Teorico
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Revisão Textual:
Prof. Me. Luciano Vieira Francisco
A Palavra e a Imagem na Poesia
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Aprimorar a leitura e a escuta de poemas, para estabelecer a diferença entre verso e prosa;
• Construir conhecimentos a respeito da imagem e de regimes de imaginação, para compre-
ender e identificar a metáfora e a metonímia e seus processos para a criação de sentidos.
UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
O poeta, tradutor e pesquisador, Décio Pignatari, escreveu sobre isso em seu livro “O
que é comunicação poética”, originalmente publicado em 1981, pela editora Moraes.
Décio Pignatari (Jundiaí, São Paulo, 1927 – São Paulo, São Paulo, 2012). Poeta, ensaísta,
tradutor, contista, romancista, dramaturgo e professor. Filho de imigrantes italianos,
pouco depois do seu nascimento, a família se transfere para Osasco, onde Pignatari mora
até os 25 anos. Publica seus primeiros poemas na Revista Brasileira de Poesia, em 1949.
No ano seguinte, estreia com o livro de poemas, Carrossel, e, em 1952, funda o grupo e
edita a revista-livro Noigandres, com os amigos, os poetas irmãos Haroldo de Campos
(1929-2003) e Augusto de Campos (1931). Leia mais sobre a biografia de Décio Pignatari,
disponível em: https://bit.ly/31bvvxm
Quando você vê um certo azul e se lembra dos olhos de uma certa pes-
soa, está fazendo uma associação por semelhança; quando você evoca
essa pessoa ao olhar um isqueiro que ela lhe deu de presente, está fazen-
do uma associação por contiguidade.
[...]
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Exemplos não-verbais tornam mais claro esse trambique paradigma/sintagma.
Essa é uma proposta interessante para se fazer em sala de aula, como professor.
Sem perceberem, os alunos pensarão no uso da língua poeticamente.
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
Fonte: https://bit.ly/2GZ3YZs
Paradigma e sintagma não são conceitos que possamos conhecer de uma só vez,
certo? Se quiser se aprofundar neles, aproveite a próxima inserção do box Explore.
Roman Osipovich Jakobson (em russo: Роман Осипович Якобсон; Moscovo, 11 de outubro
de 1896-Estados Unidos, 18 de julho de 1982) foi um pensador russo. É considerado um dos
mais importantes linguistas do século XX e um pioneiro da análise estrutural da linguagem,
da poesia e da arte.
Foi chamado de “o poeta da linguística” por Haroldo de Campos, sendo conhecido por sua
conceituação das funções da linguagem, entre elas figurando a função poética, e tendo feito,
por exemplo, estudos sobre as obras de Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa e Bertolt Brecht.
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No campo da linguística estrutural, desenvolveu, com colaboradores como Nikolaj
Trubetzkoy e Morris Halle, o conceito de traço distintivo em fonologia, posteriormente
expandido para outros níveis de análise linguística. Disponível em: https://bit.ly/344cBuf
“O prato estava ótimo” – a comida (que estava no prato) estava ótima. Prato,
então, refere-se à comida por contiguidade, e por fazer parte, de alguma forma,
da comida.
“Na lata do poeta tudo-nada cabe” (GILBERTO GIL). Nesse verso, a lata é um
objeto concreto, portanto, elaboramos uma imagem. Embora cada um faça uma
imagem diferente desse objeto lata, compartilharemos a utilidade e a concretude
do objeto porque na continuidade do verso, o poeta usa o verbo “caber”. Lata
designa um objeto que é uma porção da chamada “realidade”. Aquilo que entende-
mos por “real”.
O poema quebra nossa expectativa quando continua e diz que a lata é do poeta e
nela tudo-nada cabe. Ou seja, a utilidade comum da lata não é para o poeta e nem
para o leitor/ouvinte. O poeta trata de outro tipo de utensílio, de outro tipo de utili-
dade. A imagem da lata permanece potente pela sua concretude, mesmo que o que
cabe nela não sejam coisas concretas. O poeta Gilberto Gil, então, criou uma figura,
que é a metáfora, a partir da semelhança.
Podemos pensar também num exemplo de uma metáfora mais cotidiana e usual,
como “Lúcia é uma flor”. Neste caso, criamos uma imagem de Lúcia, aproximando
por semelhança uma pessoa de uma flor, porque queremos dizer que Lúcia é bela e
delicada, ou que Lúcia é generosa e frágil.
Vale a pena lembrar sempre que metáfora e metonímia são figuras de linguagem,
pois representam uma ideia com palavras. O verbo “figurar” vem das artes plásticas
em que se pode desenhar, pintar, esculpir para criar uma imagem.
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
Ficou mais claro? Então vamos em frente para analisar outros exemplos.
Observe o verso a seguir: “Cada um de nós é a bússola sem Norte” (ALPHONSUS
GUIMARÃES). Nesse verso, o poeta aproxima por semelhança homem e a bússola,
mas uma bússola desorientada. É a ideia de orientação (na bússola, por estar sempre
apontando para o Norte e ter um sentido a seguir), ou a falta dela (da orientação, de
ter um sentido a seguir), tornando bússola e homem semelhantes: o homem, o ser
humano, perdido e sem conseguir dar sentido à vida, é metaforizado por meio da
imagem de uma bússola sem Norte.
Quanto à metáfora, cujos signos tendem a ser ícones (signos que se organi-
zam por similaridade), apresenta variações, níveis de similaridade. Comparemos
dois exemplos:
• José é águia: o que podemos observar aqui? Para se fazer essa afirmação, deve-
-se ter percebido certos traços de semelhança ou analogia entre José e a águia,
os quais foram relacionados e produziram sentidos na criação de uma metáfora.
Você nota, porém, que a semelhança – no caso, é entre uma pessoa e uma ave.
Vemos, então, que a metáfora – neste e na maioria dos casos – é um curioso
fenômeno de analogia por contiguidade. Ou seja, é um ícone por contiguidade;
• Aguiar é águia: aqui há algo mais do que criar a imagem de Aguiar (pessoa)
percebendo características semelhantes com a águia (pássaro), na produção da
metáfora. Há uma transposição ou tradução da semelhança entre ambos para
sua concretização na semelhança de sons entre os nomes do pássaro e da pes-
soa, ou seja, das palavras (signos) que designam esses dois seres.
A analogia, isto é, a semelhança não está expressa apenas entre o que é desig-
nado pelas palavras, mas se apresenta também nas letras, nos sons dos próprios
signos verbais.
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» Paronomásia II (anagrama) – comer e coçar é só começar: observe que
os verbos “comer” e “coçar” estão dentro, formam o verbo “começar”. Ao
mesmo tempo esse encaixe reforça os sentidos que se quer produzir: “quando
começamos a comer e a coçar, não conseguimos parar”;
» Paronomásia III (aliteração):
Vaia o vento
e vem vem
Vaia o vento
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
b) entre a matéria e seu objeto ex.: ouro quando empregado como “dinheiro”;
c) entre um ser e o seu princípio ativo ex.: alma em “cidade de cem mil almas”;
Fonte: https://bit.ly/31dAe1O
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II. Metáfora, segundo Paula Mendes:
Etimologicamente, o termo metáfora deriva da palavra grega metaphorá
através da junção de dois elementos que a compõem – meta que significa
que significa “sobre” e pherein com a significação de “transporte”. Neste
sentido, metáfora surge enquanto sinónima de “transporte”, “mudança”,
“transferência” e em sentido mais específico, “transporte de sentido pró-
prio em sentido figurado”.
Fonte: https://bit.ly/2H8GdOm
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Vejamos um exemplo da palavra virando coisa, figura e criando seu próprio dicio-
nário:
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape. (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE apud
PIGNATARI, 2005, p. 18-19)
O “inseto” deste poema não é a palavra “inseto”, mas o vocábulo cava. Pelo
corte do verbo e pela reduplicação, o vocábulo-inseto “cava” é aquele que se move e
adentra o poema como se fosse a terra.
Fonte: https://bit.ly/345sCAa
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“Metáfora” (a canção, parênteses nosso) é metalinguística: o poeta falando sobre
a poesia: sobre a própria linguagem poética a se desvelar, se dizer o que é, se re-
velar. Uma canção que transcende ao propósito genérico da minha obra que é ser
uma obra de compositor, como se houvesse um ligeiro deslocamento do ser poético
para cima do ser musical, ou talvez para o lado; de todo modo, um deslocamento
qualquer que lhe dá distinção. Só um ano, ou mais, depois de escrever o primeiro
terceto num caderno e deixá-lo de lado, eu retornei à letra. Desde o início eu queria
falar do significado da poesia - poetar o poetar –, mas até ali a palavra “metáfora”
ainda não tinha me ocorrido. Foi somente quando, ao começar o segundo terceto,
surgiu a ideia de “meta”, que o termo me veio, e com ele a consciência de que, dali
em diante, eu passaria a construir a letra para chegar à palavra “metáfora” no fim –
para culminar com ela e com ela titular a canção.
Enquanto escrevia, eu relutei em usar “tudo-nada” como uma palavra só, mas re-
solvi mantê-la assim para marcar a ideia da condensação dos sentidos, por mais
opostos, num mesmo e único termo; só faltou radicalizar tirando o hífen e deixando
“tudonada”, grafia que passo a adotar. Outra relutância foi em admitir a brincadei-
ra contida no verso “deixe a sua meta fora da disputa” – o desmembramento da
palavra antes de ela aparecer. Pareceu-me de início gratuito, mas acabei achando
engenhoso. Eu queria responder às cobranças, que nos eram feitas na época, de
conteúdos mais dirigidamente político-sociais, e falar da independência do poeta;
do fato de a poesia e a arte em geral pertencerem ao mundo da indeterminação,
da incerteza, da imprevisibilidade, da liberdade, do paradoxo. O poeta Haroldo de
Campos se identificou com a canção, que de fato é sobre – e para – todos nós: eles,
os concretistas, que foram atacados pelos conteudistas, e nós, os baianos, que abra-
çamos a causa deles.
“Uma lata existe para conter algo,
Mas quando o poeta diz lata
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo,
Mas quando o poeta diz meta
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo-nada cabe,
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha a caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta,
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora”.
Fonte: https://bit.ly/345sCAa
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
E, nas palavras com prefixo negativo: in, teremos incabível. Palavra única no
verso, reinando absoluta. O “incabível” não cabe no verso.
Na última estrofe, os versos são decassílabos, com exceção do quarto, que nos
estimula a ler/cantar metáfora como duas palavras: meta e fora.
“Uma lata existe para conter algo”. Lata é um recipiente que deve abarcar um
conteúdo, ou seja, transportando para a linguagem, deve abarcar um significado.
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Neologismo: é um fenômeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou
expressão nova, ou na atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente. Pode
ser fruto de um comportamento espontâneo, próprio do ser humano e da linguagem, ou
artificial, para fins pejorativos ou não. Geralmente, os neologismos são criados a partir de
processos que já existem na língua: justaposição, prefixação, aglutinação, verbalização
e sufixação.
Esse processo de criação se dá, devido a capacidade de ampliação que o léxico de uma
língua natural possui, assim como a Língua Portuguesa. Em vista disso, compreendemos
que, como o mundo, uma língua natural está em constante transformação e, o neologismo,
pode ser considerado um fenômeno enriquecedor atribuído ao léxico de uma língua e ao
vocabulário dos falantes.
Fonte: https://bit.ly/37eOfjI
Aliás, todo discurso literário exige interação entre o enunciador (o sujeito poético)
e o enunciatário (o leitor).
O sujeito poético não diz o mundo, mas o recria por meio de palavras. O poema
não diz a metáfora, ele a concretiza por meio dos recursos linguísticos.
Além das figuras de linguagem, das questões dos eixos sintagmático e paradig-
mático, teremos outro aspecto da poesia, que amplia as possibilidades da leitura de
um poema: a imagem poética. Vejamos o que o poeta Octavio Paz (2012, p. 104)
escreveu sobre isto:
A palavra imagem, como todos os vocábulos, tem diversos significados.
Por exemplo: figura, representação, como quando falamos da figura de
Apolo ou da Virgem. Ou figura real ou fictícia que produzimos com a
imaginação. Nesse sentido, o vocábulo possui um valor psicológico: as
imagens são produtos imaginários. Mas esses não são os seus únicos
significados, nem os que nos interessam aqui. Convém advertir, então,
que designamos com a palavra imagem toda forma verbal, frase ou
conjunto de frases, que o poeta diz e que juntas compõem um poema.
Essas expressões verbais foram classificadas pela retórica e se chamam
comparações, símiles, metáforas, jogos de palavras, paronomásias,
símbolos, alegorias, mitos, fábulas etc. Quaisquer que sejam as diferenças
de preservar a pluralidade de significados da palavra sem romper a unidade
sintática da frase ou do conjunto de frases. Cada imagem – ou cada poema
feito de imagens – contém muitos significados opostos ou díspares, que
ela abrange ou reconcilia sem suprimir. Assim, São João fala de “música
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
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Esse autor destaca também que a imagem é capaz de reconciliar elementos con-
trários, mas esta reconciliação não pode ser explicada pelas palavras – isso é possível
somente pelas imagens. Trata-se de um recurso capaz de ir contra o silêncio que
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nos invade quando tentamos exprimir as experiências que nos constituem enquanto
seres humanos.
O crítico literário Octavio Paz (1976) defende que a imagem é responsável por
transmutar o homem e convertê-lo em imagem, isto é, em espaço onde os contrá-
rios se fundem. Destaca ainda que o próprio homem, desgarrado desde o nascer,
reconcilia-se consigo quando se faz imagem, quando se faz outro, porque, segundo
Paz (1976), a poesia tem o poder de colocar o homem fora de si e, simultaneamente,
fazê-lo regressar ao seu ser original, isto é, voltá-lo para si: “O homem é sua imagem:
ele mesmo e aquele outro. Através da frase que é ritmo, que é imagem, o homem –
esse perpétuo chegar a ser – é. Poesia é entrar no ser” (PAZ, 1976, p. 50).
Assista à conferência que o professor Murilo Marcondes Moura deu sobre a imagem
poética. Trata de poetas importantes da Modernidade, tal como Pierre Reverdy, que deu
uma definição sobre “imagem poética” do minuto 38 até o 42 no vídeo.
Disponível em: https://youtu.be/KojSZlOv2uU
Além de Reverdy, o professor Moura comenta poemas de João Cabral de Melo Neto, de
Oswald de Andrade e de Manuel Bandeira. Vale a pena ver a palestra inteira, anotando pon-
tos importantes e lendo os poemas mencionados, pois a imagem poética de Murilo Mar-
condes Moura se dá em uma aula fundamental, um tratado de poética, dado que percorre
grande parte da literatura ocidental.
Pierre Reverdy (13 de setembro de 1889-17 de junho de 1960) foi um poeta francês
associado ao surrealismo e, principalmente, ao cubismo, do qual se tornou o prin-
cipal teórico em sua transposição para a literatura, após a morte de Apollinaire.
Disponível em: https://bit.ly/2SXpO1G
Guillaume Apollinaire foi possivelmente o mais importante ativista cultural das vanguar-
das do início do século XX, conhecido particularmente por sua poesia sem pontuação e grá-
fica, e por ter escrito manifestos importantes para as vanguardas na França, tais como o do
cubismo, além de ser o criador da palavra surrealismo. Disponível em: https://bit.ly/2T1nVBa
Em Síntese
Nesta Unidade vimos aspectos da linguagem poética, refletimos sobre “o que cabe na
lata do poeta”. Para isso, respaldamo-nos em trechos do livro O que é comunicação
poética, de Décio Pignatari (2005) e estudamos os processos de contiguidade e de si-
milaridade, nas figuras de linguagem metáfora e metonímia. Analisamos também esses
processos na canção de Gilberto Gil, Metáfora.
Por fim, vimos o conceito de imagem, da perspectiva do poeta Octavio Paz (1976, 2012),
uma questão fundamental para a poesia, assim como a ideia de linguagem poética que
se diferencia da linguagem literal.
Continue estudando com as indicações presentes no Material Complementar desta Unidade.
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
Anexo I
Poema Que cidade é essa?, de Gi Góis:
Quando invertido, o mesmo poema, cujo título é Que cidade é essa?, torna-se
visualmente uma cidade – a monografia de Kamilla Reginna Silva Oliveira trabalha o
conceito de imagens no poema:
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Figura 2
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UNIDADE A Palavra e a Imagem na Poesia
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Vídeos
Ricardo Domeneck – Imagem da Palavra – Parte 1
https://youtu.be/hotiC094Sck
Ricardo Domeneck – Imagem da Palavra – Parte 2
https://youtu.be/Wxd6p6yMKQg
Ciclo de Diálogos: o Que é a Poesia? – com Augusto de Campos
https://youtu.be/oYq9zsHMmQk
Leitura
Poesia e Imagem – o Desenho Verbal: uma Análise na Obra de Manoel de Barros
De Kamilla Reginna Silva Oliveira.
https://bit.ly/31arwkD
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Referências
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Lisboa: [s.n.], 1971.
Sites visitados
YOUTUBE. A imagem poética. [20--]. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=KojSZlOv2uU>. Acesso em: 05/06/2020.
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