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LISANDRA ALMEIDA LISOVSKI

MARCELA ALVARES MACIEL


ROBERTO CARLOS RIBEIRO
ROBSON OLIVINO PAIM
(Organizadores)

CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO:
Debates e trajetórias no Ensino Superior

Even3 Publicações

2021
2
Organizadores:

Lisandra Almeida Lisovski


Doutora em Educação Científica e Tecnológica. Professora adjunta da Universidade Federal da
Fronteira Sul - UFFS Campus Erechim e membro da comissão de curricularização da extensão da
UFFS Campus Erechim.

Marcela Alvares Maciel


Doutora em Engenharia Mecânica pós-doutorado em Arquitetura Professora adjunta da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Coordenadora Adjunta de Extensão e Cultura da
UFFS Campus Erechim

Roberto Carlos Ribeiro


Doutor em Letras – Teoria da Literatura. Professor adjunto da Universidade Federal da Fronteira
Sul (UFFS) – Campus Erechim e membro da comissão de curricularização da extensão.

Robson Olivino Paim (in memorian)


Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2019). Professor da
Universidade Federal da Fronteira Sul - campus Erechim, e membro da comissão de
curricularização da extensão da UFFS Campus Erechim.

Imagem capa
Maycon Mirachi Gabriel

Sobre o ebook
Formato: 210 x 297 mm • Mancha: 150 x 250 mm Tipologia: Arial (textos) Arial (títulos)
Este ebook foi produzido em maio de 2021

O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de
responsabilidade exclusiva dos autores. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde
que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma
ou utilizá-la para fins comerciais.

3
Este livro é dedicado à memória do

professor Robson Olivino Paim

4
SUMÁRIO

UM PREFÁCIO À CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO NA UFFS ............ 6


Sandra Simone Höpner Pierozan
Marcela Alvares Maciel

AS DIRETRIZES DA EXTENSÃO E AS DEMANDAS PRÁXICAS E


RECÍPROCAS ENTRE ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO ............................... 17
Solange Todero Von Onçay

CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO: NOVAS SUBJETIVIDADES À


FORMAÇÃO ACADÊMICA ..................................................................................... 29
Jerônimo Sartori

A CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO VAI IMPACTAR A


GRADUAÇÃO ............................................................................................................ 38
Sandra de Deus

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA TRANSFORMADORA: UM CAMINHO


DIALÓGICO E SEM FRONTEIRAS ....................................................................... 47
Valdecir José Zonin
Wilson João Zonin
Carina Dartora Zonin

ARQUITETURA, URBANISMO E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:


PRECISAMOS DE ESCOLAS DE ARQUITETURA E URBANISMO
PARA QUÊ?............................................................................................................... 64
Murad Jorge Mussi Vaz

FAZER EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM PARCERIA COM AS REDES


PÚBLICAS DE ENSINO: A EXPERIÊNCIA DA FAED/UDESC ....................... 74
Julice Dias

CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA


UNICENTRO .............................................................................................................. 82
Vânia Gryczak
Lucélia de Souza

POSFÁCIO ................................................................................................................. 93

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UM PREFÁCIO À CURRICULARIZAÇÃO DA
EXTENSÃO NA UFFS

Sandra Simone Höpner Pierozan1

Marcela Alvares Maciel2

II nserida nas discussões sobre o fazer da universidade, a extensão


tem o importante papel de aproximar a comunidade e a instituição de
modo tanto a contribuir com a reflexão e superação de um papel
notadamente academicista da universidade, como na integração de saberes e
auxiliar no desenvolvimento regional.

A pauta “inserção da extensão nos currículos”, anunciada em 2014 no PNE


e reforçada em 2018 nas Diretrizes para a Extensão na Educação Superior, ainda
é cercada de desconhecimento, dúvidas e inquietações. No momento que a
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) retoma essa pauta para elaborar a
regulamentação que norteará a instituição, o Campus Erechim constituiu uma
comissão com representantes dos segmentos docente, discente, técnico-
administrativo e da comunidade regional de modo a possibilitar a participação
da comunidade acadêmica nessa construção. O foco das ações da referida
comissão foi promover o estudo e o debate sobre a curricularização da extensão,
compreendendo as implicações e a importância dos documentos produzidos para
o processo formativo dos estudantes da UFFS, tornando possível a participação
efetiva dos segmentos na construção desta política na instituição.

Esse prefácio discorrerá, em sua parte inicial, sobre a contextualização


histórica da extensão enquanto componente da formação de nível superior e as

1
Professora Adjunta na Universidade Federal da Fronteira Sul, nos cursos de Pedagogia e
Especialização em Gestão Escolar no campus Erechim RS. Pedagoga (UFSM), Mestre em
Educação (UFPR) e Doutora em Educação (UNISINOS). Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa
"História, Política e Gestão da Escola Básica" e " Educação, Formação Docente e Processos
Educativos". e-mail: sandra.pierozan@uffs.edu.br
2
Professora adjunta da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), atuando no curso de
Arquitetura e Urbanismo desde 2013. Atualmente é Coordenadora Adjunta de Extensão e Culturado
campus Erechim da UFFS e membro da comissão de curricularização da extensão dessa
instituição. email: marcela.maciel@uffs.edu.br
6
relações com o currículo no ensino superior. Em contínuo retrata aspectos da
extensão na UFFS, considerando o momento atual da inserção curricular da
extensão e, por fim, partilha as ações desenvolvidas pela comissão local, em
especial o Ciclo de Debates Extensão em Pauta, desenvolvido no primeiro
semestre de 2020.

A EXTENSÃO E A CURRICULARIZAÇÃO

É longa a caminhada percorrida para a institucionalização da extensão


universitária e, consequentemente, a inserção curricular da extensão. Para ilustrar
o movimento, considerando importantes marcos nessa história, contamos com
estudos de autores como Sousa (2010); Deus (2017) e Gadotti (2017).

Se considerarmos a Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental


(Decreto no 8.659, de 5 de abril de 1911), que introduziu a autonomia
administrativa e didática nas Instituições de Ensino Superior, como o primeiro
passo, na sequência diversos atos marcam a história desse processo, como a
primeira formulação extensionista universitária, na Universidade Livre de São
Paulo em 1912, bem como o Manifesto de Córdoba de 1918, que propunha a
extensão como função social da universidade.

As decorrentes criações do Estatuto das Universidades Brasileiras (1934),


da União Nacional dos Estudantes (1937), da primeira Lei de Diretrizes e Bases
nº 4024 (1961), da Reforma Universitária (1968) são anteriores ao cenário mais
próximo, da Constituição Federal de 1988, que define extensão universitária como
atividade-fim da universidade e apresenta a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.

O reconhecimento constitucional da extensão universitária permitiu o


avanço na sua institucionalização. Corroboraram com esse encaminhamento,
ainda, a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional de 1996; Plano
Nacional de Extensão Universitária, de 1999, o Plano Nacional de Educação
2001-2011, e o atual Plano Nacional de Educação 2014-2024, particularmente a
meta 12.7, que trata da curricularização da extensão universitária.

Ao resgatar esses marcos legais e operacionais, mister destacar que muito


do alcance da extensão no âmbito universitário se deve ao papel que os Fóruns
7
de Extensão conquistaram. Espaço de debates, de estímulo e de colaboração
entre instituições os fóruns representativos alavancaram a extensão e garantiram
espaço na elaboração das políticas que pudessem abranger a extensão
desenvolvida nacionalmente.

O professor Moacir Gadotti (2017) destaca que o Fórum de Pró-Reitores


de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras –
FORPROEX, criado em 1980, e sua intensa atuação permitiu alcançar grandes
avanços, entre os quais se destaca a inclusão do artigo 207, na Constituição de
1988. Esta inclusão atribui à extensão o caráter de finalidade na universidade,
com a mesma importância que o ensino e a pesquisa, por meio da
indissociabilidade.

De mesmo modo, novos progressos foram estabelecidos, com a criação do


Programa de Fomento à Extensão Universitária (PROEXTE), pelo MEC em 1993,
sob forte estímulo e ampla colaboração do FORPROEX. A criação do Fórum
Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Universidades e Instituições de
Ensino Superior Comunitárias (ForEXt) em 1999, e o Fórum de Extensão das IES
Particulares (ForExp), em 2002, reafirma a relevância da extensão e a
necessidade de que a mesma seja pensada, planejada e implementada, em todas
as instituições de ensino superior brasileiras.

A trajetória da extensão, evidencia que as principais contribuições dos


fóruns referem-se a inserção nos marcos legais da educação; a elaboração teórica
e conceitual que permeia as diretrizes e objetivos da Extensão Universitária, dos
tipos de ações a serem desenvolvidas e da metodologia a ser adotada em sua
implementação, bem como a busca constante por financiamento que atenda a
extensão.

No momento atual, esses fóruns de extensão, bem como o Fórum Nacional


dos Pró-Reitores de Graduação (ForGrad) e outros segmentos da educação
brasileira, vêm discutindo a creditação de 10% da carga horária dos cursos, que
devem ser destinados a projetos e a programas de extensão universitária.

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A TRAJETÓRIA DA UFFS NA EXTENSÃO

A Universidade Federal da Fronteira Sul, no seu primeiro ano de


funcionamento realizou a I Conferência de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFFS
(COEPE), evento institucional com a intenção de promover e fortalecer os
espaços de participação da comunidade acadêmica e regional na definição das
políticas, diretrizes e ações que devem orientar o ensino, a pesquisa, a extensão
e a cultura da UFFS.

O trabalho da COEPE, legitimado pelo número expressivo de participantes


(aproximadamente 4000 pessoas), foi sintetizado e publicado no livro
“Construindo agendas e definido rumos”, obra singular que aprofunda o debate e
os compromissos da UFFS com os seus princípios basilares: democracia,
inclusão sócio educacional e justiça social.

Anuncia-se o compromisso com a democratização do acesso aos


conhecimentos produzidos na universidade como um dos papeis prioritários para
a extensão universitária. As demandas da região devem ser o foco das ações de
Extensão da UFFS e são justamente as atividades de extensão que permitem
conhecer de forma mais próxima os problemas sociais, permitindo que a
universidade ao conhecer e pesquisar a realidade possa “contribuir para a
formulação de políticas públicas participativas e emancipatórias, que resultem em
uma maior justiça social” (TREVISOL, et al, 2010, p.53).

Com a realização da segunda edição da COEPE (2017-2018) procurou


fortalecer os princípios norteadores que deram origem à UFFS, particularmente
os compromissos com a construção coletiva, a participação social, a democracia
e a cultura da avaliação e do planejamento. Os debates acerca dos principais
desafios institucionais que se colocam para uma universidade popular situada
numa região de fronteira e a busca pelo fortalecimento da participação da
comunidade acadêmica e regional na definição das diretrizes e ações prioritárias
que devem orientar o ensino, a pesquisa, a extensão e a cultura foram os
principais aspectos dessa conferência. (GEREMIA, et al, 2019).

A conferência envolveu diversas atividades em torno de um conjunto de


eixos temáticos previamente estabelecidos e adaptados à realidade local dos
campi. O Fórum “Expansão e consolidação da Universidade” destacou a

9
necessidade de fortalecer a mobilização permanente da comunidade regional em
favor da consolidação e da expansão da UFFS, e a necessidade de fazer um
balanço dos movimentos de expansão e retração dos cursos nos campi da UFFS
ao longo dos últimos anos.

Nesse cenário de expansão e consolidação da universidade, foram


debatidos aspectos que cercam o ensino, a pesquisa, a extensão e a cultura.

Os desafios apontados para a extensão envolvem um conjunto de


preocupações relacionadas à necessidade de um reconhecimento mais efetivo
das atividades de extensão, cultura e arte na Universidade, à problematização da
concepção, à indicação da existência de um excesso de burocracia na
institucionalização de programas e projetos, ao número limitado de bolsas e à
participação dos técnicos (que não podem atuar como orientadores de bolsistas),
entre outros, conforme registrado no documento final da II COEPE. (GEREMIA, et
al. 2019).

Diante desses aspectos, no conjunto das propostas de encaminhamentos


e ações para consolidação das atividades de extensão, cultura e arte identifica-se
a “[...] 4.6 Inclusão da extensão nos PPCs de todos os cursos, não os concebendo
apenas como projetos e programas isolados; (GEREMIA, et al. 2019, p. 157).

Em 2018 foi constituído grupo de trabalho institucional com a


responsabilidade de realizar estudos, coordenar discussões envolvendo as
coordenações de cursos e propor instrumento para disciplinar a inclusão de
atividades de extensão no currículo dos cursos de graduação, atendendo assim
as recomendações do PNE.

Os subsídios para a comunidade foram sistematizados em relatório final do


referido grupo de trabalho, que apresentou desafios e possibilidades para
implementação da estratégia 12.7 do PNE, considerando o referencial teórico, as
experiências de outras instituições e a trajetória da UFFS. Os desafios
mencionados envolvem: concepção tradicional de currículo e ensino; a formação
continuada aos docentes; diversidade de contextos; necessidade de estudos
internos em cada curso; etc. As possibilidades de operacionalização possuem
relação com a necessidade de mudanças nos regramentos institucionais;
definições de creditação da carga horária (que pode assumir distintos modos), da

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sua materialização e implicações para fins de registro acadêmico.

O trabalho que vinha sendo realizado, sofreu descontinuidade com a


mudança de gestão na universidade, em 2019, não apenas porque uma nova
equipe e um novo reitor iniciaram suas atividades, mas, e principalmente, por
causa do contexto de nomeação do reitor, terceiro colocado na consulta realizada
à comunidade, pelo presidente da república. Esse fato originou diversos atos e
manifestações, a ocupação dos espaços da reitoria e desencadearam uma série
de desgastes e de dificuldades em seguir os processos iniciados, por vezes, os
desconsiderando.

Os atuais dirigentes reorganizaram a metodologia de trabalho, criaram uma


nova agenda de atividades, e de imediato apresentaram aos campi uma minuta
de resolução de curricularização de extensão, para que fosse estudada
localmente e submetidas contribuições.

Se de um lado os diálogos com coordenadores de cursos e docentes


demostravam uma insegurança e um desconhecimento sobre a temática inserção
da extensão no currículo, o que impedia na elaboração de propostas para atender
ao solicitado, de outro estava evidente que não teve a devida socialização do
material elaborado em momento anterior.

Na falta de um conjunto de discussões que permitissem contribuir


significativamente para a construção de uma regulamentação própria da UFFS,
através de um processo participativo e democrático, fundamentado na
interlocução das propostas dos diversos segmentos que fazem parte da
comunidade acadêmica, a comissão local assumiu a responsabilidade de
mesmo diante da pandemia de COVID-19, promover debates virtuais sobre a
extensão universitária e sua inserção no currículo.

Neste sentido, a promoção de ciclos de debates, denominado Extensão


em Pauta, objetivou configurar um elemento formativo importante ao possibilitar
discussões que aprofundassem o conhecimento sobre as questões que
envolvem o processo de curricularização da extensão, dando voz aos diferentes
setores da instituição, tanto em termos normativos e organizacionais quanto
através de diálogos com as experiências consolidadas em outras instituições.

Tratar especificamente da inserção da extensão nos currículos dos cursos


11
de graduação, tem assumido um papel relevante, principalmente pelo caráter
recente de tal proposta, mas também, pelo tímido envolvimento que a
universidade de um modo geral possui com a própria extensão.

Segundo Carbonari e Pereira (2007), a implementação da extensão, tanto


nas instituições como nos cursos é fruto da orientação normativa da política para
o ensino superior e não da maturidade da instituição quanto ao cumprimento de
suas funções sociais.

A extensão garantida nos dispositivos legais, faz parte, assim como o


ensino e a pesquisa do tripé onde se apoia a universidade. Contudo é a que mais
tardiamente foi incorporada, e ainda em muitos casos, é quase que inexistente.
(DEUS, 2017; GADOTTI, 2017). Uma das razões, pode ser, a importância
atribuída ao conhecimento como vinculado apenas ao ensino e a pesquisa.

Nesse sentido importante lembrar da análise de Pedro Demo (2001). O


estudioso discorre que, uma ação extensionista, não pode se restringir a mera
transmissão de informações técnicas. Mais do que isso, necessita estar em
constante processo de troca de saberes, em que a Universidade passa a ser o
espaço de pluralidade de discussões, tendo por base o trabalho coletivo capaz de
possibilitar a livre criação, relacionando ensino, pesquisa e extensão, a partir do
elo do compromisso social.

A troca de saberes é momento ímpar para visualizar o relevante papel da


extensão universitária, e reforça o próprio conceito de indissociabilidade, ao
evidenciar que o conhecimento é fruto de um tripé constituído pelo ensino, pela
pesquisa e pela extensão.

Nessa perspectiva, quando nos reportamos a um currículo na formação de


um acadêmico, de imediato, pensamos numa educação que integre, integral. E
dessa condição se depreende que o currículo não é a soma de um conjunto de
disciplinas. Ele é a evidência de um projeto de curso integrado, construído político-
pedagogicamente, e, comprometido com o ensino que se propõe a nortear.

Pensar no currículo exige, então a superação da fragmentação de ações e


saberes. Concretizar um currículo que integre ensino, pesquisa e extensão exige,
por sua vez, que a extensão, que busca compor esse novo currículo, não seja
entendida isolada, ou como um apêndice.
12
Assim, evidencia-se a necessidade de pensar com quais instrumentais
poderemos implementar a inserção da extensão nos currículos. Segundo Gadotti
(2017), a clareza dessa construção perpassa pela definição de quais ações de
Extensão Universitária serão consideradas para fins de creditação curricular, e no
modo de cadastro de uma ação de extensão.

Isso, porque, as universidades possuem instâncias administrativas que


darão fluxo às decisões, e que perpassam um conjunto de etapas, como por
exemplo: aprovar as ações de extensão, criar programas de bolsa para alunos,
prever formas de financiamento da extensão, definir as formas de participação do
aluno nas ações de extensão e normatizar o aproveitamento curricular do aluno
pela participação em projetos. Ainda será necessário estabelecer critérios para a
participação do docente nas ações de extensão, as formas de participação da
comunidade externa no processo decisório da extensão, as formas de
participação de docentes nas ações de extensão, as formas de participação do
corpo técnico-administrativos nas ações de extensão etc.

A presença da extensão nas universidades encontra relação com os


questionamentos em torno de que universidade ou de que formação queremos
construir. Nesse sentido, a relevância social indicada no teor da proposta do PNE,
exige que esse aspecto também seja discutido e problematizado, de modo a
captar e contribuir com distintas realidades e contextos.

EXTENSÃO EM PAUTA

A busca pelo caminho para a concretização da curricularização levou a


elaboração de um ciclo de debates que permitisse conhecer as proposições
contidas nas Diretrizes para a Extensão no Ensino Superior, contrastando-as com
a realidade e com as necessidades da UFFS.

O formato proposto permitiu envolver a participação dos diversos


segmentos que integram a comunidade universitária no debate sobre a
construção das diretrizes institucionais para inserção da extensão nos
currículos, bem como aprofundar o pensar sobre abordagens possíveis,
conhecendo experiências internas e também de outras instituições em relação ao
processo de curricularização da extensão.
13
Cabe destacar que o propósito da referida meta do PNE é basicamente
melhorar a vinculação dos estudantes com o ensino superior. Diante das
contingências e como se organizam os cursos de graduação no Brasil e, mais
precisamente, na UFFS, é notório que implantar 10% de extensão nos currículos
dos cursos de graduação será uma mudança paradigmática que impactará na
organização curricular e nos processos convencionais de ensino e aprendizagem,
agregando habilidades de interação e organização de trabalhos em equipe
(especialmente multidisciplinares), capacidade de escuta e comunicação frente a
públicos diversos.

Tal processo é complexo e necessita que os diferentes segmentos que


integram a comunidade universitária, tenham garantido os espaços de
participação, de momentos formativos que envolvam estudos, partilhas e
socialização de experiências que foram se consolidando.

O Extensão em Pauta apresentou-se, nesse contexto, como um momento


ímpar, pois, no ambiente virtual reuniu professores e acadêmicos, experientes ou
novatos, debatendo as experiências individuais ou coletivas dos extensionistas
em áreas. Aliado a isso permitiu conhecer como outras instituições criaram suas
propostas e como tem buscado operacionalizá-las.

A literatura selecionada para estudar a temática encontrou consonância


com as escutas que a comissão local realizou, em diversas instâncias, bem como
durante o ciclo de debates. Dessa síntese, destacamos:

- o estudo necessita ser alicerçado por uma metodologia que permita


discutir e compreender como a extensão ao ser curricularizada poderá
protagonizar a construção de conhecimento significativo à formação do
acadêmico;

- a inserção da extensão precisa receber a atenção de uma política


institucional, tamanha a envergadura do alcance e do impacto das decisões
(concepções, estrutural, financeiro, de relações com a sociedade, dentre outros);

- como uma política, passa a exigir da instituição prioridade, tanto nos


trâmites, como na mobilização para as condições de operacionalização;

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- a regulamentação deverá prever orçamento para a realização das
atividades extensionistas, assegurando como, por exemplo, recursos para
deslocamento de discentes e servidores;

- a criação de uma política institucional de extensão, a partir da qual


deverão ser propostos os projetos e desenvolvimento de ações de extensão como
dimensão dos currículos nos cursos ofertados pela Universidade;

- o objetivo da proposta é a reformulação curricular dos cursos sem o


acréscimo de carga horária total, isso exigirá que a extensão seja contemplada
nas intenções contidas nos planos político-pedagógicos de cada curso, bem como
as questões teóricas, metodológicas e práticas nas grades curriculares dos
cursos;

- é importante identificar as instituições e organizações da comunidade


regional, com as quais possam ser viabilizadas parcerias, convênios ou similares,
para a efetivação de atividades acadêmicas de extensão;

- de igual modo é importante a consulta/opinião das instituições ou


organizações da comunidade externa que receberão/viabilizarão as atividades
de extensão;

- os novos formatos de realizar atividades de extensão requerem


concepções, ações, vínculos com metodologia apropriadas para o
estabelecimento de diálogos entre a universidade e a sociedade;

- as ações de extensão sejam realizadas sob a coordenação e orientação


de docentes, técnicos administrativos em educação e vinculem-se a projetos
institucionais, que acolham com demandas de políticas municipais, estaduais,
distrital e nacional;

- a elaboração de critérios para registro no sistema da universidade, deve


considerar as diversas necessidades e a pluralidade de matrizes curriculares
na Instituição e dos acadêmicos;

Assim, a inserção da extensão nos currículos é uma tarefa que exige


esforços coletivos, debate de ideias e proposições pois impactará em novos
movimentos internos e externos da e na universidade.

15
Conhecer as propostas já desenvolvidas em outras instituições, bem como
as ações extensionistas dos participantes ao mesmo tempo que foi um alento,
gerou um conjunto de preocupações, angústias, incertezas. em relação a tarefa
que a UFFS tem pela frente.

Enfim, ao discorrermos sobre a extensão no ensino superior e da inserção


no currículo, um conjunto de especificidades e possibilidades se apresentam, bem
a exigência de novos arranjos e vínculos entre ensino, pesquisa e extensão.

Que a Extensão seja de fato, a pauta!

REFERÊNCIAS
CARBONARI, Elisa Ehrhardt; PEREIRA, Adriana Camargo. A extensão
universitária no Brasil, do assistencialismo à sustentabilidade. Revista de
Educação da Anhanguera Educacional, v. 10, n. 10, p. 23-28, 2007.

DEMO, P. Lugar da Extensão. In: Faria DSd, editor. Construção Conceitual da


Extensão Universitária na América Latina. Brasília: UnB; 2001. p. 155.

DEUS, Sandra de Fátima Batista de. A valorização da Extensão Universitária


no Brasil. Entrevista concedida a Geraldo Ceni Coelho. Revista Brasileira de
Extensão Universitária, v. 8, n. 2, p. 121-124, 2017.

GADOTTI, Moacir. Extensão Universitária: para quê? FORPROEX. Anais...


Instituto Paulo Freire, 2017. Disponível em:
www.paulofreire.org/images/pdfs/Extensão_Universitária_Moacir
_Gadotti_fevereiro_2017.pdf. Acesso em: 29 dez. 2020.

GEREMIA, Daniela et al. O ensino, a pesquisa, a extensão e a cultura na


perspectiva de uma universidade popular: II Conferência de Ensino,
Pesquisa e Extensão (COEPE). UFFS, 2019, 190 p.

SOUSA, Ana Luiza Lima. A História da Extensão Universitária. 2. ed.


Campinas: Alínea, 2010.

TREVISOL, Joviles et al. Construindo agendas e definido rumos:


Documento Base da COEPE. UFFS, 2010, 63p.

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AS DIRETRIZES DA EXTENSÃO E AS DEMANDAS
PRÁXICAS E RECÍPROCAS ENTRE ENSINO-
PESQUISA-EXTENSÃO

Solange Todero Von Onçay3

INTRODUÇÃO

A
Extensão Universitária é um processo formativo de
granderelevância, que articulada à pesquisa e ao ensino,
consubstancia- se, podendo contribuir com uma proposta
identitária de universidade que dialoga com as reais necessidades
da sociedade, primando pela produção de uma ciência a serviço da vida, como
também comprometida com uma formação profissional humana e emancipatória.

Fruto de mais de uma década de luta, a aprovação das Diretrizes para a


Extensão na Educação Superior Brasileira no Conselho Nacional de Educação
(Resolução Nº 7, de 18/12/2018/CNE), prospecta trazer um importante
reconhecimento a extensão universitária. Subjacente ao texto das diretrizes,
encontra-se uma conceituação alargada de currículo, de forma a contemplar a
indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, como também a creditação formal
desse processo nos currículos dos cursos de graduação, com orientação para
pós-graduação, contudo, não se restringindo somente a esse último aspecto.

A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus de Erechim/RS,


desenvolveu um ciclo de estudos para aprofundar o debate acerca da questão.
Deste processo gerou-se o presente ensaio, que tem o propósito de produzir
reflexões, diálogos e reiterar os princípios da indissociabilidade ensino-pesquisa-

3
Solange Todero Von Onçay: Doutora em Antropologia Social pela Universid Nacional da
Misiones (UNAM/AR), Mestre Educação/UPF. Membro do Grupo Educação Popular na
Universidade (GRUPEPU) e do Núcleo de Estudos Agrários, Urbanos e Sociais (NIPEAS/UFFS),
na linha de pesquisa Estado, Movimentos Sociais e Educação do Campo. E-mail:
solange.oncay@uffs.edu.br

17
extensão. Para isso, agrega uma concepção epistemológica de conhecimento
vinculada à prática social, que se nutre da relação dialética e práxica, havendo
necessariamente de constituir envolvimento com a comunidade. Entretanto, a
proposta requer uma tomada de posição institucional, mobilizando desde
referências identitárias até as definições que acarretam em reconduzir
orçamentos, tendo em vista que, como tudo em sua trajetória, se não bem
alicerçados às bases pedagógicas e decisões políticas, poderão favorecer a
configuração de diferentes perspectivas.

Na segunda parte do trabalho, de forma muito breve, procura-se trazer


presente um pouco da concomitância que foi constituindo as bases para
aprovação no CNE das Diretrizes. Ressalta-se a concepção presente junto ao
Fórum, para qual é necessário o protagonismo dos estudantes e o estreitamento
da relação com a comunidade, considerando suas prioridades sociais e
pressupondo a presença universitária a partir da valorização da cultura local.

Por fim, reitera-se que, se bem conduzidas, as orientações das diretrizes


poderiam diminuir a distância entre ensino-pesquisa-extensão, fortalecendo a
função social da universidade, sendo para isso necessário investir em uma ampla
movimentação pedagógica, que se fundamenta na dimensão práxica e seja
capaz de congregar, em especial, estudantes e comunidade externa, dois
segmentos diretamente implicados com a questão.

1. A INTERAÇÃO ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO, REITERADA NAS


DIRETRIZES

A extensão universitária ganha maioridade em termos de reconhecimento


legal e no processo educativo acadêmico a partir da aprovação constitucional
em 1988, na qual o artigo 207 estabelece: "As universidades gozam de
autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial,
e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão". Com a aprovação da Resolução Nº 7, de 18/12/ 2018/CNE que
estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira, o
artigo constitucional 207 ganha evidência e a extensão universitária toma vigor
no contexto universitário.
18
O artigo referido é citado logo no preâmbulo da Resolução Nº 7, e suscita
a autonomia institucional, como forma de dar viabilidade à efetivação do que
orienta a diretrizes. Destaca a autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial, como forma de ressaltar a necessidade de gerar
uma política institucional, havendo para tal, por meio da autonomia universitária
condições para potencializar as ações na sociedade, que passariam a ser
intensificadas, gerando vínculos práticos com a sociedade.

O processo que vem sendo chamado de curricularização é fruto da luta


de mais de uma década, protagonizada em especial pelo Fórum de Pró-Reitores
de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). Após um
longo trabalho de estruturação e avaliação, ganha relevância estabelecendo que
dez por cento (10%) do total da carga horária de extensão deve estar
integralizada nas matrizes curriculares para os cursos de graduação, havendo
recomendação aos cursos de pós-graduação.

A resolução aprovada, Cap. I "Do conceito e abrangência da extensão",


traz presente a perspectiva práxica e transformadora. Art. 1º: "A Extensão
Universitária é um processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e
político que promove a interação transformadora entre as Instituições de Ensino
Superior e outros setores da sociedade, em articulação permanente com o
ensino e a pesquisa" (Art.1º, BRASIL, 2018)

Esses fundamentos estão presentes no Fórum de Pró-reitores de


extensão das instituições públicas brasileiras ainda em 1987, quando afirmam
"[...] A Extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade
acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade da elaboração da
práxis de um conhecimento acadêmico" (GARRAFA, 1989, p. 109).

Na mesma perspectiva, a socióloga Marilena Chauí (2003), referindo-se,


sobretudo ao caráter identitário que deveria orientar as universidades públicas,
defende que uma verdadeira excelência universitária se dá quando mantivermos
um diálogo estreito e colaborativo entre a sociedade e as atividades afins, uma
vez que as reais necessidades da sociedade devam produzir o interesse pelo
desenvolver da ciência.

19
Outro pensamento, que não difere desse, é o do também sociólogo
Boaventura de Souza Santos (2011) quando afirma que a universidade deva
proporcionar um conhecimento que ajude superar o senso comum, ao produzir
reflexão e cientificidade sobre o mesmo. Para isso, destaca o necessário
princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, como parte
necessária no processo formativo dos estudantes. De nacionalidade portuguesa,
em momento anterior, Santos (2005) analisa a legitimidade, hegemonia e
monocultura do saber científico, propondo uma ecologia de saberes, que
defende, sobretudo, a construção de um saber contra-hegemônico que significa
não apenas levar os conhecimentos aos sujeitos, mas permitir a valorização de
conhecimentos invisibilizados e contra-hegemônicos.

A ecologia de saberes é, por assim dizer,uma forma de extensão ao


contrário, de fora da universidade para dentro da universidade. Consiste na
promoção de diálogos entre o saber científico ou humanístico, que a
universidade produz, e saberes leigos, populares, tradicionais, urbanos,
camponeses, provindos de culturas não ocidentais (indígenas, de origem
africana oriental, etc) que circulam na sociedade (SANTOS, 2005, p. 76).

Nesse paradigma, sabemos que temos muitos desafios, porém se


aprendermos que é a inserção na realidade que será capaz de produzir ações e
capacitação na perspectiva de gerar conhecimento a serviço da mesma, parte
significativa do processo já estará em andamento.

A esse conceito de conhecimento emancipador, Freire, no clássico livro


Comunicação ou Extensão traz fundamentos importantes à uma extensão
universitária que corrobora com a perspectiva em diálogo. Trata-se da extensão
concebida como comunicação. Afirma Freire que mais que transmitir
conhecimento, e o mesmo tornar-se invasão cultural de um mundo alheio, é
necessário reconhecer os problemas emergenciais da sociedade. Propõe aos
múltiplos saberes e às demandas sociais em sua pluralidade serem conectadas,
partilhando, na troca, saberes e vivências em interação com os sujeitos
envolvidos.

Tommasino (2018), professor da Universidad De La República


(UDELAR), que traz significativa contribuição à questão, destaca a necessidade

20
de elaboração de uma práxis para o conhecimento acadêmico. Aponta a
sistematização como ferramenta metodológica, articulando-a ao conceito de
“extensão crítica”. Para o autor:

La sistematización de experiencias es una práctica cada vez más


frecuente en las universidades y especificamente en processos que
tienen que ver con la vinculación con la sociedade. En efecto, tenemos
ejemplos de universidades que han generado processos amplios de
sistematización de prácticas extensionistas en los últimos tempos.
(MEDINA; TOMMASINO, 2018, p.16).

Assim, a extensão universitária poderá transforma-se em uma espécie de


investigação diagnóstica, com trânsito na comunidade, que ao retornar aos
docentes poderão estabelecer conexões ao aprendizado que, submetido à
reflexão teórica, terão esse conhecimento acrescido, podendo resultar numa
troca de saberes sistematizados, os quais integram saberes populares e
acadêmicos, podendo gerar compromisso com as causas sistematizadas no
caminho da dimensão práxis que fizemos referência.

Visando à participação interativa dos estudantes, sustenta-se


principalmente a importância de aprofundar a sistematização, às metodologias
participativas, no formato investigação/ação. O aprendizado obtido pela troca
entre o conhecimento acadêmico e conhecimento popular poderá gerar um
encontro fértil, precioso, produzindo sínteses entre os dois conhecimentos,
propiciando maior envolvimento dos estudantes, mas, sobretudo leitura de
mundo, pertença, compromisso com a profissão, sensibilidade e ética
profissional. A valorização do saber popular demonstrou caminhos possíveis
para a extensão-comunicação, a qual deveria deixar de ser um terceiro tripé da
universidade para ser um método fundamental para a realização do ensino e da
pesquisa.

Alguns autores defendem que a extensão universitária no Brasil tem uma


mudança de paradigma conceitual a partir das obras de Paulo Freire nos anos
1960:

21
[...] a extensão universitária constituiu suas mais significativas
referências e práticas, a partir da denúncia de Paulo Freire do conceito
de “extensão”, o que obrigou os que quiseram continuar a usar o termo
a uma radical reconceitualização, que incorporou o essencial da
perspectiva de Paulo Freire. (DE PAULA, 2013).

Freire, ao conceber a extensão como comunicação, reitera suaconcepção


de conhecimento, entendendo que o educando/a precisa ser parte na construção
do conhecimento, não se desassociando do conceito de aprendizado, que se dá
quando há, segundo o autor, “uma presença curiosa do sujeito em face do
mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma
busca constante, curiosa, inconclusa. Implica invenção e reinvenção” (FREIRE,
1992, p.6).

É nessa perspectiva que, acredita-se, se pode atribuir às atividades de


extensão maior sentido, e que as mesmas poderiam contribuir com o princípio
da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, atingindo relevância no
contexto universitário. Outrossim, possibilita a geração de conhecimento, no
caso, por meio da pesquisa, podendo avançar na perspectiva práxica.
Considera-se que a necessidade da extensão se dá, sobretudo, para que
possamos fazer pesquisa e fazer ensino, para a sociedade/comunidade, como
bem nos diz Brandão, “nenhuma ciência, assim como nenhum outro
conhecimento, tem o seu mais importante valor nela mesma: ciência. Nele
mesmo: conhecimento. Mas em algo além dela e para além dele.” (2018, p.22).

É também nessa perspectiva que se entende que as diretrizes vigoram


importantes aspectos formativos, atribuindo ao contexto e ao estudante um
importante protagonismo em sua formação. Possibilita-se o diálogo com o
contexto real, permite-se análise que engendre o real, numa relação que vai dos
conhecimentos teóricos às vivências práticas, uma dialética que se torna
exequível, num processo que capacitaria, tanto para atuação profissional e para
formação humana.

Todavia, é preciso constituir um dinamismo que articule os vínculos entre


ensino, pesquisa e extensão, revisando inclusive a estrutura institucional
tripartite, em seu fazer muitas vezes desassociado. Faz-se necessário construir
metodologias que aproximem as reais necessidades da sociedade às áreas do

22
conhecimento, às perspectivas profissionalizantes, o que consequentemente
poderia resultar na diminuição da evasão dos setores populares; um dos fatores
que motivou a aprovação da resolução.

Compreende-se que um processo teórico e metodológico que dialogue


com as reais necessidades da sociedade poderia resultar no enriquecimento da
experiência discente ao mesmo tempo em que ajudaria reafirmar perspectivas
profissionais, materializar compromissos éticos, solidariedade e pertença à
universidade, às áreas de conhecimento e ao curso escolhido. Esses aspectos
são preconizados na Constituição de 1988 e regulamentado no PNE 2001-2010,
quando atribui a participação do estudante nas atividades de extensão,
orientando para a flexibilização curricular, bem como na integralização de
créditos adquiridos nas atividades de extensão.

Acredita-se que dessa forma, eleva-se o conceito de “currículo” e permite-


se que as ações de extensão passam a fazer parte do percurso formativo dos
estudantes, integrando o currículo e princípios subjacentes nas diretrizes.

2. BREVE SITUAR HISTÓRICO DAS DIRETRIZES

A extensão firma-se no contexto universitário a partir da segunda metade


do século XIX, sendo que ao longo da história se configura de diferentes formas.
Em grande parte, teve como estratégia divulgar a instituição, constituindo-se de
forma assistencialista, difusionista de um conhecimento dominante. Paulo Freire
(1992), por meio da obra Comunicação e Extensão chama atenção a essa
perspectiva, atribuindo a postura como "invasão cultural". De outra forma, há
também outras perspectivas que se desenvolveram, como por exemplo, a ação
extensionista do movimento estudantil, explicitando a resistência de sujeitos
novos que iam conquistando o ensino superior. Entretanto, de modo geral, pode-
se considerar que essencialmente o caráter assumido foi difusionista, ou seja,
levar-se os conhecimentos da universidade para os demais setores da sociedade
de modo unidirecional.

Em termo de legislação, Nogueira (2005) aponta que somente em 1975


constituiu-se a primeira Política de Extensão sob a competência do MEC,
momento em que estabelece diretrizes extensionistas para as universidades a
23
partir do Plano de Trabalho de Extensão Universitária. Este plano torna-se um
marco, trazendo avanços nos seguintes aspectos: a) democratização/ampliação
do público, desenvolvendo ação extensionista para organizações, instituições e
populações de um modo geral (como vimos, o público até então era definido
mediante estratégia de difusão do conhecimento); b) estabelecimento da
interação ensino-pesquisa-extensão; c) relação dialógica universidade-
sociedade através de trocas entre o saber acadêmico e o saber popular; d)
ampliação de um rol de atividades de extensão: cursos, serviços, ampliação para
dimensão cultural, com atenção para devolutivas e comunicação dos resultados
de pesquisas; e) participação docente e discente no desenvolvimento das
atividades extensionistas.

A partir dos anos 1980, as discussões sobre a ação extensionista, bem


como as proposições de diretrizes e interlocução com o MEC, foram assumidas
pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas
– FORPROEX, o que pode ser considerado um passo importante que
democratizou as discussões. O Fórum resgata no debate da função social da
universidade, reafirmando os seguintes eixos: a) conciliação de objetivos
acadêmicos e comunitários; b) indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão
por meio do caráter interdisciplinar das práticas extensionista, na necessidade
de institucionalizar a extensão nas universidades e no próprio MEC; c)
reconhecimento do saber popular e a valorização da troca de saberes
universidade-sociedade; d) necessidade de financiamento estatal da ação
extensionista (NOGUEIRA, 2005).

Nota-se que o conceito estabelecido pelo Fórum alicerça o Programa de


Fomento à Extensão e a Política Nacional de Extensão Universitária e transforma
conceitos que até então prevaleciam. A partir de 1998, integra-se o Fórum
Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Universidades e Instituições de
Ensino Superior Comunitárias - FOREXT, alinhando referenciais para a
Extensão universitária e suas práticas entre as instituições de ensino superior de
natureza comunitária (FOREXT, 2013).

Contudo, para Botomé (1996), o aparente avanço verificado à LDB


(BRASIL, Lei 9.394, 1996) não consolidou o princípio da interação ensino-

24
pesquisa-extensão, o que se postulou foi uma extensão desvinculada da função
acadêmica, transformando a universidade, em muitos casos, em prestadora de
serviços de caráter assistencial, e até balcão de negócios, através de
consultorias técnicas.

Frente a este cenário, o Plano Nacional de Educação 2001-2010, por meio


das metas vinte e um e vinte e três buscou redefinir o conceito de extensão
universitária. Surge assim, integrando anseios do FORPROEX e FOREXT a
proposta de uma universalização através da obrigatoriedade de dez por cento
(10%) dos créditos curriculares exigidos para a graduação integralizados em
ações extensionistas (essa meta não se efetivou).

É nesse contexto que o documento síntese do Fórum Nacional de


Educação Superior (no Conselho Nacional de Educação, 2009) define a
Extensão como "promotora do desenvolvimento sustentável numa perspectiva
de universidade socialmente relevante.” (CNE, 2009).

Em sintonia com o referido Fórum, a Política Nacional de Extensão


(FORPROEX, 2012) estabeleceu como diretrizes: a interação dialógica, a
interdisciplinaridade e interprofissionalidade; a indissociabilidade ensino-
pesquisa-extensão; o impacto na formação do estudante; o impacto e
transformação social, tendo por pilares a sistematização do fazer extensionista
e sua universalização.

Por fim, o terceiro Plano Nacional de Educação (2014-2024) reitera,


ratifica a universalização da Extensão, mantendo os dez por cento de
obrigatoriedade curricular em áreas de pertinência social, exclusivamente. Com
essa base legal e apesar da resistência de algumas das Instituições do Ensino
Superior, em privadas, pela ação do Fórum, o Conselho Nacional de Educação
regulamentou a curricularização da extensão através da Resolução CNE/CES,
7/2018, publicada no Diário Oficial da União em 19 de dezembro, firmando a
obrigatoriedade do espaço da extensão no processo formativo universitário
brasileiro.

25
CONCLUSÃO

Entende-se que a aprovação das diretrizes poderá qualificar a extensão,


sobretudo ao reafirmar a inter-relação da instituição de ensino superior com
outros segmentos da sociedade, inserindo formalmente os estudantes em
atividades de extensão, por meio de projetos pedagógicos, devendo assegurar,
no mínimo, dez por cento do total da carga horária exigida para a integralização
de suas matrizes curriculares.

Assegurar a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão reafirma-se


uma concepção epistemológica de conhecimento, vinculado à prática social e
nutrindo-se da relação dialética e práxica. A essa perspectiva, tem-se a
metodologia participativa e a intenção formativa com claro viés de contribuir com
os contextos em interação, com propósito de construir ações e conhecimento
empoderadores e de potencializar ambas as partes, reconhecendo a alteridade
e as representações próprias de cada sujeito e de cada contexto. E isso é
também um aprendizado que não se dá senão no bojo da ação, reflexão, do
fazer-pensar a prática de forma dialética.

Nesse sentido, Freire é duro quando indaga o papel universitário da


extensão, que se coloca de outra forma, pretendendo "propagandiar" seus
preceitos, não permitindo aos sujeitos outro lugar que não de receptores, ou seja,
a pretensão de fazer do outro um “depósito de um conhecimento bancário” a ser
recebido mecanicamente, como algo “superior” (o técnico). Anuncia o educador,
o educando, o aprendizado, o conceito de conhecimento que, verdadeiramente
se dá, quando estão todos envolvidos em situações concretas.

Por isso, defende-se que a metodologia é mais que uma pauta de


instrução, é, sim, a capacidade de unificar prática e teoria, conceitos,
representação, capacidade de pensar a realidade em cada contexto e no seu
devir histórico. Assim, no âmbito da pesquisa, do ensino, da extensão, o princípio
da indissociabilidade torna-se a possibilidade metodológica, que por meio da
sistematização, poderá apontar caminhos práxicos, bem como a possibilidade
de articulação com outras instituições e com a sociedade.

26
Em relação à breve trajetória histórica traçada na segunda parte do texto,
pode-se dizer que, de modo geral, não assegura a indissociabilidade ensino-
pesquisa-extensão, contradições verificadas que não se enquadram ou noensino
ou na pesquisa, evidenciando as incoerências e lacunas da política de ensino
superior.

Por fim, propõem-se estabelecer elos de aprendizagem com as inúmeras


experiências de curricularização que assumem a perspectiva práxica de
produção de conhecimento, seja nas instituições superiores, nos processos
formativos emancipatórios, nas demandas já existentes juntos aos movimentos
sociais, tendo a sistematização na perspectiva da Educação Popular como uma
das ferramentas. Reitera-se que a universidade, que se prospecta pública e
popular, exerce sua função social na medida em que produz conhecimento,
sendo sensível e promovendo a produção da ciência que expressa um
movimento social e político existente na sociedade como um todo, sem o qual se
corre o risco de colocar-se à deriva das forças hegemônicas do poder dominante.

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esboço de idéias para pensar o trabalho do ambientalista e do educador
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27
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Cortez, 2005.

SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade no século XXI: para uma


reforma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez,
2011.

28
CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO: NOVAS
SUBJETIVIDADES À FORMAÇÃO ACADÊMICA

Jerônimo Sartori4

PALAVRAS INTRODUTÓRIAS

O momento atual impõe-nos o debate sobre “curricularização da


extensão”, o que implica na construção de um conceito, que
configure atividades acadêmicas de extensão articuladas às
atividades de ensino e pesquisa. Esse debate tem como base inicial o art. 207
da Constituição Federal (CF) de 1988, que trata do princípio da indissociabilidade
entre Ensino, Pesquisa e Extensão. Esse propósito constitucional ganha reforço
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – Lei nº 9394/96, art.
43, apontando que entre as finalidades da Educação Superior está a de difundir
as conquistas e os benefícios da produção cultural, científica e tecnológica. Na
sequência com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº
13.005/2014 está assegurada em sua meta 12.7 o mínimo de 10% (dez por
cento) do total de créditos da carga horária para a Graduação em Programas e
Projetos de Extensão Universitária, considerando as áreas de grande pertinência
social. Por fim, a orientação objetiva para a implementação da “curricularização
da extensão” vem através do Parecer CNE/CES nº 608/2018 e da Resolução
CNE/CES nº 07/2018, que tratam das Diretrizes para as Políticas de Extensão
da Educação Superior Brasileira.

Embasados nos dispositivos destacados, bem como na Resolução nº


04/2017 CONSUNI/CPPGEC, que trata das Políticas de Extensão e Cultura da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), colocamos em nossa pauta o
estudo da “minuta de resolução”, que definirá as diretrizes para a inserção das
atividades de Extensão e Cultura nas Matrizes Curriculares dos Cursos de

4
Doutor em Educação – PPGEdu/Faced/UFRGS. Professor da UFFS/Campus Erechim.Atuação
nas licenciaturas: Interdisciplinar em Educação do Campo: Ciências da Natureza e Pedagogia,
no PPGPE. E-mail: jetori55@yahoo.com.br.

29
Graduação e Pós-Graduação da UFFS. Especificamente, na UFFS/Campus
Erechim, o Diretor por meio da Portaria nº 01/CER/UFFS/2020 designou a
Comissão de Trabalho Local, dinamizada pela Coordenação Acadêmica do
Campus, com a finalidade de “proporcionar espaços de discussão e de
articulação para a elaboração da regulamentação institucional de inserção da
extensão nos currículos da UFFS”. A comissão, tendo o entendimento da
necessidade de aprofundar os estudos acerca da “curricularização da extensão”,
mobilizou os coordenadores de curso, para que estes mobilizassem seus
respectivos colegiados, para o estudo e possíveis sugestões à minuta enviada
ao campus pela PROGRAD.

Com o propósito de uma maior apropriação acerca da inserção da


extensão nos currículos dos cursos, a comissão local organizou um conjunto de
atividades de modo virtual, que contemplou o relato de algumas experiências
extensionistas de colegas da nossa instituição, bem como de colegas de
instituições que já estão em vias de implementação da extensão nos currículos
dos seus cursos (UNICENTRO, UDESC, UFRGS).

DAS NORMATIVAS LEGAIS ÀS PERSPECTIVAS POLÍTICO-PEDAGÓGICAS


DA CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO

Na condição de professor que esteve/está envolvido com algumas


práticas ligadas à extensão universitária, coloquei-me o desafio de contribuir com
o processo formativo implementado pelo projeto: Extensão em Pauta: Ciclo de
Webconferências - Curricularização da Extensão em Diálogo: Construindo uma
experiência da/na UFFS. As reflexões que desenvolvo nesta fala propõem-se a
dialogar com os aspectos legais e os aspectos político-pedagógicos que se
entrelaçam ao fato de curricularizar as atividades acadêmicas de extensão aos
processos formativos dos acadêmicos.

Minha fala pautou-se naquilo que ouvi das colegas da UNICENTRO


(Lucélia e Vânia) e da colega Vanderleia (Campus Passo Fundo) na tentativa de
fazer um cruzamento, considerando nossas inquietações e a ansiedade com o
processo de implementação da curricularização da extensão. Destaco que
procurei trazer para a reflexão em nossas reuniões da comissão o documento,

30
não simplesmente na visão legalista, mas, considerando, por exemplo, aquilo
que é exigência (Resolução CNE/CES nº 07/2018) e, como pode ser
implementado nos cursos numa perspectiva político-pedagógica.

Para falar da minha experiência em extensão, deveria considerar apenas


o tempo de atuação, porque a qualidade daquilo que realizei não me compete
avaliar, mas destaco que desde 1994 na Universidade de Passo Fundo (UPF)
tenho desenvolvido atividades de extensão. Mas, consiste em ações
extensionistas em que os estudantes nunca foram os protagonistas, atuando
como bolsistas, auxiliando nas logísticas dos espaços para as ações, dos
deslocamentos e dos registros formais das atividades para produzir os devidos
relatórios. Neste momento, ao olhar para a curricularização da extensão, os
estudantes deverão ser os protagonistas, porque a carga horária de 10% do total
de créditos será atribuída ao protagonismo deles.

Tenho procurado em nossas discussões, considerando que nos faltou


antes deste momento, mas que bom que estamos tendo esta oportunidade, pois,
necessitamos retomar os estudos sobre o que entendemos por currículo?52
Quais são as concepções que temos de extensão?63 Ao ler o Parecer CNE/CES
nº 608/2018, para preparar esta fala está muito presente que a extensão, ainda,
pode ser realizada em três dimensões: assistencialista; transformadora; e
produtora de bens e serviços, esta com vertente mercadológica. Penso não ser
a ideia mercadológica que deva perpassar a implementação da curricularização
da extensão nesta instituição, mas que seja a ideia de uma extensão com caráter
assistencialista para atender demandas sociais de comunidades afastadas, e
transformadora, no sentido de articular diferentes atores da sociedade. Também,
é indispensável deixar claro que não teremos a certeza de que todas as
atividades extensionistas mudarão a realidade, mas a intencionalidade deverá

5
Para Moreira e Candau (2007, p. 18): “currículo como as experiências escolares que se
desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a
construção das identidades de nossos/as estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto
de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas”.
6
Conforme o Prerecer CNE/CES nº 608/2018 (p. 09): a relação indissociabilidade entre extensão
e ensino, “[...] coloca o estudante como protagonista de sua formação técnica − processo de
obtenção de competências necessárias à atuação profissional e à formação cidadã,o qual lhe
permite se reconhecer como agente de garantia de direitos, deveres e transformaçãosocial”.

31
ser a de que nossas interações e intervenções, por meio da extensão, tenham
no horizonte a qualificação dos processos formativos que estamos
desenvolvendo nos diferentes cursos de nossa universidade.

Trago para a reflexão a questão: como é que a curricularização da


extensão poderá impactar nos processos de construção e de afirmação da
identidade dos profissionais formados nos bacharelados e nas licenciaturas de
nossa instituição? Desse modo, precisamos olhar para a curricularização, não
só pela etimologia da palavra currículo, mas como um acontecimento cognitivo
no processo formativo dos alunos. Tenho me pautado não somente pelo viés da
implantação, mesmo que nossa ansiedade seja como vamos implantar. Contudo,
é imprescindível pensar sobre uma base epistemológica, uma base teórico-
metodológica, bem como nos processos pedagógicos, que serão adotados para
fundamentar e implementar a curricularização da extensão na instituição. Nesse
alinhamento, quais são as condições objetivas que a instituição garantirá, para
que a curricularização da extensão ocorra efetivamente?

Tenho analisado, especialmente, a Resolução CNE/CES nº 07/2018,


mas, também, a Resolução Normativa nº 01/2020 da UFSC, a cartilha
Creditação da Extensão UFPR, esta nos traz uma série de perguntas que nos
ajudam a entender inclusive os aspectos trazidos nas falas das colegas (Vânia
e Lucélia) da UNICENTRO. Desse modo, precisamos aprofundar o debate em
nossa universidade, tendo especial cuidado com aquilo que vamos implementar,
embora só o processo dirá sobre os possíveis resultados, mas o processo
precisará ser acompanhado para proceder as revisões e readequações
necessárias. A Resolução CNE/CES nº 07/2018, é bastante clara ao enfatizar
que a extensão necessita dialogar com o ensino e com a pesquisa. A despeito
disso, considero importante, o que sugerem UNICENTRO e UFPR, que parte da
extensão possa estar vinculada aos Estágios Supervisionados e aos Trabalhos
de Final de Curso (TCCs), sem a sobreposição de carga horária, ou seja, seriam
ações paralelas ou decorrentes de tais processos, em que alguma situação
sugere ou demanda algum tipo de interação ou intervenção. Se tal demanda
ocorrer, a mesma deverá estar amarrada com algum programa ou projeto de
extensão institucionalizado. Isso indica que temos várias possibilidades de
realizar extensão, contudo, reforço a necessidade de condições objetivas para a
32
sua realização.

Ressalto que me preocupa, e muito, o fato de a Resolução CNE/CES nº


07/2018 referir que a instituição deve garantir estratégias de financiamento às
7
ações extensionistas 4. Todavia, sobre isso, na “minuta de resolução”
apresentada pela PROGRAD não há menção alguma, tampouco, ao olhar a
normativa da UFSC, a questão do financiamento, também, não aparece. Isso me
preocupa, sobremaneira, porque poderá acontecer que toda a responsabilidade
seja “jogada” ao professor e ao acadêmico, para que busquem dar conta da
carga horária para comprovar a creditação da extensão, de modo a integralizar
o currículo para graduar-se. Por sua vez, a UFPR, dentro de seus limites
orçamentários, na cartilha da curricularização da extensão, trata do
financiamento. No caso UFPR, conforme o documento, o aluno necessita buscar
vincular-se às ações de extensão para creditá-las e, desse modo, integralizar a
carga horária de 10% dos créditos do curso destinada à extensão.

Pelo fato de existirem múltiplas possibilidades para desenvolver ações de


extensão, é que precisamos nos debruçar sobre a questão, para decidir como
vamos organizar o formato da implementação da curricularização da extensão
na UFFS. Temos a possibilidade de uma disciplina como no caso da
UNICENTRO, o que permitirá que os estudantes se situem sobre as concepções
e as modalidades para desenvolver a extensão (programas, projetos, eventos,
entre outros). Em minha visão, penso que a disciplina faz-se necessária porque
o aluno, ao chegar na universidade, precisa ambientar-se à sua dinâmica, neste
caso, conhecer fundamentos da extensão, bem como as diferentes alternativas
que a instituição oferece para o seu envolvimento em atividades de extensão.
Nesse horizonte, precisamos debater com nossos pares, nos respectivos cursos,
porque teremos que mexer nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) para
garantir os 10% da carga horária à extensão. Teremos programas
interdisciplinares? Com que professores e com quais disciplinas as ações de
extensão serão vinculadas? As atividades extensionistas acontecerão por fase

7
Art. 13 – Para efeito do cumprimento do disposto no Plano Nacional de Educação (PNE), as
instituições devem incluir em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), os seguintes
termos, entre outros: [...] VI – a previsão e as estratégias de financiamento das atividades de
extensão.

33
do curso? Serão efetivadas por meio de programas, projetos pontuais, eventos,
oficinas, ações junto a projetos governamentais coordenados por professores da
instituição?

A própria Resolução CNE/CES nº 07/2018, também trata da modalidade


extensão como prestação de serviços, pessoalmente, penso que precisamos
tomar muito cuidado com essa possibilidade, para que não sejamos empurrados
a buscar o financiamento para as ações extensionistas, servindo de mão de obra
barata para atender demandas de organizações e instituições privadas, com
interesses muito particulares daqueles que, eventualmente, financiarão alguma
ação.

O diálogo é imanente e urgente pela complexidade da pauta, haja vista


que a curricularização atinge o total de acadêmicos da instituição, demandando
que tudo esteja bem explicito nos documentos que regem o funcionamento da
UFFS (PPI, PDI, PPCs). A complexidade está, também, na definição de carga
horária dentro da matriz curricular de cada curso, certamente, haverá alteração
e/ou redução de créditos de alguns CCRs, esta análise deve ser realizada por
dentro de cada curso, envolvendo os respectivos NDEs e colegiados. Todos os
professores estarão envolvidos? Isso cada curso definirá, talvez nem todos os
professores sejam “obrigados” a desenvolver ações extensionistas, mas,
obrigatoriamente a instituição terá que implementar a curricularização da
extensão. Também deverá fazer parte dos debates a realização das atividades
extensionistas no turno de funcionamento do curso, precisamos disciplinar como
isso ocorrerá nos cursos com os alunos que frequentam aulas no noturno, alunos
trabalhadores. Certamente, os debates fortalecerão as propostas dos cursos
para que estejam mais focados na dinâmica da realidade social, política,
econômica, cultural, no contexto local, sem esquecer das interrelações com os
aspectos do macro-contexto.

A curricularização pode potencializar os processos pedagógicos


aprimorando a cognição e os processos formativos dos estudantes, tendo em
vista a formação de profissionais capazes de desempenhar sua profissão dentro
de suas respectivas áreas de formação, com uma sólida formação humanística,
que desperte a sensibilidade ao entendimento dos diferentes contextos (ler os

34
contextos, conviver com as diferenças, ser tolerantes). Para produzir tais
conhecimentos, faz-se imprescindível a elaboração de um currículo mais
dinâmico, com propósito de produzir conhecimentos significativos e desenvolver
práticas educativas contextualizadas, não fragmentadas.

Reforço, novamente, a necessidade de construir mecanismos objetivos


para a viabilização da proposta que será elaborada, não adianta termos uma
proposta bem fundamenta e amarrada à proposta formativa de cada curso e
termos dificuldades para sua exiquibilidade. Por fim, entendo ser necessário
repensar a nossa organização dentro da instituição, é indispensável definir quem
coordenará as atividades extensionistas na universidade, no campus e nos
próprios cursos, imagino as dificuldades que emergirão em turmas com elevado
número de alunos. Então, para vivermos o processo precisamos nos organizar
para vivê-lo da melhor maneira possível, sem tantos “sofrimentos” em sua
implementação e execução; que possamos agir com uma relativa tranquilidade
para qualificar os processos formativos dos acadêmicos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O processo de implementação da curricularização da extensão demanda


uma racionalidade reflexiva que é construída por meio do diálogo com os sujeitos
e destes com as questões da realidade. Nessa visão, enquanto instituição, é
fundamental trabalhar de forma que a extensão tenha uma relação orgânica com
o currículo em cada curso. Ao falar de organicidade tenho o entendimento de
que ela se dá, tanto no sentido horizontal como no sentido vertical, de modo a
ter uma projeção articulada ao longo do curso; a projeção de que falo é no
sentido de que há conhecimentos que se articulam nas fases de cada curso
(horizontal) e há conhecimentos que necessitam desses para sua projeção
vertical na sequência de um dado.

Destaco, também, a necessidade de uma perspectiva interdisciplinar para


o planejamento e desenvolvimento de ações de extensão. À medida que os
sujeitos evoluem em seus processos formativos, o currículo se torna cada vez
mais complexo, pois, este toma a dimensão no formato de uma espiral que se
abre sempre mais, ao que denomino de complexidade do currículo. Enlaçado a

35
esse aspecto, reforço a necessidade do diagnóstico de cada realidade em que
se trabalhará. Todas as problemáticas devem ser trabalhadas contextualizadas,
para isso, é necessário produzir bons diagnósticos.

Destaco a importância da experiência da UNICENTRO e da prática de


extensão da colega Vanderleia, junto ao curso de Medicina Campus Passo
Fundo. Todavia, enfatizo que temos experiências em desenvolver ações de
extensão, mas não com todos os alunos, isto é, com alguns na condição de
bolsistas ou voluntários. Penso que raras foram as experiências em que os
alunos foram protagonistas e executores de ações extensionistas, mas agora é
um outro momento, a extensão ganha uma nova dinâmica, pelo menos é o que
propõem os documentos orientadores da curricularização da extensão, por isso,
precisamos fazer ela ganhar uma dinâmica própria na prática ao ser
implementada na instituição.

Há, ainda, um debate amplo e permeado de tensões que demandam


definições e tomada de decisões, tanto em nível institucional como por dentro
dos cursos. Estou reparando para a diretriz, mas preocupado com as condições
objetivas de financiamento, de logística, pois, penso que temos capacidade para
elaborar a proposta e inseri-la no PPC dos cursos. As condições para que a
extensão não seja apenas algo pro forma, ou que dê trabalho aos docentes e
aos alunos são determinantes, para tanto, é fundamental o apoio financeiro e
político-pedagógica da instituição.

Por fim, cabe dizer que a formação que almejamos deve ter no horizonte
o desenvolvimento de capacidades técnicas, científicas e, também, humanistas
para compreender as diferenças e para que os sujeitos sejam tolerantes, pois,
parece que o momento atual retira das pessoas a capacidade de ser sensível
aos aspectos humanistas da convivência e das boas relações interpessoais.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/constituicao1988.
Acesso em: 24 jul. 2020.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9,394/96.


Brasília, 1996.
36
BRASIL. Plano Nacional de Educação. Lei nº 13.005, de 25 de Junho de
2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 24 jul. 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer


CNE/CES nº 608 de 31 de outubro de 2018. Diretrizes para as Políticas de
Extensão da Educação Superior Brasileira. Disponível em:
https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/2651. Acesso em: 24 jul. 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.


Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Diretrizes para as Políticas de
Extensão da Educação Superior Brasileira. Disponível em:
www.portal.mec.gov.br/alias=104251-rces007-18. Acesso em: 24 jul. 2020.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Câmara de Graduação e


Câmara de Extensão. Resolução Normativa nº 01/2020/CGRAD/CEx, de 03
de março de 2020. Florianópolis, SC. 2020.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. PROEC e PROGRAD. Creditação


da Extensão UFPR: você sabe o que é? Disponível em:
www.proec.ufpr.br/Projetocreditacaodaextensao. Acesso em: 24 jul. 2020.

37
A CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO VAI IMPACTAR
A GRADUAÇÃO
Sandra de Deus8

“Nos devemos antever a universidade como um lugar central para a


luta revolucionária, um lugar onde podemos trabalhar para educar a
consciência crítica, onde podemos ter uma pedagogia da libertação”
(Bell Hooks, 2019, p 79)

O prazo que se esgota para o cumprimento do disposto no Plano


Nacional de Educação regulamentado pelas Diretrizes para a
Extensão na Educação Superior Brasileira9 nos obriga a
retomar algumas considerações importantes para as universidades públicas
brasileiras, quando se trata da extensão universitária diante da condição
socioeconômica do Brasil, das novas demandas fruto da pandemia do
coronavírus e da situação mundial. Estes pontos a serem considerados, se
assentam na indissociabilidade entre ensino/pesquisa e extensão, não só como
preceito constitucional10, mas também na política nacional de extensão
elaborada pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades
Públicas Brasileiras (FORPROEX)11, no papel central da extensão universitária
e nas estruturas de gestão das universidades. É imprescindível em todo o
percurso, que objetiva a implantação da curricularização e sua consolidação,
atentar para o quanto de conflito existe na interação universidade/sociedade e,
nunca descuidar do conceito da extensão sob o qual nos guiamos. É preciso ter
clareza de que a extensão fortalece a ação da universidade na sociedade e,

8
Professora de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pró-reitora de
Extensão desde setembro de 2008.
9
RESOLUÇÃO Nº 7, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2018 que estabelece as Diretrizes para a
Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº
13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação- PNE 2014-2024 e dá outras
providencias.
10
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.
11
Política Nacional de Extensão https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/2012-07-
13-Politica-Nacional-de-Extensao.pdf
38
associada a pesquisa, oferece suporte para atacar os grandes problemas
nacionais como a falta de saneamento básico, luta por moradia, crise do sistema
de saúde e alimentos saudáveis, organização social, ampliação dos debates
visando o exercício pleno da cidadania e formação integral dos estudantes.

Para os gestores da extensão universitária, o primeiro dilema que se


coloca é como cumprir na essência a política nacional de extensão dentro de
gestões universitárias engessadas e a falta de financiamento para educação em
um País cada vez mais carente da presença das universidades como
contribuintes nos processos de transformação e preservação da cidadania e da
democracia. A política nacional de extensão aponta que

nunca é demais lembrar que a mera produção de conhecimento, por si


só, não leva ao desenvolvimento sustentável e ético. Se o
desenvolvimento econômico pode, eventualmente, ser promovido com
boas teorias, tecnologias inovadoras e profissionais competentes, o
desenvolvimento sustentável e humano requer mais que isso.
Tecnologias, técnicas e teorias não são neutras. Por exemplo, as
tecnologias e técnicas utilizadas na construção de moradias, no
saneamento básico, no transporte urbano podem favorecer
determinados grupos sociais em detrimento de outros; as teorias que
orientam o desenho das políticas sociais são quase sempre
ideologicamente enviesadas, e a escolha de um desenho ou outro
envolve valores imponderáveis, não redutíveis a cálculos precisos.
(FORPROEX, 2012 p. 13)

A extensão universitária tem, por princípio, o pressuposto de que as


gestões das instituições estejam abertas ao diálogo, à experimentação e à
construção de novos cenários que nem sempre são favoráveis a plataforma que
elege dirigentes universitários. Entre os diversos entraves que dificultam aprática
extensionista e em decorrência a implementação da curricularização da
extensão se incluem o corporativismo docente (a minha disciplina é muito
importante para a formação do estudante que não terá uma formação completa
se não passar por mim), a incompreensão do que é extensão universitária (que
para alguns se confunde com a pura prestação de serviço e/ou assistência aos
desassistidos) e o percurso individual dos gestores específicos da extensão.

Ao se debruçar sobre a estrutura de gestão das universidades, calcada


nos departamentos acadêmicos e, em legislações com algumas décadas, que

39
entravam a efetiva realização da extensão como “um processo interdisciplinar,
educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora
entre Universidade e outros setores da sociedade.” (FORPROEX, 2012:15), em
toda a sua complexidade é prudente pensar na trajetória para se chegar até os
tempos recentes. Em meados dos anos 80, quando se iniciava a
redemocratização do País, também se criava o Fórum Nacional de Pró-Reitores
de Extensão, portanto, estávamos vivendo uma realidade extensionista que
alterava a vida acadêmica, mas não era reconhecida em muitas instituições.
Quando da elaboração da atual política nacional de extensão, amadurecida já a
presença institucional do FORPROEX, o cenário já era outro tanto no Brasil e
muito especialmente nas universidades com o início recente, naquele ano de
2012, das ações afirmativas. Havia um programa12 de financiamento, através de
edital das atividades extensionistas, aberto à participação de todas as
universidades públicas. Passados oito anos da publicação do documento13, é
importante considerar que, na extensão universitária o aprofundamento das
práticas, metodologias de trocas, formas de comunicação, sistematização de
experiências, planejamento conjunto, devolutivas e avaliação das atividades
estão em permanente debate e aperfeiçoamento, é este “fazer” da extensão que
pode colocar em crise ou inovar o próprio ensino de graduação e a pesquisa. A
indissociabilidade deve ser devidamente compreendida como calcada na efetiva
produção de conhecimento produzida na extensão universitária.

As estruturas de gestão administrativas das universidades que, por


razões regimentais e estatutárias, dificultam o acesso da representação da
sociedade, em conselhos e comissões se reflete na extensão universitária, que
estabelece por natureza a relação universidade/sociedade. A elevada carga
horária dos estudantes com disciplinas executadas em salas de aulas teóricas
reduz a possibilidade dos acadêmicos realizarem experiências para além do
restrito espaço, dificulta o contato com a realidade e a troca de aprendizado com
as diferentes realidades. A extensão é inter e transdisciplinar exigindo um diálogo

12
Proext. Criado em 2003 o Programa de Extensão Universitária tinha o objetivo de apoiar as
instituições públicas de ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de
extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas.
13
Política Nacional de Extensão documento do FORPROEX aprovado e publicado em 2012.
40
aberto e aceitando impasses normais que acontecem ao longo dos processos. A
apresentação de determinado estudo, práticas e modelos é bem menos rica e
duradoura do que o estudante se ver frente a frente com o conhecimento do
outro, com as experiências de vida e de sobrevivência.

No momento em que o governo brasileiro elege como inimigos principais


as universidades e o movimento social é urgente implementar a curricularização
da extensão que, para além de cumprir o determinado pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE), é uma resposta para qualificar o espaço acadêmico
colocando como exigência que todo o estudante universitário realize atividade
de extensão e desta forma estenda mais a presença da universidade na
sociedade. A demora em colocar em prática a decisão do CNE é justificada pela
dificuldade institucional de alterar currículos sem aumentar a carga horária- já
elevada- de cada curso de graduação. Mas é preciso considerar que esta
mudança não aponta para o aumento da carga horária e vai significar a mais
profunda reforma do ensino de graduação o que provoca setores que não estão
preparados e nem querem efetuar mudanças. AROCENA (2011, p.12) considera
que

Bien, pero: no debemos también cuestionarmos a nosotros, los que


reivindicamos el papel de la extensión, por no haber sido capaces de
convencer e mucho más gente de que la tarea vale la pena? Son sólo
las equivocaciones y miopias ajenas las causas de ello?

Pode ser um dos problemas que temos dentro das instituições, uma vez
que muitos docentes se voltam para a pesquisa e desconhecem a extensão
universitária porque ao ingressarem na carreira docente não lhes é apresentado
este olhar da universidade. Esta invisibilidade nem sempre é proposital. Gravita
entre o exaustivo trabalho extensionista, a dificuldade de interlocução, a falta de
financiamento, o esforço que vai para além da sala de aula exigindo muitas vezes
um confronto com realidades adversas é ainda mais difícil “encantar” o estudante
para as atividades extensionistas. AROCENA (2011, p. 13) admite que

hace falta mostrar que todas las atividades de enseñanza y creación


de conocimientos y cultura pueden, de manera bastante natural,
41
vincularse com atividades de extensión em si mismas valiosas y,
susceptibles de enriquecer tanto las modalidades educativas como las
agendas de investigación.

Na atualidade a extensão está institucionalizada nas universidades


compondo o eixo ensino/pesquisa/extensão como componente acadêmico
regulamentado. Significa que a presença efetiva dos estudantes e dos docentes
atuando em territórios não é uma novidade e nem deve ser entendida como
posição autoritária, porque nem todos os professores fazem extensão
universitária. Aqueles que estão voltados para atividades de extensão já têm a
dimensão do que vai ser colocado em prática com a implementação da
curricularização. A aposta de que a curricularização da extensão não vai dar
certo porque não existem nas universidades atividades de extensão suficientes
para atender a demanda do conjunto dos estudantes é frágil. Em maior ou menor
número todas as universidades públicas possuem registrado um número
significativo de programas e projetos de extensão.

O disposto na legislação prevê que, sem aumento da carga horária dos


cursos, dez por cento deste total deve ser realizado em extensão e como a
proposta é inovadora, é realmente uma reforma curricular que vai acontecer em
todas as universidades permitindo a ampliação das ações extensionistas de
forma muito bem justificada como ocorreu com o Práticas Urbanas Emergentes14
que ao dialogar com os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST) apresentou os objetivos do projeto, entre estes tirar os alunos da
universidade e fazê-los interagir com temas pouco recorrentes em sala de aula
tais como ocupações urbanas e os conflitos sobre desapropriação iminente além
de realizar vivências capazes de deixar contrapartidas nas comunidades como
o auxilio na construções de galpões, hortas comunitárias, etc. De acordo com
uma manifestação de AROCENA (2011, p.11)

concebimos a la extensión universitária como el conjunto de atividades


de colaboración entre actores universitários y no universitários, em
formas tales que todos los actores involucrados aportan sus

14
Práticas Urbanas Emergentes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (https://www.ufrgs.br/cidade-em-projeto-cplab/praticas-urbanas-
emergentes-1a-vivencia-horta-alegre/)
42
respectivos saberes y aprenden em um processo interactivo orientado
a la expensión de la cultura y a la utilización socialmente valiosa del
conocimiento com prioridade a los sectores más postergados.

Está comprovado pelos depoimentos dos estudantes que, ao entrarem


em contato com atividades de extensão, sua vida acadêmica e pessoal15 muda
porque se colocam diante de realidades sociais e profissionais que provocam
mudanças importantes. Mas, para que isto ocorra, é pré-condição uma
organização institucional e, uma aceitação docente, em condições de
compreender a extensão universitária como indissociável do ensino e da
pesquisa e fundamental como componente formativo. Para AROCENA (2011,
p.15)

De esa manera la formación de nuestros estudiantes tendrá uma mayor


conexión com la realidade que está más allá de las aulas,
vinculandolos com situaciones y sectores muy diveros. Ofrecerá
oportunidades de afianzar el compromisso ético com la mejora de la
calidad de vida de la gente, que em particular debemos assumir
quiennes hemos tenido el privilegio de aceder a la enseñanza superior
pública financiada por toda la sociedade.

Assim, é nosso dever manter a vigilância com o objetivo de alterar os


currículos e implementar a curricularização da extensão dentro dos prazos legais
estabelecidos mas, também, como forma de oferecer alternativas de formação
aos estudantes e respostas mais efetivas para a sociedade. Porém, estas
mudanças curriculares que vão ocorrer, a partir da inserção das atividades de
extensão nos currículos, devem ser compreendidas como inovações
pedagógicas e não apenas o cumprimento de um dispositivo legal o que pode
levar ao caos. Senão, vejamos, simplesmente obrigar estudantes a realizar
atividades assistenciais ou uma prestação de serviço sem ganho acadêmico é
ignorar todo o percurso teórico-metodológico e político construído pela extensão

15
Ver o título “A Extensão Universitária: sua contribuição para a formação acadêmica e pessoal
de estudante de graduação” publicado como capítulo do livro “princípios da Extensão
Universitária: contribuições para uma discussão necessária” ed. CRV pp 77-91, 2016. Texto foi
escrito em colaboração com o aluno José Francisco de Souza Santos da Silva, Bacharel em
Publicidade Propaganda (PUCRS-2006), Bacharel em Ciências Sociais (UFRGS-2011).

43
universitária ao longo de sua formalização latino-americana.

Em 2018, ao receber o título de Doutor Honoris Causa16 da Universidade


Federal do Rio Grande do Sul, o sociólogo e educador popular Oscar Jara
declarou que

A partir de Córdoba, em 1918, todas as universidades na América


Latina tiveram um novo paradigma de onde se colocar frente a uma
realidade que sempre é questionadora. Desde então, não podíamos
mais olhar apenas para o nosso próprio interior, mas sim compreender
que o sentido do fazer universitário só pode se realizar na resposta aos
desafios da sociedade à qual pertencemos.

O olhar mais alargado, a que se refere Oscar Jara, está presente nas mais
variadas atividades de extensão que relacionam
universidades/territórios/universidades em uma comunhão que preserva
identidades e diferenças permitindo o surgimento de novos conhecimentos com
questionamentos acadêmicos que respondam às demandas sociais.

Outro aspecto que exige reflexão é o desconhecimento sobre a extensão


universitária por parte de gestores. Evidente que o universo de atuação da
extensão é muito amplo o que muitas vezes, em grandes universidades, se torna
quase uma insanidade acompanhar todas as ações extensionistas que não estão
centralizadas, embora tenhamos em todas as instituições sistemas de registro
devidamente rigorosos, porque são realizadas por unidades acadêmicas e
campus distantes nos mais variados territórios. No entanto, o discurso pode
mudar e trazer a extensão para a centralidade acrescentando que, para além
das importantes pesquisas e da qualidade do ensino nossas universidades
possuem fortes vínculos com a sociedade sendo imprescindíveis para auxiliar na
saída para as crises, para compreender os movimentos de exercício da
cidadania, assessoria na geração de emprego e renda e cumprimento dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A universidade,
particularmente, através da extensão universitária não se apresenta como
instituição autorizada a solucionar os problemas sociais, cuja tarefa cabe ao

16 Oscar Jara fez o pronunciamento na sala dos Conselhos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
no dia 12 de setembro de 2018 quando recebeu o titulo de Doutor Honoris Causa
44
Estado, cumpre à universidade fortalecer e se nutrir da troca de saberes não só
para a oxigenação interna, mas, também para compartilhar conhecimentos
testados ao longo de sua trajetória.

REFERÊNCIAS
AROCENA, Rodrigo. Curricularización de la extensión: por qué, cuál,
como? In: AROCENA, Rodrigo e outros. Integralidad: tensiones y
perspectivas. Cuadernos de Extensión nº 1. Comisión Sectorial de Extensión y
Actividades em el Medio. Udelar. Montevideo, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Decreto nº 6.495, DE 30 DE JUNHO DE 2008. Institui o Programa


de Extensão Universitária - PROEXT. Diário oficial, 01 de julho de 2008.

BRASIL. Decreto nº 19.851 de 11 de abril de 1931.

BRASIL. Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Diretrizes e Bases da


Educação Nacional.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei nº


9.394 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Legislação Federal e Marginália, 1996.

BRASIL. LEI Nº 13.005, DE 25 DE JUNHO DE 2014. Aprova o Plano Nacional


de Educação - PNE e dá outras providências. Legislação Federal e
Marginália, 2014.

BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de


organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a
escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, de 28 de
novembro de 1968, p. 10369.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, de 23 de
dezembro de 1996, p. 27.833.

BRASIL. Lei nº 10.861, DE 14 DE ABRIL DE 2004. Institui o Sistema


Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e dá outras
providências. Diário Oficial da União,15 de abril de 2004.

BRASIL. Plano Nacional de Educação (PNE) - LEI Nº 13.005, DE 25 DE


JUNHO DE 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dáoutras
providências. Legislação Federal e Marginália, 2014.

45
BRASIL. Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 10.172 de 09 de janeiro
de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
Legislação Federal e Marginália, 2001.

DEUS, S. F. B.; IUCCI, C. . Caminhos da integração das universidades


brasileiras e latino-americanas. Revista de Extension Universitaria E+, v.
7, p. 98-103, 2017.

DEUS, S.F.B.; HENRIQUES, R. L. . A Universidade brasileira e sua


inserção social. In: Tommasino, H.; Castro, J.. (Org.). Los caminhos de
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EdUNLPam, 2017, v. 01, p. 77-91.

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Universitária. In: GONÇALVES, Nádia Gaiofatto; QUIMELLI, Giselle Sá.
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HOOKS, Bell. Erguer a voz: pensar como feminista negra. São Paulo:
Elefante, 2019

MELLO, Bruno Cesar Eufhrasio (org). Práticas Urbanas Emergentes:


extensão universitária. Gráfica UFRGS: Porto Alegre, 2019.

46
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA TRANSFORMADORA: UM
CAMINHO DIALÓGICO E SEM FRONTEIRAS

Valdecir José Zonin17

Wilson João Zonin18

Carina Dartora Zonin19

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A
s definições, relacionadas ao termo extensão universitária, vêm
sendo construídas e consolidando uma missão das instituições de
ensino superior no Brasil, à medida que avança o paradigma
extensionista e os compromissos éticos para com a sociedade. As principais
deliberações, tentativas de conceituar e, ao mesmo tempo, institucionalizar as
políticas de extensão nas universidades brasileiras, teve como impulsionador
principal o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão, das Universidades
Públicas Brasileiras (FORPROEX), a exemplo do I Encontro Nacional de Pró-
Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Brasil, ocorrido em 1987,
em Brasília/DF.

Na década de 1980, com o fim da ditadura militar, o Brasil viveu um


período de florescimento dos debates sobre a função social da universidade
pública, com fortes críticas ao estilo tecnocrático de educação e de universidade,

17
Professor Adjunto na Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Programa de Pós-
Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental e Curso de Agronomia, Campus Erechim/RS.
Doutor em Agronegócios/UFRGS, Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas/UNISINOS,
Engenheiro Agrônomo/UFSM. valdecir.zonin@uffs.edu.br
18
Professor Associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável –
PPGDRS, ex-Pró-Reitor de Extensão da UNIOESTE. Doutor em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Rural/UFPR. wzonin@yahoo.com.br
19
Professora EBTT de Leitura e Produção Textual e de Literatura Brasileira, no Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS, Campus Erechim. Doutora em
Literatura Brasileira/UFRGS. carina.zonin@erechim.ifrs.edu.br
47
herdadas do acordo do Ministério da Educação (MEC) e da United States Agency
for International Development (USAID), da reforma universitária, de 1968, que
reduzia a extensão universitária ao antigo ‘Projeto Rondon’, associada às ações
realizadas pelos militares, na ocupação da Amazônia. As críticas realizadas
pelos educadores brasileiros, em especial Paulo Freire, contribuíram para pensar
uma nova institucionalidade para a Universidade e para a Extensão.

Assim, uma nova concepção de universidade e extensão universitária


emergiu a partir da constituição brasileira de 1988, sob o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, definidos no Art. 207 da
Constituição, que foi complementada, em 1996, com a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a qual destacou também que a
nossa educação deve ser inspirada nos princípios de liberdade, de solidariedade
humana, com a finalidade de formar profissionais qualificados para o trabalho e
para o exercício da cidadania. Desta forma, a extensão universitária foi
concebida como “um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e
político, que promove a interação transformadora entre Universidade e outros
setores da sociedade” (FORPROEX, 2012, p. 15).

A extensão é considerada como uma via de mão dupla, cujo trânsito entre
a comunidade acadêmica, local e regional, fica assegurado e, como
consequência, a construção oportuna da prática do conhecimento acadêmico. E
no retorno à Universidade, docentes e discentes trazem um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento (FORPROEX,
1987).

Esta construção, social e coletiva, de um arcabouço, mais conceitual,


vinculado às definições do tema e protagonizado pelas universidades públicas
brasileiras (sob a governança das Pró-Reitorias de Extensão, em especial), veio
dando formato à institucionalidade da matriz extensionista universitária no país,
por meio da Resolução nº 7, da Câmara de Educação Superior e do Conselho
Nacional de Educação, órgãos do Ministério de Educação, publicada em
dezembro de 2018 (BRASIL, 2018).

Nesse segmento, das Universidades Públicas e das práticas de extensão


universitária, encontram-se também os Institutos Federais de Educação, como

48
espaços engajados e comprometidos com projetos extensionistas. É válido citar,
para o âmbito teórico desse estudo, a Cartilha da Pró-Reitoria de Extensão do
IFRS (2019), em que as ações de extensão, consideradas como espaço
privilegiado de produção e disseminação do conhecimento, devem contribuir
para a formação cidadã e para a superação das desigualdades sociais. O
desenvolvimento socioeconômico, ambiental e cultural sustentável, local e
regional estão também entre os propósitos dessa modalidade de estudo, isso
através da democratização do conhecimento, no diálogo com a comunidade, na
identificação de seus problemas, dilemas e necessidades. Essas pontes
estabelecem interfaces entre o saber científico e as vivências pragmáticas, de
forma que uma ilumina a outra e vice-versa: a ciência teoriza a prática e essa
pragmatiza a ciência.

Dentro das atribuições do ‘marco legal’ de 2018, estão as Diretrizes para


a Extensão na Educação Superior Brasileira, atividade que deve integrar a matriz
curricular e a organização da pesquisa como um todo. Entretanto, para sua
efetivação, nos mais diversos sistemas de ensino e pesquisa, importa
perguntarmos: quais são os desafios para a implementação pragmática da
extensão na matriz curricular? Quais são os recursos a serem alocados nas
Instituições Federais de Ensino Superior (IFE’s), visando a sua implementação,
na forma da resolução? Qual o papel da comunidade regional para a sua
efetivação e o destino das ações? Como a extensão pode ser a porta voz e a
promotora de um novo desenvolvimento, mais justo, mais sustentável, mais
solidário e com mais liberdades?

Souza Santos (2008) destacou que a Universidade do século XXI precisa


ter uma centralidade na Extensão, promotora de uma coesão social, capaz de
aprofundar a democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação
ambiental, apresentando-se, desta forma, como alternativa ao capitalismo
global.

Esses são alguns dos propósitos que alimentam e problematizam nosso


artigo, muito embora possam transparecer utópicos ou até inexequíveis, busca-
se dialogar sobre os desafios à sua implementação plena e com caráter
transformador das realidades, tanto para a sociedade quanto para a academia.

49
Assim, a seguir apresenta-se uma revisão sobre a temática, buscando
integrar recortes jurídicos e sociológicos, estabelecendo análise crítica
relacionada à institucionalização da extensão e aos temas do desenvolvimento
socioeconômico das regiões, às oportunidades presentes e, incorporando aos
resultados, destaca-se um projeto de pesquisa, ensino e extensão, desenvolvido
na UFFS, na forma de case de extensão universitária, seguido das
considerações finais.

2. METODOLOGIA

Este trabalho está ancorado em uma perspectiva dialógica, construída a


partir de uma discussão e apresentação de diretrizes e políticas nacionais da
extensão universitária, vinculadas ao Fórum Nacional dos Pró-Reitores de
Extensão (FORPROEX), das Universidades Públicas Brasileiras e dos Institutos
Federais de Educação, e à luz de algumas teorias correlacionadas à temática da
extensão, como é o caso do desenvolvimento sustentável, da
interdisciplinaridade e da autonomia.

Enquanto processo educativo, a extensão universitária precisa estar


sintonizada com as demandas sociais, as necessidades das comunidades e, de
acordo com Freire (1979), deve ser praticada através do diálogo entre sujeitos,
visando a construção de uma sociedade mais justa, menos desigual, inclusiva e
autônoma. Em sua Pedagogia da autonomia, Freire (1996) destaca que a
educação autêntica é o caminho para a justiça e a paz, aponta, também, a ética
crítica, a competência científica, a amorosidade autêntica, o engajamento político
libertador, a esperança do verbo esperançar, a humildade ao ensinar-
aprendendo, ao bem-querer pelo ser humano, generosidade, comprometimento,
entendendo que educar é uma forma de intervir no mundo.

Entretanto, com o propósito de colaborar com este debate atual e, ao


mesmo tempo permanente nas universidades e instituições de ensino superior
no Brasil, além das abordagens teóricas e dados secundários, o artigo apresenta
um case de aplicação prática de extensão universitária, desenvolvido entre os
anos de 2015 a 2019, na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), mais
especificamente no Campus de Chapecó/SC, por meio do projeto de Pesquisa,
50
Ensino e Extensão, denominado Fortalecimento da Juventude Rural no Oeste de
Santa Catarina20, devidamente institucionalizado na universidade, o qual contou
com o apoio financeiro do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).

O projeto foi coordenado por um grupo de docentes/pesquisadores e


contou com a seleção e participação de 50 jovens (bolsistas), filhos(as) de
agricultores(as) familiares do Oeste de SC, subdivididos entre estudantes de
nível superior e ensino médio (completo e incompleto). O foco principal do projeto
foi produzir formação coletiva, a fim de gerar a compreensão necessária para
acessar mercados institucionais na região Oeste de SC e a inclusão destes
jovens e suas famílias nestes mercados, a exemplo do Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE).

Neste sentido, além do debate que cerca as diretrizes da extensão


universitária brasileira e da resolução, que busca normatizar o seu
funcionamento e institucionalizar a extensão no ensino superior, apresenta-se
um case sintético, relacionado ao projeto de pesquisa, ensino e extensão
mencionado, abordando-se, especialmente, as três principais etapas e a cara da
extensão adotada, visando ampliar a análise sobre a juventude e a sucessão
rural como um todo.

3. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA BRASILEIRA


SOB A PERSPECTIVA DO FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE
EXTENSÃO E DA RESOLUÇÃO Nº 7/2018

A possibilidade de ocorrer uma integração transformadora, entre


universidade/instituto e sociedade, nasce do fluxo que se estabelece entre os
atores e pela troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, tendo como
consequência: i) a produção de conhecimento; ii) o confronto de realidades
(locais, regionais, etc.); iii) a democratização do conhecimento acadêmico e; iv)

20
Esse projeto de extensão universitária, sob Coordenação-Geral do professor Valdecir José
Zonin, é incluído, neste estudo, pelo fato de ser considerado representativo dos pressupostos
teóricos abordados para o âmbito da extensão, vindo a compor princípios fundamentais da
prática extensionista, como o diálogo, a interdisciplinaridade e a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.
51
a participação efetiva da comunidade, na atuação de universidades/institutos
(FORPROEX, 1987).

Segundo o artigo 4º, da resolução nº 7/2018, as atividades de extensão


deverão compor no mínimo 10% (dez por cento) do total da carga horária
curricular estudantil dos cursos de graduação, devendo fazer parte da matriz
curricular dos cursos. Entretanto, cabe-nos incorporar o espírito expresso na
forma da lei (parcialmente impositivo) ou, por meio do convencimento da
capacidade transformadora da extensão, integrando ações extensionistas aos
temas de ensino e pesquisa, como um processo de construção do conhecimento.

Para essa dimensão formativa, é relevante observar a interação dialógica


como fio condutor, capaz de constituir a relação entre a instituição e a sociedade,
construída através da troca de saberes e da superação da hegemonia
acadêmica, restritiva, ao se considerar autossuficiente, e distanciada, ao negar
as vivências sociais, primordiais às práticas extensionistas, a exemplo das
orientações registradas na Cartilha da Pró-Reitoria de Extensão do IFRS (2019).

Muito embora venham se fortalecendo esses conceitos, o tema da


extensão universitária, levado a efeito em Universidades e Institutos, deve ser
considerado como desafiador, pois, de um lado, vem sendo estabelecido no país,
a partir de uma matriz pedagógica indefinida e incerta, de cima para baixo, em
função da ‘força da resolução’ e, por outro lado, com recursos orçamentários
incertos para a viabilidade de sua execução na matriz curricular dos cursos.

Mesmo assim, à medida que o processo da institucionalização da


extensão avança, as universidades e os institutos têm, em suas mãos, o desafio
de transformar suas práticas acadêmicas, através de metodologias inter e
transdisciplinares e da sistemática de interação dialógica entre
Universidade/Instituto e a sociedade, firmando-se, assim, a centralidade da
extensão universitária. Segundo o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão,
sem as ações extensionistas, há o risco de repetição dos padrões conservadores
e elitistas tradicionais, reiterando a endogenia, abrindo-se, cada vez mais,
espaços para a mera mercantilização das atividades acadêmicas, o que por certo
impedirá o desenvolvimento e o cumprimento da missão da Universidade Pública
(FORPROEX, 2012).

52
Neste âmbito, importa reconhecer o papel da Universidade Pública e dos
Institutos Federais, no enfrentamento das crises contemporâneas, não
superestimando nem subestimando as suas capacidades, mas, sim, sobretudo,
percebendo o fortalecimento dos mesmos como parte ativa e positiva de um
processo maior de mudança (FORPROEX, 2012). “É entendendo a realidade
social dentro de sua complexidade, que a Extensão pode desenvolver suas
ações nas comunidades, setores e grupos sociais com os quais se relaciona”
(CARTILHA..., 2019, p. 06).

Nessa ótica, considera-se chave, à luz da aplicação de conhecimento e o


exercício da extensão em si, a articulação permanente com o ensino e a
pesquisa. Para tal, se requer interações dialógicas entre a sociedade e a
comunidade acadêmica (e vice-versa), através da troca de conhecimentos,
estando presente e participando da vida social (território, região) e em contato
com as questões complexas contemporâneas, presentes no contexto social.

Por outro lado, quando os estudantes e docentes possibilitam ‘vivenciar


seus conhecimentos’, de forma interdisciplinar e integrada à matriz curricular, fica
desencadeado o processo de formação integral, cidadã, livre, dialógico21,
democrático, transformador, dentre outras transformações que compõem os
eixos da extensão universitária brasileira, demonstrados na figura 01. É, neste
âmbito, que universidades/institutos progridem para um processo pedagógico
único e holístico, ao mesmo tempo (interdisciplinar, político educacional, cultural,
científico e tecnológico), possibilitando produzir mudanças na própria instituição
superior e nos demais setores da sociedade (FORPROEX, 2012).

21
Dialógico é um termo conceitual, fundamentado por Mikhail Bakhtin (2012), que transita entre
os diversos ramos do conhecimento, especialmente, os da área do discurso. Sintetiza a
incorporação do diálogo, por meio de um sujeito coletivo, que envolve locutor e interlocutor,
através da palavra, permeada por discursos de outrem. Esse termo, também adotado por Freire
(2010), coloca-se como uma prática do existir, que trabalha para a transformação do homem e
para a sua libertação. Trazendo esse cruzamento teórico para o campo de estudo desse capítulo,
entende-se a prática extensionista, protagonizada por universidades e institutos federais, como
um espaço dialógico, através do qual se inscrevem uma multiplicidade de discursos e de vozes,
como indica Bakhtin, e que colaboram para a transformação social e humana que a educação
freiriana pretende.
53
Figura 01 – Eixos da institucionalização da Extensão Universitária no Brasil.

Fonte: Elaboração própria. Adaptação de FORPROEX, 2012.

Dos eixos da institucionalização da extensão universitária, no Brasil, é


importante considerar, de um modo geral: o caráter holístico e transformador,
pelo alcance das práticas de extensão, na vida acadêmica e profissional, dos
atores envolvidos; integrador e dialógico, pelo envolvimento com a palavra,
transformada em vivências; livre e democrático, pelo potencial inerente à prática,
promotora de subjetividades, por vezes, renegadas em bancos tradicionais de
educação; formação integral e cidadã, por estimular o envolvimento crítico e
reflexivo no decorrer das vivências práticas; reflexão ética, pedagógica, pelo
caráter das práticas educacionais de extensão, fortemente, alicerçadas por
princípios que se associam à integridade humana e a promovem. Enfim, uma
ciência pública do bem comum, em busca de um novo humanismo, com
centralidade na vida e na sustentabilidade, em sentido multidimensional (ZONIN
et al., 2020).

No conjunto das práticas de extensão, esses pontos compõem o fio


condutor, através do qual se retroalimentam as mesmas, tal como se poderá
verificar nas bases que fundamentam o case de extensão universitária, a ser
apresentado a seguir.

54
4. A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E O PROJETO FORTALECIMENTO DA
JUVENTUDE RURAL NO OESTE DE SANTA CATARINA

Na sequência, serão apresentadas três dimensões de um projeto de


pesquisa, ensino e extensão, intitulado Fortalecimento da Juventude Rural no
Oeste de Santa Catarina, buscando ressaltar as dinâmicas extensionistas, em
vários momentos de execução do projeto, em especial, nos módulos de
formação, nas oficinas regionais e nas rodadas de negociações.

4.1. OS MÓDULOS DE FORMAÇÃO COM A CARA DA EXTENSÃO

As ações desencadeadas buscaram, por meio de formação e


capacitação, promover oportunidades diversas e inclusivas, visando o
conhecimento sobre a construção e acesso aos mercados (ligados aos jovens
participantes do projeto e suas famílias). Os componentes formativos não foram
lineares (disciplinares), em relação aos conteúdos trabalhados, mas visaram
permear a formação político-pedagógica dos jovens envolvidos no projeto.

O projeto focou a formação e a capacitação, orientando para os temas da


gestão administrativa, do planejamento das atividades produtivas nas
propriedades, da agricultura familiar e de suas multidimensionalidades,
cooperativismo, metodologias participativas para o trabalho em equipe,
mercados e comercialização na agricultura familiar, entre outros temas.

Alternou-se a organização dos módulos, entre atividades teóricas e


práticas, com atividades que proporcionaram ensino/aprendizagem, pesquisa e
extensão, ao mesmo tempo. Esta última, por meio de oficinas regionais, rodadas
de negociações, visitas e viagens de campo, destacando-se experiências de
construções alternativas e sociais de mercado, nos municípios de Seara,
Concórdia, Piratuba e Joaçaba (SC) e, também, nos municípios de Erechim,
Viadutos e Tapejara (RS), conforme destaca o quadro 01.

55
Quadro 01 – Módulos do Projeto: Fortalecimento da Juventude Rural no Oeste
de SC.

Eventos Ação Pedagógica e Extensionista na Formação Temática


do Projeto

Módulo I Abertura oficial: apresentação do projeto, objetivos, metas, atividades de ensino,


pesquisa e extensão. Presença dos pais, familiares, comunidade acadêmica e
organizações regionais e nacionais.
Módulo II Temas: Agricultura Familiar e multidimensionalidades, juventude rural, pluriatividades,
desenvolvimento, sustentabilidade e agroecologia. Palestras e aulas, interagindo
com lideranças regionais.
Módulo III Tema: Comercialização dos produtos da Agricultura Familiar pelo PNAE e PAA.
Presença de atores que operavam chamadas (nutricionistas, secretários de
educação da região).
Módulo IV Tema: Processos de gestão administrativa, na perspectiva da economia cooperativa
e solidária: caminhos para um desenvolvimento coletivo. Participação e exposição
de Cooperativas.
Módulo V Tema: Organizações representativas da Agricultura Familiar e do Sindicalismo no
Brasil. Presença e exposição de organizações sindicais da região.
Módulo VI Tema: Gestão administrativa na Agricultura Familiar, em unidades agroindustriais,
Nova Economia Institucional (NEI) e estruturas dos mercados. (Teorias).
Módulo VII Tema: Gestão nas propriedades familiares, trocas de experiências produtivas,
comerciais e mercados alternativos. Aulas práticas e visitas in loco (cooperativas,
associações e agroindústrias familiares, em Erechim, Viadutos e Tapejara RS).
Módulo VIII Tema: Socialização de experiências, individuais e em grupo, sobre a participação nos
mercados institucionais e feiras livres. (Jovens apresentaram resultados de
diagnósticos e levantamentos de campo, construindo banco de dados do
projeto e debatendo resultados).
Módulo IX Tema: Capacitação para o uso de metodologias participativas para o trabalho em
equipe. Uso de ferramentas de visualização móvel e técnicas de moderação e
planejamento participativo. Realizado em Joaçaba/SC.
Módulo X Tema: Avaliação Geral das ações do projeto e Visitas Técnicas a experiências
exitosas: Visitas em Agroindústrias, em Seara e Concórdia SC, vinculadas a
estudantes do projeto.
Módulo XI Tema: Seminário com profissionais nutricionistas do Oeste de SC. Conhecer e
debater metodologias de organização de cardápios e alimentos nas chamadas
públicas, visando ampliar a participação da agricultura familiar nas compras
institucionais: seus limites, suas potencialidades.
Módulo XII Tema: Formatura e Seminário de Encerramento Parcial das Atividades Presenciais do
Projeto. Presença de familiares dos jovens, lideranças locais, regionais,
nacionais, reitoria e pró-reitorias, sindicatos, cooperativas e imprensa regional.

Fonte: Elaboração própria.

Essas atividades e temas, destacados no quadro 01 e desenvolvidos no


projeto, retratam, sobremaneira, a preocupação em integrar, de forma
interdisciplinar, os conteúdos teóricos com os práticos, a teoria dialogada com
56
quem executa as ações ‘a campo’ (na prática), potencializando os
conhecimentos empíricos e científicos a se expressarem, com igualdade de
condições e espontaneidade.

Este processo faz com que, em um sentido não único, “constituam-se


novas estruturas responsáveis por novas formas operatórias” (WERNECK, 2006,
p. 184), cujo conhecimento da realidade não se constitui em cópia plena de
outras realidades, mas a depender das interpretações pessoais, construindo
evoluções das formas iniciais de conhecimento para formas superiores.

Na visão de pensadores, como Thomas Kuhn (1998), é possível


transformar paradigmas em soluções pensadas, em algo inusitado, ao invés das
pesquisas, cuja busca de saberes desvelem verdades sem questionamento.
Para esse autor, as ciências são também, e consequentemente, construções
sociais e históricas, em seu tempo.

4.2. OFICINAS REGIONAIS

Estas foram outras ações extensionistas, desenvolvidas no decorrer do


projeto, por meio de cinco oficinas regionais, realizadas nos municípios de
Chapecó, Pinhalzinho, Formosa do Sul, São Domingos e Seara, no Estado de
SC. Objetivou-se fortalecer os processos organizativos dos jovens e suas
famílias, potencializando a ampliação da participação da agricultura familiar,
junto aos mercados institucionais locais (já existentes), em cada uma das
microrregiões de atuação dos jovens do projeto. Nestas oficinas, socializou-se
também experiências de gestão relacionadas ao Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE), pelos atores envolvidos (prefeituras municipais,
cooperativas, sindicatos, instituições e agricultores familiares participantes).

Tais oficinas proporcionaram aos jovens agricultores, participantes do


projeto, o contato e a troca de informações com os atores locais e
microrregionais, que operavam efetivamente tais programas institucionais,
servindo, desta forma, como espaço de sensibilização e motivação, para ampliar
a participação da produção familiar, neste mercado. Estas oficinas ainda
serviram como suporte para a preparação das rodadas de negociação
sequenciais, nas ações do projeto.
57
Participaram das oficinas representações das prefeituras municipais, de
cada área de abrangência (setor de compras, educação, agricultura,
administração, assistência social, nutricionistas), além da Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), das cooperativas
e dos sindicatos da Agricultura Familiar (AF), dos Conselhos de Alimentação
Escolar (CAE), dos Conselhos de Segurança Alimentar (CONSEA’s) locais, dos
Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), das instituições
filantrópicas, recebedoras de produtos, dos hospitais, das gerências regionais de
educação e da associação de municípios. Essas organizações são consideradas
essenciais para a promoção e o estímulo ao consumo de produtos mais
saudáveis, regionais e provenientes de uma agricultura e agroindustrialização
mais respeitosa e menos agressiva ao ambiente e à sociedade.

O caráter participativo e socializante, no processo organizativo dessas


oficinas, fez com que as organizações buscassem, por unanimidade, o aumento
da participação dos produtos da agricultura familiar, para além dos 30%, exigidos
no marco legal do PNAE (BRASIL, 2009). Ou seja, os municípios se
autossensibilizaram para o aumento nesta participação, mesmo que, para tal,
vários desafios, obstáculos e paradigmas precisassem ser superados.

Dentre eles, constatou-se que as prefeituras se sensibilizaram ao ponto


de beneficiar menos as relações de compra com os supermercados locais,
regionais (produtos mais processados) e mais com as cooperativas e com os
agricultores familiares, que organizam a produção. Logo, as chamadas públicas
(processo licitatório, organizado pelas prefeituras) podem oportunizar este
ambiente de troca de conhecimentos, em especial para a elaboração
participativa dos cardápios da alimentação escolar, ampliando a compreensão e
o enfoque nos produtos da agricultura familiar local.

Desse modo, no que tange a estes mercados localizados, potencializados


pelo PNAE (olhar objetivo do projeto destacado), ao invés de assimilá-los como
simples estruturas em que operam as forças de oferta e demanda que regem os
preços (a posterior), pode-se concebê-los como uma construção social e
interativa entre atores interessados (ABRAMOVAY, 2007).

58
Por esse viés, novos valores passam a compor as decisões de escolha
dos produtos, que não exclusivamente os preços, a oferta, a demanda,
possibilitando aos jovens e às suas famílias a construção social dos seus
próprios mercados, participando, assim, da construção efetiva das próprias
chamadas públicas.

Na sequência, apresenta-se a dinamização das rodadas de negociações


realizadas, os aprendizados e as experiências adquiridas.

4.3. RODADAS DE NEGOCIAÇÕES (RN)

As rodadas de negociações podem ser consideradas como uma


inovação, no que tange à gestão de projetos de pesquisa, ensino e extensão,
oportunizando aos jovens-bolsistas: a) experiências de aprendizagem em
negociações, vinculadas aos mercados institucionais, incentivando-os(as) a
participar como produtores(as) e mercadores(as) de seus produtos; b)
institucionalizar o diálogo entre os atores dos mercados institucionais locais,
obtendo o protagonismo dos(as) jovens, de forma conjunta com as entidades
representativas da AF; c) viabilizar canais para a efetivação de chamadas
públicas, de compra de alimentos da AF, e a inserção dos produtos produzidos
pelas famílias dos(as) jovens-bolsistas; d) promover/incentivar novos contratos
nos mercados institucionais, ampliando os valores contratados, diversificando o
portfólio de alimentos da AF, nos cardápios escolares, inserindo maior número
de agricultores familiares, nas chamadas públicas locais; e) liderar movimentos
solidários e cooperativos, em parceria com os Sindicatos e com as Cooperativas
da Agricultura Familiar.

Identificou-se a necessidade de alguns elementos antecedentes,


fundamentais para a consolidação da participação dos jovens bolsistas nas RN,
especialmente para operacionalizar tais participações (jovens e suas famílias),
no pós-rodada, via chamadas públicas de aquisição de alimentos (PNAE), sendo
eles: i) estar associados(as) a uma Cooperativa da AF; ii) ter Declaração de
Aptidão ao Pronaf (DAP), normal ou na modalidade jovem; iii) possuir a DAP
jovem, vinculada à DAP jurídica da Cooperativa da AF; e iv) contar com
diagnóstico prévio para verificar quais produtos, quantidades produzidas e em
59
que período (sazonalidade) os alimentos poderão estar disponíveis. Estes
elementos e diagnósticos importam para a elaboração de cronograma de
produção dos alimentos da AF, para que o caráter de elaboração da pauta da
alimentação escolar seja participativa e envolva a comunidade regional nesta
ação, visando, inclusive, o desenvolvimento rural local.

Toda essa relação, que envolve a aquisição da alimentação escolar,


necessita ser construída a partir de relações dialógicas e comunicativas, com o
conjunto dos(as) profissionais nutricionistas das prefeituras municipais, os(as)
quais têm o papel de planejamento do cardápio alimentar (local), cabendo a
esses(as) a recomendação dos produtos que irão compor as demandas das
chamadas públicas. Essas relações, na concepção de Freire (2010), colocam-
se como potenciais para a promoção da práxis, ação reflexiva, de modo que a
palavra se coloca como mediadora da transformação do mundo, tida como
elemento humanizador.

Logo, compreende-se que esta deva ser uma etapa, cujos municípios
podem realizar uma construção social e coletiva, com a presença dos(as)
gestores(as) e dos(as) agricultores(as), ao mesmo tempo, dinamizando a
produção de alimentos locais. Entretanto, a depender do entendimento de alguns
profissionais da área, bem como das administrações, prefeitos(as) e
secretários(as), isso pode ocorrer, por meio de protocolos, e trâmites
administrativos mais abertos e transparentes e as pautas de alimentação
construídas, socialmente, com participações dos diversos atores,
potencializando, ainda mais, o princípio da dialogicidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De um prisma mais geral, é possível considerar que o Fórum Nacional dos


Pró-Reitores de Extensão (FORPROEX) colaborou para com a definição e as
diretrizes gerais para uma política nacional de extensão universitária, no Brasil,
especialmente os fóruns de 1987 e 2010, os quais orientaram, tanto a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, na constituição brasileira,
quanto à necessidade da incorporação da extensão, na estrutura curricular e
pedagógica, no ensino superior, no país.

60
Muito embora existam orientações legais que determinem pela
necessidade do desenvolvimento da extensão universitária, em si, quase como
um caráter impositivo, sua aplicabilidade deveria partir da concepção de cada
pesquisador(a), pelo entendimento de sua importância, sua vitalidade e
capacidade transformadora, seu caráter dialógico, democrático, construtor de
aprendizagens entre sujeitos e de uma educação libertadora.

Em linhas gerais, retomando o fio condutor das reflexões teórico-práticas,


a partir das questões de pesquisa, considera-se a extensão universitária como
um conjunto de ações voltadas ao desenvolvimento social e cognitivo,
constituídas através da inter-relação entre sujeitos, que, por sua vez, se distancia
de uma prática, puramente, academicista. Por esse viés, através de uma
docência responsável e comprometida com o seu papel formativo, as ações de
extensão passam a figurar, na matriz curricular, de forma pragmática, com
alcance social. Os recursos, a serem investidos nos projetos extensionistas,
embora limitados, na maioria das vezes, deverão ser aplicados, sobretudo, em
ações de maior pertinência social, vindo a promover o protagonismo dos atores
envolvidos e a indissociabilidade com o ensino e a pesquisa. Comocontrapartida,
cabe à comunidade, local e regional, o acolhimento e a efetiva participação nas
ações, viabilizando o diálogo e cooperando através de respostas e/ou resultados,
a curto, médio e longo prazo, dependendo das metasimplementadas na ação.
Assim, considerando os pilares, através dos quais se estruturam as ações
extensionistas, a promoção de um novo desenvolvimento, mais justo, mais
sustentável, mais solidário e com mais liberdade, implicaconceber o âmbito das
ações, tanto nas Universidades, quantos nos Institutos Federais, como um
espaço de atuação inerente à prática docente, compreendidocomo um processo
educativo, interdisciplinar, indissociável e dialógico.

Por intermédio desses princípios, conclui-se que o projeto Fortalecimento


da Juventude Rural no Oeste de SC, constituiu-se em um importante laboratório
de extensão universitária, seja pela integração entre ensino, pesquisa e
extensão, seja pelo conjunto de atores que envolveu, seus aspectos inovadores,
na execução dos módulos de formação, oficinas regionais e rodadas de
negociação. Também criou condições dos jovens protagonizarem a construção
e a ampliação dos seus próprios mercados, denominados como institucionais,
61
alicerçados por meio de produção mais limpa, saudável, como possibilidades de
potencializar processos de sucessão rural e a promoção do desenvolvimento
rural sustentável.

Ainda, convém considerar que a capacitação de jovens, para a inclusão


nas políticas de comercialização da Agricultura Familiar, demonstrou ser uma
ação afirmativa, compartilhou experiências e conhecimentos, contribuiu na
organização da juventude rural catarinense, como um ator social e político,
protagonista das ações de desenvolvimento rural sustentável. Portanto,
envolver-se em ações de extensão, de forma orgânica, permanente e articulada,
perfaz o conjunto de competências fundamentais à prática docente.

REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Ricardo (coord.). Os mercados como construções sociais.
Jornal Valor Econômico. Ago. 2007. Disponível em:
http://ricardoabramovay.com/os-mercados-como-construcoes-sociais. Acesso
em: 10 nov. 2020.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e


Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2012.

BRASIL. Lei nº 11.947/2009. Institui o Programa Nacional de Alimentação


Escolar (PNAE), 2009. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm Acesso
em: 10 out. 2020.

BRASIL. Resolução nº 7/2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na


Educação Superior Brasileira, 2018. Disponível em:
https://www.in.gov.br/materia/-
/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/55877808 Acesso em 06 nov. 2020.

CARTILHA da Pró-Reitoria de Extensão do IFRS. 2019. Disponível em:


https://drive.google.com/file/d/13q95eFlq5F8Bn1lxGqlvo2sMJk-5dhZi/view
Acesso em: 10 nov. 2020.

FORPROEX. I Encontro de Pró-reitores de extensão das universidades


públicas brasileiras. 1987. Brasília. Disponível em:
http://www.renex.org.br/documentos/EncontroNacional/1987-I-Encontro
Nacional-do-FORPROEX.pdf . Acesso em: 05 de nov. 2020.

FORPROEX. Política Nacional de Extensão. 2012. Disponível em:


http://www.renex.org.br/documentos/2012-07-13-Politica-Nacional-de-
Extensao.pdf . Acesso em: 05 de nov. 2020.

62
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 49. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2010.

KUHN, Thomas, Samuel. A estrutura das revoluções científicas. Tradução


Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5. Ed. São Paulo: Editora Perspectiva,
1998.

SOUZA SANTOS, Boaventura; ALMEIDA FILHO, Naomar de. A universidade


do século XXI: para uma universidade nova. Lisboa: Almedina, 2008.

WERNECK, Vera Rudge. Sobre o processo de construção do conhecimento: O


papel do ensino e da pesquisa. Revista Ensaio: avaliação e políticas públicas
em educação, Rio de Janeiro, v. 14, n.51, p. 173-196, abril./jun. 2006.

ZONIN, Wilson João; NEUKIRCHEN, Leandro César (org.). A


interdisciplinaridade no PPGDRS e no Seminário Internacional de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável. In: Interdisciplinaridade
sem fronteiras: águas, alimentos, saberes, inclusão social e produtiva nos
territórios rurais da América Latina. Curitiba: Editora CRV, 2020.

63
ARQUITETURA, URBANISMO E EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA: PRECISAMOS DE ESCOLAS DE
ARQUITETURA E URBANISMO PARA QUÊ?
Murad Jorge Mussi Vaz22

A rquitetura e o urbanismo incidem numa faixa restrita dentro de um


amplo espectro de possibilidades (e condicionantes) vinculadas às
práticas sociais e espaciais, contemporizadas no presente, mas
geradas por complexos movimentos e com materializações sincrônicas e
diacrônicas. Especificamente, falamos de coisas distintas, uma vez que a
arquitetura, como concepção virtual do espaço habitado, pré-existe ao
profissional arquiteto. E o urbanismo, como campo de estudo e técnica, é recente
na história da humanidade, tendo outra vocação. Ambos, no entanto, incidem
sobre o espaço, substrato para a vida humana.

Nossa condição humana está vinculada a um movimento contínuo de


23
criação , modificação e inserção das/nas práticas espaciais e, ao mesmo
tempo, a um fluxo constante de alteração, reconstituição e reinterpretação,
conforme o intercurso das práticas sociais. Não há existência humana, se não
no espaço. A própria existência e persistência dos corpos no espaço, conforma-
o e dota-o de sentido.

Em certa medida, como atribuição profissional, o pensamento e a


intervenção no espaço são direcionados também aos arquitetos e urbanistas.
Temos concebido desde o espaço à escala regional até ao espaço íntimo das

22
Arquiteto e urbanista graduado pela UFPR, com doutorado em geografia pela UFSC e Pós-
doutor em Arquitetura pela FA Ulisboa e em Geografia pela Eduardo Mondlne, Maputo. Professor
adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Atua na área de Arquitetura e
Urbanismo e Geografia Urbana, com ênfase em projetos integradores de ensino, pesquisa e
extensão. Desenvolve oficinas sobre o papel social da arquitetura e urbanismo no Brasil e em
Moçambique.
23
“O homem é homem e o mundo é histórico-cultural na medida em que, ambos inacabados, se
encontram numa relação permanente, na qual o homem, transformando o mundo, sofre os
efeitos de sua própria transformação.” (FREIRE, 2013, p.67)

64
relações entre indivíduos. Portanto há uma série de campos de conhecimento
envolvidos no pensar e intervir no espaço, indicando a necessidade premente de
uma transdisciplinaridade, nem sempre coincidente com a nossa formação, nem
com a nossa prática, imbuídas nas mais variadas contradições e condicionantes.

Soma-se a esse panorama um baixo índice de acesso ao mercado formal


da construção civil ou de terra, objetos de nossos estudos e práticas. Essas
constatações nos revelam o quão distantes estamos, como escolas de
arquitetura e urbanismo, da realidade do nosso panorama nacional, quiçá
mundial.

Indo além, há múltiplas formas (e possibilidades) de ocupação do espaço


que geralmente nos escapam, não enquadradas nos projetos “formais”, como
quilombos, comunidades caiçaras, aldeias indígenas, ocupações urbanas, vilas
rurais, etc. Essa pluralidade deveria estar no cerne das nossas discussões, nas
escolas e na prática, embasando o ensino, a pesquisa e a extensão de
arquitetura e as discussões sobre a cidade, sobre os meios rurais, sobre a
existências e espacialidades no mundo de hoje.

Ao dialogar com Freire (2006, p. 68), retomo a ideia de que “ensinar exige
apreensão da realidade.”. Entendo que a distância entre a prática formativa e
profissional e os diversos contextos concretos pode ser minorada pela extensão
universitária, vinculando a pesquisa e o ensino, afinal, segundo o mesmo autor:
“[...] a extensão é educativa.” (2013, p. 13).

Vivemos num país resultado de um processo violento de colonização. No


entanto, vencido o colonialismo, a colonialidade permanece imbuída nas
relações que constituem nossa compreensão do ser, nossas formas oficializadas
de saber e as múltiplas dimensões do poder24, refletindo-se e arraigando-se em
nossas práticas socioespaciais. Em certa perspectiva, somos definidos porlinhas
abissais constituintes do pensamento moderno ocidental (SANTOS, 2009) que
demarcam fronteiras estreitas entre “o mundo humano do sub-humano” (idem,
p. 31), criando cidadãos de diversas ordens. Essa é uma discussão central
quando retomamos o cerne da relação entre a constituição do espaço e

24
Recomendo conferir a obra “Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas
dimensões básicas” (Maldonado-Torres, 2018)

65
dos territórios e o acesso à cidadania25. Superada a colonização, seguimos
imersos, reproduzindo relações de colonialidade, nas quais o pensar e a prática
sobre arquitetura, sobre a teoria urbana, em suas múltiplas dimensões
relacionais, assumem um papel importante26. Me amparo em Delgado e Ruiz
(2014, p. 355) para reflexionar a partir de uma atitude outra:

[...]reivindicando la necesidad de una «actitud decolonial» en relación


con la crítica a los procesos de homogenización y pérdida de identidad
en la praxis arquitectónica, urbana y territorial que abra espacios dentro
de la academia para las «teorías urbanas otras» que no son “nuevas”
sino que han permanecido en una marginalidad producto de la
colonialidad ejercida por los saberes hegemónicos a pesar de que han
existido y sustentado la generación de otras concepciones espaciales
[...].

Nesse sentido, entendo que discutir a extensão universitária, em âmbito


geral, requer uma abertura do olhar em múltiplas dimensões, dentre as quais
ressalto: (1) a maneira como se têm constituído nossa sociedade (e como sua
narrativa histórica tem sido construída), seus símbolos, culturas, contradições,
sua conformação política, embates e resistências, e a pluralidade das práticas
sociais e espaciais; (2) o papel da universidade através de uma reflexão profunda
sobre o modo de construção, disseminação e aplicação do conhecimento
especificamente nos campos da arquitetura e do urbanismo, os diversos arranjos
espaciais sobre e através dos quais nos constituímos; e (3) a possibilidade de
aprender fora da academia, através de uma interação franca e horizontal entre
diversos saberes. Trato aqui da possibilidade de reconhecer e construir um
diálogo entre diversas formas de conhecimento, bem como seus modos de
produção, advindos da multiplicidade de existências, de visões e percepções de
mundo por parte de diversos sujeitos e grupos27, sobretudo, o diálogo entre
sujeitos:

25
Para uma abordagem geográfica da cidadania no Brasil, recomendo conferir Milton Santos
(2014).
26
Para aprofundar o debate assumindo uma abordagem e uma atitude decoloniais, recomendo
conferir o texto “Hacia una teoría urbana transmoderna y decolonial: una introducción” (Delgado
e Ruiz 2014).
27
Recomendo particularmente, conferir o capítulo “Para além do Pensamento Abissal: das linhas
globais a uma ecologia de saberes.” de Boaventura S. Santos (2009).
66
O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo
mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o
humanizam para a humanização de todos. (FREIRE, 2013, p. 33)

Em outras palavras, ao concatenar as assertivas acima, majoritariamente,


as pessoas constroem autonomamente desde o seu espaço íntimo até as áreas
que habitam, em consonância ou em conflito com regras e modos pré-
estabelecidos, conforme as suas condições e compreensões de mundo.
Portanto, a discussão sobre a extensão universitária é radical. É o ponto de
partida e de inflexão sobre o qual objetivo discutir uma outra abordagem e
prática, num viés que extrapola o sentido de busca da “extensão” de saberes
produzidos pela academia, privilegiando sobretudo a “comunicação”, o diálogo e
a aprendizagem, “na medida em que não é [a educação] a transferência de
saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” como demonstrou Freire (2013, p. 59). A extensão, como processo
central para a formação cidadã e profissional, requer uma postura crítica,
inserindo-se como atividade política, que abre novas frentes teóricas,
metodológicas e epistemológicas.

Neste sentido, trago para a discussão algumas reflexões e inquietações


amparadas em dois vieses: na experiência prática como docente e extensionista
de arquitetura e urbanismo; e no aprendizado a partir de experiências alheias,
que variam entre discussões de ensino e práticas extensionistas. O objetivo é ir
“além dos muros da universidade”28 e das nossas próprias pré-concepções,
rediscutindo a própria formação e atuação profissional. Dessa forma, discuto
extensão como prática engajada social e politicamente, como possibilidade de
repensar e discutir, a partir das escolas de arquitetura e urbanismo, o projeto de
sociedade que almejamos.

28
Título do livro organizado por Camila D`Ottaviano e João Rovati (2019), conforme referências.

67
1. A EXTENSÃO COMO CAMINHO PARA A FORMAÇÃO INTEGRAL:
DIALOGAR, COMPARTILHAR E APRENDER

“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.


(Freire, 2006, p.23)

Já perdura há décadas a discussão sobre o ensino da arquitetura e


urbanismo, sobretudo no que concerne à prática projetual29. O projeto, como
prática autoral, tem sido usado como símbolo e marca, não correspondendo
muitas vezes às especificidades, necessidades e peculiaridades contextuais e
futuras dos seus usuários. Soma-se a essa constatação o fato dos currículos das
escolas de arquitetura e urbanismo, de maneira geral, partirem de matrizes
fracionadas e de componentes herméticos, alimentando uma formação que não
pressupõe o diálogo entre as diversas áreas e campos disciplinares, mastambém
um ensino restritivo e pouco questionador. Observa-se, no entanto, algumas
iniciativas que buscam um ensino mais diverso e plural, através de ações
extensionistas, componentes curriculares integradas ou mesmo matrizesmais
abertas, em algumas instituições de ensino superior brasileiras, sendo queaqui
incluo o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFFS.

Ao preconizar a extensão como atividade base para o ensino, retomo de


Freire (2006) as seguintes dimensões do ensinar30: a exigência de reflexão
crítica sobre a prática, a rejeição a qualquer forma de discriminação, a assunção
da identidade cultural, a apreensão da realidade e, sobretudo, a alegria e a
esperança como premissas essenciais.

Com base nesse conjunto de afirmações, apresento aqui uma atividade


que desenvolvemos, em 2019, em Maputo, especificamente uma oficina que
teve como mote o trabalho orientado para a prática projetual.

29
Recomendo conferir o trabalho “Por uma arquitetura da autonomia: bases para renovar a
pedagogia do atelier de projeto de arquitetura” de Paulo A. Rheingantz (2005).
30
Na obra original são títulos de subcapítulos (Freire, 2006).
68
Tenho desenvolvido pesquisas sobre o processo de urbanização e
constituição de espaços públicos em Maputo desde 201731, que culminou num
estágio pós-doutoral em 2018, incluindo atividades de ensino, pesquisa e
extensão a partir de uma dupla imersão: no universo acadêmico moçambicano
e na dinâmica da vida cotidiana da capital moçambicana. Essa imersão, em
contexto “estrangeiro”, permitiu uma reflexão mais crítica sobre o meu papel e
atuação como docente-extensionista no Brasil.

No ano de 2019, na perspectiva de atender uma demanda real e de


agregar o tripé universitário, propusemos e ministramos a oficina intitulada “O
papel social da Arquitectura: debate e acção”. O tema principal foi a assessoria
técnica em arquitetura e urbanismo, discutida ao longo de quatro dias, através
de palestras, mesas redondas, trabalhos de campo e atividades práticas de
ateliê. O objetivo central da oficina foi criar as condições necessárias para a
construção de uma nova sede para o Centro Hakumana, que atende crianças e
adultos vulneráveis em Maputo.

Ao todo, estiveram envolvidas três instituições de ensino superior, UFFS


- BR, UniTiva (promotora do evento) e UEM - MOZ, além dos Arquitectos sem
Fronteiras, do próprio centro Hakumana e da participação de uma arquiteta e
investigadora portuguesa. No final, uma sessão de discussão entre os
participantes da oficina em torno dos projetos propostos pelos estudantes firmou
o compromisso de continuidade para busca de recursos que viabilizassem a
construção da nova sede. Numa segunda etapa, o projeto final foi entregue em
2020, tendo sido desenvolvido por uma equipe de estudantes (vinculados a
projeto de pesquisa e a programa de extensão que coordeno na UFFS), de uma
arquiteta e urbanista egressa da UFFS, com a participação de uma estudante da
Unitiva, e de docentes das três instituições de ensino envolvidas.

A oficina serviu como base para a reflexão sobre os limites do ensino e


da pesquisa institucionalizados, demonstrando que há tempos diferentes entre
os ritos acadêmicos e as demandas da sociedade, o que significa que a

31
Pesquisa desenvolvida pela arquiteta Cila Fernanda Silva, então graduanda em arquitetura e
Urbanismo UFFS, e por mim coordenada, que teve por tema os espaços públicos da capital
moçambicana, no âmbito da UFFS.

69
extensão, em sua dimensão projetual, concatena tempos diversos. Uma
universidade que tem como base a produção de um conhecimento e prática
transdisciplinares, aliado a um aprendizado em contato direto com a sociedade,
carece de uma revisão profunda, quer ao nível dos seus currículos, quer das
estruturas e regras em que se apoia.

Indo além, ao caminhar pela área de abrangência do projeto e aprender


com a comunidade envolvida reforçamos um saber-fazer consolidado sobre a
intersecção de práticas, crenças e símbolos, necessidades e projeções, que
constituem uma abertura de diálogo fundamentais para um projeto construído
através da reflexão partilhada.

2. A EXTENSÃO COMO EXPERIÊNCIA: A POSSIBILIDADE DE OLHAR


PARA A REALIDADE E VER QUE EXISTEM OUTROS MUNDOS

“O mundo não é o que existe, mas o que acontece.”


Mia Couto, O último vôo do flamingo

Uma segunda reflexão que infiro, a partir dessa experiência e de outras


oficinas aqui não descritas, baseia-se na efetividade e no propósito de nossas
universidades na condição de produtoras de um conhecimento aplicado,
questionando os objetivos e a eficácia de nossas ações, o sentido em que se
movem, bem como a compreensão entre a interlocução entre a academia e
nossa condição humana plural. Sobretudo se analisarmos nosso
comprometimento com o acesso à cidadania e ao efetivo “exercício do ser”:

Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão


totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização
jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em
periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas
foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e
jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. (KRENAK, 2019, p.
09).

Parto da provocação de Krenak para uma reflexão conjunta sobre as


agendas e financiamentos que incidem sobre a pesquisa, com desdobramentos

70
no ensino e na extensão em nossas universidades. Qual é o real propósito das
nossas ações? Nesse sentido, e com base nas experiências descritas, aposto
na extensão como um caminho aberto a novas abordagens de reconhecimento
e ação em diversos âmbitos socioeconômicos e culturais espacializados,
permitindo romper essa ideia arraigada em nossas instituições de ensino de que
há um único paradigma espacial a perseguir.

Isso significa subverter muitas das agendas que regem a pesquisa,


partindo intrinsecamente das bases locais, através da extensão. Dessa forma,
uma extensão que seja ao mesmo tempo comunicação (FREIRE, 2013) permite-
nos recuperar narrativas e formas de vida através da interação com diversas
subjetividades, bem como inverter o caminho principal que vem sendo
empreendido para a produção e disseminação do conhecimento, hierarquizado,
produzido na maioria dos cursos de arquitetura e urbanismo.

Observo, no entanto, que alternativas têm surgido em várias escolas de


arquitetura e urbanismo, vinculadas a uma propícia circularidade dialógica,
contrária, em alguns casos, à verticalidade. Entre tantas, ressalto a busca de
diálogo com outras formas de conceber espacializações e/ou formas de
existência, nomeadamente: trabalhos de regularização fundiária e assessoria
técnica, reconhecimento e exploração de técnicas vernaculares, trabalhos com
organizações não-governamentais, associações de bairro e lideranças de várias
comunidades, olhares para outras formas de existência que não as urbanas, etc.
Estas abordagens incidem na dimensão fundamental da arquitetura: a
experiência através do contato. Num momento em que práticas pedagógicas
vinculadas aos debates de ateliê e trabalhos de campo vêm sendo substituídas
por um uso desmesurado de softwares, desvinculando teoria e prática, e
podendo induzir, mais uma vez, a uma arquitetura e urbanismo feitos de
“sobrevôo” em escritórios, é essencial retomar esta dimensão.

Cabe esclarecer que não se trata de colocar em questão a importância do


método e do rigor científicos, muito menos de questionar a importância das
instituições de ensino superior socialmente comprometidas, mas sim de ampliar
o olhar e a perspectiva para além de um modelo único de conceber a existência
humana. No momento que vivemos, de assalto aos pilares da democracia e da

71
cidadania como projeto e ação, e da luta contra a aceitação da diversidade, o
papel das instituições públicas de ensino é fundamental.

Tanto olho para os diversos territórios que se constituem no Brasil


(circunscritos ou não às cidades) como para Maputo, e identifico tantas
intersecções no conceber e produzir espaço, de ser urbano e de se constituir
espacialidades e territorialidades, no âmbito do concreto. Esses saberes, e seus
sujeitos, poderiam ser trazidos ao debate e diálogo com as faculdades de
arquitetura e urbanismo, através de atividades extensionistas. Constituem
pontos de partida para a pesquisa e para o ensino mais contextualizados.

3. AFINAL, ESCOLAS DE ARQUITETURA PARA QUÊ?

Sem buscar uma resposta unívoca, pretendi refletir sobre a extensão


universitária como uma opção e um caminho para a formação de arquitetos e
urbanistas conscientes da complexidade inerente às relações humanas
espacializadas.

Nesse sentido, e consciente da armadilha retórica posta por este


questionamento, arrisco afirmar que, se não houver um redirecionamento das
escolas através de práticas efetivadas por outras abordagens, tendo como
premissa a extensão, continuaremos a recorrer a modelos abstratos,
mercadológicos e discursos alheios à nossa real condição socioeconômica,
cultural e política, em última instância, a nossa condição humana plural e diversa.
A extensão assume, assim, uma dimensão crítica, política e cidadã. O papel das
instituições de ensino superior, socialmente comprometidas, retoma as
dimensões de discussão sobre a narrativa histórica que vem sendo produzida
sobre nossa sociedade, com desdobramentos em práticas espaciais; bem como
o reconhecimento de que há tantas formas outras de se produzir saber e
espacialidades constituintes de nossa condição humana.

Em última instância, a lógica de localização dos grupos, as diversas


apropriações do espaço, bem como as práticas sociais e espaciais, representam
um campo a ser reconhecido através do diálogo, mas também possíveis
situações de exclusão à cidadania a serem extirpadas. A comunicação e as
trocas, numa circularidade dialógica e horizontal, realizadas interna e
72
externamente à academia, induzem a uma nova postura e prática, permitindo,
inclusive, novos currículos, abordagens e práticas pedagógicas, relocalizando as
universidades na discussão e na prática política e cidadã.

A arquitetura, como possibilidade de concatenar o espaço edificado,


concebido, plástico, e a pluralidade de existências, pode se abrir a visões e
percepções de mundo invisibilizadas, através de um constante movimento
processual, contemporâneo, coletivo e aberto, feito de gente para gente.

Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e


de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de
determinismo. (FREIRE, 2006, p.53).

REFERÊNCIAS
DELGADO, Y.F.; RUIZ, A. M. Hacia una teoría urbana transmoderna y
decolonial: una introducción. In: Polis Revista Latinoamericana, n. 13(37) p.
339-361, 2014.

D´OTTAVIANO, C.; ROVATI, J. (org.). Além dos Muros da Universidade:


Planejamento Urbano e Regional e Extensão Universitária. 1º ed. - São Paulo:
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e
Regiona, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? [recurso eletrônico]. tradução de


Rosiska Darcy de Oliveira. - [1. ed.] - Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2013.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia. das
Letras, 2019.

MALDONADO-TORRES, Nelson. Analítica da colonialidade e da


decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: MALDONADO-TORRES,
Nelson; BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón (org.):
Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. São Paulo: Autêntica, 2018.
SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. Epistemologias do
Sul. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2009.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2014.


RHEINGANTZ, P. A. Por uma arquitetura da autonomia: bases para renovar a
pedagogia do atelier de projeto de arquitetura. ARQTEXTO (UFRGS), Porto
Alegre/RS, v. VI, n.1, p. 42-67, 2005.
73
FAZER EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM PARCERIA
COM AS REDES PÚBLICAS DE ENSINO: A
EXPERIÊNCIA DA FAED/UDESC
Julice Dias32

INTRODUÇÃO

O Centro de Ciências Humanas e da Educação – FAED, da


Universidadedo Estado de Santa Catarina – UDESC, constitui-
se por quatro cursos degraduação, quais sejam: Pedagogia,
Biblioteconomia, Geografia e História. Abriga também os
seguintes Programas de Pós-Graduação: Programa de Pós- Graduação em
Educação (PPGE); Programa de Pós-Graduação em História (PPGH); Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Sócio
ambiental (PPGPLAN); Programa de Pós-Graduação em Gestão da Informação
(PPGINFO).

Neste Centro, a extensão universitária é compreendida como “[...] um


processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e político que promove a
interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade.”
(FORPROEX, 2012).

Desde 2017, a partir do Planejamento Estratégico da Gestão de Centro


para o período 2017-2021, a FAED tomou como uma das unidades referenciais
da extensão universitária a formação continuada de professores das redes
públicas da região da grande Florianópolis. Nosso objetivo foi fortalecer a relação
da Universidade com o contexto da Educação Básica, nomeadamente com a
prática pedagógica e do processo ensino-aprendizagem vivido tanto na
Educação Infantil quanto nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.

32
Professora do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação
do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED) da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC). Pesquisadora do GEDIN.

74
Tal proposta estruturou-se num trabalho integrado entre Direção Geral,
Direção de Ensino de Graduação, Direção de Extensão, Cultura e Comunidade
e Secretarias Municipais de Educação.

A ancoragem desse trabalho integrado sustentou-se em quatro pilares:

a) A matriz pedagógica que nos orienta é a de uma Pedagogia Relacional e


de currículo integrado, que congrega o planejamento, a avaliação, a
formação, a pesquisa como categorias interdependentes, com vistas à
melhoria das práticas pedagógicas e docentes;

b) a articulação entre os Departamentos para atender às demandas dessa


matriz e dessas categorias;

c) a profissionalização docente, provocada e refletida entre pares,


considerando o desenvolvimento profissional coletivo das Redes e
também individual de cada docente no percurso formativo de sua
profissionalização;

d) os recursos financeiros da Universidade, pelo Edital PAEX, que promove


e sustenta as ações extensionistas na UDESC.

Neste sentido, a questão provocadora que nos inspirou foi: Como


garantir percursos formativos que tenham de fato o caráter de formação
continuada no âmbito das Redes?

A RELAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E AS REDES PÚBLICAS DE ENSINO

A partir da questão lançada inicialmente, a FAED construiu de forma


colaborativa e cooperativa os projetos de formação continuada com as Redes de
Ensino. Os projetos orientaram-se por princípios éticos, políticos e estéticos. E
nessa direção, exploraram como unidades referenciais a gestão educacional, a
identidade institucional e a criticidade orgânica, isto é, o olhar de dentro a
instituição, sua cultura, seus valores, suas crenças e cargas valorativas.

Nos anos de 2017, 2018 e 2019, a FAED realizou, nesse propósito, ações
de formação continuada com as Redes Públicas de Ensino de dois municípios:
Palhoça e Imbituba.

75
As ações formativas tiveram como foco o trabalho pedagógico,
considerando o contexto real das instituições educativo-pedagógicas,
provocando a superação da lógica disciplinar e priorizando o planejamento e a
avaliação em contexto.

Assim, a avaliação, a leitura de contexto das Redes foi o ponto de partida


e de chegada de todo o percurso de trabalho. Trabalho que exigiu uma conexão
com o desenvolvimento profissional e o contexto real dos espaços coletivos de
Educação Básica.

Iniciamos o planejamento com um diagnóstico, que tentou mapear:

O que há neste espaço/contexto?

- Como é que a FAED, em parceria com a Rede, pode responder às


necessidades, interesses, demandas dos coletivos de profissionais?

- Que rotinas institucionais estão cristalizadas na Rede?

- Como é que as relações profissionais estão construídas e vividas no


interior das instituições?

- Como poderemos avaliar a formação em processo e em contexto?

Essa interação formativa revelou-se eivada de um caráter hermenêutico-


dialético, na medida em que permitiu a interpretação das narrativas dos(as)
docentes participantes, promovendo também a troca de pontos de vista na
interação adulto-adulto, contrastando perspectivas divergentes, e ao mesmo
tempo, negociando questões que definiam e ancoravam o trabalho pedagógico
na Rede. Apresentamos dois excertos que manifestam o conteúdo dessas
interações:

O bacana disso tudo é a gente perceber que a UDESC é nossa


parceira. Ninguém chega aqui sabendo tudo ou querendo ensinar o
outro. Ao mesmo tempo, nós sabemos que a Universidade tem muito
a contribuir. Mas a Universidade também sabe que nós temos muito a
dizer. Daí a importância dessa parceria. Isso é um tempo precioso.
Esse tempo de troca. De escuta. De estudo. (Joana, depoimento em
junho de 2018).
Cada vez venho com mais vontade. Eu pensava saber sobre projeto.
A formação e a discussão com as colegas, cada uma com uma prática
e um ponto de vista, me ajudou muito. É uma formação em que a gente
tem oportunidade de se expressar. Porque não é assim, só com texto.
76
Ou só com fazer. É mesmo o aprender. Colado com o que a gente faz.
É o estudo, é a conexão com a prática da gente. Eu me sinto
valorizada. Acho que pegou muito bem esse tipo de formação. (Lurdes,
depoimento em setembro de 2018).

Foi nesses espaços e tempos coletivos e interativos que exploramos


conceitos fundamentais que envolvem a gestão educacional, amalgamados a
elementos curriculares e documentos oficiais e legais correlatos, tais como:
temporalidades humanas que constituem o público-alvo da Educação Básica;
função social da escola de Ensino Fundamental e da Educação Infantil; gestão
democrática; relação instituição-famílias; qualidade da educação e do ensino
ofertados na Rede, planejamento e avaliação.

Essas dimensões das práticas educativas foram refletidas, integrando a


docência e a gestão, construindo uma formação participativa. Nossa meta era
desenvolver um planejamento solidário, comprometido com os princípios éticos,
políticos e estéticos que ancoram a Educação Básica brasileira. Configura,
portanto, trabalho intensivo e complexo, porque articula a finalidade última que
é o desenvolvimento profissional e institucional/organizacional dos contextos
educativos, tanto na Educação Básica, quanto no Ensino Superior.

Nas últimas décadas do séc. XX e com maior envergadura nos anos 2000,
tem-se reconhecido a importância dos contextos nos projetos e processos de
formação (FULLAN, 1982). Pensar a formação em contexto implica em
desenvolver um trabalho sistêmico, objetivando a melhoria das práticas
pedagógicas.

Nesse ínterim, é indispensável também fazermos algumas reflexõessobre


a curricularização da extensão.

DILEMAS E DESAFIOS DA CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO

No contexto da Educação Superior brasileira, o princípio da


indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão reitera a necessidade de
uma formação integral do estudante. Este princípio desafia as Universidades a
estruturar e materializar matrizes curriculares que superem um modelo
academicista e disciplinar que a rigor, sedimentou uma lógica interna de
77
hierarquia dos componentes curriculares. Sem dúvida, nessa hierarquização, a
extensão, em nossa avaliação, foi o componente curricular que menos valor
obteve, na medida em que suas atividades não receberam os mesmos
destaques que têm recebido a pesquisa e o ensino, tanto na composição das
carreiras docentes, como também no patamar dos investimentos financeiros e
no quantitativo de bolsas discentes.

Neste texto, após ter narrado a experiência exitosa vivida entre a


Universidade e as Redes públicas de ensino, capitaneada pela ação
extensionista, numa relação dialógica com o contexto escolar da Educação
Básica, interessa-nos também discutir a iminente curricularização da extensão
nos cursos de Graduação, diante do que foi estabelecido no Plano Nacional de
Educação (PNE 2014-2024), especificamente em sua Meta 12.7.

Entendemos a extensão como componente curricular no percurso


formativo dos estudantes de Graduação. Como um processo vivencial, que
promove a integração entre os conhecimentos científicos e culturais, gerando
interações e relações ampliadas entre a Universidade e a comunidade societária
mais ampla. Como um processo colaborativo, cuja inserção nos espaços para
além dos muros da Universidade insere professores e estudantes no
levantamento dialógico de necessidades e na definição de ações em prol das
comunidades onde se pretende atuar/cooperar/aprender.

Compreendemos que envolver-se com atividade extensionista demanda


alteridade para inserir-se em contextos comunitários amplos e diversos. Exige
sensibilidade para acolher e relacionar-se com as diferenças, a diversidade, as
desigualdades. Por isso, criticamos todo e qualquer percentual de carga horária
a ser exigido nas matrizes curriculares dos cursos. Pois que ser extensionista
não pode ser uma obrigatoriedade. Não pode ser uma exigência inserida em
matrizes curriculares. Fazer extensão é uma ação política. Assentada em
princípios éticos e estéticos.

Outra problemática que encontramos: os documentos que defendem a


curricularização da extensão defendem o protagonismo dos estudantes nas
ações extensionistas. Perguntamos: no caso das Licenciaturas, cujas atividades
extensionistas em sua maioria, envolvem as escolas, entidades de caráter

78
associativo, em espaços não escolares que desenvolvem ações educativo-
pedagógicas e que, em seus contextos, congregam grandes quantitativos de
estudantes, como esses grupos assumiriam protagonismo estudantil? Como
conseguiriam tantos campos para realizar extensão, se teriam que fazer isso na
jornada de contra turno? Teriam os estudantes das Licenciaturas, em sua
maioria, trabalhadores e trabalhadoras em jornada integral, tempo e recursos
disponíveis para participarem destas atividades?

É com essas preocupações que temos identificado alguns dilemas e


desafios postos em torno da obrigatoriedade da curricularização da extensão, a
saber:

a) O impacto que dez por cento da carga horária destinada à extensão


acarretaria nos cursos, especialmente nas Licenciaturas, considerando
a recente reforma curricular para atender a Resolução CNE/02 de 2015;

b) o caráter de obrigatoriedade de uma atividade que por sua natureza e


função acadêmica é sócio-política, é volitiva;

c) a fragilidade conceitual acerca do conceito de protagonismo estudantil


defendido na obrigatoriedade da extensão nos cursos de graduação;

d) a defesa curricular, em nosso ponto de vista equivocada, ao estabelecer


a obrigatoriedade dos créditos de extensão, tomando como referência o
modelo disciplinar ainda fortemente arraigado na composição das
matrizes curriculares;

e) a indefinição de como ficaria a atribuição de carga horária docente,


considerando que com a obrigatoriedade, para dar conta dos dez por
cento na matriz curricular, muitos professores que antes não eram
extensionistas, acabarão tendo que desenvolver atividades dessa
natureza;

f) o risco de confundir extensão com ensino, na medida em que há


proposições que indicam a possibilidade de fazer constar nosementários
das disciplinas componentes curriculares da extensão;

g) a condição das Licenciaturas cursadas no período noturno que tem, em


sua maioria, estudantes que trabalham com jornada diurna de 40 horas

79
semanais, e não tem tempo para dar conta de atividades de extensão no
contra turno;

h) a obrigatoriedade dos/das estudantes em realizar atividades de


extensão, tendo que atender a uma carga horária prescrita, sendo que
isso poderá incorrer na adesão a propostas que não tenham relação
direta com seus interesses e respectivos perfis acadêmicos.

Em nosso ponto de vista, não é estabelecendo obrigatoriedade de


percentuais formativos que alcançaremos a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. Acreditamos que a extensão, assim como a pesquisa, não
pode constituir exigência para integralização curricular, pois que esta é
interdependente do envolvimento, do desejo, do perfil adequado para realizar
atividades dessa natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da extensão universitária brasileira demonstra sua importância


para a formação integral dos estudantes. Ela está amalgamada com a própria
função social da Universidade.

Entretanto, cabe-nos, como professores(as) comprometidos(as) com a


extensão, com a formação de professores(as), com o cotidiano escolar da
Educação Básica, alertar que é preciso todo cuidado quando se insere
obrigatoriedade curricular para algo que em sua função precípua tem caráter
volitivo, com uma dimensão ética, estética e política diferenciada do ensino e da
pesquisa.

É preciso, portanto, considerar a dimensão organizacional das IES. É a


Universidade enquanto unidade organizacional com sua autonomia assegurada,
que define, a partir de seus órgãos colegiados, a natureza de seus componentes
curriculares.

Nesse sentido, não podemos aceitar imperativos, sem ouvir docentes,


estudantes, comunidades. Não há extensão sem diálogo, sem relações
democráticas, sem considerar os contextos e as condições de possibilidades
para realização das ações extensionistas.

80
Entendemos que em vez de inserir de modo imperativo percentual da
curricularização da extensão nas matrizes curriculares dos cursos, poderíamos
desenhar outros formatos, a exemplo do que se propõe para Atividades
Acadêmico Científico Culturais (AACCs) ou Atividades Complementares, cujo
percurso formativo é definido pelos estudantes, a sua livre escolha, de acordo
com seus desejos, suas necessidades formativas e seu perfil acadêmico-
científico-cultural.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de


Educação - PNE e dá outras providências.

BRASIL. Resolução MEC/CNE/CES nº 007/2018. Estabelece as Diretrizes


para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na
Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação -
PNE 2014-2024 e dá outras providências. Conselho Nacional de Educação.
Ministério da Educação: Brasília, DF, 2015.

FULLAN, M. The meaning of educative change. Toronto: OISE Press, 1982.

81
CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA UNICENTRO1

Vania Gryczak33

Lucélia de Souza34

1 INTRODUÇÃO

O Plano Nacional de Educação - PNE - 2014-2024, aprovado pela


Lei nº 13.005/2014, estabelece diretrizes, metas e estratégias
para os próximos dez anos da Educação brasileira,
contemplando todos os níveis, modalidades e etapas educacionais, desde a
Educação Infantil até a Pós-Graduação e também diretrizes para a profissão
docente, implantação da gestão democrática e o financiamento do ensino.

Na Estratégia 7 da Meta 12 do PNE é estabelecido créditos curriculares


para a extensão universitária, assegurando, no mínimo, 10% (dez por cento) do
total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos
de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para as áreas
de grande pertinência social.

Posteriormente ao estabelecido no PNE, foi aprovada a Resolução nº 7


do Ministério da Educação (MEC), de 18 de dezembro de 2018, que estabelece
as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira que define os
princípios, os fundamentos e os procedimentos que devem ser observados no

33
Professora Vania Gryczak, licenciada em Matemática, Especialista em Ensino de Matemática,
Mestre e Doutora em Métodos Numéricos em Engenharia. É professora Adjunta na Universidade
Estadual do Centro Oeste, Unicentro, lotada no Departamento de Matemática, no Campus
Cedeteg. Desenvolveu atividades de assessoria na Coordenadoria de Convênios e Captação de
Recursos, na Pró Reitoria de Planejamento, e atualmente é Diretora de Extensão na Pró Reitoria
de Extensão e Cultura, PROEC.
34
Professora Lucélia de Souza possui graduação em Informática e Especialização em
Administração de Banco de Dados pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Mestrado em
Informática e Doutorado em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Paraná. É
professora adjunta na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Foi vice-chefe do
Departamento de Ciência da Computação e atualmente está Pró-Reitora de Extensão e Cultura
da UNICENTRO.

82
planejamento, nas políticas, na gestão e na avaliação das Instituições de
Educação Superior (IEs) de todos os sistemas de ensino do país. As IEs têm o
prazo de até 3 (três) anos, a contar da data de sua homologação, para a
implantação do disposto nessas Diretrizes.

Com o prazo estabelecido, as IEs Brasileiras têm a tarefa de incluir, em


seus Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI’s) a concepção de extensão
e as estratégias de financiamento das atividades de extensão, que serão
aplicadas na formulação dos projetos pedagógicos dos cursos superiores. Para
isso, é necessário fomentar discussões institucionais para estabelecer formatos
de curricularização de extensão e regulamentar institucionalmente como se dará
o registro e a inclusão das atividades de extensão nos currículos dos cursos de
graduação.

Com a regulamentação definida é necessária a adequação dos Projetos


Pedagógicos dos Cursos Superiores (PPC), respeitando as características locais
e regionais, analisando as diretrizes curriculares específicas de cada curso, as
habilidades e competências exigidas dos estudantes, a matriz curricular, e como
implementar a curricularização da extensão.

Este ensaio objetiva apresentar de forma breve a temática da


curricularização da extensão e a trajetória da Universidade Estadual do Centro-
Oeste (UNICENTRO) para a implantação do estabelecido na Estratégia 7 da
Meta 12, do PNE- 2014-2024.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 CONCEITO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

As três dimensões da universidade ensino, pesquisa e extensão, e suas


relações com a sociedade são marcadas por debates, incompletudes e busca de
definições e conceitos.

A partir de um debate amplo e aberto, desenvolvido nos XXVII e XXVIII


Encontros Nacionais do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão de
Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), realizados em 2009 e 2010,

83
respectivamente, apresenta às Universidades Públicas e à sociedade o conceito
de Extensão Universitária, qual seja:

A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da


indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo
interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a
interação transformadora entre Universidade e outros setores da
sociedade (FORPROEX, 2012).

Assim, com a Extensão Universitária é proposta a abertura das portas da


Universidade para a convivência do duplo interesse tanto universitário quanto
comunitário, denotando sua postura na sociedade. Trata-se de um processo
interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político, por meio do qual se
promove uma interação que transforma não apenas a Universidade, mas
também os setores sociais com os quais ela interage.

2.2 DIRETRIZES PARA AS AÇÕES DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Segundo Nogueira (2000) as Diretrizes para as ações de Extensão

Universitária, devem orientar a formulação e implementação das açõesextensionistas

universitárias, a saber:
1. Interação dialógica.

2. Interdisciplinariedade e interprofissionalidade.

3. Indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão.

4. Impacto na formação do estudante.

5. Impacto e transformação social.

A diretriz Interação Dialógica orienta uma ação de mão dupla: da


Universidade para a sociedade e da sociedade para a Universidade, por meio da
troca de conhecimentos, da participação e do contato com as questões
complexas contemporâneas presentes no contexto social.

A diretriz de Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade visa a formação


cidadã dos estudantes, combinando a visão de especialização e visão holística
(complexidade do todo), marcada e constituída pela vivência dos seus
84
conhecimentos, de modo interdisciplinar e interprofissional, assim como pelo
estabelecimento de alianças intersetoriais, interorganizacionais e
interprofissionais.

A diretriz de Indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão denota


também a prática acadêmica extensionista, a ser desenvolvida, conforme a
Constituição de 1988, de forma indissociável com o Ensino e a Pesquisa, com
vistas à promoção e garantia dos valores democráticos, da equidade e do
desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica,
cultural e social.

A diretriz Impacto na formação do estudante permite o enriquecimento da


experiência discente em termos teóricos e metodológicos, pois atividades de
Extensão Universitária constituem aportes decisivos à formação do estudante,
possibilitando constantes mudanças e construção de novos conhecimentos
respondendo às demandas do indivíduo e da sociedade.

A diretriz Impacto e transformação social é o mecanismo que estabelece


a inter-relação da Instituição de Ensino Superior com os outros setores da
sociedade. Objetiva uma atuação transformadora, direcionada para os
interesses e necessidades de uma comunidade, propiciando o desenvolvimento
social e regional, cooperando com o aprimoramento das políticas públicas.

3 TRAJETÓRIA DA CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO NA UNICENTRO

Nesta seção será descrita a trajetória da curricularização da extensão na


Unicentro, abordando um breve histórico, o disposto na regulamentação interna
com os formatos possíveis e a situação atual de alguns cursos de graduação que
já implantaram a curricularização da extensão na matriz curricular.

3.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A CURRICULARIZAÇÃO NA UNICENTRO

Tendo em vista a necessidade do cumprimento previsto na Estratégia 7


da Meta 12 do PNE – 2014-2024 e a reformulação do PDI da UNICENTRO para
o período 2018-2022, a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura - PROEC, iniciou as
discussões acerca da curricularização da extensão. Para isso, foi criado um
85
grupo de trabalho com várias instâncias administrativas e pedagógicas da
instituição.

Em 2016, em um primeiro momento foi realizada uma reunião no campus


CEDETEG e no segundo momento uma reunião no campus de Irati, onde a
PROEC preparou uma apresentação a fim de explicar e motivar os docentes
quanto à necessidade de adequação e inclusão da curricularização nos PPC’s
dos cursos de graduação. A PROEC solicitou que os cursos de graduação
enviassem aos respectivos setores de conhecimento as proposições a partir das
quais poderiam implementar a curricularização da extensão, a partir de
discussões nos Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs), juntamente ao
Conselho Departamental (CONDEP).

Os Setores de Conhecimento de Guarapuava e Irati apresentaram as


proposições advindas de seus cursos e enviaram essas proposições à PROEC.

No 9° Salão de Extensão e Cultura (SEC) da UNICENTRO, ocorrido no


segundo semestre de 2016, foi realizada uma mesa redonda com a participação
de três IEs do Sul do país, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Instituto
Federal de Santa Catarina (IFSC) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
que estavam mais à frente no processo de curricularização da extensão,
contando com a participação da comunidade acadêmica da UNICENTRO,
ampliando o debate sobre o tema.

Em março de 2017, foi realizada uma reunião no campus de Irati, com o


objetivo de apresentar a devolutiva com a sistematização das possibilidades de
curricularização da extensão, formalizadas pelos NDE’s de cada curso de
graduação da instituição.

Posteriormente, em junho de 2017, foi realizada uma reunião com a


participação de dois membros dos NDE’s dos cursos, de Guarapuava e Irati para
apresentar a mesma devolutiva relatada em março de 2017. Nessa reunião
também foi apresentada pela PROEC uma proposta de minuta de
curricularização da extensão a ser discutida no âmbito dos cursos de graduação.
Em outubro do mesmo ano, durante o 10° SEC, que ocorreu durante a V Semana
de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão (SIEPE), foi discutida a minuta

86
proposta em uma roda de conversa, sendo uma oportunidade para discussões
entre os participantes do evento.

De outubro/2017 a abril/2018 foram realizadas reuniões com os


acadêmicos dos três campi, visto que a curricularização impacta na formação
acadêmica.

Após ampla discussão conduzida pela PROEC, foi aprovada no Conselho


de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), a Resolução nº 7-CEPE/UNICENTRO,
de 16 de abril de 2018, que regulamenta o registro e a inclusão das atividades
de extensão nos currículos dos cursos de graduação da UNICENTRO.

A Resolução n° 7, publicada em 18 de dezembro de 2018, do MEC,


estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e
regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei n° 13.005/2014 que aprova o Plano
Nacional de Educação – PNE – 2014-2024.

Em abril/2019, a PROEC realizou reuniões com diretores de setor de


conhecimento e chefes de departamento para instruir sobre os formatos
descritos na regulamentação institucional considerando a especificidade de cada
curso.

Devido à necessidade de adequação de alguns dispositivos da Resolução


Institucional em relação à Resolução Nacional, foi aprovada a Resolução nº 14-
CEPE/UNICENTRO, de 16 de outubro de 2019.

No segundo semestre de 2019 ocorreram as primeiras aprovações dos


PPC’s com a inclusão da curricularização para implementação em 2020.

3.2 REGULAMENTAÇÃO DA CURRICULARIZAÇÃO DA UNICENTRO

A regulamentação das atividades de extensão nos currículos dos cursos


de graduação da UNICENTRO, já citada anteriormente, deve atender às
especificidades de cada curso e abranger a diversidade das ações, mantendo
seu caráter inerente de envolvimento com a comunidade. Observa-se na Figura
1 os formatos nos quais a participação do estudante pode se dar em atividades
de extensão. Cabe ressaltar que em todos os formatos de curricularização da

87
extensão, os estudantes assumem uma postura ativa e protagonista da atividade
extensionista.

FIGURA 1: Formatos da Curricularização nos currículos dos cursos –


UNICENTRO.

Fonte: As autoras (2020).

Um dos formatos são disciplinas, podendo ser uma disciplina de extensão


universitária que desenvolva atividades de extensão, proporcionando aos
estudantes vivências com a comunidade, conciliando teoria e prática. Também
pode ser em conteúdo de disciplinas da matriz curricular do curso, denominados
Conteúdos Curriculares de Extensão (CCE), de modo a integrar atividades
extensionistas nas vivências cotidianas dos estudantes ao longo do curso. Em
disciplina articuladora de extensão, cujo objetivo é apresentar os diversos
projetos ou programas existentes no departamento e na Universidade, bem
como viabilizar a inserção dos estudantes nesses projetos e/ou programas.

Outro formato é no Estágio Curricular do Curso, em que o estudante


desenvolve por meio de projeto de intervenção extensionista, ações paralelas
que enriqueçam sua formação e atuação acadêmica.

No Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), também pode desenvolver


ações extensionistas paralelas que se viabilizam por meio de projeto de
extensão.
88
Cabe ressaltar que tanto no formato de Estágio Curricular do Curso
quanto no TCC, a carga horária pode ser computada totalmente ou parcialmente
para a curricularização.

Em outros Programas e/ou Projetos de Extensão, coordenados por


docentes da UNICENTRO e/ou de outras IEs.

Todas as atividades de extensão universitária são executadas sob a forma


de Programas e/ou Projetos de Extensão Institucionalizados, que devem ser
apreciados pela PROEC, e aprovados pelas instâncias pertinentes.

3.3 SITUAÇÃO ATUAL DA CURRICULARIZAÇÃO NA UNICENTRO

Em 2020, alguns cursos da UNICENTRO já realizaram as adequações


dos seus respectivos PPC’s, com base nos formatos regulamentados.

Um exemplo é referente ao Curso de Ciências Biológicas Bacharelado, no


campus CEDETEG, unidade de Guarapuava.

Observa-se na Figura 2 que tem uma coluna específica de Extensão na


Matriz Curricular. Na disciplina Avaliação e Estudo de Impacto Ambiental, do 4º
ano do curso, com carga horária de 68h/a, é destinado à extensão a carga
horária de 8h/a. No formato disciplinas, o curso destinou 308h/a, o que
corresponde à 257 horas para a curricularização. Outro formato escolhido foi o
Componente Curricular - Atividades de Extensão, com 100 horas. A carga horária
total do curso para a curricularização da extensão é de 357 horas, atendendo à
legislação vigente, de ter no mínimo 10% (dez por cento) do total do curso (3515
horas).

89
FIGURA 2: Recorte da Matriz Curricular do Curso de Ciências Biológicas
Bacharelado da UNICENTRO.

Fonte: As autoras (2020).

Outro exemplo é do Curso de Química Licenciatura, no campus


CEDETEG, unidade de Guarapuava.

FIGURA 3: Recorte da Matriz Curricular do Curso de Química Licenciatura da


UNICENTRO.

Fonte: As autoras (2020).

90
Observa-se na Figura 3, que no formato disciplinas, o curso destinou
58h/a, o que corresponde a 48 horas para a curricularização. Outros formatos
escolhidos foram em Componente Curricular – Estágio Supervisionado, com 52
horas e Trabalho de Ciência Extensionista (TCE), com carga horária de 220
horas. A carga horária total do curso para a curricularização da extensão é de
320 horas, atendendo à legislação vigente, de ter no mínimo 10% (dez por cento)
do total do curso (3200 horas).

Esses exemplos mostram como os cursos de nossa instituição têm optado


pelos formatos aprovados em regulamentação institucional.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação da curricularização da extensão tem muitos desafios,


não fugimos deles. Como alguns cursos ainda estão iniciando com a matriz
curricular não se tem resultados do que deu certo ou não.

O que é necessário é superar a visão reduzida da extensão universitária


ainda enraizada na comunidade acadêmica para que a extensão seja um pilar
forte da Universidade e possamos avançar no processo de curricularização.

Uma das diretrizes da extensão é a formação acadêmica, que permite ao


estudante um contato com a realidade e com o mundo externo aos muros da
universidade.

Devemos refletir enquanto professores qual profissional queremos formar,


se nosso modo de ensinar está em consonância com as necessidades da
sociedade e a própria função da universidade, buscando estreitar laços com a
sociedade.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Texto consolidado até a Emenda Constitucional nº 70 de 29 de março
de 2012. Senado Federal. Disponível em:

http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_29.03.2012/CO
N1988.pdf. Acesso em: 04 de abril de 2020.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
91
de 23 de dezembro de 1996, p. 27.833. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf. Acesso
em: 20 de abril de 2020.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de


Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
26 jun. 2014, Seção 1, pág. 1.

BRASIL. Portaria nº 1.350, de 17 de dezembro de 2018. Diretrizes para as


Políticas de Extensão da Educação Superior Brasileira. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 17 dez. 2018, Seção 1, pág. 34.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Coletânea de documentos sobre


a Extensão Universitária, 1. Brasília: Departamento de Documentação, 1976.
65 p.

FORPROEX. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas


Brasileiras. O plano nacional de extensão universitária. 1999. (Coleção
Extensão Universitária, n. 1).

FORPROEX. Extensão Universitária: organização e sistematização. Belo


Horizonte: Coopmed, 2007.

FORPROEX. Política nacional de extensão universitária. Manaus, 2012.

GUARAPUAVA. Resolução nº 7-CEPE/UNICENTRO, de 16 de abril de 2018.


Regulamenta o registro e a inclusão das atividades de extensão nos currículos
dos cursos de graduação da UNICENTRO, e dá outras providências,
Guarapuava, 2018.

NOGUEIRA, M. D. P. (Org.). Extensão Universitária: diretrizes conceituais e


políticas. Belo Horizonte: PROEX/UFMG; O Fórum, 2000.

SALDAN, P. C.; SANTOS, E. M. dos. A curricularização da extensão na


UNICENTRO: trajetória, possibilidades e desafios. In: KOLODY, A., BELÉM, D.
J. A. N. (Org.) Extensão em perspectivas. Guarapuava: UNICENTRO, 2019.
Capítulo 9. p. 185-202.

SANTOS, E. M. et al. Iniciação à Extensão: trajetória de uma disciplina piloto.


In: ENCONTRO ANUAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 11, 2018,
Guarapuava. Anais do 11º Encontro Anual de Extensão Universitária, EAEX.
Guarapuava, 2018.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE. Plano de


Desenvolvimento Institucional 2018-2022. Guarapuava, 2018. p.190.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE. Resolução Conjunta Nº


7-CEPE-CAD/UNICENTRO, de 21 de dezembro de 2012. Aprova o
Regulamento de Extensão da UNICENTRO.

92
POSFÁCIO

Equipe elaboradora do evento

Coordenadora:
SANDRA SIMONE HÖPNER PIEROZAN

Colaboradores:
JERÔNIMO SARTORI
ANDERSON JAIR GOULART
DENISE KNORST DA SILVA
MARIA SILVIA CRISTOFOLI
SONIZE LEPKE
CHERLEI MARCIA COAN
THIAGO INGRASSIA PEREIRA
MARTA LUIZA SFREDO
TATIANA PERETTI
HELEN TREICHEL
LISANDRA ALMEIDA LISOVSKI
MARCELA ALVARES MACIEL
ROBERTO CARLOS RIBEIRO
ROBSON OLIVINO PAIM
SOLANGE TODERO VON ONÇAY
TAILIZE SCHEFFER CAMARGO
JORGE VALDAIR PSIDONIK
ROSELAINE DE LIMA CORDEIRO
JOSÉ VALÉRIO CAVALLI

93
A inserção da extensão nos currículos é
uma tarefa que exige esforços cole7vos,
debate de ideias e proposições pois
impactará em novos movimentos
internos e externos da e na universidade.
Conhecer as propostas já desenvolvidas
em outras ins7tuições, bem como
experiências extensionistas de diferentes
áreas do conhecimento apresenta-nos
um conjunto de especificidades e
possibilidades de novos arranjos e
vínculos entre ensino, pesquisa e
extensão, para que a extensão seja de
fato, a pauta.

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