Disserta O. Alisson Soares 2009. Sociologia e Sociobiologia
Disserta O. Alisson Soares 2009. Sociologia e Sociobiologia
Disserta O. Alisson Soares 2009. Sociologia e Sociobiologia
SOCIOLOGIA E SOCIOBIOLOGIA:
AUTONOMIA VS. (SOCIO)BIOLOGIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA
Belo Horizonte
2009
Alisson Magalhães Soares
SOCIOLOGIA E SOCIOBIOLOGIA:
AUTONOMIA VS. (SOCIO)BIOLOGIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA
Bibliografia : f. 173-182
10
3.4.1. Estudo de casos: Paradoxo do Voto, Dilema do Prisioneiro, Ação Coletiva, e Sistemas
Matrimoniais........................................................................................................ 104
3.4.2. Universais..................................................................................................................... 110
3.4.2. Ambigüidade dos universais psicológicos............................................................... 110
3.4.3. Universais não são tão rígidos, há desvios ............................................................. 112
3.4.5. Possíveis Respostas da Sociobiologia .......................................................................... 114
3.4.6. O Papel de Universais nas Ciências Sociais................................................................ 116
3.5. 5ª VIA: CIÊNCIAS SOCIAIS COMO SOCIOBIOLOGIA APLICADA ..................................................... 122
3.5.1. Efeito Westermarck - Tabu do Incesto .................................................................... 123
3.5.2. Infanticídio .............................................................................................................. 127
3.5.3. Efeito Cinderela - Maus-tratos à crianças.............................................................. 130
3.5.4. Ciúmes conforme o sexo.......................................................................................... 134
3.5.5. Apreciação .............................................................................................................. 135
3.6. 6ª VIA: IMPOSIÇÃO DE LIMITES À VARIAÇÃO SÓCIO-CULTURAL.................................................. 136
3.6.1. Tabu do incesto ............................................................................................................ 138
3.6.2. Papéis de gênero .......................................................................................................... 141
3.6.3.Comunismo e estratificação social................................................................................ 144
3.7. 7ª VIA: ANALOGIA ...................................................................................................................... 152
3.8. 8ª VIA. RACIONALIDADE SOCIOBIOLÓGICA INCONSCIENTE ......................................................... 155
3.9. O RECUO – A SOCIOLOGIA NÃO BIOLÓGICA DA SOCIOBIOLOGIA................................................ 162
CONCLUSÃO.........................................................................................................................................165
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................169
11
1. Introdução
12
Por questão de praticidade, chamarei de “sociobiólogos” – com letra minúscula,
com conotação mais ampla – tanto Sociobiólogos – com letra maiúscula, denotando nome
próprio – quanto Psicólogos Evolucionistas.
Uma recente pesquisa realizada pela Prospect e Foreign Policy sobre qual o
intelectual vivo mais influente no mundo, mostrou um fenômeno novo e interessante.
Biólogos têm aparecido não somente como cientistas, mas também como “intelectuais”. Atrás
de Noam Chomsky (1º lugar) e Humberto Eco (2º lugar) apareceram diversos sociobiólogos
como o zoólogo Richard Dawkins em terceiro lugar, Jared Diamond em nono, o filósofo
Daniel Denett em vigésimo quarto, Steven Pinker em vigésimo sexto e Eduard O. Wilson em
trigésimo primeiro. Outro dado interessante refere-se ao fato que sociólogos renomados
ficaram atrás desses sociobiólogos. Por exemplo, Jürgen Habermas ficou em sétimo, Eric
Hobsbawn em décimo oitavo, Samuel Huntington em vigésimo oitavo, Giddens em trigésimo
quinto, Fernando Henrique Cardoso em quadragésimo terceiro e Geertz em qüinquagésimo -
quinto (FOLHA DE SÃO PAULO, 2005). Apesar de não podermos atribuir o sucesso de
Dawkins e Wilson exclusivamente à sociobiologia (Dawkins é conhecido pela sua cruzada
pró-ateísmo e Wilson tem defendido temas ligados à ecologia), esta não deixa de ter
importância. Talvez haja uma sobre-representação nesta pesquisa, e sociobiólogos não sejam
tão influentes assim, mas sua influência existe, e não é nada desprezível. Steven Pinker já
figurou numa lista das cem pessoas mais influentes do mundo segundo a Times e por pouco
não ganhou um Pulitzer com o seu livro Tábula Rasa. Já Wilson ganhou dois Pulitzers, sendo
um dos livros dedicados à sociobiologia humana, e o prêmio na categoria não-ficção1 e seu
livro “Consilience” figurou na lista dos livros mais vendidos da New York Times.
A sociobiologia parece ganhar cada vez mais espaço no terreno extra-acadêmico.
A literatura de auto-ajuda de inspiração sociobiológica tem se mostrado altamente lucrativa.
Entre os livros mais vendidos, não é raro encontrar algum que explique as diferenças entre os
sexos conforme os últimos avanços das ciências naturais, isto é, sociobiologia. O livro Why
Men Don’t Listen & Women Can’t Read Maps traduzido no português por Por que os
Homens Fazem Sexo e as mulheres fazem amor? vendeu mais de 12 milhões de cópias e foi
1
“reconheço que era um prêmio literário, e não validação científica” disse (WILSON, 1994, p. 336).
13
traduzido para 31 línguas segundo o site dos autores2. Outro best-seller, “Homens são de
Marte, Mulheres de Vênus” foi o livro mais vendido da década e 90, só perdendo para a
Bíblia. Virou até Musical após vender mais de 40 milhões de cópias em 45 idiomas3. Outros
livros de divulgação direta da sociobiologia, como O Animal Moral do jornalista Robert
Wright e Good-Natured de Franz de Waal figuraram na lista dos best-sellers da New York
Times por dois anos. (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 308 e 396).
Mas a sociobiologia tem chegado também às Ciências Sociais. Enciclopédias e
dicionários de Ciências Sociais como a Encyclopedia of Sociology de Macmillan Reference
têm alguns artigos sobre sociobiologia 4. Alguns livros-texto têm aceitado artigos de
sociobiologia 5, ou mesmo adotado a leitura que a sociobiologia faz das ciências sociais
(ERIKSEN & NIELSEN, 2001. p. 166, 169)6; associações de ciências sociais têm
reconhecido a sociobiologia, como a American Sociological Association que premiou a tese
de Jeremy Freese (2000) sobre a potencialidade da sociobiologia à sociologia e a American
Anthropological Association que aceitou em 2006 a Evolutionary Anthropology Society como
uma de suas seções. Diversas revistas foram criadas, como Politics and the Life Sciences;
Ethology & Sociobiology; Human Nature; Behavioral and Brain Sciences, Journal of Social
and Evolutionary Systems (anteriormente Journal of Social and Biological Structures);
Evolutionary Anthropology. Foram criadas também associações interdisciplinares Human
Behavior and Evolution Society (HBES) e a European Sociobiological Society (ESS).
Os Estados Unidos e, talvez um pouco menos, a Grã-Bretanha, parecem ser os
locais onde a sociobiologia encontra maior repercussão. No Brasil não tem sido radicalmente
diferente, apesar de aparentemente com uma intensidade muito menor. Héctor Leis (2000)
reclamava do desdém dos sociólogos com relação à sociobiologia, Ricardo Waizbort (2005,
2009) tem ecoado e tentado divulgar teorias sociobiológicas nas ciências sociais. Além disso,
já não é nada incomum nos depararmos com sociobiologia e psicologia evolucionista em
revistas e jornais de grande circulação, seja de divulgação científica, seja de conteúdo mais
geral.
2
Conforme site oficial dos autores, em http://www.peaseinternational.com/shopexd.asp?id=35
3
Conforme site oficial do autor, em http://www.askmarsvenus.com/dr-john-gray.php
4
Como os verbetes “Ethnicity”, “Evolution: Biological, Social and Cultural”, “Genocide”, “Human Nature”,
“Aggression”, “Altruism”, etc.
5
Ver por exemplo os capítulos 20 e 21 de “Handbook of Social Theory” de Stephen Turner onde há artigos dos
sociólogos sociobiólogos Joseph Lopreato e Stephen Sanderson.
6
Há uma versão em português desse livro pela Editora Vozes, sob o título “História da Antropologia”.
14
1.2. Evitando alguns erros comuns
15
ou biológicos. Acredito que não há nenhum caso “puro” de determinismo neste sentido. Nem
mesmo Sócrates, para o qual até mesmo idéias específicas da geometria como o triângulo de
Pitágoras seriam inatas, poderia ser considerado um nativista puro, uma vez que um fator
ambiental, no caso seu método de parir idéias (a maiêutica), deveria desencadear o fenômeno
de rememoramento. Mesmo declarações como a do Nobel Walter Gilbert, que na década de
1980 afirmou de que dado um computador potente e o genoma humano, seria possível
calcular o indivíduo em sua totalidade: sua anatomia, fisiologia e comportamento, ainda assim
poderíamos interpretar que declarações deste tipo mais pretendem seduzir financiadores de
pesquisa do que expressar uma crença real ou convencer a comunidade científica. Segundo
Leite (2005), tal tipo de afirmação apareceu “quando o Projeto Genoma Humano ainda era
uma idéia em busca de patrocinadores” (2006, p. 423), e, por outro lado, como bem destacou
Tisdale (1939), nem o mais extremo relativista cultural negaria que a fome e o sexo são
fatores importantes no desencadeamento da ação. Afasto-me, portanto de leituras que vêm o
debate sociobiológico como cindido principalmente sobre a questão da presença ou ausência
de fatores inatos no homem. Também voltaremos a este ponto mais tarde. Não há defensores
do determinismo biológico estrito, e a sociobiologia não é exceção. Como bem destacaram
Boudon e Bourricard em seu Dicionário Crítico de Sociologia:
“... a sociobiologia humana não pode ser reduzida sem exagero nem ao darwinismo
social, que aparece com Spencer no século XIX, nem a um biologismo sumário. Não
se trata para os socobiologistas de reduzir o homem a seus aspectos biológicos e
menos ainda de fundar “cientificamente” uma ética que favoreça a “sobrevivência
do mais apto” (survival of the fittest). Também não se trata de negar a complexidade
da interação complexa entre natureza e cultura. O objetivo deles, tanto quanto se
possa percebê-lo, é antes tentar integrar o biológico à ciência do homem. (BOUDON
e BOURRICARD, 1993, p. 533, grifos no original).
16
instransponível entre homens e outros animais. Ater-me-ei à discussão sobre a necessidade de
teorias sociobiológicas nas ciências sociais. Discutirei aqui não a cientificidade da
sociobiologia, mas sim os ganhos teóricos de sua aplicabilidade a certa classe de problemas
típicos das ciências sociais, o que é bem diferente. Para tal, vou supor aqui uma sociobiologia
ideal, que não tenha problemas. Mas se mesmo assim puderem ser identificadas aqui críticas à
sociobiologia enquanto ciência, estas críticas aparecerão na medida em que auxiliarem nosso
problema de pesquisa.
17
2. Sociobiologia, Sociobiologia Humana e Ciências Sociais
7
Etologia é a disciplina da biologia que estuda o comportamento de animais.
8
como The Naked Ape de Desmond Morris, Men in Groups do antropólogo Lionel Tiger, Imperial Animal dos
antropólogos Tiger e Robin Fox, mas detacaram-se em popularidade On Agression do etólogo Konrad Lorenz e
The Territorial Imperative do antropólogo Robert Adrey. Este grupo por vezes foi chamado de “etologia pop”.
9
Para uma discussão mais detalhada ver capítulo 4 de Segerstråle (2000).
10
Distinguia Sahlins essas duas disciplinas do seguinte modo: “Scientific sociobiology is distinguished by a
more rigorous and comprehensive attempt to place social behavior on sound evolutionary principles, notably the
principle of the self-maximisation of the individual genotype” (1976, p. 4), já a sociobiologia vulgar seria a
etologia do tipo da praticada por Konrad Lorenz.
18
princípio maximizador, resultariam cada vez mais em menos proles, e assim tenderiam a se
extinguir. Assim, é de se esperar que organismos ajam visando à maximização deste princípio
de tentar espalhar ao máximo seus genes. Poderíamos ver então nosso corpo e comportamento
como resultado desta mesma lógica, e a raison d’etre destes mesmos comportamentos e
estruturas corporais deveria então ser explicada com base neste mesmo princípio evolutivo, ou
para usar um jargão, de maximização de ‘adaptação inclusiva’ (inclusive fitness). Wilson
descreveu esta mesma lógica do seguinte modo:
In a Darwinian sense the organism does not live for itself. Its primary function is not
even to reproduce other organisms; it reproduce genes, and it serves as their
temporary carrier [...]the organism is only DNA’s way of making more DNA [...]the
hypothalamus and limbic system are engineered to perpetuate DNA.” (WILSON,
1975, p. 3).
11
O que não deixou de gerar críticas de sociobiólogos “pop” como Chagnon (KITCHER, 1987, p. 120) e
(RUSE, 1983, p. 168-9), que viam essa atitude de Maynard Smith como um acanhamento injustificável. Se teoria
dos jogos é aplicável a outros animais, então o conhecimento de outros animais é igualmente aplicável ao
homem “Se A é igual a B, então B é igual a A” dizia Ruse (ibid, p. 169).
12
Kitcher justifica o uso do termo “pop” da seguinte forma: “Sociobiology has two faces. One looks toward the
social behavior of nonhuman animals. The eyes are carefully focused, the lips pursed judiciously. Utterances are
made only with caution. The other face [a sociobiologia pop] is almost hidden behind a megaphone. With great
excitement, pronouncements about human nature blare forth.” (KITCHER, 1987, p. 435)
20
ants flourishes freely when the animal under study is Homo Sapiens.” (1987, p. 124 e
KITCHER, 1990:97) 13.
Apesar das idéias sociobiológicas já existirem anteriormente, foi o livro de Wilson
que divulgou o termo “Sociobiology”, ou como destacou Segerstråle, “fundou o campo”.
Wilson definia assim a disciplina: “Sociobiologia, [é] definida como estudo sistemático das
bases biológicas de todas as formas de comportamento social, em todos os tipos de
organismos, inclusive o homem” (WILSON, 1981, p. 16), e destacava assim o diferencial da
sociobiologia:
Em suas quase 700 páginas, Wilson fez um grande esforço de síntese de todo um
campo de estudos do comportamento. Devido a este esforço, em 1989 a International Animal
Behavior Society declarou o livro como o mais importante livro sobre comportamento animal
de todas as épocas, acima até do clássico de Darwin, The Expression of Emotions in Man and
Animals (WILSON, 1994, p. 327). No entanto, o livro de Wilson continha dois capítulos
extremamente polêmicos, o introdutório The morality of gene e principalmente o último
“Man: From Sociobiology to Sociology”, onde Wilson fez afirmações como:
“...all the emotions – hate, love, guilt, fear, and others – that are consulted by ethical
philosophers who whish to intuit the standards of good and evil...They evolved by
natural selection. That simple biological statement must be pursued to explain ethics
and ethical philosophers, if not epistemology and epistemologists, at all depths.”
(WILSON, 1975, p. 3).
Sobre a ética dizia ainda “Scientists and humanists should consider together the
possibility that the time has come for ethics to be removed temporarily from the hands of the
philosophers and biologicized” (p. 562), ou ainda “Human beings are absurdly easy to
indocrinate - they seek it” (p. 562), ou mesmo que o homem seria naturalmente xenofóbico. A
idéia de que a biologia seria essencial para entendermos a ética, epistemologia e livre arbítrio
reaparecem em várias obras posteriores de Wilson (1981 e 1998). No campo epistemológico
Wilson chegou a afirmar posteriormente que “Logical positivism was the most valiant
13
Para uma comparação mais detalhada sobre a diferença da Sociobiologia humana da não humana quanto à
parcimônia nas conclusões dos estudos, ver capítulos 4 e 5 de Kitcher (1987[1985]).
21
concerted effort ever mounted by modern philosophers… its shortcoming was caused by
ignorance of how the brain works” (1998. p. 63-64). Mas apesar de afirmações contundentes
como estas, que geraram grande controvérsia na época, Wilson somente insinua, mas não
mostra como a biologia seria decisiva para estes assuntos14. Na New York Times Magazine de
12/10/1975, Wilson fez uma afirmação que seus críticos não cansaram de se utilizar. Ele disse
que em sociedades de caça e coleta, homens caçam e as mulheres ficam em casa,
permanecendo esta tendência nas sociedades agrícolas e industriais, e prossegue:
“e apenas com base nisso parece ter origem genética [...] Ainda que recebam
educação idêntica e tenham oportunidades iguais de acesso a todas as profissões, os
homens provavelmente continuarão desempenhando um papel desproporcional na
vida política, empresarial e científica.” (apud GOULD, 1992:257).15
14
Sobre este mesmo ponto, alguns autores comentaram “Despite the frequency of assertions, there is no vestige
or argument for any such conclusion” (KITCHER, 1987, p. 417, grifos no original); e “I can’t imagine what
kinds of fact about the brain would have saved the Positivist philosophy of science, and Wilson doesn’t say”
(FODOR, 1998). Para uma tentativa de decifrar as questões éticas de Wilson, bem como algumas de suas
implicações, ver (KITCHER, 1987, p. 417-434) e sobre livre-arbítrio ver Kitcher, (ibid, p. 406-417).
15
Para uma defesa da posição de Wilson, ver (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 211-2).
16
Sociobiólogos não cansam de repetir como Wilson foi perseguido politica e incessantemente pela esquerda
acadêmica, não só no plano intelectual, mas no plano pessoal. Wilson era impedido de dar aulas devido aos
protestos dos estudantes. Mas o caso preferido dos sociobiólogos foi o que um grupo jogou literalmente uma
jarra de água fria em Wilson. (WILSON, 1994, p. 344-345; PINKER, 2004, p. 160; SEGERSTRÅLE, 2000, p.
23-4). Para uma versão em que Wilson não é o cientista herói defensor da neutralidade, ver Val Dusek (1999).
Gostam desses casos para exemplificar como a resistência à sociobiologia é na sua grande parte política e não
científica. Voltaremos a esta questão posteriormente.
17
Para mais detalhes sobre resistências à Wilson por parte de cientistas como Robert Trivers e Richard Dawkins,
ver capítulo 5 de Segerstråle (2000).
18
Nielsen relata que os nomes como behavioral ecology, evolutionary ecology; biocultural science, biosocial
science, darwinianian psychology e por fim evolutionary psychology foram usados para se afastarem da
sociobiologia de Wilson:
22
2.2. Críticas à Sociobiologia
19
“In stating that there is politics in sociobiology, I do not critics the scientists involved in it by claiming that an
unconscious politics has intruded into a supposedly objective enterprise. For they are behaving like all good
scientists – as human beings in a cultural context” (GOULD, 1978, p. 532) e Alper “some members of the
group[de críticos da sociobiologia] felt he need to state publicly that SSG[Sociobiology Study Group] did not
believe that sociobiologists are racists” (apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 182).
20
Ver (PINKER, 2004, p. 160) e (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 206). Van den Berghe relata que a sociobiologia,
ao invés de ser vista como reacionária, poderia muito bem ser vista como “conspiração comunista”, uma vez que
sociobiólogos como J.B.S. Haldane e Maynard Smith foram membros do Partido Comunista Britânico,
E.O.Wilson e outros sociobiólogos são de centro-esquerda ou social-democratas, ‘Racist’ Trivers, como alguns o
chamaram, se casou com uma jamaicana e está engajado em políticas para negros (SEGERSTRÅLE, 2000, p.
206). TYBUR; MILLER; GANGESTAND, (2007) chegaram a supor que estava “finalmente testando a
controvérsia” ao fazer um survey com sociobiólogos acerca de suas posições políticas pessoais.
23
usando E.O.Wilson, Dawkins e Maynard Smith como autoridade para se justificarem
(SEGERSTRÅLE, 2000, p. 21, 179-80 e LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1984, p. 27) 21. Por
outro lado, sociobiólogos acusam alguns de seus críticos de rejeitarem a sociobiologia por
motivos meramente ideológicos, por a sociobiologia conter verdades inconvenientes que iriam
contra os ideais socialistas destes críticos, críticos teriam “fear of facts” na expressão de
Wilson. Defendem ainda, baseando-se em idéias de Chomsky e Marcuse, que a idéia de uma
plasticidade infinita, supostamente defendida pelos seus críticos, seria tão ou mais perniciosa
quanto o determinismo biológico, por acreditar que o homem pode ser infinitamente moldado
pelo ambiente, sendo um “prato cheio” para regimes totalitários (SEGERSTRÅLE, 2000, p.
204).
Apesar da grande importância dos aspectos políticos no debate, ele não nos
ajudaria a responder à pergunta desta dissertação, isto é, sobre qual a pertinência
epistemológica de teorias sociobiológicas para as ciências sociais. Aqui nos interessa somente
as críticas quanto às credenciais científicas da sociobiologia, e mesmo assim somente na
medida em que nos ajude a tratar da sua relevância para as ciências sociais. Não pretendo uma
exploração exaustiva dos supostos erros da sociobiologia, mas vejamos agora algumas destas
críticas epistemológicas.
A postulação de uma sociobiologia humana levantou grande parte da controvérsia
em torno da sociobiologia, mas não sua totalidade. Vale ressaltar que muitas dessas críticas
são aplicáveis também à sociobiologia não humana, não podendo a crítica feita à
sociobiologia, portanto, ser reduzida ao mero medo da aplicação da teoria da evolução aos
seres humanos. Além disso, como destacou Ghiselin, críticas por parte dele próprio e de
Lewontin contra Wilson e sua escola já haviam aparecido um no antes da publicação de
Sociobiology22. Ataques incisivos partiram também da biologia, mais precisamente do mesmo
departamento de Wilson em Harvard. A Sociobiologia foi acusada, dentre outras coisas, de
determinista, reducionista, adaptacionista, de caricaturizar a seleção natural e o darwinismo, e
de ser irrefutável. No balanço geral, foi acusada de “má ciência”, tendo a crítica como ponto
de partida o artigo apresentado à Royal Society em 1979 pelos colegas de departamento de
Wilson em Havard: o paleontólogo Stephen Jay Gould e o geneticista de populações Richard
Lewontin intitulado “The Spandrels of San Marcos and the Paglossian Paradigm: A Critique
21
Para uma crítica mais detalhada dos aspectos políticos da sociobiologia ver (KITCHER, 1987, p. 1-35), e o
controverso Lewontin; Rose; Kamin, (1984). Para uma versão pró sociobiologia, ver Segerstråle (2000).
22
Os livros relatados são Ghiselin, M. T. 1974. “The economy of nature and the evolution of sex.” University of
California Press. e Lewontin, R. C. 1974. The genetic basis of evolutiunary change. Columbia University Press.
24
of the Adaptationist Programme” que ainda hoje rende discussão23. Neste artigo, os autores
atacavam não só, mas principalmente a sociobiologia. Contestavam nela o adaptacionismo ou
panglossianismo, isto é, o procedimento de proporem histórias evolutivas prováveis para cada
parte do organismo em separado, mas: 1) sem levar em consideração a história evolutiva real
do organismo como um todo, afinal, há estruturas presentes nos organismos que não
desempenham função alguma, não sendo, portanto, adaptações como por exemplo, o apêndice
ou os mamilos nos mamíferos machos. Apesar de sociobiólogos não acreditarem que mamilos
sejam adaptações, critica-se que os critérios adotados pela sociobiologia não são capazes de
explicar porque não seriam adaptações; 2) e de uma explicação possível e plausível (mas nem
sempre a mais plausível) inferir um processo real; 3) criticavam também a premissa de verem
adaptações em tudo, 4) desprezo por teorias rivais, se contentando com teorias afins com a
teoria evolutiva; 5) com base em tudo isto, questionaram bem a testabilidade das teorias
sociobiológicas. Concluíam que a sociobiologia era “art of storytelling” ou no termo que se
consagrou, “just-so-stories” arbitrárias, onde qualquer resultado empírico seria “predito” pela
teoria, isto é, ela seria vaga. A Sociobiologia explicaria de menos porque explicava de mais.
Outras críticas apareceram desenvolvendo melhor estes pontos, ou acrescentando outros. Um
dos principais livros neste sentido foram o Not in our Genes de Lewontin, Rose e Kamin
(1984), que mesclava críticas políticas e epistemológicas, e que gerou forte reação negativa
dos próprios sociobiólogos24. Mayr via nestas críticas uma continuidade de suas próprias
críticas à “genética saco de feijão”, onde qualquer traço seria passível de seleção. Mas mais
interessante do ponto de vista de críticas epistemológicas foi o livro do filósofo Philip
25
Kitcher, Vaulting Ambitions (1987[1985]) , co-ganhador do prêmio Lakatos Award em
Filosofia da Ciência pela London School of Economics and Political Science em 198826.
23
Para um guia mais detalhado do debate envolvendo este artigo e seus desdobramentos, ver o capítulo 6 de
Segertråle, 2000.
24
Ver a mordaz resenha de Dawkins (1985) onde respondia usando termos como “idiotic travesty”, “pathetic
little misunderstanding” ou “Do Rose et al sincerely think that anybody could be that silly?”, ou ainda “The
reader may have gained an impression of a silly, pretentious, obscurantist and mendacious book”, mas no
entanto, constatava decepcionado que “Not in Our Genes has mysteriously attracted some favourable reviews,
including one from a scientist whom I have always admired”.
25
Sobre este livro, disse Maynard Smith na Nature. “Does we really need another critic of sociobiology? In
general, probably not, but perhaps we need this one... He does understand the idea he is criticizing... he presents
sociobiology in its strongest and most coherent form and avoids the easy option of attacking only its more idiotic
manifestations” e Gould disse. “The best dissection ever published on the logic and illogic (mostly the latter) of
sociobiology. (apud Kitcher, contracapa).
26
Num extremo, Martin Daly disse sobre este livro “The motivating forces behind Kitcher’s critique are politics”
(p. 627). Já o sociobiólogo mais moderado Maynard Smith disse “Does we really need another critic of
sociobiology? In general, probably not, but perhaps we need this one... He does understand the idea he is
criticizing... he presents sociobiology in its strongest and most coherent form and avoids the easy option of
attacking only its more idiotic manifestations” (apud KITCHER, 1987, contra capa) e por fim Gould dizia “The
25
Kitcher não defendia a impossibilidade da sociobiologia como um todo, mas
criticava uma vertente específica da sociobiologia, a sociobiologia “pop”, onde “Speculation
that would be rejected in the attempt to understand the behavior of ants flourishes freely when
the animal under study is Homo Sapiens.” (KITCHER, 1987, p. 124). Kitcher mostra como a
sociobiologia pop era altamente especulativa, fugindo aos padrões da própria sociobiologia
animal. Kitcher mostra então como alguns dos estudos badalados da sociobiologia podem ser
explicados de forma mais satisfatória, utilizando folk psychology, e não as “motivações
profundas” do gene’s eye view.
best dissection ever published on the logic and illogic (mostly the latter) of sociobiology” (ibid). Para um resumo
das idéias de Kitcher e para o debate deste com outros autores, ver (KITCHER, et al. 1987).
26
doces, à situação em que essa mesma preferência deixa de ser adaptativa, uma vez que leva à
obesidade, um dos grandes problemas de saúde hoje em dia. Portanto, comportamentos que
estavam bem adaptados à vida passada, não necessariamente estão bem adaptados à vida
moderna.
A Psicologia Evolucionista reduz seu campo de atuação à explicação dos seres
humanos e outros primatas, mais os primeiros que os segundos, além de introduzir a variável
“mente” entre os genes e o comportamento “to understand the relationship between biology
and culture one must first understand the architecture of our evolved psychology”
(COSMIDES, TOOBY e BARKOW, 1992, p. 3). Talvez uma outra diferença poderia ser
destacada, a de que a Psicologia Evolucionista está mais preocupada em testar suas teorias do
que a sociobiologia. Sociobiólogos como Barash, e ele não foi o único, baseava suas
especulações em anedotas, como a inferência de que o homem seja inatamente xenofóbico
com base em acampamentos de férias americanos (KITCHER, 1987, p. 252-256), ao passo
que a Psicologia Evolucionista tem realizado pesquisas empíricas.
No entanto, poder-se-ia objetar que Wilson destacava essas mesmas
características na sociobiologia “Foi a comunalidade da natureza humana, e não as diferenças
culturais, que enfoquei em Sociobiology.” (WILSON, 1994, p. 329. ver também WILSON,
1981, cap. 1).
“as respostas emocionais humanas e as práticas éticas mais gerais nelas baseadas [no
cérebro] foram programadas, em grande parte, pela seleção natural... o desafio para a
Ciência é medir a inflexibilidade das restrições causadas pela programação, achar
sua fonte no cérebro, e decodificar seu significado através da reconstrução da
história evolutiva da mente.” (WILSON, 1981, p. 5).
27
“I agree that sociobiology does not, ultimately, have much of a future in biology because it is not really a
fruitful scientific theory.” (LEWONTIN, 1978, p. 148).
28
concordariam que novos elementos foram acrescentados, mas não acredito que este ponto seja
suficiente para explicar a não-biologização da sociologia. Richter chama a atenção para o
aspecto ontológico da relação biologia e social, tendo o número de intermediários
reconhecidos nesta relação aumentado. Mas uma análise dos aspectos epistemológicos desta
relação talvez seja interessante. Este é o caminho que seguiremos. Mas antes passaremos
pelas reações despertadas pela sociobiologia nas Ciências Sociais e pelas propostas de
correção das ciências sociais feita pela sociobiologia.
2.3.1. Antropologia
Para alguns sociobiólogos como Wilson (1981, p. 35) e Ruse (1983, p. 195), a
antropologia seria a primeira disciplina a ser biologizada e foi dali que surgiram as primeiras
reações contrárias nas ciências sociais. O australiano Dereck Freeman, que ficou famoso em
sua pretensa refutação do trabalho de Margareth Mead sobre os Samoas, apesar de acreditar
que a Antropologia ganharia muito com a Biologia e com a evolução, concluiu que a
Sociobiologia não representava nenhuma ameaça à antropologia (FREEMAN, 1982).
Freeman (2001) gosta de destacar como a capacidade de fazer escolhas, existente até em
microorganismos, vai sendo ampliada ao longo da evolução, sendo bastante aumentada nos
29
seres humanos. O embate Freeman vs. Mead foi pintado por muitos, inclusive pelo próprio
Freeman, como uma reedição do clássico embate natureza x cultura, onde Freeman seria o
“herético” que estaria pondo fim nas bases do determinismo cultural reinante na
Antropologia 28.
O antropólogo Marvin Harris (1980) – figura quase onipresente no debate, usado
em suporte tanto nos argumentos pró como contra a sociobiologia humana – tentou defender
que sua perspectiva do “materialismo cultural” era superior à sociobiologia, uma vez que a
esta última faltava “economia explicativa” (ou Navalha de Occam, ou princípio da
parcimônia) ao ter de recorrer freqüentemente a genes hipotéticos para sustentar sua lógica de
otimização genética. Para Harris poder-se-ia explicar os mesmos fenômenos pretendidos pela
sociobiologia sem ter de recorrer a esses genes hipotéticos. Mas a culpa do crescimento da
sociobiologia não deveria, segundo este, ser creditada aos próprios sociobiólogos, mas sim a:
“[a] intenção [de Mead] foi deixar claro que ela também já havia publicado idéias
sobre a base biológica do comportamento social. Uma delas era que a sociedade
contém uma série de pessoas geneticamente predispostas a diferentes tarefas, de
artista ou de soldado, digamos, e que essa diferenciação cria uma divisão de tarefas
mais eficiente.” (WILSON, 1994, p. 341).29
28
Para um breve resumo do embate, ver Hellman (1998, cap. 10).
29
Não encontrei, no entanto, nenhuma outra referência sobre este assunto, nem nenhuma declaração da própria
Mead sobre o assunto.
30
Em novembro de 1976, a Associação Antropológica Americana quase aprovou
uma moção formal de censura à sociobiologia, onde Mead teria protestado contra tal ação
como “queima de livros”. Segerstråle destaca também (p. 170-176) que Edmund Leach via
muitas refutações à aplicação da teoria sociobiológica na literatura etnográfica.
Mas a reação das ciências sociais que recebeu maior destaque foi sem dúvida a de
Marshall Sahlins com seu The Use and abuse of Biology de 1976. O livro é dividido em duas
partes. Na primeira, há a crítica epistemológica, na segunda, as críticas políticas, onde a
sociobiologia seria uma variante de utilitarismo sociológico, e idéias da economia como
“otimização” e “maximização” teriam sido transpostas da economia ao cálculo biológico,
substituindo “reprodução diferencial” como mecanismo evolutivo, numa espécie de versão
neo-liberal do lisenkoísmo30. As críticas políticas não nos interessam aqui, mas sim algumas
das críticas epistemológicas.
Wilson e outros muitos sociobiólogos diziam freqüentemente que, num futuro
breve, as ciências sociais seriam ramos da Sociobiologia. Mas, dizia Sahlins, isto não seria
possível, “because biology, while it is an absolutely necessary condition for culture, is equally
and absolutely insufficient: it is completely unable to specify the cultural properties of human
behavior or their variation from one group to another” (1976, p. xi). Sahlins contestava a tese
do isomorfismo entre cultura e indivíduo, “one of my main criticisms of the theory itself [a
sociobiologia]; namely, that there is no necessary relation between the cultural character of a
given act, institution or belief and the motivations of people.” (1976, p. xii). Não se explicaria
que uma nação se encontra em guerra com outra porque seus membros são agressivos.
Agressão não precisa estar presente num homem que detona uma bomba num alvo invisível.
As pessoas podem se engajar na guerra por uma multidão de motivos, como amor à pátria,
amor à humanidade, em vista da brutalidade do inimigo, por honra, culpa, para salvar a
democracia, etc. “that the reasons people fight are not the reasons wars take place... war is not
a relation between individuals but between states” (1976, p. 8).
Mas a Sociobiologia contou desde cedo com entusiastas na Antropologia, como
Irven DeVore, professor emérito de Harvard University, Napoleon Chagnon, ex-aluno de
30
“biology is not practiced in a social vacuum... Especially as it turned to the study of society itself, it would not
be immune to the ideology of the marketplace. All of Western science ridiculed the biology of Lisenko. Could
something like that happen here?” (SAHLINS, 1977, p. 78). Lisenko foi o biólogo oficial da União Soviética no
período Stalinista, e defendia que a genética mendeliana, por ser uma genética pequeno-burguesa, deveria ser
substituída por uma genética revolucionária afim com os interesses do proletariado, e tomou medidas drásticas
para isso: quem quisesse defender a genética mendeliana era mandado para exílio na Sibéria ou para o
fuzilamento. Até que ponto tal história é verídica não nos interessa aqui. Interessa somente que Lisenko tornou-
se um dos símbolos por excelência de rebaixamento do valor científico da verdade à motivos meramente
ideológicos.
31
Leslie White e hoje professor aposentado e emérito da Universidade da Califórnia - Santa
Barbara, Lionel Tiger professor da Rutgers University, e Robin Fox, autor (a) do já citado
Biosocial Anthropology.
Além desses, outros antropólogos tem papel importantíssimo dentro da
sociobiologia, especialmente da Psicologia Evolucionista, sendo alguns destes autores alguns
dos nomes principais da disciplina, como Jerome Barkow e John Tooby.
2.3.2. Sociologia
31
Bonner (1983) diz no Prefácio de seu livro que a inspiração para escrevê-lo veio das conferências em
Daedalus, organizada por Parsons e Duprée sobre sociobiologia, onde Bonner havia sido convidado para
palestrar. Não encontrei nenhuma outra referência sobre a relação Parsons e Sociobiologia. Acredito que Parsons
tenha organizado tais conferências, não para divulgar a sociobiologia, mas para aprender um dos assuntos mais
debatidos na biologia ao final da década de 1970.
32
Diz Homans sobre o sociobiólogo Lopreato: “Although he does mention learning theory from time to time,
and favorably... He had not paid enough attention to modern psychology and especially to learning theory.
32
Talvez Homans tenha razão. O silêncio dos sociólogos talvez só tenha contribuído para o
crescimento da sociobiologia.
Randall Collins (1983) vislumbrava algum futuro comum entre sociobiologia e
sociologia, mas somente na medida em que a sociobiologia incorporasse o “paradigm shift”
na teoria da evolução levada por Stephen Gould, Niles Elredge e Elizabeth Vrba, onde fatores
genéticos perderiam a importância para fatores ambientais na explicação da evolução. Para
Collins, a “sociobiologia do futuro” ressaltaria padrões estruturais e sociais em espécies não-
humanas, ao invés do foco na genética. Neste sentido, afirma Collins, “Current biology and
sociology may indeed be coming into greater congruence, but the convergence seems to be
largely in the direction of the biologists finding a ‘sociological’ pattern in the world of
plants and animals.” (1983, p. 313). Mas também ressaltava Collins que a sociobiologia
poderia reiterar os processos que os humanos compartilham com outros animais, mostrando
as motivações da ação mais profundos (deeper levels) que a linguagem humana e a
racionalidade consciente, podendo a sociobiologia ser “strikingly reinforced” pela
etnometodologia, uma vez que esta teria mostrado que a cognição humana é limitada e que o
conhecimento tácito é sempre operativo (ibid). Collins recentemente publicou um livro onde
trata de micro questões relacionadas à violência, onde contrapõe teorias micro-sociológicas
alternativas a alguns dos problemas ligados à violência tratados pela Psicologia Evolucionista
(COLLINS, 2008).
O sociólogo Raymond Boudon, em seu dicionário crítico de sociologia dizia ser
“prematuro emitir qualquer juízo” sobre a sociobiologia humana (BOUDON e
BOURRICARD, 1993, p. 534). Mas, mais recentemente, Boudon começou a tratar da
sociobiologia um pouco mais detalhadamente, não vendo possibilidades de ganhos para a
sociologia com a sua incorporação (BOUDON, 2003). Boudon tem ressaltado que a via de
imputar racionalidade instrumental (qual o melhor meio para determinados fins) a níveis mais
profundos, como faz a sociobiologia com o nível gênico, mas também o marxismo com a
idéia de “interesse de classe”, o freudismo com o “inconsciente” e Nietzsche com a idéia de
“resignação”; todas estas vias compartilhariam para Boudon do mesmo problema, isto é, da
idéia da “falsa consciência”, problema este que não incorreriam autores como Durkheim e
Weber. Boudon, a meu ver, possui a resposta mais sofisticada e sensata ao chamado “desafio
da sociobiologia”. Voltaremos a Boudon no capítulo 3.8.
(HOMANS, 1985, p. 77-8). Anos antes, Homans havia levantado pontos semelhantes contra Ellis (HOMANS,
1977).
33
Mas não só apatia à sociobiologia ocorreu na Sociologia. Alguns sociólogos
menos conhecidos viram as teorias da sociobiologia como ‘a boa nova’ para a salvação da
crise na sociologia. Além dos já citados Chagnon, Fox e Irons, a “velha guarda” dos
defensores da (sócio)biologia nas ciências sociais (isto é, cientistas sociais profissionais que já
tinham trabalhos antes do nascimento da sociobiologia) é completada por Pierre van den
Berghe. Ele é professor emérito de sociologia e antropologia da Universidade de Washington,
tendo sido aluno de Parsons e Homans. Trabalhou com a aplicação da sociobiologia à
antropologia nas questões parentesco e casamento, e raça e etnicidade em sociologia. Jospeh
Lopreato está entre os mais famosos sociólogos defensores da sociobiologia na Sociologia,
assim como Lee Ellis. Lopreato defende a chamada “Evolutionary Sociology”, e aposta numa
reedição de Pareto via sociobiologia. Stephen Sanderson, da Universidade da Pensilvânia
trabalha com a evolução social, mas também defende a aplicação da sociobiologia nas
ciências sociais. Como dito anteriormente, Jeremy Freese (2000) chegou a ganhar um prêmio
da American Sociological Association devido à sua tese de doutoramento sobre o potencial da
sociobiologia e da psicologia evolucionista para a sociologia. Há ainda autores como Timothy
Crippen, Richard Nielsen, François Nielsen, Alan Mazur, J. Shepher, Anthony Walsh,
J.Richard. Udry, dentre outros. Ellis nos apresenta uma lista de sociólogos sociobiólogos e
respectivas áreas, como Demografia e fertilidade, altruísmo e moralidade, criminalidade,
delinqüência, agressão humana, uso e abuso de drogas, longevidade, inteligência e habilidade
acadêmica, relações internacionais, Religião e religiosidade, orientação sexual, estratificação
social, dentre outros (ELLIS, 1996). Atualmente, talvez o mais ativo defensor da
sociobiologia na sociologia seja Satoshi Kanazawa, da London School of Economics. Este
autor trabalhava inicialmente com teoria da escolha racional, tendo participado de coletâneas
sobre este assunto organizadas por James Coleman, passou a tentar integrar psicologia
evolucionista à teoria da escolha racional para tentar resolver problemas importantes da teoria
da escolha racional. Ele defende abertamente que “Social Sciences are branches of biology”.
Trataremos nesta dissertação de alguns desses autores, e de alguns de seus trabalhos. Mesmo
assim, acredito que isto seja suficiente para nos dar uma visão mais ou menos acurada do
campo.
Vejamos a seguir mais detalhadamente como a sociobiologia vê as ciências
sociais, dando especial atenção à sociologia, e como a sociobiologia acredita poder melhorá-
la.
34
2.4. Diagnóstico e cura das Ciências Sociais segundo a
Sociobiologia
Para Wilson, a Sociologia estaria ainda muito atrasada enquanto ciência. Dizia ele
ao final de seu livro Sociobiology:
Consider the prospects for sociology. This science is now in the natural history stage
of its development. There have been attempts at system building but, just as
35
psychology, they were premature and came too little. Much of what passes for
theory of sociology today is really labeling phenomena and concepts, in the
expected manner of natural history. Process is difficult to analyze because the
fundamental units are elusive, perhaps nonexistent. (WILSON, 1975, p. 574).
“After more than a century, the social sciences are still adrift, with an enormous
mass of half-digested observations, a not inconsiderable body of empirical
generalizations, and a contradictory stew of ungrounded, middle-level theories
expressed in a babel of incommensurate technical lexicons. (COSMIDES;
TOOBY e BARKOW, 1992, p. 23).
“Yet uncomfortable facts were already appearing. Anthropologists had failed to find
the diversity Mead had promised. Freudians had explained very little and altered
even less by their appeals to early influences. Behaviorism could not account for the
innate preferences of different species of animal to learn different things: Rats are
better at running mazes than pigeons. Sociology's inability to explain or rectify the
causes of delinquency was an embarrassment.” (RIDLEY, 1993, p. 319).
“Contribuía para reavivar o prolongado debate sobre natureza versus criação 33, num
momento em que a criação aparentemente já havia ganho. As ciências sociais
estavam sendo construídas sobre essa vitória.” (WILSON, 1994, p. 330).
“Um dos grandes sonhos dos teóricos sociais - Vico, Marx, Spencer, Spengler,
Teggart, e Toynbee, dentre os mais inovadores - foi idealizar leis de história que
pudessem prever algo do futuro da humanidade. Seus desígnios resultaram
33
O debate natureza x criação vem do inglês nature x nurture. “Nurture” foi por vezes traduzido como “criação”,
“cultura” e “educação”.
36
modestos, porque sua compreensão da natureza humana não tinha qualquer base
científica.” (WILSON, 1981, p. 205).
Social scientist are expected to tell us how to moderate ethnic conflict, convert
developing countries into prosperous democracies, and optimize world trade. In both
spheres the problems have been intractably complex, partly because the root causes
are poorly understood. (WILSON, 1998, p. 181).
“Not only have the social sciences been unusual in their self-conscious stance of
intellectual autarky but, significantly they have also been relatively unsuccessful as
sciences. Although they were founded in the 18th and 19th centuries amid every
expectation that they would soon produce intellectual discoveries, grand “laws” and
valid theories to rival those of the rest of science, such success has remained elusive.
...We suggest that this lack of progress, this ‘failure to thrive,’ has been caused by
the failure of the social sciences to explore or accept their logical connections to the
rest of body of science.” (COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 23).
“....the study of human nature must have profound implications for the study of
history, sociology, psychology, anthropology, and politics. Each of those disciplines
is an attempt to understand human behavior, and if the underlying universals of
human behavior are the product of evolution, then it is vitally important to
understand what the evolutionary pressures were. Yet I have gradually come to
realize that almost all of social science proceeds as if 1859, the year of the
publication of the Origin of Species, had never happened; it does so quite
deliberately, for it insists that human culture is a product of our own free will and
invention. Society is not the product of human psychology, it asserts, but vice
versa.” (RIDLEY, 1993, p. 7).
37
fundamentada [sócio]biologicamente, devido à aceitação da falsa doutrina da Tábula Rasa –
isto é, a doutrina que diz que o homem é produto unicamente de sua socialização, sem
nenhuma influência de fatores biológicos. Na metáfora de Pinker, indivíduos seriam massinha
de modelar (Silly Putty) moldados inteiramente pela cultura.
“... todas elas [ciências sociais e Psicologia] tinham em comum a aversão pelos
instintos e pela evolução. Eminentes cientistas sociais repetidamente declaravam que
a tabula era rasa... Durkheim falara em ‘material indeterminado’, algum tipo de
coisa amorfa que era moldada ou batida pela cultura até assumir forma. Talvez a
melhor metáfora seja a Silly Putty, uma massinha borrachuda que as crianças usam.”
(ibid, p. 47).
Tooby e Cosmides destacam três erros do chamado Modelo Padrão das Ciências
Sociais (1992 p. 33-4). O primeiro diz que a lógica central do Modelo Padrão repousa sobre
modelos ingênuos e antiquados do desenvolvimento, ao acreditar que características ausentes
num bebê e presentes num adulto só poderiam ser produto do social. Mas, dizem, dentes e
seios fartos também estão ausentes no bebê, e nem por isso seriam produtos da cultura.
Assim, certas predisposições inatas poderiam surgir em fases avançadas do desenvolvimento
do indivíduo. O segundo diz que o modelo repousa sobre uma análise defeituosa da oposição
natureza e cultura, onde fatores biológicos e ambientais seriam mutuamente excludentes,
como num jogo de soma zero. Mas na verdade só pode haver Cultura se houver biologia que a
embase. E, por último, o modelo padrão requereria uma psicologia impossível, ao supor que a
mente seria livre de conteúdo inato (content-independent), com propósitos gerais (general
purpose) e mecanismos de conteúdo livre (content-free mechanisms), isto é, a teoria da tábula
rasa.
Há um consenso geral na sociobiologia de que as ciências sociais sejam
partidárias da teoria da tabula rasa. Mas Pinker acrescenta ainda mais dois erros: O primeiro
trata-se do “fantasma na máquina”, isto é, a crença de que uma alma imaterial dotada de livre
arbítrio é a única responsável pelas ações humanas (fantasma), e que ela causaria a ação no
corpo (máquina); e o segundo erro trata-se do mito do bom selvagem, onde o homem em seu
estado primitivo seria bom e pacífico, sendo a sociedade que o corromperia. A crença no
Fantasma da Máquina seria o modo de desvincular vontade humana da causação mecânica.
Segundo Pinker, aqueles que acreditavam na separação absoluta entre cultura e biologia
usaram freqüentemente a analogia da diferença entre matéria viva e não viva, como o teriam
feito Robert Lowie e Kroeber. No entanto, diz Pinker, “Na época, Kroeber e Lowie tinham a
38
biologia a seu lado, com a idéia de um élan vital, e não podiam ser reduzidos a matéria
inanimada.” (PINKER, 2004, p. 52, grifo no original).
Van den Berghe (1990) também dizia que a sociologia estava na “intellectual
bankruptcy” justamente por dar as costas à Biologia. E Ellis dizia contundentemente:
“It is time for sociology to stop resuscitating the views of Durkheim, Weber, and
Marx (except as historical landmarks). This is not because their ideas were not
innovative and important for their time. Rather, sociology's niche within the greater
scientific community is being undercut by the continued failure of sociologists to
incorporate modern evolutionary, genetics, and neurochemical concepts into their
theories.” (ELLIS, 1996, p. 32-3).
Alguns autores disseram que as ciências sociais sofreriam de certas fobias. Wilson
sugeriu dizer em “antropocentrismo”, isto é, o ímpeto de colocar o ser humano num pedestal
num reino à parte de toda a criação, sendo a sociobiologia a disciplina que ao ver o homem
por um “telescópio invertido” estaria mais apta a colocar o homem “em seu devido lugar”.
Martin Daly e Margo Wilson chegaram a dizer que cientistas sociais têm “biofobia”, isto é,
medo da biologia em suas disciplinas (ELLIS, 1996, p. 23).
We suggest that this lack of progress [das ciências sociais], this ‘failure to thrive,’
has been caused by the failure of the social sciences to explore or accept their logical
connections to the rest of body of science...Instead of the scientific enterprise, what
should be jettisoned is what we will call the Standard Social Science Model
(SSSM):The Consensus view of the nature of social and cultural phenomena that has
served for a century as the intellectual framework for the organization of psychology
and the social sciences and the intellectual justification for their claims of autonomy
from the rest of science. (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 23).
“The idea that two statements cannot contradict each other and both be true was old
when Aristotle formalized it, and it is only a small step from that to the
commonplace idea that claims from different scientific disciplines should not
contradict each other either, without at least one of them being suspected of being in
error. Such a notion would seem too obvious to discuss were it not for the bold
claims of autonomy made for the social sciences, accompanied by the
institutionalized neglect of neighboring disciplines... It is, perhaps, one of the
astonishing features of intellectual life in our century that cross-disciplinary
consistency should be treated as a radical claim in need of defense, rather than as a
routine tool of inference. (BARKOW, COSMIDES e TOOBY, 1992, p. 13, nota 1).
Kroeber não só negou que o comportamento social pudesse ser explicado por
propriedades inatas da mente; negou que pudesse ser explicado por quaisquer
propriedades da mente Uma cultura é superorgânica, ele escreveu – flutua em seu
próprio universo, livre da carne e do sangue dos homens e mulheres reais.”
(PINKER, 2004, p. 46, grifo original).
“... todas elas [ciências sociais e Psicologia] tinham em comum a aversão pelos
instintos e pela evolução. Eminentes cientistas sociais repetidamente declaravam que
a tabula era rasa... Durkheim falara em “material indeterminado”, algum tipo de
coisa amorfa que era moldada ou batida pela cultura até assumir forma. Talvez a
melhor metáfora seja a Silly Putty, uma massinha borrachuda que as crianças
usam...” (ibid, p. 47).
40
2.4.4. A cura. Fiat Lux nas Ciências Sociais
Mas não há motivos para desespero. De tal diagnóstico não se deve concluir que
todo o empreendimento das ciências sociais esteja fadado ao fracasso. Uma nova ciência
social seria possível e já estaria surgindo, e esta seria melhor porque incorporava os avanços
recentes das ciências naturais. Tooby e Cosmides propuseram o termo ICM ou Integrated
Causal Model para designar esta nova ciência social, outros falaram mais especificamente em
Neo-Darwinian Sociology, Evolutionary Sociology, ou Evolutionary Anthropology.
Sociology sensu strictu, the study of human societies at all levels of complexity, still
stands apart from sociobiology because of its largely structuralist and nongenetic
approach. It attains to explain human behavior primarily by empirical description of
the outermost phenotypes and by unaided intuition, without reference to
evolutionary explanations in the true genetic sense... One of the functions of
sociobiology, then, is to reformulate the foundations of the social sciences in a way
that draws these subjects into the Modern Synthesis. (WILSON, 1975, p. 4).
Wilson acreditava que as Ciências Sociais deveriam ser reduzidas à biologia, uma
vez que “A essência do método científico é a redução dos fenômenos percebidos a princípios
fundamentais, testáveis” (WILSON, 1980, p. 10), mas ponderava sobre este princípio.
41
“A redução é o instrumento tradicional da análise científica, mas é temida e
hostilizada. Se o comportamento humano pudesse ser reduzido e determinado em
qualquer grau considerável pelas leis da Biologia, então a humanidade poderia
parecer estar longe de ser única e, nesse sentido, seria desumanizada.” (ibid, p. 12).
Wilson defendia que um certo reducionismo seria necessário, uma vez que boa
ciência seria ciência reducionista, e explica um pouco melhor o que entende pelo termo
“reducionismo”:
“by calling for conceptual integration in the behavioral and sciences we are neither
calling for reductionism nor for the conquest and assimilation of one field by
another...In fact, not only the principles of one field not reduce to those another, but
by tracing the relationships between fields, additional principles often appear.”
(COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 12).
“each field ‘higher’ up in the structure requires additional principles special to its
more restricted domain (e.g., living things, humans) that are not easily reduced to
the principles found in the other fields (e.g. .natural selection is not derivable from
chemistry).” (ibid, p. 13, nota 1).
“What evolutionists are asking is only that sociology and social-cultural
anthropological accounts be compatible with what we think we know of human
evolution and psychology: that is all. Incompatibles indicate errors at one level or
the other and must drive research. The aim is never to replace sociology or
42
anthropology with psychology and biology.” (BARKOW, 2006, p. 29 apud
JACKSON s.d., p. 9).
“What then is to replace that standard social science model? Following Tooby and
Cosmides is Symons, who in his chapter demolishes facile efforts to account for
culturally patterned behavior with a psychology-free evolutionary biology. How,
then, are we to apply an evolutionary perspective to modem culture and society?
The present chapter provides a single answer to both of those questions: We replace
unexamined psychological assumptions not with pure biology but with an
evolutionary psychology (or at least, for those who dislike labels, with an
evolutionarily-informed psychology).” (BARKOW, 1992, p. 635, itálicos no
original).
“In the 1970s a few brave sociobiologists began to ask why, if other animals had
evolved natures, humans would be exempt. They were vilified by the social science
establishment and told to go back to ant-watching: Yet the question they had asked
has not gone away.” (RIDLEY, 1993, p. 319).
“Advances in recent decades in a number of different disciplines, including
evolutionary biology, cognitive science, behavioral ecology, psychology, hunter-
gatherer studies, social anthropology, biological anthropology, primathology, and
neurobiology have made clear for the first time the nature of the phenomena studied
by social scientists and the connections of those phenomena to the principle and
findings in the rest of science. (COSMIDES; TOOBY e BARKOW, 1992, p. 23,
itálicos adicionados).
No estudo dos humanos, há esferas importantes da experiência humana – beleza,
maternidade, parentesco, moralidade, cooperação, sexualidade, violência – nas quais
a psicologia evolucionista forneceu a única teoria coerente e gerou novas e vibrantes
áreas de estudo empírico. (PINKER, 2004, p. 191).
43
“Se de fato os genes renunciaram a seu controle nalgum tempo remoto durante a
evolução humana, e se o cérebro se assemelha a um computador para todas as
finalidades, a biologia não pode desempenhar um papel coadjuvante nas ciências
sociais. O domínio apropriado da sociologia seria então a variação dentro das
culturas, interpretadas como um produto do ambiente. Já a antropologia cultural
deveria concentrar-se no detalhado estudo interno das sociedades estranhas aceitas
em seus próprios termos, com o mínimo de referência aos esquemas extrínsecos
ocidentalizados, inclusive os provindos da biologia.” (WILSON, 1994, p. 331).
44
sociologia teria ainda algumas poucas décadas34, e cerca de vinte e quatro anos mais tarde da
primeira previsão de Ellis, Stephen Sanderson reatualizou o cálculo do declínio da sociologia
35
não sociobiologizada para mais vinte anos e também Lopreato expressou opinião
semelhantes (2001, p. 430).
Acredito que o argumento do projeto de sociobiologização das ciências sociais
pode ser esquematizado da seguinte forma.
Tese 1: As ciências sociais feitas até o momento se embasam em certas teorias contraditas
pelas ciências naturais atuais.
Subtese 1.1: Uma crença que embasa as ciências sociais é a idéia de que o
homem é uma tábula rasa ao nascer, isto é, as ciências sociais
negam a existência de aspectos inatos no homem.
Subtese 1.2: Outra crença errônea que embasaria as ciências sociais trata-
se do mau entendimento da evolução darwiniana, associando-a
erroneamente à noção de progresso.
Tese 2: Tal descompasso com as ciências naturais leva ao atraso nas ciências sociais, isto é,
sua incapacidade em gerar conhecimento científico válido (leis).
Tese 3: Para curar tal atraso, as ciências devem se fazer consistentes com as ciências
naturais, pois é assim que a ciência progride.
Tese 4: A sociobiologia seria “a” representante das ciências naturais,
Tese 5: A sociobiologia seria a única ciência no momento capaz de integrar as ciências
sociais às naturais e fazer com que as primeiras consigam progressos científicos
reais.
34
“Sociology is safe for at least a few more decades.” (Van den BERGHE, 1991, p. 185).
35
“If sociologists continue to deny the importance of biology, within twenty years or so, by which time the
evidence for biology will have become much more massive, they are going to look increasingly foolish both
within the academy and to the larger educated public. They will risk becoming seriously marginalized, if not
destroyed, as a discipline.” (SANDERSON, 2001b, p. 137).
45
Tais leituras não têm se restringindo ao âmbito sociobiológico. Runciman
compartilha desta leitura (RUNCIMAN, 2001, p. 15), e pelo menos um manual de
Antropologia corrobora esta visão36. Alguns chegam ao ponto de igualar a recusa da biologia
pelas ciências sociais com “neocriacionismo”, como fizeram Barbara Ehrenreich e Janet
MacIntosh (apud Dusek), Frank Salter (1996), Bernard Baldus (apud RICHTER, 2005, p.
538) e Allan Mazur. Diz este último: “Conventional social scientists treat humans as sui
generis, a species apart from the rest of the animal kingdom. Ignoring evolution, sociologists
explain our behavior and institutions as if we were created afresh by God, without roots in our
simian ancestry” (MAZUR apud NIELSEN, p. 29).
Apesar de tudo que foi dito até então, defenderei aqui que algumas destas teses
são absolutamente falsas, outras parcialmente falsas ou bastante questionáveis. No capítulo
seguinte discutiremos quão bem as ciências sociais foram entendidas por sociobiólogos e, no
posterior, as possíveis vias de sociobiologização das ciências sociais.
36
“O contato entre biólogos e antropólogos nos anos 90 foi produtiva. Biólogos compreenderam que linguagem,
autotconsciência, mito e ritual não é simplesmente ‘elaborações sobre comportamento primata genérico’ e
antropólogos “por sua vez admitiram, que em grande parte a teoria da tabula rasa da socialização humana é
insustentável, e muitos começaram pelo menos a questionar a separação a priori das ciências naturais e sociais”
(ERIKSEN e NIELSEN, 2007. p. 201-202).
37
Segundo (PINKER, 2004, p. 45), Kroeber seria um “monstro” criado por Boas.
46
Enquanto muitos críticos enfatizaram a inexistência de adeptos deste suposto
Modelo Padrão, desconheço quem tenha procurado demonstrar um pouco mais
extensivamente a inexistência de adeptos reais, talvez por acreditarem que isto fosse óbvio
demais para merecer perder tempo38. Espero contribuir para o debate mostrando um pouco
mais extensamente como tal modelo jamais existiu.
Um modo de conhecer uma disciplina, dizia Kuhn, é olhar seus manuais ou livros-
texto. Em língua inglesa um manual bastante influente em sua época foi o livro de Sorokin
(1928) Contemporary Sociological Theories. Nele, Sorokin traça um retrato bastante extenso
sobre as principais escolas sociológicas da época e suas principais influências, além de traçar
em alguns casos suas origens remotas. Fica evidente as inúmeras influências das mais
diversos campos na sociologia, como física, biologia, e geografia. Quanto às influências da
biologia, Sorokin identificava as seguintes tendências típicas:
1 . interpretação bioorganicista dos fenômenos sociais, ou como ficou conhecida
posteriormente, simplesmente “organicismo”. A sociedade pode ser entendida como
um organismo. Teve como principais representantes René Worms, criador do
Instituto Internacional de Sociologia, Albert Schäffle, Paul Lilienfeld, Glumpowicz
e Alfred Espinas.
2 . Escola antroporracial. Examinava fenômenos sociais em função da herança, seleção
e variação mediante a seleção de raças. Teve como principal representante
Gabineau. Defenderam teorias da degeneração racial, onde o declínio de civilizações
ocorriam devido à miscigenação racial.
3 . escola darwinista da luta pela existência. Influenciou a sociologia da guerra e teve
como principais defensores J.Novicow, E.Ferri.
4 . escola instintivista. Teve como principais representantes Conwy Lloyd Morgan,
James Mark Baldwin, William James e William McDougall Processos e instituições
sociais poderiam ser manifestações das várias tendências herdadas e instintivas.
Segundo alguns autores, tais instintos foram moldados pela seleção natural.
38
Há o trabalho de Jackson (no prelo) que comenta a má leitura que psicólogos evolucionistas fizeram de
Kroeber. Já Schmaus (2003) contesta que a sociologia de Durkheim seja incompatível com a psicologia
evolucionista. No entanto, Schmaus não menciona os pontos que destacarei aqui.
47
pobres e inaptos (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 34-5). Mas afora isto, nem mesmo a escola
instintivista recebe atenção39. Na nossa discussão, não nos interessa discutir a escola
antroporacial. As outras escolas serão discutidas ao longo deste capítulo. A simples existência
destas escolas, como veremos a seguir, questiona a variação da história das ciências sociais
que diz que as ciências sociais nasceram e cresceram desconhecendo as ciências naturais e/ou
a evolução darwiniana.
Durkheim seria o principal “culpado”, uma vez que ele teria cunhado uma
separação intransponível entre ciências sociais e ciências naturais, entre cultura de um lado e
psicologia e biologia de outro, onde sociedade seria um ente independente da psicologia
individual, sendo pessoas meras tabulas rasas. Tal discurso é onipresente nos livros de
psicologia evolucionista.
No entanto, é usado como único suporte a estas interpretações o livro As Regras
do Método Sociológico, tido como o manual canônico de toda a sociologia, além de servir de
inspiração para a antropologia cultural. Durkheim é tido como “o” fundador da sociologia.
Geralmente, além da afirmação de que fatos sociais são fenômenos sui generis, as seguintes
passagens da obra de Durkheim são utilizadas em apoio a esta leitura, sendo repetidas à
exaustão.
1) “Um fato social só pode ser explicado por outro fato social” (DURKHEIM,
1995 [1895], p. 149), e:
2) “toda vez que um fenômeno social é diretamente explicado por um fenômeno
psíquico, pode-se ter a certeza de que a explicação é falsa” (DURKHEIM, 1995 [1895], p.
106)
Ellis (1996) considerou a segunda “dead wrong... assumption” (1996, p. 25).
Outros tiraram as seguintes conclusões:
“E Durkheim formulou uma lei para as ciências sociais que seria citada com
freqüência no século seguinte: ‘A causa determinante de um fato social deve ser
39
Hampton (2006) trabalha este ponto da negligência da psicologia evolucionista para com a escola instintivista.
Tal negligência, segundo Hampton, tem levado a psicologia evolucionista a alguns dos mesmos erros da escola
instintivista, e, acrescenta “However, the weakness of the SSSM as a thesis is that it overlooks ‘the instinct
debate’ – by which I mean the attempt to establish instinct as the foundational concept in psychology and social
science.” (p. 58).
48
buscada entre os fatos sociais que o precederam, e não entre os estados de
consciência individual’. Tanto a psicologia como as ciências sociais, portanto,
negavam que a mente da pessoas individuais fosse importante...” (PINKER, 2004 p.
46, grifo adicionado).
“Durkheim like Boas in anthropology, did subsequent generations of social
scientists a great disservice with his (1895) argument that social facts can be
explained only by other social facts - that social facts are phenomena sui generis and
thus endogenously explicable and autonomous from the realms of psychology and
biology.” (LOPREATO e CRIPPEN, 1999, p. 13-4).
Ridley disse “Emil Durkheim, the founder of sociology, set out in 1895 [As
Regras do Método Sociológico] his assertion that social science must assume people are blank
slates on which culture writes” (RIDLEY, 1993, p. 318, grifo meu). Outro autor disse,
“sociobiology violates Durkheim’s injunction—which is bedrock in the training of social
scientists in this country—that social phenomena can only be explained in terms of social
variables.”(HOLTON apud FREESE, 2000, p. 18, itálico adicionado). Freese concluiu que As
Regras do Método Sociológico foi escrito unicamente como tática para defender uma cadeira
de sociologia em Sorbonne contra os psicólogos (p. 44240). E Barkow afirmou:
Mas Durkheim não diz que o objeto da sociologia seja “fenômeno social”, nem
“comportamento social”, “comportamento humano”, muito menos “mente individual”.
Durkheim diz que são objeto da sociologia os “fatos sociais”, conceito cuja definição e
aplicação é bem delimitada em capítulos próprios e no prefácio à segunda edição, para evitar
o tipo de confusão que ocorria na época e que sociobiólogos repetem sem nenhum pudor. Em
nenhum momento os sociobiólogos procuram o sentido que Durkheim deu a “fato social”,
mas se sentem à vontade em inferir seu significado como sinônimo de “social” simplesmente.
Além disto, o que legitima Durkheim dizer que um fato social só pode ser explicado por outro
fato social que o preceda e nunca pela psicologia, é, segundo o próprio, por puramente se ater
ao princípio da causalidade (eficiente). Trata-se, portanto, de um enunciado metodológico,
não um enunciado empírico ou um simples dogma que diz que não há influência da biologia
40
E usa em apoio uma passagem de (ROSE, 2000, p. 144). Rose, apesar de fazer uma defesa de Durkheim,
parece acreditar que este tenha sido realmente o motivo de Durkheim escrever tal livro.
49
no comportamento social. Podemos pensar que a psicologia pode ser a causa material dos
fatos sociais, mas não sua causa eficiente 41.
Por exemplo, se desejamos saber o motivo de João estar nervoso agora, de nada
adianta recorrer ao enunciado “humanos ficam nervosos quando a taxa de hormônios X
aumenta n%” uma vez que não queremos saber os processos envolvidos quando pessoas
ficam nervosas, mas por que uma pessoa específica, João, está nervosa neste momento e não
em outro. A explicação só surge quando utilizamos um elemento presente numa situação e
não em outra, como “bateu o carro”. O enunciado “Pessoas ficam nervosas quando a taxa de
hormônios X aumenta n%” é simplesmente condição de existência, e é exatamente isso que
Durkheim diz da psicologia: ela é meramente condição de existência, mas não condição
suficiente para explicar fatos sociais. Para Durkheim seria igualmente legítimo dizer que fatos
psíquicos só se explicam por outros fatos psíquicos, e que toda vez que se explicar fatos
psíquicos diretamente por fatos sociais, pode-se saber que tal explicação é falsa. Dizia
Durkheim sobre isto:
41
A distinção entre tipos de causa vem de Aristóteles. Se uma escultura foi feita, então a causa material dela
seria o mármore, enquanto a causa eficiente seria a atividade pela qual o resultado foi produzido. Haveria ainda
para Aristóteles as causas formal e final, que não nos interessa aqui. Durkheim utiliza apenas o termo “causa
eficiente”. Mas apesar de não utilizar o termo “causa material”, acredito que possa ser utilizado para descrever o
papel da psiquê na explicação de fatos sociais.
50
vitalismo. Cientistas que acreditavam na separação absoluta entre cultura e biologia usaram a
analogia da diferença entre matéria viva e não viva. Löwie dizia que a Cultura era sui generis,
afinal uma célula só pode vir de outra célula. “Na época em que escreveram, Kroeber e Lowie
tinham a biologia a seu lado. Muitos biólogos ainda julgavam que os seres vivos eram
animados por uma essência especial, um élan vital, e não podiam ser reduzidos a matéria
inanimada.” (PINKER, 2004, p. 52).
Mas Durkheim não recorre a nenhuma analogia com o vitalismo, como sugeriu
Pinker.
“Mas, dirão, visto que os únicos elementos de que é formada a sociedade são
indivíduos, a origem primeira dos fenômenos sociológicos só pode ser psicológica.
Raciocinando deste modo, pode-se também facilmente estabelecer que os
fenômenos biológicos se explicam analiticamente pelos fenômenos inorgânicos.
Com efeito, é bastante certo que na célula viva há apenas moléculas de matéria
bruta. Só que estas se encontram ali associadas, e essa associação é que é a causa
dos fenômenos novos que caracterizam a vida e cujo germe é impossível descobrir
em qualquer um dos elementos associados... Que diferenças existem entre os
organismos inferiores e os demais, entre o ser vivo organizado e o simples plastídio,
entre este e as moléculas inorgânicas que o compõem, senão diferenças de
associação? Todos esses seres, em última análise, decompõem-se em elementos da
mesma natureza.” (DURKHEIM, 1995 [1895], p. 104).
42
Além de Durkheim, vários outros autores do século XIX como Spencer, Morgan e Comte dentre outros,
destacavam como característica das sociedades européias seu menor uso da violência em relação às sociedades
tradicionais, como na passagem “sociedades militares” para “sociedades industriais”, ou entre selvageria,
civilização e barbárie.
51
desconheçam. Além do crime, formas mais específicas de crime, como a interpretação de
assassinato e roubo como crimes também seriam universais.
A impressão que se tem, ao analisarmos a leitura de Durkheim feita pela
sociobiologia, é a de que não leram bem sequer a obra que criticam como a pedra fundante do
Modelo Padrão das Ciências Sociais, mas selecionaram (alguém, há algum tempo atrás) as
partes que consideraram interessante para sua narrativa, repetindo tais passagens em leituras
de segunda e terceira mão.
Mas deve-se fazer justiça às exceções. Certos sociobiólogos fogem um pouco a
tal interpretação tendenciosa de Durkheim. Wilson (1975, p. 560) concordava com Durkheim
quanto ao papel do ritual na reafirmação dos valores coletivos; Rosenberg (1980) criticou
Durkheim, mas em termos muito diferentes da psicologia evolucionista. Já Sanderson e
Lopreato compartilham de certa visão defeituosa, mas chamam a atenção para o não-anti-
evolucionismo darwiniano em Durkheim. Mas tais casos, como disse, fazem parte das
exceções.
“Na tradição sociológica, sociedade é uma entidade orgânica coesa, e seus cidadãos
individuais são meras partes. As pessoas são consideradas sociais por sua própria
natureza, funcionando como constituintes de um superorganismo maior. Essa é a
tradição de Platão, Hegel, Marx, Durkheim, Weber, Kroeber, do sociólogo Talcott
Parsons, do antropólogo Claude Lévi Strauss e do pós-modernismo nas
humanidades e ciências sociais.” (PINKER, 2004, p. 389).
43
Dizia ele “In order to finally place political doctrine upon the soil of reality, it would be necessary to take the
position of admitting that sociology is simply the continuation and the development of biology, that human
52
e mesmo o termo “vivo” não tem sentido vitalista. Era vivo, tinha suas próprias necessidades,
mas não existia fora dos indivíduos que o compõem (BARBERIS, 2003, p. 55). Organicistas
se opunham ao darwinismo social uma vez que a natureza também exibia harmonia e
cooperação.
O principal problema dos organicistas era a questão da organização (GUILLO,
2002, p. 146). Os organicistas defendiam tal analogia para defender a complexidade do social,
onde formava-se um todo complexo, onde não poderíamos retirar nenhuma de suas partes sem
com isso comprometer o funcionamento do todo, e conseqüentemente, das outras partes.
Alguns diziam que o anarquismo seria impossível, uma vez que seria impossível remover
certas instituições cruciais para o funcionamento da sociedade. Eliminar o governo seria como
eliminar o sistema nervoso (BARBERIS, 2003, p. 59). No organicismo, defende Guillo, a
idéia de “Organismo” não tem nenhuma oposição a “mecânico”, no sentido de escapar às leis
da mecânica para afirmar “vida”. Guillo chama a atenção que os organicistas inclusive se
opunham à Naturphilosophie alemã, talvez essa sim de tendências vitalistas, e suas noções de
força vital (élan vital) na biologia, ou seus correlatos sociológicos Volkgeist (“espírito do
povo” em tradução literal) ou de Sozialspyche (“psique social” em tradução livre) enquanto
forças misteriosas. Nem no organicismo há a noção vitalista de élan vital ou seus correlatos
(GUILLO, 2002, p. 126). Durkheim também ressaltou este ponto quanto à suas próprias
teorias e conceitos:
“É preciso deixar claro que, ao nos servirmos dessa expressão, de modo algum
pretendemos hipostasiar a consciência coletiva. Não podemos admitir a existência
de uma alma substancial, seja ela na sociedade como no indivíduo.” (DURKEIM,
2003, p. 23).
society is a concrete living thing, of the same order as animal societies.” (ESPINAS, 1882, p. 566–7 apud
BARBERIS, 2003, p. 59).
44
Wilson ao falar sobre diferenças entre humanos e símios, dizia que até os mais fervorosos ambientalistas
“estão inclinados a concordar com o grande geneticista Theodosius Dobzhansky que ‘num sentido, os genes
humanos cederam sua primazia na evolução humana a um agente inteiramente novo, não-biológico ou
superorgânico, a cultura. Contudo, não se deve esquecer que esse agente é inteiramente dependente do genótipo
humano”. (WILSON, 1980, p. 21). Wilson aplica o termo “superorganismo” para descrever também
formigueiros (ver WILSON, 2005).
53
superorganismo de Kroeber, assim como na noção de fato social, psicólogos evolucionistas
fazem exegeses e mais exegeses sobre o termo, mas ninguém em momento algum se dá ao
trabalho de examinar o que Kroeber quis dizer com isto. Kroeber postulava quatro níveis de
realidade, ou “gêneros de fenômenos”.
Assim, “superorgânico” para Kroeber não tem nada a ver com “organismo” como
entendido pelo organicismo, nem quer dizer que a cultura e a sociedade sejam um organismo
“super” ou um organismo vivo, mas tão somente denota um tipo de fenômeno acima dos
fenômenos da vida, ou melhor, dos psíquicos, assim como havia fenômenos infraorgânico45.
“Que existem necessidades – impulsos” dizia Kroeber, “é indubitável”, e acrescenta: “A
fome pode ser satisfeita; mas como ela é satisfeita pelos seres humanos nunca pode ser
deduzido do facto de terem fome, nem da constituição física específica. Além disso, certos
segmentos da cultura só passam a existir depois que as necessidades primordiais terem sido
satisfeitas” (KROEBER, 1993 [1949], p. 205-6). E dá como exemplos a religião, a arte e a
ciência.
Se é legítimo falar que os interesses dos genes são diferentes dos interesses dos
indivíduos, se é legítimo falar em “genes egoístas”, genes tramando, ponto de vista do gene,
em “memes devem ser considerados como estruturas vivas” (DAWKINS, 2001 [1976], p.
214), etc. por que não podemos falar que grupos, sociedades com suas necessidades e
interesses particulares? E em que sentido se diz que a sociedade tem suas próprias
necessidades? Realmente, em sociologia se diz que o grupo tenha necessidades especiais,
diferentes das dos indivíduos. Mas disso não devemos concluir, como faz Pinker, que isto é
hipostasiar um organismo vivo na sociedade. Afirma-se coisa bem mais simples. Indivíduos
em grupos criam regras para que o grupo se mantenha funcionando e controlam o
funcionamento do grupo através de incentivos e punições aos indivíduos a ele associados. Nas
forças armadas, por exemplo, o problema pessoal pode ser sobreviver ou morrer, ganhar
dinheiro, ascender na hierarquia, defender a liberdade, vingança, etc., já as necessidades do
grupo para se manter funcionando, ou melhor, as necessidades estruturais são saber que tipos
45
Para uma discussão mais extensa da noção de “superorganismo” em Kroeber, ver Jackson (no prelo).
54
de pessoas devem ascender a que cargo, como selecioná-los, e como mantê-las agindo de
forma a não comprometer o funcionamento da instituição. Se estou na linha de frente durante
uma guerra, tenho que manter a formação, apesar dos meus amigos estarem morrendo, mesmo
sendo grande a possibilidade de eu ser o próximo. Tenho a liberdade (livre-arbítrio) de
desertar, mas o sistema tem meios para tentar coibir este tipo de ação, como, por exemplo,
fazendo com que minha morte seja mais certa se eu desertar do que se permanecer no front.
As necessidades do exército não são as mesmas das necessidades dos soldados. Não se diz
que isto seja correto ou errado; que o indivíduo não vale nada, sendo o que importa na
verdade é o grupo. Trata-se simplesmente de uma constatação: Grupos, para funcionar, podem
ter necessidades diferentes das dos indivíduos. Uma empresa tem que dar lucro e o indivíduo
tem que manter seu emprego, e, muitas vezes, para atender à necessidade do grupo (a
empresa), demite-se indivíduos, e os indivíduos vão agir de modo a evitar tal demissão. E,
como dizia Kroeber:
“Em resumo, a ciência social... não nega a individualidade, tal como não nega o
indivíduo. Recusa-se, sim, a ocupar-se quer da individualidade quer do individuo
enquanto tais. E baseia esta recusa unicamente na rejeição da validade de ambos os
factores para a consecução dos seus próprios objectivos.” (KROEBER, 1993, p. 75).
“A doutrina de que uma coletividade (uma cultura, uma sociedade, uma classe, um
sexo) é um ser vivo com seus próprios interesses e sistema de crenças está por trás
das filosofias políticas marxistas e da tradição da ciência social iniciada por
Durkheim. [George] Orwell [o autor de “1984” e “A Revolução dos Bichos”] está
mostrando o lado sombrio dessa doutrina: o descarte do indivíduo.” (PINKER, 2004,
p. 577).
55
A sociobiologia bate o pé que a cultura não é independente ao mostrar sua origem
psicológica. Mas mostrar a origem de algo, não é mostrar sua dependência, nem é explicar
seus detalhes. Como destacou Jeffrey Alexander, quase todo teórico da micro sociologia disse
que o nível individual havia sido deixado de lado pela tradição sociológica, e que suas
próprias abordagens, ao levar isto em conta, revolucionariam a sociologia (ALEXANDER,
1988, p. 304-6), e dá como exemplo de tais perspectivas Sartre (e Touraine e Bourdieu se
basearam nele), Schutz, Garfinkel, Giddens, Habermas, Blumer, Goffman, George Homans e
Randall Collins. A sociobiologia é só mais uma tentativa entre outras. Portanto, se a
sociobiologia quiser revolucionar as ciências sociais, devem mostrar bem mais do que a
origem psicológica de certos fenômenos sociais.
“The most scientifically damaging aspect of this value system [adotado pelo Modelo
Padrão] has been that it leads anthropologists to actively reject conceptual
frameworks that indentify meaningful dimensions of cross-cultural uniformity in
favor of alternative vantage points from which cultures appear maximally
differentiated.” (TOOBY e COSMIDES, 1992, p. 44).
Mas Pinker afirmava que a mudanças recentes ocorriam em setores das ciências
humanas:
56
Pesquisadores das ciências humanas começaram a dar corpo à hipótese de que a
mente evoluiu com uma estrutura universal complexa. Alguns antropólogos
reexaminaram registros etnográficos que alardeavam diferenças entre culturas e
descobriram um conjunto espantosamente detalhado de aptidões e gostos que todas
as culturas têm em comum. (PINKER, 2004, p. 86).
Pinker cita como exemplo desta mudança recente uma lista compilada por Donald
E Brown com universais culturais catalogados a partir de 1989, anexando-a ao final de seu
livro (2004). Também a socióloga da ciência Segerstråle parece acreditar que o estudo de
universais é novidade da década de 1990 (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 307). Pinker e Tooby &
Cosmides criticaram um antropólogo chamado George Peter Murdock por fazer parte do
Modelo Padrão. No entanto, em sua história da ciência, nenhum desses reconhece que o
mesmo Murdock foi o responsável na década de 1940 por um inventário de universais
culturais, num artigo intitulado “The common denominator of cultures” no livro Science of
man in the world crisis, Antes dele C.Wissler em Man and culture de 1923, e mesmo Spencer
e Morgan no século XIX já haviam se dedicado ao tema. E Wilhelm Dilthey – muito mais
“culpado” do que Durkheim da separação absoluta entre ciências naturais e sociais, ao
postular a dicotomia explicação vs. entendimento (verstehen) – segundo Cohn, este defendia a
impossibilidade da sociologia (entendida na sua vertente positivista comteana), mas defendia
a pertinência da antropologia e da psicologia, “entendidas, ambas, como ciências que buscam
os invariantes da ‘natureza humana’ por trás de todas suas manifestações históricas
particulares” (COHN, 1979, p. 24). Kroeber e Kluckhohn procuraram definição mais geral
para cultura, onde Kluckhon escreveu “Universal Categories of Culture” no livro editado por
Kroeber Anthropology today: an encyclopedic inventory de 1953. Já em 1976, Murdock
lançou o World Etnhographic Atlas, livro usado muitas vezes contra a sociobiologia (como
em HARRIS, 1980 e SAHLINS, 1976), e mesmo pela Sociobiologia (ver E.O.Wilson, 1980 e
1998, p. 147).
Além disto, ao se dizer sobre universais culturais, nada é dito sobre o
estruturalismo. Nem Lévi-Strauss e sua oposição binária universal (mas “distinção cognitiva
binária” aparece na lista de universais). E muito menos sobre a explicação de Lévi-Strauss
para o universal tabu do incesto. Ou melhor, como destacou Evans (2002) sobre Pinker, mas
podemos generalizar à sociobiologia em geral, não há Antropologia, mas apenas etnografia.
Assim, a suposta grande novidade contra o maior “aspecto cientificamente danoso”, isto é,
que existem aspectos universais em todas as culturas, já estava contido nas ciências sociais
tradicionais, e foram usados pela e contra a Sociobiologia, fato ignorado pelos psicólogos
evolucionistas. Dizer que as ciências sociais se caracterizaram pela negação de aspectos
57
universais nas mais diferentes culturas é simplesmente assinar, mais uma vez, um atestado de
ignorância.
“Dêem-me uma dúzia de crianças sadias, bem constituídas e a espécie do mundo que
preciso para as educar, e eu garanto que, tomando qualquer uma delas ao acaso,
prepará-la-ei para se tornar num especialista que eu selecione: um médico, um
comerciante, um advogado e sim, até um pedinte ou ladrão, independentemente dos
seus talentos, inclinações, tendências, aptidões, assim como da profissão e da raça
dos seus ancestrais.” (apud PINKER, 2004, p. 40).
Tal passagem também foi interpretada como declaração da crença de que para o
behaviorismo “talento e capacidade eram coisas que não existiam” (PINKER, 2004, p. 40,
grifo no original). Mas note que Pinker e Tooby & Cosmides negligenciaram que Watson
afirma ser possível tal engenharia social “independentemente dos seus talentos, inclinações,
tendências, aptidões”. Não nega, portanto, a existência de tais fatores, apenas minimiza seu
papel, como bem ressaltou Schliger (2002) “Worst of all, Pinker is simply wrong about the
positions of many of those he accuses as blank slate advocates, especially John B. Watson and
B. F. Skinner”. Schliger ressalta que Watson em seu livro “Behaviorism” tem um capítulo
inteiro dedicado aos instintos, mas isto é negligenciado por Pinker. Erros semelhantes são
cometidos com Skinner 46. Segundo este, Watson:
46
ver Schliger (2002) para uma crítica mais detalhada das diversas falhas com relação ao behaviorismo feitas por
Pinker, e que provavelmente podemos encontrar em outros autores. Segerstråle relata que a defesa da Tabula
rasa como apresentada, não foi defendida por ninguém, nem mesmo por Skinner, como o mesmo relatou em
58
“is probably responsible for the persistent myth of what has been called
‘behaviorism's counterfactual dogma.’ And it is a myth. No reputable student of
animal behavior has ever taken the position ‘hat the animal comes into the
laboratory as a virtual tabula rasa, that species differences are insignificant, and that
all responses are about equally conditionable to all stimuli.” (SKINNER, 1966/1969,
p. 173 apud GAYNOR).
Pinker chega ao ponto de afirmar que o behaviorismo estaria “morto” nos Estados
Unidos. E sobre Kroeber dizia Pinker:
“Kroeber não só negou que o comportamento social pudesse ser explicado por
propriedades inatas da mente; negou que pudesse ser explicado por quaisquer
propriedades da mente Uma cultura é superorgânica, ele escreveu – flutua em seu
próprio universo, livre da carne e do sangue dos homens e mulheres reais.”
(PINKER, 2004, p. 46).
entrevista para a própria Segerstråle, e como teria afirmado em Skinner (1981) Selection by consequences.
Science, 213, 501-4 (SEGERTRÅLE, 2000, p. 303), ver também Gaynor (2004).
59
de civilizados e povos primitivos por outro lado (DURKHEIM, 2008 [1893], p. 23).
Durkheim também afirmou que os instintos no homem não perdem poder por que adquirimos
consciência, mas “a consciência invade apenas os terrenos que o instinto deixou de ocupar ou,
então, aqueles em que ele não pode se estabelecer” (ibid, p. 360).
Em Durkheim não há indivíduos tabula rasa moldados totalmente pela sociedade
e nem pode haver. Caso Durkheim acreditasse nisso, como poderia explicar o crime ou a
mudança social? A explicação que Durkheim dá para esses dois eventos não funcionaria de
forma alguma se pressupusesse conformismo total à sociedade, isto é, sem pressupor que haja
variação individual. Durkheim dizia da “consciência coletiva”, entendida como conjunto das
crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade.
Justamente por não ser a mesma em todos os indivíduos, estas crenças e sentimentos
compartilhados recebem outro nome. Sendo assim, é de se esperar que existam indivíduos que
se afastem mais desses valores compartilhados do que outros, a ponto de transgredi-los.
Ocorrendo isto, há então a sanção, seja em forma de punição severa, seja em forma de leve
desaprovação, como escárnio. E isto, diz Durkheim, ocorreria mesmo em uma “sociedade de
santos”:
60
our adolescents due to the nature of adolescence itself or to the civilization?” (MEAD, 1928,
p. 11). Apesar de haverem estudos que diziam que os distúrbios da adolescência era algo
natural.
“With such an attitude towards human nature the anthropologist listened to the
current comment upon adolescence. He heard attitudes which seemed to him
dependent upon social environment--such as rebellion against authority,
philosophical perplexities, the flowering of idealism, conflict and struggle --ascribed
to a period of physical development. And on the basis of his knowledge of the
determinism of culture, of the plasticity of human beings, he doubted. Were these
difficulties due to being adolescent or to being adolescent in America?” (MEAD,
1928, p. 5).
61
que tenha sido Freeman quem forneceu à grande parte da sociobiologia esta leitura das
ciências sociais como predominantemente negadoras de aspectos biológicos (e talvez, até
mesmo as citações utilizadas por sociobiólogos como evidência da negação da biologia).
Freeman foi submetido a uma bateria de críticas, e uma das mais freqüentes, e também a
crítica que nos interessa aqui, é a do suposto “determinismo cultural absoluto”. Críticos de
Freeman, e mesmo críticos de Mead como Marvin Harris e Lowell Holmes, rechaçaram
totalmente esta visão, acusando-a de simplista (cf. HELLMAN, 1998, p. 236-237). Holmes
também escreveu um livro para contestar Mead, mas não teve a mesma publicidade que
Freeman, nem fez acusações de determinismo cultural. Segundo Hellman “Os defensores de
Mead afirmam, contudo, que nem ela nem Boas mantiveram essa posição extrema que
Freeman lhes atribui” (HELLMAN, 1998 p. 237).
Como então os “culpados” pelo atraso das ciências sociais puderam defender
posições inatistas e ao mesmo tempo a autonomia de suas disciplinas? Pinker diz que
Margareth Mead paradoxalmente dizia que sua inteligência vinha dos genes, apesar de
defender a tabula rasa, e ressaltava que casos como este seriam casos “de personalidade
dividida... comuns entre os acadêmicos” (PINKER, 2004, p. 571). Seria este o caso?
Defenderei que não. Mas tratarei do assunto em breve no capítulo 2.6.
“Though the theories of the ‘struggle for existence’, ‘survival of the fittest’ and of
‘adaptation’ were set forth long before Darwin, nevertheless his hypothesis has
greatly influenced the sociological thought of the post-Darwinian period, and has
been one of the principal factors in causing the appearance of numerous divergent
theories interpreting the struggle for existence within human societies. These
theories are either a mere application of the ‘biological law’ of the struggle for
existence to human society, or of its variation. For this reason, the majority of them
may be regarded as a branch of biological sociology.” (SOROKIN, 1928, p. 309-
10).
Segundo Sorokin, a empolgação com a teoria de Darwin era tal que até mesmo
planetas e átomos eram vistos como em “luta pela existência”. E o uso do termo parece ter
chagado a níveis absurdos, como expressou o biólogo Alfred Mathieu:
“Owing to a careless use of the term, ‘Struggle for Existence’, a crowd of the
superficial followers of Darwinism began to ascribe magical power to the words.
They are used now as the term “affinity” was once used, - in all cases when it was
necessary to get out of difficulty. Society men, especially journalists who talk of all
this without serious training and knowledge, philosophers, metaphysicians, men who
fetishize words, even some of the scientists, think all problems are solved as soon as
they succeeded in indicating, especially in English, the factor of the ‘Struggle for
Existence’” Struggle for Existence! Nothing can resist that ‘Open sesame’ which is
supposed to unravel for us all the secrets of biology and sociology.” (apud
SOROKIN, 1928. p. 311-2).
O organicismo era uma das escolas influenciadas por Darwin. Apesar dos
trabalhos de Spencer precederem os de Darwin, sua influência, bem como a de Lamarck era
63
bastante explícita no Organicismo. Segundo uma resenha de Les Principes Biologiques de
l'Evolution Sociale de 1910 de René Worms – o criador do Instituto Internacional de
Sociologia – para este autor “The fundamental principles of biology are the basis for a
description of social evolution. Static as well as dynamic sociology depends upon biology,
especially upon the laws of adaptation, heredity and selection. In this respect the evolutionary
system of Darwin suffices as the skeleton of the science of sociology”. (PARSONS, Philip A.
1913, p. 322). E Albert Schäffle, o “mais extremo organicista de nossa escola [organicista]”
segundo Worms, deixa claro em seus escritos as influências lamarckista e darwinista.
Schäffle, por exemplo, dizia “O desenvolvimento social sucede verdadeiramente devido à
incessante modificação, adaptação e hereditariedade através da decisão poderosa da luta pela
existência. Nesse ponto estão unidas as teorias do desenvolvimento sociológica e
zoológica.” 47.
Espinas escreveu o primeiro trabalho acadêmico em sociologia da França
intitulado Des Sociétés Animales de 1877, onde procurava descrever a continuidade de todos
os fenômenos sociais partindo de sociedades animais para chegar às sociedades humanas48.
Em 1884, Durkheim declarava-se “evolucionista” e admirador do seu trabalho (BARBERIS,
2003, p. 65), e tal referência é explícita em A Divisão do Trabalho Social, onde Durkheim, ao
descrever o processo de divisão do trabalho social, faz referência à Espinas e explicita como
este mesmo processo da divisão do trabalho ocorre no reino animal. Por exemplo, no cap. VI
do livro I, subitem III Durkheim comenta a analogia entre a solidariedade orgânica e a divisão
do trabalho no reino animal, e diz “A mesma lei preside o desenvolvimento biológico” (2008,
p. 175), ou ao falar sobre divisão do trabalho “palavra que a ciência social emprestou à
biologia”, teve início na economia, mas “sabe-se, com efeito, desde os trabalhos de Wolff,
von Baer, Milne-Edwards, que a lei da divisão do trabalho se aplica tanto aos organismos
como às sociedades” e tal lei: “não é apenas mais uma instituição social que tem sua fonte na
inteligência e na vontade dos homens, mas um fenômeno da biologia geral, cujas condições,
47
„Die sociale Entwickelung erfolg wirklich auf Grund unaufhörliche Veränderung, Anpassungen und
Vererbungen durch die Machtentscheidung des Daseinskampfs. Diese Boden ist der sociologischen und der
zoologische Entwicklungslehre gemein.“ (SCHÄFFLE, 1885, p. 2).
48
Dizia ele “Il n'y a pas de science du particulier, ces deux (7) groupes de faits [sociedades humanas e não-
humanas] au moins analogues, désignés par le même mot, ne seront expliqués que quand ils arount été ramenés à
une même loi pal la découverte de leurs caractèrs communs. C'est une tentative aussi vaine que fréquemment
renouvelée que celle de découvrir les lois de la vie sociale dans l'homme indépendamment de toute comparaison
avec les autres manifestations de la vie sociale dans le reste de la nature.” (ESPINAS, 1878, p. 7-8). E sobre as
possíveis contribuições da biologia, dizia que seriam: 1) que o indivíduo é uma sociedade; 2) a individualidade
do composto, longe de excluir os elementos que os compõe, os supõe; 3) A composição orgânica comporta um
número indeterminado de graus superpostos. (ibid, p. 83). Não há aqui nenhum indício de vitalismo, de
suposição de “alma coletiva”, como discutimos no item 2.
64
ao que parece, precisam ser buscadas nas propriedades essenciais da matéria organizada”
(DURKHEIM, 2008 [1893], p. 3-4, grifo meu). O que Durkheim chama aqui de
“Propriedades gerais da matéria organizada” tem sentido muito semelhante ao que hoje
chamamos de “sistemismo” ou “teoria dos sistemas”. Acreditava também Durkheim que
Darwin havia descoberto uma “lei” que dizia que quanto mais homólogos são os animais,
maior será sua oposição, uma vez que disputam os mesmos recursos, e o mesmo ocorreria na
divisão do trabalho social (humano), tal princípio ficou conhecido posteriormente em ecologia
como “Lei de Gaule”. Assim, digamos, um padeiro se opõe mais a um biscoiteiro do que a um
açougueiro uma vez que têm necessidades mais semelhantes. E ao dizer sobre o que
diferencia o homem dos outros animais, Durkheim reafirma sua crença na existência de
instintos não dissipáveis para identificar o que diferenciaria realmente os homens de outros
animais:
“o instinto, produto das experiências acumuladas durante gerações, tem uma força
de resistência grande demais para se dissipar devido ao simples fato de se tornar
consciente. A verdade é que a consciência invade apenas os terrenos que o instinto
deixou de ocupar ou, então, aqueles em que ele não pode se estabelecer. Por outro
lado, se ele regride, em vez de se estender, à medida que a vida geral se estende, a
causa está na maior importância do fator social. Assim, a grande diferença que
separa o homem do animal, a saber, o maior desenvolvimento da sua vida psíquica,
reduz-se a isto: sua maior sociabilidade.” (DURKHEIM, 2008 [1893], p. 360).
65
da História humana (ENGELS, 1883). A lei da mudança histórica estariam no plano que dava
sustento a todos os outros planos, o plano que gerava os meios de subsistência: o trabalho, e
por conseqüência a economia. O trabalho era o aspecto central na filosofia marxista, era o
aspecto “material” em contraposição ao idealismo hegeliano que via as mudanças como fruto
do devir teleológico do “espírito absoluto”. O trabalho, e por conseqüencia a economia, eram
os aspectos que dariam a base a todas as outras instâncias da vida (religião, cultura, ideologia,
política, etc). Mas o trabalho no marxismo tinha um sentindo ainda mais forte:
“Pode-se distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião e por tudo
o que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que
começam a produzir seus meios de existência, e esse passo à frente é a própria
conseqüência de sua organização corporal.” (MARX, 1989, p. 13, grifo no original).
Pode-se sugerir que o que Marx chama de “esse passo à frente é a própria
conseqüência de sua organização corporal” seja o que Engels tratou mais detalhadamente em
“O papel do trabalho na transformação do símio em homem” de 1876 onde defende que
graças à presença do polegar opositor, pode o homem trabalhar, e assim se humanizar ao criar
a demanda evolutiva por um cérebro maior 49. Engels inclusive defende Darwin no livro Anti-
Dühring da acusação do socialista Dühring – cuja posição é freqüentemente atribuída
erroneamente aos próprios Engels e Marx – de que Darwinismo não seria nada mais do que a
aplicação de uma ideologia burguesa ao reino natural. A inspiração darwiniana não se referia
à legitimar a “luta de classes” através da “luta pela existência”, e apesar de acreditarem que as
ciências naturais e humanas só seriam uma só ciência quando chegasse uma sociedade
socialista “haverá uma única ciência”(MARX, 1932, grifo no original), isso não implicaria
explicar diferentes eventos com os mesmos princípios, uma vez que outros animais apenas
coletam, o homem produz, ele agrega valor aos produtos através de seu trabalho. Isto, dizia
Engels,
“fez com que toda transferência desqualificada das leis da vida de sociedades
animais sobre as humanas seja impossível... Assim, a concepção da história como
uma série de lutas de classe é mais rica em conteúdo e mais profunda do que a mera
redução de diferentes fases fracas da luta pela existência.”50
49
Gould (1999, p. 209) desconfiava que tais idéias haviam sido originadas em Haeckel, do qual Engels as teria
“surrupiado”.
50
“Damit jede Übertragung von Lebensgesetzen der tierischen Gesellschaften so ohne weiteres auf menschliche
unmöglich gemacht... Schon die Auffassung der Geschichte als einer Reihe von Klassenkämpfen viel
inhaltsvoller und tiefer als die bloße Reduktion auf schwach verschiedne Phasen des Kampfs ums Dasein.”
(ENGELS, 1886).
66
E Kroeber, segundo JACKSON (no prelo), não só era um darwinista ferrenho,
mas, vale ressaltar, darwinista weismanniano, numa época em que o lamarckismo era ainda
muito presente. Para Kroeber, Darwin continha ainda “older pseudo-process of Lamarck”
(apud JACKSON, p. 24), o que não acontecia com Weismann, que havia “limpado” o
darwinismo de suas influências lamarckistas, como a lei do uso e desuso.
Muitos foram os que acreditaram na analogia entre processos sociais e a teoria
darwiniana. Georg Simmel foi um dos pioneiros da aplicação da teoria da evolução ao
conhecimento com o seu “Sobre algumas relações da teoria da seleção à teoria do
conhecimento” (Über einer Beziehung der Selektionslehre zur Erkenntnistheorie) de 1885.
Segundo Sztompka o evolucionismo sofreu uma baixa, retornando então na década de 1950,
permanecendo até hoje como influente escola (SZTOMPKA, 1998 p. 201). Marshall Sahlins
e Elman E. Service em Evolution and Culture (1960) traçam semelhanças e diferenças entre
evolução inorgânica, evolução cultural e biológica. A evolução inorgânica é especificada pela
segunda lei da termodinâmica, através do decréscimo de organização culminando na
homogeneidade, e evolução biológica e cultural operariam no sentido oposto, envolvendo
tanto “avanço” (maior adaptabilidade) quanto divergência (surgimento de maior variedade).
Haveria evolução específica (adaptativa) e evolução geral (progressiva) (SAHLINS e
SERVICE, 1960) e ressaltam haver entre evolução cultural e social “It may be said that as a
continuation of the evolutionary process, culture shows more than analogous resemblances to
life, it shows homologous resemblances” (ibid, p.9). Leslie White no prefácio deste livro
destacava que “The return to evolutionism was, of course, inevitable if ... science was to
embrace cultural anthropology. The concept of evolution has proved itself to be too
fundamental and fruitful to be ignored indefinitely by anything calling itself a science”
(apud FRACCHIA e LEWONTIN, 1999, p. 54) e White trabalhou a noção de evolução em
Science of Culture de 1949 e The Evolution of Culture 1959. Margareth Mead também traçou
semelhanças entre evolução cultural e evolução darwiniana e lançou em 1964 com
Continuities in Cultural Evolution. Sztompka comenta que o neo-evolucionismo se
apresentou tanto como reação contra o funcionalismo como ajuste no funcionalismo (1998, p.
208). Gerhard Lenki e Jean Lenski em Human Societies: An introduction to Macrosociology
de 1974 comentam as diferentes formas de processamento de informação, desde a genética até
os sistemas simbólicos, estes últimos característicos da humanidade. Elster lembra que
Stinchcombe em Constructing Social Theories comenta a debilidade do funcionalismo e
admitia a seleção natural como um possível remédio. (Elster, 1984, p. 61). Parsons começou a
trabalhar na década de 1960 numa perspectiva evolucionária de inspiração darwiniana. Dizia
67
que uma nova perspectiva estava surgindo, “Os desenvolvimentos da teoria biológica e das
ciências sociais criaram terreno firme para a aceitação da continuidade fundamental da
sociedade e da cultura como parte de uma teoria mais geral da evolução dos sistemas vivos”
(PARSONS, 1971, p. 2 apud SZTOMPKA, p. 202). Em 1969, Parsons trabalha melhor a
analogia com Sociedades. Perspectivas Evolutivas e Comparativas, e seu discípulo Niklas
Luhmann trabalha em diversos trabalhos esta analogia, como em El Derecho de La Sociedad:
68
2.5.6. Conclusão do capítulo 2.5: como a Sociobiologia fracassou
na compreensão das ciências sociais
69
biológico do cultural, diz que aqueles que pensam como ele fazem revoluções, descobrem
fatos, ao passo que seus opositores seguem dogmas e doutrinas, seguem teorias mortas (como
51
no behaviorismo) . Pinker critica Sahlins (1976) por chamar a sociobiologia de “vulgar”,
mas uma breve olhada no índice do livro seria suficiente para Pinker notar que Sahlins
diferencia “Sociobiologia Vulgar” de “Sociobiologia Científica”, sendo a vertente de Wilson
considerada “científica”, ao passo que a etologia “pop” – também criticada por Pinker – é que
seria considerada vulgar. Sahlins ficou marcado na literatura sociobiológica não pelos pontos
que afirmava ser suas “main critics”, mas por um suposto deslize na interpretação da teoria
sociobiológica da seleção de parentes, a ponto de Maynard Smith sugerir o termo “Sahlins
falacy” e que Dawkins (1985) afirmou ser “pathetic little misunderstanding”. O erro
consistiria em pressupor erroneamente que a seleção de parentes só pudesse ocorrer
conscientemente, e isto não seria possível, segundo Sahlins, uma vez que para tal fenômeno
ocorrer, seria necessário o conhecimento de frações, e isto é algo que poucos povos o têm.
Pinker desdenha de tal interpretação, dizendo que isto seria como exigir que pessoas saibam
geometria espacial para poder ver em três dimensões. Não há necessidade alguma de tal
cálculo ser consciente. Entretanto, diz Sahlins “Presumably, the algebra of kin selection also
will be unconscious. Thus, it does not matter what people - including ethnographers – may
say or think.” (SAHLINS, 1976, p. 23), mas acrescenta, “Wilson, however, is at least
equivocal about the degree of consciousness people have of kin selection. He speaks, on one
hand, of the human ‘intuitive calculus of blood tie’...and on the other hand, of people’s keen
awareness of such ties” (ibid, p. 24), e exemplifica com uma crítica de Wilson à Hamilton:
“human beings are keenly aware of their own blood lines and have the intelligence to plot
intrigues” (WILSON, 1975, p. 119 apud SAHLINS, 1976, p. 25). Sahlins perguntava pelos
mecanismos pelo qual se poderia identificar o grau de parentesco, mas estes não pareciam
estar claros na literatura sociobiológica, e na falta de tal mecanismo, dizia Sahlins, isto
introduzia um forte elemento de misticismo na sociobiologia. Se Sahlins errou, errou devido à
dubiedade de Wilson. De qualquer modo, ainda que tenham errado na compreensão de um
ponto específico da biologia, isto não compromete o argumento principal de Sahlins, que
versa sobre a relação entre biologia e cultura, ainda que a sociobiologia esteja certa, e não
sobre a impossibilidade da sociobiologia, ponto este a ser discutido no capítulo 3.
Lévi-Strauss e Weber são quase completamente negligenciados, aparecendo
somente quando mencionados dentro do “pacotão” de adeptos do superorganismo. Piaget é
51
Para opiniões semelhantes sobre o tom de Pinker, ver Fodor (1998). Evans (2002) chega a dizer que Pinker
“he struts his stuff like Mick Jagger, grabbing the attention of review editors in search of sensationalism”.
70
também outro negligenciado52. Como destacou Evans (2002), para Pinker (e muitos outros
psicólogos evolucionistas) não há antropologia, somente etnografia. Podemos acrescentar que
também não há micro-sociologia nem individualismo metodológico, só macro-sociologia, e
macro-sociologia bem macro. Sociologia é tomada como sinônimo de teoria da socialização.
A sociologia que apresentam é uma proto-sociologia ou pré-sociologia. Ainda não chegaram
ao âmago do que é sociologia e as demais ciências sociais, e quais são seus problemas
específicos. Dizem que para a sociologia o homem seria um recipiente passivo da cultura, mas
em nenhum momento se discute a noção de “agência”. Bereczkei (2000) chega ao ponto de
recomendar “individualismo metodológico” como boa nova para as ciências sociais, mas não
comenta nada sobre a posição de cientistas sociais adeptos de tal perspectiva, nem menciona a
existência de tais autores. Já Rosenberg fez uma leitura mais acurada de Durkheim e Lévi-
Strauss, mas mesmo ele não toca em Weber, e apesar de um assunto crítico para seu
argumento tenha sido dos tipos de conceitos das ciências sociais, em nenhum momento
comenta sobre “tipos-ideais”. Rosenberg comenta sobre a Escola Austríaca de economia – ou
escola marginalista – e seu apreço pela psicologia como base para as ciências sociais, mas não
comenta sobre o methodenstreit (debate metodológico) e as objeções da escola histórica
alemã, ou as objeções de Weber a esta escola, principalmente quanto à suposta base
psicológica para teorias das ciências sociais. Outro autor negligenciado é Marcel Mauss e sua
discussão sobre o papel da dádiva na construção e manutenção das relações sociais. Não me
parece que tenha havido alguém que tenha traçado algum paralelo entre a “dádiva” de Mauss
e o “altruísmo recíproco” da sociobiologia.
Somente mediante tais negligências é possível pintar um quadro onde o mundo se
divide em nativistas pró-ciência e deterministas culturais obscurantistas, onde a sociobiologia
surge como boa nova e salvação ecumênica. Pinker (2004) faz isto o tempo todo, com um tom
quase conspiratório, tudo é dividido entre defensores e não-defensores da tabula rasa. Desde
as ciências sociais dominantes, até a passagem para a arte moderna adviriam da aceitação da
Tábula rasa. E quem duvidar deles, duvida de Darwin e da aplicação da ciência ao homem.
Muitos destacaram esta retórica da sociobiologia: ou você está conosco, ou está contra
Darwin, contra a evolução, contra a ciência, e a favor do criacionismo. O melhor exemplo
talvez seja Daniel Dennett, herói de muitos sociobiólogos, que apesar de também criticar as
ciências sociais por serem criacionistas, afirmou:
52
Para uma crítica da falta de Piaget no debate, ver Eichler (2006). Maynard Smith criticou Lumsden e Wilson
por terem desprezado fácil demais Chomsky, Levi-Strauss e Piaget. (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 164).
71
“I consider Cosmides and Tooby to be doing some of the best work in Darwinian
psychology today,... they, too, tend to caricature the opposition, and are sometimes
too hasty in dismissing skepticism about their arguments as flowing from nothing
more presentable than the defensive territoriality of old-fashioned social scientists
who still haven't got the word about evolution...This, of course, is wrong, wrong,
wrong.” (DENNETT, 1995, p. 490-1)53.
Vale lembrar que esta leitura das ciências sociais é mais característica da
psicologia evolucionista do que dos sociobiólogos da velha guarda, o que não implica que
estes últimos tenham feito leituras satisfatórias. Apesar de alguns sociobiólogos não caírem
em alguns os problemas apontados anteriormente, desconheço algum que tenha escapado a
todos. Mesmo os cientistas sociais convertidos à sociobiologia caem em alguns destes erros.
Com este capítulo tentei mostrar que chegou a hora da sociobiologia levar a
história da ciência a sério, principalmente história das ciências sociais. Pinker dizia que as
ciências sociais estão atrasadas em 30 anos com relação às ciências naturais. Procurei mostrar
que tal afirmação só é possível por que Pinker e outros sociobiólogos estão atrasado em cem,
cento e cinqüenta anos com relação às ciências sociais. Ou talvez nem isso, uma vez que
nunca existiram as ciências sociais tal como caracterizado pela sociobiologia.
Vimos que muitos dos autores criticados pela sociobiologia como defensores da
inexistência de aspectos inatos no homem não defenderam realmente tal posição, e muitos
desses também defenderam a autonomia das ciências humanas. Como isso é possível? Seriam
casos de “personalidade dividida”? O objetivo do presente capítulo é dizer que não, e por que
não, além de tentar explicar o porquê das más leituras feitas pela sociobiologia.
O motivo da má interpretação das ciências humanas pela sociobiologia, defendo
aqui, se deve a uma não distinção entre duas questões: 1) questão ontológica, a pertinência
dos aspectos biológicos para os aspectos sociais e culturais, isto é, como os aspectos
53
Outros exemplos foram “Whoever is not for the program is against Darwin”. (KITCHER, 1987, p. 14);
Lewontin “they declare those who dispute them to be anti-Darwinians and even anti evolutionists. And all the
while creationists smile and take notes” (apud SEGERSTRÅLE, p. 195), “He [Wilson] suspects that if we resist
consilience, that’s because we’re suffering from pluralism, nihilism, solipsism, relativism, idealism,
desconstrucionism and other symptoms of the French disease” (FODOR, 1998), “dividing people into two
distinct and distinguishable categories: scientists and charlatans. (DUPRÉ).
72
biológicos interferem e tornam possível o comportamento social e a cultura, e; 2) questão
epistemológica, a pertinência da Biologia para as teorias das ciências sociais, isto é, como
teorias da biologia poderiam ser acopladas às teorias das ciências humanas, e quais seriam os
avanços decorrentes desta junção. Que o biológico dá as bases para o social e para a cultura,
poucos negam (se é que alguém o negue), nem mesmo os autores citados pela sociobiologia
como defensores de tal idéia, como exposto brevemente anteriormente54. Se nossa biologia
fosse outra – se fizéssemos fotossíntese, por exemplo – poucos negariam que os rumos da
humanidade seriam outros, se é que alguém o negaria. É certo que muitos defenderam a
autonomia das ciências humanas em termos ontológicos, utilizando-se de aspectos presentes
em um tipo de ciência e ausentes em outros, como a idéia de maior complexidade ou livre-
arbítrio, mas é um erro pensar que o único modo de defender a “autonomia” foi postulando
um abismo entre processos naturais e sócio-culturais. O que autores como Durkheim, Weber,
Rickert, Windelband, Kroeber, e talvez Dilthey55, etc. fizeram não foi defender a autonomia
ontológica, mas sim epistemológica. Não negaram a existência de fatores biológicos – e por
vezes até os pressupuseram – mas negaram sim sua relevância explanatória para os seus
problemas específicos. Também não é necessário pressupor diferenças metodológicas entre as
duas ciências para se falar em autonomia. Basta nos atermos à questão da relevância
explanatória para problemas específicos, e não à presença de “fatores importantes” em
“fenômenos sociais”.
Dessa não distinção decorre que, toda vez que alguém afirmou a independência
epistemológica das ciências humanas em relação à biologia, entendem os sociobiólogos que
se tratava de defesa de uma independência ontológica. Uma vez constatado então o suposto
erro, sociobiólogos em seguida tentam mostrar as inúmeras provas de como aspectos
biológicos inatos afetam o comportamento social, acreditando que isto seja suficiente para
mostrar a pertinência de teorias da biologia para teorias das ciências sociais. Assim, listas com
achados empíricos e listas com a descrição de como elementos químicos e bioquímicos
afetam o comportamento humano são mostrados, referências às inúmeras semelhanças entre
humanos e outros animais são destacados, isto para ressaltar que o homem não está totalmente
isolado do reino animal, e por isso, portanto, estaria submetido e seria explicado pelas
54
Como disse Segerstråle “Of course Biology constructed human mind (what else?) must originally had created
culture, and continue to construct Culture. Nobody disputes that.” (2000, p. 170).
55
Há certa controvérsia sobre se a defesa da autonomia das ciências sóciohistóricas feita por Dilthey seria
ontológica ou epistemológica. Reis (2003) defende que é epistemológica, mas ressalta que muitos o criticaram
duramente por acreditarem que tal defesa era ontológica, como Windelband, Rickert e Weber (ibid, p. 34).
73
mesmas leis utilizadas em outros animais (ver, por exemplo, ELLIS, 1977, p. 60-61; ELLIS,
1996, p. 26; WAIZBORT, 2008, p. 258).
Esse foi o caso, por exemplo, tanto de Durkheim como de Kroeber. Como vimos
no capítulo anterior, ao Durkheim pronunciar o enunciado metodológico de que um fato social
só pode ser explicado por outro fato social, sociobiólogos entenderam se tratar de uma
afirmação empírica ou ontológica: não há nada de biológico no comportamento social, e o
mesmo pode ser dito sobre Sahlins e sua defesa do não-isomorfismo entre biologia e cultura
Ao Durkheim afirmar que fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais e não
pela psicologia, entendem os sociobiólogos que o que se está afirmando é que não há
psicologia individual, sendo as pessoas totalmente moldadas pela cultura, sem nenhum papel
da biologia. Entendem isto ao invés de entenderem como um enunciado meramente
epistemológico “teorias da psicologia não explicam fatos sociais”: enunciado este tão legítimo
como defender, baseado nos mesmos princípios que “teorias da física não explicam eventos
biológicos”. Isto é, entendem como rejeição à psicologia, o que é na verdade rejeição ao
psicologismo (tese de que unicamente a psicologia explicaria instituições sociais).
Mas demonstrar que algo está presente em algum processo não é demonstrar que
deva estar presente em todas as explicações. Se digo “Nesta sala atua a força da gravidade, e
há transformação de energia”, apesar de correta, se quisermos saber sobre questões como “por
que fulano defende x?”, ou “por que fulano saiu repentinamente da sala”, tais afirmações não
ajudariam em nada a compreensão de tais questões. A sociobiologia crê que o objetivo das
ciências sociais seria explicar “o comportamento humano”, “comportamento social”,
“fenômeno social”, “comportamento humano”, etc., e o problema seria que as ciências sociais
teriam feito isso sem levar em conta “fatores importantes”, isto é, deixaram de lado a biologia,
e por isso não deram certo. Por exemplo, Pinker apresenta diversas citações de diversos
cientistas sociais como Kroeber, Durkheim, George Murdock, José Ortega y Gasset, Ashley
Montagu, Ruth Benedict, Margareth Mead, Leslie White e Geertz, para concluir:
56
Veremos no próximo capítulo que posição bem parecida já foi defendida por alguns entusiastas pela física.
75
autonomia das ciências sociais, evocam o mesmo discurso do restante da sociobiologia, de
que simplesmente há muita biologia no comportamento social.
76
Mesmo se falarmos em um assunto mais específico, como “crime”, “religião” ou
“relações de gênero”, estudar as causas de tais fenômenos é algo que ainda permanece vago.
Como os Romanos lidavam com o crime? Como o crime é tratado em ambientes mais
tradicionais, em ambientes comunitários e como é tratado em ambientes urbanos mais
societários? Quais as diferentes noções de crime conforme nos aproximamos da
modernidade? Como o Direito tratou o crime ao longo de sua evolução? Como os criminosos
vivenciam certos tipos de delito? Sentem prazer, culpa ou indiferença? Por que houve
variação na taxa de criminalidade em determinado período e época? Cada questionamento
desses exige procedimentos bem distintos uns dos outros. Mais do que isto, exige disciplinas
diferentes entre si. Em alguns casos usamos investigação histórica, noutros direito comparado,
noutros política comparada, noutros psicologia, noutros sociologia e assim por diante.
Mas a sociobiologia freqüentemente não identifica tal variedade, simplesmente
insiste na presença de fatores biológicos nos fenômenos estudados pelas ciências humanas, e
isto bastaria. Uma vez que a biologia estudaria as “motivações profundas” e “causas últimas”,
ela teria prioridade na explicação da ação.
Por outro lado, não estou com isto dizendo que não existam diferenças
ontológicas entre homens e outros animais, como as das funções da linguagem57, ou entre
cultura simbólica vs. cultura como mera transmissão do conhecimento. Apenas afirmo que
não precisamos pressupor uma descontinuidade brusca da realidade de diferentes fenômenos,
isto é, diferenças ontológicas, para afirmar a independência de uma disciplina.
É verdade, como já dito, que alguns sociobiólogos identificam problemas
específicos das ciências sociais e acreditam que a sociobiologia possa dar soluções para estes
problemas, como os sociólogos e antropólogos sociobiólogos. Mas, apesar dito, estes mesmos
autores, ao discutirem a autonomia das ciências sociais, evocam o mesmo discurso do restante
da sociobiologia.
57
Por exemplo, (POPPER, 1983 [1963], p. 172-3) comenta uma hierarquia de funções da linguagem estabelecida
por Karl Bühler onde poderíamos encontrar traços de linguagem característica dos seres humanos. Nos animais a
linguagem pode ter função sinalizadora, mas na linguagem humana podemos encontrar função descritiva (idéia
reguladora: verdade) e a função argumentativa (idéia reguladora: validez). Destaco com exemplo apenas a
possibilidade de uma distinção ontológica. Não afirmo que tal distinção seja verdadeira.
77
3. Possíveis vias para a (Sócio)biologização das Ciências
Sociais
Mas, supondo uma Sociobiologia ideal e/ou melhorada; supondo que ela nos
convencesse que existem no Homo Sapiens muitos aspectos inatos frutos da seleção natural, a
despeito do mau entendimento que têm das ciências sociais; poderia este tipo de
conhecimento ainda assim trazer grandes avanços para as ciências sociais? A sociobiologia
tentou diferentes vias para sociobiologizar as ciências sociais, e estas vias serão discutidas a
seguir. Diversos autores tentaram mais de uma destas, mas para fins argumentativos
dividimos estas tentativas em “vias típicas”. Não pretendo com estas vias esgotar todas as vias
possíveis, mas procurei identificar aqui as principais.
A primeira via diz que por o homem ser um ser biológico, está então submetido
aos mesmos imperativos dos outros animais, e, portanto, deveria ser explicado nos mesmos
termos; chamei esta via de monista. A segunda via que se tivermos algum tipo de
conhecimento que una diferentes campos, então este conhecimento é preferível, é a via
consiliente. A terceira via diz que as ciências sociais devem abandonar seus problemas e
adotar a sociobiologia para só assim conseguir gerar conhecimento científico. A quarta via diz
que as ciências sociais devem admitir em sua base os pressupostos psicológicos fornecidos
pela sociobiologia. A quinta via vê as ciências sociais como sociobiologia aplicada, a sexta
diz que a sociobiologia não especifica os detalhes, mas dá os limites da variação cultural e
social, a sétima apostaria na analogia entre evolução cultural e evolução biológica, e por fim,
a oitava acredita que a sociobiologia pode fornecer teorias sobre modos de agir inconscientes.
“since Biology is the study of living organisms, their behavior and social systems,
and since humans are living organisms, it is possible to suggest that social sciences
(the study of human behavior and social systems) are branches of biology and all
social scientific theories should be consistent with known biological principles. To
claim otherwise and to establishment of 'hydrogenology’, the study of hydrogen
separate from and inconsistent with the rest of physics. Evolutionary psychology is
the application of evolutionary biology to humans, and provides the most general
79
(panspecific) explanations of human behavior, cognitions, emotions and human
social systems.” (KANAZAWA, 2004, p. 371).
Mas se dizer que ciências humanas são independentes da biologia é o mesmo que
fazer uma hidrogenologia, poderíamos igualmente questionar então se defender uma ciência
biológica que não for um ramo da química orgânica não seria cair no mesmo erro. Mesmo se
aceitarmos o princípio do monismo, não é de modo algum evidente que devemos aceitar
teorias sociobiológicas nas ciências sociais. Se quisermos então seguir tal princípio, de que as
ciências sociais devem se fazer como ramos das ciências naturais, surge uma primeira
questão: qual das ciências naturais devemos seguir, ou de qual ciência devem as ciências
humanas serem ramos? Se da afirmação incontroversa de que o homem é um ser biológico,
concluirmos que devemos explicar sua ação sempre remetendo à sua base biológica, por que
então não poderíamos partir da afirmação igualmente incontroversa de que o homem é um
complexo físico-químico e daí concluirmos que as leis da física é que deveriam explicar o
comportamento, e não a biologia? Afinal, as leis da física são muito mais implacáveis que as
da biologia e poderiam gerar conhecimento bem mais preciso e aplicável a um maior número
de casos.
Um caso ilustrativo é o de Henry Charles Carey (1793-1879) em seu Principles of
Social Sciences de 1858. Nesta obra, dizia o autor que uma vez que leis da física também se
aplicam ao ser humano, podemos explicar muito de seu comportamento com base nestas
mesmas leis: “The laws which govern matter in all given are those which govern matter in all
its forms, whether that of coal, clay, iron, pebble stones, trees, oxen, horses, or men’ are the
same” (apud SOROKIN, 1928, p. 13). Diz ainda que “man is the molecule of society”, que a
associação é somente uma variedade da “great law of molecular gravitation” e que “man tends
of necessity to gravitate towards his fellow man... that gravitation is here (in human
societies), as everywhere else in the material world, in the direct ratio of the mass (of cities),
and in the inverse ratio of the distance” (idem) e centralização e descentralização nada mais
seriam que casos de forças centrípetas e centrífugas agindo conforme as leis da mecânica
física; e quanto maior a diferença de temperatura de dois corpos, mais intenso é o processo de
transmissão de calor na forma de movimento de um corpo a outro; e num modo similar,
quanto maior a diferença entre indivíduos e grupos, maior o poder de associação e comércio
entre eles. Progresso seria um caso de movimento, e “motion comes with heat, and heat
results from association” e “Economic value is nothing but a kind of inertia; utility, an
equivalent of mechanical momentum” (apud SOROKIN, 1928, p. 14).
80
Assim, se da incontroversa afirmação de que o homem é um ser biológico
devemos concluir que ciências humanas deve ser um ramo da biologia, explicando assim
qualquer comportamento humano pela biologia, por que não concluir como Henry Charles
Carey que devemos explicar o comportamento humano como casos da física?
Uma reposta dada seria a de que “Não é isso que pensamos/queremos”, como fez
Pinker (2004, p. 105). Pinker está mais ou menos ciente do problema e responde a esta
indagação postulando uma distinção entre dois tipos de reducionismo: de um lado o
reducionismo voraz ou destrutivo e de outro lado o reducionismo “bom” ou hierárquico58. O
reducionismo voraz seria aquele que tentaria reduzir tudo ao máximo, até o ponto em que
teria que explicar, por exemplo, a Segunda Guerra Mundial como simples movimento de
elétrons e quarks. Já o reducionismo “bom” ou hierárquico “consiste não em substituir um
campo de conhecimento por outro, mas em conectá-los ou unificá-los. As unidades
constitutivas usadas por um campo são postas ao microscópio por outro campo” (PINKER,
2004, p. 106, grifos no original).
Mas tal diferença não é de todo claro. Se reducionismo bom significa “conectar” e
“unificar”, podemos pensar que Carey também tentou uma unificação, mas não uma
explicação pelas menores partículas, bem como George Berkeley, que em The principles of
Moral Atraction defendia que forças centrífugas são manifestas na forma de egoísmo,
enquanto os instintos sociais seriam manifestações de forças centrípetas (apud SOROKIN,
1928, p. 11). Quem sabe W. Ostwald também não seria outro bom candidato ao defender que
“energetics can give to social sciences (Kulturwissenscahften) several fundamental principles,
but it cannot give all the principles needed by social sciences” (apud SOROKIN, 1928, p. 20).
Dito isto, vemos que Ostwald não pretendeu substituir, mas sim conectar campos. Para ele,
uma vez que qualquer mudança social ou histórica é transformação de energia, podemos
colocar a Cultura no microscópio e perceber que a criação da cultura não é nada mais que a
transformação de energia bruta (rohe) em energia útil (Nutzenergy). E a biologia não ficaria
de fora. Poderíamos também conectá-la e unificá-la, uma vez que adaptação para Ostwald
seria a melhor utilização possível de energia bruta em energia útil. Muitos outros exemplos de
tentativa de “unificação” de teorias sociais a eventos físico-químicos ou biológicos podem ser
vistos em Sorokin (1928). Se bom reducionismo não é a tentativa de reduzir ao máximo, mas
sim tentar “unificar” e “conectar”, acredito que estes exemplos de tentativa de unificação com
58
Tal distinção foi inspirada na distinção de (DENNETT, 1995, p. 80-82), que por sua vez foi inspirada em
Steven Weinberg. Também em Dennett o bom reducionismo seria aquele que unificaria campos.
81
a física são igualmente válidos. Por que parar a unificação na Biologia? A sociobiologia não
parece responder a isto.
E se integração com as ciências naturais é garantia de sucesso científico, por que
as inúmeras tentativas do passado de integrar ciências sociais e ciências naturais malograram
até o momento, mas a junção com a sociobiologia seria finalmente o momento que as ciências
sociais “seriam iluminadas pela primeira vez” 59? Dizer que “só agora temos conhecimento de
X” não responderia a este questionamento uma vez que é igualmente aplicável a qualquer
teoria em qualquer momento histórico60.
Vale lembrar que se o objetivo é unir o homem ao restante do reino animal,
usando um mesmo pano de fundo teórico para explicar tanto o comportamento de homens
como de outros animais, a sociobiologia está longe de ser a única opção. Tivemos alternativas
sofisticadas que fizeram um esforço real de integrar a importância de conhecimentos inatos e
conhecimentos aprendidos numa explicação evolutiva (filogenética) de diferentes tipos de
cognição. Me refiro aqui à epistemologia evolutiva. Konrad Lorenz, por exemplo, trabalhou
em como as categorias kantianas de percepção da realidade vão aparecendo filogeneticamente
(ao longo da evolução), desde organismos mais simples como protozoários, até o homem,
integrando em seu esquema o fator aprendizado, pensamento abstrato e linguagem sintática 61.
Apesar de sociobiólogos admitirem a existência de aprendizado e de crenças conscientes na
determinação da ação, não me parece que a sociobiologia tenha conseguido integrar bem em
sua teoria estes fatores, nem mesmo que tenham tentado62 63.
Dizer que o homem é um ser biológico, e que ele não está separado por um
abismo de outros animais, está, portanto, longe de ser suficiente para convencer sobre a
pertinência de teorias sociobiológicas em teorias das ciências sociais, assim como saber que
organismos são complexos químicos organismos não faz com que a química revolucione
teorias das ciências sociais, bem como teorias biológicas como variação, seleção e reprodução
diferencial. Apelar para a continuidade da realidade não nos diz aonde parar com a unificação.
59
Muitas outras tentativas de ancorar as ciências sociais às ciências naturais podem ser vistas em Sorokin (1928)
e Domingues (1991).
60
Neste sentido diz Robin Dunbar que as ciências sociais se basearam na biologia do século 18 e 19 para se
separarem da biologia, mas que a biologia atual teria muito a oferecer (2007). Mas qual o critério, ele também
não nos fornece.
61
Para um resumo destas idéias de Lorenz, ver Garcia (2005).
62
Não se deve confundir esta afirmação com as tentativas de estabelecer a coevolução de genes e cultura. A
indagação aqui foca na ausência da incorporação do fator aprendizado nas teorias da sociobiologia.
63
Esta falta de uma teoria do aprendizado foi uma das críticas constantes de George Homans a alguns
sociobiólogos. Ver Homans (1977) e (1985).
82
3.2. 2ª via: Consiliente
83
de Wilson foi a de ser “philosophical silly”. Não discutirei este sentido forte da consiliência,
uma vez que não parece ter tido grandes adesões na sociobiologia. Aqui reterei um sentido
mais fraco: colocar os diferentes conhecimentos em conexão e sob uma mesma explicação, e
sem contradizer um ou outro, estabelecer pontes entre diferentes conhecimentos.
Defenderei aqui que o principal discurso da sociobiologia em relação às ciências
sociais, este da consiliência não é o modo como a ciência avança, e ao invés de ser um
princípio que promove o progresso científico, como pensam muitos sociobiólogos, é na
verdade um princípio que se posto realmente em prática levaria ao resultado oposto, isto é, ele
esterilizaria o progresso científico. A consiliência não é o modo como a ciência opera, e negá-
lo não é o mesmo que negar o princípio da não-contradição, como sugerido por Tooby e
Cosmides. Não digo que devamos abrir mão do princípio da não-contradição – que caso
encontradas certas disparidades entre diferentes teorias, não devemos nos preocupar em
absoluto com tal problema – defendo inicialmente que encontrada tal disparidade não há
como saber a priori quem está errado, e que por isso não podemos levar o princípio à ferro e à
fogo.
A insuficiência do princípio consiliente é fácil de demonstrar. A História da
ciência e da tecnologia está repleta de casos onde, caso realmente se aceitasse os princípios
científicos vigentes em determinado período histórico como absolutos, certas inovações
tecnológicas e teóricas jamais poderiam ter surgido. Avanços científicos ocorrem muitas vezes
porque desafiam o conhecimento vigente, e não porque o aceita.
Quando se propôs que, segundo a teoria copernicana, Vênus deveria mudar de
tamanho ao longo do ano, tal proposição foi logo ridicularizada por Oislander, uma vez que
tal previsão seria “um resultado contradito pela experiência de todas as épocas” (apud
CHALMERS, 1993, p. 57). Deveria então a teoria de Copérnico ter sido deixada de lado? E
Galileu não teve de ir contra o conhecimento predominantemente aristotélico de sua época,
que por sinal, se aplicava a um número muito maior de casos do que a teorias de Galileu?
Exaltamos Galileu como um dos grandes heróis da ciência por sua ousadia, e não o Frei
Belarmino por sua defesa do então vigente sistema ptolomaico. Guglielmo Marconi, um outro
exemplo, desafiou a física de sua época (início do século XX) ao inventar do telégrafo sem
fio, recebendo um sinal pelo ar à 3.600Km de distância. A física da época assumia que sinais
de rádio se espalhavam em linha reta até desaparecerem no espaço, e, portanto, não poderiam
alcançar as distâncias alcançadas pelo aparelho de Marconi. Mas o aparelho de Marconi
parecia sugerir, contra a física de sua época, que algumas ondas seguiriam a curvatura da
Terra. Só posteriormente descobriu-se que as ondas não seguiam a curvatura, mas refletiam na
84
ionosfera. De todo modo, se Marconi seguisse a física de sua época, não teria inventado o
telégrafo sem fio.
O exemplo mais interessante aqui é o embate no caso do cálculo da Idade da Terra
calculado por William Thompson, ou Lorde Kelvin, que foi tida como séria refutação ao
darwinismo. Kelvin calculou, com base nas leis da termodinâmica, e supondo que a Terra
estaria se resfriando, que a idade da Terra seria de cerca de 100 milhões de anos (entre 20 e
400 milhões), e isto, dizia Kelvin, era muito pouco tempo para que uma evolução gradual tal
como concebida pelo darwinismo fosse possível. A esta objeção, Lorde Salisbury, presidente
da Associação Britânica para o Avanço da Ciência em 1894, disse que os números de Kelvin
ainda eram uma das “maiores objeções” à teoria da evolução de Darwin, e que aqueles
biólogos e geólogos contrários à Kelvin estariam “esbanjado seus milhões de anos com a mão
aberta do herdeiro pródigo que compensa, com a extravagância presente, a contenção forçada
de sua juventude” (apud HELLMAN, 1998, p. 153). James Prescott Joule, famoso por suas
duas leis de Joule, disse em uma carta à Kelvin em 1861 que:
“Estou contente por você ter-se disposto a desmascarar algumas das tolices que têm
sido lançadas ao público ultimamente. Não que Darwin tenha tanta culpa, porque
acredito que ele não tencionava publicar nenhuma teoria acabada, mas apenas
[queria] apontar dificuldades a serem resolvidas. Parece que hoje em dia o público
não se interessa por nada que não seja chocante. Nada os agrada mais... filósofos que
encaram uma ligação entre a humanidade e um macaco ou gorila.” (apud
HELLMAN, 1998, p. 149).
“By the same token, however, each field ‘higher’ up in the structure requires
additional principles special to its more restricted domain (e.g., living things,
humans) that are not easily reduced to the principles found in the other fields (e.g.
natural selection is not derivable from chemistry).” (idem).
85
Como vimos no capítulo 2.4, muitos sociobiólogos aceitam, ao menos em tese, o
princípio da emergência. Um exemplo de propriedade emergente nas ciências sociais seria a
lei da oferta e da procura, que segundo Cosmides: “A lei da oferta e da procura é uma
propriedade emergente da interação de muitas mentes. Não dá para reduzir história e
economia à psicologia, mas há um elo causal importante aí.” (COSMIDES, 2006).
No entanto, a aceitação da emergência se dá só em princípio. Tais passagens são
lapsos entre sociobiólogos. Apesar de admitirem a possibilidade de propriedades emergentes,
todo seu discurso é de que as ciências sociais estão erradas e estas, e não a sociobiologia, uma
vez em desacordo, devem ser reformuladas. Por exemplo, dizer que “sociedade” e “cultura”
não são redutíveis à psicologia ou à biologia seria para os sociobiólogos equivalente a
defender um organicismo vitalista, hipostasiar entidades como sociedade e cultura como
“almas” que causam os indivíduos não sendo causados por nada – não se discute que ao se
defender a autonomia das ciências sociais, isto era feito defendendo-se que cultura e
sociedade fossem propriedades emergentes. Desconheço se há em algum lugar na
sociobiologia onde haja discussão do que sejam propriedades emergentes, e qual o critério
para identificá-las.
64
Para mais detalhes das inúmeras inspirações das ciências sociais nas ciências naturais ver Domingues (1991) e
Sorokin (1928).
86
that if Darwin was on the right track, sociology was on the wrong track” (p. 102). No
entanto, o motivo do erro seria o oposto da sociobiologia “Political and social phenomena
can never be fully interpreted as results of individual activities” (p. 102). Ford avaliou
mais detalhadamente:
“In order to finally place political doctrine upon the soil of reality, it would be
necessary to take the position of admitting that sociology is simply the continuation
and the development of biology, that human society is a concrete living thing, of the
same order as animal societies.” (ESPINAS 1882, p. 566–7 apud BARBERIS, 2003,
p. 59, itálicos adicionados).
Se a conexão com a biologia é garantia de sucesso, por que esta sociologia afim
com a biologia do século XIX não vingou? Se se disser que seria por que a biologia da época
era deficiente, então por que pensar que a biologia de hoje irá conseguir tal intento, e não a
biologia do ano 2.125? Se se admitir que não conseguiu progresso por que a biologia da época
era deficiente, então não há garantia a priori de que a conexão com a biologia de hoje seja
garantia se sucesso científico, e sendo assim, a sociobiologia teria de mostrar mais do que
“conexão”.
88
3.2.2. A sociobiologia não é a única a representar as Ciências
Naturais nem a Biologia evolutiva
65
“sociobiology completely ignores the kinds of nonadaptive explanations that are common in modern
evolutionary genetics” (LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1987, p. 262). Não levavam em conta os fatores
contingenciais (por exemplo, rinocerontes africanos tem 2 chifres e indianos tem 1. Tal diferença é
provavelmente devido à contingência, e não à adaptabilidade), o tamanho da população pode fixar traços não
adaptativos, há o fenômeno da pleiotropia (certas características são conseqüência do múltiplo efeito de genes
simples. Por exemplo, o fato de o sangue ser vermelho não se trata de uma adaptação per se. Um caso específico
é o da pleiotropia alométrica, onde partes do corpo mudam de proporção à medida que o corpo aumenta) e por
fim há os barulhos aleatórios (random noises). Por fim, o fenótipo não é resultado só da interação genótipo e
ambiente, mas está sujeito a processos aleatórios no nível celular e molecular (ibid, p. 262-3).
89
sustenta que a idéia de Natureza Humana defendida pela Psicologia Evolucionista “are
inconsistent with contemporary theory and practice within biology” (2005, p. 432) e que o
foco em produtos (natureza humana) a ser explicada pela seleção natural, ao invés de foco no
processo que lhe deu origem, seria reter o problema do design, típico de criacionistas, mas
substituindo Deus pela Seleção Natural. E Buller carrega na crítica:
Sober & Lewontin (1982) criticam a idéia de tomar o foco da seleção nos genes,
por ser mais parcimoniosa. Para eles, “The selfish gene fails to do justice to standard textbook
examples of Darwinian selection”.
Um outro pressuposto caro à Psicologia Evolutionista trata-se da teoria
computacional da mente, que assume que podemos tratar processos mentais como processos
computacionais. É uma tese controversa no campo da filosofia da mente que tem rendido
inúmeras discussões ao longo do século XX. Poderíamos tratar processos semânticos como
sintáticos? Há quem, como John Searle, que acredita que não. Mas há quem acredite que sim.
Jerry Fodor é talvez o principal defensor da teoria computacional da mente, que segundo ele
seria “by far the best theory of cognition that we’ve got” (1998b), além de ser o introdutor da
idéia de “modularidade”, adotada pela psicologia evolucionsita. No entanto, Fodor escreveu
um livro contra o que ele vê como abusos feitos por psicólogos evolucionistas dessas teorias,
ao tratar a mente como composta somente por processos computacionais, sem dar espaço à
consciência, e como massivamente modular. Segundo Fodor não sabemos se a maioria do que
está na mente é modular, e não sabemos como a cognição não modular trabalha (FODOR,
2001).
Panksepp e Panksepp (2000) destacaram alguns “pecados” cometidos pela
psicologia evolucionista, a maioria relacionada ao desconhecimento desta disciplina para com
os estudos sobre os vários sistemas motivacionais e emocionais básicos da mente dos
mamíferos. Destacaria entre os erros apontados, “specie-centrism” onde “human proclivities
are commonly discussed indepedently of what we share with other creatures” (p. 114), como
as capacidades cognitivas gerais de perceber objetos e eventos, computar passagem de tempo
entre eventos, deslocar entre objetos. Outro erro refere-se à modularização massiva adotada
90
pela psicologia evolucionista. Segundo os dois críticos, sem referência aos sistemas
subcorticais de medo, raiva, lascívia (lust), pânico e cuidado (care), poderia levar a erros: “the
simplest postulation of genetically-dictated modules, especially in higher areas of the human
brain, may end up being a regressive ‘phrenological’ strategy rathen than a progressive
paradigm based on real brain circuit analyses” (p. 116). Outro pecado refere-se à ausência de
perspectivas neurais confiáveis na postulação dos módulos, onde “none of the proposed
sociobiological modules have coalesced with established neural realities... it is remarkable
that evolutionary psychology continues to neglect evidence concerning the basic socio-
emotional systems of the mammalian brain” (p. 117), e concluíram “...we are disappointed by
the fact that current evolutionary psychological thought... is not guided by what we already
know about neurobiology of emotional and motivational processes in the brains or related
animals” (p. 126).
Outra crítica recorrente se refere ao chamado problema da otimização (cf.
SEGERSTRÅLE, 2000, p. 105 e KITCHER, 1987, cap. 7). Ao chegar a esta formulação
“ótima” do decurso da ação conforme a intenção inconsciente de maximização de aptidão
inclusiva, diversos críticos tem ressaltado a confusão que fazem os sociobiólogos entre
formulação ótima e realidade, pressupondo erroneamente que uma vez feito o cálculo ótimo, a
realidade será da mesma forma. Da mesma forma, tentam explicar a realidade fazendo alusão
a alguma formulação ótima genérica, que nos diz somente sobre a possibilidade do evento
ocorrer como descrito, mas sem nos informar de modo algum por que no caso específico usa-
se uma formulação e não outra. É como se alguém tentasse explicar a variação do preço da
carne no mês de maio do ano passado apenas fazendo alusão à lei da oferta e da procura, mas
sem mostrar que os pressupostos da lei da oferta e procura foram satisfeitos.
Os sociobiólogos apelam à complexidade (complexity of features) para inferir de
que se trata de uma adaptação, e Richardson (2007, p. 19) destaca que há explicações
alternativas. Alguns, como Stuart Kaufmann, apostam nas ciências da complexidade e
propõem que através de diferentes domínios, simples princípios gerais sugeririam haver uma
ordem espontânea em sistemas complexos, ao lado e antes da adaptação. Tal alternativa
também é controversa (inclusive o próprio Richardson a critica), mas é ainda uma alternativa.
Ainda nas ciências da complexidade, Humberto Maturana e Francisco Varela em sua teoria
autopoiética apostam na noção de que não podemos falar em organismos mais ou menos
91
adaptados, mas somente em organismo adaptado/não adaptado66. O erro do adaptacionismo é
não levar em conta que mudanças nos organismos estão condicionadas e limitadas pela
estrutura do organismo, isto é.
Como ressalta Segerstråle (2000, p. 73 e 331) as quatro questões do etólogo
Tinbergen têm sido usadas freqüentemente como antídoto contra a sociobiologia. Tinbergen
postulava que haviam quatro dimensões no comportamento. Destacam que para entendermos
o comportamento devemos focar nas quatro questões, e não apenas nas causas últimas. Parte
da etologia tem fortes resistências à sociobiologia por causa disto (cf. o etólogo Patrick
Bateson em SEGERSTRÅLE, 2000, p. 174 e BATESON, 2000). O sociólogo Randall Collins
(COLLINS, 1983 e; RÖSSEL e COLLINS, 2001), por exemplo, defende que a teoria do
conflito parte não da sociobiologia, mas da etologia em junção com a etnometodologia, onde
processos da ação no nível micro não poderiam ser explicados por normas e regras sociais:
Há certamente mais críticas quanto à sua conexão com as ciências naturais, mas
estes exemplos já são suficientes para a discussão presente. Há muita controvérsia rondando a
sociobiologia. Pode ser que os críticos estejam certos, e pode ser que estejam errados. Estas
objeções à sociobiologia como ciência não ficaram sem resposta, e também não ficaram sem
tréplica e assim por diante. Mas o simples fato de haver críticos implica que não há consenso
nas ciências naturais em vários pontos levantados pela sociobiologia. Como um cientista
social ávido por consiliência poderia decidir com qual versão ficar? Talvez, só apostando em
uma das versões. Mas apostar não é um procedimento de todo seguro.
Mas concedendo que os críticos estejam completamente equivocados em suas
críticas, e a sociobiologia humana pudesse ser considerada como atividade “normal” da
biologia evolutiva. Supondo isto, poderiam os cientistas sociais então finalmente adotar a
66
Diz ele “What we propose here is that evolution occurs as a phenomenon of structural drift under ongoing
phylogenic selection. In that phenomenon there is no progress or optimization of the use of the environment, but
only conservation of adaptation and autopoiesis. It is a process in which organism and environment remain in a
continuous structural coupling”.
92
sociobiologia como fundamento? Defenderei a seguir que não há resposta satisfatória a esta
questão.
A própria sociobiologia não poderia fornecer uma base segura para outros
conhecimentos, uma vez que não há consenso hegemônico sobre seus objetivos e suas bases.
A Sociobiologia não deve ser considerada uma teoria, mas um campo onde diversas teorias
habitam. Não há consenso na própria sociobiologia sobre quais os objetivos a serem seguidos
(o que deveria explicar?) e sobre suas bases (qual o foco da seleção natural?). Assim, mesmo
que aceitássemos que as ciências sociais devem se basear na sociobiologia, não é de todo
claro o que isso significa e como isso deve ser feito.
93
biologia é a chave para entender a natureza humana e a cultura humana, mas não se detêm na
questão dos limites que genes impõem à cultura. Segundo Alexander:
“If there is one thing that natural selection has given to every species, it is the ability
to adjust in different fashions to different developmental environments... If there is
an organism most elaborately endowed with flexibility in the face of environmental
variation, it is the human organism.” (apud KITCHER, 1987, p. 282).
Desde seu nascimento, como qualquer outra ciência, a sociobiologia não teve
consenso sobre seus fundamentos. Dawkins acreditavam que bastava a seleção a nível gênico
e que a seleção de grupos poderia ser abandonada por motivos pragmáticos. E.O.Wilson
acreditava que não se poderia abandonar a seleção de grupo. A adesão de Wilson à seleção de
grupo fez com que muitos etólogos resistissem ao rótulo de “sociobiólogos”, Dawkins
chamou o programa de Wilson de “pre-revolutionary”, enquanto Wilson ao defender que o
foco seria no genótipo e não nos genes, disse que ele, Wilson “did not make the same
mistakes as Dawkins.” (apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 127). Muitos sociobiólogos
94
passaram a considerar a seleção de grupo como “great heresy”, “non-darwinianian”, ou
mesmo “morta”.
E.O.Wilson ultimamente tem destacado cada vez mais a importância da
malfadada seleção de grupos, integrada numa perspectiva multiníveis. Tal perspectiva tem
recebido atenção renovada em setores da biologia externos à sociobiologia. No interessante
artigo intitulado “Rethinking the Theoretical Foundation of Sociobiology” escrito por
E.O.Wilson e David Sloan Wilson (2007) chamam a seu favor não menos que Charles Darwin
e mesmo o famoso Adaptation and Natural Selection de George C. Williams, tido
regularmente como inauguração da perspectiva do gene como único ou principal foco da
seleção. Wilson & Wilson ressaltam com citações destes autores de que estes não só não
fecharam as portas para a seleção de grupo, bem como as aceitavam (desde que numa
perspectiva multiníveis). Destacavam ainda que “The rejection of group selection in the 1960s
was not based upon a distinguished body of empirical evidence” (p. 332), mas sim por
questões metodológicas (por ser mais parcimoniosa) e que uma questão central à
sociobiologia, a da evolução do altruísmo deveria ser revista, já que teorias que tentaram
“explain the evolution of apparent altruism without invoking group selection... have failed”
(p. 331) 67. E isso vale para a evolução de colônias de insetos, antes explicada pela seleção de
parentes68. Assim, Wilson chama a atenção para a necessidade de revisão substancial nos
fundamentos da teoria sociobiológica. A seleção de parentes “ergueu e caiu”, a seleção de
grupo “nasceu, morreu e ressurgiu”. David Sloan Wilson e o principal advogado da
sociobiologia, E.O.Wilson, chamam a atenção de que a sociobiologia não está consistente
com o resto do conhecimento em biologia. Diziam eles, que apesar do ressurgimento da
seleção de grupo:
67
Quanto a este mesmo ponto, ver também o artigo “Kin Selection as the key to Altruism: Its Rise and Fall” de
Wilson (2005).
68
“a growing body of research has disclosed that colonies of social ants and wasps are often founded by
unrelated queens; that workers do not show preference for their own mothers in multiple-queen colonies, only
occasionally for their sisters; and that colonies remain well organized and stable even in the extreme cases when
the workers composing them are only very distantly related or not at all... In short, the critical binding force of
colony evolution appears to be ecological natural selection operating at the level of the colony, a level that
comprises both colonies versus individuals, and colonies versus other colonies” (WILSON, 2005, p. 163, itálicos
adicionados).
95
Posto o dissenso, em qual sociobiologia deveriam as ciências sociais se basear?
Na sociobiologia fortemente baseada no gene como foco da seleção ou na perspectiva
multiníveis e sua ecological natural selection? Certos comportamentos humanos existem para
o bem do grupo, do indivíduo ou de seus genes, ou de uma mistura destes elementos? Deveria
confiar na ciência mais extensamente aceita no momento, ou deveria apostar em alguma
vanguarda científica, que poderia tanto se tornar a próxima verdade aceita, como também
poderia malograr?
Estes exemplos reforçam a idéia de que as ciências naturais estão em constante
mudança, e qualquer tentativa de se embasar o conhecimento em teorias científicas, mesmo
nas teorias das Hard sciences, corre o risco de em poucos anos ver sua base se desmanchar.
Quanto menos se tiver de tomar partido em certas questões, melhor. E acredito que as ciências
sociais podem se desenvolver independentemente de tais disputas.
Como foi dito anteriormente, a sociobiologia não é uma teoria, mas um campo.
Um de seus maiores problemas é a questão do altruísmo, e a sociobiologia tem algumas
diferentes teorias básicas para explicá-lo. A primeira teoria na ordem de preferência dos
sociobiólogos é a “seleção de parentes” (kin selection), que diz que quanto mais próximos
geneticamente os indivíduos, maior será sua cooperação, e quanto mais distantes
geneticamente, maior será sua oposição. A segunda seria o “altruísmo recíproco”: eu ajudo
você agora, e você me ajuda quando eu tiver dificuldades. Haveria ainda a “reciprocidade
indireta” proposta por Richard Alexander, onde o altruísmo ocorreria na presença de um
público interessado, podendo assim aumentar a reputação do indivíduo enquanto “bom
cooperador”, e com isto aumentando as chances de receber benefícios posteriores. Haveria
ainda formas mais gerais. Kanazawa (2001, p.1146) evoca ainda “Troca Generalizada”
(“generalized exchange”) – expressão que talvez tenha sentido muito próximo, senão idêntico,
ao que alguns chamaram de “reciprocidade generalizada” ou “reciprocidade forte” – que
procura descrever, por exemplo, a ajuda que um motorista dá outro que nem o conhece. Neste
caso, o motorista que auxilia agora pode receber ajuda de outro motorista anônimo em uma
ocasião futura. Segundo Kanazawa, “The norms prescribing mutual help, when strictly
enforced, clearly result in Pareto-optimal outcomes, because everybody benefits from such
generalized exchange” (2001, p. 1146).
Diante de tal diversidade de teorias base, fica difícil a sociobiologia deixar de
“prever” qualquer evento. Ajudou alguém mais próximo geneticamente? Graças à seleção de
parentes, óbvio! Não ajudou alguém mais próximo geneticamente, mas sim alguém mais
distante? Não se preocupe, foi altruísmo recíproco, e se mesmo assim não der certo, tente
96
“reciprocidade indireta”. De qualquer modo a sociobiologia “sai ganhando”. Qual o critério
para sabermos a priori qual altruísmo acontecerá no caso específico? Não me parece que
tenham tal critério69. Por que não explicar os casos de ajuda aos parentes como casos de
altruísmo recíproco? Afinal, não se tem a consiliência como modelo científico? Tal recurso
foi chamado por Dunbar de “relutância super-kuhniana” (KITCHER, 1987, p. 107).
A sociobiologia não representa a Biologia Evolutiva como um todo, e a
Sociobiologia Humana não representa a Sociobiologia como um todo. Não temos, portanto,
motivos para, aderindo ao princípio consiliente, adotar justamente alguma das vertentes da
sociobiologia.
É bem provável que Wilson tenha buscado no filósofo Michael Ruse (1979) o
princípio consiliente e Ruse o buscou em Whewell, o criador tanto da noção e expressão
“consiliência” quanto do termo “ciência”. Não iremos discutir aqui o princípio de Whewell,
mas o sentido adotado pela sociobiologia.
A sociobiologia estabelece o princípio da consiliência sem discutir outras teorias
que também pretendem explicar como a ciência avança. À exceção de Ruse, no geral já se
parte do princípio que a ciência avança consilientemente, e mostra-se alguns exemplos de
história da ciência que confirmariam ou exemplificariam o princípio. Mesmo Wilson (1998)
que dedica um livro sobre o assunto, não discute como a consiliência seria uma teoria melhor
do que outras teorias que tentam explicar o avanço do conhecimento.
Apesar da sociobiologia não discutir teorias rivais à consiliente, há toda uma
discussão em história e filosofia da ciência acerca da questão de ter de se fazer consistente
com outras teorias, e em que medida, seria um imperativo para o avanço da ciência.
Feyerabend e seu anarquismo metodológico talvez seja o grande nome da oposição a este tipo
de concepção. Os exemplos de história da ciência citados anteriormente nos sugerem, no
mínimo, que tal princípio tem sérios problemas. Não temos garantias de que teorias
científicas, uma vez estabelecidas, permanecerão em voga, ou mesmo que teorias podem ser
definitivamente refutadas. E na medida em que as ciências naturais estão em constante
69
Críticos como (LEWONTIN, 1978, p. 146-7), (CAPLAN, 1978, p. 288 apud KITCHER, 1987, p. 107)
levantaram este mesmo ponto.
97
mudança, talvez seja uma boa esperar para ver se surgem teorias “compatíveis”, como
mostrou o caso do embate entre os darwinistas e Lorde Kelvin.
Ruse acredita que o falsificacionismo é falho, uma vez que muitas teorias
científicas foram aceitas, apesar de haver anomalias conhecidas. Assim, o falsificacionismo
precisaria ser superado, e “go beyond is consilience”; isto é “good scientific theory explain in
many different areas, drawing all together and unifying under one single hypothesis” (p. 532)
e dá como exemplo Newton ao integrar diferentes áreas do conhecimento. Já mencionamos
como a sociobiologia acredita estar participando deste movimento ao “finalmente” integrar a
biologia e as humanidades. Vimos alguns exemplos de tentativas integração. Vou apresentar
alguns exemplos mais famosos.
Spencer formulou uma lei da evolução aplicável a todo universo. Tudo tende a
passar do homogêneo ao heterogêneo. Desde o universo físico, passando por espécies
biológicas, até chegarmos às sociedades humanas. Todas partiram de um ponto de maior
homogeneidade de formas e foram adquirindo cada vez mais, maior diversidade. Ou vejamos
o caso do aristotelismo, com sua noção de que tudo tende ao repouso a não ser que uma força
externa intervenha. Ele pode explicar que a borracha que lancei ao ar e cai no chão, uma vez
que a borracha estava parada e só quando uma força externa, no caso minha mão, aplicou-lhe
movimento. Também pode explicar sob o mesmo princípio o comportamento de alunos que
não lêem os textos dados pelo professor (tendem ao repouso) a não ser que o professor cobre
pontos de participação (força externa). Poderíamos pensar numa infinidade de outras teorias
científicas e não científicas que “unificavam” todo o universo, como o grego pré-socrático
Tales de Mileto, em Ionia, que dizia tudo é água, e que serviu de inspiração para Wilson ao
proclamar o “Ionian Enchantment” como símbolo do princípio consiliente.
Podemos então questionar se a ciência opera por consiliência, por que a teoria
aristotélica que se aplicava à maior número de casos foi abandonada? Por que os biólogos
preferiram a teoria da evolução de Darwin à de Spencer, se a teoria de Spencer era mais
ampla e se aplicava a um número maior de casos? A resposta é a mesma dada a mais de cem
anos atrás: tais teorias são vagas. Não explicam a variedade de formas demandadas pelas
diferentes disciplinas. Esse também foi um dos motivos pelo qual a teoria organicista foi
abandonada. Não foi por ser falsa, ou por aplicar o mesmo princípio a seres humanos
princípios antes aplicados para explicar o comportamento de outros animais. Como explicou
Barberis o declínio do Organicismo:
98
After the 1897 International Congress, the consensus seemed to be that sociologists
no longer found the organic metaphor useful. Célestin Bouglé, a member of the
Durkheimian group that gathered around the journal Année sociologique, took this
event as an occasion to try to deliver the final blow to ‘biological sociology’, as he
called it. He pointed out that the debates about the organic analogy had prolonged
themselves over the years and that they seemed to be unable to arrive at any
consensual conclusion. After the ‘interminable combats’, each contestant held fast to
his initial position, according to his ‘previously determined metaphysical
preferences’. Organicism, he argued, was incapable of offering specific solutions to
particular sociological problems. It could offer only vague formulas, and should be
relegated to the museum of the history of the sciences, placed ‘between the useless
hypotheses and the dangerous metaphors.’ (BARBERIS, 2003, p. 64, itálicos
adicionados).
Ruse, ao dizer que consiliência vai além do falsificacionismo o faz criticando uma
versão simplificada do falsificacionismo, o chamado falsificacionismo dogmático, que talvez
Popper jamais o tenha defendido. Na versão mais sofisticada do falsificacionismo, avaliamos
teorias na sua relação com a realidade, mas também na sua relação com outras teorias, e
decorre disto, que teorias mais audaciosas e com mais potenciais instâncias refutadoras seriam
preferíveis (desde que também resistissem aos testes). Assim, a teoria de Newton, segundo o
falsificacionismo, seria superior à teoria de Galileu por prever com maior precisão o
movimento de planetas (e portanto, se prestando mais à falsificação), mas também o
movimento de marés; tendo mais casos de potenciais falsificadores. Portanto, a suposta
vantagem da consiliência, ao contrário do que Ruse apresenta, está contida no
falsificacionismo. Além disso, o falsificacionismo vai além: ao dizer que teorias com maior
conteúdo empírico são preferíveis, pode explicar por que a teoria da evolução spenceriana e o
organicismo foram abandonados, ao passo que a consiliência não: Tais teorias, apesar de
aplicarem a um número maior de casos e de poderem ser verdadeiras, são vagas, e como
apareceram teorias concorrentes capazes de explicar melhor casos específicos, tais teorias
perderam a razão de ser.
Não pretendo com isto dizer que o falsificacionismo é a melhor teoria do
conhecimento que temos, mas tão somente dizer que 1) a deficiência apontado por Ruse
contra o falsificacionismo trata-se de mau entendimento de Ruse do falsificacionismo, e; 2) o
falsificacionismo é melhor do que a consiliência, e não o contrário, uma vez que ela explica
casos que a consiliência é incapaz de explicar.
99
Sim, há quem pense que os problemas tratados pelas ciências sociais devem ser
abandonados por não poderem alcançar os padrões científicos normais, devendo então ser
substituídos pelos problemas da sociobiologia. Entrariam neste caso todos aqueles que
defendem que as ciências sociais não conseguiram estabelecer leis porque olharam para o
local errado, isto é, olharam para diferenças culturais, ao invés de olharem para as
semelhanças, pois assim conseguiriam estabelecer leis.
O filósofo da Economia e Biologia Alexander Rosenberg foi o principal defensor
de tal perspectiva. Apesar da agudeza de sua afirmação, Rosenberg apresentou um dos
argumentos mais bem detalhados sobre a unificação dos campos, apesar de não o fazer
sempre de forma clara. Digo isto porque Rosenberg parece ter sido o único que dedicou um
livro inteiro só para defender a necessidade da sociobiologia nas ciências sociais, fazendo um
esforço real de entender os argumentos de cientistas sociais que critica (como Durkheim e
Lévi-Strauss), mantendo diálogo com a filosofia da ciência, ao passo que outros o fazem
sempre em rápidas estruturações. Mas isto não implica que não tenha falhas. Além disto, seu
argumento não parece ter rendido seguidores na própria sociobiologia e, isso, infelizmente,
uma vez que teria elevado o nível filosófico do debate. Vale lembrar ainda que o próprio autor
afirma ter mudado substancialmente de opinião mais recentemente70. Mas talvez valha a pena
nos determos um pouco em sua interessante defesa da sociobiologização das ciências
humanas, pois outros sociobiólogos seguem argumento semelhante, apesar de não com o
mesmo grau de sofisticação, nem nos mesmos detalhes. Matt Ridley, por exemplo, afirma que
“the essential difference between anthropology and Darwinism” seria o foco em estruturas
universais ao invés das diferenças culturais: “The Martian is much more interested in the
typical wheat plant: It is the human universals, not the differences, that are truly intriguing”
(RIDLEY, 1993, p. 275).
Rosenberg (1980) se pergunta por que as Ciências Sociais não alcançaram o
mesmo nível de refinamento nomológico de teorias como as das ciências naturais, isto é, não
conseguiram gerar leis. Rosenberg parte do pressuposto do empirismo como melhor filosofia
da ciência, e que as únicas ciências possíveis são aquelas que chegam a leis. Não é porque o
objeto das ciências sociais seja mais complexo, ou porque seus pressupostos são irrealistas
(Rosenberg na p.128 tenta mostrar que a biologia também tem seus pressupostos irrealistas).
Mas as ciências sociais não conseguiram e nem conseguiriam chegar a gerar leis, uma vez que
70
“What I now think is rather different from what I and other exponents of biology’s bearing on the human
sciences supposed back in the 1970s.” (ROSENBERG, 2005, p. 3).
100
seus conceitos são nomes próprios (proper names) e não classes naturais (natural kinds),
restritos ao espaço-tempo, e portanto, nada de leis.
“‘Homo Sapiens’ does not name a natural kind, and is not a predicate at all, let alone
a qualitative predicate. Rather it is name, a proper name a discrete, spatiotemporally
bounded particular thing. As such, it is no more likely to figure in a general law than
‘Napoleon Bonaparte’ or ‘Kalamazoo, Michigan’ or ‘Mona Lisa a Gioconda.” (p.
120, itálico no original).
Uma verdadeira ciência deveria abrir mão de conceitos como crenças, desejos,
ações. Não que tais expressões não possam ser usadas ou que não possam expressar
avaliações verdadeiras, mas tais expressões não designam classe de eventos, estados e
condições homogêneas, isto é, também não são classes naturais. Algumas teorias das ciências
sociais, como de Durkheim e Lévi-Strauss pressuporiam implicitamente crenças e desejos, e
estariam também condenadas a não gerar leis.
Para o autor, se quisermos ser consistentes com a ciência biológica, então
deveríamos admitir que espécies particulares, como o Homo Sapiens, não são classes (kind):
“we cannot embrace the truth of the theory of natural selection, in its present character at
least, and continue to treat particular species as kinds” (ibid, p. 129). Mas os conceitos da
biologia, por serem mais gerais, poderiam fornecer tal generalidade necessária para a
construção de leis. Assim, diz Rosenberg, “The premises of my explanation of the failures of
the social sciences are at the same time premises in a argument that they be replaced,
superseded, preempted, by sociobiology” (1980, p. ix-x).
Rosenberg admitia que a sociobiologia não explicava certos fenômenos sociais e
culturais no nível de detalhamento exigido pelas ciências sociais (ROSENBERG, 1980, p.
186). E Wilson também. Mas dizia: “But to say that sociobiological theory cannot account for
these differences among societies is to say that nothing can.” (ibid. p.187). Assim, as objeções
de Sahlins à incapacidade da teoria sociobiológica de explicar o parentesco não faria tanto
sentido. “Sociobiology offers no direct explanation for ethnographic kinship; the claim that it
does so as special case of its theory of kin selection is false” (ibid. p. 193).
Apesar do não ser possível acompanhar em todos os detalhes os argumentos de
Rosenberg, alguns problemas gerais desta perspectiva podem ser destacados. Não precisamos
discutir as conseqüências dos pressupostos, podemos questionar os pressupostos mesmos, e
tais pressupostos são compartilhados com outros defensores da sociobiologia nas ciências
sociais, ainda que o argumento não. A principal deficiência desta concepção seria se ater a
uma definição muito estrita de ciência enquanto sistema de leis que talvez nem a metereologia
101
ou ecologia consigam alcançar. Além disso, não é de todo claro que a única demanda das
ciências sociais seja gerar leis. Pode-se sim buscá-las, como no caso da lei que diz que taxas
de suicídio decrescem em períodos de crise política. Mas também demanda-se das ciências
sociais explicar semelhanças, diferenças, e aspectos universais (BOUDON, 1999, p. xiii).
Diferenças como no caso estudado por Tocqueville, do porquê na França do século XVIII o
apelo à noção de “Razão” se tornou tão popular, mas o mesmo não aconteceu na Inglaterra do
mesmo período. Semelhanças como o caso de civilizações que não tiveram contato entre si,
como as originárias da Mesopotâmia, América e China, que desenvolveram
independentemente uma das outras elementos como burocracia, escrita e economia monetária.
Por fim também traços universais, como a explicação do porquê todas religiões tem a noção
de alma, como estudado por Durkheim em Formas Elementares da Vida Religiosa71. Mas
para Rosenberg e outros sociobiólogos, a única ciência possível é que busca leis: “Bretano’s
science of intention will be a science without laws, and therefore no science at all”
(ROSENBERG, 1980, p. 147 também LOPREATO 2001, p. 429-30).
Assim, se a única ciência possível é aquela capaz de estabelecer leis, surgem
problemas. Deveríamos então retirar o status de ciência da metereologia e da ecologia? Diante
da incapacidade de gerar leis, deveríamos abandonar tais intentos? Um segundo problema
seria que, mesmo se sociólogos atendessem ao chamado dos sociobiólogos e mudassem sua
agenda de pesquisa, haveria toda uma série de problemas que exigiriam respostas, e esta
classe de problemas distintos é que acredito ser mais apropriado definir uma ciência. Em que
medida a economia (capitalista) é dependente do Estado (Moderno)? Quais as chances de
eleição de determinado perfil de candidato a um cargo político? Como fatores como religião,
burocracia, educação, economia, política interagem entre si em determinado momento? Quais
os possíveis rumos da economia ou da política, ou de quais as mudanças no mundo do
trabalho? As variações nas taxas de criminalidade ocorreram devido ao aumento da repressão,
à melhora na repressão, à melhora nas condições de vida, a alguma variação na religiosidade
das pessoas, à influência da televisão? Ainda que tais problemas não levem a leis, alguém tem
de respondê-los, e é necessário critérios para decidir entre diferentes teorias. Ainda que não se
queira chamar isto de “ciência” por não gerar leis, é preciso ter em mente que se trata de um
conhecimento diferenciado que se utiliza de método sistemático para escolher entre diversas
71
Aspectos universais difeririam de leis na medida em que leis estabelecem relações entre variáveis, como por
exemplo, “quanto mais A menos B”, ou “quanto mais A, mais B” ao passo que aspectos universais apenas
destacam a universalidade de um traço, sem estabelecer sua relação com outras variáveis, como na afirmação
“todos os corvos são negros” ou “países democráticos não entram em guerra entre si”.
102
teorias que difere do senso comum. As demandas sociais por estes tipos de conhecimento
impediriam o simples abandono destes problemas.
Rosenberg não especifica os detalhes de sua mudança de opinião. Ao que tudo
indica, não acredita mais que ciências sociais devam se tornar sociobiologia, mas acredita
agora no compartilhamento de problemas com a biologia, como da adaptação e da otimização,
apostando na biologização via analogia, a ser discutida mais adiante, e, além disto, já não se
opõe tanto mais ao uso da noção de intencionalidade. Diz ele “The social sciences must be
biological ones” (ROSENBERG, 2005, p. 3), mas num sentido diverso.
Mas aqui só há sugestão dos elementos que podem ajudar a solucionar, não há
solução do problema da ação coletiva; não nos diz em que situações a ação coletiva ocorrerá.
E como Nielsen sabe que a solução vai necessitar de tais elementos se ele não tem a solução?
Além disto, as assunções psicológicas fornecidas pela sociobiologia como “detecção de
trapaceiros”, “sentimento de culpa”, “capacidade para amizades” não acrescentam nada de
substantivo, uma vez que já sabíamos que tínhamos tais capacidades, e o acréscimo teórico de
que tais assunções possam ter origem sociobiológica, ou seja lá qual for, não parece ajudar em
nada no entendimento. E quanto à natureza humana, Nielsen deposita esperanças, assim como
Lopreato, que uma atualização de Pareto via sociobiologia também seria produtivo. Pareto
tentou elaborar uma teoria dos sentimentos para explicar a ação não-lógica, e a sociobiologia
72
ESS ou Evolutionary Stable Strategy, que significa um padrão de comportamento que é estável
evolutivamente, inevitável. Uma vez que certo comportamento se torna dominante, não é mais possível que
outros comportamentos venham a predominar. Seu cálculo envolve teoria dos jogos.
105
poderia fornecer uma versão atualizada desta teoria dos sentimentos. E conclui “The new
influx of evolutionary thinking in sociology may finally usher in the realization of Pareto’s
venerable project” (ibid. 294). Mas aqui também só há sugestão de que pode ser produtivo,
nada de substantivo.
Para Kanazawa a psicologia evolucionista pode fornecer uma teoria dos valores
para as ciências sociais e resolver alguns dos mais importantes problemas das ciências sociais:
“The incorporation of evolutionary psychology into rational choice theory can also
solve some of the persistent puzzles of rational choice theory: Why do so many
players in Prisoner’s Dilemma games make the irrational choice to cooperate? Why
do people participate in collective action? Why do people sometimes behave
“irrationally” by acting on their emotions? Why does rational choice theory appear
to be more applicable to men than to women?” (KANAZAWA, 2001, p. 1131).
106
cooperar e outro não, aquele que cooperar teria agido como trouxa ao ser punido e o outro
teria escapado ileso. Mas Kanazawa relata que testes de laboratório mostram que cerca de
metade dos jogadores preferem a opção “irracional” de cooperar. Por quê? Segundo o autor,
nossa mente opera como se ainda estivéssemos no ambiente ancestral onde o homem evoluiu,
o Environment of Evolutionary Adaptedness ou EEA, termo que designa, segundo o psicólogo
evolucionista, “environments to which ancestral populations were exposed for sufficient
lengths of time to become adapted to them.” (apud BULLER, 2005, p. 434), e anonimato
completo era algo que não havia no EEA. Assim, mesmo quando o anonimato é completo, a
mente processa a informação como se não o fosse, e assim o indivíduo coopera. Segundo
Kanazawa isto também explicaria por que um dos fatos que mais aumenta a cooperação é a
comunicação pré-jogo, mesmo quando isto não leva a nenhum comprometimento de punição,
coisa que segundo ele, “nobody seems to know why”. Comunicação pré-jogo funcionaria
como reforço do não-anonimato, fazendo com que o ator “pensasse” (inconscientemente) que
poderia sofrer retaliação. Além disto, comunicação pré-jogo feita através de computadores
não obteria o mesmo efeito, “probably because communication via computers (which did not
exist in the EEA) does not unconsciously reinforce subjects’ perception that other subjects are
people they know” (KANAZAWA, 2001, p. 1150). Mas tal explicação, admite ele, só dá
conta de metade dos casos. E a outra metade? “I believe this is because these subjects are able
to overcome the innate bias to perceive and respond to the world as if it were still the EEA,
which is difficult but not impossible to do.”(p. 1150). Ou seja, aqui tem-se de se recorrer às
crenças conscientes. Mas por que neste último caso crenças conscientes estão presentes e nos
casos anteriores não, isto é algo que o autor não nos conta. Consciência aqui aparece como
mero estratagema ad hoc, isto é, como uma teoria usada para salvar a teoria anterior somente
no caso específico, mas sem nos dar os critérios para que saibamos quando utilizar a teoria
“salvadora”.
Desse modo, poderíamos então partir do suposto oposto ao de Kanazawa, de que
o modo inato de agir seja não-cooperar – afinal, segundo alguns sociobiólogos, somos
inatamente egoístas, e o altruísmo é algo aprendido. Posto isto, podemos inserir a variável
“able to overcome the innate bias” não cooperativa quando a teoria assim necessitar e assim
explicar tão bem quanto Kanazawa, mas partindo de um pressuposto contrário. Ou ainda
poderíamos recorrer a uma terceira explicação, como em metade dos casos há cooperação e
nos outros não, talvez as pessoas, por não saber o que fazer, apostam aleatoriamente em uma
das opções, e assim o resultado é metade cooperam, metade não cooperam.
107
Nesta explicação o autor aqui toma um elemento que não existia no EEA, o
computador, através do qual a interação entre pessoas é interpretada inconscientemente por
estas como irreal, uma vez que não havia computadores no EEA. Mas se os computadores não
alterassem o resultado, poder-se-ia sem problemas interpretá-lo como fator que reforça a
percepção de não-anonimato. Além disto, aqui interpreta-se que a interação via computador
não é tida inconscientemente como real, mas em outra parte Kanazawa diz que homens tem
ereção ao ver fotos e vídeos de mulheres nuas porque seus cérebros interpretam a situação
como real, uma vez que não haviam fotos e vídeos no EEA (KANAZAWA, 2001, p. 1157)73.
Em um caso o fator inexistente no EEA leva as pessoas a interpretarem a situação como irreal,
em outra, como real. Isto mostra que estes fatores podem ser facilmente interpretados
conforme demande a teoria.
Ação coletiva. Participar de protestos políticos envolvem o problema do carona
(free-rider). Se todos podem se beneficiar dos resultados da ação coletiva, isto é, se o objetivo
da luta política é um bem público, algo que por definição é não-excludente, por que ter o custo
de participar de uma ação coletiva (pode-se apanhar, ser preso, torturado, morto, perder o
emprego, etc.) se todos, mesmo os que não participarem, ao final ganham? Kanazawa explica
assim. Jovens de ambos os sexos podem participar de protestos políticos ou movimentos
sociais “because they are unconsciously motivated to seek reproductive opportunities”, e
protestos são boas oportunidades para encontrar parceiros sexuais, como indicariam algumas
pesquisas apontadas por ele. Como mulheres preferem homens de maior status, diz o autor,
“The only way for young men to gain access to women’s reproductive resources is to change
the system” (ibid, p. 1152, grifos no original), pois seria interessante para os jovens machos
mudar o status quo onde homens mais velhos monopolizam os recursos materiais e
reprodutivos. Homens mais velhos têm interesse em manter o status quo, e talvez por isto,
jovens tenham tendência a serem mais liberais e rebeldes, ao passo que os mais velhos tendem
a ser mais conservadores. Além disto, movimentos sociais seriam oportunidades para as
jovens mulheres verem quem poderão ser os novos líderes. Conclui ele então:
If young men and women participate in social movement activities because they are
unconsciously motivated to seek reproductive opportunities, then the theoretical
paradox of the collective action problem can be solved. For men and women
themselves serve as costless selective incentives to each other, which are
unavailable to freeriders. Of course, seeking reproductive opportunities only serves
73
Seria interessante saber em que medida havia roupa no EEA. Caso houvesse pouco uso de roupa, seria
interessante saber se os homens tinham ereção quando viam algo provavelmente tão banal e comum em seu
ambiente como mulheres nuas.
108
as the ultimate (evolutionary) cause of social movement participation, of which the
participants themselves are largely unaware. The proximate (psychological) causes
of participation include genuine commitment to the movement’s political cause and
a strong desire to bring about social change. (p. 1154, itálico no original).
Kanazawa afirma que o único modo para jovens machos terem acesso às mulheres
seria mudando o sistema. Mas podemos imaginar muitos outros meios. Psicólogos
Evolucionistas como Thornhill e Palmer em A Natural History of Rape acreditam que o modo
evolutivamente mais vantajoso de jovens machos desprovidos de recursos repassarem seus
genes é estuprando as fêmeas. Talvez seja mais interessante para os jovens ao invés de mudar
o sistema, simplesmente tomar o poder, pois além de garantir para si o monopólio de recursos
produtivos e reprodutivos, também garantiria que outros machos não tenham acesso fácil a
estes mesmos recursos. Tal estratégia maximizaria mais a aptidão inclusiva dos participantes
do que “mudar o sistema”. Além disso, não temos garantia de que seja mais vantajoso para as
fêmeas arriscarem possíveis futuros líderes. Talvez fosse melhor manterem relações com
líderes de fato, e não com incertos, e caso surjam novos líderes, estas podem passar a ser parte
do harém. Qual destas duas opções seria a mais vantajosa não parece que temos os meios de
saber no momento, sendo ambas igualmente especulativas.
Sistemas Matrimoniais. Kanazawa quer ainda explicar por que o casamento em
algumas sociedades é monogâmico, ao passo que em outras é poligínico. Parte da assunção
sociobiológica que homens preferem mulheres mais jovens e atraentes fisicamente, ao passo
que mulheres preferem homens com bens e status, o que segundo ele, - baseando-se nos
estudos do psicólogo evolucionista David Buss – haveria larga evidência de não variação
histórica e entre sociedades. Pressupõe também, mas contra outras teorias sociobiológicas,
que é a mulher quem escolhe os parceiros, e não o contrário, uma vez que é a fêmea quem
escolhe o parceiro naquelas espécies onde a fêmea realiza maior investimento parental nas
crias do que os machos, como é o caso humano. Assim, diz o autor, inexistindo a instituição
do casamento, e havendo grande desigualdade de recursos entre homens, e uma vez que
mulheres preferem homens com mais recursos, mulheres preferirão casar poliginicamente,
uma vez que é mais vantajoso dividir um macho com recursos do que ter acesso exclusivo a
um pobre. Por outro lado, se a diferença de recursos entre os homens é pouca, então é melhor
casar monogamicamente. Assim, em sociedades onde há grande desigualdade entre homens
deverá haver instituições poligínicas. Kanazawa afirma ainda que dados de 127 nações
suportam tais afirmações.
109
Mas vejamos, Kanazawa quer explicar instituições sociais: monogamia e
poliginia. E o faz pressupondo que tais instituições têm de ser adaptativas: dadas certas
condições (grau de concentração de recursos) o resultado será formas de casamento que levam
à maior adaptação inclusiva. Mas pressupões (assumidamente) que o argumento funciona
porque o casamento enquanto instituição não existe. Mas por que uma instituição (poliandria
ou monogamia) é fruto da sociobiologia, mas na outra (casamento) não? Por que uma
instituição social foi mudada pelo imperativo biológico da aptidão inclusiva e outra instituição
não só não foi alterada como também serviu de parâmetro? Meu palpite é de que tais variáveis
são interpretadas livremente conforme demande a teoria sociobiológica.
3.4.2. Universais
74
Este exemplo será discutido mais adiante ao tratarmos da via “ciências sociais como sociobiologia aplicada”.
110
entanto, as pessoas usam contraceptivos, fazem abstinência sexual, homens não fazem filas
em clínicas de doação de esperma, e muitos são homossexuais, sendo que este último caso
também não deixou de ter explicação sociobiológica: homossexuais desempenhariam uma
função análoga à de formigas operárias. Ao deixarem de reproduzir, auxiliariam no cuidado
das crianças de seus irmãos75. Apesar de sermos naturalmente egoístas, “dar presentes” e
“cooperação” perfilam na lista de universais. “A troca de bens e favores é um universal
humano” (PINKER, 2004, p. 321). O caso mais emblemático é certamente a explicação do
altruísmo, tido por Wilson como o “problema principal da Sociobiologia”, apesar de que a
idéia de este seja o problema mor da sociobiologia não é compartilhado por alguns de seus
pares.
Se ajudamos nossos parentes próximos ou agimos em benefício próprio, nada
mais óbvio para um sociobiólogo do que explicar este comportamento via a teoria seleção de
parentes, seria mais uma confirmação da teoria, dentre as inúmeras outras. Se por outro lado,
ajudamos não parentes, então a teoria do altruísmo recíproco pode dar conta do problema:
ajudo você agora e você me ajuda no futuro quando eu estiver em dificuldades, e assim
sucessivamente76. Mas se eu ajudar alguém do qual eu não receba retribuição, também não há
grandes problemas, a teoria da reciprocidade indireta diz que ajudar pessoas pode melhorar
sua reputação no grupo, passando a imagem de bom cooperador, aumentando assim suas
próprias chances de ser beneficiado num momento posterior. Se mesmo assim, não
conseguirmos explicar a situação, pode-se recorrer à teoria da troca generalizada (generalized
exchange): posso auxiliar desconhecidos mesmo na ausência de platéia, como no exemplo de
Kanazawa sobre a ajuda a motoristas desconhecidos com problemas em seus carros. Um
anônimo me auxilia agora, e eu auxilio um outro anônimo posteriormente, e assim o sistema
se mantém. Com isto, não há exceção que não possa ser “predita” pela sociobiologia. Por
diversas vezes, críticos da sociobiologia ressaltaram este mesmo ponto.
Mas que estas possibilidades de comportamento eram possíveis, era algo que já
sabíamos, a questão que cientistas sociais se esforçam em responder e que a sociobiologia
também não parece fornecer, é saber em que situações ocorrem certos casos e não em outros.
A sociobiologia fornece toda uma diversidade de universais, por vezes opostos, que dada tal
75
Ver (KITCHER, 1987, p. 243-52).
76
Lopreato, por exemplo dizia, “the brain's roots were stuck in the clan, and in consequence the imperative
orientation to humanity leaned heavily on the side of clannishness” (LOPREATO, 2001, p. 421), mas também
dizia “At least in the small ancestral communities that survived until recent times, it is probably true also that
genes favoring reciprocal altruism were at an evolutionary advantage” (ibid. p.419). Ruse após comentar
algumas objeções de Sahlins quanto à capacidade da sociobiologia de predizer fenômenos sócio-culturais, diz
que Sahlins falhou ao negligenciar a teoria do altruísmo recíproco (1983).
111
diversidade, nos deixam inseguros quanto a que universais psicológicos utilizar e em que
ocasião. Existem critérios a priori para sabermos quais deles devemos utilizar?
None of the tendencies identified above are rigid. Rather, they are behavioral
predispositions that move along certain lines rather than others but that interact in
various ways with the total physical and sociocultural environment. The behavioral
predispositions tend to win out in the long run, but they can be diminished or even
negated by certain environmental arrangements. At the same time, other
environments can amplify these tendencies, pushing them to increasingly higher
levels. (SANDERSON, 2001a, p. 444).
Em algumas condições sócio-culturais, como disse Sanderson, a natureza humana
pode ser ampliada, em outras condições, a natureza humana pode ser até totalmente inibida.
Em condições onde a natureza humana se expõe “tal como é”, tal condição não se dá num
vazio ambiental: existem fatores ambientais presentes também aí, que podem “não inibir”, ou
mesmo “ampliar” o efeito dos instintos. Por exemplo, o homem é naturalmente belicoso, mas
fatores sócio-histórico-culturais podem intervir para desviar tais instintos, até mesmo para
direções opostas. Sanderson diz exatamente isto. Podemos pressupor que homens são
inatamente xenofóbicos, mas fatores ambientais podem inibir tal intento. Mas se esta
argumentação é válida, também podemos pressupor que homens são inatamente não-
xenofóbicos, mas fatores ambientais o incitam a sê-lo e chegamos assim a resultados
semelhantes, mas partindo de princípios diferentes. A literatura sociobiológica nos fornece
ambos os casos. Wilson, por exemplo, dizia que o homem era naturalmente xenofóbico, e
Barash dizia que pessoas agrupadas pela primeira vez, sempre utilizavam como critérios os
“ethnic marks” (KITCHER, 1987, p. 252-6). Mas Cosmides nos garante que o contrário é
verdadeiro, sendo a xenofobia um subproduto da evolução. Não poderíamos ser naturalmente
xenofóbicos, uma vez que no Pleistoceno não tínhamos contato com outras etnias muito
114
diferentes. “Como é que a seleção natural poderia criar um mecanismo para codificar um
aspecto do mundo que não existia para os nossos ancestrais caçadores-coletores?” e conclui
“Eu acredito firmemente que não existe nenhum mecanismo na mente diretamente adaptado
para a percepção de raça.” (COSMIDES, 2001). Como saber então qual a situação onde a
natureza humana aparece “tal como é” se sempre há interação com o ambiente, e este pode
fazer com que a natureza humana se expresse das mais variadas formas? Mas se em todas as
situações há interação entre fatores ambientais e os biológicos, como saber quais são as
situações em que a natureza humana se mostra, e quais aquelas em que é encoberta?
Um recurso seria apelar à universalidade do traço. Se certa característica é a mais
difundida, então foi fruto de adaptação. No entanto, poderíamos imaginar que seria
perfeitamente possível que certos fatores sociais atuais inibam o aparecimento de fatores da
natureza humana “tal como ela é”, e que estes fatores são mais predominantes do que aqueles
que permitem sua aparição, fazendo com que certa expressão da natureza humana aconteça na
minoria dos casos atuais. E fatores sociais mudam muito rapidamente.
No entanto, apelar para a universalidade do traço pode implicar em circularidade
no argumento. Já se pressupõe que certas características, por serem difundidas, são produto da
seleção natural, caso não fossem fruto da seleção natural não seriam predominantes. Monta-se
uma explicação evolutiva para a existência do traço, e conclui-se que foi fruto da seleção. E
ao examinar a realidade, bingo! Assim, demonstra-se justamente o que se já estava
pressuposto.
Como o ambiente ancestral onde o homem evoliuiu era formado por pequenos
grupos, altruísmo recíproco e/ou reciprocidade indireta tinham de ser comuns, do contrário o
grupo não existiria. Assim, humanos se adaptaram a viver solidariamente uns com os outros.
Sendo o ataque de outros grupos mais infreqüente do que a cooperação entre pares, então
poderíamos pensar que o altruísmo seria natural, ao passo que “egoísmo” existiria por
questões ambientais. Dadas duas explicações o homem é naturalmente egoísta, ou
naturalmente altruísta. Alguma consegue prever mais do que a outra? Se há interação gene-
ambiente, e pode-se ser tanto agressivo quanto solidário, seja com parentes, seja com
estranhos, então, qual a legitimidade de dizer que um e não o outro seria “natural?”
Dado que a tendência inata prescreve uma conduta específica, mas que dada certas
circunstâncias pode levar ao comportamento oposto, não seria então para as situações
específicas que deveríamos voltar nossa atenção, e não tanto para os universais?
115
3.4.6. O Papel de Universais nas Ciências Sociais
116
tais pressupostos sejam válidos para todas as épocas e todos os locais, muito menos que
tenham tido origem via seleção natural, uso e desuso ou criação divina. Apenas é necessário
supor que dadas certas condições, o resultado esperado será ‘x’, e o preenchimento de tais
condições pode dar-se somente em condições sócio-históricas bem específicas.
Um exemplo da economia seria interessante, uma vez que a economia é talvez o
lugar onde o egoísmo é mais legítimo. Um dentre os vários atritos da chamada “Briga
Metodológica em Economia” (Methodenstreit) entre a Escola Austríaca Marginalista de
Economia e a Escola Histórica Alemã referia-se ao papel que teorias psicológicas podiam ter
nas ciências sociais. Rosenberg (1980) apresentou somente um lado da questão, o das
supostas bases psicológicas das ciências sociais defendida pelos marginalistas. Vale lembrar o
outro lado da questão.
Já se afirmou que as leis da economia são simplesmente as leis do capitalismo
moderno, não sendo válidas para outras épocas e locais. O argumento poderia ser resumido
mais ou menos assim. A lei da oferta e da procura se utiliza de universais lógicos,
pressupondo um certo tipo de racionalidade para funcionar. Dada uma situação X, com uma
racionalidade perfeita e motivação Y, então o resultado será Z. Mas as condições para que
esta racionalidade necessária para a teoria aconteça efetivamente são dadas somente em certas
condições históricas específicas. Como dizia Weber, de nada adiantaria recorrer a um suposto
“impulso de aquisição” (Erwerbstrieb) para explicar o Capitalismo, uma vez que Capitalismo
teria mais a ver com “domesticação”, uma vez que exige muito mais dos atores a ação
estratégica (isto é, deixar de ganhar no momento, para poder ganhar mais, mais tarde. E isto
exige saber a “oportunidade” certa para agir) que outros sistemas econômicos. Aquisição
desenfreada, fome pelo lucro, e ganância não foram invenções do Capitalismo Moderno; isto
sempre existiu nas mais diversas épocas e locais, nas mais diversas culturas, e nas mais
diversas classes profissionais, como entre cocheiros, prostitutas, apostadores, conquistadores,
etc. Um suposto impulso desenfreado de aquisição teria mais a ver com conquistadores como
Cortez e Pizarro do que com o capitalismo moderno e sua Empresa permanente, voltada a
lucros racionalmente calculados e guiado para oportunidade de mercados com o intuito de
fornecer suprimentos para as necessidades cotidianas da população. Parte importante da obra
de Weber consistiu em tentar identificar porque só no Ocidente Moderno surgiu a
racionalidade própria do capitalismo moderno. O homo economicus é um pressuposto
necessário em teorias econômicas, mas não podemos confundir o “tipo” com a realidade. Não
é por que tivemos de pressupor o homo economicus em nossa teoria, que devemos concluir
que este seria “o homem” como tal, em todas as épocas e situações. Não é por que, para
117
certos problemas, teve-se de construir um indivíduo típico – isto é, onde certas características,
mas não todas, foram destacadas na construção do conceito “homem” – que devemos concluir
que este seria o homem por completo. Para outros tipos de problemas, poderíamos destacar
outros tipos de homo, e tais também seriam construções.
Mas supondo que ganhássemos bastante se os supostos das ciências sociais
fossem sociobiológicos, o que esperar destas explicações? Inicialmente, temos um problema:
quais teorias sociobiológicas usar e em que situações? A Psicologia Evolucionista tem
advogado como seu diferencial, que ela foca na explicação evolucionária de comportamentos
universais em seres humanos, ao invés de diferenças entre grupos, como fazia a antiga
Sociobiologia. Mas, que relevância explanatória pode ter tal tipo de conhecimento universal
para as ciências sociais? Pouca, apesar não ser totalmente e inteiramente dispensável. Por
exemplo, se desejamos saber o motivo de João estar nervoso agora, de nada adianta recorrer
ao enunciado “humanos ficam nervosos quando a taxa de hormônios X aumenta n%”. Sendo
tal teoria verdadeira ou falsa, não altera em nada o motivo para o nervosismo de João: bateu o
carro. Tal afirmação seria igualmente compatível com outras teorias que explicassem os
mecanismos que levam seres humanos a ficarem nervosos, como a ativação de certas áreas
cerebrais. Tais teorias, se verdadeiras ou falsas, não alteram a verdade do enunciado “João
está nervoso porque bateu o carro”.
Da mesma forma ocorre a relação entre universais psicológicos e explicações
sociológicas: uma vez que ciências sociais pretendem explicar em sua maior parte eventos
específicos, tem de recorrer à causas igualmente específicas. Se a ânsia por lucro é universal,
dizia Weber, então pergunta-se em que situações se torna legítima. Na Índia, bramanes não
podiam, como radjputas, fazer empréstimo com juros, mas entre comerciantes a fome por
lucro seria exacerbada como “nenhum outro lugar do mundo” (WEBER, 1968 [1923], p. 172-
3). Como explicar tais diferenças? Como explicar instituições tais como o capitalismo? Qual o
fator explicativo? Se o problema é específico espaço-temporalmente, então a solução também
só pode ser específica espaço-temporalmente, e a biologia com suas propensões válidas para
todos os tempos e épocas do homem não podem fornecer tal solução. Como notou Weber, de
nada adianta recorrer a um suposto “impulso de aquisição” para explicar o capitalismo
moderno, uma vez que o capitalismo moderno é uma formação histórico-social específica,
com características particulares e idiossincráticas, como a empresa permanente voltada ao
lucro por meios pacíficos (se comparado aos antigos empreendimentos militares da
antiguidade) mediante oportunidades de mercado, atuando numa época tipicamente capitalista
(quando empresas capitalistas são responsáveis por gerar e suprir as necessidades básicas e
118
cotidianas da população). O empreendimento capitalista passa ser o regime econômico
dominante no cotidiano, e não o esporádico, como em outros locais e épocas. Este exemplo
ilustra o peso que teorias psicológicas podem ter em teorias sociológicas. Ainda que
admitíssemos que por trás destas ações há um impulso egoísta de qualquer natureza, tal
“impulso” representa uma parte ínfima no trabalho dos cientistas sociais.
Não se diz com isto de forma alguma que egoísmo seja novidade trazida pelo
Capitalismo. Egoísmo sempre existiu, bem como a ânsia por bens materiais, mas as formas
pelas quais se expressou, foram as mais diversas. Um dos maiores entraves ao capitalismo foi
o tradicionalismo – onde interesses materiais podem contribuir para sua manutenção. A
introdução de novas técnicas e novas máquinas podem por a perigo a renda e o emprego de
várias pessoas, e assim, por egoísmo pode-se ser tanto pró como contra o Capitalismo. Além
disto, foram necessárias mudanças num setor onde tradicionalmente dominaram teorias
econômicas hostis ao Capitalismo, fazendo com que a busca pelo lucro, antes tolerada,
passasse a ser não só permitida, como também estimulada, e este fator, o ideal protestante de
salvação dentro do mundo, foi um fator sócio-histórico único. Assim, foi possível quebrar a
divisão mais rígida entre moral [econômica] relativa ao grupo e moral econômica com
referência a estranhos, perdendo assim o caráter piedoso e comunitário. O homo economicus é
uma produto histórico. Desse modo, leis em ciências sociais não tem de ser válidas para todas
as épocas e locais. Como disse Weber, pressupostos das ciências sociais são pragmáticos, e
não psicológicos.
Mas sociólogos de inclinação sociobiológica não levaram isto em conta.
Sanderson diz que Randall Collins em Conflict Sociology: Toward an Explanatory Science
defendia que há conflito porque coerção é sempre um recurso potencial do tipo soma zero, e
concluía Collins: “This does not imply anything about the inherence of drives to dominate”
(SANDERSON, 2001b, p. 88). Mas tal conclusão seria absurda para Sanderson: “But why not
such drives?”. A recusa de Collins em não dar um passo adiante e pressupor “drives to
dominate” seria explicada então pela socialização:
“Collins only refuses to take that step because he has been inoculated against any
sort of biological argument during his training and tenure as a sociologists and
conitioned to accept Durkheim's dictum...that social facts can only be explained in
terms of other social facts.” (SANDERSON, 2001b, p. 89).
119
Poderíamos questionar também se Sanderson não estaria tratando Collins como uma Tábula
Rasa, sendo as opiniões de Collins mero reflexo da cultura e sociedade que o moldou, ao
passo que as suas próprias seriam resultado da razão. Mas foquemos na necessidade de
pressupor impulsos, instintos, predisposições inatas, drives, Triebe, etc. Collins pode dizer
que tais impulsos não são necessários pelo princípio da navalha de Occam, ou princípio da
parcimônia: Devemos pressupor somente o mínimo de fatores necessários para explicar o
evento. No caso, fatores biológicos são desnecessários. Se “impulso para dominar” for
verdadeiro, a explicação de Collins funciona, e se não for, ela também funciona. A inserção
de tal pressuposto não leva a nenhum outro ganho teórico. Melhor então não entrar no mérito
da questão de assumir certos impulsos. Explicações meramente biológicas não dão conta
sozinhas de certos fenômenos sociais, tendo de recorrer à fatores como crenças, valores e
motivações. Mas o contrário não parece ser verdadeiro. Se conseguirmos elaborar explicações
que não façam menção à quais seriam esses impulsos biológicos, melhor.
Não é de forma alguma clara que teorias sociológicas se embasam em teorias
psicológicas. Como dizia Weber, as ciências sociais têm pressupostos pragmáticos, não
psicológicos “Ainda hoje [1904] não desapareceu completamente a opinião de que é tarefa da
psicologia desempenhar para as Geisteswissenschaften, um papel comparável ao das
matemáticas para as ciências da natureza” (WEBER, 2001, p. 126)”. Teorias econômicas
usam certa suposição de maximização, mas não precisamos assumir que este pressuposto seja
psicológico, no sentido de ser válido em todos os tempos e lugares da humanidade. Pode-se
pressupor pragmaticamente o homo economicus, para fins de construção de certas teorias,
mas não de todas. Não precisamos supor que seja da natureza do homem ser egoísta e
maximizador a todo momento e em todas as épocas, mas apenas precisamos supor que agindo
desta forma, quais seriam as conseqüências dados certos contextos sociais, e supor que em
certos contextos socio-históricos pessoas agem conforme este imperativo egoísta. Não
devemos ser ingênuos de pensar que este pressuposto almeje descrever o homem “em sua
totalidade”.
Com isto não se quis dizer que teorias psicológicas e teorias biológicas não
possam ter nenhum papel nas ciências sociais, apenas contesta-se seu suposto papel
revolucionário. E a sociobiologia ainda não mostrou como revolucionaria as ciências sociais
por esta via, e acredito que nunca o fará, não porque não haja psicologia e biologia em
aspectos sociais, mas porque devido à natureza dos problemas das ciências sociais a
psicologia não responde aos seus problemas específicos, tendo então papel auxiliar, não papel
120
principal. Sociobiólogos não conseguiram nos convencer do contrário daquilo que Weber e
Durkheim postularam sobre o papel da psicologia e da biologia nas ciências sociais:
“[ciência sociais] são tão independentes que não seriam atingidos por nenhuma, nem
pelas maiores modificações nas hipóteses básicas na área da biologia ou da
psicologia, como também é para ela sem interesse se, eventualmente, a teoria de
Copérnico ou Ptolomeu está certa...” (WEBER, 2001 [1908], p. 289).
Durkheim:
“Mesmo que a psicologia individual já não tivesse segredos para nós, ela não
poderia nos dar a solução de nenhum destes problemas [da sociologia], já que eles se
relacionam a ordens de fatos que ela ignora.” (DURKHEIM, 1995 [1895], p. 22).
“The Theory of this dialectical relation, in which individuals both make and are
made by society, is a social theory, not a biological one. The laws of relation of
individual genotype to individual phenotype cannot by themselves provide the laws
of the development of society... This problem of social theory disappears in a
reductionist world view [como da sociobiologia], because to a reductionist, society
is determined by individuals with no reciprocal path of causation. (ibid, p. 257-8).
Acredito que Weber resumiu bem o possível papel que podem ter teorias
psicológicas nas ciências sociais:
121
no seu trabalho, levar em consideração estes fatos específicos da mesma maneira
como o faria, por exemplo, com a sucessão de idades típicas do homem ou, de
maneira geral, com o fato da mortalidade dos homens. Mas sua tarefa específica
teria início precisamente no momento em que procurasse explicar, de modo
interpretativo: 1) mediante que ação, provida de sentido... procuram os homens...
realizar o conteúdo de sua aspiração, de tal modo co-deteminada...2) que
conseqüências compreensivas teve esta aspiração (condicionada hereditariamente)
no seu comportamento, com referência ao comportamento de outros homens, o qual
também era provido de sentido.” (WEBER, 2001b [1913], p. 316, itálicos
adicionados).
Antecipando uma objeção recorrente levantada por muitos cientistas sociais e outras
pessoas, desejo admitir desde já que a forma e a intensidade dos atos altruísticos são,
em grande parte, determinados culturalmente. A evolução social humana é,
obviamente, mais cultural que genética. A questão é que a emoção subjacente,
poderosamente manifestada em virtualmente todas as sociedades humanas, é o que
consideramos evoluir através dos genes. A hipótese sociobiológica, portanto, não
explica as diferenças entre as sociedades, mas pode explicar por que os seres
humanos diferem dos outros mamíferos, e por que, num aspecto limitado,
assemelham-se bem mais aos insetos sociais. (WILSON, 1980, p. 153, grifos meus).
“Essa encenação, contudo, não deve nos afastar do fato de que, imediatamente após
seus corações terem sido removidos, as vítimas eram sistematicamente esquartejadas
como animais e deus pedaços distribuídos e consumidos. Entre os favorecidos com
os banquetes estavam a nobreza, seus seguidores e a soldadesca; em outras palavras,
os grupos com maior poder político.” (ibid).
77
Kibbutz (kibbutzim no plural) são comunidades predominantemente agrícolas mais ou menos independentes
do mundo exterior, criadas ao longo do século XX inicialmente com valores comunistas (alguns assumidamente
marxistas-seculares) e sionistas na região da Palestina, mas também houve kibbutzim de cunho religioso. As
crianças eram criadas todas juntas entre si e relativamente separadas de seus pais. Os kibbutzim atualmente estão
desaparecendo ou privatizando grande parte dos serviços, e inserindo cada vez mais valores capitalistas. Mais
informações em http://www.kibbutz.org.il/eng/
124
“A exclusão de vínculo do tipo existente entre as crianças israelenses é um exemplo
daquilo que os biólogos chamam de uma causa próxima; neste exemplo, a exclusão
psicológica direta é a causa próxima do tabu do incesto. A causa última, sugerida
pela hipótese biológica, é a perda da aptidão genética resultante do incesto.” (ibid. p.
39).
Kitcher (1987) comenta que outro sociobiólogo, Van den Berghe se dedicou mais
extensamente ao mesmo problema. Além do exemplo dos kibbutzim haveria ainda o exemplo
dos “casamentos entre menores” (minor marriages): em muitas partes da China, adota-se uma
filha bem jovem legalmente, mas com o objetivo de que esta se case com seu filho de mesma
idade. Este caso seria mais uma confirmação da teoria sociobiológica, uma vez que haveria
evidências de resistências ao casamento, grande número de adultério e divórcio, e o sucesso
de tais casamentos seria um terço dos convencionais.
No entanto, Kitcher levanta algumas dificuldades enfrentadas por estes exemplos,
onde haveriam outros fatores não discutidos por Van den Berghe. No caso dos kibbutzim,
Kaffman, o diretor médico de um kibbutz em Tel Aviv, afirmou que o período estudado por
Shepher – estudo que embasa as afirmações dos sociobiólogos – foi o chamado “the
puritanical era in the kibbutz” (KAFFMAN, 1977, p. 208 apud KITCHER, 1987, p. 273) onde
o ambiente externo ao kibbutz era extremamente conservador, sendo reforçados
constantemente os ideais de pureza nas crianças. Um estudo teria mostrado a falha estatística
de Shepher ao não formular corretamente as hipóteses nulas (in KICHTER, 1990, p. 104). Já
no caso dos casamentos entre menores, Kitcher argumenta que no estudo de casos de Wolf e
Huang que embasa as conclusões sociobiológicas haveria um caso onde casamento foi bem
sucedido e três casos onde relação sexual pré-nupcial adiantou o casamento. Afora isto,
haveria outras complicações que também sugeririam explicações alternativas. Os casamentos
entre menores eram muito desprezados pelos outros habitantes, tomando tal instituição como
adoção de esposa para um incompetente. O marido e a esposa adotiva eram zombados
rejeitarem
constantemente a ponto de desaprovarem tal situação matrimonial, bem como um ao
outro. Estes fatores que suscitam explicações alternativas, também foram negligenciados por
sociobiólogos.
Há casos bem conhecidos onde o incesto irmão-irmã ocorre, tal como no antigo
Egito, nas elites governantes do Havaí, entre os Incas e primeiros imperadores chineses. Van
den Berghe tenta dar uma resposta sociobiológica a estas possíveis refutações. Onde mesmo
nestes casos de incesto haveria maximização de aptidão inclusiva. Para o plebeu monogâmico
ou um poligâmico em baixa escala seria vantajoso evitar o incesto, mas para um rei
125
poligâmico seria uma boa além de ter filhos com suas muitas mulheres, ter também com sua
irmã, uma vez que poderia produzir herdeiros com um grau de parentesco genético maior que
o normal (r=0.75 contra r=0.5 do normal), que seriam poligâmico e produzindo muitas crias.
E por ter várias esposas, o custo de ter crias defeituosas seria irrelevante uma vez que já teria
garantido os herdeiros com as outras esposas. Se repetido o incesto várias vezes, haveria a
possibilidade do rei clonar a si mesmo.
No entanto, a solução do autor apenas inverte o problema: agora se tem de
explicar a inexistência de incesto em outras famílias reais. Além disto, não explica por que
haveria proibição do incesto entre pais e filhas, uma vez que o grau de parentesco entre pais e
filhas é o mesmo que o entre irmão e irmã: 0,5. E há muitos casos onde o incesto pai-filha é
bastante freqüente, às vezes até institucionalizados. Em certos locais da Índia, por exemplo,
homens se casam com a filha da irmã (LEACH in SEGERSTRÅLE, 2000, p. 172). Aqui não
nos interessa tanto refutações empíricas à sociobiologia, mas sim como explicam instituições
sociais.
Se a proibição do incesto é o caso, então “incesto” seria um afloramento da
natureza humana. Mas quando o incesto é estimulado (como entre reis poligâmicos), seria a
interação da instituição social (poligamia do rei) com natureza humana num processo
evolucionário que resultaria em outras instituições sociais (incesto real sancionado). Mas por
que a instituição social “poligamia real” seria o caso, e não a instituição “proibição do
incesto”? Por que em alguns casos as instituições são frágeis, sendo reflexos da natureza
humana, e em outros seriam rígidas a ponto de impor desvio à natureza humana? Também a
explicação implica certa arbitrariedade. A explicação para o incesto do rei, no entanto, explica
como tal procedimento iria aumentar a aptidão inclusiva do irmão, mas não explica como tal
solução iria aumentar a aptidão inclusiva da irmã.
Algumas das explicações alternativas ressaltam que incesto tem a ver com poder
político e econômico, e são tais configurações que explicam tais instituições (HARRIS, 1982;
KITCHER, 1987, p. 269-79).
Além do mais, Sahlins (1976) se esforçou em mostrar que a teoria sociobiológica
não explica os sistemas de parentesco existentes:
“My aims is to support the assertion that there is not a single system of marriage,
postmarital residence, family organization, interpersonal kinship or common descent
in human societies that does not set up a different calculus of relationship and social
action than is indicated by the principles of kin selection.” (SAHLINS, 1976, p. 26).
126
A idéia de que quanto maior a proximidade genética entre indivíduos, maior a
solidariedade, e quanto maior a distância genética, maior a hostilidade não explicaria a
diversidade de sistemas de parentesco. Neste sentido, destacava Sahlins, há casos de
“casamento fantasma” onde é o tio (irmão da mãe), e não o pai biológico quem cuida das
crianças, e há o caso de polinésios que por vezes praticam o infanticídio, mas costumam
adotar o filho do inimigo de guerra 78. Também entre os polinésios, o filho do irmão homem
faz parte do clã, e o filho de sua irmã é um outsider, talvez um inimigo. Se a linhagem
matrilinear for posta saliente, tudo pode mudar, e o filho da irmã passa a ser um membro (ibid
p.12). O ceticismo de Sahlins não era tanto com a aplicação de teorias biológicas à seres
humanos, mas sim com a esperança que tal aplicação explique componentes culturais e
instituições sociais, isto é, a tese do isomorfismo entre biologia e instituições sociais. O
motivo que indivíduos engajam na guerra não é o mesmo que o que a guerra acontece.
3.5.2. Infanticídio
Uma das teorias da sociobiologia diz que temos maior afinidade por indivíduos
mais próximos geneticamente (homologous affiliation) e maior repulsa pelos mais distantes
geneticamente (hetereologous contraposition), e que, além disso, podemos nos sacrificar para
salvar nossos parentes de modo a garantir que nossos genes sejam repassados.
Resumidamente, o homem seria “naturalmente nepotista”. No entanto, encontramos vários
casos como o do infanticídio feminino sistemático nas altas classes na China, Índia e Europa
medieval. Seria uma refutação à sociobiologia? Segundo um estudo feito pela antropóloga
Mildred Dickemann, não. Também seria possível explicar sociobiologicamene tal
fenômeno79. Segundo Wilson, esta antropóloga:
“... procurou saber se a proporção entre os sexos é alterada após o nascimento pelo
infanticídio, de uma maneira que se ajuste à melhor estratégia reprodutiva [repassar
os genes]. Parece que sim. Na Índia pré-colonial e britânica a ascensão social das
78
Sociobiólogos como Richard Alexander tentaram dar respostas a estas “anomalias” da teoria sociobiológica.
Para uma resposta a ele, ver (KITCHER, 1987, p. 299-307).
79
Tal estudo de caso seria interessante uma vez que, segundo Segerstråle (2000, p. 164) tal caso finalmente teria
convencido o então reticente Maynard Smith da aplicabilidade da sociobiologia a humanos. Kitcher tem outra
versão. Maynard Smith preferiria os estudos de casos como feito por Dickemann à grande parte da sociobiologia
humana, mas não saberia bem o que no final das contas estariam dizendo (1987, p. 283-4). Esta última
interpretação parece ser preferível, uma vez que Maynard Smith declarou concordar com as conclusões dos
sociólogos de que rejeitar a sociobiologia humana, apesar de não concordar com os meios utilizados por estes
para tal (LEWONTIN e MAYNARD SMITH, 1990).
127
filhas pelo casamento com homens de posição superior era santificada pelos rígidos
costumes e pela religião, enquanto o infanticídio feminino era praticado
rotineiramente pelas castas superiores. Os Bedi-Sikhs, a subcasta sacerdotal mais
alta de Punjab, eram conhecidos como Kuri-Mar, os matadores de filhas. Destruíram
virtualmente todas as crianças do sexo feminino e investiam tudo na criação de
filhos que se casariam com mulheres de castas inferiores. Na China pré-
revolucionária o infanticídio feminino era comumente praticado por muitas das
classes sociais.” (WILSON, 1978, p. 40-1).
Donde Wilson concluiu que “A hipergamia [outro estudo de caso descrito por
Wilson] e infanticídio feminino não se apresentam como processos racionais. É difícil
explicá-los, exceto como uma predisposição herdada para maximizar o número de
descendentes em competição com outros membros da sociedade” (ibid).
Harris (1978) e Kitcher (1987) não acharam tão difícil e propuseram explicações
alternativas que acreditam explicar o mesmo fenômeno de forma mais econômica, isto é,
fariam menos suposições. Harris o fez de maneira bem rápida e Kitcher de modo mais
extenso. Ambos acreditam, ao contrário de Wilson e outros sociobiólogos, que devemos nos
basear no que alguns chamam de Folk psychology ou “psicologia de senso comum”, que
supõe que pessoas agem conforme suas crenças e valores conscientes, de forma a obter coisas
que elas percebem conscientemente como valiosas. Na psicologia de senso comum não se
supõe que haja um cálculo biológico inconsciente agindo nos bastidores e zombando das
declarações públicas; são crenças e valores conscientes que motivam e explicam a ação dos
indivíduos. Não implica que todas as ações dos indivíduos sejam conscientes em suas últimas
conseqüências. As pessoas podem avaliar mal certas situações, e suas ações podem ter
conseqüências imprevistas, mas a motivação da ação é consciente. Tal “psicologia” é usada
no senso-comum e cientistas sociais muito freqüentemente a acham bastante útil em utilizá-
las também em suas explicações. Alguns sociobiólogos não parecem rejeitar em princípio a
idéia que pessoas podem agir conforme sua consciência, mas parecem preferir explicações em
que se utilizem as motivações profundas do gene’s eye view, uma vez que estas últimas teriam
prioridade por serem as causas últimas.
Entre as classes altas, a família da noiva paga um dote para a do noivo, enquanto
nas classes baixas o noivo é quem paga para obter a noiva. Partindo do pressuposto que para
as elites as filhas eram menos valiosas que os filhos – uma vez que homens dominavam a
fonte de riqueza e poder político, militar, comercial e agrícola – filhos poderiam aumentar a
riqueza e o status da família. Já as filhas nestas elites só poderiam ter acesso a fontes de
riqueza e poder através dos homens, mas só podendo ser casada através de um dote (que é
caro), sendo, portanto, um custo para as famílias. Há, portanto, incentivos para o infanticídio
128
feminino se se quiser aumentar a riqueza e o prestígio da família. Nas classes baixas, o
infanticídio não ocorreria porque as mulheres campesinas podem ganhar a vida facilmente
trabalhando na terra e indústrias caseiras.
Kitcher procura mostrar que partindo de algumas proposições básicas e não de
outras, os mais diferentes resultados podem ser obtidos. Por exemplo, uma outra solução
possível para um rei seria manter suas filhas vivas, mas casá-las com noivos da classe média,
uma vez que não haveria a obrigação do pagamento do dote. Assim, tal estratégia levaria à
maior aptidão inclusiva do que o infanticídio. Mas Dickemann, segundo Kitcher, diz
simplesmente que tal opção não está disponível.
Atendo-nos aos custos da criação dos filhos: se considerarmos o custo da criação
como negligenciável (especialmente para as altas classes), então o infanticídio feminino não
incrementará adaptação inclusiva para patriarcas. Melhor deixar as mulheres viverem para
deixar mais filhos e assim maximizar a aptidão inclusiva. Mas se os custos da criação não são
negligenciáveis, e mais do que isto, representem um alto custo, então, haverá pressão por
infanticídio nas classes altas, e pressão ainda maior por infanticídio nas classes baixas e
médias. Um modo de escapar a essa conclusão seria supor que custos da criação são
diferentes conforme a classe, onde seria necessário que filhas das classes mais altas tivessem
educação especial para se casarem. Mas se supomos que mulheres das classes médias e das
altas competem pelos mesmos maridos das classes altas, então a pressão será maior nas
classes médias, e não nas altas como predito pela teoria sociobiológica. Por fim, conclui
Kitcher sobre o estudo sociobiológico do infanticídio, que “There is no model that resolves
the issue in the way Dickemann suggests...it seems a little premature to claim that the case
provides a ‘striking fit’ of predictions to findings” (KITCHER, 1987, p. 326),
Kitcher propõe então uma explicação alternativa baseada na Folk-psychology.
Famílias se esforçam em obter riquezas e poder, e a sociedade indiana tem o costume onde
famílias de classe média esforçam-se em assegurar alianças com famílias de altas classes,
fornecendo esposas aos filhos da classe alta. Homens das classes altas aproveitam-se da classe
média obtendo esposas e dotes. Dado isto, mulheres das classes altas são prejuízo econômico.
Há quem dissesse que criar garotas seria como “aguar a grama do vizinho” (“watering your
neighbor's lawn”). Os pertencentes da baixa hierarquia ganham proteção e influência, e a
competição para ser “amigo do poderoso” leva à instituição do dote. Uma vez instituído,
levaria também as classes altas a pagá-lo, mas tais classes não precisariam de filhas para a
promoção social, e racionalizam sua ganância construindo regras sobre o casamento e
destruindo filhas no nascimento. O filósofo destaca que tal explicação alternativa é levantada
129
por Dickemann. Por que então, pergunta ele, recorrer à aptidão inclusiva se não traz nenhum
avanço na explicação80? E conclui:
“In order to understand the high frequency of infanticide in the societies of northern
India and China, we need to trace the history of cultural institutions, recognizing
how institutions affect the dispositions of those who grow up in societies dominated
by them and how, in turn, those dispositions modify existing institutions...
Ultimately we shall want an evolutionary explanation of basic human propensities.
The point is that the evolutionary questions arise relatively late in the inquiry. Only
after we have traced a complex social arrangement to the fundamental proximate
mechanisms that have been at work in its historical development does it become
relevant to inquire how the inclusive fitness of our ancestors might been maximized
by their having those proximate mechanisms. (KITCHER, 1987, p. 329, itálicos
adicionados).
A conclusão de Kitcher sobre o caso é de que ele não está errado, mas sim que
não temos motivos para pensar que esteja correto. A inserção de teorias sociobiológicas é
totalmente dispensável para entender a situação, e sua inserção não acrescenta nada em nosso
entendimento. Se a análise de Kitcher é válida, então mais uma vez a teoria sociobiológica só
aparece após a situação social já estar definida, e algumas variáveis são inseridas e outras são
negadas sem muitas explicações, algumas instituições sociais são fruto da sociobiologia,
outras interagem com ela.
Uma outra sugestão de explicação para o infanticídio pode nos ser dada por
Darwin. O grande mestre destacava que haviam instintos nos homens, mas não deixava de
salientar causas conscientes “Acresce lembrar outros problemas que a criação dos filhos
acarreta para as mulheres, como o da subseqüente perda de beleza, de sossego e de
tranqüilidade” (DARWIN, 2004 [1871], p. 522). Obviamente tal formulação de Darwin não
explica por si só as variações culturais, mas sugere que o apelo às explicações sociobiológicas
como sinônimo de darwinianas não é algo sem problemas, uma vez que o próprio considera
causas próximas como fator de peso na explicação.
80
Ridley (1993, p. 126) comenta este caso dizendo que explicações alternativas, como esta de Kitcher falharam
por não conseguirem explicar a correlação com ranque, o que não é verdade, como acabamos de viver.
130
tratos a filhos, principalmente os não biológicos, nos estudos feitos pelos psicólogos
evolucionistas Martin Daly e Margo Wilson ao longo de cerca de vinte anos. Segundo estes,
“current [evolutionary] theory implies that natural selection shapes social motives and
behavior to function nepotistically on behalf of blood kin... Parental care is costly, and
animals usually avoid expending it in behalf of young other than their own” (DALY e
WILSON, 1996. p. 79). Pinker nos explica tal estudo:
131
sociobiológicas), além do que, abuso sexual intra-familiar raramente envolve abuso físico81.
Buller e Elliot Smith – o diretor associado do Arquivo Nacional de Dados sobre Abuso e
Negligência Infantil dos EUA – resolveram testar a teoria com uma amostra maior, e
descobriram que tal propensão é de 8,2 vezes – bem menos que os 40,1, mas ainda assim um
número expressivo e condizente com a teoria sociobiológica. No entanto, com tais números
não se levou em conta o perpetrador do abuso. A segunda pesquisa tem esta informação, e
levando-a em consideração, constatou-se surpreendentemente que pais biológicos solteiros
tem 1,7 vezes mais chances de praticar abuso físico do que em casa onde moram mãe
biológica e pai não-biológico – uma anomalia para a teoria sociobiológica. Há ainda outras
controvérsias sobre a confiabilidade dos dados utilizados, e o debate entre Buller de um lado e
Daly e Wilson de outro continua82. Mas aqui não nos interessa tanto as confirmações ou
refutações empíricas, mas sim a estrutura da explicação sociobiológica. Podemos aceitar
plenamente que o “efeito cinderela” não é só conto de fadas, podemos aceitar a realidade dos
dados fornecidos por Daly e Wilson, mas isto não implica aceitação automática da explicação
sociobiológica que fazem destes fenômenos. Não é de modo algum claro que tais predições de
Daly e Wilson sejam as únicas possíveis dada a teoria sociobiológica. Podemos pensar que,
assim como em outros casos, qualquer resultado pode ser “predito” pela teoria.
Se mulheres com filhos evitassem de engajar em outros relacionamentos, poder-
se-ia dizer que a teoria sociobiológica preveria isso, uma vez que o padrasto representaria um
risco potencial para seus filhos e melhor seria evitar possíveis futuros problemas para as
crianças. Se fosse isto que acontecesse, estaria “previsto” pela teoria. Mas como este não é o
caso, perguntam os pesquisadores “But then why is the human animal so willing to enter into
step-relationships that may entail prolonged, costly pseudoparental investment?” (DALY e
WILSON, 1996, p. 79). Uma primeira hipótese seria a de que arrumar pais “adotivos”
(stepparenthood) não era um problema recorrente para nossos ancestrais, não havendo,
portanto, adaptações psicológicas para isto. Daly e Wilson descartam tal alternativa apelando
para estudos feitos com tribos de coletores contemporâneas, onde tal tipo de relacionamento é
algo mais ou menos recorrente. Para fins argumentativos, deixemos de lado a questão de que
se seria legítimo pegar grupos coletores atuais como evidência de coletores do passado
pleistocênico. Daly e Wilson não dizem que esta última explicação não preveja o conflito,
mas sim que ele é refutada empiricamente, e recorre-se então a uma segunda hipótese, “more
81
Buller cita em suporte desta afirmação o estudo de Parker, Hilda, and Seymour Parker. 1986. “Father-
Daughter Sexual Abuse: An Emerging Perspective.” American Journal of Orthopsychiatry 56: 531–549.
82
Ver por exemplo Daly e Wilson (2009).
132
plausible”, que dizia que assim como alguns animais, o investimento de pais não biológicos
em mulheres com filhos é interpretado como um esforço conjugal (mating effort), isto é, uma
parte do custo do cortejo masculino. Assim, “in this light” dizem os pesquisadores “the
existence of stepparental investiment is not so surprising” (p. 80). Tal formulação pode
“prever” que o abuso de filhos biológicos e não-biológicos seria o mesmo, afinal o macho
estaria mostrando à fêmea que é um “bom pai” e poderá cuidar das futuras crianças, afinal,
melhor ter um novo parceiro que ajuda as crianças, do que aquele que pode causar danos à
estas. Se fosse este o caso, também a teoria poderia prevê-la. Mas advertem que tal não seria o
caso, e que ainda assim haveria perferência por filhos biológicos: “But the fact of such
investment cannot be taken to imply that stepparents ordinarily (or indeed ever) come to feel
the sort of commitment commonly felt by genetic parents” (ibid). Mas que vantagem na
aptidão inclusiva pode haver nesta ligeira preferência por filhos biológicos? Pais que
maltratam mais filhos não-biológicos deixam mais descendentes do que os que não
maltratam? Podemos imaginar ainda que caso a violência fosse maior entre os filhos
biológicos, tal fato também poderia ser predito pela sociobiologia. Alguns pesquisadores
dizem que quanto mais cedo a violência seja perpetrada contra crianças, maior a tendência
destas de se comportarem agressivamente83. Tal comportamento seria adaptativo por que
“pedagógico”: ensinaria desde cedo às suas crianças a “lei da selva”, isto é, a agir
agressivamente mais prontamente, algo vantajoso no ambiente ancestral. Já os casos de morte
podem ser explicados como as vezes que o pai biológico “errava a mão” e mataria a criança, e
isto seria um subproduto (by-product) da adaptação; ou então poderíamos explicá-la
adaptativamente: a violência paterna seria um tipo de pré-seleção: os sobreviventes da
agressão estariam mais aptos a sobreviverem e evitariam que pais gastassem recurso com um
filho que não suportaria a pressão e rapidamente morreria.
Numa réplica à Buller, Frank Miele contesta a suposta anomalia da teoria de Daly
e Wilson, de que pais biológicos solteiros abusariam 1,7 mais do que pais adotivos que
moram com mães biológicas. Segundo Miele, Daly e Wilson já haviam tratado disto em um
artigo de 1981 e que provavelmente estes teriam sido os primeiros a documentar isto. Mas
Miele não nos apresenta o argumento. Se é verdade que “In this 1981 article, Figure 24–1
clearly shows that ‘Father-only is much the riskiest situation’”, por que a convivência com pai
somente seria a situação mais perigosa que mãe-filhos se a correlação genética mãe-filhos e
pai-filhos é a mesma?
83
Dobrianskyj Weber; Viezzer; Brandenburg, Zocche, 2002.
133
Daly e Wilson propõem explicações alternativas evolutivas dado o problema da
morte do pai biológico da criança. Um seria recasar com o irmão do marido morto, uma vez
que o grau de parentesco do novo marido seria próximo do das crianças. Outra alternativa
seria deixar as crianças serem cuidadas por um parente fêmea pós-menopausa 84. Mas
descartam tais hipóteses simplesmente dizendo que na ausência de tais práticas, a alternativa
será outra, mas não nos dizem quando e por que a opção será outra – no caso, a teoria
sociobiológica que defendem. Acrescentam que por vezes tem a mulher de escolher entre o
novo parceiro e a criança, e com isto pode tornar-se cúmplice do abuso do parceiro. Assim,
“prevê-se” também que a mãe cometerá a violência contra seus rebentos. No final das contas,
a teoria parece só predizer as possibilidades, mas não em que condições tais possibilidades
ocorrerão ou não.
Se minhas reconstruções forem legítimas, então a sociobiologia mais uma vez
parece estar “acomodando aos fatos” e não os “prevendo”.
84
Daly e Wilson, dentre outros sociobiólogos, recorrem à categoria de mulheres pós-menopausa, mas não
parecem considerar que a expectativa de vida no pleistoceno não parecia ser suficiente para que mulheres
chegassem à menopausa. De qualquer modo, desconsideraremos esta possível objeção à Daly e Wilson para fins
argumentativos.
134
Alemanha e Países Baixos “tem atitudes mais relaxadas sobre sexualidade, inclusive sexo
extraconjugal, que a Cultura Americana” 85, o que é uma concessão a valores e crenças como
fatores explicativos. Buller propõe uma explicação alternativa, utilizando consciência e
excluindo diferenças inatas entre os sexos como fatores explicativos. Ambos os sexos têm as
mesmas capacidades, e ambos querem manter o relacionamento, mas diferem na crença que
têm um do outro sobre a relação “traição” vs. “ameaça ao relacionamento”. Mulheres
acreditam que para o homem, sexo e amor são coisas distintas, e, portanto, traição sexual do
homem não significaria desejo de abandonar o relacionamento, mas a traição emocional sim.
Assim, mulheres tolerariam traição sexual, mas não a emocional. Já os homens acreditam que
para mulheres, sexo e amor são inseparáveis, e, portanto, a traição sexual feminina significaria
desejo de abandonar o relacionamento, e logo, traição sexual não seria tolerada pelo homem.
Além de explicar o mesmo fenômeno sem recorrer a diferenças inatas, Buller explica as
diferenças culturais entre os países. Como admitido por Buss, Alemanha e Países Baixos
seriam mais “liberais” quanto à sexualidade, e assim seriam menos propensos que americanos
à associar “infidelidade sexual feminina” com “desejo de deserção”. Portanto, seriam menos
preocupados com infidelidade sexual feminina que os americanos. Alguns estudos mostrariam
ainda que homossexuais masculinos se preocupam muito pouco com infidelidade sexual,
conforme previsto pela teoria alternativa.
Assim, Buller fornece uma explicação alternativa aparentemente capaz de explicar
o mesmo fenômeno. Tanto a explicação de Buller como a de Buss recorrem à variável cultural
“atitudes mais relaxadas sobre sexualidade”, o que implica recorrer à crenças, mas Buss
recorre a mais um novo tipo de variável, diferenças inatas entre os sexos.
3.5.5. Apreciação
85
“cultures have more relaxed attitudes about sexuality, including extramarital sex, than does the American
culture,” (Buunk, Bram P., Alois Angleitner, Viktor Oubaid, and David M. Buss. 1996. p. 359–363. apud
BULLER, 2009).
135
Ao explicarem certos fenômenos, partem de teorias puramente sóciobiológicas e
proclamam orgulhosos o papel importante da biologia agindo nos bastidores rindo das
declarações públicas. Se tiverem dificuldades, recorrem à consciência como estratagema ad
hoc, e proclamam orgulhosos que não são deterministas biológicos. Mas o que muitos críticos
da sociobiologia como Kitcher, Buller e, Richardson têm feito, como procurei mostrar, que
teorias alternativas baseadas na nossa psicologia de senso comum são igualmente possíveis,
sem recorrer aos jogos de genes hipotéticos. Se a sociobiologia tem de recorrer às crenças
conscientes para explicar o desvio nas tendências inatas, não seria muito prudente assumir,
ainda que pragmaticamente, que haja situações onde não haja influências ambientais e
conscientes, ou que tais influências sejam poucas, situações essas onde a natureza humana se
mostraria tal como é. Se conseguirmos explicações que evoquem menos tipos de variáveis, e
com o mesmo poder explicativo, melhor; e teorias puramente biológicas não são capazes de
explicar por si só a variedade de formas culturais que encontramos na realidade, tendo de
recorrer à variáveis não-biológicas. Mas o contrário não é igualmente válido. Teorias que
recorrem à fatores não-biológicos não necessariamente têm de recorrer à fatores biológicos,
estando assim em vantagem na medida em que consiga explicar o mesmo evento. A
sociobiologia não gera teorias com maior poder de predição do que as teorias baseadas em
folk psychology. Assim, podemos concluir que tanto os aspectos inatos quanto sua provável
explicação darwiniana neste tipo de explicação são vãos, ou como afirmou Lewontin, são
idles darwinizations, ou como disse ainda Stuart Mill em seu Princípios da Economia Política
“De todas as maneiras vulgares de furtar-se à consideração do efeito de influências sociais e
morais sobre o espírito humano a mais vulgar é atribuir as diversidades de conduta e de
caráter a diferenças naturais intrínsecas”
Culture is created by the communal mind, and each mind in turn is the
product of the genetically structured human brain. Genes and culture are
therefore inseverably linked. But the linkage is flexible, to a degree still mostly
unmeasured. The linkage is also tortuous: Genes prescribe epigenetic rules,
which are the neural pathways and regularities in cognitive development by
which the individual mind assembles itself. The mind grows from birth to death
by absorbing parts of the existing culture available to it, with selections guided
through epigenetic rules inherited by the individual brain. (WILSON, 1998, p.
127).
Assim, cultura seria gerada e moldada por imperativos biológicos, ao passo que a
biologia seria alterada simultaneamente pela evolução genética em resposta à inovação
cultural. Cultura seria aprendida através de pacotes de informação cultural (os “culturgenes”)
que seriam adotados conforme imperativos biológicos. Tal processo levaria à preferência por
certos comportamentos a outros, onde vieses genéticos (genetic biases) informariam que
informação cultural seria adotada em detrimento de outras. Assim, mesmo pequenos vieses
genéticos poderiam ser amplificados e ter uma maior influência na cultura, que retroagiria
aumentando a velocidade da mudança genética.
Um dos exemplos dados por Wilson foi de que partindo do suposto medo inato
por cobras – medo este compartilhado entre os primatas – desenvolve-se toda uma gama de
efeitos psicológicos e culturais, outro exemplo foi o do tabu do incesto. Agora não se falaria
mais de tendências gerais como territorialidade e incesto, mas sim que pode-se esperar certos
86
Na impossibilidade de recorrer diretamente a tais obras, recorri a outras, como Kitcher (1987), Segerstråle
(2000) e Wilson (1998).
137
padrões culturais específicos ao invés de outros. “When oral tradition is supplemented by
writing and art, culture can grow indefinitely large and it can even skip generations. But the
fundamental biasing influence of the epigenetic rules, being genetic and ineradicable, stays
constant” (WILSON, 1998, p. 127). Um exemplo disto seria a explicação da proeminência de
serpentes nas lendas e artes dos xamãs da Amazônia, que enriquece sua cultura através das
gerações sob a guia das “serpentine genetic rule”, isto é, do medo inato por cobras. Cobras
venenosas seriam fontes importantes de mortalidade em quase todas as sociedades através da
evolução humana. “Close attention to them, enhanced by dream serpents and the symbols
of culture, undoubtedly improves the chances of survival” (ibid), e acrescenta:
The nature of the genetic leash and the role of culture can now be better
understood, as follows. Certain cultural norms also survive and reproduce
better than competing norms, causing culture to evolve in a track parallel to and
usually much faster than genetic evolution. The quicker the pace of cultural
evolution, the looser the connection between genes and culture, although the
connection is never completely broken. Culture allows a rapid adjustment to
changes in the environment through finely tuned adaptations invented and
transmitted without correspondingly precise genetic prescription. ln this respect
human beings differ fundamentally from all other animal species. Finally, to
complete the example of gene-culture coevolution, the frequency with which
dream serpents and serpent symbols inhabit a culture is seen to be adjusted to
the abundance of real poisonous snakes in the environment. (ibid, p. 128, itálicos
no original).
Primeiramente, várias objeções contra este suposto medo inato por cobras foram
levantadas. Além do medo inato por cobras, sociobiólogos destacam, também teríamos medo
inato por aranhas, pessoas estranhas e de altura. Richardson (2007, p. 16) destaca que a
distribuição de cobras e aranhas venenosas não parece dar suporte à suposição sociobiológica.
Aranhas não apresentam grandes perigos para humanos, e a maioria nem é venenosa: talvez
oito espécies de um total de 37 mil espécies, localizados na Austrália e Américas, sem ter
ancestralidade na África. O risco das aranhas é, portanto, exagerado. Já cobras na África são
realmente venenosas, um quarto das cobras de Uganda representam realmente ameaça a
humanos. Só na Austrália que a maioria das cobras são realmente venenosas. Também quanto
à cobras o medo parece ser exagerado. Kitcher (1987, p.352) questionava se o medo por
riachos, lugares fechados, multidões, por ratos (e poderíamos acrescentar, por baratas), teriam
alguma vantagem reprodutiva.
138
O outro exemplo dado por Wilson é o do tabu do incesto. “The taboos, being
conscious inventions and not simple instinctive responses, vary enormously in detail from
one society to the next.” (ibid, p. 177). Mas qual seria a relação entre o efeito Westermarck,
que é biológico, e o tabu do incesto, que é cultural? Se pergunta Wilson. Se a aversão ao
incesto é inata, por que a proibição cultural? Wilson responde da seguinte forma:
87
Se para Westermarck a aversão aos parentes mais próximos era algo inato, para Freud o contrário seria
verdadeiro, crianças tem atração sexual inata por seus pais, sendo educados para evitar tal tipo de relação.
139
projetasse 5 cm além da ponta do nariz. Quando perguntaram ao Chefe o porquê das mulheres
usarem tal adereço:
“Evidentemente surpreso ante aquela pergunta tão idiota, ele respondeu: ‘Para
ficarem bonitas! Que fariam elas se não fosse isso? Os homens têm duas barbas; elas
não.Que tipo de pessoas seriam elas se não fosse o pelelé [nome do referido
adereço]? Imagine a pobrezinha com uma boca igual à do homem, mas sem barba
alguma para enfeitá-la’. ” (DARWIN, 2004 [1871], p. 507).
Devemos concluir que estes casos de repugnância sejam suficientes para concluir
que sejam inatos? Acredito que não. E no caso específico do homossexualismo, a
sociobiologia tem uma explicação para sua existência. Sendo a resposta “não”, então a
conclusão de Wilson já não é tão razoável.
A formulação de Wilson e Lusmden da coevolução foi tida por muitos como
confusa e pouco instrutiva88. O sociobiólogo Maynard Smith, mesmo após trocar diversas
cartas com Lumsden para tentar entender o argumento, teria chegado à conclusão de que:
“Our conclusion, then, is that little that is no self-evident emerges from the models,
and that the results which LW [Lumsden e Wilson] regard as important... do not
depend on the cultural components of the model...the models in LW do not much to
illuminate the interaction [entre cultura e genes].” (MAYNARD SMITH e
WARREN, 1982, p. 625 apud SEGERSTRÅLE, 2000, p. 164).
Maynard Smith pontuou ainda que os motivos para eliminar Lévi-Strauss, Piaget e
Chomsky do debate utilizados por Wilson e Lumsden como extremamente suspeitos; seria por
que seus modelos não eram baseados empiricamente, mas, destaca ele, se isto é verdade,
então isto desqualifica também quase todo o trabalho de Lumsden e Wilson (ibid). Kitcher,
seguindo Lewontin, diz que não haveria genes no trabalho deles, pois a tradução genes em
cultura seria independente das bases genéticas conhecidas, e os autores não oferecem
informação nova sobre a genética. Também não haveria nem mentes nem cultura (causas
próximas), uma vez que o comportamento humano não seria determinado por crenças e
culturas. E conclui sarcasticamente: “So indeed there are no genes, no mind, no culture. But
there are lots of equations” (KITCHER, 1987, p. 394).
Mas que instituições sociais afinal de contas seriam proibidas pela sociobiologia?
É difícil entender quais são afinal os limites para a variação cultural de tais explicações.
Haveria aversão natural ao incesto, mas pode haver, em casos específicos, tais ocorrências.
88
Ver Kitcher (1987), cap. 10; e para diversas opiniões (ver SEGERSTRÅLE, 2000, cap. 8).
140
Haveria o amor parental, mas também seria possível haver casos de infanticídio, Apesar de
biologicamente existirem certas predisposições, podemos encontrar comportamentos opostos
ao supostamente prescrito pela genética.. Contra a acusação de que as formulações
sociobiológicas fossem irrefutáveis, Wilson dizia que se havia reversão no incesto irmão-
irmã, então a teoria seria testável (SEGERSTRÅLE, 2000, p. 161), mas, no entanto, os casos
de reversão são explicados por Wilson citando o trabalho de Dickemann, que vimos no
capítulo anterior. Há casos de incesto irmão-irmão onde há poligamia por parte do homem,
então também esta instituição não seria “proibida” pela teoria.
89
Para mais informações ver http://www.worldaccessfortheblind.org/
90
Gould e Lewontin (1979) destacavam em sua crítica ao programa adaptacionista, ou programa panglossiano
em biologia, do qual a sociobiologia faria parte, que “Often, evolutionists use consistency with natural selection
as the sole criterion and consider their work done when they concoct a plausible story” (p. 587).
143
interação entre o genótipo e o meio ambiente, e seres humanos ainda não experimentaram
todos os ambientes possíveis. Se seres humanos estiverem vivos no ano 2.500, ninguém
duvidaria que o ambiente social seria bem diferente, e o ambiente futuro, que ao que tudo
indica, dá cada vez mais espaço às mulheres – não podemos estar certos de que mulheres em
interação com o ambiente ainda não experimentado por nós, venham a ter capacidades
mentais que muitos hoje acreditam ser exclusivas dos homens, bem como homens poderão
realizar tarefas que alguns tomam como tipicamente femininas. Segundo a Psicologia
Evolucionista, temos preferências inatas por carne, alimentos gordurosos e doces, mas
encontramos vegetarianos. Apesar de termos preferências inscritas na natureza humana,
encontramos comportamentos que vão contra a natureza humana (tal como descrita pela
sociobiologia), como ateus, comunistas, vegetarianos, pessoas que se abstêm de terem filhos,
pessoas que se abstêm de comer doces e que gostam de arte moderna e pós-moderna.
Assim, na medida em que ambientes futuros serão diferentes dos atuais,
principalmente quanto à questão do que é socialmente desejável e aceito quanto aos papéis de
gênero, e na medida em que nossa mente é capaz de realizar atividades para as quais não foi
moldada pela seleção natural, não parece, portanto, que a sociobiologia seja capaz de dizer
quais os limites para os papéis de gênero. Um outro caso em que sociobiólogos afirmam que a
sociobiologia poderia proibir a existência seja da possibilidade do comunismo.
144
Refutar o comunismo seria um modo de puxar o tapete desses críticos e de alguns, ou muitos,
ou todos os cientistas sociais91.
Afirmam sociobiólogos: Não se pode ir contra a Natureza Humana, e o
Comunismo com sua idéia de banimento de classes sociais iria contra a Natureza Humana
biologicamente dada, ou ainda, seria impossível por se apoiar num altruísmo irrestrito. Wilson
dizia que “Marx estava certo, apenas nasceu no planeta errado”, ou “Wonderful Theory,
Wrong Species” e o culto à Lênin e ao partido comunista seriam fenômenos meramente
religiosos (WILSON, 1978, p. 184). Neste sentido, dizia ele:
91
Ou talvez de todos os cientistas sociais. Waizbort (2009) dá a entender que todos os cientistas sociais são
comunistas ao dizer que para a sociologia, seria possível extinguir o conflito da vida cotidiana.
92
Freeman, no entanto, não desenvolve o argumento, ficando só nesta afirmação.
145
Comunismo como Estado de exceção
E Pinker nos diz que “Embora os cientistas cognitivos não tenham chegado a um
consenso sobre uma anatomia da mente... apresento abaixo uma lista provisória, mas
defensável, de faculdades cognitivas e das instituições centrais nas quais se baseiam”
(PINKER, 2004, p. 303). E nos diz que temos noções intuitivas de: física, biologia,
engenharia, psicologia, senso espacial, senso numérico, senso de probabilidade, economia
intuitiva, lógica, banco de dados mentais e linguagem; e nos alerta que não poderíamos
aprender nada, sem antes desaprender tais noções intuitivas. Por exemplo, “o medo dos
alimentos geneticamente modificados... é simplesmente a intuição humana típica [intuição
biológica] de que todo ser vivo tem uma essência” (ibid). Sobre a violência dizia Wilson:
146
Mas quando se trata de comunismo, não. No caso do comunismo, para os
sociobiólogos, biologia é sim destino. A possibilidade do comunismo seria o Estado de
Exceção. Wilson, Freeman e Pinker mencionam que comunismo seria impossível por ir contra
a Natureza Humana. Mas os detalhes do argumento não aparecem nestes autores. Sanderson
parece ter sido o que desenvolveu um pouco melhor a questão.
Sanderson, dentro da discussão sobre estratificação social, procurou explicar
porque o comunismo não deu certo na URSS, e utilizou como fator explicativo a “existence of
natural status desire” ou “a natural human hunger for prestige”, que teria surgido
evolutivamente por ser “essential for mating and thus promotion of an individual’s
reproductive success”, mas nos alerta que “it should not be assumed in the human case that
people seek status and resources only to reproduce. At the proximate level of human
experience, humans seek status and privilege for their own sake” (ibid, p. 447). Assim, tal
“desejo natural por status” teria impedido o surgimento de uma sociedade sem classes tal
como pretendido pelos comunistas, e conclui que o surgimento de classes, bem como o rápido
aparecimento de novas classes logo após o declínio da URSS “strongly suggest that biological
realities were at work under the surface and behind the scenes, realities that would make a
mockery of public declarations.” (SANDERSON, 2001a, p. 451).
93
“...evolution has equipped humans with a sense of guilt associated with defection, to prevent them from
defecting on others and suffering the consequences... Most of us do not defect on others because doing so makes
us feel guilty.” (KANAZAWA, 2001, p. 1154).
147
inicialmente planejada para ser uma sociedade de classes, bem como seu surgimento após o
declínio da URSS – porque não observamos forte desigualdade em sociedades primitivas, tal
como no que alguns chamam de comunismo primitivo? O próprio Sanderson explica, não
usando impulsos universais, mas fatores particulares:
“where societies are small, simple in scale, technologically rudimentary, and
incapable of producing economic surpluses, hierarchies are minimally developed
because there is no real wealth that can be contested, and thus no basis for the
formation of classes.” (SANDERSON, 2001a, p. 448, itálicos adicionados).
E acrescenta mais à frente, que “critical to this process [de inequalidade] seem to
be changes in political relations that allow some people to be in a position to compel others to
produce the economic surpluses” e menciona um estudo que “found that the vast majority
who stored food had genuine class stratification” (p.449). Ou seja, os elementos explicativos
são eventos não biológicos. Quando vivíamos no Pleistoceno como caçadores e coletores em
pequenos bandos, não havia apropriação da produção, uma vez que não havia excedente
produtivo a ser apropriado por uma só pessoa, como Sanderson admitiu. Ainda nos bandos do
Pleistoceno, haveria cooperação e altruísmo recíproco nos produtos da caça, pesca e coleta. A
propriedade era coletiva. O comunismo seria então o modo de vida “natural” com o qual
evoluímos, e, portanto, estaríamos adaptados a viver, e não no modo de vida onde uma única
pessoa, ou um pequeníssimo grupo se torna “o proprietário” dos meios e dos produtos da
produção. Estaríamos adaptados a viver numa sociedade sem classes. Além disto, poderia
argumentar que a própria noção de propriedade privada não seria “natural”. Para usar um
termo da sociobiologia, o comunismo seria o modo de vida do ambiente ancestral onde o
homem evoluiu. Podemos usar Barkow em apoio a esta interpretação do comunismo como
“estado natural”, afinal:
“In bands, all individuals have approximately equal access to resources and usually
share an ideology of egalitarianism. This is not to say that bands or any other
societies are unequivocally egalitarian-gender inequality as well as other forms of
inequity may certainly exist.” (BARKOW, 1992, p. 631-2).
Acredito que Marx estaria de acordo com tal noção de igualitarismo, uma vez que
dizia em A Ideologia Alemã que havia que no comunismo primitivo uma “divisão natural do
trabalho na família”. Se temos impulsos naturais para buscar status, compartilhados com
nossos parentes primatas, a estratificação em si mesma não seria natural, uma vez que:
“[Nós comunistas] não queremos, de modo algum, abolir essa apropriação pessoal
dos produtos do trabalho, indispensável para a manutenção e a reprodução da vida
humana, pois esta apropriação não deixa nenhum saldo que lhe confira poder sobre o
trabalho alheio... O comunismo não retira de ninguém o poder de apropriar-se de
produtos sociais; apenas suprime o poder de, através dessa apropriação, subjugar
trabalho alheio.” (MARX e ENGELS, [1984] p. 22,23).
Podemos pensar que o Comunismo futuro seria uma sociedade tal qual o
comunismo primitivo, porém com os conhecimentos técnicos e de produção avançados que
proporcionariam um modo de vida muito mais confortável e melhor que o comunismo
primitivo, por ter capacidade muito superior de gerar excedente de produção, coisa aprendida
com o capitalismo. Isto tornaria possível trabalhar de manhã, pescar à tarde e ir ao teatro à
noite. Não precisamos para isto pressupor altruísmo desmedido e irrestrito como única base
para o comunismo, como criticado pela sociobiologia.
E agora a transição socialismo ao comunismo. Uma vez o Estado garantindo a
distribuição justa de recursos, poderia deixar de existir graças ao “generalized exchange”
mantido graças ao “assurance”(algo como “garantia”). Este recurso foi utilizado por
Kanazawa, para explicar como pessoas podem ajudar outras desconhecidas com as quais
provavelmente nunca mais terão contato, “Helping a stranded driver on a mountain road is an
149
example of generalized exchange” (KANAZAWA, 2001, p. 1146). Na “garantia” (assurance)
“reciprocal altruism interacts with the institutional environment (the degree of assurance) to
produce the norms of generalized exchange, which prescribe cooperation with fellow group
members.” e:
Assim, dado um ambiente onde se espera que todos cooperem, é de se esperar que
o melhor a fazer é também cooperar. Tal recurso ao “generalized exchange”, nos assegura
Kanazawa, seria um caso de “evoked Culture” de Cosmides e Tooby. Assim, podemos
esperar que uma vez que o Estado tenha garantido a distribuição justa de recursos (ambiente
onde todos cooperam), podemos esperar que tal comportamento sendo a regra, continue sendo
a regra, mesmo na ausência do Estado.
Este foi meu breve esboço do comunismo embasado sociobiologicamente, tão
breve quanto as tentativas de refutá-lo sociobiologicamente. No entanto, ao contrário do que
pode parecer, minha intenção aqui não é de forma alguma defender que o comunismo e não o
capitalismo seria o modo de vida mais afim com nossa natureza humana. Quero destacar aqui
um ponto bem diferente: que basta um pouco de criatividade, e uma lista de universais ampla
como a apresentada pela sociobiologia, que podemos comprovar ou refutar qualquer coisa
com base na biologia: Se minha construção é legítima, então podemos tanto refutar o
comunismo como confirmar sua possibilidade.
Como vimos, os elementos explicativos são eventos não inatos, não universais,
como a existência de estocagem de excedente. Isto é, o que explica a presença do evento
“estratificação” em determinado momento são fatores contingentes. Se aceitarmos a
existência de “natural status desire” e quisermos saber por que “o natural status desire”, ou a
xenofobia natural do homem se manifesta de formas tão diferentes, muitas vezes opostas,
então os fatores “locais” é que passam a ser decisivos, e não os universais. Pode-se utilizar no
argumento algum desejo por status, mas a pressuposição de que este seria inato, ainda que
verdadeiro, é totalmente dispensável. Podemos explicar o evento sem recorrer a ele, melhor
então não entrar no mérito da questão. Seria interessante se a sociobiologia realmente
proibisse alguma instituição social, mas o comunismo não parece ser o caso.
150
Uma refutação não sociobiológica do comunismo
151
sóciobiologicamente for aceitável, assim como os exemplos de estudos de casos anteriores
tenham mostrado a grande plausibilidade de que podemos chegar à quaisquer instituições
sociais com base na sociobiologia e mais alguns outros pressupostos, então, podemos
desconfiar que não é a sociobiologia quem fornecerá tais limites às ciências sociais. Como
disse Kitcher, se a questão é saber os limites, então talvez fosse melhor atentarmos para a
genética, e não à evolução (KITCHER, 1987, p. 33). Não estou dizendo que não haja limites
para a variação cultural, mas sim que tal limite é propagandeado pela sociobiologia, mas
raramente nos é dado as especificações de tais limites, e quando o é feito, como no caso do
comunismo, podemos levantar sérias dúvidas.
94
A teoria da recapitulação dizia que poderíamos ver através do desenvolvimento embrionário, as sucessivas
etapas evolutivas pelas quais a espécie passou: “A Ontogenia recapitula a filogenia”. Espinas, um organicista,
acreditava que poderíamos ver diferentes formas sociais encaixotadas uma na outra: indivíduo na família, a
família na tribo ou no clã, o clã na cidade, a cidade na nação, a nação na união de estados (BARBERIS, 2003, p.
58).
152
genética. Se em biologia temos “genes”, ao estudar a cultura teríamos como unidade básica,
os “memes” segundo Dawkins, ou “culturgenes” segundo E.O.Wilson, variant segundo
Lopreato, ou ainda sociogene, culturtype, mnemotype, idene. Mas o termo mais famoso dessa
família é o “meme”. “Exemplos de memes são melodias, idéias, ‘slogans’, modas de
vestuário, maneiras de fazer potes ou construir arcos” (DAWKINS, 1976, p. 214). Mais
recentemente autores como W.G.Runciman, um dos principais comentadores de Weber, vêm
defendendo a memética de Richard Dawkins, defendo a frutividade da analogia de processos
sociais com processos evolutivos biológicos95. Runciman acredita que deveríamos pensar não
em “afinidades eletivas”, mas “afinidades seletivas” (2005).
Mas a memética não é uma legítima “sociobiologização” das ciências sociais uma
vez que:
1) não se tenta explicar instituições sociais com base na biologia inata e suas
predisposições, instintos ou comportamentos voltados para a aptidão inclusiva ou cérebro
moldado no pleistoceno, e;
2) defende a autonomia de processos sociais em relação à biologia. Por exemplo,
a difusão do meme “Deus” seria explicada assim
“[o meme “Deus”] resulta de sua grande atração psicológica. Ele fornece uma
resposta superficialmente plausível para as questões profundas e perturbadoras a
respeito da existência. Ele sugere que as injustiças neste mundo talvez possam ser
corrigidas num próximo... Alguns de meus colegas sugeriram que esta descrição do
valor de sobrevivência do meme para deus não resolve o problema. Em última
análise eles querem sempre retornar à ‘vantagem biológica’. Para eles não basta
dizer que a idéia de um deus possui ‘grande atratividade psicológica’.” (DAWKINS,
2001 [1976], p. 215).
95
Ver por exemplo Runciman (2001), onde propunha que “Weber needed to demonstrate not that the
Reformation helped to create, in what turned out to be the Protestant parts of Europe, a political and economic
environment more favourable to the replication and diffusion of ‘modern’ capitalist practices than the political
and economic environment of Catholic Europe, but that the replication and diffusion of those practices came
about because, and only because, their carriers were also the carriers of ‘predestinarian’ and ‘secular inquiry’
memes but for which they would have continued to conduct their businesses in the traditional ‘pre-modern’
way.” (RUNCIMAN, 2001, p. 24).
153
analogias migraram das ciências sociais para a biologia, como idéias econômicas como
“investimento”, “optimalidade” e “maximização”, ou a “lei da Sociogênese” de Vygotsky
usada posteriormente por Wilson para explicar processos em insetos sociais. O caso mais
interessante é o da assumida inspiração que Darwin teve de Thomas Malthus na idéia de
reprodução diferencial, ou como ficou conhecida mais popularmente, “luta pela existência”.
Não pretendo discutir aqui a frutividade da analogia da evolução em processos e
fenômenos sociais e culturais, uma vez que nosso objetivo é discutir como teorias
sociobiológicas com suas predisposições e instintos inatos poderiam revolucionar ou auxiliar
teorias das ciências sociais. A via pela analogia não seria, portanto, uma via de fato para a
sociobiologização das ciências sociais. A discussão da frutividade da analogia da evolução
biológica com a evolução social é longa demais e envolveu grande número dos mais
importantes cientistas sociais. Como defensores da analogia, como já dissemos, tivemos, por
exemplo, Sahlins e Service em Evolution and Culture, Margareth Mead (1999[1964]),
Parsons (1964, 1969), Luhmann (cap. 6 de El Derecho de la Sociedad), e Durkheim
(2008[1893]), e como críticas tivemos, por exemplo, Giddens (1984, cap. 5), Buckley (1967)
e Elster (1984 [1979]).
Acredito que se puder falar em algo próximo à “biologização” das ciências sociais
seria por essa via. Mas talvez o melhor fosse pensar em problemas compartilhados entre os
campos, e não em biologização, fundamentação biológica, redução, etc. Podemos discutir se a
seleção natural é a única lei das ciências sociais e da biologia como quer hoje Rosenberg
(2005), bem como perceber certas semelhanças e equivalências em problemas de ambas as
disciplinas, como Collins ressaltou entre o debate sobre o adaptacionismo em biologia seria
reminiscente do debate sobre o funcionalismo em sociologia (1983, p. 309). Poderíamos ainda
tentar entender porque esforços de síntese teórica são bem sucedidos em biologia, mas não em
sociologia (FREITAS e FIGUEIREDO, 2009).
Como ressaltou Gould, devemos ter em mente a diferença entre estruturas
análogas e homólogas. Resultados semelhantes não implicam necessariamente em causas
semelhantes. Funções “homólogas” são características semelhantes originadas de
ancestralidade genética comum, por exemplo, a mão de humanos e mão de chimpanzés e
gorilas. Tais funções diferem das funções “análogas”: estruturas com funções comuns, mas
histórias evolutivas diferentes, como as asas do morcego, das aves e dos insetos. Esses
animais alados não descenderam todos de um mesmo ancestral que possuía asas, mas porque
enfrentavam o mesmo problema (obviamente este não era o único que enfrentavam) e devido
à sorte da variação chegaram a um resultado comum: ter asas. O mesmo poderia acontecer
154
com nossas capacidades cognitivas: porque temos certas organizações sociais em comum com
outros animais não implica que tenham origem e causas comuns; indica que compartilha-se de
um mesmo problema no qual foi dada solução semelhante.
Acredito que Weber resumiu bem o que está em jogo quando pensamos em
analogia entre diferentes campos.
“há tempos, não apenas categorias matemáticas... mas também categorias típicas da
biologia são familiares no procedimento da economia política. Qualquer especialista
na economia política vai admitir, e deve admitir, que os economistas devem estar em
contínuo contato e em intercâmbio frutífero com os resultados científicos de outras
disciplinas científicas. Mas depende inteiramente das nossas problemáticas, se, e em
que medida, este conceito e intercâmbio concretamente se dá no nosso setor, e cada
tentativa de decidir a priori sobre a questão de quais das teorias das outras
disciplinas deveriam ser fundamentais para a economia política é inútil, como
também qualquer “hierarquização.” (WEBER, 2001, p. 287).
155
no sonho tivesse de algum modo uma forma fálica, representaria o pênis e se tivesse forma de
cavidade ou orifício, representaria a vagina. Sonhar com algo como um trem passando por um
túnel representaria a cópula. Diz-se que em meio aos muitos exemplos que Freud expunha, e
em meio às muitas baforadas de seu prestimoso e indispensável charuto (Freud morreu com
câncer na boca) um aluno o interrompe e pergunta “Mas Freud, não seria também o charuto
um símbolo fálico?” ao que Freud teria retrucado “Não. Às vezes um charuto é só um
charuto”.
Tal caso – se verdadeiro ou não, pouco importa – ilustra um problema comum às
perspectivas teóricas que adotam motivações profundas como reais causas da ação: Por que o
observador estaria imune aos seus próprios princípios? Este é o que Boudon (2003) chamou
de “Problema da Falsa Consciência”, ou o que Popper chamou de “dupla personalidade
intelectual”, isto é, trata-se do problema de explicar a ação não pelos motivos conscientes dos
atores, mas por suas “motivações profundas”, e, contudo, excluindo o observador desta
mesma explicação, sem dar maiores explicações. Não se deve confundir, no entanto, o
problema da falsa consciência com o problema de se adotar crenças e teorias falsas, como por
exemplo, “cheguei atrasado à reunião por pensar que ela fosse às 10:00h e não às 09:30”.
Neste exemplo, a crença de que a reunião fosse às 10:00h, ainda que errada, é uma das causas
da ação de chegar atrasado; a crença tem efeito real. Muito diferente é a perspectiva que diz
que crenças, valores e motivações conscientes são “falsos”, não importa quais forem, sendo o
“motivo real” da ação as “motivações profundas” e “inconscientes”. Crenças seriam ou falsas,
ou meros epifenômenos destas motivações mais profundas.
Sociobiólogos afirmam que faltam às ciências humanas perceberem sua conexão
com o mundo animal e por isto, seu comportamento deve ser explicado pelos mesmos
princípios aplicados a outros animais. No entanto, sociobiólogos se esquecem de que eles
próprios também fazem parte da raça humana. Sociobiólogos tentam explicar o canibalismo
entre os astecas enquanto resposta adaptativa à falta de proteína na dieta deste povo e não
como decorrente de suas crenças e mitos, bem como explicar o infanticídio na China e Índia
como resposta adaptativa para melhor aptidão inclusiva, e não como decorrente de interesses
e crenças conscientes. Pinker defende que teríamos noção intuitiva de biologia, cuja intuição
central seria a de que os seres vivos contêm uma essência oculta que lhe dá sua forma (idéia
de alma) e que objetos semelhantes tem poderes semelhantes, e “[e]ssas crenças
essencialistas emergem bem cedo na infância, e em culturas tradicionais, elas dominam o
modo de pensar sobre plantas e animais” (PINKER, 2004, p. 317). Tal biologia intuitiva
explicaria a existência do Vodu. Também teríamos uma noção intuitiva de engenharia “[s]ua
156
intuição central é a de que um utensílio é um objeto com um propósito – um objeto para o
qual uma pessoa concebeu um objetivo” (PINKER, 2004, p. 304).
Mas, e quanto à ciência? A aplicação da sociobiologia à ciência não é algo de todo
inexistente, apesar de infreqüente. Freeman explica a resistência à aceitação de suas críticas à
Margareth Mead como decorrente de “our primitive limbic brain that ‘provides the feeling of
conviction and belief that we attach to our ideas whether they be true or false’” (FREEMAN,
2001, p. 51)96. Wilson afirma que o culto à Lênin e ao partido comunista seriam decorrentes
dos mesmos processos que explicam a religião (1981, p. 184) e Pinker diz que devido à essa
noção intuitiva de biologia “muitos biólogos originalmente rejeitaram a teoria da seleção
natural por acreditar que uma espécie era um tipo puro definido por uma essência” (p. 318).
Van den Berghe explica assim as falsas noções dos sociólogos:
“The universe is one, and the scientific mode of thinking is monistic, not dualistic.
Yet the human mind has a universal propensity to think in binary oppositions.
Sociologists are no exceptions, and unfortunately, they have applied their
Manichean dualism to a false antinomy between culture and nature, between genes
and environment, between man and other animals.” (Van den BERGHE, 1990, p.
178).
Entretanto, Wilson não nos explica por que o culto à Darwin seria uma exceção ao
caso propostos97, nem Freeman explica por que sua resistência a aceitar as teorias de Mead
também não seriam casos de “propensity to believe”, também Pinker não nos diz por que a
busca por uma natureza humana tal como empreendido pela sociobiologia não seria também
um caso de biologia intuitiva que busca “essências”, ou que engenharia reversa não seja um
caso de engenharia intuitiva de procurar propósito em tudo, e Van den Berghe não explica
porque esta propensão a ver falsas antinomias não faria também os sociobiólogos a verem
falsas oposições, como entre evolucionistas e não evolucionistas, cientistas e obscurantistas,
biofóbicos e sociobiólogos, pessoas-que-separam-o-ser-humano-do-resto-dos-animais e
pessoas-que-não-separam-o-ser-humano-do-resto-dos-animais, etc. Enfim, por que
96
Ou mais extensamente diz “...the perturbing phenomenon of paradigm hold: that is the way in which belief
impels many individuals to cling adamantly to a paradigm which has been shown to be completely inadequate,
and to attempt, as in the case of one of Mead’s supporters, to defend hallowed doctrine by the outright
fabrication of ‘evidence’. ...Paul MacLean... is of the view that it is our primitive limbic brain that ‘provides the
feeling of conviction and belief that we attach to our ideas whether they be true or false’. This phylogenetically
given propensity to believe, which is so evident in religion and politics, is something, it is important to realize, to
which scientists and scholars are also prone, and which is ever liable to lead them into misconception and error...
We humans then, given our evolutionary history, are fallible, language-dependent animals, peculiarly prone to
the forming of misconceptions...We now know that Mead’s conclusion of 1928 was in error.” (FREEMAN,
2001, p. 50-1).
97
Há quem diga haver hoje em dia uma verdadeira “Darwin industry” de livros sobre Darwin.
157
sociobiólogos ao fazer sociobiologia ficariam de fora do tipo de explicação que querem
aplicar ao resto do mundo?
Mas suponhamos que sociobólogos aceitem explicar sua própria ação nos seus
próprio termos, isto é, princípios sociobiológicos explicariam porque alguns biólogos aceitam
um conjunto de teorias (da sociobiologia) em decorrência das motivações profundas (espalhar
genes). Suponhamos também que conseguíssemos explicar a rejeição à sociobiologia também
sociobiologicamente (como estratégia de repassar genes ou como Freeman adotou, em
decorrência de uma resistência aos fatos, ou por ter uma mente binária). Dadas estas duas
explicações, pode-se perguntar, como saber quem está com a razão?
Acredito que uma explicação nestes termos não seria capaz de responder a esta
indagação, uma vez que a seleção teria moldado nosso aparelho cognitivo não para termos
alguma percepção minimamente acurada da realidade tal como é, mas sim para sobreviver e
reproduzir. Portanto, nenhum critério para dizer que a sociobiologia seria mais verdadeira,
nenhum critério para avaliarmos a objetividade de teorias.
Se a ação é motivada pelas motivações sociobiológicas, e não por crenças, então a
questão da verdade das teorias defendidas passa a ter sérias dificuldades, uma vez que,
assume-se que pessoas defenderiam determinadas teorias, não por acreditar serem estas
verdadeiras, dados certos argumentos, e sendo alguns desses argumentos melhores do que
outros; mas sim por que defender esta teoria seria simplesmente e somente um modo de tentar
repassar genes. Se adotarmos tal princípio, a questão da avaliação da verdade das teorias
perde significância explanatória. Seria então possível tratar da objetividade de teorias sem
pressupor que pessoas tenham de alguma forma a capacidade de avaliar se teorias sejam mais
verdadeiras ou não, melhores ou não, e poder avaliar e re-avaliar os critérios utilizados para
tal? Acredito que não. E a sociobiologia – entendida como foco em causas últimas – não é
capaz de explicar a si mesma.
Tal problema não é exclusivo da sociobiologia. Outras perspectivas teóricas
também adotaram “motivações profundas” como causa da ação, e não crenças conscientes,
como por exemplo, a psicanálise e sua idéia de inconsciente, teoria do ressentimento de
Nietzsche, a teoria dos sentimentos e o verniz lógico dado às ações de Pareto (BOUDON,
2003) e eu acrescentaria ainda a escola instintivista de McDougall. Dada esta diversidade de
teorias sobre as motivações profundas, e sendo cada uma destas perspectivas defendendo que
seus “motivos profundos” são mais profundos que os “motivos profundos” dos outros, qual
delas escolher e com base em que critérios comuns?
158
Apesar de defenderem que as motivações reais da ação são os motivos profundos,
defensores destas vias epifenomenistas freqüentemente se vêem obrigados a recorrer, a
contragosto em alguns casos, à “consciência”. Dificilmente uma nova teoria não levanta
críticas, e para se legitimarem e se estabelecerem enquanto defensores de uma teoria viável,
científica, verdadeira, aceitável, etc., deve-se explicar porque os críticos levantam certas
críticas, e para isso, sempre se recorre à dizer que sua ação (a crítica) é motivada por má
interpretação, má vontade, crenças errôneas, etc., isto é, o motivo da ação dos críticos não são
explicados pelas motivações profundas, mas sim por suas crenças conscientes. Por exemplo,
psicólogos evolucionistas reclamam que cientistas sociais não aceitam as explicações da
psicologia evolucionista, e o motivo desta não aceitação, dizem os psicólogos evolucionistas,
se deve à biofobia, antropocentrismo e mau conhecimento da biologia humana e da evolução
por parte dos cientistas sociais. E sociobiólogos afirmam que aceitam sua ciência por não ter
“contaminação ideológica” ou por ter a verdade científica como valor, ao passo que seus
críticos rejeitam a sociobiologia por não terem estes a ciência como valor ao priorizar outros
valores como isolacionismo acadêmico, ideologia, etc. Sociobiólogos não se cansam de
denunciar que a motivação dos críticos é em sua maior parte política, ideológica e só por isto,
falsa. Críticos rejeitam a sociobiologia com base em suas crenças “sociobiologia é
determinista”, “sociobiologia é reducionista”, “sociobiologia é perigosa politicamente”, por
ter “biofobia”, por serem “antropocêntricos”; crenças erradas segundo a sociobiologia, mas
ainda assim são crenças, aspirações, causas próximas, valores, aspirações, psicologia do senso
comum que explicam a ação. Nada de causas últimas, nada de maximização da aptidão
inclusiva, nada de altruísmo recíproco; não se menciona tais causas, e nem se sente falta
destas na explicação. Ficam no lugar como elementos explicativos justamente causas
próximas como crenças, motivações, aspirações, isto é, a mesma folk psychology que
rejeitavam como metafísica e pré-científica.
Mais exemplos. Van den Berghe (1990), num artigo que virou referência entre
sociólogos sociobiólogos, desdenha: “many sociologists believe that the key to understand
why people behave as they do is to ask them. They think that people's beliefs, values, and
norms determine their action” (1990, p. 180). Mas o mais irônico é que o objetivo do artigo é
explicar, como diz o título, “Why Most Sociologists Don't (and Won't) Think Evolutionary” e
utiliza como fatores explicativos “mere ignorance and ideological bias” além de “general
anthropocentric discomfort with evolutionary thinking, a self-interested resistance to self-
understanding, and a trained sociological incapacity to accept the fundamental canons of
scientific theory construction” (1990, p. 173), isto é, justamente as crenças, valores e normas
159
dos sociólogos para explicar porque agem de determinada maneira, no caso, rejeitar a
biologia. Nenhum sinal de “kin selection”, nenhum vestígio de “reciprocal altruism”. Se
sociobiólogos tem razão nas crenças atribuídas aos cientistas sociais é algo que não interessa
discutir agora; interessa sim com estes exemplos ressaltar o recurso involuntário que tem de
fazer à estrutura explicativa que eles próprios rejeitam como arcaica.
Ellis dizia que um dos motivos para o baixo crescimento da sociologia seria a
crença na intencionalidade:
160
behind the scenes, realities that would make a mockery of public declarations” (p. 451, grifo
meu).
Vale lembrar que se os motivos declarados são mesmo ilusões, como estes autores
declaram, então uma parte importante das pesquisas feitas em psicologia evolucionista iria
para o lixo, uma vez que experimentos são conduzidos não em situações reais, mas feitos com
base em questionários, como as pesquisas de Cosmides sobre módulos de detecção de
trapaceiros Cheat detector ou racismo como sub produto (by-product) da evolução
(COSMIDES e TOOBY, 2000; COSMIDES, 2006).
Mais ainda, sociobiólogos escrevem livros, artigos, vão em congressos, tentam
convencer os outros de que estão corretos. Enfim, apelam à consciência, tentam mudar a
opinião das pessoas, pressupondo a consciência. Não tentam mudar a situação de modo que
seus críticos maximizem fitness afim de que adotem a sociobiologia. O único sociobiólogo
que parece ter notados esta contradição foi o filósofo Alexander Rosenberg, que reconhece
incorrer no que negava, mas dizia que não negava a existência de crenças e valores, mas sim
sua cientificidade.
Talvez, poderia alguém retrucar, por a sociobiologia ser uma ciência nova, seria
absolutamente normal que tenha certas dificuldades, mas num futuro bem próximo, com o
avançar do conhecimento, ela terá explicações acuradas sobre o comportamento humano, que
expulsará de vez esse vocabulário que evoca intencionalidade. Poderia a sociobiologia
fornecer tal teoria que eliminasse aspirações e crenças? Acredito que a resposta seja um
veemente não, uma vez que a própria sociobiologia é obrigada a recorrer de modo
inconsciente a estas mesmas categorias. Vejamos.
Ao adotarem o gene’s eye view para explicar a ação das pessoas conforme suas
“reais motivações” genéticas, ainda se trabalha com categorias que denotam intencionalidade
e crença, mas de uma forma mais ou menos escondida, transferindo estas mesmas categorias
para o nível gênico ao invés de utilizá-los no nível consciente. Obviamente, ninguém acredita
realmente que genes tenham crenças, vontades e motivos, mas apesar disto, trabalha-se de
certa forma com estas categorias. Reduz-se as motivações da ação a uma única motivação, a
maximização de adaptação inclusiva, e tenta-se explicar como os genes ou a seleção natural
“interpretariam” a situação. Um primeiro exemplo seria o problema da identificação da
proximidade genética para que haja repulsão sexual no caso de possível incesto, feita
mediante o algoritmo inconsciente “se cresceu junto, evite envolvimento amoroso/sexual com
esta pessoa, uma vez que ela bem provavelmente é um parente próximo”. Um segundo
exemplo seria o da suposta diferença universal de comportamento entre homens e mulheres,
161
onde o homem para maximizar adaptação inclusiva deve ser tão promíscuo quanto seja
possível, enquanto a mulher deve procurar um parceiro para toda vida. Tais formulações só se
fazem “compreensíveis” na medida em que evocam as mesmas categorias de qualquer
explicação de ação intencional. Imaginamos como teria sido a ação típico-idealmente se o
sujeito quisesse maximizar aptidão inclusiva com o máximo de racionalidade – mesmo que a
teoria diga que tal procedimento é inconsciente, isto pouco importa para a estrutura lógica do
argumento – e qual seria então o melhor meio possível, isto é, qual a solução ótima.
Outra via que não seja a da negação das crenças como motivos da ação seria a
aceitação de crenças como fatores explicativos em alguns casos. Além destes exemplos,
alguns sociobólogos aceitam conscientemente crenças em diversas de suas explicações, mas
não em todas. Para Lopreato o sucesso de leis sociobiológicas não implicaria abandono de
motivações conscientes (causas próximas), mas tornaria algumas destas ilusórias “It does not
substitute for more proximate explanations, although it may prove some to be specious, as in
the case of incest theory and aspects of ethnocentrism theory in social science” (LOPREATO,
1990, p. 209). Não me parece, no entanto, que tenham um critério bem definido para isto, ou
mesmo que tenham algum critério. Parecem confiar apenas no sucesso da sociobiologia: caso
haja uma teoria sociobiológica com explicações baseadas em causas últimas, em motivações
profundas, esta seria preferível. Mas aí, consciência, mais uma vez, aparece como fator ad
hoc. Outras teorias que também focam em causas últimas poderiam alegar a mesma coisa e aí
não teríamos como decidir qual delas estaria correta.
Não pretendi defender que não existam tais motivações profundas, mas procurei
apontar algumas dificuldades decorrentes de tal perspectiva. O que alguns chamam de desafio
da sociobiologia não passa de velhos problemas com os quais as ciências sociais já tiveram de
lidar.
98
“Biocultural theory predicts also that ethnocentric behaviors are most likely to be reduced when people (e.g.,
sociologists) emphasize the uniformities rather than the differences among peoples and when we become aware
that ethnocentrism has an ancient nonrational origin.” (1990, p. 208).
163
nossas preferências inatas. Mas com o Modernismo, a arte passa a ser negação da beleza,
negação da natureza humana. “Quando reconhecemos o que o modernismo e o pós-
modernismo fizeram com as artes de elite e as humanidades, as razões de seu declínio e queda
tornam-se muito óbvias. Esses movimentos baseiam-se em uma falsa teoria da psicologia
humana, a tabula rasa” (PINKER, 2004, p. 556). Por que aconteceu tal mudança? Pinker
explica que dado o consumo conspícuo (sim, a teoria do consumo conspícuo de Veblen):
Assim, para manter os sinais de elite, a arte migrou para obras não belas, sendo a
beleza então desvalorizada.
“A arte não pôde mais conferir prestígio pela raridade ou excelência das obras em si;
portanto, teve de fazê-lo por meio da raridade dos poderes de apreciação. Como
salientou Bourdieu, somente uma elite especial de iniciados poderia entender as
novas obras de arte. E com tanta coisa bonita jorrando das gráficas e gravadoras,
obras destacadas não precisavam ser belas.” (ibid, p. 558).
164
Conclusão
99
São várias as obras que discutem a epistemologia evolutiva. Ver, por exemplo, Popper (1973) e Freitas (2003).
168
Referências
ALEXANDER, Jeffrey. Action and its environments: toward a new synthesis. New York:
Columbia University, 1988. 342 p.
BARBERIS, Daniela. S. In search of an object: organicist sociology and the reality of society
in fin-de-siècle France. History of Human Sciences. London, v. 16, n. 3. p. 51–72,
Aug. 2003.
______. Beneath new culture is old psychology: gossip and social stratification. In:
BARKOW; COSMIDES; TOOBY. Evolutionary psychology and the generation of
culture. New York: Oxford University Press, 1992. p. 627-637.
BATESON, Patrick. Taking the stink out of instinct. In: ROSE e ROSE. Alas, poor Darwin:
arguments against evolutionary psychology. Nova York: Harmony Books, 2000. p.189-
208.
BENTON, Ted. Social causes and natural relations. In: ROSE e ROSE. Alas, Poor Darwin:
arguments against evolutionary psychology. Nova York: Harmony Books. 2000. p. 249-
271.
BONNER, John Tyler. A evolução da cultura nos animais. Tradução de Alvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1983. 285 p. Título Original: The evolution of culture in
animals.
169
SOCIOBIOLOGIA. In: BOUDON, Raymond; BOURRICAUD, François. Dicionário crítico
de sociologia. São Paulo: Ática. 1993. p. 529.
______. Beyond rational choice theory. Annual Review of Sociology, [S.l], v. 29, p.1–21,
June. 2003.
BULLER, David J. Adapting Minds: Evolutionary psychology and the persistent quest for
human nature. Massachusetts: Press/Bradford Books, 2005. 550 p.
______. Sex, jealousy e violence: a skeptical look at evolutionary psychology. Skeptic The
Magazine, [S.l], v. 12, n. 1, [2009?]. Disponível em: <http://www.skeptic.com/>.
Acesso em: 24 may 2009.
CHALMERS, A.F. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993. 225 p.
COSMIDES, Leda. Racismo é "efeito colateral" da evolução, diz psicóloga. Folha de São
Paulo, São Paulo, 10 de jun. 2006. Caderno Ciência, p.
170
DALY Martin; WILSON, Margo. The 'cinderella effect' is no fairy tale. Trends in Cognitive
Science, LOCAL: , n. 9, p. 507-508, MÊS. 2005.
DAWKINS, Richard. O Gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: : Ed. Univ. de S.
Paulo, 2001 [1976], 230p. (O homem e a ciencia ;v.7)
______. Sociobiology: the debate continues. New Scientist 24 January 1985, Resenha de:
ROSE, Steven; KAMIN, Leon J.; LEWONTIN, R. C. New Scientist, LOCAL, v., n., p.
TOTAL, Jan.1985. (Not in Our Genes: Biology, Ideology and Human Nature Pantheon
Books, 1985.)
DENNETT, Daniel. Darwin’s Dangerous Idea: evolution and the meaning of life. London:
Penguin Books. 1995. 523 p.
VON BREDOW, Rafaela. Das gleiche Geschlecht: dirigiert die Steinzeitbiologie heute noch
den Mann auf den Mars und die Frau auf die Venus?. Der Spiegel, n. 6, p. 142-9, 2007.
DUNBAR, Robin I.M. Evolution and the Social Sciences. History of Human Sciences. v.
20, n. 2. p. 29–50. 2007
DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. LOCAL: Martins Fontes, 2008 [1893].
483 p. (Coleção Tópicos)
______. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995 [1895]. 165p.
______. O Suicídio: texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2003. 2003 [1897]. 445 p.
______. Lições de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002 [1900]. 304 p.
ELLIS, Lee. The Decline and Fall of Sociology. In American Sociologist. 1977.
______. A Discipline in peril: sociology’s future hinges on curing its biophobia. The
American Sociologist. Vol. 27, No. 2 (Summer, 1996), pp. 21-41. Published by:
Springer
ELSTER, Jon. Ulises y las Sirenas: Estudio sobre racionalidad e irracionalidad. EDIÇÃO.
LOCAL: Fondo de Cultura Economica, 1984 [1979]. 325p.
171
ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 4a ed.
São Paulo: Global, 1990. 57p.
______. Anti - Duhring. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 231p. (Pensamento
critico,9)
______; _______. História da antropologia. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. 261 p.
ESPINAS, Alfred Victor. Des sociétés animales. Paris: Librairie Germer Baillière, 1882. 597
p. (Introduccion sur l’Histoire de La Sociologie en Général)
FERLA, Luis Antônio Coelho. Feios, sujos e malvados sob medida: do crime ao trabalho, a
utopia médica do biodeterminismo em São Paulo (1920-1945). 2005. Tese (Doutorado
em História Econômica) - Departamento de História da Universidade de São Paulo.
2005. Disponível em: <www.fflch.usp.br/sdi/informe/pdf/18_2005.pdf>. 13/10/2007.
FODOR, Jerry. Look!. Resenha de Consilience: the unity of knowledge. London Review of
Books Local: Little Brown, 29 de outubro de 1998. Disponível em
<http://www.lrb.co.uk/v20/n21/fodo01_.html>. Acesso em 01/05/2008. 1998a
______. The trouble with psychological Darwinism. London Review of Books. LOCAL, v.
20, n. 2, 1998b. Resenha de Tabula Rasa, LOCAL, v., n. , p. mes. 1998b. Disponível em: <
http://www.lrb.co.uk/v20/n02/fodo01_.html >. 07/09/2009.
FRACCHIA, Joseph; LEWONTIN, Richard. Does cultures evolve? In History and Theory,
Vol. 38, No. 4, Theme Issue 38: The Return of Science: Evolutionary Ideas and History.
(Dec., 1999), pp. 52-78.
FREESE, Jeremy. 2000. What Should Sociology do about Darwin? Evaluating some
potential contributions of Sociobiology and Evolutionary Psychology to Sociology.
Submitted to the faculty of the University Graduate School in partial fulfillment of the
172
requirements for the degree Doctor of Philosophy in the Department of Sociology
Indiana University December 2000.
FREITAS, Renan Spinger de; FIGUEIREDO, Adriana Maria de. 2009. Por que esforços de
síntese teórica são bem-sucedidos no cenário biológico e malogram no cenário
sociológico? História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3,
jul./set. 2009. p. 729-745.
FUNK, Patricia. 2008. Social Incentives and Voter Turnout: Evidence from the Swiss Mail
Ballot System. (November 24, 2008). Journal of the European Economic
Association, no prelo. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=917770
GAYNOR, Scott T. 2004. Skepticism of caricatures: B.F. Skinner turns 100. Skeptical
Inquirer, jan./feb, 2004.
GOULD, Stephen Jay. 1978. Sociobiology: The art of storytelling. In New Scientist..
November 1978.
______. 1992. Darwin e os grandes enigmas da vida. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes.
274p.
GOULD, Stephen Jay e LEWONTIN, Richard. 1979. The spandrels of San Marco and the
Panglossian paradigm: a critique of the adaptationist program. Proc. Royal Society
London. B 205, 581-598.
HELLMAN, Hal. 1998. Grandes Debates da Ciência. Dez das maiores contendas de
todos os tempos. tradução de Jose Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Ed. Unesp,
1999. 277p.
HOMANS, George C. 1977. A sociologist Reaction. Reply to ELLIS, 1977, The Decline and
Fall of Sociology. In American Sociologist. 1977. p.69.
173
______. 1985. review Human Nature and Biocultural Evolution de Joseph Lopreato. Society.
November/December 1985.
KANAZAWA, Satoshi. 2001. De Gustibus Est Disputandum. Social Forces. March 2001,
79(3):1131-1163.
______. 2004. Social Sciences are Branches of Biology. In Socio-Economic Review. 2.371-
390.
KITCHER, Philip. 1987 [1985]. Vaulting Ambition. Sociobiology and the Quest for
Human Nature. London: Cambridge.
______. 1990. Developmental Decomposition and the Future of Human Behavioral Ecology.
Philosophy of Science. v. 57, n. 1 (mar,1990), p.96-117.
KITCHER, Philip. 1987.* et al. Precis of Vaulting Ambition:Sociobiology and the Quest for
Human Nature. Comentários de Patrick Bateson, Jon Beckwith, Irwin S. Bernstein,
Patricia Smith Churchland, Patricia Draper, John Dupre, Andrew Futterman, Michael T.
Ghiselin, Henry Harpending, Timothy D. Johnston, Garland E. Allen, Michael E. Lamb,
W. C. McGrew, H. C. Plotkin, Alexander Rosenberg, Peter T. Saunders, Mae-Wan Ho,
Peter Singer, Eric Aiden Smith, Peter K. Smith, Elliot Sober, Nils C. Stenseth, Donald
Symons. University of Nebraska - Lincoln Disponível em:
<http://digitalcommons.unl.edu/anthropologyfacpub/16>. Acesso em 13/12/2008
KROEBER, Alfred. L 1993. A natureza da cultura. Lisboa: Edições 7O, 1993. 255 p.
KOPP, Johannes. 1992. Soziologie und Familiesoziologie. Kölner Zeitschrift für Soziologie
und Sozialpsychologie. Jg. 44, Heft 3, 1992, s. 489-502.
LEIS, Héctor Ricardo. (2000). A Tristeza de ser sociólogo no século XXI. GT de Teoria
Social, XXIV Encontro Anual da ANPOCS, 17 a 21 de out. de 2000, Caxambú – MG.
Disponível em: < http://www.scielo.br>.
LEITE, Marcelo. 1998. A nova alquimia: E. O. Wilson propõe panacéia naturalista contra o
caos pós-moderno. Folha de São Paulo, 22 mar 1998. Caderno 5, p. 4.
LEWONTIN, Richard C. 2005. The Wars over Evolution. The New York Review of Books.
v. 52 number 16. October, 20. 2005. Disponível em:
<http://www.nybooks.com/articles/18363>.
174
LEWONTIN, Richard; ROSE, Steve; KAMIN, Leon. 1984. Not in our genes. Biology,
Idelology and Human Nature. 1ªed. New York:Pantheon Books.
LEWONTIN, Richard C.; MAYNARD SMITH, John. 1990. Are we Robots? By Richard C.
Lewontin, Reply by John Maynard Smith In response to What Can't the Computer Do?
(March 15, 1990). New York Review of Books. v. 37, Number 9, May 31, 1990.
Disponível em: <http://www.nybooks.com/articles/3614>. 16/06/2008.
LISTA dos Intelectuais mais populares do mundo. UOL, São Paulo, 01 nov. 2005. Disponível
em <http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/prospect/2005/11/01/ult2678u34.jhtm>
Acesso em 10/04/2006
LOPREATO, Joseph e CRIPPEN. 1999. Crisis in Sociology: The Need for Darwin. New
Brunswick:Transaction. p. 3-29.
175
PARSONS, Philip A. 1913. resenha de WORMS, René-1913. Les Principes Biologiques de
l'Evolution Sociale. In Journal of the American Institute of Criminal Law &
Criminology, nov. 1913.
REIS, José Carlos. 2005 [2003]. Wilhelm Dilthey e a autonomia das ciências histórico-
sociais. Londrina: Eduel.
RIDLEY, Matt. 1993. The Red Queen. Sex and the Evolution of Human Nature. New
York: Penguin Books.
RICHTER, Dirk. 2005. Das Scheitern der Biologisierung der Soziologie. Zum Stand der
Diskussion um die Soziobiologie und anderer evolutionstheoretischer Ansätze. In
Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, Jg. 57, Heft 3, 2005, S.
523–542.
ROSE, Hilary; ROSE, Steven (Eds.). Alas, poor Darwin: arguments against evolutionary
psychology. Nova York: Harmony Books. 2000.
______. 2005. Lessons from Biology for Philosophy of the Human Sciences. Philosophy of
the Social Sciences. v. 35, n. 1, March 2005 3-19.
RÖSSEL, Jörg; COLLINS, Randall. 2001. Conflict Theory and Interaction Rituals. The
Microfoundations of Conflict Theory. In Handbook of Social Theory. Jonathan H.
Turner (ed.)
RUNCIMAN, W.G. 2001. Was Max Weber a Selectionist in Spite of Himself? Journal of
Classical Sociology. 2001; 1; 13.
______. 2005. Not Elective but Selective Affinities. Journal of Classical Sociology. v. 5(2).
p.175-187.
176
______. 2001 b. The Evolution of Human Sociality: A Darwinian Conflict Perspective.
Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2001. p. 88-137
SALTER, Frank. Political science: sociology's disdain for the scientific method undermines
its scientific pretensions. National Review, June 3, 1996. Disponível em:
<http://findarticles.com/p/articles/mi_m1282/is_n10_v48/ai_18352673/pg_4>.
SAHLINS, Marshall. 1976. The use and abuse of Biology. An Anthropological critique of
Sociobiology. Ann Arbor:Michigan Press. 120 p.
SCHAEFFER, Nora Cate; PRESSER, Stanley. 2003. The Science of asking questions.
Annual Rev. Sociology 2003. 29:65–88.
TISDALE. Hope. 1939. Biology in Sociology. Social Forces. v.18. n.1. Oct. 1939. pp. 22-40.
TYBUR, Joshua M.; MILLER, Geoffrey F.; GANGESTAND, Steven W. 2007. Testing the
Controversy. Human Nature, Dec2007, v. 18 Issue 4, p. 313-328, 16 p, 1 chart, 1
graph;
Van den BERGHE, Pierre L. 1990. Why most Sociologist Don’t (and Won’t) Think
Evolutionary. Sociological Forum. v.5, n.2.
VAL DUSEK. (1999) “Sociobiology Sanitized: The Evolutionary Psychology and Gene
Selectionism,” Science as Culture, v. 8, n. 2, 1999, pp. 129-170. Disponível em:
<http://human-nature.com/science-as-culture/dusek.html>.
VOLSCHO, Thomas W. 2005. Money and Sex, the Illusory Universal Sex Difference.
Sociological Quarterly, Fall2005, v. 46 Issue 4, p. 719-736, 18p.
177
WAIZBORT, Ricardo. 2005. Notas para uma aproximação entre o neodarwinismo e as
ciências sociais. História, Ciências e Saúde – Manguinhos. v. 12, n. 2, p. 293-318.
maio/ago.
______. 2008. Vespeiros da razão: perspectivas para um diálogo entre as ciências biológicas
e as ciências sociais. Estudos Avançados. 22 (63), 2008.
______. 1968 [1923]. História Geral da Economia. São Paulo: Mestre Jou.
WILSON, Edward O; WILSON, David Sloan. 2007. “Rethinking the Theoretical Foundation
of Sociobiology” The Quarterly Review of Biology. v. 82, n. 4 Dec. 2007.
WILSON, Edward O. 1975. Sociobiology: the New Synthesis. Cambridge: Belknap, 1975.
697p.
______. 1981. Da natureza humana. São Paulo: T. A. Queiroz: Ed. da USP. 262 p.
______. 1998. Consilience. The unity of knowledge. New York: Alfref A. Knopff.
______. 2005. Kin selection as the key to altruism: its rise and fall. Social Research, Spring,
2005.
178