarial e
científica” (apud GOULD, 1992, p. 257). Kitcher diz que Van den Berghe defendeu idéias
muito semelhantes (1987, p. 5-6). Ridley destaca tanto nos kibbutzim quanto nos países
escandinavos, onde há uma forte ênfase na igualdade de gêneros, que tal divisão de papéis,
141
ainda que abrandada, ainda continua a existir (RIDLEY, 1993, p. 260) e no caso dos
kibbutzim, onde mesmo um ambiente onde as diferenças de gênero haviam sido banidas na
criação das crianças, todas sendo criadas igualmente, rapidamente a antiga divisão sexual do
trabalho voltou. A Psicologia Evolucionista e a Sociobiologia não nos dizem que mulheres
sejam inferiores, mas somente que sejam inatamente diferentes, tendo algumas capacidades
mais desenvolvidas do que os homens bem como homens teriam capacidades mais
desenvolvidas do que as mulheres. Homens são de Marte e mulheres são de Vênus. Para dar
suporte a esta idéia que diferenças entre os sexos são inatas por vezes destacam um estudo
feito com macacos vervet onde os macacos macho teriam tido preferência por carrinhos, ao
passo que as fêmeas passaram mais tempo com bonecas, e ambos passado o mesmo tempo
com livros. Também se utilizam de mapeamento cerebral para afirmar que “cérebro unissex
não existe”.
No entanto, mesmo dentro das ciências naturais tais estudos são muito
controversos, e podemos encontrar tanto defensores de que hajam grandes diferenças como
defensores de que algumas diferenças até existem, mas são irrisórias frente às influências do
ambiente (ver Von BEDROW, 2007). Obviamente, o fato de haver controvérsia não indica
que a Psicologia Evolucionista esteja errada, mas indica mais uma vez que não é tão simples
seguir as ciências naturais: há posições das mais diversas.
As mais diferentes teorias, com os mais diferentes fundamentos biológicos
tentaram em certa medida provar que a igualdade entre os sexos é uma utopia por ir contra a
natureza-humana. Gustave Le Bonn (o mesmo que foi elogiado por Durkheim, como vimos
no capítulo 2.5) dizia que sem dúvida existiam mulheres que superam o homem médio, “mas
elas são tão raras quanto gorilas de duas cabeças” (apud Von BEDROW, 2007, p. 142). A
idéia de que mulheres sejam inatamente acanhada sexualmente, enquanto o homem seria mais
promíscuo foi proposto pelas mais diferentes teorias. William James já o dizia há cerca de um
século atrás (KITCHER, 1987, p. 196). Leonel Tiger teria dito que mulheres são incapazes de
formar grupos políticos solidários, por serem maliciosas e por lhes preocupar o que os
homens pensam delas. Hoje tais perspectivas são consideradas bastante antiquadas e
consideradas por alguns como pouco científicas, mas, em sua época, muitos as consideravam
como muito bem fundamentadas.
Nosso cérebro é capaz de coisas fabulosas e impensadas para as quais não foi
moldado. Podemos ler, usar computadores, jogar xadrez, etc. Talvez o caso mais interessante
seja o uso de sonar por humanos. Certamente nossa mente não foi moldada no Pleistoceno
para nos orientar através de sonar. Não foi moldada, mas é possível. Uma técnica
142
desenvolvida recentemente por Daniel Kish chamada de “ecolocalização”- através de
estalidos feitos com a língua no céu da boca e reverberados nos objetos – permite que cegos
consigam se orientar espacialmente muito bem, chegando até a jogar basquete (acertando as
cestas), andar de patins desviando de objetos (sem cair, pelo menos não tão facilmente), e
identificar até mesmo o tipo de material de que são feitos certos objetos89. Ou a psicologia
evolucionista assume tais casos como refutações à idéia de que a mente só faz aquilo para o
qual foi “designed for”, o que é pouquíssimo provável, ou então tenta explicá-los como
subprodutos da evolução, o que já foi feito em outros casos. Enquanto sociobiólogos mais
tradicionais tentavam explicar a xenofobia e o racismo como adaptações, Cosmides o explica
como subproduto da evolução, isto é, nossa mente não foi moldada para sermos racistas, uma
vez que grupos humanos não viajavam tão longe a ponto de terem contato com povos muito
diferentes. Ao explicarem o racismo e a xenofobia, bem como capacidade de ler, como
subprodutos da evolução admite-se que nossa mente seja capaz de fazer pelo menos algumas
coisas para o qual não foi moldada. Ao explicá-los ficamos novamente inseguros quanto à sua
capacidade de proibir feitos para a mente humana e conseqüentemente proibir variações
culturais e instituições sociais.
Soma-se a isto a insegurança quanto à real capacidade preditiva da sociobiologia,
como vimos nos exemplos anteriores. Como destacou Robert Richardson (2007, p. 143) em
um outro exemplo, para a Sociobiologia, homens procurariam mulheres mais novas, por que
estas seriam mais férteis. Mas se o caso fosse o oposto, a teoria sociobiológica também
poderia “prever” este evento: homens prefeririam mulheres mais velhas, porque mulheres
mais velhas seriam casos confirmados de mulheres não-estéreis, e, portanto, aptas a gerar
proles, enquanto engajar em um matrimônio com mulheres novas envolveria o risco de
manter compromissos (pressupondo monogamia) com alguém que não saberíamos se seria
estéril ou não. Este ponto não é novo, críticos da sociobiologia já destacaram esta mesma
deficiência ao dizer que sociobiologia fazia just-so-stories 90.
A igualdade entre os sexos como valor a ser seguido é coisa recente e tem se
ampliado cada vez mais. Talvez seja um pouco prematuro decretar que tais papéis sejam
irreversíveis. Ainda que aceitássemos que existem diferenças congênitas entre homens e
mulheres, isto não implica que tais diferenças serão expressas. Organismos são resultado da

89
Para mais informações ver http://www.worldaccessfortheblind.org/
90
Gould e Lewontin (1979) destacavam em sua crítica ao programa adaptacionista, ou programa panglossiano
em biologia, do qual a sociobiologia faria parte, que “Often, evolutionists use consistency with natural selection
as the sole criterion and consider their work done when they concoct a plausible story” (p. 587).
143
interação entre o genótipo e o meio ambiente, e seres humanos ainda não experimentaram
todos os ambientes possíveis. Se seres humanos estiverem vivos no ano 2.500, ninguém
duvidaria que o ambiente social seria bem diferente, e o ambiente futuro, que ao que tudo
indica, dá cada vez mais espaço às mulheres – não podemos estar certos de que mulheres em
interação com o ambiente ainda não experimentado por nós, venham a ter capacidades
mentais que muitos hoje acreditam ser exclusivas dos homens, bem como homens poderão
realizar tarefas que alguns tomam como tipicamente femininas. Segundo a Psicologia
Evolucionista, temos preferências inatas por carne, alimentos gordurosos e doces, mas
encontramos vegetarianos. Apesar de termos preferências inscritas na natureza humana,
encontramos comportamentos que vão contra a natureza humana (tal como descrita pela
sociobiologia), como ateus, comunistas, vegetarianos, pessoas que se abstêm de terem filhos,
pessoas que se abstêm de comer doces e que gostam de arte moderna e pós-moderna.
Assim, na medida em que ambientes futuros serão diferentes dos atuais,
principalmente quanto à questão do que é socialmente desejável e aceito quanto aos papéis de
gênero, e na medida em que nossa mente é capaz de realizar atividades para as quais não foi
moldada pela seleção natural, não parece, portanto, que a sociobiologia seja capaz de dizer
quais os limites para os papéis de gênero. Um outro caso em que sociobiólogos afirmam que a
sociobiologia poderia proibir a existência seja da possibilidade do comunismo.

3.6.3.Comunismo e estratificação social

Provavelmente o melhor exemplo da imposição de limites seria o caso da


possibilidade do comunismo. A sociobiologia mostraria que o comunismo seria impossível.
Sociobiólogos tem apreço em refutar o comunismo via biologia. Wilson, Pinker, Freeman e
Sanderson se lançaram em tal empreitada. Refutar o comunismo tem um gosto especial para
Sociobiólogos uma vez que seus principais adversários dentro da biologia, como Stephen Jay
Gould e Richard Lewontin se diziam abertamente comunistas. Tais autores defendiam uma
“biologia dialética”, e diziam que “We share a commitment to the prospect of the creation of a
more socially just – a socialist – society” (LEWONTIN; ROSE e KAMIN, 1984, p. ix).

144
Refutar o comunismo seria um modo de puxar o tapete desses críticos e de alguns, ou muitos,
ou todos os cientistas sociais91.
Afirmam sociobiólogos: Não se pode ir contra a Natureza Humana, e o
Comunismo com sua idéia de banimento de classes sociais iria contra a Natureza Humana
biologicamente dada, ou ainda, seria impossível por se apoiar num altruísmo irrestrito. Wilson
dizia que “Marx estava certo, apenas nasceu no planeta errado”, ou “Wonderful Theory,
Wrong Species” e o culto à Lênin e ao partido comunista seriam fenômenos meramente
religiosos (WILSON, 1978, p. 184). Neste sentido, dizia ele:

A oposição mais forte ao estudo científico da natureza humana [sociobiologia]


partiu de um pequeno número de biólogos e antropólogos marxistas que estão presos
à convicção de que o comportamento humano surge a partir de uns poucos impulsos
não estruturados... que possa ser facilmente canalizado para os propósitos do estado
socialista revolucionário... Embora o marxismo tenha sido formulado como o
inimigo da ignorância e da superstição, na medida em que se tornou dogmático ele
tem vacilado nesse compromisso e está agora mortalmente ameaçadas pelas
descobertas da Sociobiologia humana. (WILSON, 1978, p. 190-191, itálicos
adicionados).

Assim, os adversários da Sociobilogia teriam “fear of facts” para Wilson, pois se


aceitassem os “fatos”, então abandonariam o marxismo. Freeman vai pelo mesmo caminho,
dizendo que o comunismo “had to fail, I would suppose, because of, among other things, the
false assumption about human nature on which it was based” (FREEMAN, 2001, p. 42)92.
Pinker, assim como Wilson, dizia que Marx, junto à toda tradição das Ciências sociais, estaria
errado por defender a idéia da Tabula Rasa. “Os que acreditam que o comunismo ou
socialismo é a forma mais racional de organização social horrorizam-se com a afirmação de
que ambos são contrários às nossas naturezas egoístas” (PINKER, 2004, p. 226).
Não pretendo aqui discutir sobre a possibilidade ou impossibilidade do
comunismo per se, mas sim questionar sua suposta refutação do comunismo via biologia feita
pela sociobiologia. Argumentarei que a recorrência à biologia não ajuda a avançar nesta
questão. Ao final, tento mostrar uma refutação ao comunismo, mais eficiente, dentre outras
coisas, por não se apoiar em teorias biológicas como fatores explicativos.

91
Ou talvez de todos os cientistas sociais. Waizbort (2009) dá a entender que todos os cientistas sociais são
comunistas ao dizer que para a sociologia, seria possível extinguir o conflito da vida cotidiana.
92
Freeman, no entanto, não desenvolve o argumento, ficando só nesta afirmação.
145
Comunismo como Estado de exceção

A Sociobiologia não é determinista biológica, porque biologia não é destino.


Sociobiólogos afirmam que podemos aprender a ir contra nossos genes egoístas:

“Tentemos ensinar generosidade e altruísmo, porque nascemos egoístas.


Compreendamos o que nossos próprios genes egoístas tramam, porque assim, pelo
menos, poderemos ter chance de frustrar seus intentos, uma coisa que nenhuma
outra espécie jamais aspirou fazer.” (DAWKINS, p. 23, itálicos no original).

E Pinker nos diz que “Embora os cientistas cognitivos não tenham chegado a um
consenso sobre uma anatomia da mente... apresento abaixo uma lista provisória, mas
defensável, de faculdades cognitivas e das instituições centrais nas quais se baseiam”
(PINKER, 2004, p. 303). E nos diz que temos noções intuitivas de: física, biologia,
engenharia, psicologia, senso espacial, senso numérico, senso de probabilidade, economia
intuitiva, lógica, banco de dados mentais e linguagem; e nos alerta que não poderíamos
aprender nada, sem antes desaprender tais noções intuitivas. Por exemplo, “o medo dos
alimentos geneticamente modificados... é simplesmente a intuição humana típica [intuição
biológica] de que todo ser vivo tem uma essência” (ibid). Sobre a violência dizia Wilson:

“Nossos cérebros parecem estar programados da seguinte maneira: estamos


inclinados a classificar as outras pessoas em amigos e estranhos e a resolver
conflitos pela agressão... [Mas] [a]s regras de aprendizagem de agressão violenta
estão, em grande parte, obsoletas. Não somos mais os caçadores-coletores que
decidem disputas com lanças, flechas e machados de pedra.... Para proporcionar um
alicerce mais durável para a paz, podem ser promovidos laços políticos e culturais
que criem confusão de lealdades entrecruzadas.” (WILSON, 1981, p. 119-120).

Estamos adaptados a viver em pequenos grupos, onde nossos agrupamentos


sociais íntimos reúnem entre dez e cem adultos, e no entanto, conseguimos vivem em
metrópoles. Podemos aprender quais são as diferenças inatas entre homens e mulheres, não
para aceitá-las tal como são, mas sim para assim podermos mudá-las. Devemos aprender o
que nossos genes tramam. Biologia não é destino e Sociobiologia não é determinista, uma vez
que aceita a intervenção de fatores ambientais como educação, economia, cultura, etc. Fomos
moldados para praticar “nepotismo” devido à seleção de parentes, mas podemos ir contra esta
lógica ao praticarmos altruísmo recíproco, ou reciprocidade indireta, ou reciprocidade
generalizada.

146
Mas quando se trata de comunismo, não. No caso do comunismo, para os
sociobiólogos, biologia é sim destino. A possibilidade do comunismo seria o Estado de
Exceção. Wilson, Freeman e Pinker mencionam que comunismo seria impossível por ir contra
a Natureza Humana. Mas os detalhes do argumento não aparecem nestes autores. Sanderson
parece ter sido o que desenvolveu um pouco melhor a questão.
Sanderson, dentro da discussão sobre estratificação social, procurou explicar
porque o comunismo não deu certo na URSS, e utilizou como fator explicativo a “existence of
natural status desire” ou “a natural human hunger for prestige”, que teria surgido
evolutivamente por ser “essential for mating and thus promotion of an individual’s
reproductive success”, mas nos alerta que “it should not be assumed in the human case that
people seek status and resources only to reproduce. At the proximate level of human
experience, humans seek status and privilege for their own sake” (ibid, p. 447). Assim, tal
“desejo natural por status” teria impedido o surgimento de uma sociedade sem classes tal
como pretendido pelos comunistas, e conclui que o surgimento de classes, bem como o rápido
aparecimento de novas classes logo após o declínio da URSS “strongly suggest that biological
realities were at work under the surface and behind the scenes, realities that would make a
mockery of public declarations.” (SANDERSON, 2001a, p. 451).

Comunismo embasado Sociobiologicamente

Entretanto, podemos imaginar que o Comunismo seria compatível com a natureza


humana, tal como defendida pela sociobiologia. Apesar de termos “natural status desire”,
temos também noções inatas de justiça, um módulo “cheat detector”, e sentimento de culpa
moldado pela seleção natural 93. Assim, os trabalhadores e empregados poderiam perceber que
os produtos da fábrica, indústria, empresa onde trabalham são frutos do trabalho de todos, mas
a propriedade destes é de somente alguns poucos. O lucro é apropriado por alguns poucos de
forma injusta, uma vez que todos contribuíram para a produção, mas só poucos são seus
proprietários.
Se “natural status desire” explica o surgimento de uma sociedade de classes na
URSS, “the most powerful class known to history” (p. 451) – sociedade que havia sido

93
“...evolution has equipped humans with a sense of guilt associated with defection, to prevent them from
defecting on others and suffering the consequences... Most of us do not defect on others because doing so makes
us feel guilty.” (KANAZAWA, 2001, p. 1154).
147
inicialmente planejada para ser uma sociedade de classes, bem como seu surgimento após o
declínio da URSS – porque não observamos forte desigualdade em sociedades primitivas, tal
como no que alguns chamam de comunismo primitivo? O próprio Sanderson explica, não
usando impulsos universais, mas fatores particulares:
“where societies are small, simple in scale, technologically rudimentary, and
incapable of producing economic surpluses, hierarchies are minimally developed
because there is no real wealth that can be contested, and thus no basis for the
formation of classes.” (SANDERSON, 2001a, p. 448, itálicos adicionados).

E acrescenta mais à frente, que “critical to this process [de inequalidade] seem to
be changes in political relations that allow some people to be in a position to compel others to
produce the economic surpluses” e menciona um estudo que “found that the vast majority
who stored food had genuine class stratification” (p.449). Ou seja, os elementos explicativos
são eventos não biológicos. Quando vivíamos no Pleistoceno como caçadores e coletores em
pequenos bandos, não havia apropriação da produção, uma vez que não havia excedente
produtivo a ser apropriado por uma só pessoa, como Sanderson admitiu. Ainda nos bandos do
Pleistoceno, haveria cooperação e altruísmo recíproco nos produtos da caça, pesca e coleta. A
propriedade era coletiva. O comunismo seria então o modo de vida “natural” com o qual
evoluímos, e, portanto, estaríamos adaptados a viver, e não no modo de vida onde uma única
pessoa, ou um pequeníssimo grupo se torna “o proprietário” dos meios e dos produtos da
produção. Estaríamos adaptados a viver numa sociedade sem classes. Além disto, poderia
argumentar que a própria noção de propriedade privada não seria “natural”. Para usar um
termo da sociobiologia, o comunismo seria o modo de vida do ambiente ancestral onde o
homem evoluiu. Podemos usar Barkow em apoio a esta interpretação do comunismo como
“estado natural”, afinal:

“In bands, all individuals have approximately equal access to resources and usually
share an ideology of egalitarianism. This is not to say that bands or any other
societies are unequivocally egalitarian-gender inequality as well as other forms of
inequity may certainly exist.” (BARKOW, 1992, p. 631-2).

Acredito que Marx estaria de acordo com tal noção de igualitarismo, uma vez que
dizia em A Ideologia Alemã que havia que no comunismo primitivo uma “divisão natural do
trabalho na família”. Se temos impulsos naturais para buscar status, compartilhados com
nossos parentes primatas, a estratificação em si mesma não seria natural, uma vez que:

“Note that social stratification itself, as a group-level phenomenon generated by the


social interaction of individuals over historical time could not have been directly
148
selected for. The psychological traits that enable individuals to generate
stratification, however, presumably are products of natural selection.” (ibid)
(BARKOW, 1992, p. 632).

Barkow dá suporte à idéia de que a estratificação social não é algo natural


(desconheço sua opinião quanto ao comunismo). Estratificação social seria um fator
“biological unanticipated” (ibid, p. 628), decorrente da interação de aspectos psicológicos
moldados no Pleistoceno em interação com fatores ambientais, onde três traços o tornaram
possível, persecução do mais alto ranque social; nepotismo e capacidade para troca social.
Trabalhadores poderiam perceber então que a propriedade privada seria algo
injusto – não somente por que perceberiam que a propriedade privada não é nada “natural” e
dada, mas também porque perceberiam que estavam sendo explorados (graças ao cheat
detector) – e poderiam então mudar as regras de organização do trabalho, baseando-se no
altruísmo recíproco, na reciprocidade indireta ou na troca generalizada, criando assim um
modo de produção mais justo. E ainda que supuséssemos alguma noção inata de propriedade,
ainda assim o comunismo seria possível, pois como diziam Marx e Engels no Manifesto do
Partido Comunista,

“[Nós comunistas] não queremos, de modo algum, abolir essa apropriação pessoal
dos produtos do trabalho, indispensável para a manutenção e a reprodução da vida
humana, pois esta apropriação não deixa nenhum saldo que lhe confira poder sobre o
trabalho alheio... O comunismo não retira de ninguém o poder de apropriar-se de
produtos sociais; apenas suprime o poder de, através dessa apropriação, subjugar
trabalho alheio.” (MARX e ENGELS, [1984] p. 22,23).

Podemos pensar que o Comunismo futuro seria uma sociedade tal qual o
comunismo primitivo, porém com os conhecimentos técnicos e de produção avançados que
proporcionariam um modo de vida muito mais confortável e melhor que o comunismo
primitivo, por ter capacidade muito superior de gerar excedente de produção, coisa aprendida
com o capitalismo. Isto tornaria possível trabalhar de manhã, pescar à tarde e ir ao teatro à
noite. Não precisamos para isto pressupor altruísmo desmedido e irrestrito como única base
para o comunismo, como criticado pela sociobiologia.
E agora a transição socialismo ao comunismo. Uma vez o Estado garantindo a
distribuição justa de recursos, poderia deixar de existir graças ao “generalized exchange”
mantido graças ao “assurance”(algo como “garantia”). Este recurso foi utilizado por
Kanazawa, para explicar como pessoas podem ajudar outras desconhecidas com as quais
provavelmente nunca mais terão contato, “Helping a stranded driver on a mountain road is an

149
example of generalized exchange” (KANAZAWA, 2001, p. 1146). Na “garantia” (assurance)
“reciprocal altruism interacts with the institutional environment (the degree of assurance) to
produce the norms of generalized exchange, which prescribe cooperation with fellow group
members.” e:

“Unlike trustworthiness, assurance is not a quality of individuals, but of social


institutions. When the institutional environment provides assurance, actors can
contribute to the system of generalized exchange, secure in the knowledge that she
will receive resources from others in the future.” (KANAZAWA, 2001, p. 1147).

Assim, dado um ambiente onde se espera que todos cooperem, é de se esperar que
o melhor a fazer é também cooperar. Tal recurso ao “generalized exchange”, nos assegura
Kanazawa, seria um caso de “evoked Culture” de Cosmides e Tooby. Assim, podemos
esperar que uma vez que o Estado tenha garantido a distribuição justa de recursos (ambiente
onde todos cooperam), podemos esperar que tal comportamento sendo a regra, continue sendo
a regra, mesmo na ausência do Estado.
Este foi meu breve esboço do comunismo embasado sociobiologicamente, tão
breve quanto as tentativas de refutá-lo sociobiologicamente. No entanto, ao contrário do que
pode parecer, minha intenção aqui não é de forma alguma defender que o comunismo e não o
capitalismo seria o modo de vida mais afim com nossa natureza humana. Quero destacar aqui
um ponto bem diferente: que basta um pouco de criatividade, e uma lista de universais ampla
como a apresentada pela sociobiologia, que podemos comprovar ou refutar qualquer coisa
com base na biologia: Se minha construção é legítima, então podemos tanto refutar o
comunismo como confirmar sua possibilidade.
Como vimos, os elementos explicativos são eventos não inatos, não universais,
como a existência de estocagem de excedente. Isto é, o que explica a presença do evento
“estratificação” em determinado momento são fatores contingentes. Se aceitarmos a
existência de “natural status desire” e quisermos saber por que “o natural status desire”, ou a
xenofobia natural do homem se manifesta de formas tão diferentes, muitas vezes opostas,
então os fatores “locais” é que passam a ser decisivos, e não os universais. Pode-se utilizar no
argumento algum desejo por status, mas a pressuposição de que este seria inato, ainda que
verdadeiro, é totalmente dispensável. Podemos explicar o evento sem recorrer a ele, melhor
então não entrar no mérito da questão. Seria interessante se a sociobiologia realmente
proibisse alguma instituição social, mas o comunismo não parece ser o caso.

150
Uma refutação não sociobiológica do comunismo

Como disse anteriormente, não pretendo discutir a possibilidade do Comunismo.


Não precisamos recorrer de forma alguma à “predisposições inatas por status” para explicar,
por exemplo, o porquê do comunismo – entendido como uma sociedade sem classes – não ter
dado certo. O sociólogo Max Weber, por exemplo, dizia em 1919 – dois anos, portanto, após
a Revolução Russa – que seria impossível uma sociedade comunista, não com base em
qualquer impulso biológico, mas por que a forma de organização de uma “sociedade sem
classes” seria incompatível com a forma de organização burocrática, exigida em todas as
instituições pelo mundo moderno. Resumidamente, o argumento diz que a organização
burocrática seria a forma de organização mais eficaz ao justamente separar trabalhadores dos
seus meios de produção, seja na economia, seja na academia, seja no exército. Uma
organização burocrática, com papéis e hierarquias muito bem definidas e um regime
disciplinar rígido era condição imprescindível para a manutenção de um Estado-Nação,
principalmente em tempos de guerra, situação onde exige-se eficiência bélica acima de tudo, e
por conseqüência, eficiência em todas as outras esferas que lhes dão suporte. Estando em um
Estado sem classes e em guerra, como convencer alguém a ir para o front de batalha
certamente para morrer, enquanto outros ficariam seguros organizando a situação? Enquanto
houver necessidades de pessoas trabalharem em minas e exércitos, o socialismo não poderia
existir, dizia Weber. Para resumir o argumento de Weber em uma frase, os meios para atingir
o fim “sociedade sem classes” era justamente o oposto dos meios para o fim “manter um
Estado-Nação forte” e por isto, deveria se escolher entre um ou outro, mas escolher ambos
seria impossível. Tudo dizia que a opção escolhida foi a de manter um Estado-Nação.
Aqui, na explicação para o surgimento de classes não foi preciso evocar instintos,
nem predisposições inatas. Não por negar sua existência, mas sim por serem desnecessários
na explicação. Aqui, mais uma vez, introduzir impulsos moldados por seleção natural seria
meramente idle darwinization.
Concluindo: Explicações que partem de predisposições inatas, ao tentar explicar
eventos históricos específicos, tem de recorrer à fatores contingentes como crenças, valores,
motivações, aspirações. Mas o contrário não é verdadeiro. Explicações que partem de
crenças, valores, motivações, etc. não têm de recorrer às “motivações profundas”.
Supondo ser desejável que alguma ciência informe às ciências sociais quais os
limites do ser humano, e supondo que minha reconstrução do comunismo embasado

151
sóciobiologicamente for aceitável, assim como os exemplos de estudos de casos anteriores
tenham mostrado a grande plausibilidade de que podemos chegar à quaisquer instituições
sociais com base na sociobiologia e mais alguns outros pressupostos, então, podemos
desconfiar que não é a sociobiologia quem fornecerá tais limites às ciências sociais. Como
disse Kitcher, se a questão é saber os limites, então talvez fosse melhor atentarmos para a
genética, e não à evolução (KITCHER, 1987, p. 33). Não estou dizendo que não haja limites
para a variação cultural, mas sim que tal limite é propagandeado pela sociobiologia, mas
raramente nos é dado as especificações de tais limites, e quando o é feito, como no caso do
comunismo, podemos levantar sérias dúvidas.

3.7. 7ª via: Analogia

Ao se falar em analogia com a Biologia, cientistas sociais provavelmente logo


pensam em “organicismo” e seu debate sobre o uso de analogias biológicas na sociologia,
entendendo “sociedade como organismo” e evolução social darwinista e/ou lamarckista. No
organicismo, o impacto da biologia foi evidente. Os organicistas acreditavam que os
princípios que uniam Sociologia e Biologia eram os princípios de diferenciação e
organização. Aceitavam além da teoria da evolução darwiniana a idéia de herança de
caracteres adquiridos e a lei biogenética (teoria da recapitulação)94 (BARBERIS, 2003).
Como vimos anteriormente, autores como René Worms, o criador do Instituto Internacional
de Sociologia na França, e Albert Schäffle, foram explícitos em seus escritos sobre as
influências lamarckista e darwinista. Mas o organicismo foi posteriormente rejeitado, não por
ser errado, dizem alguns, mas por ser estéril. Barnes disse na época “we now regard these
attempts as sterile” (p. 122) e o durkheimiano Bouglé dizia que o Organicismo “could offer
only vague formulas, and should be relegated to the museum of the history of the sciences,
placed ‘between the useless hypotheses and the dangerous metaphors’” (BOUGLÉ, 1900, p.
337 apud BARBERIS, 2003, p.64).
Saltando para o presente, Dawkins em seu livro “O Gene Egoísta” (2001 [1976])
defendia que seria possível fazer uma analogia entre transmissão cultural e transmissão

94
A teoria da recapitulação dizia que poderíamos ver através do desenvolvimento embrionário, as sucessivas
etapas evolutivas pelas quais a espécie passou: “A Ontogenia recapitula a filogenia”. Espinas, um organicista,
acreditava que poderíamos ver diferentes formas sociais encaixotadas uma na outra: indivíduo na família, a
família na tribo ou no clã, o clã na cidade, a cidade na nação, a nação na união de estados (BARBERIS, 2003, p.
58).
152
genética. Se em biologia temos “genes”, ao estudar a cultura teríamos como unidade básica,
os “memes” segundo Dawkins, ou “culturgenes” segundo E.O.Wilson, variant segundo
Lopreato, ou ainda sociogene, culturtype, mnemotype, idene. Mas o termo mais famoso dessa
família é o “meme”. “Exemplos de memes são melodias, idéias, ‘slogans’, modas de
vestuário, maneiras de fazer potes ou construir arcos” (DAWKINS, 1976, p. 214). Mais
recentemente autores como W.G.Runciman, um dos principais comentadores de Weber, vêm
defendendo a memética de Richard Dawkins, defendo a frutividade da analogia de processos
sociais com processos evolutivos biológicos95. Runciman acredita que deveríamos pensar não
em “afinidades eletivas”, mas “afinidades seletivas” (2005).
Mas a memética não é uma legítima “sociobiologização” das ciências sociais uma
vez que:
1) não se tenta explicar instituições sociais com base na biologia inata e suas
predisposições, instintos ou comportamentos voltados para a aptidão inclusiva ou cérebro
moldado no pleistoceno, e;
2) defende a autonomia de processos sociais em relação à biologia. Por exemplo,
a difusão do meme “Deus” seria explicada assim

“[o meme “Deus”] resulta de sua grande atração psicológica. Ele fornece uma
resposta superficialmente plausível para as questões profundas e perturbadoras a
respeito da existência. Ele sugere que as injustiças neste mundo talvez possam ser
corrigidas num próximo... Alguns de meus colegas sugeriram que esta descrição do
valor de sobrevivência do meme para deus não resolve o problema. Em última
análise eles querem sempre retornar à ‘vantagem biológica’. Para eles não basta
dizer que a idéia de um deus possui ‘grande atratividade psicológica’.” (DAWKINS,
2001 [1976], p. 215).

Para Dawkins, ao contrário de outros sociobiólogos, poderíamos parar nas


vantagens psicológicas, não precisando saber se conferem vantagem biológica.
O principal a se notar é que analogia por si só é incapaz de transferir a
“cientificidade” de sua origem ao destino, cabendo ao campo destino decidir se, e até que
ponto seria frutífero o uso de tais analogias. Vale lembrar que a Teoria dos Jogos, uma das
pedras angulares da Sociobiologia, é originária das Ciências Sociais, e diversos conceitos e

95
Ver por exemplo Runciman (2001), onde propunha que “Weber needed to demonstrate not that the
Reformation helped to create, in what turned out to be the Protestant parts of Europe, a political and economic
environment more favourable to the replication and diffusion of ‘modern’ capitalist practices than the political
and economic environment of Catholic Europe, but that the replication and diffusion of those practices came
about because, and only because, their carriers were also the carriers of ‘predestinarian’ and ‘secular inquiry’
memes but for which they would have continued to conduct their businesses in the traditional ‘pre-modern’
way.” (RUNCIMAN, 2001, p. 24).
153
analogias migraram das ciências sociais para a biologia, como idéias econômicas como
“investimento”, “optimalidade” e “maximização”, ou a “lei da Sociogênese” de Vygotsky
usada posteriormente por Wilson para explicar processos em insetos sociais. O caso mais
interessante é o da assumida inspiração que Darwin teve de Thomas Malthus na idéia de
reprodução diferencial, ou como ficou conhecida mais popularmente, “luta pela existência”.
Não pretendo discutir aqui a frutividade da analogia da evolução em processos e
fenômenos sociais e culturais, uma vez que nosso objetivo é discutir como teorias
sociobiológicas com suas predisposições e instintos inatos poderiam revolucionar ou auxiliar
teorias das ciências sociais. A via pela analogia não seria, portanto, uma via de fato para a
sociobiologização das ciências sociais. A discussão da frutividade da analogia da evolução
biológica com a evolução social é longa demais e envolveu grande número dos mais
importantes cientistas sociais. Como defensores da analogia, como já dissemos, tivemos, por
exemplo, Sahlins e Service em Evolution and Culture, Margareth Mead (1999[1964]),
Parsons (1964, 1969), Luhmann (cap. 6 de El Derecho de la Sociedad), e Durkheim
(2008[1893]), e como críticas tivemos, por exemplo, Giddens (1984, cap. 5), Buckley (1967)
e Elster (1984 [1979]).
Acredito que se puder falar em algo próximo à “biologização” das ciências sociais
seria por essa via. Mas talvez o melhor fosse pensar em problemas compartilhados entre os
campos, e não em biologização, fundamentação biológica, redução, etc. Podemos discutir se a
seleção natural é a única lei das ciências sociais e da biologia como quer hoje Rosenberg
(2005), bem como perceber certas semelhanças e equivalências em problemas de ambas as
disciplinas, como Collins ressaltou entre o debate sobre o adaptacionismo em biologia seria
reminiscente do debate sobre o funcionalismo em sociologia (1983, p. 309). Poderíamos ainda
tentar entender porque esforços de síntese teórica são bem sucedidos em biologia, mas não em
sociologia (FREITAS e FIGUEIREDO, 2009).
Como ressaltou Gould, devemos ter em mente a diferença entre estruturas
análogas e homólogas. Resultados semelhantes não implicam necessariamente em causas
semelhantes. Funções “homólogas” são características semelhantes originadas de
ancestralidade genética comum, por exemplo, a mão de humanos e mão de chimpanzés e
gorilas. Tais funções diferem das funções “análogas”: estruturas com funções comuns, mas
histórias evolutivas diferentes, como as asas do morcego, das aves e dos insetos. Esses
animais alados não descenderam todos de um mesmo ancestral que possuía asas, mas porque
enfrentavam o mesmo problema (obviamente este não era o único que enfrentavam) e devido
à sorte da variação chegaram a um resultado comum: ter asas. O mesmo poderia acontecer
154
com nossas capacidades cognitivas: porque temos certas organizações sociais em comum com
outros animais não implica que tenham origem e causas comuns; indica que compartilha-se de
um mesmo problema no qual foi dada solução semelhante.
Acredito que Weber resumiu bem o que está em jogo quando pensamos em
analogia entre diferentes campos.

“há tempos, não apenas categorias matemáticas... mas também categorias típicas da
biologia são familiares no procedimento da economia política. Qualquer especialista
na economia política vai admitir, e deve admitir, que os economistas devem estar em
contínuo contato e em intercâmbio frutífero com os resultados científicos de outras
disciplinas científicas. Mas depende inteiramente das nossas problemáticas, se, e em
que medida, este conceito e intercâmbio concretamente se dá no nosso setor, e cada
tentativa de decidir a priori sobre a questão de quais das teorias das outras
disciplinas deveriam ser fundamentais para a economia política é inútil, como
também qualquer “hierarquização.” (WEBER, 2001, p. 287).

3.8. 8ª via. Racionalidade sociobiológica inconsciente

A última via identificada aqui refere-se à via pela identificação da racionalidade


inconsciente moldada pela seleção natural. Teríamos certas predisposições inconscientes em
nossas ações que a sociobiologia teria identificado. A idéia da existência de uma
racionalidade não-consciente que seria o real causador da ação não é novidade da
sociobiologia: a psicanálise já o tentou, bem como Pareto e outros. Existiriam motivações
conscientes que guiariam a ação, mas também “motivações profundas” e inconscientes, e
estas últimas teriam grande predominância sobre a racionalidade consciente. A postulação
desta racionalidade inconsciente foi nomeada por Steve Fuller como “desafio da
sociobiologia”, e Randall Collins (1983, p. 315) dizia que poderia ser uma das contribuições
da sociobiologia para as ciências sociais.
Mas suponhamos que a sociobiologia tenha conseguido canibalizar as ciências
sociais, que tenha conseguido reduzi-las ou colocá-las em integração vertical com a biologia,
que tenha conseguido com base em seus princípios, explicar fenômenos sociais. O que esperar
disto? Antes de tratarmos deste assunto, uma breve digressão.
Um caso conhecido da história da psicanálise versa sobre uma suposta aula sobre
simbologia dos sonhos dada por Freud, onde este examinava o significado de vários objetos
que aparecessem no sonho. Se no sonho um sujeito empunhasse uma bengala, este
representaria um falo, o mesmo se aplicando à guarda-chuvas e objetos semelhantes. Se algo

155
no sonho tivesse de algum modo uma forma fálica, representaria o pênis e se tivesse forma de
cavidade ou orifício, representaria a vagina. Sonhar com algo como um trem passando por um
túnel representaria a cópula. Diz-se que em meio aos muitos exemplos que Freud expunha, e
em meio às muitas baforadas de seu prestimoso e indispensável charuto (Freud morreu com
câncer na boca) um aluno o interrompe e pergunta “Mas Freud, não seria também o charuto
um símbolo fálico?” ao que Freud teria retrucado “Não. Às vezes um charuto é só um
charuto”.
Tal caso – se verdadeiro ou não, pouco importa – ilustra um problema comum às
perspectivas teóricas que adotam motivações profundas como reais causas da ação: Por que o
observador estaria imune aos seus próprios princípios? Este é o que Boudon (2003) chamou
de “Problema da Falsa Consciência”, ou o que Popper chamou de “dupla personalidade
intelectual”, isto é, trata-se do problema de explicar a ação não pelos motivos conscientes dos
atores, mas por suas “motivações profundas”, e, contudo, excluindo o observador desta
mesma explicação, sem dar maiores explicações. Não se deve confundir, no entanto, o
problema da falsa consciência com o problema de se adotar crenças e teorias falsas, como por
exemplo, “cheguei atrasado à reunião por pensar que ela fosse às 10:00h e não às 09:30”.
Neste exemplo, a crença de que a reunião fosse às 10:00h, ainda que errada, é uma das causas
da ação de chegar atrasado; a crença tem efeito real. Muito diferente é a perspectiva que diz
que crenças, valores e motivações conscientes são “falsos”, não importa quais forem, sendo o
“motivo real” da ação as “motivações profundas” e “inconscientes”. Crenças seriam ou falsas,
ou meros epifenômenos destas motivações mais profundas.
Sociobiólogos afirmam que faltam às ciências humanas perceberem sua conexão
com o mundo animal e por isto, seu comportamento deve ser explicado pelos mesmos
princípios aplicados a outros animais. No entanto, sociobiólogos se esquecem de que eles
próprios também fazem parte da raça humana. Sociobiólogos tentam explicar o canibalismo
entre os astecas enquanto resposta adaptativa à falta de proteína na dieta deste povo e não
como decorrente de suas crenças e mitos, bem como explicar o infanticídio na China e Índia
como resposta adaptativa para melhor aptidão inclusiva, e não como decorrente de interesses
e crenças conscientes. Pinker defende que teríamos noção intuitiva de biologia, cuja intuição
central seria a de que os seres vivos contêm uma essência oculta que lhe dá sua forma (idéia
de alma) e que objetos semelhantes tem poderes semelhantes, e “[e]ssas crenças
essencialistas emergem bem cedo na infância, e em culturas tradicionais, elas dominam o
modo de pensar sobre plantas e animais” (PINKER, 2004, p. 317). Tal biologia intuitiva
explicaria a existência do Vodu. Também teríamos uma noção intuitiva de engenharia “[s]ua
156
intuição central é a de que um utensílio é um objeto com um propósito – um objeto para o
qual uma pessoa concebeu um objetivo” (PINKER, 2004, p. 304).
Mas, e quanto à ciência? A aplicação da sociobiologia à ciência não é algo de todo
inexistente, apesar de infreqüente. Freeman explica a resistência à aceitação de suas críticas à
Margareth Mead como decorrente de “our primitive limbic brain that ‘provides the feeling of
conviction and belief that we attach to our ideas whether they be true or false’” (FREEMAN,
2001, p. 51)96. Wilson afirma que o culto à Lênin e ao partido comunista seriam decorrentes
dos mesmos processos que explicam a religião (1981, p. 184) e Pinker diz que devido à essa
noção intuitiva de biologia “muitos biólogos originalmente rejeitaram a teoria da seleção
natural por acreditar que uma espécie era um tipo puro definido por uma essência” (p. 318).
Van den Berghe explica assim as falsas noções dos sociólogos:

“The universe is one, and the scientific mode of thinking is monistic, not dualistic.
Yet the human mind has a universal propensity to think in binary oppositions.
Sociologists are no exceptions, and unfortunately, they have applied their
Manichean dualism to a false antinomy between culture and nature, between genes
and environment, between man and other animals.” (Van den BERGHE, 1990, p.
178).

Entretanto, Wilson não nos explica por que o culto à Darwin seria uma exceção ao
caso propostos97, nem Freeman explica por que sua resistência a aceitar as teorias de Mead
também não seriam casos de “propensity to believe”, também Pinker não nos diz por que a
busca por uma natureza humana tal como empreendido pela sociobiologia não seria também
um caso de biologia intuitiva que busca “essências”, ou que engenharia reversa não seja um
caso de engenharia intuitiva de procurar propósito em tudo, e Van den Berghe não explica
porque esta propensão a ver falsas antinomias não faria também os sociobiólogos a verem
falsas oposições, como entre evolucionistas e não evolucionistas, cientistas e obscurantistas,
biofóbicos e sociobiólogos, pessoas-que-separam-o-ser-humano-do-resto-dos-animais e
pessoas-que-não-separam-o-ser-humano-do-resto-dos-animais, etc. Enfim, por que

96
Ou mais extensamente diz “...the perturbing phenomenon of paradigm hold: that is the way in which belief
impels many individuals to cling adamantly to a paradigm which has been shown to be completely inadequate,
and to attempt, as in the case of one of Mead’s supporters, to defend hallowed doctrine by the outright
fabrication of ‘evidence’. ...Paul MacLean... is of the view that it is our primitive limbic brain that ‘provides the
feeling of conviction and belief that we attach to our ideas whether they be true or false’. This phylogenetically
given propensity to believe, which is so evident in religion and politics, is something, it is important to realize, to
which scientists and scholars are also prone, and which is ever liable to lead them into misconception and error...
We humans then, given our evolutionary history, are fallible, language-dependent animals, peculiarly prone to
the forming of misconceptions...We now know that Mead’s conclusion of 1928 was in error.” (FREEMAN,
2001, p. 50-1).
97
Há quem diga haver hoje em dia uma verdadeira “Darwin industry” de livros sobre Darwin.
157
sociobiólogos ao fazer sociobiologia ficariam de fora do tipo de explicação que querem
aplicar ao resto do mundo?
Mas suponhamos que sociobólogos aceitem explicar sua própria ação nos seus
próprio termos, isto é, princípios sociobiológicos explicariam porque alguns biólogos aceitam
um conjunto de teorias (da sociobiologia) em decorrência das motivações profundas (espalhar
genes). Suponhamos também que conseguíssemos explicar a rejeição à sociobiologia também
sociobiologicamente (como estratégia de repassar genes ou como Freeman adotou, em
decorrência de uma resistência aos fatos, ou por ter uma mente binária). Dadas estas duas
explicações, pode-se perguntar, como saber quem está com a razão?
Acredito que uma explicação nestes termos não seria capaz de responder a esta
indagação, uma vez que a seleção teria moldado nosso aparelho cognitivo não para termos
alguma percepção minimamente acurada da realidade tal como é, mas sim para sobreviver e
reproduzir. Portanto, nenhum critério para dizer que a sociobiologia seria mais verdadeira,
nenhum critério para avaliarmos a objetividade de teorias.
Se a ação é motivada pelas motivações sociobiológicas, e não por crenças, então a
questão da verdade das teorias defendidas passa a ter sérias dificuldades, uma vez que,
assume-se que pessoas defenderiam determinadas teorias, não por acreditar serem estas
verdadeiras, dados certos argumentos, e sendo alguns desses argumentos melhores do que
outros; mas sim por que defender esta teoria seria simplesmente e somente um modo de tentar
repassar genes. Se adotarmos tal princípio, a questão da avaliação da verdade das teorias
perde significância explanatória. Seria então possível tratar da objetividade de teorias sem
pressupor que pessoas tenham de alguma forma a capacidade de avaliar se teorias sejam mais
verdadeiras ou não, melhores ou não, e poder avaliar e re-avaliar os critérios utilizados para
tal? Acredito que não. E a sociobiologia – entendida como foco em causas últimas – não é
capaz de explicar a si mesma.
Tal problema não é exclusivo da sociobiologia. Outras perspectivas teóricas
também adotaram “motivações profundas” como causa da ação, e não crenças conscientes,
como por exemplo, a psicanálise e sua idéia de inconsciente, teoria do ressentimento de
Nietzsche, a teoria dos sentimentos e o verniz lógico dado às ações de Pareto (BOUDON,
2003) e eu acrescentaria ainda a escola instintivista de McDougall. Dada esta diversidade de
teorias sobre as motivações profundas, e sendo cada uma destas perspectivas defendendo que
seus “motivos profundos” são mais profundos que os “motivos profundos” dos outros, qual
delas escolher e com base em que critérios comuns?

158
Apesar de defenderem que as motivações reais da ação são os motivos profundos,
defensores destas vias epifenomenistas freqüentemente se vêem obrigados a recorrer, a
contragosto em alguns casos, à “consciência”. Dificilmente uma nova teoria não levanta
críticas, e para se legitimarem e se estabelecerem enquanto defensores de uma teoria viável,
científica, verdadeira, aceitável, etc., deve-se explicar porque os críticos levantam certas
críticas, e para isso, sempre se recorre à dizer que sua ação (a crítica) é motivada por má
interpretação, má vontade, crenças errôneas, etc., isto é, o motivo da ação dos críticos não são
explicados pelas motivações profundas, mas sim por suas crenças conscientes. Por exemplo,
psicólogos evolucionistas reclamam que cientistas sociais não aceitam as explicações da
psicologia evolucionista, e o motivo desta não aceitação, dizem os psicólogos evolucionistas,
se deve à biofobia, antropocentrismo e mau conhecimento da biologia humana e da evolução
por parte dos cientistas sociais. E sociobiólogos afirmam que aceitam sua ciência por não ter
“contaminação ideológica” ou por ter a verdade científica como valor, ao passo que seus
críticos rejeitam a sociobiologia por não terem estes a ciência como valor ao priorizar outros
valores como isolacionismo acadêmico, ideologia, etc. Sociobiólogos não se cansam de
denunciar que a motivação dos críticos é em sua maior parte política, ideológica e só por isto,
falsa. Críticos rejeitam a sociobiologia com base em suas crenças “sociobiologia é
determinista”, “sociobiologia é reducionista”, “sociobiologia é perigosa politicamente”, por
ter “biofobia”, por serem “antropocêntricos”; crenças erradas segundo a sociobiologia, mas
ainda assim são crenças, aspirações, causas próximas, valores, aspirações, psicologia do senso
comum que explicam a ação. Nada de causas últimas, nada de maximização da aptidão
inclusiva, nada de altruísmo recíproco; não se menciona tais causas, e nem se sente falta
destas na explicação. Ficam no lugar como elementos explicativos justamente causas
próximas como crenças, motivações, aspirações, isto é, a mesma folk psychology que
rejeitavam como metafísica e pré-científica.
Mais exemplos. Van den Berghe (1990), num artigo que virou referência entre
sociólogos sociobiólogos, desdenha: “many sociologists believe that the key to understand
why people behave as they do is to ask them. They think that people's beliefs, values, and
norms determine their action” (1990, p. 180). Mas o mais irônico é que o objetivo do artigo é
explicar, como diz o título, “Why Most Sociologists Don't (and Won't) Think Evolutionary” e
utiliza como fatores explicativos “mere ignorance and ideological bias” além de “general
anthropocentric discomfort with evolutionary thinking, a self-interested resistance to self-
understanding, and a trained sociological incapacity to accept the fundamental canons of
scientific theory construction” (1990, p. 173), isto é, justamente as crenças, valores e normas
159
dos sociólogos para explicar porque agem de determinada maneira, no caso, rejeitar a
biologia. Nenhum sinal de “kin selection”, nenhum vestígio de “reciprocal altruism”. Se
sociobiólogos tem razão nas crenças atribuídas aos cientistas sociais é algo que não interessa
discutir agora; interessa sim com estes exemplos ressaltar o recurso involuntário que tem de
fazer à estrutura explicativa que eles próprios rejeitam como arcaica.
Ellis dizia que um dos motivos para o baixo crescimento da sociologia seria a
crença na intencionalidade:

“Two related and interdependent assumptions retarded sociology's growth into a


full-fledged science from its beginning. These assumptions were (1) that causal
explanations of human social behavior could not be reduced to nonhuman or
nonsocial levels, and (2) that human behavior was purposefully caused.” (ELLIS,
1977, p. 56).

Entretanto “[t]he attribution of purpose to explain empirical observations can be


found in all sciences during their infancies” (ibid, p. 57). Mas tal afirmação é por si só auto-
contraditória, pois afirma que sociólogos agem de certa forma (rejeitam a sociobiologia) por
ter certo tipo de crença (que pessoas agem intencionalmente), e que se tivessem outras crenças
(pessoas não agem intencionalmente), então agiriam diferentemente (aceitariam a
sociobiologia). Além disto, Ellis realizou junto a Sanderson (SANDERSON e ELLIS, 1992)
um survey com 168 membros graduados da American Sociological Association à respeito das
inclinações teóricas dos sociólogos, focando no “the extent to which sociologists regard
biological factors as important determinants of social behavior” (ibid, p. 30). Tentaram
verificar o peso de alguns fatores explicativos como gênero, inclinação política, afiliação
acadêmica. Concluíram que “we see that political outlook is the most powerful predictor of
theoretical stance” (ibid, p. 40). Já Antropólogos estariam mais propensos a aceitar fatores
biológicos por que antropólogos “are much better trained in human biology than
sociologists”. Em 1996 reafirmou como causas da ação dos sociólogos (rejeitar a
sociobiologia), “semantic factors, lack of training in biology, exclusive focus on humans, and
moral/political factors” (ELLIS, 1996, p. 21). Ellis realiza pesquisas sociológicas sem
biologia para dizer que a sociologia precisa adotar a biologia em pesquisas sociológicas.
Também Sanderson (2001a) cai em erros semelhantes. Como dito anteriormente,
ele tenta explicar o aparecimento de classes na URSS, recorrendo ao “natural status desire”, e
conclui: “These developments, occurring as they did in the face of an official policy of
classlessness, strongly suggest that biological realities were at work under the surface and

160
behind the scenes, realities that would make a mockery of public declarations” (p. 451, grifo
meu).
Vale lembrar que se os motivos declarados são mesmo ilusões, como estes autores
declaram, então uma parte importante das pesquisas feitas em psicologia evolucionista iria
para o lixo, uma vez que experimentos são conduzidos não em situações reais, mas feitos com
base em questionários, como as pesquisas de Cosmides sobre módulos de detecção de
trapaceiros Cheat detector ou racismo como sub produto (by-product) da evolução
(COSMIDES e TOOBY, 2000; COSMIDES, 2006).
Mais ainda, sociobiólogos escrevem livros, artigos, vão em congressos, tentam
convencer os outros de que estão corretos. Enfim, apelam à consciência, tentam mudar a
opinião das pessoas, pressupondo a consciência. Não tentam mudar a situação de modo que
seus críticos maximizem fitness afim de que adotem a sociobiologia. O único sociobiólogo
que parece ter notados esta contradição foi o filósofo Alexander Rosenberg, que reconhece
incorrer no que negava, mas dizia que não negava a existência de crenças e valores, mas sim
sua cientificidade.
Talvez, poderia alguém retrucar, por a sociobiologia ser uma ciência nova, seria
absolutamente normal que tenha certas dificuldades, mas num futuro bem próximo, com o
avançar do conhecimento, ela terá explicações acuradas sobre o comportamento humano, que
expulsará de vez esse vocabulário que evoca intencionalidade. Poderia a sociobiologia
fornecer tal teoria que eliminasse aspirações e crenças? Acredito que a resposta seja um
veemente não, uma vez que a própria sociobiologia é obrigada a recorrer de modo
inconsciente a estas mesmas categorias. Vejamos.
Ao adotarem o gene’s eye view para explicar a ação das pessoas conforme suas
“reais motivações” genéticas, ainda se trabalha com categorias que denotam intencionalidade
e crença, mas de uma forma mais ou menos escondida, transferindo estas mesmas categorias
para o nível gênico ao invés de utilizá-los no nível consciente. Obviamente, ninguém acredita
realmente que genes tenham crenças, vontades e motivos, mas apesar disto, trabalha-se de
certa forma com estas categorias. Reduz-se as motivações da ação a uma única motivação, a
maximização de adaptação inclusiva, e tenta-se explicar como os genes ou a seleção natural
“interpretariam” a situação. Um primeiro exemplo seria o problema da identificação da
proximidade genética para que haja repulsão sexual no caso de possível incesto, feita
mediante o algoritmo inconsciente “se cresceu junto, evite envolvimento amoroso/sexual com
esta pessoa, uma vez que ela bem provavelmente é um parente próximo”. Um segundo
exemplo seria o da suposta diferença universal de comportamento entre homens e mulheres,
161
onde o homem para maximizar adaptação inclusiva deve ser tão promíscuo quanto seja
possível, enquanto a mulher deve procurar um parceiro para toda vida. Tais formulações só se
fazem “compreensíveis” na medida em que evocam as mesmas categorias de qualquer
explicação de ação intencional. Imaginamos como teria sido a ação típico-idealmente se o
sujeito quisesse maximizar aptidão inclusiva com o máximo de racionalidade – mesmo que a
teoria diga que tal procedimento é inconsciente, isto pouco importa para a estrutura lógica do
argumento – e qual seria então o melhor meio possível, isto é, qual a solução ótima.
Outra via que não seja a da negação das crenças como motivos da ação seria a
aceitação de crenças como fatores explicativos em alguns casos. Além destes exemplos,
alguns sociobólogos aceitam conscientemente crenças em diversas de suas explicações, mas
não em todas. Para Lopreato o sucesso de leis sociobiológicas não implicaria abandono de
motivações conscientes (causas próximas), mas tornaria algumas destas ilusórias “It does not
substitute for more proximate explanations, although it may prove some to be specious, as in
the case of incest theory and aspects of ethnocentrism theory in social science” (LOPREATO,
1990, p. 209). Não me parece, no entanto, que tenham um critério bem definido para isto, ou
mesmo que tenham algum critério. Parecem confiar apenas no sucesso da sociobiologia: caso
haja uma teoria sociobiológica com explicações baseadas em causas últimas, em motivações
profundas, esta seria preferível. Mas aí, consciência, mais uma vez, aparece como fator ad
hoc. Outras teorias que também focam em causas últimas poderiam alegar a mesma coisa e aí
não teríamos como decidir qual delas estaria correta.
Não pretendi defender que não existam tais motivações profundas, mas procurei
apontar algumas dificuldades decorrentes de tal perspectiva. O que alguns chamam de desafio
da sociobiologia não passa de velhos problemas com os quais as ciências sociais já tiveram de
lidar.

3.9. O Recuo – A Sociologia não biológica da sociobiologia

Pretendi esboçar aqui algumas das vias tentadas e alguns problemas


negligenciados pelos sociobiólogos na sua tentativa de fundamentar as ciências sociais. Não
pretendi com isto dizer que teorias biológicas e psicológicas não tenham qualquer papel nas
ciências sociais, mas pretendi sim contestar que estas possam ter caráter fundante ou
revolucionário para as ciências sociais, ou que os problemas das ciências sociais possam ser
considerados como “casos” de teorias biológicas e psicológicas mais gerais. Pode-se sim
162
utilizar de teorias psicológicas nas ciências sociais, mas tendo a psicologia como ciência
auxiliar, não como ciência básica. Qual teoria psicológica ou biológica que se usará depende
inteiramente do problema em mãos. Poderia ter o mesmo papel que uma ciência balística teria
para a criminologia: poderia ser de grande utilidade, mas não resolveria todos os problemas
em todos os casos de crime. Por exemplo, teorias sobre os efeitos psicológicos traumáticos de
um front de guerra podem fazer parte de algumas explicações das ciências sociais, mas se
serão cruciais ou não, isso vai depender da pertinência deste fenômeno para o problema que
se tem em mãos. Como disse Elster, julgamos uma teoria por seus descendentes, não por seus
antepassados (1984, p. 16), e é por esse critério que devemos julgar a frutividade de teorias
advindas de outros campos nas ciências sociais, e como a sociobiologia na avaliação aqui
presente não parece ter conseguido mostrar que seus descendentes teóricos trazem melhores
soluções do que as ciências sociais tradicionais, concluímos que até o momento a
sociobiologia não conseguiu sociobiologizar as ciências sociais. Podemos apresentar mais
uma evidência neste sentido. Por diversas vezes, quando sociobiólogos vão explicar mudanças
sociais e históricas, não inserem teorias sociobiológicas em auxílio.
Por exemplo, Wilson se perguntava por que os chineses não inventaram a ciência
moderna. O fator explicativo não foi uma teoria sociobiológica, mas: “The reasons were
historical and religious”. Por não ter a idéia de um deus pessoal e racional, os fenômenos do
mundo não seguiriam princípios universais” (WILSON, 1998. p. 31). Em outro momento
dizia ele que esperava-se das ciências sociais que resolvam, por exemplo, conflitos étnicos. E
diz que este tipo de problema não foi resolvido por desconhecimento das causas raízes, isto é,
da natureza humana (1998, p. 181). Mas novamente a solução não tem nada de biológica,
“Para proporcionar um alicerce mais durável para a paz, podem ser promovidos laços
políticos e culturais que criem confusão de lealdades entrecruzadas” (WILSON, 1981, p. 119-
120). Lopreato também acreditava que o homem possuía impulsos territorialistas, mas dizia
que as ciências poderiam contribuir para diminuir a xenofobia ao mostrar às pessoas o quão
semelhantes elas são umas às outras98. Como vimos no capítulo 3.5, Buss teve de recorrer à
cultura, ao dizer que Países Baixos “tem atitudes mais relaxadas sobre sexualidade, inclusive
sexo extraconjugal, que a Cultura Americana”. Ao final de Tabula Rasa, Pinker dá uma
explicação para o nascimento do modernismo nas artes. Até certo período, a arte era uma
manifestação da Natureza Humana. Seus padrões estéticos eram padrões que revelavam

98
“Biocultural theory predicts also that ethnocentric behaviors are most likely to be reduced when people (e.g.,
sociologists) emphasize the uniformities rather than the differences among peoples and when we become aware
that ethnocentrism has an ancient nonrational origin.” (1990, p. 208).
163
nossas preferências inatas. Mas com o Modernismo, a arte passa a ser negação da beleza,
negação da natureza humana. “Quando reconhecemos o que o modernismo e o pós-
modernismo fizeram com as artes de elite e as humanidades, as razões de seu declínio e queda
tornam-se muito óbvias. Esses movimentos baseiam-se em uma falsa teoria da psicologia
humana, a tabula rasa” (PINKER, 2004, p. 556). Por que aconteceu tal mudança? Pinker
explica que dado o consumo conspícuo (sim, a teoria do consumo conspícuo de Veblen):

“Na arte do século XX, a procura do novo tornou-se desesperada devido às


economias da produção em massa e à afluência da classe média... reproduções de
obras de arte, rádios, discos, revistas, filmes e livros foram ganhando preços
acessíveis, pessoas comuns puderam adquirir arte aos montes.” (ibid, p. 557).

Assim, para manter os sinais de elite, a arte migrou para obras não belas, sendo a
beleza então desvalorizada.

“A arte não pôde mais conferir prestígio pela raridade ou excelência das obras em si;
portanto, teve de fazê-lo por meio da raridade dos poderes de apreciação. Como
salientou Bourdieu, somente uma elite especial de iniciados poderia entender as
novas obras de arte. E com tanta coisa bonita jorrando das gráficas e gravadoras,
obras destacadas não precisavam ser belas.” (ibid, p. 558).

O caso mais interessante é talvez a explicação da mudança social no mundo


acadêmico. Os climas liberais, autoritários, marxistas são fatores importantes na explicação
usada por sociobiólogos, para explicar o recrudescimento dos adeptos das teorias rivais, mas
não o recrudescimento da sociobiologia. Por exemplo, a Segunda Guerra teria sido um grande
estímulo para a mudança no clima intelectual em favor da tabula rasa (PINKER, 2004, p. 50).

164
Conclusão

A Sociobiologia e sua descendente, a Psicologia Evolucionista, defendem que as


ciências sociais feitas até então deveriam ser postas finalmente em contato com a Biologia,
para assim finalmente conseguir o status de ciência. Muitos lamentavam que a sociologia
permanecia isolada do debate sobre a sociobiologia (cf. LEIS 2000, HOMANS 1999, Van den
BERGHE, 1991). Alguns chegaram a postular que dentro de cerca de duas décadas, a
sociologia não biologizada iria desaparecer. Vimos no segundo capítulo que as críticas às
ciências sociais feitas por estas disciplinas são infundadas, e que a imensa parte de suas
críticas só é possível mediante freqüentes e injustificadas negligências para com teorias rivais;
seletividade bastante duvidosa de escolas de pensamento, autores, obras e trechos;
caricaturização de seus adversários. Em sua história das ciências sociais, não há Antropologia,
mas apenas Etnografia. Também não há microsociologia, e autores chave como Weber e
Piaget são injustificadamente negligenciados. Vimos que a Sociologia não nasceu da negação
da biologia, mas, muito pelo contrário, nasceu biologizada, mas isto não é levado em conta
pelos sociobiólogos. Vimos também que grande parte da confusão feita pela sociobiologia
com relação à suposta negação da biologia pelas ciências sociais deve-se a não distinção entre
relação epistemológica entre disciplinas científicas, e relação ontológica ente diferentes
campos da realidade, no caso, o campo biológico e social. Assim os sociobiólogos confundem
a rejeição ao psicologismo e ao biologicismo com a rejeição à existência de aspectos
psicológicos e biológicos no homem. A Sociobiologia dizia que as ciências sociais conhecem
muito pouco de biologia; vimos que a sociobiologia conhece muito pouco das ciências
sociais.
Apresentamos aqui oito vias possíveis de sociobiologização da sociologia e
discutimos suas possíveis validades e problemas. Concluímos que nenhuma das oito vias
trazem benefícios para a sociologia pelas seguintes razões:
1. Dizer que o homem, por ser um ser biológico, deveria ser explicado pela biologia
levaria à pensar que o homem e toda a biologia, por serem seres físicos, deveriam cair
no domínio da física.
2. Ainda que aceitássemos que as ciências sociais devem ser acopladas à biologia, não
temos como saber com qual biologia seguir, uma vez que a sociobiologia não é a única
perspectiva biológica a tentar explicar o comportamento humano. Ainda que
aceitássemos que as ciências sociais deveriam se fazer consistentes com a
165
sociobiologia, não temos até o momento como saber com qual variante da sociobiologia
seguir, uma vez que há disparidades dentro da sociobiologia quanto aos seus objetivos e
fundamentos. Por fim, a própria idéia de que ciência boa é aquela que conecta vários
campos é um critério incapaz de descrever como a ciência avança, uma vez que por
inúmeras vezes na história da ciência se abandonou teorias mais gerais, em favor de
teorias específicas.
3. Alguns defenderam que as ciências sociais só seriam possíveis caso se fizessem
biologia, pois só assim poderiam gerar leis. Ainda que aceitássemos isto, demanda-se
das ciências sociais que gerem não só leis, mas que expliquem diferenças e
semelhanças entre grupos, bem como aspectos universais. Mas se ciência só pode ser
sinônimo de leis, então talvez devêssemos retirar o título de ciência da metereologia e
da ecologia.
4. Alguns defenderam que a inserção de teorias psicológicas fornecidas pela sociobiologia
traria grandes mudanças para as ciências sociais. Vimos que algumas destas tentativas
não conseguiram explicar melhor que as ciências sociais tradicionais os fenômenos
propostos, mas inseriram mais variáveis desnecessárias e que traziam mais complicação
do que solução. Além disto, universais psicológicos podem se expressar de diferentes
formas, muitas vezes em sentido oposto ao prescrito, ou podemos ainda explicar um
mesmo fenômeno com base em diferentes universais psicológicos. Há longa discussão
sobre o papel de teorias psicológicas para as ciências sociais, que foi repetida ao longo
do século XX, mas que também foi negligenciada pela sociobiologia. Apesar das
ciências sociais, mesmo tratando de eventos específicos espaço-temporalmente,
pressuporem teorias universais para a validade de suas explicações, não se deve
confundir a existência de tais universais lógicos com universais psicológicos.
5. Apesar de aceitarem que fatores não-biológicos interferem no comportamento
humanos, os sociobiólogos têm preferência por teorias que utilizem primordialmente
fatores biológicos. Foram analisados alguns exemplos neste sentido, e nenhum parece
ter dado conta de explicar os fenômenos propostos. Ao focarem em aspectos universais,
a sociobiologia torna-se incapaz de explicar as diferenças finas entre épocas e culturas,
que são o objeto de interesse por excelência das ciências sociais, por uma questão
lógica: biologia foca em aspectos universais, válidos para a humanidade em todos os
tempos e lugares, mas as ciências sociais tentam explicar na maioria das vezes
fenômenos específicos espaço-temporalmente, e exigem, por conseqüência, fatores
igualmente específicos. Explicações sociobiológicas têm de recorrer à fatores não-
166
biológicos, mas teorias não sociobiológicas não tem de recorrer a estes fatores
sociobiológicos, não por serem falsos, mas por serem dispensáveis.
6. Por vezes tentou-se estabelecer limites para a variação cultural, mas podemos encontrar
facilmente desvios a estas variações. Por vezes os mesmos sociobiólogos que assumem
que não é possível transgredir a natureza humana, em outros momentos afirmam ser
possível e desejável que se faça isto. Mas uma vez que o comportamento humano é
fruto da interação entre sua biologia e aspectos ambientais, e dentre os aspectos
ambientais o mais importante no comportamento humano talvez seja o ambiente social,
e uma vez que não experimentamos todos os ambientes sociais possíveis, não parece ser
possível que a sociobiologia possa dizer quais são os limites da variação cultural.
7. Uma possível via de diálogo entre biologia e ciências sociais se refere à analogia entre
modelos e teorias. Tal via é a mais complexa e talvez a mais extensamente discutida nas
ciências sociais, tendo sido por vezes adotada e por vezes criticada por muitos dos mais
importantes teóricos sociais. Diversas teorias originárias de ambos os campos tiveram
acolhimento em ambos os campos. Mas a “verdade” de uma teoria em um campo não é
automaticamente transferida ao campo destino, e ainda que teorias biológicas tenham
sucesso nas ciências sociais, isto não implica em biologização das ciências sociais, mas
sim em compartilhamento de problemas.
8. Um último recurso seria o provimento de motivações inconscientes inspiradas
sociobiologicamente. No entanto, isto leva ao problema da falsa consciência: explica-se
a ação de todos os seres humanos com base em suas motivações profundas, mas não a
ação do próprio observador. Mas se explicarmos ação do próprio observador com base
nestas mesmas motivações profundas, então não teremos como saber como foi possível
descobrir essa mesma motivação profunda. Além disto, se a ação humana é guiada por
tais motivações profundas sociobiologicamente dadas, então a própria ciência não seria
possível, uma vez que nosso aparato cognitivo estaria voltado não para uma melhor
compreensão da realidade, mas sim para a fabricação de mais genes.

Posto tudo isto, conclui-se que a sociobiologia é incapaz de gerar grandes


revoluções nas ciências sociais e, também, que possam explicar comportamentos humanos.
Não duvido que seja possível colocar numa mesma explicação teorias sociobiológicas e das
ciências sociais, mas a questão aqui é, com que ganhos? Com que riscos? Com que perdas?
As perdas e riscos aqui superam em muito os possíveis ganhos. Não se prega com isto que
cientistas sociais devem permanecer ignorantes com relação às outras ciências, nem se vai
167
aqui contra a interdisciplinaridade. Apenas tenta-se destacar os limites de tal empreitada.
Ainda que a biologia da sociobiologia seja muito ou radicalmente diferente das outras
biologias do comportamento feitas até então, a questão da relação da biologia com outras
disciplinas não é uma questão de biologia, mas sim epistemológica, e isto não é levado em
conta pela sociobiologia. Grande parte, senão a totalidade das questões e desafios postos pela
sociobiologia, são “velhas novidades” com as quais as ciências sociais já tiveram de lidar, e se
há alguma novidade nesta relação epistemológica entre disciplinas, então a sociobiologia
deveria deixar bem claro quais são, e isso não parece ter sido feito.
Pode-se dizer que a crítica feita aqui é meramente negativa, e que apesar de toda a
crítica, não se tem nada melhor do que a sociobiologia (SESGERSTRÅLE, 2000). Mas
acredito que qualquer perspectiva que queira correr em tantas áreas ao mesmo tempo será tão
problemática quanto à sociobiologia. Não acredito ser possível uma ciência que tente dar
conta de problemas de tantas áreas distintas. O que se pode fazer é tratar de problemas
específicos com ciências especializadas, tendo, dependendo do problema, algumas outras
ciências específicas fazendo conexões entre diferentes disciplinas. Como disse Lewontin
(1978) “That is a position we necessarily find ourselves in exactly because we work in a
rigorous experimental and theoretical discipline”.
Apesar de alardearem a urgência de aceitar o darwinismo, muitos defendendo o
“darwinismo universal”, onde a teoria darwiniana seria um ácido que corroeria muitas de
nossas concepções do mundo de que racionalidade ou certos complexos como organismos não
teriam origem humana ou divina, mas sim origem mediante variação e seleção,
interessantemente os sociobiólogos ignoram por completo a aplicação do darwinismo em uma
área importante, a epistemologia. Mas faltou à sociobiologa darwinizar sua própria
epistemologia, e este pequeno passo seria suficiente para trazer grandes mudanças na
percepção de mundo e de objetivos científicos. Os sociobiólogos poderiam ter percebido com
isto que diferentes teorias, assim como diferentes organismos, têm de lidar com diferentes
problemas do seu ambiente, e é com base nestes problemas específicos é que avaliamos seu
sucesso e fracasso99.
Termino com uma frase que resume a argumentação feita aqui. Trata-se da famosa
frase de Laplace:
“Não precisamos desta hipótese”

99
São várias as obras que discutem a epistemologia evolutiva. Ver, por exemplo, Popper (1973) e Freitas (2003).
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